A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

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A Mediação do Serviço Público: Notícias e Telejornal da RTP 1 GUSTAVO CARDOSO, PEDRO PEREIRA NETO “1. Não existem factos, só interpretações; 2. Todos os factos são conhecidos através da nossa interpretação; 3. A presença de um facto é demonstrada pelo facto de que algumas interpretações não funcionam mesmo, e que portanto deve haver algo que obriga a não as aceitar.” Umberto Eco, Scalfare e I fatti (suoi e miei), L’espresso, 26 Dezembro de 2007 UMA CONTEXTUALIZAÇÃO DO PAPEL DAS NOTÍCIAS Porquê estudar as notícias num contexto televisivo? Uma primeira aproximação é dada por Umberto Eco (2007) quando explica que a frase que abre este texto, “Não existem factos, só interpretações”, se encontra imbuída de um relativismo radical e como tal não deve ser levada em conta nas nossas análises de factos. Ao mesmo tempo essa leitura lembra-nos que apesar de os jornalistas serem formados para descrever e analisar factualmente a realidade há tantos jornalismos quanto escolas de formação (Burgh, 2005). Igualmente, podemos argumentar que, se todos os factos são conhecidos através da nossa interpretação (Eco, 2007), então todo o processo de mediação onde os factos sejam descritos, analisados e transmitidos a terceiros, através de um 1 1

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A Mediação do Serviço Público: Notícias e Telejornal da RTP 1

GUSTAVO CARDOSO, PEDRO PEREIRA NETO

“1. Não existem factos, só interpretações; 2. Todos os factos são

conhecidos através da nossa interpretação; 3. A presença de um facto é

demonstrada pelo facto de que algumas interpretações não funcionam

mesmo, e que portanto deve haver algo que obriga a não as aceitar.”

Umberto Eco, Scalfare e I fatti (suoi e miei), L’espresso, 26 Dezembro de

2007

UMA CONTEXTUALIZAÇÃO DO PAPEL DAS NOTÍCIAS

Porquê estudar as notícias num contexto televisivo? Uma primeira aproximação é dada

por Umberto Eco (2007) quando explica que a frase que abre este texto, “Não existem

factos, só interpretações”, se encontra imbuída de um relativismo radical e como tal

não deve ser levada em conta nas nossas análises de factos. Ao mesmo tempo essa

leitura lembra-nos que apesar de os jornalistas serem formados para descrever e analisar

factualmente a realidade há tantos jornalismos quanto escolas de formação (Burgh,

2005). Igualmente, podemos argumentar que, se todos os factos são conhecidos através

da nossa interpretação (Eco, 2007), então todo o processo de mediação onde os factos

sejam descritos, analisados e transmitidos a terceiros, através de um processo de

mediação (Silverstone, 2006), incorre em duplas interpretações: a do jornalista e a do

destinatário (ouvinte, telespectador, leitor ou utilizador).

Como sugere Silverstone (2006), os media encontram-se vocacionados para, através das

suas narrativas, horários e ordenação temática, criarem grelhas para a resolução da

ambiguidade, reduzir a insegurança e criar conforto. Estudar os media é estudar a sua

contribuição para a textura geral da experiência, pois as nossas distinções e juízos

formam-se através dos media também. Os media medeiam a dialéctica que se estabelece

entre a classificação que forma a experiência e a experiência que dá cor à classificação

(Silverstone, 2002). Ou seja, os media dão-nos grelhas que nos permitem situar no

tempo e no espaço da nossa vida do dia a dia. Daí que seja fundamental compreender as

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formas como essa grelha é construída, como a classificação da experiência é formada,

que critérios a regem, isto é, estudar os factos enquanto notícias.

Uma das dimensões de classificação da experiência promovida pelos media são as

notícias e o formato mais difundido de as transmitir na televisão é o dos telejornais. Isto

é, súmulas e análises dos factos decorridos num dado momento temporal, normalmente

associados à presença de um pivot e a horários regulares de transmissão.

As notícias, pelas suas características representam uma das faces da classificação da

experiência, sendo a outra dada pela ficção. De algum modo, como poderemos analisar

posteriormente neste texto, a valência negativa muitas vezes associada às notícias tende

a ser complementada pelos finais felizes associados à ficção, o desenrolar temporal

lento das histórias relatadas nas notícias ao longo de dias ou semanas tendem a ser

contrapostas pela duração dos filmes e séries que relatam o inicio e fim das situações

em hora e meia a duas horas. Exemplos desse papel dual da relação entre notícias e

ficção na televisão são, por exemplo, as temáticas associadas ao crime e à saúde. As

notícias sobre saúde tendem a fazer ressaltar as dificuldades vividas no quadro do

sistema nacional de saúde, quer por utentes quer profissionais, na sua relação com uma

qualquer hierarquia, seja ela o gestor da unidade de saúde ou o Ministro da Saúde

(Cardoso, 2007). As séries de ficção sobre saúde mostram-nos os profissionais que face

a todas as contrariedades salvam o paciente (Espanha, 2007). À valência negativa das

notícias de saúde opõem-se as valências positivas das séries sobre saúde. O mesmo pode

ser demonstrado pelas notícias associadas à criminalidade perpetrada e as séries de

ficção onde o criminoso nunca escapa, é mais tarde ou mais cedo apanhado.

As notícias relatam factos e porque, a televisão é a tecnologia de mediação mais

presente nas nossas vidas (Cardoso, 2006) e produz, em grande medida, a classificação

que forma a experiência (Silverstone, 2002) o seu estudo é fundamental para a

compreensão das sociedades contemporâneas (Cardoso, 2006; Castells, 2000;

Silverstone, 2002; Giddens, 1999).

AS NOTÍCIAS: ATENÇÃO, IMPORTÂNCIA E AUDIÊNCIAS

Se as notícias são importantes para a compreensão das sociedades e do nosso papel

nelas, serão as notícias também importantes para as audiências televisivas? A resposta a

esta segunda dimensão de contextualização da análise passa primeiro por uma análise da

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realidade portuguesa face ao acesso à informação noticiosa e posteriormente pela sua

comparação num contexto internacional mais vasto.

Quando comparamos a relação entre audiência de notícias e os três meios mais comuns

de lhe aceder (Televisão, Rádio e Imprensa), as notícias transmitidas pela Televisão –

vulgo telejornais – são habitualmente vistas por 97,4% da população portuguesa

enquanto apenas 67,2% leram durante a última semana um qualquer jornal. E se 86,9%

costumam ouvir rádio já desses apenas 33,6% são ouvintes de rádios onde a dimensão

informativa é maioritária (Cardoso 2006). A televisão ocupa um papel de destaque tanto

na escolha de meios de informação sobre um acontecimento local/nacional como

internacional (Cardoso, 2006). Quando questionados sobre “Quando há um

acontecimento local/nacional, qual o principal meio que utiliza para se informar?” as

respostas dos portugueses são sempre superiores a 85% para a televisão, excepto no que

respeita aos grandes acontecimentos internacionais (Cardoso, 2006).

