A possibilidade de reconhecimento da união estável...

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REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA CNEC OSÓRIO / FACOS VOL. 4 Nº 1 MARÇO/2014 ISSN 2236-3734 . Página 31 A possibilidade de reconhecimento da união estável putativa Filipe Wiceskoski dos Santos 1 Jarbas Freitas da Silva 2 Resumo: A temática escolhida envolve o embate sobre a possibilidade de reconhecimento de famílias simultâneas, especificamente no que concerne à união estável putativa. Não há como negar que algumas vezes verifica-se a existência de relacionamentos duradouros paralelos a outros já pré- existentes. O objetivo deste trabalho é determinar um posicionamento quanto a esta questão, o que se reveste de fundamental importância, pois da definição de como se enfrentarão estas situações emanarão determinados direitos para as pessoas envolvidas nessa relação. Através do objeto de pesquisa proposto buscaremos investigar como a doutrina, e jurisprudência, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já existente, vêm enfrentando este tema, para, por meio deste diálogo, chegar a uma posição diante da discussão em tela. Palavras-chave: boa-fé casamento - união estável. Abstract: This paper investigates the possibility of recognizing the existence of simultaneous families, specifically with respect to putative marriage. Undeniably, long-lasting relationships are sometimes conjoined with pre-existent ones. Our aim is to provide an insight into this extremely important issue, given that, by determining how these situations can be addressed, those involved in the relationship shall be entitled to certain rights. Therefore, we seek to assess how the doctrine and case laws of the Brazilian Supreme Court, of the Brazilian Higher Court of Justice and of the State Court of Justice of Rio Grande do Sul have dealt with this issue so that a solution thereto can be eventually proposed. Keywords: common-law marriage - good faith. Introdução Ao reconhecermos que existem relacionamentos duradouros que se formam durante a constância de um casamento, ou mesmo uma união estável, pré-constituídos, nos deparamos com uma situação onde podem ser estabelecidos os questionamentos: este relacionamento contraído posteriormente constitui uma entidade familiar? Qual tutela o direito reserva para esta situação? Responder estas perguntas se reveste de importância ao passo que da definição de como se enfrentarão estas questões é que emanarão determinados direitos para as pessoas que figuram nesse liame. 1 Acadêmico do curso bacharelado em Direito FACOS/CNEC. 2 Professor do curso de bacharelado em Direito FACOS/CNEC.

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A possibilidade de reconhecimento da união estável putativa

Filipe Wiceskoski dos Santos1 Jarbas Freitas da Silva2

Resumo: A temática escolhida envolve o embate sobre a possibilidade de reconhecimento de famílias simultâneas, especificamente no que concerne à união estável putativa. Não há como negar que algumas vezes verifica-se a existência de relacionamentos duradouros paralelos a outros já pré-existentes. O objetivo deste trabalho é determinar um posicionamento quanto a esta questão, o que se reveste de fundamental importância, pois da definição de como se enfrentarão estas situações emanarão determinados direitos para as pessoas envolvidas nessa relação. Através do objeto de pesquisa proposto buscaremos investigar como a doutrina, e jurisprudência, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já existente, vêm enfrentando este tema, para, por meio deste diálogo, chegar a uma posição diante da discussão em tela. Palavras-chave: boa-fé – casamento - união estável. Abstract: This paper investigates the possibility of recognizing the existence of simultaneous families, specifically with respect to putative marriage. Undeniably, long-lasting relationships are sometimes conjoined with pre-existent ones. Our aim is to provide an insight into this extremely important issue, given that, by determining how these situations can be addressed, those involved in the relationship shall be entitled to certain rights. Therefore, we seek to assess how the doctrine and case laws of the Brazilian Supreme Court, of the Brazilian Higher Court of Justice and of the State Court of Justice of Rio Grande do Sul have dealt with this issue so that a solution thereto can be eventually proposed. Keywords: common-law – marriage - good faith.

Introdução

Ao reconhecermos que existem relacionamentos duradouros que se formam durante

a constância de um casamento, ou mesmo uma união estável, pré-constituídos, nos

deparamos com uma situação onde podem ser estabelecidos os questionamentos:

este relacionamento contraído posteriormente constitui uma entidade familiar? Qual

tutela o direito reserva para esta situação?

Responder estas perguntas se reveste de importância ao passo que da definição de

como se enfrentarão estas questões é que emanarão determinados direitos para as

pessoas que figuram nesse liame.

1Acadêmico do curso bacharelado em Direito – FACOS/CNEC.

2 Professor do curso de bacharelado em Direito – FACOS/CNEC.

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O objeto de pesquisa tem por finalidade averiguar a possibilidade de

reconhecimento da união estável putativa. Para chegarmos a um posicionamento

acerca do tema analisaremos critérios como boa-fé, requisitos para o

reconhecimento da união estável e princípio da monogamia.

O propósito deste trabalho é aclarar questões acerca dos requisitos de constituição

da união estável e a possibilidade de reconhecimento em caso de putatividade. Para

se chegar à melhor elucidação sobre o tema, não podemos deixar de esclarecer

pontos que dão contorno ao que se pretende abordar, fazendo-se necessário

discorrer acerca do casamento putativo e dos requisitos para o reconhecimento da

união estável.

A pesquisa partirá da hipótese de que a boa-fé é elemento que integra o núcleo da

ideia de putatividade da união, portanto, a sua verificação se faz necessária na

apuração do reconhecimento ou não de constituição de união estável putativa.

Imprescindível também se faz delimitar a adoção ou não do princípio da monogamia

pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois a discussão sobre este princípio incide

diretamente sobre o tema proposto.

A escolha do tema se deu devido à relevância do assunto em matéria de direito das

famílias, pois muitas pessoas vivem em relacionamentos que preenchem (ou

aparentemente preenchem, em se tratando de putatividade) os requisitos para que

se configure a união estável. Após o estudo inicial e a análise de decisões judiciais

recentes que tratam do assunto, e levando também em consideração a questão

social que o objeto desta pesquisa levanta, surgiu o interesse em abordá-lo.

A Constituição Federal brasileira de 1988, através de seu artigo 226, §3º, elevou a

figura da união estável à condição de entidade familiar, como se pode perceber:

“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e

a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em

casamento.” Superada a questão de se tutelar a união estável, que se encontra

disciplinada no Código Civil de 2002, do artigo 1.723 ao 1.727, propomos uma nova

discussão a cerca da possibilidade de reconhecimento da união estável putativa.

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A partir da definição do que vem a ser entendido como união estável restou o

concubinato adulterino, unificando-se a denominação concubinato, não possuindo

este estatuto próprio e sendo tomado como tipo excludente. Diferencia-se o

concubinato da união estável através da existência de impedimentos matrimoniais,

exceto em se tratando de pessoa não divorciada separada de fato3.

Constatamos, através dessa diferenciação, a prevalência do princípio da

monogamia, e assim tem sido o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal

de Justiça4. Contudo, tal qual como ocorre com o casamento putativo, existem

situações onde a pessoa acredita que não há obstáculo para a constituição da união

estável, caso em que pretendemos verificar a possibilidade de se alcançar os efeitos

decorrentes deste instituto àquele que estava de boa-fé.

