A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE FRAÇÕES: ALGUNS ASPECTOS SOBRE...
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A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE FRAÇÕES: ALGUNS ASPECTOS SOBRE
ENSINAR E APRENDER A SER PROFESSOR
Ensinar e aprender frações são ações que, historicamente, representam dificuldades para
professores e alunos. A partir da compreensão de que esta premissa pode ser contestada,
o presente painel apresenta resultados de três pesquisas, desenvolvidas em três regiões
brasileiras distintas (MT, SC e MG), com o intuito de compreender o ensino e a
aprendizagem de frações no Ensino Fundamental, do ponto de vista da sua organização
por parte do professor. A primeira pesquisa investiga quais as dificuldades e as
aprendizagens de professores, do quarto e quinto anos do Ensino Fundamental, são
manifestadas durante o processo formativo em relação ao conhecimento específico,
pedagógico e curricular sobre frações. A segunda volta o seu olhar para o movimento
formativo de uma professora ao organizar o ensino de frações para o quinto ano do
Ensino Fundamental, buscando indicadores da aprendizagem da docência referentes à
superação da forma como as frações são ensinadas tradicionalmente. E a terceira,
discute o ensino de equivalência de frações no 6º ano do Ensino Fundamental, do ponto
de vista da sua organização por parte do professor a partir dos registros de medições de
terrenos feitos pelos alunos envolvidos. Embora desenvolvidas em distintas instituições
e, nesse sentido, envolvendo diferentes sujeitos, os três textos aqui apresentados
pautam-se em pressupostos teóricos que se aproximam na teoria Histórico-Cultural e na
Teoria da Atividade de Leontiev (1978, 1983). Como resultados, apontam para a
importância da ação mediadora do professor na organização do ensino de frações
visando a aprendizagem do aluno e da sua inserção em movimentos que lhe permitam
apropriar-se de conhecimentos da docência, com reflexões mais aprofundadas sobre
conceitos matemáticos.
Palavras-Chave: Formação de Professores, Frações, Teoria Histórico-Cultural.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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SOBRE MOVIMENTO FORMATIVO NA ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE
FRAÇÕES
Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes – Universidade Federal de Santa Maria
Patrícia Perlin – Instituto Federal Farroupilha - Campus Alegrete
Resumo
O presente texto constrói-se a partir de um recorte de uma pesquisa de mestrado,
desenvolvida no âmbito de um projeto interinstitucional, vinculado ao Observatório da
Educação (OBEDUC/CAPES), cujas ações estavam voltadas ao ensino de matemática
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, ancoradas na Teoria Histórico-Cultural
principalmente a partir dos trabalhos de Vygotsky, na Teoria da Atividade de Leontiev
(1978, 1983) e na Atividade Orientadora de Ensino proposta por Moura (1996).
Especificamente neste momento, nosso objetivo é discutir sobre o movimento formativo
de uma professora ao organizar o ensino de frações. Os dados foram coletados: nos
encontros com a professora - sujeito da investigação, que foram gravados e transcritos;
nos diários de registros escritos, um da professora e outro da pesquisadora; e num
questionário realizado ao final do desencadeamento das ações na escola. Na análise,
para a constituição do que denominamos indicadores da pesquisa, utilizamos episódios
no sentido caracterizado por Moura (1992) cuja escolha, oriunda dos instrumentos
citados, deu-se no sentido de selecionar aqueles momentos que permitiam a apreensão
de possíveis indicadores de mudança de qualidade nos modos de ação da professora.
Cada um dos episódios foi composto por cenas que nos permitiram evidenciar três
indicadores analisados na pesquisa, sendo que neste artigo nos deteremos naquele que
denominamos de indicador da aprendizagem da docência referente à superação da
forma como as frações são ensinadas tradicionalmente. A possibilidade de organizar o
ensino por meio de uma proposta que tem por objetivo ensinar o conteúdo matemática
de um modo que supere o que a professora denominou de tradicional, mostrou-se como
um elemento relevante para ela. Nesta perspectiva, estudar, planejar, desenvolver e
avaliar atividades de ensino colocou-a num movimento formativo.
Palavras-chave: Formação de Professores, Frações, Aprendizagem da docência.
Introdução
Entendendo que as dificuldades em relação às frações podem estar presentes não
somente na aprendizagem, mas também no ensino, em especial no que se refere aos
anos iniciais, desenvolvemos uma pesquisa com o intuito de investigar a formação de
professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental no
movimento de organização do ensino de frações para o quinto ano. A mesma foi
desencadeada no âmbito de um projeto interinstitucional vinculado ao Observatório da
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Educação (CAPES), intitulado “Educação Matemática nos ano iniciais do Ensino
Fundamental: princípios e práticas da organização do ensino” (PPOE/OBEDUC) cujas
ações – realizadas de 2011 a 2015 – estavam voltadas ao ensino de matemática nos anos
iniciais, ancorados na Teoria Histórico-Cultural, em especial nas diversas obras de
Vygotsky, na Teoria da Atividade de Leontiev (1978, 1983) e na Atividade Orientadora
de Ensino proposta por Moura (1996). Algumas das ações do referido projeto, que
envolvia professores e futuros professores, eram: planejar, desenvolver e avaliar
atividades de ensino em escolas da rede pública estadual no município de Santa
Maria/RS.
Especificamente neste artigo, que é um recorte da pesquisa citada, nosso
objetivo é discutir sobre o movimento formativo de uma professora ao organizar o
ensino de frações. Para isto, inicialmente apresentaremos, de forma breve, os elementos
teóricos e metodológicos da pesquisa. Posteriormente trazemos, a partir das
manifestações da professora, algumas discussões sobre as possibilidades de superação
do que ela denomina de ensino tradicional, como um elemento que pode contribuir para
a sua formação. Por último, apontamos considerações sobre o estudo.
Alguns elementos teóricos e metodológicos da pesquisa
À luz da Teoria Histórico-Cultural e da Teoria da Atividade buscamos aporte
teórico e metodológico para desenvolver uma proposta de ensino de frações na
perspectiva da Atividade Orientadora de Ensino (AOE). O enfoque Histórico-Cultural
nos auxilia, em especial, a compreender as relações do singular com o geral no
fenômeno formação docente.
Vygotsky (2009) considera que a relação do homem com o mundo não é direta,
mas mediada por sistemas simbólicos da cultura em que vive. Dessa forma, a atividade
humana e a mediação assumem papel primordial no desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. No ambiente social em que o sujeito está inserido, ele participa
de atividades coletivas e, na medida em que interage com os demais sujeitos que detém
certos conhecimentos e instrumentos, mediado pela linguagem e pelos signos, se
apropria dos mesmos. A atividade antes coletiva, agora passa a ser individual. É por
meio da mediação, oportunizada pelo coletivo, que o homem adquire formas de
comportamento e conhecimentos historicamente acumulados.
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Para apropriar-se das aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões
humanas a criança deve entrar em relações com o mundo circundante através dos outros
homens em um processo de comunicação entre eles, aprendendo a atividade adequada.
Leontiev (1978) chama esse processo de educação. Em se tratando da Educação
Matemática, compreendemos o seu objeto de ensino – o conhecimento matemática -
como parte da cultura humana e presente na educação, corroborando com Rosa et al.
(2010, p. 135) quando afirmam que “o encaminhamento teórico-metodológico do
ensino da matemática deve respeitar o aspecto lógico-histórico do conhecimento
matemático”. Neste sentido, ao desenvolvermos atividades de ensino sobre frações,
levamos em consideração o aspecto lógico-histórico desse conhecimento matemático.
O lógico reflete não só a história do próprio objeto como também a história
do seu conhecimento. Daí a unidade entre o lógico e o histórico ser premissa
necessária para a compreensão do processo desenvolvimento do pensamento,
da criação da teoria científica. A base do conhecimento dialético do histórico
e do lógico resolve-se o problema da correlação entre o individual e o social,
em seu desenvolvimento intelectual individual o homem repete em forma
resumida toda a história do desenvolvimento humano. (KOPNIN, 1978,
p.183)
Tal concepção implica em investigar a história da matemática como forma de
proporcionar ao professor subsídios para organizar o seu ensino de modo que a
apropriação do conhecimento matemático do seu aluno se aproxime da forma com que o
homem o desenvolveu historicamente. Neste sentido, buscar o aspecto lógico-histórico
do conceito de fração – ação desenvolvida durante a pesquisa – nos permitiu
desenvolver uma atividade de ensino que tinha por objetivo apresentar o conceito de
fração para os alunos de uma turma de quinto ano do Ensino Fundamental.
Essa atividade de ensino pautou-se nos pressupostos da AOE, proposta por
Moura (1996) a partir da Teoria da Atividade, na qual professor e aluno têm papéis bem
definidos, mas cabe ao professor à intencionalidade de sua organização cuja finalidade é
a apropriação da cultura produzida historicamente pela humanidade por parte do aluno
na forma de conteúdos escolares. Uma característica fundamental da AOE é a sua dupla
dimensão formadora, constituindo-se em um processo de formação para o professor,
pois este deve permanecer estudando, apropriando-se de conhecimentos teóricos para a
melhor organização das suas ações de modo a promover a aprendizagem dos seus
estudantes, propiciando condições para que os mesmos estejam em atividade de
aprendizagem. O professor aprende quando adquire a “capacidade para lidar com
informações, colocando-as de forma acessível para que os outros sujeitos,
potencialmente interessados, aprendam” (MOURA, 1996, p. 33).
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A partir dos pressupostos explicitados, entendemos a importância de a
investigação desenvolvida constituir-se na perspectiva de uma pesquisa formativa na
medida em que visava contribuir com a formação de todos os participantes, e, neste
sentido, ela envolveu colaboração, reflexão, ação, (trans)formação e mediação
(ARAUJO, 2013).
