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APRENDIZAGENS DA DOCÊNCIA EM CONTEXTOS DE ESTÁGIO
SUPERVISIONADO E DO PIBID DE MATEMÁTICA
O professor não nasce professor, ele aprende a ser. Ensinar é uma atividade que
constitui-se historicamente e, como tantas outras atividades humanas, precisa ser
aprendida. Considerando essa premissa, esse painel articula trabalhos que têm como
temática comum a formação inicial de professores de matemática. Especificamente, os
textos são orientados pelo objetivo geral de discutir a aprendizagem do futuro professor
de matemática em interações com a escola de Educação Básica, com enfoque no Estágio
Curricular Supervisionado e em ações do Pibid (Programa Institucional de bolsas de
iniciação à docência). As pesquisas apresentam proximidades em termos metodológicos
por vinculações com a abordagem qualitativa de investigação e por privilegiar dados a
partir de narrativas produzidas por licenciandos. Esses estudos discutem aprendizagens
da docência de licenciandos de instituições de ensino superior de Estados diferentes,
sendo que dois artigos exploram dados de atividades de estágio curricular
supervisionado e um aborda aprendizagens docentes referentes a ações do Pibid. Os
aportes teóricos de análise dos trabalhos se alinham a perspectiva da formação de
professores e produzem reflexões que evidenciam que a aprendizagem da docência é de
natureza complexa. Nesse sentido, privilegiam dados que demonstram aprendizagens de
conhecimentos da docência a partir da interação com professores e alunos da escola
básica, por meio de observações do trabalho educativo desenvolvido em unidades
públicas de ensino ou por ações em que licenciandos, na condição de futuros docentes,
assumem de forma protagonista o objeto de sua atividade, ou seja, o ensino. Nesse
processo vivenciam situações tensas e intensas que provocam reflexões e apropriações
de conhecimentos fundamentais ao ser professor.
Palavras-chave: Formação Inicial de Professore. Matemática, Aprendizagem da
Docência
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
546ISSN 2177-336X
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ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO E CONHECIMENTOS DA
DOCÊNCIA EM MATEMÁTICA
Dilza Côco
Instituto Federal do Espírito Santo/Campus Vitória
Resumo
O artigo tem como tema a formação inicial de professores, mais especificamente
focaliza discussões sobre estágio curricular supervisionado e aprendizagens de
conhecimentos da docência. Origina-se de pesquisa ampla, contínua, desenvolvida
desde o ano de 2012, no contexto do curso de licenciatura em Matemática, do Instituto
Federal do Espírito Santo (Ifes), campus Vitória. Em termos metodológicos, vincula-se
a abordagem qualitativa de investigação, com aproximações com fundamentos da
pesquisa colaborativa defendida por Ibiapina. Tem por objetivo analisar como diálogos
propiciados em atividades de estágio supervisionado na escola de ensino fundamental,
contribuem para (re)construção de conhecimentos da docência em matemática. Para
isso, apresenta recorte de dados, privilegiando onze relatórios escritos, elaborados por
licenciandos, a partir de atividades de estágio, realizadas em três escolas públicas da
cidade de Vitória/ES, no ano de 2015. As análises dos enunciados que compõem esses
relatórios são tecidas à luz da perspectiva discursiva de linguagem, defendida por
Mikhail Bakhtin, e de proposições de Lee Shulman, sobre diferentes conhecimentos que
envolvem o trabalho docente. Essas análises apontam para a complexidade da
aprendizagem de conhecimentos da docência e evidencia a necessidade de diálogo
intenso com os sujeitos que habitam o espaço tempo da escola. Desse modo, os dados
mostram que é na interação com o outro (aluno e professor), que os licenciandos
pesquisados são provocados a refletirem sobre demandas e desafios da docência, e
passam a ter condições de elaborarem reflexões que admitem a insuficiência do domínio
do conteúdo disciplinar para as exigências do ensino. As diferentes atividades de estágio
(observação, coparticipação, regência) colaboram para a revisão dessa perspectiva,
contribuindo para a produção de enunciados que explicitam aprendizagens sobre
diferentes tipos de conhecimentos envolvidos no trabalho docente, dentre eles o
conhecimento dos alunos, do contexto educativo, do currículo e do conhecimento
didático do conteúdo.
Palavras-chaves: Estágio supervisionado; Conhecimentos da docência; Matemática.
Introdução
O tema formação de professores tem revelado campo fértil para estudos e
pesquisas no Brasil. Passa por constantes revisões e problematizações, especialmente
por ser considerado elemento importante para a melhoria da qualidade da educação.
Nesse cenário profícuo de discussões, encontramos diferentes abordagens e enfoques
para o tema, como estudos que exploram questões ligadas a formação inicial; a
formação continuada e a constituição da identidade e profissionalização docente.
Também é possível verificar pesquisas sobre políticas educacionais de formação de
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professores; sobre história da formação de professores no Brasil, e sobre saberes
docentes e aprendizagem profissional e outros.
Dentre essas várias possibilidades de abordagem, esse artigo se insere no grupo de
estudos que focam a formação inicial, e mais especificamente desenvolve discussões
sobre ações formativas em atividades de estágio curricular supervisionado. Tem como
objetivo geral analisar como diálogos propiciados em atividades de estágio
supervisionado na escola de ensino fundamental contribuem para (re)construção de
conhecimentos da docência em matemática. Partimos do pressuposto, que o estágio
garante espaço privilegiado para licenciandos se aproximarem de demandas e desafios
do trabalho docente, de forma intensa e tensa.
Esta produção integra uma pesquisa mais ampla, em desenvolvimento desde o
ano de 2012, de forma contínua, no âmbito do curso de licenciatura em matemática do
Ifes, campus Vitória. Trata-se de uma investigação qualitativa (BOGDAN, BIKLEN,
1994) com alguns fundamentos da pesquisa colaborativa (IBIAPINA, 2008).
Destacamos que neste texto apresentamos um recorte de dados e selecionamos
dados apenas de 2015, produzidos por onze sujeitos que realizam atividades de estágio
de matemática, em três escolas públicas de ensino fundamental, em Vitória/ES. Para
desenvolver as discussões estruturamos esse texto em quatro partes, incluindo essa
introdução e as considerações gerais. Na segunda parte situamos o funcionamento e a
organização das atividades de estágio desenvolvidas no Ifes, campus Vitória, e
detalhamos ações sistematizadas no ano de 2015. Na terceira explicitamos os
fundamentos teóricos e apresentamos dados a partir das diferentes atividades, como da
fase de observação, coparticipação e regência, buscando evidenciar elementos
discursivos que evidenciam aprendizagens de conhecimentos da docência.
Estágio curricular supervisionado da licenciatura em matemática do Ifes
As disciplinas do curso de licenciatura em matemática investigado, são
distribuídas em quatro eixos de conhecimentos, dentre eles o eixo do estágio curricular
supervisionado, com 450 horas. As disciplinas que integram esse eixo iniciam a partir
do quinto período do curso e são denominadas de estágio I e II (ensino fundamental),
estágio III (ensino médio) e estágio IV, esse último focaliza atividades na modalidade
de educação profissional, educação de jovens e adultos e na educação especial.
A escolha por discussões que exploram atividades de estágio realizadas no ensino
fundamental é devido à condição da autora deste artigo atuar como docente dessas
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disciplinas (estágio I e II), o que permite planejar, propor e acompanhar ações dos
sujeitos da pesquisa no contexto das escolas parceiras. Denominamos escolas parceiras,
as unidades de ensino que recebem licenciandos para atividades de estágio.
É importante considerar que esse componente curricular pode assumir diferentes
modos de organização (RODRIGUES, 2014), pois sempre é necessário alinhar as ações
formativas do estágio com a dinâmica de funcionamento e disponibilidade das escolas
parceiras. Essa característica de flexibilidade implica em adequações constantes no
roteiro das atividades, visando um melhor aproveitamento pelos licenciandos das
experiências e do tempo destinado ao estágio, seja em atividades de observação,
coparticipação ou regência. Nesse sentido, ações realizadas em 2015, no curso
investigado, inauguraram possibilidades promissoras para o estágio, pois
integramos/articulamos o espaço do laboratório de ensino de matemática (LEM) do
Ifes/Campus Vitória, como lugar importante para o ensaio da docência, além das salas
de aula das escolas. No quadro 1 a seguir, sintetizamos informações que evidenciam
essa integração/articulação com o laboratório de ensino:
Quadro 1 – Dados do estágio em matemática do ano de 2015
Escola
parceira
Licenciandos em
atividade de
estágio
Local da
regência de
estágio
Turma Tema da regência
Escola PA Soraia
Karla e Roberto
Kauã
Dina
Maristela e Stael
LEM
Sala de aula
LEM
LEM
LEM
8º série
6º ano
9º ano
6ª série
6º ano
Razões trigonométricas do triângulo retângulo
Ângulos
Razões trigonométricas do triângulo retângulo
Operação com números inteiros
Fatoração e Mínimo Múltiplo Comum
Escola SC Vicente e Wander Sala de aula 6º ano Classificação de sólidos geométricos
Escola ASO Ravena e Aldo Sala de aula Turma
de EJA
Correção de prova do processo seletivo
Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração da autora.
Esclarecemos que os nomes atribuídos aos licenciandos (QUADRO 1) são
fictícios para preservar a identidade dos sujeitos, conforme estabelece os preceitos
éticos de pesquisa com seres humanos. Todos esses sujeitos aceitaram participar da
pesquisa por meio da assinatura de termo livre e esclarecido. Em relação às unidades de
ensino, tomamos o mesmo critério para realizar a identificação das três escolas parceiras
por siglas, a partir das letras iniciais da denominação original. Essas escolas municipais
se localizam na periferia da cidade e atendem crianças, jovens e adultos da classe
popular. Os dados das duas primeiras referem-se ao ensino regular e a terceira da
modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
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Considerando essas características, os licenciandos (2) da escola ASO realizaram
estágio no período noturno, e os demais nos turnos matutino (3) e vespertino (6). Outro
detalhe diferencial é que a escola ASO tinha uma organização singular, pois suas salas
de aula eram localizadas em diferentes pontos/bairros da cidade para atender demandas
das comunidades. Essas salas funcionam em espaços governamentais ou alternativos
como igrejas, associações de catadores de material reciclável, canteiros de obras dentre
outras possibilidades que a demanda educativa da população exigir. Além dessa
especificidade dos espaços físicos da escola ASO, a proposta pedagógica assume o
princípio do trabalho de ensino interdisciplinar. Nesse sentido, dois professores de áreas
distintas, a cada trimestre atuam nessas turmas em parceria. No ano de 2015 os dois
licenciandos inseridos nessa escola acompanharam aulas que articulavam
conhecimentos de matemática e educação física.
Nos dados do quadro 1 ainda verificamos que quatro turmas de alunos foram
atendidas no espaço do laboratório de ensino de matemática do Ifes em momentos de
regência. Contudo, antes do acontecimento desses eventos, os licenciandos realizaram
atividades de observação e coparticipação no contexto das escolas, sendo que em alguns
momentos desenvolveram atividades com a utilização de materiais manipulativos que
compõem o acervo desse laboratório. Todas essas ações colaboraram para relações mais
próximas da instituição formadora com as escolas parceiras, além de criar novas
condições para situações didáticas entre licenciandos e alunos. Destacamos que o acervo
de materiais do referido laboratório também foi utilizado para subsidiar atividades de
regência desenvolvidas na escola SC.
Os registros dessas ações e aprendizagens oportunizadas pelo estágio foram
sistematizados por meio de textos orais e escritos, elaborados por licenciandos em
diferentes momentos. A valorização da produção de textos como fonte de dados da
pesquisa, é devido à compreensão de que pesquisar aprendizagens docentes exige
considerar a presença de muitas vozes no processo de construção de conhecimentos.