Quadro 2.1 – Programas de Televisão mais vistos e de mais gostou, por género em

Portugal (%)

Programas de Televisão

por Género

Os normalmente

mais vistos

Aqueles que

mais gostou

de ver na sua n % n %

Noticiários 1189 48,5 530 21,6

Telenovelas 354 14,5 350 14,3

Concursos 160 6,5 265 10,8

Outros programas de

informação

146 6 134 5,5

Talk show da Manhã 84 3,4 80 3,3

Talk show de Celebridades 63 2,6 68 2,8

Talk show vida real 64 2,6 101 4,1

Documentários 58 2,4 113 4,6

Humor 57 2,3 86 3,5

Programas de Música 54 2,2 89 3,6

Cinema 55 2,2 76 3,1

Desporto 28 1,1 26 1,1

Séries e séries de culto 28 1,4 68 2,7

Programas de 18 0,8 61 2,5

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Entretenimento e

Variedades

Teatro, Opera e Dança 16 0,3 15 0,6

Reality Show (Vida Privada

e Musical)

7 0,2 62 2,5

Desenhos animados 3 0,1 15 0,6

Outros 19 0,8 17 0,7

Não vê TV 14 0,8 35 1,4

Não Responde 41 1,7 258 10,5

Total 2450 100 245

0

100

Fonte: Cardoso, G. (2006), Os Media na Sociedade em Rede, Lisboa, FCG.

Outro factor de argumentação, quanto à centralidade da dimensão noticiosa da televisão,

é a relação entre fruição televisiva de entretenimento e informação. O visionamento de

informação por parte das audiências corresponde a quase 50% das respostas sobre “qual

é o programa que mais vê com regularidade” e a mais de 25% das escolhas relacionadas

com o programa “que mais gostou de ver na sua vida“.1 Os valores apresentados para as

preferências relativas à informação em Portugal são ainda de maior interesse quando as

comparamos com o tempo de grelha de programação diária que cada um ocupa. Ou seja,

os telejornais, que ocupam em média apenas 12% do tempo de emissão, são vistos

regularmente por 48,5% da audiência (Cardoso, 2006).

Os dados para Portugal são, de algum modo, corroborados por outros estudos

nomeadamente sobre a participação dos europeus nas actividades culturais

(Eurobarómetro, 2002). Segundo esse estudo, os quatro tipos de programas que os

europeus mais vêem são os telejornais e programas de informação (88,9%), seguidos

dos filmes (84,3%), documentários (61,6%) e desporto (50,3%)2.

Quadro 2.2. Relação entre utilização de media e fruição de notícias, por países (2002-

2003) (%)

1 Dada a periodicidade temporal da notícia, os valores relativos à informação na memória de médio-longo prazo, são de algum modo significativos. Pois, apesar do entretenimento constituir próximo de 80% das escolhas existem ainda uma percentagem de mais de 20% que considera ser o noticiário o programa que mais gostou na sua vida.2

Há no entanto também especificidades nacionais, dado que a Dinamarca é onde há mais pessoas a ver telejornais (97,7%), bem como documentários. Os filmes são mais vistos em França (89,6%) e na Alemanha (89,4%). É na Suécia (62.9%) e Finlândia (62.8%) que mais se vê desporto na televisão.

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Países Visioname

nto diário

televisivo

Leitura

diária de

Jornais

Audição

diária de

Rádio

Visioname

nto diário

de notícias

na TV

Leitura

diária de

Notícias

sobre

política e

assuntos

corrente

s3

Audição

diária de

notícias

na

Rádio*

Portugal 98,7 (2) 54,5 (-3) 70,7 (-3) 96,2 89,2 81,5

Áustria 94,3 86,7 89,0 95,9 91,7 93,8 (1)

Bélgica 97,2 60,6 83,5 93,0 79,5 81,6

Suíça 92,5 89,9 83,6 94,4 91,3 88,2

República

Checa

98,9 (1) 83,3 85,3 96,6 88,8 75,0

Alemanha 97,9 84,1 87,8 96,7 93,7 91,8 (2)

Dinamarca 98,5 (3) 76,3 88,4 97,5 (3) 92,5 90,1 (4)

Espanha 97,6 53,5 (-2) 66,6 (-2) 90,4 84,9 71,9

Finlândia 97,0 92,6 84,5 98,2 (2) 91,7 74,2

França 95,7 61,7 (-4) 81,1 94,1 83,8 76,2

Reino Unido 97,9 76,1 81,2 92,6 78,5 (-4) 76,4

Grécia 97,2 36,5 (-1) 60,2 (-1) 85,7 80,8 47,4

Hungria 96,5 79,2 80,6 94,5 82,1 89,7

Irlanda 98,2 87,1 92,4 90,9 83,3 82,7

Israel 91,3 70,9 81,8 88,7 75,6 (-3) 81,6

Itália 98,4 (4) 69,3 66,6 (-2) 95,1 67,0 58,1

Luxemburgo 96,4 77,8 84,3 92,8 75,0 88,1

Holanda 98,3 82,9 83,1 97,2 (4) 90,5 82,6

Noruega 98,7 (2) 96,4 87,8 98,5 (1) 92,4 90,8 (3)

Polónia 96,1 62,5 77,6 (-4) 96,1 75,0 (-2) 87,9

Suécia 98,2 90,9 79,6 96,5 88,6 83,3

Eslovénia 95,4 81,1 88,2 91,5 67,9 (-1) 79,9

Média 96,85 75,18 81,78 94,23 83,81 80,58

3 Os valores referem-se à audição também de programas sobre política e assuntos correntes (definidos como: sobre assuntos de governação e política pública e sobre as pessoas a eles ligadas).

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Fonte: European Social Survey 2002/2003. Nota: os valores apresentados para todas as

colunas são a soma agregada de todas as respostas que indicam a realização dessa

actividade independentemente do tempo, e regularidade semanal, a ela destinados.

Também na relação entre a utilização dos media e fruição de notícias (European Social

Survey, 2002/2003) ser verifica na maioria dos países que a prática de fruição dos media

obedece a uma segundo uma regra de precedência TRJ (Televisão, Rádio e Jornais).

Apenas a Suíça, Finlândia, Itália, Noruega e Suécia colocam em maior ênfase a

actividade leitura de jornais face à audição de rádio.