Com a preocupação voltada ao ensino de frações e com o intuito de realizar
atividades de ensino nas escolas, junto às turmas das professoras que participavam do
projeto PPOE/OBEDUC durante o ano de 2013, identificamos que duas delas atuavam
em turmas de quinto ano, professoras Ana e Beatriz. A professora Ana tinha a intenção
de iniciar o ano letivo com este conteúdo, enquanto a professora Beatriz desenvolveria
o mesmo no final do ano letivo. Por este motivo, como decorrência dos
encaminhamentos da pesquisa que exigiam diversas ações anteriores à realização das
atividades de ensino propriamente ditas, apesar de trabalharmos com as duas docentes,
nossa investigação centrou-se nas ações da professora Beatriz.
Com base nas características peculiares do tipo de organização de ensino
baseada na AOE, as ações coletivas da pesquisa como um todo dividiram-se em três
etapas: 1) aquelas que envolveram a pesquisadora e os futuros professores que faziam
parte do projeto; 2) aquelas que envolveram todos os participantes do projeto: a
pesquisadora, a orientadora, pesquisadores colaboradores, professoras e futuros
professores; 3) aquelas que envolveram a pesquisadora e a professora Beatriz.
Assim, do geral para o particular, buscamos investigar sobre a formação desta
professora no movimento de organização de uma AOE para o ensino de frações.
Embora as primeiras ações tenham sido fundamentais para a pesquisa, especificamente
neste artigo, os episódios referem-se à segunda e terceira etapas.
Sobre a Organização do Ensino de Frações
Os dados da pesquisa foram coletados: nos encontros com a professora Beatriz -
sujeito da pesquisa - que foram gravados e transcritos; nos diários de registros, um da
professora Beatriz e outro da pesquisadora; e de um questionário realizado após a
realização da atividade de ensino na turma da professora Beatriz.
Para a constituição do que denominamos indicadores da pesquisa, utilizamos
“episódios” no sentido caracterizado por Moura (1992, p. 77) como “aqueles momentos
em que fica evidente uma situação de conflito que pode levar à aprendizagem do novo
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conceito”. A escolha dos episódios analisados, oriundos dos encontros, diários e
questionário, deu-se no sentido de selecionar aqueles momentos que permitiam a
apreensão de possíveis indicadores de mudança de qualidade nos modos de ação do
sujeito, apontando para a aprendizagem da docência, principalmente naqueles voltados à
organização da atividade de ensino. Esta escolha vem ao encontro do que diz Moura
(2004).
Os episódios poderão ser frases escritas ou faladas, gestos e ações que
constituem cenas que podem revelar interdependência entre os elementos de
uma ação formadora. Assim, os episódios não são definidos a partir de um
conjunto de ações lineares. Pode ser que uma afirmação de um participante
de uma atividade não tenha impacto imediato sobre os outros sujeitos da
coletividade. Esse impacto poderá estar revelado em um outro momento em
que o sujeito foi solicitado a utilizar-se de algum conhecimento para
participar de uma ação no coletivo (MOURA, 2004, p.276, grifos do autor).
Cada um dos episódios foi composto por cenas retiradas dos instrumentos
citados e nos permitiram evidenciar três indicadores. Neste artigo, com o olhar
direcionado ao movimento formativo da professora no que tange a organização do
ensino de frações, destacamos três episódios que nos permitiram evidenciar um dos três
indicadores que denominamos de indicador da aprendizagem da docência referente à
superação da forma como as frações são ensinadas tradicionalmente.
Durante os momentos em que acompanhamos as ações da professora Beatriz, em
especial àquelas nas quais nos apoiamos mais sistematicamente para a construção dos
episódios, por diversas vezes ela refere-se à sua vida escolar e como ficaram certas
marcas desse período em sua vida pessoal e profissional, tanto positiva quanto
negativamente. Percebemos claramente a distinção feita por ela a dois tipos de ensino da
matemática, inclusive o de frações: aquele que vivenciou durante o Ensino
Fundamental- duro, rígido, repetitivo e até mesmo traumático- e aquele que vivenciou
quando cursou o Magistério em nível de Ensino Médio - lúdico e prático. Os dois
episódios, a seguir, foram aqueles que conduziram à percepção dessas duas formas de
ensinar matemática. Já o terceiro, diz respeito ao ensino de frações proporcionado por
meio de Atividades Orientadoras de Ensino, o qual a professora teve contato a partir de
sua inserção no projeto PPOE/OBEDUC.
Episódio 1 – A matemática tradicional da vida escolar
A fim de estabelecer um panorama da sua vivência com a disciplina de
matemática, desde seu ingresso na escola até os dias atuais, algumas perguntas do
questionário foram intencionalmente planejadas para tal. Quando inquerida sobre como
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foi a sua vivência com a disciplina de matemática na sua vida escolar, a professora
Beatriz responde:
Cena 1
A matemática na minha vida escolar foi praticamente feita com exercícios repetitivos. Lembro que era
muito exaustivo, os professores davam listas de cálculos para fazer. Quando aprendemos os numerais,
tínhamos que encher folhas de caderno com grandes sequências de números, na verdade, eu tirava boas
notas nessa matéria porque eu decorava os exercícios, fazia e refazia, até entender, mas aprender os
conceitos, nunca foi explorado pelos professores. Nos anos iniciais, não havia materiais concretos para
manipulação, os professores usavam apenas livro e quadro negro. (Questionário/ Questão 2)
Com o ensino das frações – foco de nosso estudo – não foi diferente. Nos anos
iniciais e finais do Ensino Fundamental esse se deu por meio do que a professora
Beatriz denominou de ensino tradicional, termo normalmente usado para o ensino de
matemática desenvolvido por meio de listas de exercícios com muita repetição, pautado
principalmente na memorização de regras e fórmulas. Em relação a isto ela afirma que,
embora considerada uma boa aluna, sempre obtinha boas notas porque decorava os
exercícios. Sobre as frações, alguns “macetes” e “regras” são comumente usados, tais
como: na divisão entre frações basta multiplicar “em x”; na adição de frações com
denominadores diferentes, obtém-se o Mínimo Múltiplo Comum dos denominadores,
divide-se pelo denominador e multiplica pelo numerador. Tais modos de ensinar frações
ignoram a unidade lógico-histórico (KOPNIN, 1978) e apresentam-se na manutenção de
uma lógica que se mostra deficitária e pouco tem contribuído para a aprendizagem sobre
frações.
Cena 2
Lembro que o ensino de frações foi de forma tradicional, com muitos exercícios, com o uso de livros
didáticos e sem nenhum material concreto. (Questionário/ Questão 4)
Nessas duas passagens, a professora usa o termo material concreto referindo-se
aos materiais manipuláveis para o ensino da matemática que eram ausentes nas aulas. Já
no Ensino Médio (Magistério), foi marcante a presença desses materiais também para o
ensino de frações que, segundo ela, auxiliavam na compreensão deste conteúdo, como
podemos observar no episódio 2.
Episódio 2 – A matemática “prática” no Magistério
Como boa parte dos professores dos anos iniciais da região, onde se situa o
presente estudo, a formação para a docência da professora Beatriz aconteceu no Ensino
Médio no Curso Normal de Nível Médio (Magistério). Em relação à sua formação
inicial, ela escreve:
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Cena 3
Minha formação inicial no Magistério foi muito boa. Tínhamos muitas aulas teóricas e também muitas
aulas práticas. Confeccionávamos jogos de alfabetização e também de matemática. Entre esses jogos,
fizemos dominós de operações e frações, ábacos, tabuleiro de fatos matemáticos, quebra-cabeça de
tabuada, bingo; fizemos também álbuns de ciências, álbuns de Educação Artística e de Educação Física,
coletânea de imagens para produção textual, enfim, produzíamos muito material que foram aproveitados
no nosso estágio. Aprendemos também a usar o mimeógrafo. O bom do magistério é a parte prática que é
bastante explorada e como aproveitar o material descartável para a confecção de jogos. (Questionário/
Questão 7)
Especificamente no que diz respeito ao ensino de frações que presenciou durante
o Magistério, a professora escreveu:
Cena 4
O ensino das frações era feito através de jogos. No magistério sempre os conteúdos foram trabalhados
utilizando material concreto e para as frações foi feito dominós e jogo da memória e, para a
compreensão desse conteúdo, utilizávamos modelinhos de pizza para a ideia da divisão de um todo.
(Questionário/ Questão 8)
O ensino da matemática que a professora vivenciou no seu Ensino Médio,
segundo seu relato, aparece como antagônico àquele do Ensino Fundamental. Além dos
jogos e dos materiais manipuláveis, percebe-se uma questão importante para a
constituição deste episódio: a relação entre teoria e prática. Para Moura,
Os elementos das práticas vividas por professores, em exercício, poderão ser
importante referência para os que ensinam. É comum ouvirmos referências a
certas práticas de ensino que são consideradas eficientes. A teoria é
sabidamente evocada para iluminar as práticas pedagógicas. (MOURA, 2001,
p. 159).
É marcante a presença das práticas vividas pela professora, consideradas “o bom
do magistério” como, por exemplo, quando ela afirma que sempre procurou explorar o
conteúdo das frações com jogos e outros materiais (Questionário/Questão 9) tal qual a
forma como as frações foram ensinadas no Ensino Médio. Nossos dados não nos
permitiram evidenciar se o uso de jogos e materiais manipuláveis tenham realmente
proporcionado a apreensão dos conhecimentos por parte da professora. Contudo, é
notável a aproximação dela com os conteúdos a partir do momento em que evidencia a
possibilidade de aprendizagem por meio destes materiais que até então, para ela, não
estavam relacionados ao ensino de matemática, fazendo com que passasse a ver esse
conteúdo de forma diferente.