Acreditamos que essas vozes podem ser apreendidas a partir de vivências dialógicas
(BAKHTIN, 2003) de licenciandos com os sujeitos da escola/sala de aula. Essas
vivências podem ser visualizadas/analisadas a partir da noção de enunciados,
desenvolvida por Bakhtin (2003).
Para o autor, é por meio de enunciados plenos que manifestamos nosso processo
de compreensão, ou seja, colocamos a vista, publicamos nossas ideias/conhecimentos.
No contexto do estágio esses enunciados elaborados por licenciandos são encontrados
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especialmente em relatórios escritos, bem como em outros textos. Relatórios que
abarcam a articulação de vários gêneros textuais (narrativas, fotografia, planos de aula,
atividades didáticas, entrevistas), e que devido a essa característica pode ser chamado de
gênero híbrido. Essa natureza híbrida permite contemplar a presença de muitas vozes
que atuam na formação desses licenciandos e que provocam aprendizagens da docência.
Desse modo, analisar a presença dessas várias vozes que integram a aprendizagem
da docência permite compreender a importância dos sujeitos que habitam a escola/sala
de aula no processo de aprendizagem das várias dimensões de conhecimentos da
docência, e, assim, entendemos também a importância do estágio supervisionado nos
cursos de formação de professores.
Estágio curricular supervisionado em diferentes espaços educativos: desafios e
possibilidades
Neste tópico apresentamos enunciados de sujeitos da pesquisa produzidos a partir
de atividades de observação, coparticipação e regência, com o objetivo de analisar
(re)construção de conhecimentos da docência em matemática. Para isso, tomamos como
referência teórica proposições de Shulman (1986). Segundo o autor, os conhecimentos
que são utilizados no processo de ensino e aprendizagem são complexos. Shulman
(1986) categorizou os diferentes tipos de conhecimentos docentes em conhecimentos:
da disciplina (subject knowledge matter), pedagógico do conteúdo (pedagogical
knowledge matter) e o curricular (curricular knowledge). Outros conhecimentos
também são apontados por Shulman (2005): conhecimentos do conteúdo, conhecimento
pedagógico geral, do currículo, pedagógico do conteúdo, dos alunos e suas
características, do contexto educativo e o conhecimento relacionado aos objetivos,
finalidades e valores educacionais. A necessidade desta ampliação se deu ao fato do
trabalho do professor não está relacionado apenas à sua disciplina e ao ensino do
conteúdo, mas na identificação de que existem outros fatores que interferem nesse
processo. Percebemos que a aprendizagem docente a partir de conhecimentos a ser
(re)construída pelo licenciando é complexa e envolve diferentes elementos para além do
domínio do conteúdo específico. Para explorar tal afirmação, iniciamos a exposição de
dados privilegiando extratos de enunciados produzidos em atividades de observação do
estágio. Ressaltamos que todos os extratos contemplados em nossas análises não
sofreram revisão gramatical, buscando garantir a forma de apresentação das fontes.
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O professor sempre respondeu com tranquilidade (dúvidas dos alunos). Acho que essa habilidade só será
adquirida com o tempo de experiência. Na verdade, olhando tudo parece mais fácil do que realmente é.
Senti isso na pele com a regência. [...] O problema não é o aluno fazer uma pergunta. Muitas vezes até se
sabe a resposta mas não se sabe como explicar. [...] Eu não vi o professor engasgar nenhuma vez. No
máximo pensar por alguns segundos. Mas sempre tinha a resposta para o aluno. Quando se conhece o
nível de conhecimento da turma, o professor acaba selecionando o assunto de maneira a não trazer um
conteúdo muito fora do alcance deles. [...] Isso é bom, uma das características do professor é saber lidar
com o improviso. O professor permite que a aula aconteça por si só. Há uma programação mas, se a aula
tomar outros rumos, ele não poda muito. Deixa fluxo correr sem perder o rumo. (RAVENA, 2015).
No início pensava como seria tedioso ficar observando crianças e o ensino de matemática ali no ensino
fundamental, ver matérias como equações, operações aritméticas, matérias que já tinha conhecimento.
Porém, quando se tem contato com pessoas, tudo isso muda, todo o meu pensamento de tédio foi embora
no primeiro dia. [...] Os alunos copiam todo o conteúdo em seus cadernos de maneira organizada, pois o
professor tem um quadro muito organizado, utilizando diversos pinceis coloridos e dividindo o quadro.
Acredito que com uma organização do quadro, você chama a atenção dos alunos para escreverem
organizadamente como o professor, essa motivação realmente acontece. [...] Observei que introduz o
ensino da matemática de uma forma investigativa (ele indaga bastante seus alunos) e serena. Ele dedica
uma aula sobre conceitos básicos, explicitando o conteúdo pela raiz, dando exemplos lúdicos e profundos,
porém, lentamente, como forma de todos os alunos acompanharem tal raciocínio. Isso me chamou
atenção, pois no meu primeiro contato com o ensino fundamental (como docente) numa escola, achava
pelos meus conhecimentos matemáticos que um aluno poderia abstrair toda uma matéria em uma só aula
(esse comentário refere-se a uma experiência do licenciando quando ministrou uma aula na qual explicou
todo o conteúdo de frações de uma só vez). [...] Ficou notório que com uma aula apenas, explicando todo
o conteúdo de maneira completa, não é satisfatório para o aluno. Vendo a postura do professor do estágio,
construindo o conteúdo matemático lentamente e com parceria dos próprios alunos e com uma didática
diferenciada, percebi ali que não basta somente dar matemática para ensinar, principalmente no ensino
fundamental. (ROBERTO, 2015).
As aulas na turma do nono ano são transcritas de um livro antigo que o professor possui para o quadro.
Muitas vezes observei que havia maneira mais simples ou até mais apropriada de trabalhar certo conteúdo
do que as que o vi passar. (KAUÃ, 2015).
Nesses extratos licenciandos narram observações sobre o modo de gestão das
aulas pelos regentes e como interagem com os alunos e conduzem o ensino de
matemática. Ravena e Roberto indicam em seus relatos aprendizagens a partir de
observações de práticas positivas, onde aprendem com a forma como os professores
regentes consideravam os conhecimentos dos alunos e como isso implicava no trabalho
docente e na abordagem do conteúdo matemático. A questão do tempo e da forma para
explicação de conteúdos e também a estratégia de organização dos registros no quadro
são aspectos relevantes destacados nas observações, indicando que esses licenciandos
reconhecem que conhecimentos da docência vão além do domínio do conteúdo
matemático. Numa perspectiva contrária, Kauã também indica que a observação,
mesmo que de aspectos negativos em sua percepção, colabora para aprendizagens de
conhecimentos da docência, pois ao verificar que o professor tinha como fonte principal
das aulas um livro didático específico e antigo, reflete sobre outras maneiras mais
apropriadas para abordar um conteúdo. Assim, pensamos que a observação de práticas
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diferenciadas pode contribuir para uma compreensão dos vários elementos que integram
conhecimentos da docência, conforme propõe Shulman (1986, 2005).
Narrativas sobre experiências realizadas na fase de coparticipação também
pontuam reflexões importantes desses licenciandos quanto à utilização de materiais
manipulativos. Para visualizar esse tipo de reflexão, apresentamos enunciados de três
sujeitos que realizaram estágio em uma mesma turma e trabalharam colaborativamente
com a professora regente.
Fizemos o planejamento (estagiárias) com a professora e resolvemos levar metodologias diversificadas
para melhorar o nível de aprendizagem. A docente começou a explicar o conteúdo de sólidos geométricos
no quadro dando os conceitos e atividades do livro didático. Em outras aulas, trabalhou com materiais
manipuláveis dos sólidos geométricos levados do LEM do Ifes/ Campus Vitória, onde os alunos tiveram
oportunidade de ver com clareza o que são arestas, faces e vértices. A sala foi dividida em grupos
compostos de cinco alunos e, posteriormente a docente acompanhada com as estagiárias abordou os
conteúdos e interagiram com os alunos a todo instante. Os alunos ficaram motivados e até pediram que
fosse aplicado mais atividades com materiais manipuláveis. Outro ponto que chamou atenção foi o
comportamento dos alunos, pois, a sala que é considerada na escola a mais agitada, apresentou um ótimo
comportamento. Observei que em todas as aulas que são utilizados materiais manipuláveis os alunos
participam da aula e aprendem a matéria com mais facilidade. Acredito que isso acontece, pois, os alunos
estão cansados das aulas que utilizam apenas o quadro e os livros. (MARISTELA, 2015).
Primeiramente, seguindo orientação da professora (do curso de licenciatura), daríamos um tempo para os
alunos manusearem o material, para que se familiarizassem e percebessem características que seriam úteis
no momento da atividade. Em seguida, explicaríamos como se daria o desenvolvimento da atividade e,
após sua aplicação, em que participaríamos monitorando e auxiliando os alunos, não dando as respostas,
mas os fazendo refletir e pensar acerca do conteúdo, haveria momento para discussão do estudado. Em
reflexão posterior acerca das atividades desenvolvidas, percebi o quanto o planejamento foi fundamental
para a organização das ideias e consolidação dos temas por meio de sua abordagem durante a aula e
discussão, entendendo que pensar em uma sequência é essencial. (STAEL, 2015).
No geral, nós não participamos do planejamento das aulas. Houve somente duas vezes, nos dias
19/06/2015 e 26/06/2015, que a professora solicitou nossa ajuda para o planejamento das aulas que
envolveriam Sólidos Geométricos, Geoplano e Frações. [...] Deste modo, nossa meta principal era a de
preparar uma aula que envolvesse todos os alunos e que os mesmos compreendessem as atividades
propostas. No fim, a preparação da aula foi extremamente tranquila, com a professora mostrando suas
ideias e aceitando nossas sugestões de bom grado. Pensando de forma crítica e autoavaliativa, minha
participação acabou sendo melhor do que imaginei, já que estava receosa acerca de minha aceitação
por parte dos alunos. Consegui interagir bem com os alunos, conversei, compreendi e pude ajudar
em suas dificuldades. [...] A principal dificuldade que enfrentei nesta experiência foi encarar os
problemas pelo olhar de um aluno de ensino fundamental. Imaginar que o básico do básico, aquilo
que já dominamos é motivo de preocupação para outro é complicado. Por diversas vezes tive que
respirar e pensar duas vezes em como responderia determinada questão ou dúvida, afinal, não
poderia dar a solução “de graça”, nem confundir ainda mais com uma resposta técnica. (DINA,
2015)
Esses enunciados mostram a importância dos licenciandos terem oportunidade no
estágio para assumirem atitudes protagonistas. Ao serem solicitadas pela regente para
organizarem uma proposta de atividade no contexto de um determinado conteúdo,
retomaram conhecimentos e experiências didáticas vividas no contexto do curso de
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licenciatura, mais especificamente na disciplina de geometria. Essa disciplina promove
diferentes atividades com materiais manipulativos para explorar conceitos matemáticos.
O modo como as licenciandas conduziram a sequência das atividades com os alunos,
concedendo um tempo para eles explorarem o material de forma livre, depois
formulando questões orientadoras para abordar as características e por fim as relações
que podem ser estabelecidas com os conceitos matemáticos indicam uma apropriação e
experimentação de conhecimentos denominados por Shulman (1986), de conhecimento
pedagógico do conteúdo. Nesse caso, as licenciandas envolvidas evidenciam a
importância de dominar a organização de procedimentos didáticos numa sequência
intencional, quando afirmam que os alunos participaram com interesse e que o
planejamento foi essencial para esse resultado. Nessas experiências iniciais, as
licenciandas também destacam a necessidade de analisar as questões apresentadas pelos
alunos para poderem retornar com intervenções apropriadas, observando a linguagem
utilizada sem oferecerem respostas prontas, mas interagindo de forma que os alunos
pudessem compreender o assunto e elaborar conhecimentos de forma autônoma. Esses
enunciados podem ser relacionados a conhecimentos do aluno (SHULMAN, 1986).