Tradicionalmente, o espaço das notícias na televisão é organizado sob a forma de

telejornais, os quais podem ser diferenciados em função dos seus conteúdos e também

da sua dimensão enunciativa e performativa (Simonelli, 2001). Num estudo conduzido

por Simonelli sobre os telejornais italianos, o autor identificou dois modelos

enunciativos : o modelo generalista-objectivo e o modelo interpretativo-explicativo. O

modelo generalista centra-se na informação, isto é na peça jornalística, tendo o

jornalista um papel secundário. O pivot tem a função de ordenar e de estabelecer

relações entre as várias peças apresentadas. Segundo Simonelli, “neste modelo de

Telejornal, o espectador tem a impressão de se encontrar directamente defronte aos

acontecimentos, enquanto o discurso sobre os acontecimentos é feito através da própria

apresentação dos mesmos” (2001: 21). As peças jornalísticas não se apresentam como

um discurso sobre a realidade, mas como uma visão directa do acontecimento. O

repórter tem um papel secundário, na grande maioria dos casos não aparece na imagem,

relatando os factos em voz off. No modelo interpretativo explicativo é privilegiado no

telejornal o directo e o pivot como peças chave na transmissão de informação. Enquanto

o primeiro modelo se define como objectivo pela primazia dada ao objecto jornalístico,

ao acontecimento em si, este é caracterizado como interpretativo pelo centrar no sujeito

informador, pela importância dada ao espaço e ao tempo da produção informativa. O

apresentador do telejornal para além de apresentar as notícias também as interpreta,

podendo o seu discurso assumir vários registos possíveis, de um tom paternalista ao

coloquial, do discurso familiar ao uso de provérbios e clichés, a um discurso de cariz

mais erudito. Enquanto no modelo generalista objectivo, o primeiro bloco de notícias é

o mais importante, no modelo interpretativo explicativo ocupa-se de temas mais ligeiros

(curiosidades e histórias de interesse humano) neste modelo o ritmo mantêm-se, de uma

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forma circular sendo a última notícia muitas vezes um retorno à notícia de abertura. No

modelo generalista objectivo as peças jornalísticas são apresentadas com recurso a

separação entre si, já no modelo interpretativo explicativo as diversas peças estão

relacionadas entre si numa relação de dependência e de integração recíproca, como as

peças de um puzzle que na sua junção final apresentam uma explicação dos problemas

afrontados. A marca distintiva do modelo interpretativo explicativo de telejornal pode

resumir-se assim, “não só representam o processo de transformação dos acontecimentos

em notícia, a interpretação da realidade e os sujeitos-informadores responsáveis por esta

operação, como trazem também à cena o seu esforço de tornar compreensíveis e

inteligíveis os acontecimentos” (Simonelli, 2001:27). A caracterização dos vários canais

portugueses demonstra que, hoje, no panorama televisivo nacional há lugar tanto a

modelos híbridos (Telejornal da 2, Jornal das Nove da SIC Notícias, e Jornal Nacional

da TVI) como à presença de um modelo generalista- objectivo (praticado pelo Jornal da

Noite da SIC e o Telejornal da RTP1).

Independentemente do modelo enunciativo pelo qual se opta, um telejornal é

também um espaço de espectacularização da notícia, um espaço performativo, no

sentido em que pela associação da palavra, e cada vez mais do texto, à imagem, se

transforma uma informação em representação. Como propõe Mazzei, “nada no

telejornal é imune ao elemento espectacular” (2002). O modo de sentar-se, de vestir, de

gesticular, de falar, o enquadramento escolhido pelos jornalistas para o seu stand-up ou

para as ligações com o exterior, a gestão do espaço no estúdio, o modo como o

apresentador interpreta o seu papel, o alinhamento, tudo é espectáculo conjuntamente

com as notícias e as suas imagens” (Mazzei, 2002: 54/5). Essa espectacularização não é

objectivamente negativa, pois é nela que reside a mais valia da televisão. Quando se vê

um telejornal na televisão esperamos visualizar, tal como nos habituámos desde a

infância, uma conjugação entre texto, som e imagem, que nenhum dos outros media,

antes do aparecimento da Internet nos podia oferecer. O primeiro objectivo do telejornal

é ser visto, desta forma tem que captar a atenção dos espectadores desde o primeiro

momento de transmissão. E esse objectivo é essencialmente produto da escolha das

notícias.

Uma das tarefas diárias da redacção do telejornal é a escolha das notícias, já que de

entre as centenas de notícias diárias têm que ser escolhidas vinte ou trinta para o

alinhamento. Trata-se assim da combinação de um exercício ao mesmo tempo

subjectivo e objectivo. Objectivo, porque uma análise extensiva das notícias pode

77

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demonstrar a regularidade temática. Subjectiva, porque a escolha também tem a ver com

a qualidade e o tipo de pessoas que em cada dia trabalham na redacção e,

consequentemente, com todos os factores de contingência com que o jornalismo se

confronta. Embora muitas vezes enunciada, essa diferença de temas (“assuntos”) entre

diferentes canais só é possível de ser argumentada com base numa análise empírica

comparada e extensiva no seu período de análise. A figura que a seguir se apresenta é

uma análise comparativa de categorias de assuntos entre os canais generalistas de onze

países (Shoemaker, Cohen, 2006) e Portugal, permitindo-nos uma melhor compreensão

da génese da identidade nacional dos canais televisivos, a partir da escolha de temas.

Quadro 2.3 – Distribuição de Temáticas por Países (em percentagem).

Portu

gal

Austr

alia

Chi

le

Chi

na

Alema

nha

Ind

ia

Isra

el

Jordâ

nia

Rus

sia

Afri

ca

do

Sul

EU

A

Total

Política

Interna

14.0 5.1 27.

5

29.

8

14.5 33.

0

6.6 17.3 20.1 19.

0

10.

8

17.9

Desporto 14.9 26.0 7.5 .6 5.6 8.4 18.

0

9.2 3.9 14.

6

29.

1

13.8

Ordem

Interna

12.8 11.1 10.

2

3.8 14.1 17.

6

10.

4

2.7 13.0 13.

1

10.

8

10.4

Política

Internaciona

l

11.5 4.5 5.4 9.5 1.2 13.

2

4.7 39.1 17.5 14.

6

.7 10.2

Negócios/

Indústria

2.3 4.3 3.6 12.

1

8.8 6.6 1.4 3.1 2.6 7.3 5.2 5.6

Eventos

Culturais

3.1 1.8 4.2 7.6 11.6 .7 19.