O Código Civil de 2002 estabelece, em seu artigo 1.724, que as relações pessoais

entre os declarantes obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e

3 LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 182.

4 DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS.

IMPOSSIBILIDADE. EXCLUSIVIDADE DE RELACIONAMENTO SÓLIDO. CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA JURÍDICA DA UNIÃO ESTÁVEL. EXEGESE DO § 1º DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. 1. Para a existência jurídica da união estável, extrai-se, da exegese do § 1º do art. 1.723 do Código Civil de 2002, fine, o requisito da exclusividade de relacionamento sólido. Isso porque, nem mesmo a existência de casamento válido se apresenta como impedimento suficiente ao reconhecimento da união estável, desde que haja separação de fato, circunstância que erige a existência de outra relação afetiva factual ao degrau de óbice proeminente à nova união estável. 2. Com efeito, a pedra de toque para o aperfeiçoamento da união estável não está na inexistência de vínculo matrimonial, mas, a toda evidência, na inexistência de relacionamento de fato duradouro, concorrentemente àquele que se pretende proteção jurídica, daí por que se mostra inviável o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. 3. Havendo sentença transitada em julgado a reconhecer a união estável entre o falecido e sua companheira em determinado período, descabe o reconhecimento de outra união estável, simultânea àquela, com pessoa diversa. 4. Recurso especial provido. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 912.926/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 07/06/2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=990368&sReg=200602738436&sData=20110607&formato=PDF>. Acesso em: 16 nov. 2013. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS LEGAIS. EQUIPARAÇÃO A CASAMENTO. PRIMAZIA DA MONOGAMIA. RELAÇÕES AFETIVAS DIVERSAS. QUALIFICAÇÃO MÁXIMA DE CONCUBINATO. RECURSO DESPROVIDO. [...] 4. Este Tribunal Superior consagrou o entendimento de ser inadmissível o reconhecimento de uniões estáveis paralelas. Assim, se uma relação afetiva de convivência for caracterizada como união estável, as outras concomitantes, quando muito, poderão ser enquadradas como concubinato (ou sociedade de fato). 5. Agravo regimental a que se nega provimento. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 1130816/MG, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 27/08/2010.Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq= 995582&sReg=200802605140&sData=20100827&formato=PDF>. Acesso em: 16 nov. 2013.

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de guarda, sustento e educação dos filhos. O ponto que levanta interpretações

divergentes é o embate entre lealdade e fidelidade.

Esta questão nos remete à discussão sobre o princípio da monogamia, que é cerne

da questão sobre a possibilidade ou não do reconhecimento de uniões estáveis

constituídas posteriormente a um casamento ou outra união. É importante não

olvidar de abordar a questão da boa-fé como elemento integrante da problemática

que envolve a delimitação proposta.

Buscaremos, ainda, examinar a questão da coabitação, se tem sido vista como

pressuposto, ou meramente como mais um indício para provar a caracterização da

união estável.

Concluída a presente pesquisa esperamos, por meio de uma argumentação

articulada, atingir o objetivo traçado, de modo a chegarmos a uma posição sobre a

problemática que envolve a delimitação do tema, ou seja, avaliar a possibilidade de

reconhecimento da união estável putativa.

Requisitos para caracterização da união estável

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald disciplinam que para

compreendermos quais são os requisitos que caracterizam a união estável devemos

realizar uma análise conjunta do que estampam o § 3º do artigo 226 da Carta Magna

e o artigo 1.723 do Diploma Civil5.

Os autores referem que da leitura dos dispositivos supra mencionados infere-se que

para que se configure a união estável devem estar presentes alguns elementos

essenciais: I) diversidade de sexo6; II) estabilidade; III) publicidade; IV) continuidade;

V) ausência de impedimentos matrimoniais; sendo necessário que esses elementos

5FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. rev., ampl. e atual.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 462. 6Sobre este item cabe ver ADPF 132. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 132,

Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 16 nov. 2013.

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estejam conectados a um elemento principal que é o ânimo de constituição de

família, ou seja, que se constate a intenção de estar vivendo como se casados

fossem, constituindo este requisito ponto de partida para a verificação da união

estável, ou seja, podendo ser entendido como verdadeira conditio sine qua non.7

Assim, os demais elementos podem ser compreendidos de maneira acessória, ao

passo que sem a presença do animus familiae não restará caracterizada a união

estável8.

Merece realce aqui a não incidência do impedimento disposto no inciso VI do artigo

1.521 do Código Civil, na hipótese de pessoa casada que se encontra separada de

fato, motivo pelo qual Paulo Lôbo não elege a inexistência de impedimento para o

casamento como requisito para a união estável9.

O autor acrescenta que reordenando os requisitos, podemos estabelecer que a

união estável demanda a existência dos três elementos que são comuns a todas

entidades familiares e mais um em especial, o qual lhe confere a identidade e a

autonomia. Os requisitos comuns, que podem ser observados no casamento, na

entidade monoparental, na entidade de irmãos sem pais ou de outras entidades de

parentes diversas da família nuclear, são os seguintes: I) publicidade ou

ostensibilidade da convivência; II) afetividade; III) estabilidade10.

E, por requisito exclusivo o doutrinador destaca a convivência de um homem e de

uma mulher em posse de estado de casados, a chamada convivência more uxório,

isto é, de acordo com o costume de casado, ou como se casados fossem,

abarcando esta condição todos os elementos essenciais: os impedimentos para

constituição, os direitos e deveres comuns, o regime legal de bens, os alimentos, o

poder familiar, as relações de parentesco, a filiação. Trata-se de uma situação que

7FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. rev., ampl. e atual.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 462-463. 8 Ibidem, p. 462-463.

9 LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 168.

10Ibidem, p. 168-169.

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tem início sem que haja a necessidade de que seja realizado qualquer ato jurídico

como condição para decretar a sua constituição ou a sua dissolução11.

Em se tratando de elementos para a caracterização da união estável, nos ateremos

aos seguintes requisitos dispostos no artigo 1.723 do Código Civil: I) publicidade; II)

continuidade; III) durabilidade; e, IV) objetivo de constituição de família.

Imprescindível também se faz entrar no embate sobre a exclusividade, que é cerne

da discussão fomentada por esta pesquisa, além de, ainda, abordar a questão

atinente à coabitação.

Passaremos agora, então, à análise dos requisitos acima apresentados, pois a

compreensão destes é de suma importância para adentrarmos no debate acerca da

problemática proposta.

Publicidade

A publicidade é um dos elementos que está inserido na conceituação trazida pelo

artigo 1.723 do Código Civil. Este requisito traz a idéia de notoriedade da relação, de

modo que a união que terá proteção é aquela na qual o casal se apresenta perante

a sociedade como se fossem casados. Portanto, a relação clandestina não será

considerada como união estável12.

Para que se verifique a constituição da união estável é necessário que a relação

seja pública, em outras palavras, é necessário que os companheiros não ocultem do

meio social a sua união, mantendo a relação perante a sociedade, de modo que

sejam reconhecidos como uma família13.

Frisa-se que a publicidade exprime a notoriedade da relação perante o meio social

no qual os companheiros estão inseridos, com a finalidade de estabelecer que

relações menos compromissadas não sejam consideradas entidades familiares, ou

11

Ibidem, p.169. 12

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. V. 6. P.45. 13

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 468.

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seja, aquelas relações em que as partes não se apropriam da condição de aparência

de casados14.

Continuidade

O elemento continuidade é outro requisito elencado na legislação infraconstitucional

e constitui complemento da estabilidade, a qual tem como pressuposto que a

situação de fato não sofra com interrupções, ou seja, que exista uma continuidade

na relação.15 Álvaro Villaça de Azevedo faz a seguinte ponderação:

Não se pode, portanto, admitir a existência da união estável sem essa continuidade. Assim, uma convivência que se interrompe ou que se suspende com frequência quebra o relacionamento familiar, que necessita ser constante, com certa estabilidade

16.

Ao falar-se da continuidade não podemos entendê-la de forma a considerar que

qualquer ruptura prejudicaria a caracterização da união estável, o que quer se evitar

é que relacionamentos que não tenham como característica uma convivência

constante, ou seja, instáveis, confundam-se com o objetivo do instituto17.