Na fase da regência, as narrativas pontuam desafios maiores, especialmente
quando assumem o trabalho de planejarem e desenvolverem uma aula completa. Nesse
momento os sujeitos da pesquisa relatam vários elementos que indiciam a
(re)construção de conhecimentos da docência.
Planejar a regência foi um pouco complicado para mim, pois primeiramente pensei em uma atividade que
não “cabia” em um primeiro contato com poliedros, como era o caso. A atividade que eu havia pensado
envolvia a investigação por parte dos alunos de algumas relações entre a base do poliedro, seu número de
faces, arestas e vértices. Gosto tanto de investigar matematicamente e resolver problemas que quase
sempre elaboro atividades ou penso na abordagem de determinados conteúdos sobre-estimando o
conhecimento dos alunos, esta para mim é a maior dificuldade ao planejar uma aula. (WANDER, 2015).
Durante o estágio vi o quanto é importante planejar as aulas, pois o planejamento nos leva a estudar os
conteúdos, a aprimorar nossos conhecimentos e nos ajuda a verificar e atingir nossos objetivos para um
melhor ensino. (SORAIA, 2015)
Planejar a aula de regência foi extremamente difícil. Foi necessária muita ajuda da professora orientadora
do estágio para esboçar alguma coisa. Não sabia nem distinguir objetivos gerais e objetivos específicos.
Apesar de conseguir apresentar uma melhora no planejamento, ainda foi muito difícil seguir o “plano
perfeito” elaborado em minha cabeça e alcançar os objetivos da regência. (KAUÃ, 2015)
Não houve um planejamento, devido não termos acesso a prova do processo seletivo do Ifes com
antecedência ao momento da correção, o que dificultou em muito a nossa regência. Porém vejo um lado
positivo nisso tudo, tivemos oportunidade de não só saber, mas de sentir na pele o quanto o planejamento
da aula é importante ainda que pareça simples os conteúdos abordados. (ALDO, 2015).
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Nesses dados notamos desafios enfrentados por sujeitos da pesquisa desde a fase
do planejamento, pois indicam várias questões envolvidas no trabalho docente. No
relato de Wander ele inicialmente pontua que desconsiderou características do público
alvo, fazendo uma proposta inadequada ao nível de conhecimentos dos alunos e Soraia
afirma que o planejamento é um momento importante de estudo do conteúdo. Dessa
forma, os licenciandos pontuam aspectos relacionados ao que Shulman (1986, 2005)
denomina de conhecimentos dos alunos e do conteúdo. No caso de Kauã, este afirma
que foi extremamente difícil, pois como planejar se não sabia formular os objetivos de
sua intervenção didática. Desse modo, ele indica que no trabalho docente está envolvido
o conhecimento sobre as finalidades do ensino (SHULMAN, 2005). Embora esse
momento do planejamento seja repleto de buscas, tensões e aprendizagens, a ausência
dele é extremamente comprometedora para atuação docente, como verificamos nos
enunciados de Aldo, quando afirma que até para conteúdos simples é necessário
planejar. Essa proposição decorre da experiência vivida em sala de aula, em parceria
com a licencianda Ravena, quando assumem a responsabilidade de realizar a correção
de itens de uma prova que os alunos da EJA haviam realizado em um processo seletivo
numa unidade federal de ensino. Nesse dia, os alunos da turma estavam ansiosos para
saber quantas questões haviam acertado.
Foi uma experiência impar e quase traumática. Antes do início da regência estava ansiosa, mas
confiante. No final estava pensativa e cansada física e mentalmente. [...] A prova começava com um
texto retirado do jornal do nosso Estado [...] e abordava uma previsão climática para dois finais de
semanas consecutivos para a região de Domingos Martins e São Mateus. Na sala ninguém acertou a
questão. O cálculo correto para a questão era 1,2m x 3,4m = 4,08m² x2 = 8,16l ou 8l e 160ml (como
estava na prova) - o que dificultava ainda mais porque a resposta não estava direta. Eu que expliquei esta
questão no quadro. Minha fala foi rápida e as contas foram feitas quase que de cabeça. Não fiz
pausadamente esperando a resposta dos alunos em cada operação. Era como se eu tivesse fazendo
para mim mesma as contas. [...] Eu fiquei abatida e muito pensativa. Foi uma avalanche de
informação e emoção. Outro ponto importante é conhecer o seu aluno. Saber de que forma o aluno
visualiza melhor, qual a linguagem que melhor alcança o aluno. Saber como chegar até o
entendimento do aluno. Saber o conhecimento prévio que ele possui tudo isso certamente são
pontes de comunicação. A comunicação só por números não é suficiente. [...] Outra coisa que
percebi é que sou confusa/afobada para explicar, isso ficou bem evidente na regência. Tenho que
melhorar isso. É preciso organizar a explicação na minha cabeça antes de começar a falar. Só tenho que
arrumar um jeito de fazer isso de maneira rápida nos improvisos e sem me apavorar. Mas é certo que é
melhor dedicar tempo organizando as ideias/aula do que começar a falar desordenadamente. Eu faria tudo
diferente, mas não mudaria esse dia (da regência). Planejar as aulas é fundamental. É o tempo que
temos para rever o assunto, buscar conexões com outros assuntos, pensar numa abordagem mais
simples e alcançável para o aluno, o caminho a percorrer até o objetivo,...etc. Mas na sala de aula
nem tudo pode ser previsto, então é necessário saber lidar com o inesperado e perceber que mesmo com
toda orientação que recebemos ainda assim vamos errar. Não há receita. [...] Ter uma sequência gradual
de conhecimento é necessário e importante na evolução dos conteúdos. Principalmente quando a
explicação é para um grupo. [...] O planejamento das aulas, principalmente para iniciantes é fundamental.
É certo que não iremos saber de tudo que os alunos perguntarem, mas é preciso transmitir confiança
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para os alunos. A postura do professor na sala de aula faz total diferença na conduta da turma e na
relação ensino aprendizagem. (RAVENA, 2015).
A narrativa de Ravena apresenta reflexões que indicam que ao ocupar esse novo
lugar, o da docência, percebe alguns desafios da sua mediação pedagógica. As dúvidas e
questionamentos dos alunos a leva perceber que a forma como conduziu a aula não
produziu o efeito desejado, uma vez que não considerou conhecimentos prévios dos
alunos e nem organizou pausadamente a forma de apresentação das explicações. Essas
reflexões de Ravena se relacionam com o que Bakhtin (2003) conceitua como
“excedente de visão”, ou seja, a percepção e avaliação do outro, no caso, os alunos,
permite a licencianda tomar ciência das fragilidades de sua atuação.
Mesmo considerando que a regência foi uma experiência traumática e cansativa,
também reconhece que não mudaria nada nesse momento, pois para ela foi um
momento ímpar e de muitas aprendizagens, como identificar a necessidade de planejar,
de buscar uma ordem e uma linguagem para a abordagem do conteúdo, além de
perceber que é importante transmitir confiança aos alunos. Desse modo, reafirma as
palavras de Fiorentini e Castro (2003) quando defendem que nesse tipo de atividade
“[...] ocorre de maneira mais efetiva a transição ou a passagem de aluno a professor.
Essa inversão de papéis não é tranquila, pois envolve tensões e conflitos entre o que se
sabe ou idealiza e aquilo que efetivamente pode ser realizado na prática” (p. 122).
Nessa linha de pensamento, outros licenciandos também apontam desafios e
aprendizagens a partir da regência, conforme podemos verificar nos estratos a seguir:
[...] percebi diversas falhas em minha aula, como por exemplo, a falta de planejamento do tempo da aula.
Em todos os três dias ministrados não deu tempo suficiente para falar tudo aquilo que planejei. Acredito
que isso se deve ao envolvimento com a turma. Quando estou à frente da sala de aula, costumo me
“soltar” em relação ao tempo, as explanações e as conversas com os alunos me deixam tão empolgado
que esqueço que aquilo tem um tempo para acabar. (ROBERTO, 2015).
Os alunos foram bem participativos, compreenderam bem as atividades propostas e se empenharam na
classificação e na construção dos esqueletos dos sólidos (geométricos). Durante a classificação notei que
os alunos estavam, muitas vezes, classificando pela existência de bases iguais, por exemplo, o prisma de
base hexagonal junto com pirâmide de base hexagonal, o cilindro junto com o cone, o cubo com a
pirâmide de base quadrada, etc. Depois do ocorrido percebi que esta classificação que os alunos
elaboraram poderia ser mais explorada de alguma forma no momento da aula ao invés de ser apenas
anotada no quadro e refutada depois, como aconteceu. (WANDER, 2015)
Iniciamos a oficina no LEM. [...] Perguntei se eles conheciam o transferidor e se já sabia como usá-los.
Alguns disseram que sim, mas na atividade mostraram que não sabiam. [...] peguei um triângulo de
cartolina e [...] mostrei aos alunos como se media um ângulo utilizando o transferidor. Alguns entenderam
e outros mostraram na atividade que não haviam entendido. [...] Isso chamou bastante minha atenção,
pois a régua é um instrumento de medida muito utilizado desde os anos inicias, [...] O que parecia ser
trivial e obvio, mostrou-se um grande dificultador. [...] Fui ao quadro e fiz um triângulo retângulo e
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identifiquei os ângulos e os lados. Ao fazer o triângulo, na ânsia de desenhar e explicar, não notei que
havia feito um triângulo retângulo, diferente do que os alunos possuíam, pois os ângulos internos do meu
desenho, no quadro, eram de 90, 30 e 60 graus, e os triângulos que eles possuíam eram de 90, 45 e 45
graus. [...] isso levou alguns alunos a não entenderem o que estavam fazendo, devido ao desenho ser
diferente do triângulo que eles possuíam. Devo prestar mais atenção no que desenho no quadro, pois
induzo meus alunos a errarem e depois não consigo perceber o motivo do que os levou a cometerem o
erro. A atividade continuou e encontramos outra dificuldade, que foi trabalhar razões, eles não sabiam o
que era uma razão, expliquei no quadro o que era e fiz um exemplo. Outra observação é que tenho que ter
mais cuidado na organização do quadro, notei isso depois que escrevi as razões e fui tirar uma dúvida de
uma aluna, que estava sentada no final do laboratório. [Depois observei que] havia colocado informações
fora de ordem, isso pode levar o aluno a cometer erros, confundindo-os. (SORAIA, 2015)
Esses vários enunciados pontuam reflexões importantes sobre conhecimentos
necessários à docência, percebidos em atividades de regência. Sinalizam para a
necessidade de melhor domínio da gestão do tempo da aula, bem como atenção para
explorar conceitos de forma mais aprofundada, aproveitando compreensões dos
estudantes, conforme indica Wander. Soraia também explicita em seu relato a
importância do regente apresentar registros bem organizados no quadro, quando
interage e expõe para a turma. Realça o papel do professor como observador para
entender os registros dos alunos e compreender as dúvidas sobre o conteúdo. Essa
observação atenciosa alimenta o trabalho docente com pistas para uma melhor interação
e compreensão do conteúdo.
Essas narrativas indicam que no estágio supervisionado, especialmente, na fase da
regência, licenciandos vivem intensamente demandas e desafios do trabalho educativo.
“Fica evidente o movimento de apropriação do significado da aprendizagem da
docência do futuro professor na atividade de ensino quando ele toma consciência do
papel que assume, o de aprendiz de professor, de uma forma peculiar: ensinando”.
(MOURA, 2009, p.10). Assim, passam a compreender complexidades da atividade de
ensinar e reconhecem várias dimensões de conhecimentos envolvidas, conforme propõe
Shulman (1986, 2005).