9

.0 3.9 1.5 1.8 4.6

Histórias de

interesse

humano

6.4 11.1 2.1 1.9 4.4 .4 8.1 3.4 1.3 2.9 6.3 4.5

Tempo 2.0 7.1 .3 .6 5.6 5.1 .0 6.1 3.2 .7 9.6 4.3

Desastres/ 6.1 9.8 2.7 .6 7.6 2.9 2.8 .3 3.2 6.6 2.2 4.0

88

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acidentes/

Epidemias

Saúse/

serviços

sociais

5.4 3.3 5.1 7.0 3.2 1.5 1.4 3.7 2.6 2.2 4.5 3.7

Transportes 1.7 5.8 3.6 6.0 3.2 .0 .9 .3 .6 3.6 4.7 3.3

Cerimónias 2.9 1.8 5.7 2.5 2.0 1.5 2.8 3.4 5.8 1.5 1.6 2.7

Economia 3.15 .5 3.3 6.0 2.0 .4 2.4 2.7 3.9 2.9 2.2 2.5

Educação 1.9 .8 3.9 1.0 2.0 .0 3.8 4.1 .6 2.9 2.9 2.2

Sindicalismo 3.8 1.0 6.0 .3 .4 .7 .9 .0 .6 3.6 .9 1.5

Ambiente 0.4 1.3 1.2 2.5 .8 1.1 4.3 .0 .0 1.5 1.3 1.4

Relações

Sociais

1.5 .3 2.4 .3 3.2 1.1 2.8 1.7 .6 .0 .4 1.2

Habitação 1.0 .0 1.5 1.3 5.2 .4 2.4 .0 1.3 .0 .4 1.1

Militares e

defesa

.9 1.0 .6 .6 .4 .7 .5 .7 9.1 .0 .4 1.0

Comunicaçã

o

1.4 1.0 1.5 1.0 1.6 .7 1.4 .7 .6 .0 .9 1.0

Ciência/

tecnologia

.5 .5 .9 3.5 .4 .0 .5 .0 3.2 .0 1.6 1.0

Energia .0 .0 .3 1.3 1.6 2.9 .0 .7 .6 .0 1.1 .8

Entretenimen

to

.0 1.8 .6 .0 .0 .0 .0 .7 .0 1.5 .0 .5

Moda/Beleza .4 .3 .0 .0 .0 .4 3.8 .0 .0 .0 .0 .3

População .6 .0 .0 .0 .4 .7 .0 .0 1.3 .0 .4 .2

Total4

(N)

100.0

(396)

100

.0

(33

4)

100

.0

(31

5)

100.0

(249)

100

.0

(27

3)

100

.0

(21

1)

100.0

(294)

100.

0

(15

4)

100

.0

(27

4)

100

.0

(44

6)

100.0

(2946

)

4 Os elevados valores para a categoria desporto devem-se à participação da selecção nacional de futebol no mundial da Coreia de 2002. A análise desta figura refere-se apenas ao ano de 2002 na TV portuguesa.

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Fonte: Shoemaker, P., Cohen, A. (2006), News Around the World: Content,

Practitioners, and the Public, Routledge, London.

Para Portugal: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de

Telejornais - Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE.

Analisando a distribuição de tópicos nos diferentes telejornais analisados podemos

concluir que na maioria dos casos, exceptuando Alemanha Austrália e China, quatro

categorias de notícias são responsáveis por mais de metade da totalidade das notícias

transmitidas (política interna, desporto, ordem interna, e politica internacional).

Independentemente das dimensões qualitativas de apresentação e das diferenças entre

culturas parece haver uma adopção global de que tópicos são centrais para a informação

das populações e para o sucesso de audiências ou prestação de serviço público a que as

televisões se propõem. No entanto, dentro dessa transversalidade temática é possível

agrupar alguns países entre si e identificar também situações que são fruto da identidade

nacional de cada país e do seu contexto histórico e político. Assim, tal como Portugal,

também os USA, a Austrália e Israel parecem dar um particular ênfase às denominadas

histórias de interesse humano, enquanto essa categoria tem uma pequena representação

nos restantes países. Por sua vez, a política interna é essencialmente um atributo central

em países como o Chile, a China, a Índia, a Rússia e África do Sul onde atinge valores

entre os 20% e os 30% dos tópicos abordados. Nas democracias, há mais tempo

estabelecidas ou não mitigadas parece existir um menor interesse pelo agendamento

político na informação televisiva. Também no que diz respeito à política internacional,

os dados apontam para que a atenção dada a este tópico seja também maior em países

com proximidade geográfica com zonas de conflito, como são o caso da Jordânia e

Rússia. Israel aparece como a excepção, dado que o seu modelo de agendamento de

tópicos incide mais sobre a ordem interna do que sobre a política internacional,

porventura resultado da sua política face aos territórios palestinianos. Ainda no campo

das particularidades partilhadas, é possível verificar que o desporto é rei nos EUA e

Austrália, reflectindo uma proximidade de modelos televisivos informativos entre estes

dois países. O mesmo pode ser dito do destaque dado à meteorologia nesses mesmos

países. Por último, podemos verificar a ocorrência de escolhas que parecem ser apenas

características de um país, esse é o caso da Rússia com a atenção dada às matérias

militares, à educação na Jordânia, aos desastres, epidemias e acidentes tanto na

Austrália como na Alemanha ou à saúde na China e aos sindicatos no Chile.

11

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O SERVIÇO PÚBLICO DE TELEVISÃO

As televisões de serviço público representam na Europa, ao contrário dos EUA ou do

Brasil, em média entre 30 a 40% do mercado. Sendo, na Europa, as excepções com

valores próximos ou acima dos 50%: o Reino Unido, a Dinamarca, Espanha e Áustria.

Já nos dez novos membros da União Europeia, em particular nos países do leste

europeu, os valores de penetração das televisões públicas tendem a ser menores,

oscilando entre os 15% e uma média de 20 a 30% (Kiefl, 2003).

Existem múltiplas definições do que é serviço público e as mesmas adaptam-se aos

contextos históricos e políticos e económicos das realidades onde tiveram origem

(Raboy, 2001). Também no que diz respeito à informação, os canais de serviço público

de televisão, possuem tradicionalmente um mandato que se expressa através de uma

diferenciação informativa face aos seus competidores privados. No entanto, ao longo

das duas últimas décadas o serviço público de radiodifusão tem sido confrontado com

muitas mudanças e desafios que essencialmente resultaram da desregulamentação do

sector, da digitalização e também da denominada convergência (Syvertsen, 2003; Van

Zoonen, 2004), daí que o principal desafio ao serviço público possa actualmente ser

identificado em torno da sua necessidade de assegurar legitimidade política e social

(Harrison, Woods , 2001; Enli 2008).

Fruto de uma crise de identidade vivida, ao longo da década de noventa do século

passado, muitas televisões viram os seus produtos informativos aproximarem-se dos

oferecidos pelos seus competidores privados (Raboy, 2001). No entanto, é hoje possível

argumentar que o modelo de serviço público pode encontrar um novo rumo através da

procura de resposta para duas questões nos seus diferentes contextos nacionais: “Em

que sociedade queremos viver? Quais os valores a serem protegidos?” (Iosifidis, 2007).