Em concisa passagem Flávio Tartuce e José Fernando Simão ensinam que os

requisitos, nesse contexto, são que a união seja pública (no sentido de notoriedade,

não podendo ser oculta, clandestina), contínua (sem que haja interrupções, sem o

famoso “dar um tempo” que é tão comum no namoro)18. (grifo nosso). Fica claro,

portando, que a relação que sofra com a falta de continuidade, ou seja, com

reiteradas interrupções, não está compreendida dentro do que se entende por união

estável.

O que se pretende através do requisito da continuidade não é inserir a noção de

perpetuidade, mas sim a solidez do vínculo, tendo em conta que a própria ideia de

estabilidade compreende a concepção de continuidade19.

14

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 7. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 169. 15

VENOSA, op. cit., p. 43. 16

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de Fato. De acordo com o atual Código Civil. Lei nº 10.406, de 10-01-2002. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2011. P. 398. 17

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 467. 18

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. V. 5. P. 277. 19

FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 467.

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Durabilidade

Maria Berenice Dias expõe que a caracterização da união estável não exige lapso

de tempo mínimo como condição para a sua constituição, porém, é necessário que a

relação se prolongue no tempo sem que haja interrupções na sua continuidade,

podendo-se identificar neste ponto o elemento durabilidade e o continuidade. A

referida autora ainda coloca que a unicidade da relação deve ser apurada por meio

da análise conjunta de todos os requisitos que a legislação aponta, frisando também

que deve haver sensibilidade na apuração, de modo que não se amordace o

instituto20.

O texto constitucional faz menção à estabilidade, de forma que o relacionamento

transitório não encontra a proteção despendida pela lei. Como consequência dessa

estabilidade segue-se que ela seja duradoura, como mencionado no texto do artigo

1.723 do Diploma Civil21.

Carlos Roberto Gonçalves também apresenta ponderações sobre o assunto, este

leciona que a própria denominação união estável já nos remete à ideia de que o

relacionamento deve ter como característica a durabilidade, projetando-se no

tempo.22 O autor ainda refere que não obstante, tal requisito foi enfatizado no art.

1.723 do Código Civil, ao exigir que a convivência seja pública, contínua e

duradoura23. (grifo do autor).

Cabe destacar que, portanto, os relacionamentos passageiros, de curta duração,

onde não é possível aferir estabilidade, não se enquadram no conceito de união

estável24.

20

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 7. Ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 169. 21

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. V. 6. P. 42 43. 22

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5. Edição revista e atualizada. São Paulo: Saraiva 2008. V. 6. P. 554. 23

Idem, p. 554. 24

Sobre o assunto há decisão no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no seguinte sentido: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. DURAÇÃO DO RELACIONAMENTO POR CURTO PERÍODO DE TEMPO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR. Ainda que a legislação que regula a matéria não tenha estabelecido um período mínimo de convivência para o reconhecimento da união estável, há o requisito de que tal convivência seja duradoura, no qual não

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Objetivo de constituição de família

Trata-se do elemento principal na verificação da união estável, pois a finalidade do

instituto não é tutelar as relações passageiras, mas sim aquelas eivadas do intuito

de construir uma família. A verificação dessa intenção deve passar pela apuração da

comunhão de vidas, de objetivos e da relação afetiva dos envolvidos, de forma que

se assemelhe ao casamento25.

Certamente não é necessário que da união advenham filhos, sendo este mais um

indício a ser considerado na apuração da união estável. O que se perquire aqui é o

intuito familiae, que pode ser compreendido pela comunhão de vida e de interesses

dos envolvidos na relação26.

Portanto, tem-se que é o intuito familiae, também denominado de affectio maritalis,

que distancia a figura da união estável de outros relacionamentos, como por

exemplo, o namoro, onde não está presente a intenção de constituir família, e o

noivado, onde os noivos manifestam a intenção de no futuro formar uma família,

porém, no presente, não vivem como se casados fossem27.

Sendo assim, numa relação de namoro ou de noivado, ainda que presentes alguns

dos demais requisitos caracterizadores da união estável, não ficando configurada a

vontade de viver como se fossem casados, não restará configurada a entidade

familiar, não gerando, pois, efeitos de cunho pessoal, tampouco patrimonial28.

se enquadra a alegada união estável que teria perdurado apenas sete meses. Improcedência da ação mantida. Precedentes. Apelação desprovida. (SEGREDO DE JUSTIÇA). RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70020852323, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 29/11/2007. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70020852323&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 10 nov. 2013. 25

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 463-464. 26

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. V. 6. P. 46. 27

FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 464. 28

Ibidem, p. 464.

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A coabitação e a súmula 382 do Supremo Tribunal Federal

A união estável é situação de fato que se assemelha ao casamento, no qual

algumas vezes os cônjuges não residem sob o mesmo teto, razão pela qual pode

haver constituição de união estável ainda que os envolvidos não residam na mesma

moradia, devendo, contudo, ser notório que eles convivem como se fossem

casados.29Sílvio de Salvo Venosa apresenta as seguintes ponderações:

Outro elemento que pode ser levado em consideração é a habitação comum. O legislador não a mencionou no que andou bem. A Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal já dispunha que “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é requisito indispensável à caracterização do concubinato”. A experiência social demonstra que há uniões sólidas, duradouras e notórias sem que o casal resida sob o mesmo teto. O próprio casamento pode conter uma separação material dos cônjuges por motivos de saúde, trabalho, estudo etc. Não se trata, portanto, de elemento conclusivo

30. (grifo do autor)

Nesse sentido também são os ensinamentos de Paulo Lôbo, que disciplina que a

convivência sob o mesmo teto não constitui requisito para a configuração da união

estável, por inteligência da Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal, que ainda

possui aplicabilidade. O autor refere que esta exigência não consta na Constituição

da República, tampouco no Diploma Civil, o que vem ao encontro da realidade, pois

pessoas podem manter um relacionamento estável sem que convivam sob o mesmo

teto. Tal situação pode ser verificada quando, por exemplo, por exigência

profissional elas acabam por residir separadamente. Leciona o vogal que essa

circunstância não afeta a estabilidade da relação quando os companheiros se

comportarem como se casados fossem perante a sociedade31.

Com base no que foi exposto fica claro que para a doutrina que aqui se lançou mão

a convivência sob o mesmo teto não é condição para a caracterização da união

estável, e esta posição encontra precedente no Superior Tribunal de Justiça32.

29

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 22. ed., rev. e atual. de acordo com a Reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. V. 5. P. 365. 30

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. V. 6. P. 47. 31

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 169-170. 32

AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL - COABITAÇÃO - REQUISITO QUE NÃO SE REVELA ESSENCIAL AO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO - PRECEDENTES - AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 59.256/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2012, DJe 04/10/2012. Disponível em:

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Contudo, cabe a ressalva de que também há julgado neste Tribunal Superior

referindo que a habitação comum é de relevância para se apurar a affectio

maritalis33.

Considerações sobre a exclusividade

Flávio Tarcuce e José Fernando Simão referem que para parte da doutrina o

elemento exclusividade, mesmo não constando de maneira expressa no corpo do

artigo 1.723 do Código Civil, consistiria um dos requisitos caracterizadores da união

estável, pois possui ligação com a intenção de constituição de família e decorre dos

deveres, que estão estampados no artigo 1.724 do Código Civil34.

Para Paulo Lobo, com a Constituição de 1988 instaurou-se um embate a respeito da

possibilidade jurídica de uniões estáveis paralelas, isto devido ao fato de a

legislação não apresentar regra com o condão de responder a este questionamento.