Considerações gerais
O conjunto de dados apresentados ao longo do artigo possibilita compreender que
a aprendizagem de conhecimentos da docência é complexa e exige diálogo intenso com
os sujeitos que habitam o espaço tempo da escola. Assim, é na interação com o outro
(aluno e professor) que os licenciandos pesquisados são provocados a refletirem sobre
demandas e desafios da docência, e passam a ter condições de elaborarem reflexões que
admitem a insuficiência do domínio do conteúdo disciplinar, no caso desse texto, de
matemática, para as exigências do ensino. As diferentes atividades oportunizadas pelas
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experiências de estágio (observação, coparticipação, regência) colaboram para a revisão
dessa perspectiva, contribuindo para a produção de enunciados que pontuam
aprendizagens sobre diferentes tipos de conhecimentos envolvidos no trabalho docente,
dentre eles o conhecimento dos alunos, do contexto educativo, do currículo, didático do
conteúdo, dentre outros. Concluímos esse texto, entendendo que a fase da regência, é o
momento do estágio onde os licenciandos experimentam o ensaio da docência de forma
responsiva (BAKHTIN, 2003), pois são demandados a atuarem de forma protagonista
nas etapas do planejamento, do desenvolvimento e da avaliação da aula. Nessas
situações vivenciam experiências tensas, intensas e de muitas aprendizagens.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria
e aos métodos. Porto, Portugal: Porto Editora, 1994.
FIORENTINI, D. ; CASTRO, F. C. de. Tornando-se professor de matemática: o caso de Allan
em prática de ensino e estágio supervisionado. In: FIORENTINI, D. (Org.). Formação de
professores de matemática: novos caminhos com outros olhares. Campinas/SP: Mercado das
Letras, 2003.
IBIAPINA, I. M. L. M. Pesquisa colaborativa: investigação, formação e produção de
conhecimento. Brasília: Liber livro editora, 2008.
MOURA, M. O. de. Apresentação. In: LOPES, A. R. L. V. Aprendizagem da docência em
Matemática: o clube de matemática como espaço de formação inicial de professores. Passo
Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2009.
RODRIGUES, Priscila A. M. Entre experiências de estágio supervisionado e modelos para
formação de docentes: reconhecendo o lugar da escola e das parcerias na preparação dos
professores. Revista Teias, 14 (36), 2014, p. 200-217.
SHULMAN, L. S. Those who understand: Knowledge growth in teaching. Educational
Researcher, v.15, n.2, 1986.
______. Conocimiento y enseñanza: fundamentos de la nueva reforma. Revista de
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
558ISSN 2177-336X
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SURPRESAS E FRUSTRAÇÕES: CONTRIBUIÇÕES PARA A
APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA DE ESTAGIÁRIOS DA LICENCIATURA
EM MATEMÁTICA
Susimeire Vivien Rosotti de Andrade
UNIOESTE/Foz do Iguaçu
Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes
UFSM/Santa Maria
Patrícia Sandalo Pereira
UFMS/Campo Grande
Resumo
O professor não nasce professor, ele aprender a ser. Ensinar é uma atividade que
constitui-se historicamente e, como tantas outras atividades humanas, precisa ser
aprendida. Em se tratando dos cursos de formação inicial, nos últimos tempos, tanto
pesquisadores quanto políticas públicas de formação de professores, vêm dando
destaque à importância da inserção do futuro professor na escola de Educação Básica
desde o início de seu curso, como forma de aprender a partir do seu contexto
profissional. É possível perceber avanços nesta direção, como no caso de programas
como o PIBID ou o exposto nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores de Educação Básica em nível superior. Paralelo a isto,
destacamos que o estágio curricular supervisionado ainda é um momento impactante e
singular na formação do licenciando, pois é quando ele se torna o responsável por todos
os encaminhamentos da sala de aula. Neste sentido, nosso texto tem como objetivo
discutir sobre surpresas e frustrações que os futuros professores de matemática se
deparam ao desenvolver seu estágio curricular supervisionado, entendendo-as como
importantes para a aprendizagem da docência. Para isto nos pautamos em uma pesquisa
desenvolvida com estudantes dos cursos de Licenciatura em Matemática de duas
instituições, a partir dos dados coletados durante sessões reflexivas desencadeadas ao
final do desenvolvimento das ações de regência em escolas públicas de Educação
Básica. Tomando por base a fala dos estagiários, entendemos que inesperados com os
quais eles se depararam referentes ao currículo oculto, a realidade do contexto escolar e
a satisfação de ser professor, podem ser considerados como elementos relevantes para a
aprendizagem da docência na medida em que permitirem ao futuro professor se
apropriar da compreensão do objeto da atividade de ensino, ou seja, a aprendizagem por
parte dos alunos.
Palavras-chave: Formação inicial de professores; Aprendizagem da docência; Estágio
curricular supervisionado em matemática.
Introdução
O professor não nasce professor, ele aprender a sê-lo. Ensinar é uma atividade
que constitui-se historicamente e, como tantas outras atividades humanas, precisa ser
aprendida. Atividade, aqui entendida na perspectiva de Leontiev (1978), diz respeito aos
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processos que são psicologicamente caracterizados por aquilo a que se dirigem (seu
objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executá-la, isto é, o
motivo. Em se tratando de um professor de matemática, o objeto de sua atividade de
ensino é proporcionar a aprendizagem de conteúdos tipicamente matemáticos.
(MOURA, 2000). Mas quais caminhos nos permitem oportunizar a futuros professores a
aprendizagem do ser professor? O que nos possibilita compreender se nossas ações,
enquanto formadores de professores, permitem ao licenciando apropriar-se do seu
objeto?
Nos últimos tempos, tanto pesquisadores quanto políticas públicas de formação
de professores, vêm dando destaque à importância da inserção do futuro professor na
escola de Educação Básica desde o início de seu curso, como forma de conhecer seu
contexto profissional. É possível perceber avanços nesta direção, como no caso de
programas como o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência) ou
ainda o exposto nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores de Educação Básica em nível superior. Paralelo a isto, destacamos que o
estágio curricular supervisionado ainda é um momento impactante e singular na
formação do licenciando na medida em que é quando ele se torna o responsável por
todos os encaminhamentos da sala de aula. Neste sentido, o nosso texto tem como
objetivo discutir sobre surpresas e frustrações que os futuros professores de matemática
se deparam ao desenvolver seu estágio curricular supervisionado, entendendo-as como
importantes para a aprendizagem da docência.
Para isto, trazemos inicialmente alguns apontamentos teóricos sobre o estágio
curricular supervisionado. Posteriormente discutimos sobre os inesperados surgidos
durante o estágio supervisionado no contexto de nossa pesquisa e, finalizando, trazemos
algumas considerações sobre oque foi exposto.
Alguns apontamentos sobre Estágio Curricular Supervisionado
Esclarecemos que, neste texto, ao utilizarmos o termo estágio ou estágio
supervisionado estaremos nos referindo ao estágio curricular supervisionado. O mesmo
é regulamentado pelo Conselho Nacional de Educação, por meio das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica em nível
superior (BRASIL, 2015), que determina sua obrigatoriedade para conclusão do curso
sendo a carga horária de, no mínimo, quatrocentas horas.
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Portanto, enquanto componente curricular e obrigatório nos cursos de
licenciatura, deve ser concebido como oportunidade de contribuição para a formação
inicial dos futuros professores.
O fato de o professor iniciante encontrar, muitas vezes, uma
realidade escolar diferente daquela idealizada em teorias em
suas aulas, ainda na universidade, pode leva-lo a negar a teoria
como importante fonte de referência para ação pedagógica. É
preciso, pois, durante a formação do futuro professor, colocá-lo
diante de situações em que a combinação teoria-prática possa ser
vivenciada, de forma a desenvolver, neste professor, a
construção de modos de ação que lhes permitam desenvolver o
gosto pelo conhecimento que possa iluminar a sua prática.
(MOURA, 1999, p.08-09)
Se considerarmos a análise do autor é imprescindível compreender o estágio
curricular como um campo de conhecimento pedagógico no qual são trabalhados
aspectos indispensáveis ao trabalho docente como: “a construção da identidade, dos
saberes e das posturas específicas ao exercício profissional docente” (PIMENTA;
LIMA, 2011, p. 61).
O estágio é o “[...] lócus onde a identidade profissional do aluno é gerada,
construída e referida; volta-se para o desenvolvimento de uma ação vivenciada,
reflexiva e crítica e, por isso, deve ser planejado gradativo e sistematicamente com essa
finalidade [...]” (BURIOLLA, 2009, p.13).
Na visão de Piconez (1998), o estágio supervisionado deve ser pensado como
uma disciplina que pertence ao currículo do curso de formação de professores e vai
além, quando afirma que:
[...] O preparo para o exercício do magistério não pode
constituir-se tarefa exclusiva desta disciplina. Ela precisa estar
articulada com os demais componentes curriculares do curso.
Não pode ser isoladamente responsável pela qualificação
profissional do professor, deve, portanto, estar articulada ao
projeto pedagógico do curso. (PICONEZ, 1998, p. 30)
Lima (2006, p. 35) afirma que “o mundo atual requer um novo tipo de
profissional, cujos saberes sejam polivalentes e, sobretudo, amplos e sólidos, para
corresponder às peculiaridades e ao caráter multifacetado da prática pedagógica”.
Pimenta e Lima (2011) destacam que conceber o estágio curricular como um campo de
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conhecimento pedagógico potencializa a compreensão de que este deva ser um eixo
articulador no curso de formação de professores que envolva todas as disciplinas do
curso. Portanto, tal concepção a respeito de estágio corrobora para a importância deste
contribuir efetivamente com a formação profissional do futuro professor e, nesta
perspectiva, não pode ser concebido como um treinamento para prática, e nem como o
único responsável para solução dos problemas da formação inicial.
Fiorentini (2004) nos lembra que os professores do curso de licenciatura que
trabalham as disciplinas de conhecimento específico não percebem ou não tem
consciência que formam pedagogicamente o professor e estas concepções influenciarão
na visão dos alunos no “modo de conceber e estabelecer relação com a matemática e de
ensiná-la, aprendê-la e avaliar sua aprendizagem” (p. 5). Consequentemente, isto
influenciará nas concepções do aluno a respeito do estágio curricular supervisionado.
Outro ponto a ser ressaltado, é que em muitos casos os futuros professores ao
terem contado com a sala de aula, ficam frustrados com a realidade que se deparam,
levando-os a incerteza em relação à carreira de magistério. (RIANI, 1996).
Tentando superar tal perspectiva, atualmente deparamo-nos com propostas em
que os professores formadores tentam dar um caráter mais reflexivo e crítico ao estágio
supervisionado, de modo que os estagiários encontrem caminhos para os desafios do
processo educacional. Porém, é importante estar ciente de que não existe “um método
de formação que seja válido para todos, pois como o caminho da formação não existe,
ele é inventado e conquistado por cada um dos indivíduos ao percorrer seu próprio
caminho” (JARAMILLO, 2003, p.95).
Os inesperados do estágio curricular supervisionado
Caraça (1989), ao se referir a produção do conhecimento humano, escreve que o
observador, na impossibilidade de abraçar de uma única vez a totalidade do universo,
destaca dessa um isolado que se constitui como uma seção da realidade recortada
arbitrariamente. Este isolado em estudo, recortado com bom senso, permitirá
compreender todos os fatores dominantes, isto é, todos aqueles cuja ação de
interdependência influi sensivelmente no fenômeno a estudar. Mas, o próprio autor
chama a atenção de que isto nem sempre acontece e a própria história da Ciência tem
seus exemplos. “Quantas vezes, na observação de um certo fenômeno ou no decurso
duma dada acção surge um facto inesperado” (CARAÇA, 1989, p.112). E, no
aparecimento do inesperado, é que reside um dos motivos principais do progresso no
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conhecimento da realidade, porque, obrigando a uma melhor determinação do isolado,
exige um mais cuidadoso exame das condições iniciais.
Assim, se considerarmos que no movimento de formação de futuros professores
a possibilidade de compreender a atividade docente exige alguns isolados, como o
estágio, podemos entender que este não corresponde a totalidade da docência, mas parte
da mesma e lhe permite uma profunda relação com a profissão. Neste sentido, o
surgimento de inesperados podem levar o estagiário a uma melhor compreensão do seu
objeto, ou seja, a atividade de ensino.