Numa sociedade com rosto humano e não totalitária, como as que constituem a União

Europeia, os valores chave são o pluralismo, a independência, acessibilidade, qualidade

de conteúdos, coesão social e protecção da privacidade (Iosifidis, 2007). Embora esses

valores constituam uma carta de princípios que deve estar presente nas direcções de

programas e de informação de todas as televisões, públicas ou privadas, tal não chega

para diferenciar qual a missão da televisão de serviço público. Para falarmos em missão

da TV pública temos de ir mais além, passar para lá do informar, educar e entreter e

11

Page 12: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

focar a atenção na criação de autonomia comunicativa5 dos cidadãos (Castells, 2003),

dando-lhes a opção de escolha de qualidades diferentes, no leque de programas

oferecidos, e inovação face ao actualmente feito nos outros canais e ao já experimentado

no passado. Se este parece ser o mote para a identidade cultural das televisões de

Serviço Público no quadro europeu do início do Séc. XXI, que informação de Serviço

Público é aquela oferecida hoje aos portugueses pela RTP 1 nos seus serviços de

notícias? Apresenta, essa informação, contributos essenciais à formação da autonomia

comunicativa? Isto é, diversidade, pluralismo, acessibilidade e inovação? Ao longo das

próximas páginas tenta-se responder-se a essas questão.

AS NOTÍCIAS DO TELEJORNAL DA RTP 1

A análise que a seguir se apresenta tem como origem o estudo longitudinal da

informação noticiosa televisiva (RTP 1, SIC, TVI e RTP 2/ A:2) em Portugal para os

anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 (Silveira, Cardoso, 2009).

A amostra constituída para levar a cabo esta análise compreendeu 42 edições do

Telejornal, distribuídas por três períodos de duas semanas ao longo do ano: as 3

semanas de 6 a 26 de Maio, as 2 semanas de 24 de Junho a 7 de Julho, e a semana de 7 a

13 de Outubro. Na base desta dispersão encontra-se uma tentativa de assegurar uma

representatividade sustentada pela diluição do efeito que alguns acontecimentos mais

mediáticos poderiam causar num período de tempo mais concentrado.

As categorias temáticas utilizadas para enquadramento de cada peça noticiosa remetem

para conceitos abstractos, designadamente política interna, política internacional,

militares e defesa, ordem interna, economia, assuntos laborais e sindicatos, negócios

comércio e indústria, transportes, saúde, bem-estar e serviços sociais, população,

5 Um projecto de autonomia é, tal como conceptualizado em Castells e outros (2003), a afirmação por parte de uma pessoa da sua capacidade de pensar e agir em função dos seus próprios critérios, valores e esforços. Mas, dado o carácter multifacetado da vida social, é à partida de considerar que tais capacidades não se evidenciam de forma homogénea nos vários domínios da vida individual e colectiva. Por seu turno, é também de ponderar que nem todos os indivíduos estarão em iguais condições para desenvolver práticas sociais pautadas por este tipo de capacidade reflexiva e proactiva.

Autonomia comunicativa é aqui entendida como a capacidade de os indivíduos atingirem com mais facilidade ou dificuldade, através das literacias de media, os seus objectivos comunicativos. Isto é, informarem-se sobre um determinado tema (terem capacidade de encontrar a informação pretendida, testarem a sua fiabilidade através da triangulação de fontes, realizar feed-back para com os emissores das mesmas caso o pretendam, poderem comunicar com outros as suas posições relativamente a um dado tema); acederem às dimensões de entretenimento pretendidas; e serem capazes de utilizar combinações e articulação de mediação interpessoal e de massa para a comunicação com terceiros. Autonomia comunicativa é um conceito dependente dos objectivos traçados pelos indivíduos no campo da comunicação.

11

Pedro Pereira Neto, 09-11-2009,
Incluí aqui o ano de 2002, mas não sei se devo fazê-lo, uma vez que os dados que estão a seguir – sobre a dimensão e critério da amostra – dizem respeito apenas ao período 2003-2006.
Page 13: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

educação, comunicação, habitação, ambiente, energia, ciência / tecnologia, relações

sociais, desastres / acidentes / epidemias, desportos, eventos culturais, moda / beleza,

cerimónias, histórias de interesse humano, tempo, e entretenimento.

A distribuição das peças noticiosas do canal 1 de Serviço Público, em função da sua

categoria temática, revelou para o cômputo geral dos cinco anos considerados nesta

análise da RTP1, uma incidência de notícias relativas a questões de natureza política

traduzida na sua presença em mais de um terço (39%) do total das peças analisadas.

Consideradas individualmente, as quatro categorias temáticas mais presentes conhecem

a seguinte distribuição: 21% exploram eventos de política interna, 19% dizem respeito

a desporto, 18% abordam questões de política internacional, e 13% focam temáticas de

ordem interna. Reunidas, estas quatro categorias compreendem quase três em cada

quatro peças emitidas (71%).

Figura 2.1 – Categorias temáticas noticiadas pelo Telejornal

11

Page 14: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Analisando a evolução da presença dessas quatro categorias centrais ao longo

dos cinco anos considerados verifica-se, por um lado, que o protagonismo das peças de

desporto varia consoante nos encontremos (ou não) num ano de Campeonato

Internacional de Futebol onde a selecção nacional participe – sendo que, nessa

circunstância, constituem sempre o contingente mais numeroso dos Telejornais da

RTP1, verificando-se igualmente uma tendência para o aumento da presença de peças

sobre futebol no período considerado. A presença de peças de política interna e de

política internacional conhece um acréscimo nesse período, mais acentuado no caso da

primeira (de 13% para 20%) que no caso da segunda (de 10% para 14%)6. As matérias

de ordem interna não apresentam, durante os anos considerados, e à excepção do ano de

2005, uma variação significativa, com valores na ordem de 13% em 2002 e 14% em

2006.

Figura 2.2 – Principais categorias temáticas noticiadas pelo Telejornal, por ano.

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

6 No que diz respeito à análise de política interna, apenas em 2005 não se verificou um decréscimo dada a cobertura

relativa a fenómenos como a dissolução da Assembleia da República, a campanha eleitoral para as eleições Legislativas, e o

acompanhamento da realização do próprio acto.

11

Page 15: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Se considerarmos desagregadamente os temas abordados nas peças noticiosas do

Telejornal, o tema mais frequentemente tratado (10.3% do total) foi a realização de

competições desportivas / resultados desportivos, que apresenta valores que quase

duplicam os dos temas seguintes, respectivamente atletas individuais / treinadores /

árbitros / clubes desportivos (6.7%), guerra entre países (6.2%), e actividades de

políticos individuais (5.4%). Ainda com valores absolutos superiores a 80 peças surgem

as notícias que tratam terrorismo internacional (4,5%) e sobre acções executivas /

governamentais / Presidente da República (3.6%).

