A Necessidade de Retornar Ao Corpo e o Feminismo - Coletivo Manas Chicas

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A Necessidade de Retornar ao Corpo e o Feminismo Radical Publicado em julho 31, 2013 por coletivamanaschicas A autonomia e a integridade do corpo das mulheres é essencial à sua libertação. O corpo das mulheres tem sido utilizado como um campo de disputa do poder masculino, tem sido considerado uma propriedade, uma forma de obter recursos laborais, sexuais e reprodutivos. Essa apropriação se desdobra de diversas formas: através da instituição da família e do casamento, da prostituição, da pornografia, do controle masculino da contracepção/parto/aborto, da clitoridectomia, do assédio sexual, do estupro (inclusive estupro marital), da precarização do trabalho feminino, da violência doméstica, da necessidade imposta de ser mãe (entre outros). Assim que reconhecemos que todas essas formas constituem violência masculina sobre as mulheres, podemos dizer que o feminismo radical foca sua análise do corpo como um local primário em que se situa a opressão das mulheres, de forma que se deve enfatizar a necessidade de uma política que rompa com as condições dessa apropriação, e essa deve ser uma tarefa empreendida pelo feminismo. É uma política das mulheres para as mulheres. No âmbito do corpo, a análise feminista radical se centra em dois aspectos fundamentais: de que “o pessoal é político” e de que é necessária uma crítica à noção de escolha pessoal. Em primeiro lugar, é primordial problematizar a divisão público/privado sobre aquilo que é relativo às questões das mulheres. A abordagem que separa essas duas dimensões tem permitido que a exploração das mulheres seja coletivamente reproduzida sem que se analise seu caráter político. Indo na contramão, o feminismo radical acredita que aquilo que usualmente consideramos como algo simplesmente “pessoal” na verdade é formatado por relações de poder sistemáticas. Violência doméstica ou estupro marital, por exemplo, têm sido alguns dos temas que usualmente “escapam” da discussão política, porque vistos como restritos ao lar/à família, à relação “pessoal” homem-mulher. Nesse sentido, é importante entender o “pessoal como político” para compreender de que forma os corpos das mulheres são controlados. Somente dessa maneira poderemos trazer as formas de opressão às mulheres para o debate e alterar as estruturas sexistas de poder. Em segundo lugar, a análise feminista radical acredita que a opressão ao corpo das mulheres não será colocada em xeque através do simples slogan inquestionado do “direito de escolher”. Claro, queremos que as mulheres tenham em suas mãos o direito de escolher se querem ou não ter filhos, por exemplo. Mas a questão reside também em questionar o valor das “escolhas” das mulheres sob um sistema patriarcal. Mulheres negras enfatizaram as limitações do conceito de escolha, salientando o fato de que, enquanto à maioria das mulheres brancas é negado acesso ao aborto (as que podem

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Artigo feminista

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  • A Necessidade de Retornar ao Corpo e o

    Feminismo Radical Publicado em julho 31, 2013 por coletivamanaschicas

    A autonomia e a integridade do corpo das mulheres essencial sua libertao. O corpo das

    mulheres tem sido utilizado como um campo de disputa do poder masculino, tem sido considerado

    uma propriedade, uma forma de obter recursos laborais, sexuais e reprodutivos. Essa apropriao se

    desdobra de diversas formas: atravs da instituio da famlia e do casamento, da prostituio, da

    pornografia, do controle masculino da contracepo/parto/aborto, da clitoridectomia, do assdio

    sexual, do estupro (inclusive estupro marital), da precarizao do trabalho feminino, da violncia

    domstica, da necessidade imposta de ser me (entre outros). Assim que reconhecemos que todas

    essas formas constituem violncia masculina sobre as mulheres, podemos dizer que o feminismo

    radical foca sua anlise do corpo como um local primrio em que se situa a opresso das mulheres,

    de forma que se deve enfatizar a necessidade de uma poltica que rompa com as condies dessa

    apropriao, e essa deve ser uma tarefa empreendida pelo feminismo. uma poltica das mulheres

    para as mulheres.

    No mbito do corpo, a anlise feminista radical se centra em dois aspectos fundamentais: de que o

    pessoal poltico e de que necessria uma crtica noo de escolha pessoal.

    Em primeiro lugar, primordial problematizar a diviso pblico/privado sobre aquilo que relativo

    s questes das mulheres. A abordagem que separa essas duas dimenses tem permitido que a

    explorao das mulheres seja coletivamente reproduzida sem que se analise seu carter poltico. Indo

    na contramo, o feminismo radical acredita que aquilo que usualmente consideramos como algo

    simplesmente pessoal na verdade formatado por relaes de poder sistemticas. Violncia

    domstica ou estupro marital, por exemplo, tm sido alguns dos temas que usualmente escapam da

    discusso poltica, porque vistos como restritos ao lar/ famlia, relao pessoal homem-mulher.

    Nesse sentido, importante entender o pessoal como poltico para compreender de que forma os

    corpos das mulheres so controlados. Somente dessa maneira poderemos trazer as formas de

    opresso s mulheres para o debate e alterar as estruturas sexistas de poder.

    Em segundo lugar, a anlise feminista radical acredita que a opresso ao corpo das mulheres no

    ser colocada em xeque atravs do simples slogan inquestionado do direito de escolher. Claro,

    queremos que as mulheres tenham em suas mos o direito de escolher se querem ou no ter filhos,

    por exemplo. Mas a questo reside tambm em questionar o valor das escolhas das mulheres sob

    um sistema patriarcal. Mulheres negras enfatizaram as limitaes do conceito de escolha, salientando

    o fato de que, enquanto maioria das mulheres brancas negado acesso ao aborto (as que podem

  • pagar vo a clnicas particulares), as mulheres negras so controladas atravs da esterilizao

    forada. Clamar pelo simples direito de escolha ao aborto nega o fato de que, para as mulheres

    negras, foi e ainda uma realidade ter sua reproduo restringida, por polticas eugenistas e pela

    explorao econmica. Isso quer dizer que a escolha est determinada por um sistema relativo a

    quem controla esses mtodos. Por isso a questo no a simples escolha, pois preciso ter anlise

    de contexto. Nas mos de quem reside esse controle da escolha? Ou ento, queremos escolher

    dentro desse sistema em que nos encontramos? Queremos fazer escolhas dentro das variadas

    opes que nos fornecem a indstria farmacutica, o bionegcio, a maternidade substitutiva, as

    polticas controlistas (misginas e racistas), o poder mdico masculino? Em outras palavras,

    queremos apenas escolher entre as variadas formas de apropriao patriarcal, racista e capitalista

    sobre o corpo das mulheres?

    A tarefa, portanto, reside numa nova forma de analisar a condio das mulheres, desfazendo os mitos

    de que (a) no somos um agrupamento definido, (b) enfrentamos problemas apenas pessoais e

    (c) tais problemas podem ser resolvidos sem organizao ou ao coletivas. somente atravs

    desse enfoque que poderemos alterar as circunstncias em que as escolhas das mulheres so feitas. O

    feminismo radical no se contenta com as mulheres poderem escolher entre os diversos padres de

    como lidar com seus corpos que o sistema patriarcal coloca como opes, mas sim questionar a raiz

    do problema do sexismo, que o sistema de dominao masculina. A inteno no ter o simples

    direito de optar pelas condies dadas. Precisamos construir uma verdadeira autonomia para decidir

    sobre nossos corpos.

    A Necessidade de Retornar ao Corpo e o Feminismo Radical