Nesta perspectiva, discutimos algumas surpresas e frustrações com as quais
futuros professores de matemática se deparam ao desenvolver seu estágio, entendendo-
as como inesperados que podem contribuir para a sua aprendizagem da docência. Para
isto, apresentamos parte de uma pesquisa desenvolvida em 2014 e 2015 com trinta
licenciandos em matemática de duas instituições, com dados obtidos das gravações em
áudio das sessões reflexivas (IBIAPINA, 2008) realizadas ao final do ano letivo em que
tinham desenvolvido ações de observação, projetos de ensino e regência em escolas
públicas de Educação Básica.
Na impossibilidade de apresentar todos os dados obtidos, especificamente neste
artigo trazemos excertos de algumas das manifestações dos futuros professores
referentes ao que os havia surpreendido durante a realização do estágio, tanto no sentido
de deixa-los animados ou os decepcionarem. A partir das suas falas agrupamos o que
aqui estamos denominando de inesperados em três categorias: o currículo oculto; a
realidade do contexto escolar; e a satisfação de ser professor. Os nomes usados são
fictícios, atendendo as recomendações do Comitê de Ética em Pesquisa de preservação
de suas identidades. A similaridade das frustrações e surpresas expressas nas narrativas
dos estudantes das duas instituições nos levou a optar por não diferenciar a qual
instituição eles pertenciam.
a) O currículo oculto.
Na sessão reflexiva referente ao término do estágio, todos foram unânimes em
afirmar que haviam sido muito bem recebidos pelas escolas e professores regentes.
O entusiasmo do Colégio K em nos receber para o
desenvolvimento do projeto de ensino de estágio, foi muito bom.
(Acadêmica Debora).
A experiência com os professores do Colégio. Ainda mais que
estes foram meus professores. (Acadêmico Roberto).
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Ajuda dos professores da escola, que não saíram de sala, e me
ajudaram em todos os momentos de dificuldade. (Acadêmica
Beatriz).
Ter oportunidade de contato com as escolas, saber o que me
espera. (Acadêmica Luísa).
A recepção da escola, dos professores, e também dos alunos
participando da aula me deixou muito feliz no estágio.
(Acadêmico Bruno).
Eu sou obrigada a falar do apoio da escola. Não tenho uma
queixa da escola. A equipe diretiva da escola, eles fazem chover
com o dinheiro que vem para eles. Ela é uma escola de vila,
pequena e tem ar condicionado em todas as salas. Eu trabalhei
numa escola particular que não tinha ar condicionado
(Acadêmica Érica)
Em relação às reflexões sobre as surpresas e frustrações, coisas boas ou ruins
que tivessem chamado a atenção durante o estágio, temos a manifestação da Acadêmica
Flávia.
A escola em todo o momento apoiou muito, foi muito bom. Mas
eu fiquei decepcionada na reunião do final do ano quando foi
pedido para fecharem as notas tão cedo. Com tanta greve,
tantas paralizações que tiveram durante o ano, agora,
retomando, todo mundo tinha que sair dando prova de tudo que
é lado. Foi muito cedo, tudo atropelado, foram encaixando as
aulas, uma série de outras atividades aglomeradas para fechar
horas, eu não gostei. Fiquei decepcionado com a questão do
fechamento de notas, eu esperava dar todas as minhas aulas.
(Acadêmica Flávia)
A referência a dar as “notas tão cedo” diz respeito ao fato de que durante o ano a
escola participou de momentos de paralisação em que a Acadêmica Flávia não deu aula
e isto a angustiava muito. Quando retornaram as ações normais da escola ela esperava
desenvolver todo o seu planejamento na reposição das aulas. Contudo, a reposição não
estava acontecendo como ela esperava, ou seja, a escola estava contabilizando uma série
de outras atividades como aula, ou ainda aulas com período reduzido, o que,
efetivamente, não representaria a carga horária perdida. E a naturalidade com que isto
acontecia e era aceito por todos decepcionou a estagiária.
Outros futuros professores também se manifestaram em relação às decepções:
Eu fiquei decepcionado com o descaso dos professores com as
dificuldades dos alunos. Como eu já havia comentado durante
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os nossos encontros, casos de aprovar para eles ficarem
somente em uma disciplina em recuperação, ou seja, aprovar
por aprovar. Quer dizer, assim, as dificuldades destes alunos
nunca serão superadas porque eles vão passar sem ter a
oportunidade de aprender. Pois a recuperação seria justamente
para sanar as dificuldades que ficaram. (Acadêmico Gerson)
Em relação a esta questão de passar, o que me impressionou foi
o negócio dos alunos avançados de turma, que pularam anos.
Aquilo foi um castigo para eles. A situação dos outros alunos
que estavam na aula foi prejudicada e a deles mais ainda. O
conteúdo não foi dado a metade do que estava previsto para o
ano e mesmo assim eles não conseguem acompanhar. O que foi
visto foi muito superficial, teria que ter ensinado mais. O oitavo
ano é importante porque dá início a questão do pensamento
algébrico e eles não tiveram esta parte, por causa do atraso que
os alunos avançados acabam causando na turma.(Acadêmico
Lucas)
Além de ter que estar empurrando os alunos por causa dos
índices, uma outra coisa foi lá no começo, nas observações, e
que me deixava nervosa, apreensiva, quando a professora dizia:
estes aqui não precisam aprender polinômios, basta eles
saberem geometria, todos vão ser pedreiros. Ela não via
expectativa no crescimento dos alunos. Claro que depois,
conhecendo a realidade, infelizmente, em parte, eu fui obrigada
a entender a posição que ela tomava. Mas não vejo uma
hipótese para generalizar como ela faz. Isto me chocou muito,
me marcou bastante. (Acadêmica Érica)
É triste perceber que o colégio, olhando de um panorama geral,
não é lugar que leva em consideração as diferenças dos alunos,
diferença que quase se refere a todos níveis, desde diferença
social até cultural, isso acaba por gerar a evidente segregação.
(Acadêmico Luiz).
As quatro falas nos remetem a uma questão que não fica explícita, mas que faz
parte da realidade das escolas, que é a forma como os professores lidam com os alunos
com dificuldades e que, ao reprovarem, podem significar um problema, na medida em
que representam índices negativos e podem levar o professor a ser alvo de pressão por
parte dos órgãos superiores, solicitando para que este resolva a situação. Nessa
perspectiva, a prática de ignorar as diferenças, avançar um aluno simplesmente porque a
idade não coincide com a série que frequenta ou ainda, aprovar, para ele não ter que
fazer recuperação ou não representar um número a mais nos índices de reprovação,
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representam práticas que acabam sendo consideradas como “naturais” ou “corriqueiras”,
fazendo parte do currículo oculto da escola.
Moreira (2007, p. 18) destaca que o chamado currículo oculto “envolve,
dominantemente, atitudes e valores transmitidos, subliminarmente, pelas relações
sociais e pelas rotinas do cotidiano escolar” e questiona sobre as consequências de tais
aspectos. Muitas vezes nem refletem sobre o que estes aspectos podem provocar nos
alunos.
Ampliando tal reflexão, nos indagamos quais as consequências que os mesmos
têm na formação dos estagiários, na medida em que, na maioria das vezes, eles entram
em contato com tais práticas a partir de concepções muito diferentes, que podem vir de
sua formação inicial, relativo a questões como a importância de oportunizar sempre
diferentes formas de recuperação para aluno, o compromisso do professor para que
todos aprendam, de entender as diferenças. Ou ainda quando, ávidos por desenvolver
um planejamento meticulosamente organizado, descobrem que a escola usa de artifícios
para não fazer a reposição da carga horária.
b)A realidade do contexto escolar
Especificamente em relação ao contexto escolar, Lucas e Carlos comentam:
Em relação a escola é o barulho, que a senhora viu quando
estava lá. Toda sexta-feira, era do mesmo jeito. A escola não
tem espaço suficiente para Educação Física e aí os alunos
jogam bola ao lado da sala, em um pequeno espaço e a bola
fica batendo o tempo todo na parede. Na quinta-feira não era
tanto, mas na sexta era impossível dar aula. Era terrível, muito
complicado. Foi uma das coisas que mais me chocou, aquele
barulho direto na sala de aula, e não tem o que fazer. É bola
batendo na janela, que já quebrou em vários lugares, os alunos
gritando. E outra coisa foi à estrutura da escola. Sei que não é
culpa dos professores e direção, pois a gente sabe das
dificuldades dos recursos, mas não me parece um ambiente
propício para estudar, as paredes são extremamente pichadas,
os tacos soltos, tem buracos no piso da sala, tem que ficar
cuidando para não cair dentro da sala, as cortinas estão
rasgadas [...] como os alunos vão ter vontade de estudar num
ambiente assim. E a escola fica no centro da cidade.(
Acadêmico Lucas).
Como iria trabalhar com gráficos pensei em utilizar o
multimídia em sala, pois o laboratório de informática da escola
só tem três computadores funcionando. Mas, professor da
escola avisou que teríamos que agendar para utilizar o
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multimídia, pois tem somente um para todo o Colégio e,
dificilmente teria vaga no mês. (Acadêmico Carlos)
A fala de Lucas e Carlos faz menção a um fato referente às escolas da rede
pública dos estados onde a pesquisa foi desenvolvida e, muito provavelmente, de
outros: a precariedade da estrutura física. É possível que quando estes estagiários eram
alunos isto já estava presente, mas o olhar deles, neste momento, é outro. É o de
professor que tem como responsabilidade ensinar e procura as melhores condições para
que isto aconteça. Nesta perspectiva, o ambiente físico também é importante e os
problemas relacionados ao mesmo mostram-se como um inesperado, algo com o qual
eles não contavam.
Outro aspecto, ainda em relação ao contexto escolar, é apontado pelos
acadêmicos.
Uma vez conversando com a Diretora, ela me contou vários
casos que eu não tinha percebido, de certa forma, que era
alunos com problemas de drogas e pais que eram traficantes.
Ela dizia que era uma coisa complicada de conversar e como
dizer, por exemplo, para o aluno, que o pai não vai se orgulhar
disto, se o próprio pai é traficante. E eu fiquei bem chocado,
porque teve o caso de outra criança, com problemas graves
familiares e o que a gente via: os dois queriam muito chamar a
atenção, mas o que mais me surpreendia, não era surpresa eu
acho, mas não eram crianças que não acompanhavam ou que
tinham problemas de aprendizagem, eram uns dos mais rápidos
que tinham de resolver as questões, na turma. (Acadêmico
Sílvio)
Eu tinha um aluno que a mãe era presidiária. Eu estava dando
monitoria e ele falando com a maior naturalidade que a mãe
era presidiária (...). E a professora apoiando o aluno, dizendo
que ele tinha que se esforçar, que era um aluno inteligente.
(Acadêmica Flávia).
A diferença social entre um colégio onde o poder aquisitivo é
razoável para um colégio de periferia onde presenciei alunos
sem roupas de frio em um inverno rigoroso, e muitas vezes a
cara de fome de alguns, me fizeram pensar como vão prestar
atenção no que estou falando. (Acadêmico Paulo).
Para mim uma das maiores frustações, no estágio foi trabalhar
com alunos que trabalham o dia todo, e vão à noite para sua
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aula sem ânimo para estudar, pois estão cansados. (Acadêmico
Pedro).
Os depoimentos apontam para a constatação dos diversos problemas que
adentram a escola. De certo modo é possível que os acadêmicos, ao longo do curso,
tiveram oportunidades de discutir sobre como os problemas da sociedade estão
presentes na escola. O inesperado centrou-se no fato de constatar que a escola e,
consequentemente os professores, precisam buscar encaminhamentos para questões que
vão além do dar aula, não podem ignorar os problemas que surgem e eles terão que
aprender a fazer isto também.