Numa abordagem evolutiva temporal verifica-se que as peças sobre atletas individuais /

treinadores / equipas apresentam uma tendência geral de decréscimo, enquanto que as

notícias que versam actividades governamentais e as que lidam com actividade de

políticos individuais seguem uma tendência geral de subida. A representatividade das

peças sobre terrorismo internacional está sobrestimada tendo em conta o seu valor em

2004 (12.2%) face aos restantes anos em análise (2.5%, 2.3%, 3.3% e 1.5%,

respectivamente).

Figura 2.3 – Principais temas noticiados pelo Telejornal, por ano

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

11

Page 16: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Uma análise das categorias temáticas mais representativas do Telejornal da RTP1

permite avaliar a presença relativa dos temas explorados em cada uma. Relativamente

aos temas abordados nas peças sobre desporto, mais de metade (53.9%) lida com

competições e resultados desportivos, enquanto o tratamento da actividade e

declarações de atletas individuais / treinadores / árbitros / clubes desportivos surge

como tema em 35.3% das notícias. Os restantes temas que merecem referência

apresentam valores próximos de 5%: treinos (7.5%), sócios / apoiantes / claques

(6.2%), e assuntos relacionados com actividades desportivas que não o futebol (5.8%).

Entre as notícias que versam temas de política interna transmitidas durante o Telejornal

significativa é, desde logo, a presença, cifrada em 18.2% do total de peças analisadas,

das que abordam julgamentos / processos judiciais em curso, designadamente dada a

cobertura noticiosa do chamado Processo Casa Pia que envolveu, em diversos

momentos, a referência a figuras de destaque do plano político português.

O exercício da actividade política no seu sentido mais estrito encontra-se presente em na

maioria das notícias desta categoria: com efeito, as declarações e actividade de políticos

individuais são o assunto principal de 28.5% das notícias, reunindo as peças que versam

acções executivas / governamentais/ presidenciais cerca de 19.1%, enquanto que as

relações internas a um partido são a tónica de 11.8% das notícias, e as que tratam a

actividade legislativa / parlamentar ascendem a 12.8%. As notícias sobre autarquias /

freguesias / regiões metropolitanas ascendem a 2.8% do total. Parece, pois, surgir um

padrão na medição das temáticas políticas onde a actividade dos órgãos centrais de

Governo e legislativos se sobrepõe à atenção dada à política local, por definição mais

próximo das matérias do dia-a-dia do cidadão.

Figura 2.4 – Temas abordados nas peças sobre política interna

11

Page 17: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

A evolução dos principais temas da categoria temática política interna revela um

comportamento das peças sobre julgamentos / processos judiciais em curso, com picos

em 2003 e 2005 em contra-ciclo constante com as que versam declarações e actividade

de políticos individuais.

Figura 2.5 – Temas abordados nas peças sobre política interna, por ano

11

Page 18: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Quanto às temáticas de âmbito político internacional, mais de metade das peças

abordam temáticas bélicas: concretizando, as notícias sobre guerra entre países

(conflito que envolva utilização de armas) ascendem a 34.6% (mercê, designadamente,

do acompanhamento da situação no Iraque), enquanto que as de terrorismo

internacional se cifram em 24.8% - sendo a situação Palestiniana e os desenvolvimentos

dos atentados em Espanha pedras-de-toque neste domínio. A actividade política regular

apresenta valores de 11.9% para assuntos relacionados com a União Europeia, 9.3%

para as actividades de políticos individuais, , 6.6% para a actividade política de

organizações internacionais, 7.7% para declarações política, e cerca de 5.9% para

visitas diplomáticas podendo argumentar-se que existe nas temáticas internacionais uma

maior tendência para a concentração de temáticas noticiosas ao contrário das matérias

nacionais ou que, pelo menos, tendem a desgastar-se menos na dimensão de interesse e

actualidade, pelo que perduram por intervalos de tempo maiores no foco da atenção

jornalística.

Figura 2.6 – Temas abordados nas peças sobre política internacional

11

Page 19: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Em termos de evolução temporal, a análise dos principais temas de política

internacional revela uma redução na presença de todos os temas em função da cobertura

noticiosa privilegiada dada à situação no Iraque em 2003, algo que se repete em grande

medida no ano de 2004 face ao atentado de Madrid.

Quanto às peças sobre ordem interna, valores muito díspares foram observados para

quatro temas: 20.5% abordaram crimes, 17.7% destas peças versaram manifestações

pacíficas, 17.4% abordaram questões relativas às forças policiais (Polícia / GNR), e

13.9% lidavam com violência sobre crianças.

Figura 2.7 – Temas abordados nas peças sobre ordem interna

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Os dados recolhidos para o período 2002-2006 revelam uma tendência de subida para os

principais temas desta categoria. Em primeiro lugar, de 10.5% para 25.4% na presença

de peças sobre manifestações pacíficas, e de 10.5% para 14.3% nas que abordam as

forças policiais. Em segundo lugar, concretamente nas notícias relacionadas com

criminalidade, observa-se um decréscimo significativo na presença de peças sobre

crimes (37% para 25.4%) e sobre corrupção não-política (35% para 3.2%), e ligeiro nas

11

Page 20: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

de pequenos crimes (25% para 14.3%), emergindo e desaparecendo neste período a

cobertura a violência sobre crianças (0% em 2002, 52.5% em 2003 e 0% novamente em

2006).

A conclusão a retirar da extrema variabilidade de algumas das tipologias de

criminalidade identificadas prender-se-á, com alguma probabilidade, e de acordo com a

observação da figura anterior, com uma estratégia de substituição de temas dentro da

mesma categoria, de que os anos de 2002, 2003 e 2006 são ilustração fidedigna. Com

efeito, observa-se nos anos de 2002 e 2006 uma preponderância de temas típicos desta

categoria temática (crimes e corrupção não-política) face à inexistência de ênfase em

peças relativas a violência sobre crianças. No entanto, no restante período e em

particular no ano de 2003, é sobretudo este último tema a assumir o protagonismo

temático neste âmbito, em detrimento dos anteriores temas dominantes surgindo outros

temas como representativos desta categoria temática no alinhamento .

Outra das dimensões de análise das notícias reside na significância social das mesmas

para a relação estabelecida entre o cidadão / telespectador e o alvo temático da notícia.

No que se refere ao impacto que o conteúdo do Telejornal pode produzir na relação

entre os cidadãos e as “instâncias de Poder”, verifica-se que, em média, 23% das

notícias apresentaram matéria discursiva com significância política moderada ou

acentuada, para apenas 4.4% de matéria visual. Ou seja, o relato é de maior impacto que

a imagem que acompanha essas notícias, muitas vezes de arquivo ou contextualizando o

tempo e o espaço do assunto abordado, mas não se referindo, em imagens, directamente

a ele.