Estes dois modos de ensinar matemática, apontados e vivenciados pela
professora Beatriz (conforme episódios 1 e 2), fazem parte do cotidiano da educação
escolar. Em relação a estes, chamamos a atenção para o fato de que, se por um lado há
uma grande crítica ao ensino de matemática pautado em decorar regras e fórmulas e
resolver exercícios – o chamado ensino tradicional – também devemos ser cautelosos ao
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esperar que o simples fato de utilizar materiais diversos conduzem à aprendizagem. Faz-
se importante destacar que materiais didáticos favorecem a aprendizagem e,
principalmente, desenvolvem nos alunos atitudes mais positivas. Contudo, a
aprendizagem não está nos materiais, como nos coloca Passos (2006):
Qualquer material pode servir para apresentar situações nas quais os alunos
enfrentam relações entre os objetos que poderão fazê-los refletir , conjecturar,
formar soluções, fazer novas perguntar, elaborar novas estruturas. Entretanto,
os conceitos matemáticos que eles devem construir, com a ajuda do
professor, não estão em nenhum dos materiais de modo que possa ser
abstraído deles empiricamente. Os conceitos serão formados pela ação
interiorizada do aluno, pelo significado que dão às suas ações, às formulações
que enunciam, às verificações que realizam. (PASSOS, 2006, p.81)
Com a finalidade de compreender de que modo a professora concebe a
matemática ensinada por meio de atividades de ensino com ênfase na apropriação do
conceito de fração e do seu movimento lógico-histórico, destacamos, do seu caderno de
registros, algumas considerações que compõem o próximo episódio.
Episódio 3 – A matemática nas Atividades Orientadoras de Ensino
Após uma série de encontros, a professora Beatriz passa a envolver-se mais
efetivamente na proposta de organizar o ensino de frações a partir dos pressupostos da
AOE. Isto envolveu estudos sobre a organização lógico-histórica do conhecimento e os
princípios teóricos da AOE, planejamento, desenvolvimento e avaliação da atividade de
ensino que denominamos de Atividade da Cleópatra. Coerentes com os pressupostos
teóricos adotados, a mesma pautava-se numa situação desencadeadora de aprendizagem
que colocava os alunos diante do seguinte problema: como fazer para determinar o valor
de comprimentos a serem medidos com uma certa unidade, uma vez que estes nem
sempre continham um número inteiro de vezes a unidade utilizada? Para encontrar a
solução do problema fazia-se necessário que, efetivamente, fossem feitas medidas em
vários locais da escola e discutidas as possibilidades de encaminhamento, primeiro em
pequenos grupos e depois coletivamente. Vejamos o que escreveu no seu caderno de
registros:
Cena 5
Na Atividade da Cleópatra que participamos, foi notória a importância de trabalhar com a matemática
de forma construtiva, onde os alunos são levados a pensar sobre o problema a ser solucionado e talvez,
no meu caso, que quando estudava no Ensino Fundamental não tive professores preocupados com isso,
simplesmente era uma educação bancária, onde o conhecimento era depositado. Por isso a dificuldade
que muitos adultos têm na hora de pensar em achar uma solução para um determinado problema, porque
também foram instruídos dessa forma e hoje, cada vez mais, vejo a necessidade de fazer com que os
alunos sejam questionados, não devendo suas mentes serem “abafadas”, e sim instigados a pensar em
possibilidades. Nossas crianças são muito criativas e devemos, como professores, deixar fluir o
pensamento delas e dessa maneira fazer com que elas construam conceitos da forma como imaginam ser
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e, a partir disso, mediar, instigando-os a chegar ao conceito formal. As Atividades Orientadoras de
Ensino permitem que isso aconteça. (Caderno de registros da professora)
A professora afirma que em seu trabalho nunca havia se detido a ensinar com
ênfase nos conceitos matemáticos, pelo menos não de modo intencional, e considera que
os alunos, ao serem instigados a solucionar um problema, se engajem na construção do
seu próprio conhecimento. Outra importante característica da atividade foi elencada: a
importância da atividade coletiva.
Cena 6
Sobre a atividade da Cleópatra, foi uma atividade muito interessante, começando que nos envolvemos na
situação e acredito que os alunos também se envolveram com o desenrolar da história, eles se sentem
ativos na construção do saber. A problemática a ser solucionada sobre como medir o quadro, sendo que
a medida do quadro era de dois cúbitos e um pedaço e como chegar ao conceito da fração, é um desafio
para os alunos e para os professores conseguirem chegar a esse conceito e através dessa AOE incentiva-
se o aluno a construir a ideia de fração, a refletir e tirar conclusões de maneira coletiva. (Caderno de
registros da professora)
O aspecto coletivo das ações desenvolvidas decorre da concepção teórica que
amparou a pesquisa, pautada nas ideias de Vygotsky (2009) de que é a partir das
relações com o outro que a criança terá condições de construir suas próprias estruturas
psicológicas.
Olhando para o que nos trazem os episódios, temos indicativos de que a proposta
teórica e metodológica adotada é vista pela professora como uma forma de superação do
modo como a matemática vem sendo ensinada (como aquele que presenciou nos anos
iniciais e finais do Ensino Fundamental) e o ensino prático do Ensino Médio
(considerado “bom”, porém “fraco”). Segundo Rosa et al. (2010), o ensino da
matemática por meio da memorização e da repetição, como relatado pela professora
Beatriz, limita o desenvolvimento do pensamento dos estudantes.
Ao ancorar o ensino de matemática na memorização e na repetição, a
perspectiva empirista acaba por limitar o processo de pensamento dos
estudantes e, consequentemente, o desenvolvimento humano. O
desenvolvimento do sujeito depende da qualidade dos vínculos que este
estabelece com o mundo, isto é, depende do grau de organização das
atividades em relação aos seus fins e motivos. (ROSA et al., 2010, p.137)
Sob esta perspectiva, a organização de um ensino que prioriza a apropriação do
conhecimento, a partir de uma organização que leva em consideração o movimento de
sistematização deste conhecimento e que é apresentado aos alunos por meio de uma
situação problema a ser por eles resolvido, como no caso da AOE, configura-se como
uma forma de aprender e ensinar matemática no sentido de superar o ensino tradicional
da disciplina. Defendemos esse modo de organizar o ensino por entender que se
constituiu como uma possibilidade para que “os sujeitos aprendem ao lidar com
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situações-problema geradoras de conflito cuja compreensão os coloca diante de novos
conhecimentos que mais tarde servirão de base para a solução de novos problemas”
(MOURA, 2001, p. 155).
Assim, se o professor encontrar-se diante de uma situação em que tenha que
ensinar, por exemplo, frações, e seus conhecimentos decorrentes de sua formação não
são suficientes para subsidiar esse ensino, faz-se necessário que ele aprenda um modo
de ensinar matemática para que seus alunos se apropriem desse conhecimento. Nesse
sentido, esta atividade de ensino pode representar para o professor a solução do seu
problema de aprendizagem – aprender a organizar o seu ensino. Tomada dessa forma,
ela pode converter-se em um modo geral de organização do ensino, na perspectiva de
Rubtsov (1996).
Podemos definir o processo de resolução de um problema como o da
aquisição das formas de ação gerais típicas (processo esse característico dos
conteúdos teóricos). O termo “forma de ação geral” (ou modo geral), também
chamado de forma de ação universal, designa aquilo que é obtido como
resultado ou modo de funcionamento essencial para trazer soluções para os
problemas de aprendizagem (RUBTSOV, 1996, p. 131)
Ainda segundo esse autor, a aquisição de um método teórico geral que visa à
resolução de uma série de problemas concretos e práticos, concentra-se naquilo que eles
têm em comum e não na resolução específica de um entre eles, que se compõe como
uma das características mais importantes do problema de aprendizagem (RUBTSOV,
1996, p. 131).
Considerações Finais
Normalmente o conteúdo escolar referente ao conhecimento matemático sobre
frações é visto como algo pronto e acabado e seu ensino não apresenta relação nenhuma
com o seu movimento lógico-histórico. Esse modo de aprender perpetua-se no modo de
ensinar. Ou seja, muitos professores ensinam como aprenderam.
Neste artigo, na proposição de discutir sobre o movimento formativo de uma
professora ao organizar o ensino de frações, o fizemos a partir de uma pesquisa
desenvolvida com uma professora inserida em um projeto cujas ações estavam voltadas
ao ensino de matemática nos anos iniciais, envolvendo estudos sobre a organização
lógico-histórica do conhecimento matemático e sobre os princípios teórico e
metodológicos norteadores do projeto, planejamento, desenvolvimento e avaliação de
atividades de ensino.
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A partir dos episódios apresentados, foi possível perceber três momentos
relativos ao ensino e aprendizagem de frações que fizeram parte da vivência da
professora Beatriz, como aluna e professora: o ensino por ela denominado de
tradicional, o ensino com jogos e materiais e o ensino por meio de atividades na
perspectiva da AOE.
Muitas vezes, professores que passam por um processo de ensino em que não se
apropriam do conhecimento – que até mesmo pode ser traumático – ao evidenciarem
possibilidades de desenvolver suas aulas de um modo diferente, por exemplo por meio
de jogos ou materiais diversos, acabam vislumbrando nestes uma possibilidade que nem
sempre se efetiva. Ou seja, como forma de superar a não aprendizagem matemática
decorrente de um processo exclusivo e exaustivo de decorar e aplicar fórmulas e
resolver exercícios, o aspecto lúdico se apresenta como solução, desprendido da
preocupação com o conteúdo. No entanto, faz-se importante que o professor encontre
espaços que lhe permitam refletir sobre a importância de que o material que ele utiliza
seja um instrumento que permita ao aluno estabelecer relações com o conteúdo
matemático.
No caso de nossa pesquisa, a professora participou de uma proposta de ensino
que se contrapõe aos modos tradicionais ao levar em consideração, dentre outros
aspectos, a organização lógico-histórica do conhecimento que norteia a proposição de
situações desencadeadoras de aprendizagens. Assim, passou a organizar o ensino de um
modo diferente daquele pelo qual tinha se deparado no Ensino Fundamental, mas sem
deixar de lado os aspectos que tanto valorizou no Ensino Médio, na medida em que as
situações eram apresentadas de modo lúdico para a criança (teatro, fantoches, etc) e que
também eram complementadas com jogos.
A possibilidade de organizar o ensino por meio de uma proposta que tem por
objetivo ensinar o conteúdo, mas de um modo que supere o tradicional, mostrou-se
como um elemento relevante para a professora.
Nesta perspectiva, estudar, planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino
proporcionou não somente a aprendizagem dos alunos da professora Beatriz, mas
também colocou-a num movimento formativo. A importância do professor organizar o
ensino para que a criança se aproprie do conceito indica que este movimento formativo
pode ter lhe dado possibilidades de se apropriar do objeto da atividade de ensino na
perspectiva de Leontiev (1978), que é a aprendizagem do aluno.