O posicionamento que o doutrinador citado adotou é o de não haver essa

possibilidade, com base no argumento de que a união estável é relação jurídica

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1178856&sReg=201101624298&sData=20121004&formato=PDF>. Acesso em: 16 de nov. 2013. CIVIL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE COABITAÇÃO DAS PARTES. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 1.723 DO CC NÃO CONFIGURADA. PARTILHA. IMÓVEL ADQUIRIDO COM RECURSOS PROVENIENTES DO SALÁRIO DO VARÃO. SUB-ROGAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 1.659, II, DO CC. 1. É pacífico o entendimento de que a ausência de coabitação entre as partes não descaracteriza a união estável. Incidência da Súmula 382/STF. 2. Viola o inciso II do art. 1.659, do CC a determinação de partilhar imóvel adquirido com recursos provenientes de diferenças salariais havidas pelo convivente varão em razão de sua atividade profissional, portanto de natureza personalíssima. 3. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1096324/RS, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 10/05/2010. Disponível em:<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=947931&sReg=200802186400&sData=20100510&formato=PDF>. Acesso em: 16 nov. 2013. 33

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. -O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. -Embora a coabitação não seja requisito necessário para o reconhecimento da união estável, sua existência é relevante para demonstrar a real intenção de constituir-se uma família, de modo a configurar-se a affectio maritalis. -Agravo não provido. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 1318322/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 13/04/2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1050858&sReg=201001053960&sData=20110413&formato=PDF>. Acesso em: 16 nov. 2013. 34

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. V. 5. P. 288.

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more uxorio, ou seja, é relação que deriva da convivência que gera estado de

casado, o qual tem como referência o casamento, que por sua vez, no direito

brasileiro, é uno e monogâmico35. Nessa mesma linha é o entendimento de Rolf

Madaleno:

Da leitura do artigo 1.724 do Código Civil, não remanescem dúvidas acerca das relações pessoais entre os companheiros obedecerem aos deveres de lealdade, entendendo-se como condições elementares para a configuração da união estável a exclusividade do relacionamento. Portanto, em sintonia com o § 1º do artigo 1.723 do Código Civil, o casamento antecedente, ou a união estável precedente, ausente de uma separação de fato ou de corpos, impede a constituição legal de uma outra união estável ou de um segundo matrimônio.

36

O doutrinador ainda refere que a fidelidade certamente é dever também no instituto

da união estável, e que embora a palavra fidelidade seja a usada nos deveres do

casamento e a palavra lealdade nos da união estável, não há dúvida de que o

sentido que se imprime é o de frisar que a relação entre os companheiros deve ser

exclusiva37. Acerca deste ponto, Arnaldo Rizzardo expõe:

A denominação união estável revela preferência no texto constitucional, na legislação ordinária, na doutrina e na jurisprudência. Representa a união de um homem e uma mulher em situação de inexistência de impedimentos para o casamento. Por extensão, abrange a união de pessoa separada de fato com outra pessoa. Ou corresponde à união entre pessoas já separadas de fato ou de direito, ou viúvas, ou divorciadas, ou solteiras, apresentando-se à sociedade como constituindo uma união, com as qualidades da exclusividade, fidelidade, vida em comum, moradia sob o mesmo teto, ostensividade e durabilidade

38.

Zeno Veloso refere que a relação afetiva entre uma pessoa casada e outra que não

seja o seu cônjuge resulta em adultério e, evidentemente, não se considera união

35

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3. Ed. São Paulo: Saraiva 2010. P. 171. 36

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 2ª Ed. Revista e atualizada, inclusive com a Lei da Guarda Compartilhada (Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008). Rio de Janeiro: Forense, 2008. P. 815. 37

MADALENO, Rolf. A União (ins)Estável (relações paralelas). Disponível em: <http://www.rolfmadaleno.com.br/rs/index.php?option=com_content&task=view&id=320&Itemid=39>. Acesso em: 18 ago. 2013. 38

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 7. Ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 917. O doutrinador ao tratar do artigo 1.724 do Código Civil refere que: “Entrementes, não se esgotam nessa relação. Outros existem de grande realce, ínsitos da própria relação, ou compreendendo aspectos daqueles, como a fidelidade recíproca, a vida em comum, e o mesmo domicílio, embora este último não se revele essencial.” Ibidem, p. 927.

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estável. Esta hipótese constitui concubinato, que era chamado por alguma doutrina

de concubinato impuro, mencionado no artigo 1.727 do Código Civil39.

Em sentido oposto milita Maria Berenice Dias. A jurista expõe que não se adivinha a

razão de ter o legislador substituído fidelidade por lealdade. Ressalta que devido ao

fato de na união estável ter sido imposto apenas o dever de lealdade, infere-se que

não há a obrigação de fidelidade. Assim, como a lei permite a possibilidade de se

definir como entidade familiar a relação onde não se encontram presentes os

deveres de fidelidade e coabitação, não há obstáculo para o reconhecimento de

vínculos paralelos. Para a referida autora, se aos companheiros não são impostos

tais deveres, a existência de mais de uma união não culminaria na desconfiguração

de nenhuma delas40.

Nessa perspectiva também menciona que as relações de concubinato são dotadas

de afeto, e embora sejam consideradas uniões adulterinas, emanam efeitos de

ordem jurídica41. Argumenta que se os requisitos legais puderem ser verificados, é

imperativo que a justiça reconheça tal relacionamento como uma união estável, de

39

VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado: Direito de Família. Alimentos. Bem de Família. União Estável. Tutela e Curatela. Artigos 1.694 a 1.783. Coordenador Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. V. 17. P. 123. 40

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 7. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 174. 41

Nessa linha: APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE. PARTILHA DE BENS. MEAÇÃO. "TRIAÇÃO ". ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em "triação", pela duplicidade de uniões. O mesmo se verificando em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável. Eventual período em que o réu tiver se relacionado somente com a apelante, o patrimônio adquirido nesse período será partilhado à metade. Assentado o vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a união o varão sustentava a apelante, resta demonstrado os pressupostos da obrigação alimentar, quais sejam, as necessidades de quem postula o pensionamento e as possibilidades de quem o supre. Caso em que se determina o pagamento de alimentos em favor da ex-companheira. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA). RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70022775605, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 07/08/2008. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/index.jsp?pesq=ementario&as_q=70022775605+inmeta%3ADataJulgamento%3Adaterange%3A2008-08-07..2013-11-15&as_epq=&as_oq=&as_eq=&sort=date%3AD %3AS%3Ad1&btnG=Buscar&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.NumProcesso%3A70022775605.%28Secao%3Acivel%7CSecao%3Acrime%29.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=OrgaoJulgador%3AOitava%2520C%25C3%25A2mara%2520C%25C3%25ADvel.Relator%3ARui%2520Portanova>. Acesso em: 18 nov. 2013.

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maneira que não dê uma resposta que afronte a ética, sendo conivente com o

enriquecimento sem justificativa42. A jurista explana que depois de anos de convívio,

descabido que o varão deixe a relação sem qualquer responsabilidade pelo fato de

ele – e não ela – ter sido infiel43.

Verifica-se ainda uma corrente que defende que se todos os envolvidos

conhecessem a situação de simultaneidade das relações seria possível o

reconhecimento de famílias paralelas. Nessa esteira Letícia Ferrarini:

Destarte, se houver nas relações paralelas respeito aos deveres da boa-fé, afeto, coexistência estável e plena ostentabilidade, não se poderá negar sua eficácia jurídica, mas também o beneplácito social, posto que incólume a confiança mútua e, especialmente, a dignidade de ambas as famílias

44.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald também fazem referência a esta

posição e expõem que a publicidade da relação concomitante, sem que haja

rechaça pelo cônjuge ou pelo segundo companheiro, geraria uma presunção relativa

de que todos os envolvidos concordam com a situação. Deste modo, estaria

justificado tratar-se desta questão no âmbito familiar, e não no obrigacional45.