Quanto à evolução temporal desse indicador de significância social foi observado um

ascendente contínuo na presença de conteúdos verbais politicamente significantes até

2005 e visuais até 2004, períodos após os quais se verificam quedas percentuais em

ambas.

Figura 2.8 – Significância política verbal das notícias do Telejornal, por ano

22

Page 21: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Quanto à significância pública, isto é, ao nível da ameaça que o conteúdo do Telejornal

poderá traduzir para o bem-estar público verificou-se, novamente, a existência de

significância mais frequente entre os conteúdos verbais (18.9%) que entre os visuais

(3.3%). Nos últimos cinco anos pôde ser observado um ligeiro aumento na presença de

conteúdos com significância desta índole. No entanto, caso fosse excluído do período de

análise o ano de 2002, a tendência seria de decréscimo continuado, quer verbal (20.2%

em 2003 para 17.1% em 2006), quer visual (4.1% para 2.9%, respectivamente).

Figura 2.9 – Significância pública verbal das notícias do Telejornal, por ano

22

Page 22: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

A significância económica, isto é, os conteúdos com potencial impacto sobre as

actividades económicas e/ou a situação económica nacional, é novamente entre os

conteúdos verbais que surge alguma significância deste tipo: 9.7% face a 1% em

conteúdos visuais.

Por outro lado, no cômputo geral dos últimos cinco anos, a tendência é para um

aumento da presença deste tipo de conteúdo. No entanto, e mais uma vez, se o ano de

2002 for excluído da análise, a tendência observada é de redução da presença deste tipo

de conteúdo ao seu nível verbal (11.6% em 2003, 10.7% em 2006) e ao nível visual (2%

para 0.7%, respectivamente).

Figura 2.10 – Significância económica verbal das notícias do Telejornal, por ano

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Por último, na dimensão de significância cultural, o impacto que o conteúdo das

notícias pode produzir sobre as tradições e valores, volta a ser sobretudo nos conteúdos

verbais que o mesmo pode ser encontrado, ainda que com valores pouco expressivos -

4.4%, face a 0.8% nos conteúdos visuais.

22

Page 23: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Paralelamente, nos últimos cinco anos, a tendência é para um acréscimo da

presença de conteúdos culturalmente significantes, quer verbais (4.3% em 2003, 4.7%

em 2006), e manutenção ao nível dos conteúdos visuais (0.9% em 2003 e em 2006).

Figura 2.11 – Significância cultural verbal das notícias do Telejornal, por ano

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

É, pois, na esfera de desequilíbrio político e de bem-estar público que mais pode

ocorrer o efeito de espectacularização noticiosa da realidade. A economia e a cultura

são noticiadas como muito mais estáveis.

Num outro registo qualitativo é possível, a partir dos dados recolhidos, avaliar a carga

tendencialmente mais positiva ou negativa inspirada pelas linguagens de uma peça

jornalística, a valência. Neste âmbito, o primeiro dado a registar prende-se com a

qualidade maioritariamente (78.3%) neutra dos conteúdos visuais. Nos conteúdos

verbais essa neutralidade é também a característica central, mas com menor expressão

(45%), tendendo o restante conteúdo para um registo mais negativo.

A evolução traçada a partir da amostra em análise indica tendências gerais distintas

consoante o tipo de valência a que nos reportamos. No âmbito da valência negativa,

observa-se um decréscimo continuado ao longo do período considerado de

aproximadamente 10%. Em sentido inverso manifesta-se a valência neutra, com um

22

Page 24: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

acréscimo de pouco mais de 10%. A valência positiva apresenta ao longo do período

considerado uma aparente tendência para a estabilização em torno dos 20%.

Contudo, estas evoluções gerais assumem um comportamento distinto se o período sob

escrutínio for desagregado, um prolongando-se de 2002 a 2005, e um outro de 2005 a

2006: para o primeiro, foi observado um aumento da neutralidade nos conteúdos verbais

(39.9% em 2003 para 58.7% em 2005) e visuais (75.3% para 88.3%, respectivamente),

caminhando portanto a valência das peças do Telejornal para uma relativa

homogeneidade. No segundo período, mantendo-se a neutralidade como dominante, é

no entanto menos predominante.

Figura 2.12 – Valência verbal das notícias do Telejornal, por ano

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Se focarmos a nossa atenção em momentos-chave da duração do Telejornal analisando

a proeminência das peças noticiadas, verificamos que cerimónias, relações sociais,

política interna, economia, e sindicatos constituem as categorias temáticas mais

utilizadas nas aberturas e reaberturas, o que revela a atribuição de um elevado valor-

notícia às peças que sobre elas versam – o mesmo se verificando para eventos ocorridos

em Lisboa e os de tratamento geográfico comunitário. No extremo oposto encontram-se

as notícias sobre entretenimento, sobre desporto, e sobre histórias de interesse humano,

bem como as de proximidade Nacional e as de tratamento geográfico Internacional.

22

Page 25: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Já a observação do indicador complexidade permite constatar que as notícias

sobre sindicatos, sobre política internacional, sobre economia, e sobre ordem interna,

bem como as de tratamento geográfico comunitário ou internacional, e ocorridos fora

do país, constituem os contingentes nos quais é mais frequente a existência de

conteúdos desviantes ou significantes, ou seja, mais imprevisíveis e potencialmente de

maior impacto sobre a sociedade – ao contrário do observado para as notícias sobre

entretenimento, sobre desporto, e sobre histórias de interesse humano, à semelhança das

que versam eventos ocorridos no Porto e no resto do país, e de tratamento geográfico

local.

De uma leitura cruzada da proeminência e da complexidade das peças noticiadas

no Telejornal resulta, por fim, a constatação de que as questões políticas constituem o

cerne deste noticiário, traduzida numa dúplice valorização de temáticas da esfera

laboral, económica, social e política tout court, com contraponto nas que lidam com

assuntos de entretenimento – desporto, histórias pessoais e culturais.