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Referências
ARAUJO, E. S. Contribuições da teoria histórico-cultural à pesquisa em educação
matemática: a Atividade Orientadora de Pesquisa. Horizontes (EDUSF), v. 31, p. 81-
90, 2013.
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451ISSN 2177-336X
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O ENSINO DE FRAÇÕES NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL:
REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO FORMATIVO
Vani Teresinha Siebert/Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT
Rute Cristina Domingos da Palma/Universidade Federal de Mato Grosso-
UFMT
Resumo: Este artigo apresenta um recorte da pesquisa desenvolvida no mestrado que
objetivou investigar quais as dificuldades e as aprendizagens de professores, do 4° e 5°
ano do Ensino Fundamental, manifestadas durante o processo formativo em relação ao
conhecimento específico, pedagógico e curricular sobre frações. A pesquisa-ação foi
desenvolvida com um grupo de professores dos anos iniciais que participaram do
Projeto Observatório da Educação com foco em Matemática e iniciação às Ciências
(OBEDUC) a partir de uma proposta de formação continuada tendo como fundamento a
Teoria da Atividade de Leontiev. O interesse por esta investigação emergiu da atuação
como mestranda bolsista do Projeto Observatório no qual os encontros formativos e os
resultados de simulados apontavam para a fragilidade de alunos e professores quanto à
compreensão e ao tratamento dado ao ensino de frações. Os dados da pesquisa foram
produzidos no decorrer de três movimentos formativos: encontros semanais de estudos,
acompanhamento do planejamento dos professores e acompanhamento do professor em
sala de aula. Como fonte de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos e
procedimentos: entrevista semiestruturada, observação, registro videográfico e
fotográfico, portfólio do professor, registro das reuniões de acompanhamento na escola
e o diário de campo da formadora/pesquisadora. Neste texto, apresentamos a proposta
de formação continuada que integrou esta pesquisa, sua estrutura organizacional e os
pressupostos teóricos da perspectiva Histórico-Cultural que a fundamentou; o estudo do
conceito de frações, e as reflexões e considerações enquanto pesquisadora/formadora
desse processo formativo. Acreditamos que a formação continuada desenvolvida no
espaço colaborativo do OBEDUC e na perspectiva teórica adotada, oportunizou aos
professores participantes e à pesquisadora/formadora a apropriação de conhecimentos
inerentes à docência e que fazem parte do processo de humanizar-se e fazer-se
professor/formador.
Palavras-Chave: Formação Continuada, Frações, Teoria da Atividade.
Introdução
Este artigo tem por finalidade apresentar parte de nossas reflexões e ações
desenvolvidas durante a pesquisa de mestrado e da atuação como mestranda bolsista do
Projeto Observatório da Educação com Foco em Matemática e Iniciação às Ciências
(OBEDUC), polo Cuiabá. O presente trabalho representa um recorte da pesquisa-ação
realizada neste contexto, a qual teve como problema de investigação: Quais as
dificuldades e as aprendizagens de professores do 4° e 5° ano do Ensino Fundamental,
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452ISSN 2177-336X
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manifestadas durante o processo formativo, em relação ao conhecimento específico,
pedagógico e curricular sobre frações?
O interesse pelo objeto de pesquisa se efetiva a partir da inserção da pesquisadora
no projeto OBEDUC, como mestranda bolsista. O acompanhamento às escolas
integrantes deste, os encontros formativos oportunizados e, ainda, os resultados dos
simulados aplicados nas escolas participantes indicavam fragilidades de professores e de
alunos quanto à compreensão e ao tratamento dado aos números racionais, mais
precisamente às frações.
Dentre os quatro simulados aplicados durante a vigência do projeto, o último, o
de 2013, de 13 turmas de 5° ano que participaram, 11 tiveram menos de 20% de acerto
em questões cujo descritor se referia à compreensão de frações.
Diante deste quadro, da atuação profissional da pesquisadora (professora
formadora de matemática no CEFAPRO - Centro de Formação e Atualização dos
Profissionais da Educação Básica do Estado de Mato Grosso) e também do interesse e
disponibilidade dos professores participantes do projeto; a proposição de realizar
formação continuada a estes docentes se constituiu e se efetivou como uma
possibilidade de intervenção na realidade. A partir deste cenário, então, desenvolvemos
com e neste grupo uma proposta de formação continuada pautada nos princípios da
psicologia histórico-cultural, mais especificamente da Teoria da Atividade de Leontiev.
À luz deste enfoque teórico, trazemos para este texto a apresentação desta
proposta de formação desenvolvida no OBEDUC, bem como as reflexões possibilitadas
no decorrer deste processo, principalmente em relação à formação continuada de
professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
A pesquisa-ação: o caminho metodológico
Por acreditar que pesquisa e ação podem e devem caminhar juntas visando à
transformação da prática docente, tomamos a pesquisa qualitativa, do tipo Pesquisa-
ação, como sustentação metodológica deste trabalho (Thiollent, 2003). Destacamos
algumas características da pesquisa-ação que acreditamos serem bastante marcantes em
nosso trabalho de pesquisa, são elas: elaboração de um plano de ação que traga melhoria
para o grupo participante da investigação (Formação Continuada proposta por esta
pesquisa); oportunizar ao grupo aprendizados relativos à pesquisa (reconhecimento das
dificuldades e aprendizagens no processo de formação); e a utilização destes
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aprendizados para atuar na própria realidade, possuindo caráter transformador, ou seja, a
aprendizagem de alunos e professores quanto à compreensão de frações.
Como colaboradoras, contamos com três professoras de duas escolas da rede
estadual de educação de Mato Grosso que compunham o projeto do OBEDUC, sendo
uma professora do 4°ano e duas do 5° ano do Ensino Fundamental. Ana, Bonifácia e
Dunga (codinomes), graduadas em Pedagogia, desenvolviam a docência na condição de
interinas (contratadas temporariamente).
Os dados da pesquisa foram produzidos no decorrer de três movimentos
formativos: Encontros semanais de estudos, Acompanhamento do planejamento das
professoras e Acompanhamento das professoras em sala. Como fonte de dados, foram
utilizados os portfólios (P), instrumento que agrupou uma coletânea das produções
individuais e coletivas das professoras colaboradoras; os registros de acompanhamento
na escola (RAE), utilizados durante os dois últimos movimentos: de planejamento e de
sala de aula; e, também, entrevista semiestruturada, observação, registro videográfico e
fotográfico e o diário de campo da formadora/pesquisadora.
Como já pontuado anteriormente, a formação envolveu o conceito de fração,
numa perspectiva histórico-cultural que tratamos brevemente a seguir.
Um enfoque Histórico-cultural no estudo do conceito de frações
Os estudos que nortearam nosso trabalho tiveram, como fundamento, a teoria
histórico-cultural, principalmente, nos referenciais teóricos de Vigotsky e Leontiev.
A teoria histórico-cultural é uma teoria psicológica que teve sua origem em
Vygotsky. Seus fundamentos são baseados na filosofia marxista, na qual o
desenvolvimento do psiquismo humano acontece no processo de apropriação da cultura
mediada pela comunicação entre as pessoas. As funções psicológicas superiores
envolvidas nesse processo se realizam primeiramente no campo social, na atividade
externa (interpessoal) e, em seguida, na atividade interna (intrapessoal), mediada pela
linguagem e regulada pela consciência (LIBÂNEO, 2004, p.116).
O conhecimento matemático, nesta perspectiva teórica, é fruto da construção
humana – incluindo a história que o produziu. É consensual, entre diversos
pesquisadores da história da matemática, que a origem desta – hoje uma disciplina
escolar, área do conhecimento, ciência – deve-se à necessidade do ser humano em
resolver problemas advindos de sua vivência com a natureza e com os demais seres
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humanos. A criação dos números naturais é um destes exemplos, pois surgiu diante da
necessidade da contagem para o controle de quantidades. Para Caraça (1998), a
contagem é uma operação elementar da vida individual e social. Isto significa dizer que
a necessidade da contagem se dá nestes dois âmbitos: social e individual.
Incorporamos esse entendimento não só para os números naturais, mas para todo
conhecimento matemático, ou seja, este se amplia a partir da intensificação das relações
sociais e estas demandam novas necessidades humanas que estão ligadas às condições
de vida dos seres humanos.
Em se tratando das frações não é diferente, sua origem também está associada a
uma necessidade humana, a de medir. A necessidade de medida se estabeleceu a partir
das condições de vida em sociedade e, decorreu desta, a criação de um novo campo
numérico. Segundo Caraça (1998, p.5),
[...] é só quando o nível da civilização se vai elevando e em
particular, quando o regime de propriedade se vai estabelecendo, que
aparecem novos problemas – determinações de comprimento, áreas, etc. – os
quais exigem a introdução de novos números.
A ideia de que as frações têm sua origem na medição também foi abordada por
Catalani (2002), pautada em Aleksandrov, Kolmogorov e Laurentiev (1988), autores
matemáticos que, ao fundamentarem seus estudos sobre o conteúdo, método e
significado da Matemática, consideram que a origem da fração se dá no processo de
medição de uma grandeza e este é apontado como o primeiro nexo do movimento
conceitual na medida.
Estudar o conceito de fração nesta perspectiva teórica compreende, então,
considerá-lo como produto da atividade humana, o qual foi sendo construído e
desenvolvido historicamente e que sua origem está relacionada à medida. A apropriação
de um conceito pelo homem nesta perspectiva se dá no movimento lógico-histórico.
Segundo Vygotsky (2003, p. 85), “estudar alguma coisa historicamente significa
estudá-la em seu processo de mudança [...]”, ou seja, considerando as etapas do seu
surgimento e desenvolvimento. Segundo Kopnin (1978, p. 184), “o lógico é reflexo do
histórico por meio de abstrações [...]”, entendido, assim, como a abstração da realidade
objetiva, o que nos reporta ao concreto pensado por Marx. O lógico para Kopnim
(1978) não reflete só a história do objeto, mas também a história do seu conhecimento.