Salienta-se que já sobreveio manifestação da Primeira Turma do Supremo Tribunal

Federal no sentido de não haver possibilidade de configuração de união estável

paralela a casamento46.

42

DIAS, op. cit., p. 50. 43

Ibidem, p. 50. 44

FERRARINI, Letícia. Famílias Simultâneas e seus efeitos jurídicos: pedaços da realidade em busca da dignidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. P. 116. 45

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 474. 46

COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER - CONCUBINA - DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 397762, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 03/06/2008, DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-03 PP-00611 RTJ VOL-00206-02 PP-00865 RDDP n. 69, 2008, p. 149-162 RSJADV mar., 2009, p. 48-58 LEXSTF v. 30, n. 360, 2008, p. 129-160. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=547259>. Acesso em: 15 nov. 2013.

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Casamento putativo

Casamento putativo é definido como aquele que é nulo ou anulável, porém, sendo

contraído de boa-fé por um ou até mesmo ambos os cônjuges, conforme artigo

1.521 do Código Civil. Entretanto, os efeitos do casamento apenas vão operar em

relação ao cônjuge que agiu de boa-fé, efeitos estes que vão da data de celebração

do matrimônio até o trânsito em julgado da sentença que o desconstitui47.

Deste modo, quanto ao cônjuge que casou de boa-fé a sentença gera efeitos ex

nunc, isto é, não irá retroagir nem até a data do casamento (artigo 1.523 do Código

Civil) tampouco à da sentença anulatória, desfazendo-se o matrimônio para este

quando a sentença transitar em julgado. Já em relação ao cônjuge que agiu de má-

fé operarão os efeitos retroativos, ou seja, efeitos ex tunc, porquanto ele tinha o

conhecimento da causa nulificante que, por consequência, invalida o casamento. No

que tange aos filhos, os efeitos sempre subsistirão e não dependem da apuração da

boa ou má-fé dos genitores48.

Sílvio de Salvo Venosa se refere ao casamento putativo como aquele que se reputa

verdadeiro, mas não o é49. (grifo do autor). Dito doutrinador salienta que a ideia

inicial é conferir efeitos ao casamento quando os cônjuges, ou pelo menos um deles,

pensaram que estavam contraindo matrimônio de maneira válida, de modo que a

sua boa-fé seja amparada50.

Nesse sentido também são os ensinamentos de Paulo Lôbo, que aclara que é tido

como casamento putativo (do latim puto, putare: pensar) aquele onde a sua

constituição se deu não obstante existissem impedimentos matrimoniais, havendo,

portanto, causa nulificante, ou, ainda, tenha se constituído mesmo existindo causas

47

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 7. Ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 150. 48

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 7. Ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 150. 49

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. V. 6. P. 126. 50

Ibidem, p. 126.

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suspensivas, sendo, neste caso, anulável, na hipótese de um ou até mesmo ambos

os cônjuges não terem ciência do fato obstativo51.

O doutrinador expõe que se verifica a boa-fé do cônjuge pelo simples fato de haver a

crença na validade total do casamento. A boa-fé necessita estar presente na

celebração do matrimônio e é sempre presumida, cabendo ao juiz o dever de

averiguar a sua presença no caso em concreto. O autor destaca que a boa-fé

subjetiva adquire relevância para que se alcancem efeitos para o casamento nulo ou

anulável. Diz mais, que a boa-fé purifica a invalidade, de modo que permite que

sejam operados efeitos a despeito desta, e que a putatividade tem fim quando o

magistrado decreta a invalidade do matrimônio, após constatar a existência do fato

obstativo52.

Portanto, ao falarmos de casamento putativo estamos tratando de um caso onde o

nulo ou o anulável produz efeitos, efeitos estes que são operados em favor do

cônjuge que contraiu matrimônio sem ter conhecimento de que havia algum fato que

constituía obstáculo ao casamento. Desta forma, o Direito busca dar respaldo à boa-

fé, valorizando o respeito, a confiança e a dignidade.

União estável putativa e boa-fé

Apresentados estes aportes teóricos iniciais acerca do que se entende por união

estável e também por casamento putativo, o que é de grande importância para a

compreensão da discussão aqui proposta, passaremos agora a adentrar no âmago

do debate, de forma a confrontar as posições que emergem sobre o tema e trazendo

à baila a noção de união estável putativa e a sua relação com a boa-fé.

Como advertem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald é tema latente no

universo jurídico brasileiro a questão de se aferir efeitos a uniões afetivas

51

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 127. 52

Ibidem, p. 127.

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constituídas de forma paralela53, tema este que é abordado pela doutrina e suscita

diferentes posicionamentos.

Os referidos autores lançam mão da ideia de putatividade da união estável por meio

da figura do casamento putativo, utilizando a analogia como base da construção

jurídica que dá suporte para a sua posição. Argumentam que se uma pessoa contrai

matrimônio com outra, já estando casada, àquela que integra o enlace posterior,

constatando-se a sua boa-fé, serão alcançados os efeitos do casamento. Não é

possível imaginar-se que em situação análoga, porém, tratando-se de união estável,

a companheira enganada não tenha salvaguardados os direitos que este instituto

traz.54 Assim também Rodrigo da Cunha Pereira analisa a questão:

Assim, considerando que o casamento e os seus ingredientes foram um forte paradigma de constituição de família, neste caso deve também ser invocado para ser aplicado analogicamente estes princípios. Em outras palavras, se no casamento putativo são concedidos os efeitos para o contraente de boa-fé, aqui também pode ser invocado este princípio, ou seja, a (o) companheira (o), sendo pessoa de boa-fé na relação concubinária, e pelo menos por parte dela (e), sendo uma relação monogâmica, não há razões para negar a concessão de todos os efeitos da União Estável

55.

Flávio Tartuce e José Fernando Simão anotam que esse entendimento aponta

problemas pelo fato da união estável não se igualar ao casamento, mencionando

que a definição e também os requisitos dos dois institutos são diversos. Os juristas

indicam que outro ponto a ser superado seria a dificuldade em estabelecer qual

relação veio primeiro. Entretanto, firmam entendimento no sentido de que

reconhecer a união estável putativa, através da analogia ao casamento putativo,

lhes parece ser posição justa, de maneira a proteger aquele que estava dotado de

boa-fé56.

53

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 471. 54

Ibidem, p. 471-472. 55

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Comentários ao novo Código Civil: da união estável, da tutela e da curatela. Colaboradores e equipe de pesquisa, Ana Carolina Brochado Teixeira, Cláudia Maria Silva. Rio de Janeiro: Forense, 2004. V. 20. P. 48-49. 56

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. V. 5. P. 290.

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Tartuce e Simão referem que o embate sobre a existência de hierarquia entre os

dois institutos é o que dá a direção da discussão a respeito da aplicação das

disposições referentes ao casamento serem aplicadas à união estável57.

Os doutrinadores referem que da leitura do § 3º do artigo 226 da Constituição

Federal de 198858 é possível extrair-se duas interpretações. A primeira é no sentido

de que existe hierarquia entre a união estável e o casamento, nessa linha, na união

estável não pode existir qualquer vantagem sobre o matrimônio. Os autores

exemplificam através da situação de uma pessoa que comece uma união estável

depois de atingir 60 anos de idade59. Seguindo esta interpretação ela seria obrigada

a viver sob a separação obrigatória de bens, tal como ocorre com o casamento60.

A segunda interpretação, que é a que os aludidos doutrinadores se filiam, seria a de

que não existe hierarquia entre estas entidades familiares, o que se depreenderia do

que a própria Carta Magna traz ao mencionar: “devendo a lei facilitar a sua

conversão em casamento”, sendo esta uma disposição destinada ao legislador

infraconstitucional, para que não crie empecilhos à conversão da união estável em

casamento, pois de modo contrário estaria incorrendo em inconstitucionalidade.