Embora em outros momentos de discussões foi possível levantar possíveis
encaminhamentos para as questões levantadas por estes futuros professores, fica
evidente que tais fatos podem em determinado momentos, como aponta Riani (1996),
representarem momentos delicados que levem os acadêmicos a desistir da profissão.
b) A satisfação de ser professor
Como mencionado anteriormente, os estudantes já haviam ressaltado a
satisfação na realização do estágio e a boa acolhida da escola. Complementar a estes
aspectos positivos identificamos em alguns depoimentos elementos que se mostraram
particularmente importantes, na medida em que estes trazem indícios de que foram
momentos em que os mesmos exerciam a atividade do professor na perspectiva de que
seu objeto é o ensino, visando a aprendizagem do aluno.
Observemos os depoimentos a seguir.
Para mim, os momentos mais marcantes foram quando apliquei
dois materiais diferentes nas aulas.(...). A receptividade dos
alunos foi impressionante. Eles falaram que nunca imaginaram
brincar em uma aula de matemática. Percebo que eles têm
algumas dificuldades, mas ninguém fala passa para o outro
lado (...) eles falam: está somando, tem que subtrair, tem que
aplicar a operação inversa. Isto para mim fez valer tudo: saber
que eles aprenderam. (Acadêmica Érica)
Fiquei muito feliz com a dedicação das senhoras que eu tinha
em sala de aula (...). Pois, quando comecei as aulas lá eu
pensava estas duas vão ser meu problema. Só para entender,
são duas senhoras que tinham parado vinte e tantos anos de
estudar, enfim (...) e voltaram agora. (...) Isto foi uma satisfação
pessoal, porque eu tive certeza que alguém aprendeu alguma
coisa.(Acadêmico Gerson)
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24
Eu também, quando cheguei no primeiro mês, aqueles meninos
tudo lá no fundo. Hoje você chega e vê todos eles lá na frente.
E são os melhores alunos e uns eram desinteressados, estavam
perdidos (,..). e agora vão bem, fazem as coisas (...). Depois que
introduzi com os netbooks, aí eles ficaram encantados porque
eles nunca tinham usado e a professora também começou a usar
em outras turmas. Eu ajudei ela a usar nos nonos anos.(...).
Então, eu acho que eu pude ajudar, eu pude dar um impulso
para eles. (Acadêmica Flávia)
Saber que podemos fazer a diferença ao verificar que o aluno
do fundão participou da aula me incentiva a continuar na
profissão (Acadêmico Luiz).
O que me deixou feliz foi todas as vezes que saí da sala de aula,
com sentimento de dever cumprido e uma sensação maravilhosa
de estar no caminho certo. (Acadêmica Paula).
Embora é de se esperar que a apropriação do conhecimento por parte do aluno
seja o objetivo do professor, o acompanhamento deste fato e, principalmente, a
constatação de que a sua organização do ensino conduz à aprendizagem do estudante,
pode ser considerada como importante para a aprendizagem da docência por parte do
licenciando. É neste momento em os motivos que o futuro professor tinha para
desenvolver suas ações, que poderiam ser apenas compreendidos, podem passar a ser
eficazes, na perspectiva de Leontiev (1978) levando-o a compreender o significado da
atividade docente.
Algumas considerações finais
Neste artigo buscamos discutir sobre surpresas e frustrações que os futuros
professores de matemática se deparam ao desenvolver seu estágio curricular
supervisionado, entendendo-as como importantes para a aprendizagem da docência.
Tomando por base a fala dos estagiários, verificamos que os mesmos se deparam
com diversos inesperados referentes ao currículo oculto, a realidade do contexto escolar
e a satisfação de ser professor. Apesar disto, todos declararam que tinham gostado da
experiência, que a escola os havia recebido muito bem e a aproximação com o seu
futuro campo de trabalho possibilitou que questionassem e entendessem muito mais as
responsabilidades que permeiam o ato de ensinar.
Neste sentido, a partir do que nos diz Caraça (1998) que a dinâmica da produção
do conhecimento é transformada pelos inesperados, inferimos que os mesmos podem se
constituir como importantes para a apropriação de conhecimentos pelos licenciandos no
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seu movimento de aprender a ser professor. Na nossa perspectiva - que compactua com
autores como Moura (1999), Cedro (2008), Lopes (2009), entre outros – isto implica
em se apropriar de conhecimentos que permitam compreender que o objetivo da
atividade de ensino do professor é a atividade de aprendizagem do aluno.
Por decorrência, para nós formadores de professores, fica o compromisso de
promover espaços de formação que permitam aos estagiários se apropriarem de
conhecimentos a partir da discussão do surgimento e dos modos de como lidar com os
inesperados.
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TORNANDO-SE PROFESSOR NO CONTEXTO DO PIBID MATEMÁTICA
Sandra Aparecida Fraga da Silva
Maria Auxiliadora Vilela Paiva
Ifes
Resumo
Este trabalho configura-se como uma investigação junto a seis licenciandos concluintes
que participaram do Pibid em mais de dois anos num Instituto Federal de Educação.
Tem por objetivo investigar aprendizagens da docência de licenciandos concluintes e
participantes do Pibid no processo de se tornar professor de matemática. Os
licenciandos são inseridos num contexto de cinco escolas públicas, municipais ou
estaduais, no ensino fundamental e médio. Esta pesquisa qualitativa, que já se
desenvolve desde 2012, caracteriza-se pelo acompanhamento e metodologias de ação
desenvolvidas no âmbito do Pibid que contribuem para o processo reflexivo de práticas
pedagógicas e experiências diversas realizadas na inserção do contexto escolar, tanto
individuais como coletivas. Analisamos relatórios semestrais de julho e dezembro de
2015, nos quais identificamos indícios de aprendizagens docentes a partir de narrativas
e comentários reflexivos. Evidenciamos que a inserção nas salas de aula de educação
básica proporciona momentos de observações de práticas, desenvolvimento de
experiências que contribuem na reflexão de atividades de estudo do fazer docente
destacando o trabalho pedagógico como complexo e que necessita de uma visão mais
geral da prática do professor. Os licenciandos destacam diferentes aprendizagens como
a postura do professor, a relação professor-aluno, a busca e necessidade de realização de
práticas diferenciadas, a importância de conhecer o conteúdo trabalhado, as diferentes
possibilidades de abordagem de tal conteúdo e o conhecimento sobre os alunos. Alguns
deles destacam a postura de professores junto a alunos com deficiência e como essa
atuação os fez ter um novo olhar para as relações na escola e mudanças de postura.
Concluímos que o Pibid contribui para aprendizagens da docência quando realiza
práticas de reflexões sobre o trabalho docente.
Palavras-chave: Formação inicial; Aprendizagem docente; Pibid.
Introdução
O presente trabalho nasce de reflexões e pesquisas acerca de experiências
vivenciadas e compartilhadas no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência – Pibid - subprojeto Matemática de um Instituto Federal de Ensino.
Investigamos aprendizagens da docência de licenciandos concluintes e participantes do
Pibid no processo de se tornar professor de matemática inserido num contexto de escola
pública. Destacamos que o Pibid foi inserido nesta instituição no ano de 2010, dois anos
após o início do curso de licenciatura em matemática, e está sendo implementado desde
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então com modificações ao longo do processo, o que vem contribuindo para a formação
inicial dos licenciandos.
Ressaltamos que o Pibid integra o processo de formação inicial numa dimensão
mais ampla, no nosso caso preconizado no Projeto do Curso de Licenciatura em
Matemática de nossa instituição, cuja concepção e premissa básica subentendem que a
profissão docente compreende um domínio epistemológico, técnico e político, com
construção de diferentes conhecimentos (PINTO; SILVA; CADE, 2015). Deste modo,
a formação docente compõe um processo que se desenvolve à medida que o licenciando
se apropria dos fundamentos teóricos e práticos em que se estabelece o fazer docente.
A metodologia de trabalho adotada em ações desenvolvidas no subprojeto
matemática do Pibid para a formação inicial docente foi pensada num processo
reflexivo e contínuo que está sempre sendo reavaliado e envolve planejamento, ensino,
aprendizagem e avaliação (CORRÊA, 2013). Esse ciclo é efetivado a partir de processos
em torno de reflexões críticas de experiências vivenciadas no âmbito escolar a partir de
discussões em grupos e escritas individuais. Freire (2002) destaca que esses momentos
de reflexão contribuem para a formação docente e que
[...] A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o
movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O
saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”,
indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito,
a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade
epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar
certo procura. Por isso, é fundamental que, na prática da formação docente, o
aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente
dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais
escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que
supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão
com o professor formador (FREIRE, 2002, p.17-18).
Concordando com Freire é que desenvolvemos no Pibid esta metodologia cíclica
na qual a reflexão crítica grupal mostra a importância de superar o pensar ingênuo e
assumir o pensar certo. Destacamos que esse processo pode ajudar na aprendizagem
docente de maneira mais explícita, visto que é provocada, sendo construída
coletivamente, com outros licenciandos e com professores formadores, seja na escola
como na instituição superior.
Para Curi (2011, p. 77), “a forma com que os futuros professores irão ensinar
matemática no ensino básico é decorrente de conhecimentos que são construídos,
reformulados, transformados, no decorrer dos cursos de Graduação que eles
frequentam”. Os licenciandos, portanto, constroem conhecimentos oriundos de
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momentos diferentes de suas vidas e oriundos de várias fontes. O Pibid/matemática em
nossa instituição é um programa que tem por objetivo proporcionar aos acadêmicos
participantes a iniciação à docência e à pesquisa em educação matemática na qual os
mesmos podem compreender melhor relações teórico-práticas e aplicações de diversas
metodologias de ensino de Matemática, o que a nosso ver contribui para vivências
reflexivas de experiências e aprendizagens da docência.
Este programa que insere diretamente o licenciando no contexto escolar supera
um problema apontado por pesquisadores como Ponte (1992, p. 211) ao se referir que
“na formação inicial o principal problema é a inexistência de uma prática que
proporcione a possibilidade de formular objetivos de intervenção prática imediata e
vivências diretas de reflexão”. Desta maneira, evidenciamos a importância do Pibid
junto a inserção do licenciando no cotidiano de práticas pedagógicas, objetivando
proporcionar ao futuro professor uma maior vivência no contexto escolar e na sala de
aula. Silva, Pinto e Paiva (2015, p. 11) afirmam que “licenciandos em iniciação à
docência precisam estar em processos constantes de formação e de reflexão sobre seus
atos e estratégias utilizadas e sobre as consequências dessas ações”.
Essa iniciação à docência no contexto de escolas públicas favorece a relação
entre teoria e prática, que é uma questão crucial na formação docente segundo Gatti
(2012, p. 18). Ela chama a atenção para o fato de que precisamos modificar nossa visão
de prática, entendendo-a como “lugar de relações profissionais de ensino no qual
surgem conhecimentos vitais sobre os processos do exercício da docência com crianças
e jovens”, o momento de enfrentar desafios reais, que remete a superação e a soluções
criativas do processo de ensinar e aprender.
Ao analisarmos aprendizagens docentes decorrentes do processo de inserção no
contexto escolar pelo Pibid estamos evidenciando diferentes conhecimentos dos
licenciandos que já estão sendo construídos ao longo do tempo desde que eram alunos
da educação básica (LLINARES; KRAINER, 2006; MIZUKAMI, 2004). Sabemos
ainda que essas aprendizagens docentes estão em contínuo processo de ressignificação a
partir das experiências vividas ao longo do processo formativo.