É esse movimento do lógico que possibilita a ressignificação do conhecimento, é o
conceito científico ressignificando o conceito cotidiano.
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Considerar o lógico-histórico no ensino e aprendizagem da matemática e das
frações é acreditar que o estudo do conceito nesse movimento pode oportunizar o
alcance a níveis do pensamento teórico. Trazendo para o contexto de nossa pesquisa,
saber por memorização, a origem das frações, sua definição e representação, bem como
operar com elas não são garantia da compreensão e apropriação desse conceito. Sendo
assim, é o processo de internalização, as conexões e abstrações que o pensamento
humano faz na construção do conhecimento que o caracteriza como pensamento teórico.
A forma teórica da matemática tem a ver com o desenvolvimento do conceito na
atividade humana.
Para estudar, compreender e se apropriar de um conceito, se faz necessário
conhecer e vivenciar o aspecto criativo desse desenvolvimento conceitual. É importante
valorizar os movimentos constitutivos do pensamento durante o estudo do conceito.
Considerando o exposto e as leituras de pesquisas, como a de Amorim (2007),
Catalani (2002), Rosa (2013), compreendemos a necessidade e a importância de
avançarmos em relação ao tratamento dado ao ensino das frações de maneira que não se
restrinja somente aos aspectos da lógica formal deste conceito, mas que contemple, no
seu estudo, o movimento de sua criação pela humanidade e sua dimensão sociológica e
lógico-dialética.
Segundo Kopnim (1978, p. 85),
[...] entre a lógica dialética e a formal existe uma diferença de
princípio no enfoque das formas de pensamento. Como a lógica formal, a
lógica dialética também analisa o pensamento que se reflete na linguagem.
[...] No entanto, a lógica dialética não se detém na linguagem; considerando a
linguagem apenas como meio de existência e funcionamento do
conhecimento, ela procura penetrar no próprio processo de aquisição do
conhecimento, no próprio processo de pensamento, no modo em que nele se
reflete a realidade objetiva.
Considerar a lógica dialética no estudo das frações é contemplar também o estudo
do conteúdo mental – os processos mentais, as conexões do pensamento durante a
construção do conceito, as abstrações – expresso na sua forma linguística (representação
e utilização das frações no contexto atual - síntese do conceito).
Neste sentido, a formação continuada desenvolvida na pesquisa-ação procurou
abarcar o estudo do conceito de frações nesta perspectiva. Quanto aos aspectos da
atividade docente e da formação continuada, traremos para ampliar as discussões, o que
denominamos em nosso trabalho de “Atividade de formação”.
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A Atividade de Formação
Perante o estudo da perspectiva teórica, das leituras de Palma (2010) e de Moura
(2001; 2004) sobre a Atividade de Ensino como Ação Formadora, entendemos, então,
que a atividade formativa de professores seria identificada como “Atividade de
formação”, àquela que integra os componentes da “Atividade” proposta por Leontiev (a
necessidade, o motivo, a ação e a operação), ou seja, surge de uma “necessidade”
(ensinar), mobiliza “ações” (como inserir o conhecimento neste espaço educativo) e
estas estão subordinadas aos objetivos que dependem das condições para sua realização
(os recursos metodológicos adequados a cada objetivo posto pela ação).
Para os professores, sujeitos do processo educativo, quando colocados em
atividade de formação, suas ações precisam assim ser realizadas, de maneira que
corresponda aos reais motivos para realizá-la. Quando isso não acontece, procedem
como se o que estão a realizar fosse importante para satisfazer a necessidade do outro e
não a sua. Sendo assim, o que seria uma atividade constitui-se como simples tarefa, ou
seja, afasta as ações de quem a realiza do real motivo para realizá-la.
Trazendo para o contexto de nossa pesquisa, o “motivo” (aprender fração) de o
professor participar da formação continuada, impulsionado pela “necessidade” de
ensinar este conceito matemático para os seus alunos, somente será considerada uma
atividade de formação para este professor, a partir do momento que suas ações se
voltem para o “aprender” (objeto ligado ao motivo) a ensiná-lo, ou seja, os modos (as
operações) de como o professor se envolve e busca este aprendizado é que permitem
considerá-la como atividade de formação. Desta maneira, suas ações e operações, ao
serem realizadas, trazem significação e sentido pessoal para esse professor, isto é, ficam
voltadas para a finalidade do aprender, dando resposta, assim, à necessidade de ensinar.
Para considerarmos o professor em Atividade de formação, significa então dizer
que as suas ações decorrem ou ficam voltadas para atender os reais motivos oriundos da
necessidade de ensinar, ou seja, às suas ações são atribuídos significado e sentido para
sua realização e consequentemente o atendimento desta necessidade.
Analisando o que nos diz Leontiev (1972), que o homem se constitui humano ao
se apropriar da cultura humana produzida, sendo esta apropriação resultado de sua
atividade efetiva sobre o mundo que o circunda, podemos considerar que o professor se
constitui professor pela sua atividade docente, concebida como atividade humana
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adequada e orientada por objetivos, na qual o objeto principal do professor é o “ensino”.
Nesse sentido, a escola, espaço de atividade docente, se constitui como ambiente
social e de aprendizagem para o professor. A docência, para o professor, passa a ser sua
atividade principal. Para Araújo e Moura (2005, p.4), estudiosos da perspectiva
histórico-cultural:
A docência é uma profissão em movimento e de interação. Em
movimento porque pressupõe que, aos conhecimentos estabelecidos,
quaisquer que sejam suas naturezas, somam-se outros, pela ação humana. E é
exatamente essa mesma ação humana que confere à docência a dimensão
interativa: professor-aluno, aluno-aluno, professor-professor, professor-
conhecimento-aluno. Na docência, dar-se-á o encontro de gerações, de
experiências, de afetos, de valores, de saberes. Na docência, o professor
realiza sua principal atividade (grifo dos autores).
A formação continuada na perspectiva de promover aprendizagens do professor
no seu espaço de trabalho traz as contribuições da teoria histórico-cultural que a
compreende como, “um processo de desenvolvimento profissional e pessoal, de
natureza intencional, política e coletiva, sustentado pelas interações do professor com
seu objeto de trabalho – o ensino”. Destacam os autores que “vale lembrar que a
qualidade profissional se assenta não apenas no saber ensinar, mas na relação dialética
entre o aprender e o ensinar” (ARAÚJO; MOURA, 2005, p. 4).
Desta maneira, a formação continuada procurou superar a concepção de
racionalidade técnica de que basta ao professor “saber fazer” (aplicar e utilizar técnicas
corretamente no ensino de um conteúdo, por exemplo), mas sim de constituir-se, de
fazer-se durante esse processo formativo.
Comungamos com Araújo e Moura (2005), apoiados em Barroso (1997), que o
sentido de formar advém sempre de um verbo no gerúndio e no plural, ou seja, é um
processo inacabado, em construção e também coletivo. Acreditamos que o processo de
formar-se acontece não só através dos programas de formação inicial e continuada de
professores, mas durante o seu agir profissional, quando no exercício da sua atividade
de ensinar. No decorrer desse processo, possibilita não só ao aluno construir e apropriar-
se do conhecimento historicamente produzido, mas a ele próprio (o professor) se
construir e construir significações para sua prática docente.
Nesse sentido, ao planejarmos a formação, tivemos a preocupação em
acompanhar o professor não só nos encontros semanais onde estudávamos com maior
ênfase os conteúdos específicos relacionados às frações, mas também no seu momento
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de planejamento e durante sua atividade de ensino em sala de aula, pois acreditamos que
nestes diferentes espaços e dimensões, inerentes à atividade docente, o professor vai se
constituindo, formando-se professor. Desta maneira, elegemos princípios norteadores e
uma organização para o movimento formativo que apresentamos a seguir.
A organização e os princípios da formação
A dinâmica organizacional da formação intitulada “Aprendendo com e sobre
frações”, foi desenvolvida considerando três movimentos:
1° Movimento: Os “Encontros semanais de estudos” foram realizados na
UFMT/ICET/IE semanalmente, cada um dos nove encontros com duração aproximada
de 4 horas, reuniu em média 15 professores das 4 escolas do OBEDUC, que atendiam o
Ensino Fundamental, e estes ocorreram ao longo de três meses.
2° Movimento: Os “Acompanhamentos do planejamento dos professores” foram
realizados quinzenalmente na escola de atuação das três professoras colaboradoras da
pesquisa, com duração aproximada de 1 hora, na maioria das vezes, antes ou depois dos
PGEP da escola. Este acompanhamento se deu por aproximadamente dois meses,
durante o período em que elas trabalharam com o conteúdo de frações com seus alunos
e teve como objetivo auxiliá-las de maneira colaborativa diante dos dilemas, conflitos,
dificuldades e aprendizagens decorrentes desse processo.
3° Movimento: O “Acompanhamento do professor em sala” teve como objetivo
assessorar e trabalhar em parceria com as três professoras, em suas respectivas salas de
aula, durante o período que ensinaram frações. Nesse sentido, a participação da
pesquisadora foi delimitada e combinada anteriormente com as três professoras.
Todo esse movimento formativo foi pensado enquanto oportunidade de o
professor se rever, de refletir sobre os seus conhecimentos, não só do ponto de vista
conceitual, mas, também, pedagógico e curricular.
Podemos dizer que dois requisitos foram base para a construção desta proposta de
formação: a convicção da importância de o professor saber lidar com o conteúdo
específico a ensinar e a motivação desses professores para participarem da formação.
O motivo que impulsionou os professores a quererem participar da formação nos
apontava também para a sua necessidade de ter que ensinar um conceito que muitas
vezes não tinham sequer aprendido. Nesse sentido, ao elaborar as atividades formativas,
valorizamos também a importância de dar significação a lógica formalizada, ao
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conteúdo escolar que é esperado que o professor aborde com qualidade durante sua
atividade docente e que é proposto pelas diretrizes curriculares educacionais e
divulgado através dos documentos, como Parâmetros Curriculares Nacionais, Livro
Didático e outros.