Assinalam que entendem que se uma coisa pode ser convertida na outra, logo, não

são iguais. Assim, no mesmo exemplo antes descrito, a pessoa teria o regime de

bens da comunhão parcial a reger a relação61, salvo se de modo diverso tiverem

disposto os envolvidos.62

57

Ibidem, p. 273. 58

Art. 226, § 3º, CF/88: “Para efeito de proteção do estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. VADE Mecum. 7. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 70. 59

Cumpre salientar que a Lei nº 12.344, de 2010, deu nova redação ao inciso II do artigo 1.641, CC: “Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: (...) II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (...)”.BRASIL. Lei nº 12.344, de 9 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12344.htm>. Acesso em 02 nov. 2013. 60

TARTUCE; SIMÃO, op. cit., p. 272. 61

No que concerne ao regime de bens aplicável à união estável onde figuram septuagenários, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se encontram posições com entendimentos diferentes: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. PEDIDO DE EXCLUSÃO DE HERDEIRA. A questão que não foi objeto da decisão agravada não pode ser apreciada pela Corte, sob pena de supressão de um grau de jurisdição. REGIME DE BENS. ARTIGO 1.641, II, DO CÓDIGO CIVIL. Aplica-se à união estável, por analogia, o disposto no artigo 1.641, inciso II, do CC. Precedente do STJ. DIVISÃO DOS BENS. Imposto o regime da separação obrigatória, também incide a Súmula 377 do STF e, assim, dividem-se os bens adquiridos na constância da união, desde que haja prova da contribuição de ambos os companheiros. CONHECERAM PARCIALMENTE DO

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Nesse sentido também militam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Os

juristas expõem que pelo § 3º do artigo 226 da Constituição da República o Estado

deve proteger o casamento e a união estável. Eles frisam que não se pode

compreender que a disposição de facilitar a conversão da união estável em

casamento tem o condão de estabelecer hierarquia entre os institutos, e enfatizam

que estes não são iguais, mas de igual forma merecem a proteção do Estado, pois

ambos são considerados entidades familiares, estando sob o abrigo do que dispõe o

RECURSO E, À PARTE CONHECIDA, NEGARAM PROVIMENTO. (grifo nosso). RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento Nº 70053882361, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 02/05/2013. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70053882361&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 10 nov. 2013. AGRAVO RETIDO. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO BACEN. DESCABIMENTO, NO CASO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. CONVIVENTE SEPTUAGENÁRIO. APLICAÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. SÚMULA 377 DO STF. PARTILHA DE BENS E DE VALORES. [...] 2. Reconhecida judicialmente a união estável, incidem nesta relação, considerando que ao tempo do início o companheiro já contava com 72 anos de idade, as regras do regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II, do CC, em analogia), comunicando-se eventuais aquestos resultado do esforço comum, que é presumido. Precedentes do STJ. [...]. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DO RÉU DESPROVIDO. (grifo nosso). RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70051216505, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 28/02/2013. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70051216505&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=>. Acesso em 10 nov. 2013. APELAÇÕES CÍVEIS. UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS. ÔNUS DA PROVA. RECONHECIMENTO. PRECEDENTES. [...] COMUNICAÇÃO PARCIAL DE BENS. REGIME LEGAL DAS UNIÕES ESTÁVEIS. PRINCÍPIO DA COMUNICABILIDADE. IDADE AVANÇADA DO COMPANHEIRO. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. INAPLICABILIDADE ÀS UNIÕES ESTÁVEIS. PRECEDENTES. Os bens adquiridos onerosamente pelo casal, na constância da união estável entre eles havida, devem ser partilhados igualmente, não se exigindo, para tanto, prova acerca da colaboração mútua prestada pelos conviventes, pois se presume o esforço comum do casal. A prevalência de regime de bens diverso requer prova de prévio acordo formal levado a termo pelas partes. Inobstante a idade avançada dos companheiros, o regime da separação legal de bens previsto no art. 1.641 do CCB não encontra incidência obrigatória nas uniões estáveis, ausente previsão legal nesse sentido e não havendo necessidade de sua aplicação. O regime obrigatório da separação de bens não se confunde com o regime facultativo da separação de bens previsto nos arts. 1.687 e 1.688 do mesmo diploma legal. Naquela hipótese osbens adquiridos onerosamente na constância da união (aquestos) devem ser partilhados em proporção igualitária, assim como ocorre no regime da comunhão parcial. Esse o teor da Súmula nº 377 do STF. APELO DESPROVIDO. (grifo nosso). RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70051253888, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 29/05/2013. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70051253888&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 10 nov. 2013. 62

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. V. 5. P. 272-273.

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caput do artigo 226 da Carta Magna63.64 Entretanto, nos parece que diferentemente

do pensamento de Flávio Tartuce e José Fernando Simão65, Cristiano Chaves de

Farias e Nelson Rosenvald filiam-se ao entendimento de que a união estável é

diferente do casamento apenas na forma de sua constituição e na prova de sua

existência, e que onde está se tratando de matrimônio, por via de conseqüência,

está se tratando da união estável66. Assim referidos autores tratam da matéria:

Em observância a um rigoroso respeito ao espírito constitucional, bem como procurando tornar real, concretas, a liberdade de escolha e a solidariedade afirmadas na Carta Maior, entendemos que a única interpretação razoável das normas infraconstitucionais é no sentido de garantir a mesma proteção a toda e qualquer pessoa humana que compõe entidade familiar, independemente da celebração do casamento. Enfim, onde se encontra protegido o cônjuge, tem de estar, por igual, o companheiro.

67

Essa vertente é verificada nas lições de Maria Berenice Dias, que menciona que a

Constituição Federal de 1988, ao referir que o Estado confere especial proteção à

família, não estabeleceu ordem de preferência por uma ou por outra entidade

familiar. A autora expõe que ainda que o casamento e a união estável não sejam a

mesma coisa, todas as entidades familiares restaram consideradas igualmente em

termos de proteção do Estado.68 Para a jurista a lei não pode dar tratamento

diferenciado para os companheiros e para os cônjuges, sendo que toda vez que se

conceder prerrogativas para o casamento deve-se estender estas à união estável e

em qualquer texto que faça referência ao cônjuge deve estar compreendido também

o companheiro69.

Para Paulo Lôbo também não há hierarquia entre os institutos, o autor disciplina que

a Constituição e a lei atribuíram à união estável status de entidade familiar,

possuindo seus direitos e deveres e estatuto jurídico próprio, e frisa que esta tem no

casamento a sua referência em termos de estrutura70.

63

Art. 226, caput, CF/88: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. VADE Mecum. 7. Ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 70. 64

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. P. 442. 65

TARTUCE; SIMÃO, op. cit., p. 273: “[...] Em nossa opinião, não há hierarquia entre os institutos e cada um segue a sua disciplina própria, de acordo com o previsto no Código Civil. [...]”. 66

FARIAS; ROSENVALD, op. cit. p. 442-443. 67

Ibidem, p. 444. 68

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. 7. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 165. 69

Ibidem, p. 167. 70

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 165.

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Já Maria Helena Diniz entende que a norma constitucional não colocou a união

estável no mesmo patamar do casamento, sendo que o matrimônio teria sido até

mesmo priorizado71. A jurista ainda expõe o seguinte:

[...] Incorpora assim a família de fato, oriunda de concubinato puro (RT, 649:52), sem contudo regulamentá-la, aproximando-a do casamento, tendo em vista que, com a integração legislativa, permitir-se-ão às pessoas que tenham um convívio estável certas garantias, direitos e obrigações, desde que o convertam em casamento. A lei, ante a Carta Magna, não deverá regular a união estável, mas tão-somente traçar requisitos para que possa ser futuramente, convertida em casamento; com isso, parece-nos que as Leis n. 8.971/94 e 92278/96 e o novo Código civil são inconstitucionais por estimularem o concubinato puro em alguns de seus artigos, mas é inegável que os direitos e deveres outorgados aos conviventes por essas normas encontram respaldo na jurisprudência e na doutrina, fazendo com que tenham eficácia social. [...]