Compactuando das ideias de Freire de que somos seres inacabados notamos que
Isaia e Bolzan (2012) apontam que esse processo contínuo precisa ser mobilizado em
espaços de reflexão conforme comentamos. Para essas autoras
A aprendizagem da docência caracteriza-se pelo processo de
profissionalização docente, a partir da compreensão de seu inacabamento, da
tomada de consciência de que, nesse processo, são ensinantes e aprendentes
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simultaneamente, bem como da ênfase na prática docente, assentada nas
reflexões e nas interações da/na aula universitária (ISAIA; BOLZAN, 2012,
p. 196). As autoras ainda relacionam todo esse processo com o que denominam de
atividade de estudo docente, que coloca o professor como centro do processo, refletindo
e estudando sobre situações vivenciadas que o levam a se constituir como docente,
desde um planejamento até a compreensão dos acontecimentos e desdobramentos na
aprendizagem do aluno. Outrossim, precisamos entender o espaço da sala de aula, as
experiências vividas no âmbito escolar como fonte importante para reflexão, como
movimentos profícuos para a aprendizagem docente e para a constituição do tornar-se
professor (ISAIA; BOLZAN, 2012). Para essas autoras o processo de se perceber e
constituir professor passa por três categorias: a aprendizagem da docência, a atividade
de estudo da docência e o trabalho pedagógico. Este último diz respeito aos processos
metodológicos para desenvolver uma aula, desde o seu planejamento até a execução e
mobilização de diferentes ações. Todas essas categorias estão respaldadas na reflexão de
experiências da prática pedagógica.
Percurso metodológico
Nesta pesquisa temos a inserção dos alunos bolsistas desse programa em salas de
aula de matemática de três escolas públicas estaduais e duas municipais da Grande
Vitória. O subprojeto Pibid matemática iniciou em 2011 com 15 bolsista de iniciação à
docência em escolas de ensino fundamental, após a aprovação em outros editais
chegamos no ano de 2015 com 32 licenciandos de matemática atuando em escolas de
ensino fundamental e médio.
Estamos vivenciando um período turbulento no âmbito nacional, com cortes de bolsas e
possibilidades de descrendenciamento de escolas parceiras. Por este motivo, escolhemos
para sujeitos desta pesquisa licenciandos que já estão em processo de conclusão da
graduação e que participaram do Pibid por mais de dois anos. Escolha esta exatamente
para analisarmos como esse licenciando pontua sua aprendizagem docente neste
processo a partir de sua inserção no programa. Isto nos ajuda a entender a dimensão
formativa do Pibid e contribui para apresentarmos resultados de pesquisa que afirmem a
necessidade de continuidade do programa. Os licenciandos concluintes já passaram por
diferentes momentos do Pibid e nos ajudam a compreender como constroem suas
aprendizagens da docência.
Este trabalho integra uma pesquisa mais ampla que ocorre de forma contínua, no
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âmbito do curso de licenciatura em matemática do Ifes, campus Vitória sobre
aprendizagens e conhecimentos de futuros professores ao se inserirem no contexto
escolar, seja no âmbito do Pibid como no estágio curricular supervisionado. Essa
pesquisa já tem se desenvolvido desde o ano de 2012. Trata-se de uma investigação
qualitativa (BOGDAN, BIKLEN, 1994) na qual as pesquisadoras acompanham os
licenciandos nessas articulações, como é o caso da primeira autora deste artigo, que é
coordenadora de área do Pibid desde 2012.
Adotamos uma metodologia de ação que envolve reuniões periódicas nas quais
os licenciandos bolsistas do PIBID apresentam coletivamente questões, dúvidas e
reflexões sobre o trabalho docente em sala de aula, sobre o comportamento dos alunos,
sobre o ensino de matemática e sobre diferentes realidades de práticas pedagógicas
vivenciadas no ambiente escolar. Além disso, cada bolsista escreve relatórios
semestrais, onde narram individualmente vivências e experiências extraídas da sala de
aula.
A metodologia formativa inicia a partir da inserção em sala de aula onde os
licenciandos atuam como observadores de práticas pedagógicas de matemática,
registrando o que mais lhes chama atenção durante essa etapa. Posteriormente, planejam
junto aos professores atividades que irão desenvolver em suas ações de sala de aula da
escola na qual atuam como pibidianos. Posteriormente, planejam junto aos professores
atividades. Como já indicamos esses licenciandos produzem relatórios descritivos
reflexivos escritos que foram nosso instrumento de produção de dados. Fizemos um
recorte nos relatórios apresentados nos dois semestres de 2015.
Escolhemos, portanto, seis licenciandos que estão concluindo a graduação em
2016 e que o ano de 2015 foi o último de atuação no Pibid. No quadro 1 apresentamos
esses sujeitos, o período que participaram do programa, o número de escolas em que
atuaram e os níveis de ensino. Destacamos que os nomes dos futuros professores
escolhidos são fictícios e que os mesmos assinaram um termo de consentimento livre e
esclarecido para participarem desta pesquisa.
Quadro – Licenciandos participantes da pesquisa
Licenciando Tempo em que atuou
no Pibid
Quantidade de escolas
acompanhadas no
período
Nível de ensino
acompanhado
Welington 2011 – 2015 4 escolas EF e EM Tatiana 2012 – 2015 2 escolas EM Walquíria 2012 – 2015 2 escolas EF e EM Vitor 2012 – 2015 2 escolas EM Jonas 2011 – 2015 3 escolas EF e EM
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Janisse 2012 - 2015 2 escolas EF Fonte: Dados da pesquisa
Além dos relatórios dos licenciandos também temos o caderno do pesquisador e
gravações em áudio de reuniões com todos os licenciandos. Porém, neste trabalho nos
reportaremos aos relatórios escritos. Para análise dos dados realizamos uma leitura
cuidadosa dos dois relatórios semestrais do ano de 2015, o parcial entregue em julho e o
final entregue em dezembro, identificando narrativas de aprendizagens docentes
evidenciadas pelos licenciandos. Assim, identificamos diferentes aprendizagens que são
apesentadas com recortes das narrativas a seguir.
Aprendizagens docentes na inserção no Pibid
Verificamos em diferentes momentos que para os bolsistas do Pibid surgia a
necessidade de compreender o fazer do professor e suas práticas pedagógicas. Já para
nós, coordenadores do Pibid e pesquisadores, urgia a necessidade de compreender qual
o significado que cada um produzia a partir desse processo identificando aprendizagens
docentes. Acreditamos que no diálogo com a teoria e ao ouvir as experiências dos
colegas esses alunos ressignificavam suas experiências narradas o que proporcionava
construção de saberes /conhecimentos docentes. O que segundo Paiva (2013) baseando
em Charlot constitui uma ação de relação com o saber o que proporciona mudanças no
modo de se ver professor.
A inserção no ambiente escolar contribui para os licenciandos perceberem a
complexidade do trabalho docente. No recorte a seguir, o licenciando Vitor percebe a
necessidade de o professor estar preparado para perceber as demandas dos alunos e
alterar seus planejamentos caso seja necessário. Ele relata o que observou em sala de
aula e em seguida pontua suas reflexões sobre o ocorrido.
Hoje a professora aplicou alguns exercícios do livro sobre operação com matrizes, nas turmas de 2º
ano. Todas as turmas conseguiram resolver uma quantidade alta de exercícios, mas alguns alunos
ainda apresentam dificuldades “básicas” em: resolução de equações do 1º e 2º graus; interpretação
de texto; e insegurança ao realizar os exercícios. Isso me fez perceber que existe um problema
anterior aos conteúdos apresentados agora e é preciso que o sistema de ensino utilizado hoje passe
por uma reformulação, mas de qualquer forma, como isso não vai acontecer agora, o professor
precisa estar preparado para ter que dar pequenas revisões, afim de que o aluno possa entender o
conteúdo do momento e não ficar mais uma vez sem entender o que está sendo trabalhado. (Vitor -
relatório parcial)
Esse mesmo licenciando destacou a prática da professora supervisora num
trabalho com alunos com algum tipo de deficiência. Ele destaca sua percepção em
relação a mudança de comportamento do aluno e características especificas dessa
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professora que tenta realizar um trabalho diferenciado com todos os alunos.
[...] gostaria de falar sobre um aluno específico. A turma do 3º ano conta com dois alunos com
dificuldades cognitivas. Um desses alunos chamou muito minha atenção, e também a da professora,
nesses últimos meses. A professora sempre trabalhou com ele de forma diferenciada, preparando
atividades que ele pudesse realizar, para que ele não fosse só um aluno sentado em uma sala de
aula, olhando para o tempo ou dormindo. Ela sempre o tratou com o mesmo empenho que para com
todos os outros e acho que isso fez a diferença. Nos últimos meses, este aluno que nunca fala nada,
não se concentra e não interage (tem um certo grau de autismo) passou a pedir para usar o mesmo
livro que os outros alunos, me cumprimentava durante as aulas, pedia para guardar os livros que
foram usados no dia. Este aluno surpreendeu com atitudes de um aluno que se sentia útil e
importante, e eu não tenho dúvidas que isso aconteceu pelo fato da professora sempre trata-lo como
um igual, sem menospreza-lo e sem “pegar leve” com ele, pois já ouvi outros professores falando que
não trabalham com este aluno pois ele está sempre dormindo e não consegue se concentrar para
realizar as atividades. Neste momento o Pibid mais uma vez me mostrou que o professor pode sim
fazer a diferença na vida de cada aluno ali na sala de aula, independente de sua dificuldade. (Vinícius relatório final 2015)
Notamos que este futuro professor está num processo reflexivo ao analisar uma
situação e a atuação da professora. Uma percepção maior desta experiência se deu pelo
fato de, segundo ele, a professora “fazer a diferença na vida deste aluno”, ao apresentar
uma atitude frente ao aluno tratando-o como “um igual”. Esse exemplo mostra o
processo construtivo deste licenciando de se tornar professor que identifica na
oportunidade ofertada pelo Pibid de acompanhamento contínuo no âmbito escolar uma
visão de professor que faz a diferença em sala de aula. Percebemos que o licenciando na
formação inicial adquire a partir de diferentes experiências “um jeito de ser pessoa,
professor, um modo de conceber e estabelecer relação com o mundo e com a
Matemática” (FIORENTINI, 2005, p.110), em especial ao se relacionar com o professor
formador. Neste caso consideramos o professor da escola básica que recebe nossos
licenciandos também como um professor formador.
Nem sempre esse processo do professor da educação básica ser formador é
tranquilo, em alguns momentos precisamos intervir. Porém, tivemos alguns professores
que se destacaram neste processo. A licencianda Tatiana pontua como a postura da
professora influencia positivamente no desenvolvimento de atividades do Pibid.
Mas destaco minha felicidade em poder ter retornado ao Colégio P. B., os alunos e os professores lá
tem vontade de trabalhar, e destacar de modo especial a abertura que a professora supervisora C.
proporciona a nós pibidianos de desenvolvermos atividades diferenciadas com os alunos. A parceria
que existe é muito boa, o grupo de bolsistas é empenhado e dedicado no desenvolvimento das
atividades dos demais colegas. Com relação a vivência em sala de aula é um caso especial a cada dia. As vezes nos surpreendemos
com o empenho de alguns alunos que nunca demonstraram muito interesse em aprender, nos
decepcionamos ao vermos alguns fracassos nas provas. Mas os alunos sempre estão muito receptivos
e dispostos a nos chamarem realmente para tentar aprender. (Tatiana – relatório parcial) Muitos deles destacam algumas dificuldades em relação aos alunos nas
diferentes escolas, indicando que ficam emocionalmente abalados a partir do retorno
destes. Isaia e Bolzan (2012) destacam que além da reflexão é importante perceber que
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as “relações interpessoais constituem o componente intrínseco ao processo de ensinar,
de aprender, de formar-se” (p. 200). Desta forma, notamos que tanto a vivência com os
professores da educação básica como com os alunos criam essas condições de
experienciar essas relações.
A licencianda Janisse participou de uma experiência diferente acompanhando
uma turma de 5º ano, que a pedido da professora teve licenciandos de pedagogia e de
matemática atuando juntos. Essa professora marcou de maneira muito particular esta
licencianda que afirma:
Ter observado e participado das aulas com a J. e o D. foi de grande valia, mas após as férias de julho,
ter começado a acompanhar a professora A. foi uma experiência inigualável. Uma professora formada em Pedagogia, com uma vontade e determinação impressionante. Trata
cada aluno como se fosse um filho, e acredita na capacidade de cada um deles. Ela participa de
grupos de estudos com o intuito de aprimorar seus conceitos e métodos. Ao trabalhar com ela, não há a possibilidade nem de sugerir métodos e atividades, pois todos os dias
ela surge com ideias novas para alcançar melhor os alunos, e as coloca em prática mesmo que
sozinha. Ela não cria dificuldades, cria soluções. Foi um exemplo de pessoa e de profissional que levarei para o resto da minha vida e do meu trabalho.