Nesse sentido, o princípio fundamental desta formação foi colocar as professoras
participantes da pesquisa em “atividade”, em um movimento em que as possibilitassem
ressignificar conceitos, refletir sobre suas trajetórias e desenvolvimento profissional
docente, pensar em como ensinam, em como produzem e geram suas atividades de
ensino e, também, sobre suas trajetórias em relação ao seu conhecimento e
desenvolvimento relativo ao conceito de fração. Desta maneira, ao realizarem suas
ações e operações diante da necessidade de ensinar frações, a significação e sentido
pessoal se fizessem presentes.
A elaboração e desenvolvimento da proposta de Formação Continuada, pautados
em Palma (2010), foram norteados pelos seguintes princípios: situações problemas,
como desencadeadoras e mobilizadoras da aprendizagem; o contexto de atuação da sala
de aula; ter como ponto de partida os conhecimentos profissionais das professoras; a
apropriação do conceito de fração na perspectiva histórico-cultural; o trabalho coletivo,
a reflexão sobre a prática pedagógica e o desenvolvimento da autonomia.
A partir dos princípios acima elencados, traçamos como objetivo geral para esta
formação desenvolver com o grupo de professores do OBEDUC “Atividades
formativas”, de modo a ampliarem seus conhecimentos em relação à compreensão e ao
ensino de frações no campo conceitual, pedagógico e curricular e, consequentemente,
dar significações para o estudo e o ensino deste conhecimento matemático.
Enquanto objetivos específicos da formação, nos propusemos a possibilitar aos
professores momentos de estudo em grupo e trocas de experiências; discutir as
possibilidades no campo teórico, pedagógico e curricular no ensino das frações;
mobilizar os professores de modo a perceberem a necessidade de aprender e ensinar
frações; propor atividades que os levassem a perceberem e a identificarem as frações em
outros contextos; oportunizar a vivência do movimento criativo da elaboração do
conceito; intervir de maneira a minimizar as dificuldades dos professores e dos alunos
em relação à compreensão e ao tratamento dado as frações e oportunizar assim,
aprendizagens docentes no campo teórico, pedagógico e curricular.
Nosso foco, ao elaborar e desenvolver as atividades formativas, mesmo não tendo
na época a compreensão que temos hoje sobre a Teoria histórico-cultural, sempre esteve
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voltado para o aspecto construtivo do conceito de modo a dar significação para o estudo
e para o ensino das frações e não simplesmente na forma de operar tecnicamente e
corretamente com elas. Pretendeu-se dar sentido ao estudo das frações, buscando
construir respostas a muitos porquês que emergem e dão significado a elas, ou seja,
possibilitando as significações lógico-históricas deste saber matemático.
Algumas reflexões e considerações sobre o processo formativo
A partir de nosso referencial teórico e de nossa vivência neste processo formativo,
entendemos que os conhecimentos e saberes inerentes a atuação docente resultam de
processos históricos relacionados à própria trajetória de formação pessoal e profissional
de cada professora. As diferentes histórias de vida reproduzem, de certa forma, valores e
significados em um determinado contexto. Considerar estas trajetórias em nossa
formação foi de suma importância para o planejamento da mesma e para que
pudéssemos atender as reais necessidades destas profissionais.
Acreditamos que não só o primeiro e o segundo, mas também o terceiro
movimento da formação – o acompanhamento da prática pedagógica – se configurou
efetivamente como espaço formativo para as professoras, pois demonstraram através da
reorganização de suas ações no processo de estudo e de ensino, a apropriação de
conhecimentos só possíveis na unidade dialética entre a teoria e a prática docente.
Durante o percurso formativo, dificuldades, dilemas, conflitos também foram
sendo manifestados pelas professoras, desde o conhecimento e compreensão dos
conteúdos a serem ensinados, até a organização, planejamento e efetivação de seu
ensino. Como, por exemplo, compreender as proposições de referenciais curriculares,
lidar com as perguntas dos alunos e suplantar antigas práticas reprodutivistas.
Para que o professor ensine um determinado conteúdo, é condição básica que ele
tenha domínio deste. Ainda assim, só o conhecimento deste não é o bastante.
Compreendemos que, além dos conteúdos matemáticos a se ensinar, é também
indispensável ao professor saber “como” e também o “sentido” de ensiná-los e, ainda,
que a apropriação dos conhecimentos inerentes à docência faz parte do processo de
humanizar-se e fazer-se professor.
Observamos que ao contemplarmos na formação elementos como: o estudo de um
conteúdo matemático específico sem perder sua dimensão pedagógica e curricular, o
movimento lógico-histórico do conceito, a reflexão sobre o excesso de formalismo
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matemático, a intencionalidade na utilização de materiais didáticos, dentre outros;
permitiram as professoras reverem o processo de ensino vigente na cultura escolar e a
reorganizarem sua própria prática, especialmente àquelas relacionadas ao ensino de
frações, e isto para nós se constituiu como grande avanço.
O processo formativo oportunizou que as professoras manifestassem algumas
aprendizagens acerca dos conhecimentos específicos, pedagógicos e curriculares:
considerar a origem histórica das frações em suas aulas, o reconhecimento da
matemática enquanto construção humana, a ampliação dos conteúdos ensinados
referentes às frações, a utilização de materiais didáticos e outros referencias curriculares
além do livro didático e da internet, o reconhecimento da necessidade constante de
estudo e de planejamento para que haja interesse e aprendizagem dos alunos e, dentre
outras, avaliar e significar o processo de formação recebido durante a pesquisa. Ou seja,
demonstraram que, ao mudarem seu modo de pensar, também se modificaram neste
processo formativo.
Consideramos, então, que, quando as professoras participaram da formação, esta
se constituiu para elas “Atividade de Formação”, pois diante da “necessidade de ensinar
frações para seus alunos”, o motivo, “aprender este conteúdo”, desencadeou ações que
lhes permitiram satisfazer esta necessidade. Deste modo, foi lhes atribuído sentido
pessoal para o desencadeamento e realização de suas ações que compuseram o processo
formativo e responderam a necessidade de ensinar frações.
Deste modo, concebemos neste percurso que é possível criar situações em que
outra perspectiva de formação continuada para professores dos anos iniciais seja
vivenciada por eles em sua realidade escolar. Esta perspectiva passa pelo trabalho
coletivo e colaborativo, pela fundamentação teórica e pelo movimento desta com a
prática, pela possibilidade de produção de novos sentidos para aprender e ensinar
conteúdos matemáticos e atender, principalmente, às necessidades de ensinar do
professor, de modo a acontecer a apropriação do conhecimento humano historicamente
construído e constituinte do processo de humanização.
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463ISSN 2177-336X
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A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE EQUIVALÊNCIA DE
FRAÇÕES E A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL
Fabiana Fiorezi de Marco – FAMAT/UFU
Carolina Innocente Rodrigues – FAMAT/UFU
Resumo
Neste texto é apresentado um recorte de nossa pesquisa de mestrado intitulada
Uma proposta de ensino de frações no 6º ano do Ensino Fundamental a partir da
Teoria Histórico-Cultural em que foram desenvolvidas cinco atividades de ensino
(MOURA, 1996, 2002). A pesquisa teve como objeto de estudo o ensino de frações para
estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal de
Uberlândia/MG. Neste, apresentamos uma atividade de ensino que abordou o conteúdo
de equivalência de frações por meio da reta numérica a partir do que havia sido
desenvolvido anteriormente, tendo como objetivo discutir sobre o ensino de
equivalência de frações, do ponto de vista da sua organização por parte do professor.
Como questão de pesquisa investigou-se: como as atividades orientadoras de ensino
podem auxiliar para a aprendizagem do conceito de frações para estudantes do 6º ano do
Ensino Fundamental?. As análises realizadas foram organizadas em episódios e cenas
(MOURA, 2004) nas quais emergiram as ações dos estudantes e como lidaram com a
medição de quantidades inteiras (todo) e subunidades (parte), com representações na
linguagem verbal ou escrita (retórica, sincopada e simbólica). Na proposta elaborada,
afastou-se a ideia de a fração ser apenas um operador e do estado de imobilismo
(PRADO, 2000) que atinge diversos professores. As análises do material produzido
indicaram que por meio das ações mediadoras da professora nas atividades de ensino,
pode-se inferir que os estudantes estiveram em atividade (LEONTIEV, 1978) e que
modificaram suas ações para o desenvolvimento do pensamento teórico sobre o
conceito de fração no decorrer da proposta. Ao que concerne à formação da professora
pesquisadora, há de se exaltar a modificação do tratamento das reflexões sobre as ações
práticas, com reflexões mais aprofundadas sobre os conceitos dos conteúdos
matemáticos.
Palavras-chave: Fração, Atividade Orientadora de Ensino, Teoria Histórico-
Cultural.
Introdução
Este texto apresenta reflexões acerca das ações dos estudantes em duas
atividades de ensino (MOURA, 2000; 2002): Equivalências de frações: utilizando as
medidas do Egito que compõem a unidade didática de nossa pesquisa de mestrado1. Na
unidade proposta foi abordado o conceito de frações com cerca 30 estudantes do 6º ano
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do Ensino Fundamental de uma escola municipal em Uberlândia (MG), entre os meses
de maio a dezembro de 2014.
A necessidade do estudo sobre frações surgiu de um desconforto da
pesquisadora em relação ao ensino deste conteúdo que, na maioria das vezes, é
interpretado e ensinado por professores apenas como uma divisão, sendo perceptível os
estudantes apresentarem dificuldades de compreender tal atributo. Para tanto, a questão
de pesquisa tomou a seguinte forma: como as atividades orientadoras de ensino podem
auxiliar para a aprendizagem do conceito de frações para estudantes do 6º ano do
Ensino Fundamental?
Assim, durante a organização do ensino deste conteúdo e o desenvolvimento das
atividades com os estudantes, um dos objetivos da pesquisa era investigar se o uso da
História da Matemática poderia auxiliar na aprendizagem abordando os nexos
conceituais da fração: medida e grandeza (CARAÇA, 1951), afastando-os da relação
com a fração apenas como técnica operatória, como também de casos particulares e
representações errôneas por meio de desenhos, objetivando a aproximação do
pensamento teórico (DAVYDOV, 1982).