72

No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132

(ADPF 132), em 2011, entendeu-se pela inexistência de hierarquia entre as

entidades familiares73. Contudo, a decisão não nos parece ter entrado na questão

71

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito de família. 22. ed., rev. e atual. de acordo com a Reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. V. 5. P. 402. Não obstante, destaca-se que a autora refere que “a união estável poderá configurar-se mesmo que: a) um de seus membros ainda seja casado, desde que antes de iniciar o companheirismo estivesse já separado de fato ou judicialmente do cônjuge; b) haja causa suspensiva, pois esta apenas tem por escopo evitar a realização de núpcias antes da solução de problemas relativos à paternidade ou a patrimônio familiar. Assim sendo, se alguém maior de 60 anos passar a viver em união estável, não sofrerá nenhuma sanção, podendo o regime convivencial ser similar ao da comunhão parcial (CC, art. 1.725).” Ibidem, p. 361. 72

Ibidem, p. 402-403. 73

Ementa: [...] 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

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que envolve o debate em relação aos efeitos dos institutos do casamento e da união

estável.

Apresentadas estas considerações, passaremos agora a analisar julgados para

verificarmos como a questão da união estável putativa tem sido enfrentada

judicialmente.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial que subiu até

sua apreciação74 foi na mão inversa da posição dos doutrinadores que são a favor do

reconhecimento da união estável putativa até aqui mencionados. No julgado em

questão, REsp 789.293/RJ, julgado em 16/02/2006, DJ 20/03/2006, o Ministro

Carlos Alberto Menezes Direito destacou que quem convive com duas mulheres ao

mesmo tempo não constitui relação putativa em sede de união estável, de modo que

se verificaria que um relacionamento seria concebido como estável e o outro não, ou

nenhum deles reuniria as características para ser identificado como tal (P. 6). Nessa

linha o Ministro ainda apresenta a seguinte fundamentação:

Não foi por outra razão que o novo Código Civil cuidou de conceituar a união estável na mesma linha da Lei n° 9.278/96, ou seja, reconhecer como entidade familiar a união estável "entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (art. 1.723). Ora, com o maior respeito à interpretação acolhida no acórdão, não enxergo possível admitir a prova de múltipla convivência com a mesma natureza de união estável, isto é, "convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. O objetivo do reconhecimento da união estável e o reconhecimento de que essa união é entidade familiar, na minha concepção, não autoriza que se identifiquem várias uniões estáveis sob a capa de que haveria também uma união estável putativa. Seria, na verdade, reconhecer o impossível, ou seja, a existência de várias convivências com o objetivo de constituir família. Isso levaria, necessariamente, à possibilidade

[...]. (grifo nosso). BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 16 nov. 2013. 74

União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes. Equiparação ao casamento putativo. Lei nº 9.728/96. 1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo. 2. Recurso especial conhecido e provido. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 789.293/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ 20/03/2006, p. 271. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=607260& sReg=200501653798&sData=20060320&formato=PDF>. Acesso em: 16 nov. 2013.

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absurda de se reconhecer entidades familiares múltiplas e concomitantes. (P. 6)

75

No Tribunal de Justiça gaúcho, no entanto, há decisões a favor da possibilidade de

reconhecimento da união estável putativa, como se pode ver através da Apelação

Cível Nº 70043514512, julgada em 06/10/201176.

Este julgado teve como Relator o Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, que se

posicionou contra o reconhecimento de uniões paralelas, lançando mão do que

dispões o § 1º do artigo 1.723 do Código Civil77 e ressaltando o fato de que isso

configuraria, ainda que por via reflexa, uma situação de bigamia, o que é vedado

pelo ordenamento jurídico brasileiro. (P.5)78 Contudo, expõe que no seu entender

seria possível aceitar-se uma exceção no caso de estar presente a boa-fé do

companheiro ou da companheira, estando-se diante da figura da união estável

putativa. (P. 8)79

75

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 789.293/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ 20/03/2006, p. 271. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=607260&s Reg=200501653798&sData=20060320&formato=PDF>. Acesso em: 16 nov. 2013. 76

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. FAMÍLIA. RELACIONAMENTOS SIMULTÂNEOS. UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA. RECONHECIMENTO. EXISTÊNCIA DE PROVAS DE QUE O RELACIONAMENTO TEVE COMO OBJETIVO A CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE BENS A PARTILHAR. ALIMENTOS FIXADOS EM FAVOR DA FILHA MENOR DE IDADE. NECESSIDADES PRESUMIDAS. ATENDIMENTO AO BINÔMIO ALIMENTAR. MANUTENÇÃO DA VERBA. 1. As provas colhidas na instrução processual revelam que as partes mantiveram união estável putativa, no período de maio de 1993 a dezembro de 2003. 2. No entanto, inexistem bens passíveis de partilha. 3. A pensão alimentícia estabelecida em favor da filha menor foi bem equacionada pelo juízo singular em 60% do salário mínimo, observado o binômio alimentar. Manutenção da sentença. APELAÇÃO DESPROVIDA, POR MAIORIA. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO, À UNANIMIDADE. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70043514512, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 06/10/2011. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70043514512&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 10 nov. 2013. 77

Art. 1.723, § 1º, CC: “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.”. VADE Mecum. 7. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 284. 78

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70043514512, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 06/10/2011. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70043514512&tb=jurisnova&pesq=ementario& partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 10 nov. 2013. 79

Ibidem.

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No acórdão em tela o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos acompanhou o

Relator nos termos de que da mesma forma como ocorre com o casamento putativo,

na união estável putativa devem operar efeitos em favor do companheiro que estava

de boa-fé, sem ter conhecimento que o outro envolvido possuía a condição de

casado. (P.15)80

Em outro julgado, Apelação Cível Nº 70025094707, julgada em 22/10/200881, da

mesma forma encontrou aceitação a extensão da putatividade em sede de união

estável. O Relator, Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves,

pondera da seguinte maneira:

Embora as provas coligidas demonstrem que o falecido mantinha outra união estável, paralela à relação que mantinha com a autora, é certo que nenhuma das partes tinha conhecimento da outra, pois é isso o que mostra, de forma cristalina, a prova testemunhal. Houve, sim, uma união estável putativa. (P. 7)

82

Ressalta-se, porém, que por óbvio a aferição da boa-fé não desconsidera a

presença dos demais elementos caracterizadores da união estável, que devem estar

presentes.

80

Ibidem. 81

UNIÃO ESTÁVEL. SITUAÇÃO PUTATIVA. AFFECTIO MARITALIS. NOTORIEDADE E PUBLICIDADE DO RELACIONAMENTO. BOA-FÉ DA COMPANHEIRA. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A APELAÇÃO. DESCABIMENTO. 1. Descabe juntar com a apelação documentos que não sejam novos ou relativos a fatos novos supervenientes. Inteligência do art. 397 do CPC. 2. Tendo o relacionamento perdurado até o falecimento do varão e se assemelhado a um casamento de fato, com coabitação, clara comunhão de vida e de interesses, resta induvidosa a affectio maritalis. 3. Comprovada a notoriedade e a publicidade do relacionamento amoroso havido entre a autora e o de cujus, é cabível o reconhecimento de união estável putativa, quando fica demonstrado que a autora não sabia do relacionamento paralelo do varão com a mãe da ré. Recurso provido. (SEGREDO DE JUSTIÇA). RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível Nº 70025094707, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 22/10/2008. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70025094707&tb=jurisnova&pesq= ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 10 nov. 2013. 82

RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível Nº 70025094707, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 22/10/2008. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70025094707&tb=jurisnova&pesq=ementario &partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 10 nov. 2013.