Agradeço muito a ela a oportunidade de ver tanto empenho e gosto pelo que faz. (Janisse)
Ao perceber essa ação da professora, essa licencianda percebe que a prática “é o
lugar em que a criatividade docente emerge, é o momento onde não apenas nos
defrontamos com uma reprodução estéril, mas com soluções criativas e novas
compreensões sobre a relação didática” (GATTI, 2012, p. 18).
Verificamos ainda que para alguns licenciandos o espaço da sala de aula é mais
do que um aprendizado de ações didáticas e pedagógicas, é momento de rever e estudar
conteúdos matemáticos que não foram construídos pelos licenciandos no período da
educação básica. Walquíria é um exemplo disso, ela destaca tanto seu aprendizado
quando a parte didática como a necessidade de voltar nos conteúdos. Ela narra uma
situação que mostra a necessidade de olhar o todo e não apenas momentos isolados.
O Pibid tem me ajudado na minha formação acadêmica pois, além de minhas experiências em sala de
aula, posso observar e aprender didáticas aplicadas pelos professores regentes que tenho
acompanhado desde que entrei no programa. Um bom exemplo disso foi uma apresentação que assisti
dos alunos do professor J. dos 1º anos. O J. pediu que a turma pesquisasse sobre as mulheres na
matemática, e após cada apresentação, ele fazia perguntas sobre e completava a apresentação com
informações mais específicas e detalhadas, e provocava uma análise crítica e reflexiva em cada uma
delas. Os conteúdos trabalhados nos 3º anos no mês de abril foram: média aritmética, ponderada e
mediana. Eu precisei revisar esse conteúdo porque eu não vi no meu ensino médio, logo não
domino, aliás, quanto mais eu estudo menos sei matemática!!! Corrigindo, quanto mais eu estudo, mais eu percebo o quanto a qualidade do meu ensino foi ruim!!!
Voltando ao Pibid… outra característica do J. que eu gosto muito, é que si os alunos não fizerem os
exercícios, ele não corrigi. Em outra escola, com um outro professor que eu acompanhei, ele
perguntava quem tinha feito o exercício e mesmo os alunos respondendo que não fizeram, ele ia para
o quadro e resolvia, eu ficava indignada com o método dele. O J. sabe estimular os alunos, apesar que
nenhum método é 100% eficaz, mas ele pelo menos tenta. Foi muito legal na correção desde exercício: x -2 -1 0 2 5
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y -5 1 3 -5 47 Os alunos estavam participando da correção dos exercícios, porém neste eles travaram, a sala ficou
em silêncio. J. percebendo isso… “Ah! Então vou passar pro próximo”, disse ele. “Mas... e esse? ”, o
aluno todo preocupado. “Vocês vão ter que si virar!!!” Claro que se alguém analisar essa frase fora
do contexto, pode parecer que ele não importa com os alunos, mas foi uma provocação que resultou
em um espetáculo didático para uma estudante de licenciatura. Os alunos por conhecerem J., e saber
que ele não corrigiu exercício que ninguém arriscou fazer, então eles começaram a chutar resposta
mesmo sem sentido. O professor por sua vez, começou a fazer perguntas para tentar mostrar um
caminho lógico aos alunos, e no desenrolar da aula, houve até debate dos conceitos que envolve
função entre os alunos na tentativa da descoberta da resposta. Quando começou a fazer sentido as
resposta, o J. começou a mostrar as tentativas no quadro até alguém conseguiu chegar a função f(x)=-
2x²+3. Show!! (Walquíria – relatório final 2015)
Esses licenciandos são concluintes conforme indicamos, e ao produzirem o
último relatório destacam diferentes percepções do programa e como o Pibid tem
contribuído para a formação deles. Notamos que este programa tem contribuído para a
construção de aprendizagens docentes. Vitor afirma que o Pibid foi um divisor de águas,
destaca novamente a interação com a professora e indica implicitamente a questão do se
tornar professor como algo inacabado (FREIRE, 2002; ISAIA; BOLZAN, 2012).
gostaria de deixar claro que participar deste projeto fará de mim um professor melhor do que eu
pensei em ser quando entrei para a licenciatura. Minha visão sempre foi a de fazer mais e o melhor
para os aluno, mas depois de participar do projeto, percebi que não tinha um norte de como poderia
fazer tais coisas. O Pibid foi para mim um divisor de águas, que após minha participação, pude ver
de perto como a educação acontece, como os alunos se comportam, como os professores se
preparam, como devo me preparar e o que posso e preciso fazer para mudar o mundo, pois pode
parecer pouco, mas em cada mudança percebida nos alunos, vi muito da professora que
acompanhei e ali, em sala, dentro do acontecimento em tempo real, o Pibid me deu olhos para ver o
que ainda não havia enxergado. Que educação se faz todos os dias, com muito esforço e trabalho,
com força de vontade e sem medo ou preguiça, que vou precisar trabalhar muito e que a cada ano,
todo o esforço será recompensado e comprovado por muitos alunos. (Vitor - relatório final 2015)
O processo reflexivo pode ser percebido em diferentes falas dos licenciandos.
Tatiana destaca que participar do Pibid a ajudou tanto na aprendizagem da docência
como na aprendizagem para a vida. Ela pontua sobre a postura do professor, os
planejamentos, as práticas criativas e vai além, para a percepção do outro (aluno) como
um ser em construção também. Desta maneira, destaca o que Curi (2011) pontuou ao
indicar que as experiências vividas na graduação contribuem para a atuação do futuro
professor.
E, por ser o último relatório de atividades do Pibid que estarei desenvolvendo, gostaria de destacar a
importância desse projeto na minha formação como docente. Enfrentar a educação pública,
principalmente municipal e estadual, é um desafio muito grande, pois temos que estar preparados
para lidar com n situações em sala de aula. E a vivência que o projeto nos proporciona, além de
contribuir para aprendermos sobre posturas, como realizar planejamentos, noções de tempo gastos
para ensinar um conteúdo, práticas diferentes, ideias criativas, entre outras tantas coisas
relacionadas à práticas docentes, contribuí para nossa formação como indivíduo, que muitas vezes
tem medo de encarar a sociedade, que se nega a enxergar aquele que realmente precisa, e essa
vivência vai transformando nosso olhar, fazendo com que passemos a ver nossos alunos como
alguém que precisa de nós, pois muitas vezes é na escola que eles encontram “refúgio” de toda dor
provocada pelas desigualdades que passam em suas casas/ comunidades. (Tatiana – relatório final
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2015)
Todos esses licenciandos concluintes participaram do Pibid em mais de uma
escola, o que proporcionou diferentes visões desse ambiente escolar e de atuações de
professores. Essa observação das diferenças de posturas e ações enquanto professor foi
indicada como aprendizagem. Jonas aponta que a partir dos diferentes exemplos de
professores que pode observar, alguns com experiências positivas outros não, ele pode
aprender sobre a docência.
Esses anos no PIBID me fizeram entender um pouco mais sobre ensinar, tive a oportunidade de
assistir aulas de vários professores, uns me ensinaram como dar aula, como motivar os alunos,
como me portar frente a algumas situações conflituosas porém, tive alguns professores que me
ensinaram como não dar aula. (Jonas - relatório final 2015) Destacamos que não são somente as experiências positivas que colaboram com a
aprendizagem da docência, em alguns momentos ao observarem situações em que não
concordavam ou que estava distante do que estudavam na licenciatura esses sujeitos
puderam pensar em ações que não gostariam de realizar enquanto docentes.
Após fazer um histórico de sua participação no Pibid, destacando as diferenças
entre as práticas vivenciadas nas 4 escolas em que participou do Pibid o licenciando
Welington ressalta a importância para sua escolha profissional deste programa. Esse
licenciando era muito tímido e tinha dificuldades em falar em público, por diversas
vezes pontuou no início do curso que não sabia como faria para atuar numa sala de aula.
Ele teve a oportunidade de participar do Pibid por um longo período, inclusive se
destacando junto a outros licenciandos sendo uma referência em se tratando de
desenvolver atividades diferenciadas e escrever relatos do que foi aplicado em sala de
aula. Em sua fala ele pontua a importância do Pibid para a continuidade na graduação.
Por fim, quero agradecer a oportunidade de participar desse belíssimo projeto de formação inicial de
professores e que vou sentir muitas saudades desse programa. Mas chega um momento que o
licenciando precisa se formar e começar a atuar em sala de aula para aprimorar o ensino de
educação matemática. Espero algum dia poder contribuir com esse projeto sendo um professor
colaborador ou supervisor do Pibid. Se não fosse esse programa, certamente teria desistido de ser
professor. (Welington – relatório final 2015)
Em diferentes momentos percebemos que os licenciandos apontam a dupla
postura que o Pibid proporciona. Ao se inserir na sala de aula da educação básica os
licenciandos se encontram num duplo papel de aprendiz e ensinante. Destacam que essa
experiência propiciada pela inserção no contexto escolar permite ir além da teoria
estudada na graduação. Evidenciam a importância das práticas, como a licencianda
Walquíria.
Só tenho a agradecer pela grande oportunidade de participar deste programa, pois tem me
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proporcionado experiências incríveis. Eu estou no Pibid desde 2012, e ele permite ao aluno da
licenciatura experiências em sala de aula que por mais estudos feitos em livros, as práticas são
inexplicáveis, me faz refletir como professora e como aluna. Pois vivencio a profissão na prática e
reafirmo minha vontade de concluir meu curso. (Walquíria – relatório final 2015)
A partir destes recortes confirmamos que vir a ser professor, segundo Freire
(2002), é um processo inacabado e que se constrói durante toda a vida. A licenciatura é
momento propício para um aprofundamento desse processo e quando são
proporcionadas experiências que contribuem para a relação teoria e prática a partir de
processos reflexivos como o Pibid o processo de aprendizagem da docência são
favorecidos.
Apontamentos finais
Compreendemos o Pibid como uma proposta de importância significativa para a
formação inicial do professor, tendo em vista a construção de aprendizagens da
docência quando inseridos no contexto escolar. Notamos que eles conseguem relacionar
conhecimentos adquiridos na graduação com a construção de novos conhecimentos,
mediante observações e reflexões de práticas de outros professores, de ações
pedagógicas vivenciadas e no enfrentamento de dificuldades do trabalho escolar.
Verificamos a partir de narrativas de licenciandos concluintes que a metodologia
adotada pelo Pibid/Matemática favoreceu uma prática reflexiva, indicando a relevância
desse tipo de programa para a criticidade sobre os saberes da experiência do professor
de matemática e, consequentemente, para a aprendizagem da docência. Os licenciandos
passaram a ter uma postura crítica sobre a sua prática e a do outro, no caso, os
professores da educação básica e os colegas. Ao refletirem sobre essas práticas, os
alunos bolsistas (des)construíram suas concepções e crenças sobre o professor de
matemática e sua prática em sala de aula.
Identificamos que reflexões, tanto as coletivas realizadas em reuniões como as
individuais necessárias para a produção do relato escrito, contribuíram para o estudo de
atividade docentes que favoreceram a percepção do quanto é complexa a atuação
docente e como um professor precisa de uma organização do trabalho docente. Esses
momentos de reflexão na qual vivenciaram trocas de experiências com seus pares,
contribuem, portanto, para a aprendizagem da docência. Destacamos que o Pibid ao
inserir licenciandos no contexto escolar desde os primeiros períodos do curso e
provocar reflexões sobre suas práticas e de outros favorece um contato maior com a
escola e para a constituição de se tornar professor de matemática.
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