Nosso movimento reflete a busca de investigar alternativas e estratégias de
ensino, pois se entende que o estado de imobilismo (PRADO, 2000) que aflige muitos
professores os faz recorrer aos livros didáticos convencionais e, abordagens de ensino
de matemática que se distanciam do convencional não permanecem em sala de aula.
Temos então a importância da relação entre pesquisa e ensino, onde há a necessidade de
conhecer o desconhecido, como forma de construção do conhecimento do professor e,
por consequência, do estudante, uma vez que o professor pesquisador poderá refletir e
adequar o ensino às necessidades dos seus estudantes, mas para isto é necessário que o
conteúdo tenha significação para professor e aluno (DAVYDOV, 1982).
Para este artigo, temos como objetivo discutir sobre o ensino de equivalência de
frações no 6º ano do Ensino Fundamental, do ponto de vista da sua organização por
parte do professor a partir dos registros das medições obtidas em atividade anterior2;
comparar diferentes representações fracionárias; verificar a compreensão dos estudantes
quanto à localização das frações na reta numérica, como também determinar frações
equivalentes por meio desta.
Antes de detalharmos a atividade desenvolvida, convidamos o leitor à uma breve
caminhada pela literatura sobre o tema frações e atividade de ensino.
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Um passeio pela literatura
O ensino de frações centrado nas peculiaridades do empírico (DAVYDOV,
1982, LEONTIEV, 1978, HEDEGAARD et al, 1999) impossibilitam que o ensino
escolar proporcione conhecimentos genuinamente científicos e capacidades para o
domínio destes.
Desta forma, para a idealização da proposta em questão a fração é entendida
como pensamento, criatividade, leitura de mundo e que por ela passam múltiplos nexos
históricos, geográficos, geométricos, filosóficos, culturais, físicos, químicos, literários,
artísticos etc. É isto que faz a fração a melhor parte do inteiro (LIMA, 2000, p.1).
As reflexões feitas ante a proposta de ensino a ser detalhada posteriormente
neste texto apontam a possibilidade de ensinar frações sem se pautar exclusivamente na
visão de divisão de objetos reais. Hedegaard et al (1999) afirmam que as atividades à
luz da Teoria Histórico-Cultural devem possibilitar que os estudantes façam
interrelações acerca do conceito entrelaçado nelas. Desta forma, neste estudo, tendo
como objeto as frações, um atributo externo é a divisão, porém a medida e a grandeza
são qualidades internas desse objeto. Seguindo então que a totalidade de um
conhecimento é o domínio efetivo desses atributos internos e externos enquanto que a
aparência permeia somente o externo deste objeto, representada por um ensino
empirista que depende das intuições do sujeito.
Diante do exposto, faz-se necessário definir o que se entende por nexo
conceitual, pensamento e atividade de ensino. Sendo assim,
Fundamentando-nos em Caraça (2000) podemos afirmar que os
conceitos contêm dois aspectos: o simbólico e o substancial. Assim, os nexos
conceituais são elos de ligação entre o pensamento empírico-discursivo e o
pensamento teórico estudados por Davydov (1982). Os conceitos contêm
nexos internos e externos. Os nexos externos estão ligados à linguagem, ao
simbólico e os nexos internos estão relacionados ao lógico-histórico do
objeto estudado. Os nexos internos representam o aspecto substancial do
conceito. (LANNER DE MOURA & SOUSA, 2004, s/n).
Para Leontiev (1978), a razão do pensamento é a distinção e a conscientização
das interações objetivas. Logo, uma das responsabilidades do professor é favorecer o
desenvolvimento do pensamento do estudante, instigar um querer aprender, uma vez
que esse não é um valor natural, mas construído historicamente (RIGON et al, 2010,
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29
p.31). Acredita-se que no âmbito escolar é possível por meio das ações mediadoras do
professor, orientar o pensar possibilitando a transformação da natureza deste
pensamento de cotidiano a científico.
Entendemos também que estas ações mediadoras não são exclusivas do
professor, pois não é um processo individual, mas sendo por meio delas que os
significados são elaborados historicamente, e mais, quando em atividade, é possível
conferir as ações mediadoras no movimento indivíduo-grupo-classe, não tão somente de
professores e estudantes como mediadores, como também a interação com os
instrumentos adotados pelos professores em uma atividade de ensino (MORETTI,
2007).
Quando esse elemento histórico-cultural é trazido à escola, é importante haver a
consciência de que o professor tem um papel importante, pois como apontou Moura
(2000), o professor deve intervir para reorganizar, reelaborar a proposta, dirigindo a
construção do conhecimento dos estudantes a outro patamar. Essa reorganização que
Moura (2000) aponta, refere-se às atividades elaboradas e propostas pelo professor.
Desta forma, as atividades elaboradas e propostas em nossa pesquisa e neste
recorte detalhadas foram constituídas como Atividades de Ensino (AE), na perspectiva
da Atividade Orientadora de Ensino (AOE), definida por Moura (2002) como
aquela que se estrutura de modo a permitir que sujeitos interajam,
mediados por um conteúdo, negociando significados, com o objetivo de
solucionar coletivamente uma situação-problema. É atividade orientadora
porque define elementos essenciais da ação educativa e respeita a dinâmica
das interações que nem sempre chegam a resultados esperados pelo
professor. Este estabelece os objetivos, define as ações e elege os
instrumentos auxiliares de ensino, porém não detém todo o processo,
justamente porque aceita que os sujeitos em interação partilhem significados
que se modificam diante do objeto de conhecimento em discussão (MOURA,
2002, p.155).
Mais adiante evidenciaremos que além do professor estar em atividade de
ensino, os estudantes estiveram em atividade de aprendizagem.
Nossas pretensões em detalhar as reflexões acerca das ações dos estudantes
fundamentam-se no fato de que a AE se fez, pois, a professora tinha bem definidas suas
intenções para as atividades propostas e, por meio das ações mediadoras, permitiu-se
que os estudantes explicitassem dificuldades sobre a compreensão do conceito de fração
que se mostraram a caminho de serem superadas ao longo da pesquisa.
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A atividade proposta, seu episódio e cenas
Com as medidas de um terreno delimitado no espaço escolar obtidas em
atividade anterior, à que já nos referimos neste texto, a professora propôs que
coletivamente organizassem em um quadro todas as medidas que as famílias (grupos)
haviam obtido:
Setor Família
responsável
L
ado 1
L
ado 2
L
ado 3
L
ado 4
Moradia
Plantação
Criação de
gado
Mercado
de trocas
Quadro 1: Modelo de quadro para organização dos dados
Este quadro foi organizado com base na representação, em desenho, de uma das
famílias:
Figura 2: Representação do terreno de uma das famílias
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Nosso objetivo era que coletivamente, os estudantes determinassem as frações
destas medidas, para que então pudéssemos explorar suas equivalências na reta
numérica.
Para a construção de nossa análise, é apresentada a organização do material
produzido na pesquisa em episódio e cenas (MOURA, 2004), em que são selecionados
momentos nos quais encontramos ações reveladoras do processo de ações dos sujeitos
participantes (MOURA, 2004, p.272).
Os episódios poderão ser frases escritas ou faladas, gestos e ações
que constituem cenas que podem revelar interdependência entre os elementos
de ação formadora. Assim, os episódios não são definidos a partir de um
conjunto de ações lineares. Pode ser que uma afirmação de um participante
de uma atividade não tenha impacto imediato sobre os outros sujeitos da
coletividade. Esse impacto poderá estar revelado em um outro momento em
que o sujeito foi solicitado a utilizar-se de algum conhecimento para
participar de uma ação no coletivo (MOURA, 2004, p. 276, grifos do autor).
O episódio selecionado para este artigo foi denominado de Equivalências de
frações: utilizando medidas do Egito Antigo, que passamos a apresentá-lo:
Episódio: Equivalências de frações: utilizando medidas do Egito Antigo
Para este episódio, trazemos duas cenas: a primeira apresenta as diferenças entre
os registros escritos dos estudantes e a segunda contrapõe à visão de que equivalência
fracionária só é possível com a mecanização do uso do mínimo múltiplo comum
(MMC). O material analisado e utilizado neste episódio consta no diário de campo da
professora e audiogravações, pois esta atividade, em um primeiro momento, ocorreu
com a turma toda, ou seja, foi solucionada coletivamente tendo a ação mediadora da
professora e cada estudante elaborando seu registro, individualmente, em seu caderno.
Cena 1: Um passeio pelas escritas: retórica, sincopada e simbólica
Nesta cena, destacamos as diferenças nos registros escritos dos estudantes em
relação às medidas de espaços delimitados na escola e por eles aferidas, utilizando a
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unidade-padrão: o tamanho do tênis da professora pesquisadora (estabelecida pelos
estudantes na Atividade 1 da unidade didática proposta).
Para que fosse possível explorar as equivalências fracionárias, era preciso que
tivéssemos ao menos uma fração, porém nos registros, constavam as medidas com a
escrita predominantemente retórica, conforme quadro a seguir:
Quadro 2: Primeiro quadro com predominância da linguagem retórica
Set
or
Fa
mília
responsável
Lado 1 Lado
2 Lado 3
Lado
4
M
oradia
4 e
5
Trinta
e dois inteiros
7
inteiros
Trinta e
dois inteiros e
uma parte
dobrada em
dois
7
inteiros e
uma parte
dobrada em
duas
Pl
antação 1
Dez
inteiros
Trez
e inteiros
Nove
inteiros, uma
metade e uma
parte de
dezesseis
Onze
inteiros
Cr
iação de
gado
3
Dez
inteiros e uma
parte dobrado
ao meio
Dez
inteiros
12
inteiros
Dez
inteiros e
uma parte
dobrada ao
meio
M
ercado de
trocas
6
7
inteiros e
nenhuma
parte
Dez
inteiros e
nenhuma
parte
6
inteiros e uma
parte dobrado
em 2
Nove
inteiros e
uma parte
dobrado em
2
Ao todo foram elaborados cinco quadros, similares a este, que se fizeram
necessários de acordo com as ações mediadoras da professora e as ações dos estudantes,
nos quais foi possível verificar a necessidade humana das linguagens retórica, sincopada
e simbólica (EVES, 2004). Porém, neste texto, apresentamos apenas quatro deles, para
elucidar o ocorrido.