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Nesse sentido, na Apelação Cível Nº 70046652137, julgada em 26/01/201283, o

Relator, Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, reforça a importância da prova

para a apuração da união estável, o Desembargador expõe que devido às

relevantes consequências jurídicas que implicam tal reconhecimento judicial, a prova

deve restar irrefutável, quando mais em se tratando de relacionamento paralelo a

casamento, como também envolvendo direito de herdeiros. (P. 6)84

Como visto, o tema é atual e suscita entendimentos diversos, motivo que nos

instigou a trazê-lo à baila. Procuramos mostrar ao decorrer desta pesquisa

diferentes posicionamentos a respeito do assunto tratado. Diante dos aportes

teóricos expostos, então, passaremos agora a apresentar considerações sobre o

que foi abordado no presente trabalho.

Considerações finais

Inicialmente, cabe tecer alguns comentários acerca dos requisitos para

caracterização da união estável.

No que se refere ao elemento publicidade resta claro que este nos remete à ideia de

notoriedade da relação, tendo como essência o fato dos envolvidos não esconderem

83

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. AUSÊNCIA DE PROVA DA SEPARAÇÃO FÁTICA. CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTINUA, DURADOURA E COM O OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA IGUALMENTE NÃO DEMONSTRADA. 1. Como dito em diversos julgados, pelas importantes sequelas jurídicas que a legislação pátria confere às uniões estáveis, não se cogita de procedência de pedido de reconhecimento judicial se a prova não for irrefutável - e com mais razão em hipóteses em que há casamento paralelo ao relacionamento em questão, bem como direitos de herdeiros. E neste feito não está demonstrada a separação fática do casal, única circunstância apta a afastar a incidência do § 1º do art. 1.723 do CCB 2. Não estão demonstrados os requisitos do caput do mesmo artigo, pois em convivência que alegadamente perdurou por mais de 15 anos não é de todo difícil demonstrar o ânimo de constituição de um verdadeiro núcleo familiar com plena repercussão social, comunitária e econômica. 3. Não há falar em união estável putativa (hipótese em que, excepcionalmente, à semelhança do casamento putativo, admite-se a produção de efeitos à relação fática), uma vez que a autora sabia da condição de casado do falecido. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70046652137, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 26/01/2012. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70046652137&tb=jurisnova&pesq=ementario& partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 10 nov. 2013. 84

Ibidem.

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da sociedade que vivem como se casados fossem, de modo sejam reconhecidos

como uma família. Ficou evidente que com isso o legislador procurou afastar da

definição de união estável as relações concebidas às escuras. Pertinente arranjo

legislativo ao nosso entender, pois uma família não esconde sua relação do meio

social, e a entidade familiar é justamente o que se quer proteger, valendo-se fazer

referência ao já citado caput do artigo 226 da Constituição da República de 1988.

No que diz respeito à continuidade e à durabilidade da relação, temos que estas

características dão um caráter estável para a convivência, porém, como a doutrina

na qual nos apoiamos leciona, estas não são a mesma coisa. A continuidade refere-

se à ausência de interrupções que descaracterizem o intuito familiae, como referido

por Flávio Tartuce e José Fernando Simão sem o famoso “dar um tempo”, que é tão

comum no namoro85. Já a durabilidade é característica do relacionamento que

perdura no tempo.

Por objetivo de constituição de família compreendemos o núcleo da união estável,

aquilo que a distingue de outras relações, o que pode ser verificado quando se

lançou mão do exemplo do namoro e do noivado. Onde, no primeiro, o que se

verifica é um relacionamento amoroso, que pode inclusive perdurar no tempo, mas

onde não se encontra presente o objetivo de formar uma família. E, no segundo, o

que se percebe é que há a manifestação de no futuro vir a constituí-la. Portanto,

para que se configure a união estável é preciso, além da presença dos demais

requisitos, estar presente o intuito familiae.

No que se refere à exclusividade da relação, elemento que dá contorno à temática

aqui abordada, temos que o instituto da união estável possui como referência o

casamento, que no Brasil é uno. Caso trate-se de concubinato caberá partilha do

patrimônio adquirido através do esforço comum.

A esse respeito Rolf Madaleno expõe que a união estável é tratada no âmbito do

Direito de Família, enquanto a relação concubinária constitui uma sociedade de

85

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. V. 5. P. 277.

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fato86. Complementando, o autor refere que, havendo aquisição de bens, esta

relação deve ser disciplinada pelo Direito das Obrigações, com vistas a inibir o

enriquecimento indevido (art. 884 do CC)87.

Insta também frisar que no que concerne aos filhos esta questão se torna

irrelevante, forte no fato de que não pode haver qualquer distinção entre eles.

Sobre a questão da habitação comum, verificamos que esta não tem sido encarada

como requisito para que se apure a união estável, em virtude de ser possível existir

uma relação revestida de publicidade, continuidade, durabilidade e com o objetivo de

constituição de família sem que necessariamente os companheiros residam sob o

mesmo teto, como por exemplo, por circunstâncias profissionais, apesar de constituir

indício de relevância a ser considerado no caso concreto.

Finalmente, por tudo que foi exposto, pensamos que a figura da putatividade em

sede de união estável transpassa o debate acerca das interpretações sobre a

aferição de hierarquia entre os institutos. Esta problemática será de relevância para

se apurar a extensão dos efeitos que se estenderão à união estável.

Entendemos que o cerne da questão proposta nesta pesquisa é o fato de que a

pessoa investida de boa-fé faz jus à proteção Estatal. Evidente que se trata de uma

situação análoga à do casamento putativo, onde a intenção do legislador foi

assegurar os direitos do cônjuge que desconhecia o obstáculo para o matrimônio.

Assim, driblando as argumentações teóricas de cada corrente sobre a discussão

sobre a existência de hierarquia entre os institutos aqui tratados, pensamos que o

essencial é concentrarmo-nos no fato de que o direito não pode negar proteção

àquela pessoa que estava investida de boa-fé, por desconhecer a multiplicidade de

relacionamentos do outro envolvido, de modo que não tenha alcançados os direitos

que advém do instituto da união estável. A nosso ver, a concepção de putatividade

não tem por objetivo negar o caráter monogâmico do casamento/união estável no 86

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 2ª Ed. Revista e atualizada, inclusive com a Lei da Guarda Compartilhada (Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008). Rio de Janeiro: Forense, 2008. P. 815. 87

Ibidem, p. 815.

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direito brasileiro, mas visa tão somente resguardar os direitos daquele que estava

dotado de boa-fé.

Por fim, gostaríamos ainda de salientar que o assunto está longe de ser esgotado, e

que o debate se mostra de relevância jurídica e social, motivo pelo qual o tema foi

escolhido para ser abordado neste trabalho.

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RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70020852323, Oitava

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RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70022775605, Oitava

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.2013-11-15&as_epq=&as_oq=&as_eq=&sort=date%3AD%3AS%3Ad1&btnG=Busc

ar&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A

7a%2520do%2520RS.NumProcesso%3A70022775605.%28Secao%3Acivel%7CSec

ao%3Acrime%29.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipo

Decisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=

OrgaoJulgador%3AOitava%2520C%25C3%25A2mara%2520C%25C3%25ADvel.Re

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RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível Nº 70025094707, Sétima Câmara Cível,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves,

Julgado em 22/10/2008. Disponível em:

<http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70025094707&tb=jurisnova&pesq=ementario&partia

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%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amono

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REVISTA DIREITO CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS

VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 .

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