O fato de não ter coincidido as medidas dos lados que eram comuns aos setores
(por exemplo, o lado 2 do setor de criação de gado é o lado 4 do mercado de trocas),
imediatamente foi percebido pelos estudantes, que justificaram que nem todas as
famílias fizeram as medidas corretamente.
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Os estudantes reclamaram que era muito cansativo escrever tudo por extenso e
se não poderiam escrever com números. Esta necessidade desencadeou o diálogo que
segue:
Professora: O que vocês acharam do nosso quadro?
Vários estudantes: Difícil! Aff, ficou muito grande!!!
Professora: E como podemos melhorar isso?
Furquim: Escreve os números só com números, que nem a gente fez nos desenhos
que entregou pra você, fessora!
Este diálogo originou a confecção do segundo quadro:
Quadro 3: Segundo quadro com predominância da linguagem sincopada
S
etor
Famí
lia
responsável
Lado 1 Lado
2
Lado
3
Lado
4
M
oradia 4 e 5
32
inteiros
7
inteiros
32
inteiros e uma
parte dobrada
em dois
7
inteiros e uma
parte dobrada
em duas
P
lantação 1
10
inteiros
13
inteiros
9
inteiros, e 1
parte de 16
11
inteiros
C
riação de
gado
3
10
inteiros e 1 parte
dobrado ao meio
10
inteiros
12
inteiros
10
inteiros e 1
parte dobrada
ao meio
M
ercado de
trocas
6 7 inteiros
e nenhuma parte
10
inteiros e
nenhuma parte
6
inteiros e 1
parte dobrado
em 2
9
inteiros e 1
parte dobrado
em 2
Os estudantes queriam melhorar a forma de registrar as medições, mas se
depararam com o problema de como representar a parte. Pediram, então, que a
professora aguardasse um pouco para que pudessem pensar, até que um estudante disse:
“Saquei já, tudo que a gente falou parte é da fração!”. Pouco tempo depois, os
estudantes já haviam feito suas anotações dos números fracionários que antes estavam
escritos em palavras, em seus cadernos.
Professora: Vamos fazer um novo quadro com o que vocês escreveram?
Classe: Siiiimmmm!!!
Quadro 4: Transição entre a linguagem sincopada e simbólica
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Setor Famíli
a responsável
La
do 1
La
do 2
La
do 3
La
do 4
Moradia 4 e 5 32 7 32
e
7 e
Plantação 1 10 13 9 e
e 11
Criação
de gado 3
10
e 10 12 10
e
Mercado
de trocas 6 7 10
6 e
9 e
Contudo, um novo problema surgiu quando o estudante Cirilo disse que queria
que a medida da família dele ficasse com uma única fração, assim como as outras. Esse
questionamento foi preponderante para a continuidade da atividade, pois a partir dele foi
possível abordar a equivalência.
Cena 2: Por que na reta?
O questionamento feito na cena anterior foi o estopim para esta frase
pronunciada por Cirilo “Num tem jeito de ficar um número só pras partes?”, referindo-
se à medida do lado 3 do setor de plantação: 9 e e . A professora, então, quis saber
da turma como poderia ser resolvida a situação e o próprio estudante respondeu: “Assim
né, como teve uma hora que minha família dobrou em duas partes e depois em
dezesseis, eu penso que era mais fácil se a gente tivesse visto quantos pedacinhos
dobrados em dezesseis cabia naquele tanto lá do terreno”. A professora então propõe
que descubram a equivalência entre e , por meio da reta numérica.
Em nenhum momento foi necessário que a professora sugerisse aos estudantes
que aquela representação não era a melhor. Esta conclusão foi feita por um dos
estudantes e compartilhada com a turma, o que nos possibilita corroborar com Davydov
(1987) e Hedegaard et al (1999) quando indicam que o professor deve proporcionar aos
estudantes, condições para que efetuem transformações específicas dos objetos e
fenômenos e, como consequência, a conversão das propriedades internas do objeto em
conteúdo do conceito.
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Retomando ao nosso objeto de estudo, a fração, as propriedades internas deste
objeto são medida e grandeza e, na frase do estudante “eu penso que era mais fácil se a
gente tivesse visto quantos pedacinhos dobrados em dezesseis cabia naquele tanto lá do
terreno”, estes elementos trazem, de forma particular, relações gerais entre grandezas,
por meio de uma medida. Podemos então inferir que a atividade de ensino pensada e
organizada pela professora, com intencionalidade sobre o conteúdo de frações, permitiu
que os estudantes estivessem em atividade de aprendizagem, pois as ações
desenvolvidas por eles foram motivadas pela necessidade gerada em um estudante, num
primeiro momento, de representar as frações e em um único denominador comum.
Para dar prosseguimento à investigação dos alunos, a professora representou na
lousa um exemplo da reta numérica:
Figura 2: Representação da reta numérica
Para surpresa da professora, a estudante Maria do Carmo, já expressou que não
“precisava disso tudo”, pois só seria necessário desenhar “do nove ao dez”, pois eram
nove inteiros. Uma representação de um segmento de reta foi esboçada na lousa:
Figura 3: Representação do segmento de reta numérica sugerida pela estudante Maria do
Carmo
O estudante Cirilo, já solicitou que desenhasse a fração , por era preciso saber
“onde tava o meio”. E mais uma vez foi modificada a configuração do segmento de reta:
Figura 4: Sugestão de Cirilo para representação de um meio no segmento de reta numérica
Professora: E agora, como podemos representar a tira de papel que a família do
Cirilo usou dobrada em dezesseis partes?
Vitão: Igual né, não!? Faz de conta que a gente pode dobrar essa reta aí, pra ficar o
todo em dezesseis partes, fica oito pra cada lado.
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Professora: Todo mundo entendeu?
Edi: Mas num é só o meio em dezesseis partes?
Vitão: Nãoooooo, tem que ser tudo porque é o tequinho todo, senão vai dar trinta e
dois. Faz aí, fessora, oito partes pra cada lado!
Professora: Assim?
Figura 5: Sugestão de Vitão para a representação de divisão do segmento de reta em
dezesseis partes
Professora: Alguém pode me explicar o que significa isso que nós fizemos?
Vitão: Que a gente fez a mesma coisa com o cúbito3 ué, dividiu no tanto que
precisa para caber lá no terreno.
Edi: Eu entendi agora, é assim fessora, cada pedacinho aí desse é uma partinha de
dezesseis né!?
Cirilo, Vitão, Furquim e Gilson: Aeeeeeee... Até que enfim!
Professora: Sim, é isso mesmo Edi. Agora, será que a gente consegue responder
aquela pergunta de lá atrás do Cirilo? Que ele queria saber quantos pedacinhos da tira
dobrada em dezesseis caberia em um meio.
A turma então conclui que são “oito pedacinhos de dezesseis” que equivalem a um
meio, mas Cirilo lembra que não acabou, vai até a lousa e escreve:
9
Vinícius discorda, também vai à lousa e escreve: 9 .
De acordo com Talizina (2000), para formalizar um conteúdo que, nesta cena
tratava-se da equivalência de frações, não é preciso reproduzir definições ou
mecanismos de cálculos, mas é preciso ter a consciência do conteúdo para assimilar o
conceito que o envolve. Podemos inferir que isto ocorreu com estes alunos, independe
do volume de exercícios.
Considerações
Nesta atividade foi possível evidenciar as representações fracionárias sem que
fosse citado se a fração era própria, imprópria e mista. Estes estudantes, em condições
de uma atividade de aprendizagem por meio da linguagem existente neste processo,
efetivaram suas ações, transformando o reflexo inconsciente em consciente
(LEONTIEV, 1978).
O destaque dado é em relação às ações dos estudantes, pois foi possível perceber
mudanças na compreensão deles sobre o número fracionário e como se dá essa
compreensão quando obtida coletivamente, pois diferentemente de muitos momentos
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em sala de aula, conteúdos abordados anteriormente foram resgatados para que os
estudantes fizessem suas conclusões.
Há de se ressaltar também, que a proposta de ensino se desenvolveu, conforme
brevemente apresentado, pois as ações mediadoras da professora pesquisadora é que
motivaram os estudantes a estarem em atividade e, se esta mesma proposta for
desenvolvida por outros professores com outros estudantes, a mesma poderá se
desenvolver de modo diferente da ocorrida em nossa pesquisa, pois cada professor, cada
estudante exerce suas ações mediadoras distintamente uns dos outros.
De acordo com os pressupostos teóricos estudados, entende-se que conforme os
estudantes compreendem de forma geral um conteúdo (atributos internos e externos),
estão preparados para lidar com casos particulares, pois revela os nexos conceituais que
compõe o próprio conteúdo.
Ao que concerne à formação da professora pesquisadora, há de se exaltar a
modificação do tratamento das reflexões sobre as ações práticas, pois anteriormente
estas ficavam apenas como anotações ou discussões com profissionais da área. A partir
do desenvolvimento da pesquisa, o aprendizado mostrou que tais reflexões podem ser
revertidas em estudos mais aprofundados sobre os conceitos dos conteúdos escolares a
fim de melhor elaborar e desenvolver AE, na perspectiva da AOE.
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Notas: 1 RODRIGUES, Carolina Innocente. Uma proposta de ensino de frações no 6º ano do Ensino
Fundamental a partir da Teoria Histórico-Cultural. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia, 2015. 2 Atividade 4: De volta ao Egito Antigo: a necessidade de organização em sociedade, de nossa
dissertação. 3 Um cúbito egípcio se estendia do cotovelo até a ponta dos dedos do faraó da época, medindo
aproximadamente 524mm, e se subdividia em 28 partes, ou seja, deriva de partes do corpo humano, e
serviu, com estas características, convenientemente, por séculos, na medição de terras (LIMA et al,
1998a). Para esta pesquisa, a medida padrão utilizada, a exemplo do cúbito, foi o comprimento do tênis da
professora.
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