Figura 2.13 – Proeminência e complexidade das notícias do Telejornal

22

Page 26: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Complexidade54321

Proeminência

7

6

5

4

3Entretenimento

Cerimónias

Rel.Sociais

Ambiente

Comunicação

Transportes

Hist. I.humano

Eventos culturai

Desportos

Des./Acid./Epid. Educação

Saúde/S.Sociais

Negócios

SindicatosEconomia

O. Interna

P. Internacional

P. Interna

Prox. Nacional

Estrangeiro

Resto País

Porto

Lisboa

Comunitário

Internacional

Nacional

Regional

Local

RTP

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Outra esfera de análise da notícia é a do interveniente, a pessoa ou pessoas que

constituem os elementos centrais da narrativa, algo que parece visar antes mais a

credibilização da primeira, bem como a simulação de um directo. No que respeita os

intervenientes nas peças analisadas, a primeira nota prende-se com a sua presença no

total da amostra de 2003 a 2006, pois a maioria (56%) das notícias inclui algum tipo de

intervenção. A variação conhecida por este indicador no mesmo período segue um

sentido ascendente, dos 54.1% de 2003 aos 57.6% de 2006, indiciando um aumento na

estratégia de auscultação de intervenientes/envolvidos na matéria noticiada. Uma das

22

Page 27: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

marcas contemporâneas do Telejornal parece, assim, ser a personalização no quadro da

notícia ou, se preferirmos, a sua humanização.

Em termos da origem dos intervenientes, é significativo que o conjunto dos

agentes eleitos para actividade de representação política tenha intervido numa média de

108,5 peças por ano. Entre o conjunto dos agentes desportivos a média de presença por

ano cifra-se em 44 notícias.

Considerando individualmente as categorias de intervenientes, verifica-se que a

presença mais frequente – em média, no cômputo geral dos cinco anos considerados – é

a de cidadãos, constantes em 83 notícias/ano, a considerável distância dos

intervenientes mais próximos: Ministros e Secretários de Estado (32.3 peças por ano),

atletas, jogadores, treinadores e árbitros de grande notoriedade (26.5), líderes

parlamentares e líderes políticos (25.8), Deputados e líderes políticos regionais (17.8),

e Chefes de Estado (16.3). Sintomático é também o facto de que a presença do

Primeiro-Ministro assume um valor médio significativamente inferior ao total da

presença média dos seus Ministros (12 peças para 32.3). O indivíduo, enquanto

agente/actor ou figura pública/comentador, parece ter ganho um papel de

preponderância da dimensão noticiosa.

Figura 2.14 – Intervenientes nas notícias presentes no Telejornal

22

Page 28: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

0.0

10.0

20.0

30.0

40.0

50.0

60.0

70.0

80.0

90.0

Cidadãos Ministros, Secretários de Estado

Líderes parlamentares, líderes políticos

Atletas / Jogadores, treinadores e árbitros de grande notoriedade

Chefes de estado Deputados, líderes políticos regionais

Professores, estu-dantes, pais, fun-cionários do sector

Responsáveis de órgãos de comu-nicação, jornalis-tasAdvogados Primeiro-Ministro Atletas / Jogadores,

treinadores e árbitros de pequena ou média notoriedade

Sócios, apoiantes

Responsáveis do sis-tema de saúde

Médicos Responsáveis por forças de segurança e protecção; PSP; GNR; Polícia Judiciária; Brigada de Trânsito; Protecção Civil; Serviços de Es-trangeiros; Bombeiros

Pequenos e médios empresários

Presidentes de au-tarquias de pequenas e médias localidades, e outros dirigentes autárquicos

Membros de forças de segurança e pro-tecção, incluindo ofici-ais subalternos

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Quanto à evolução temporal das principais categorias de intervenientes, duas

notas se impõem. Em primeiro lugar, considerando as categorias agregadas por tipo de

actividade, observa-se um aumento da presença de agentes desportivos nas notícias

emitidas em anos de realização de Campeonatos Internacionais de Futebol.

Paralelamente, uma tendência para o decréscimo da participação de agentes políticos

nas peças noticiadas, acompanhada pela dos cidadãos.

Figura 2.15 – Intervenientes (agregados) nas notícias presentes no Telejornal, por ano

22

Page 29: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

2003 2004 2005 2006

0

20

40

60

80

100

120

140

cidadãos

agentes políticos

agentes desportivos

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Em segundo lugar, e considerando individualmente as categorias de

intervenientes, verifica uma tendência de descida continuada desde 2004 para a

auscultação dos cargos executivos e politicamente individualizáveis – Primeiro-

Ministro, Ministros e Secretários de Estado, Deputados e líderes políticos regionais –

em contraponto com o verificado para as lideranças parlamentares (em crescendo

contínuo).

Figura 2.16 – Intervenientes nas notícias presentes no Telejornal, por ano

22

Page 30: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

2003 2004 2005 20060

20

40

60

80

100

120

Cidadãos

Ministros, Secretários de Estado

Atletas / Jogadores, treinadores e árbitros de grande notoriedade

Líderes parlamentares, líderes políticos

Deputados, líderes políticos re-gionais

Chefes de estado

Primeiro-Ministro

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

A análise do estatuto social dos intervenientes nas quatro principais categorias

temáticas encontradas nas peças do Telejornal produz, com oscilações menores, uma

mesma tendência: a da preferência pela auscultação de agentes de topo das respectivas

esferas. Neste sentido, verifica-se no caso das peças sobre desporto, ênfase nos agentes

de primeiro plano (57.4%), e proximidade entre os de segundo (18.1%) e de terceiro

plano (16.8%), e presença marginal de intervenientes anónimos (6.5%).

No caso das peças sobre política interna que 62% dos intervenientes são

considerados de primeiro nível - ou seja, Presidentes, Directores ou Administradores, e

Dirigentes de vária ordem -, valor que encontra o seu oposto nos intervenientes de

terceiro nível que, com 8.5%, dizem respeito a subordinados e executantes vários. Os

intervenientes anónimos nesta temática têm uma presença meramente residual (1%).

Para as notícias que versam temas de política internacional, verifica-se que os

agentes de primeiro nível continuam a reunir a preferência noticiosa da RTP 1,

presentes em 61.9% dos casos, sendo a diferença entre os de segundo (quadros

intermédios, presentes em 18% das peças) e de terceiro nível (10.3%) ainda

considerável. Merece ainda referência o facto de nesta temática os intervenientes

anónimos assumirem presença em maior número de peças (6.3%).

33

Page 31: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Apenas no âmbito da ordem interna parece diluir-se a diferença entre as

presenças relativas de intervenientes de primeiro (33.9%), segundo (35.4%, ou seja, a

mais representada) e terceiro nível (19.7%), mantendo-se uma tónica marginal da

intervenção de anónimos (5.5%).

Figura 2.17 – Intervenientes nas principais categorias temáticas noticiadas pelo

Telejornal, por nível de status social

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

60,0%

70,0%

1º 2º 3º Anónimo Outros

Ordem Interna

Política Internacional

Política Interna

Desporto

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Tradicionalmente, as análises sobre os media e os seus conteúdos tendem a focar o

pluralismo como elemento central da sua análise, sendo essa atenção ainda maior no que

respeita o papel do Serviço Público (Brandão, 2002; Brandão, 2006).

Uma análise do enquadramento ideológico dos intervenientes em função dos períodos

de governação revela um dado extremamente significativo: à excepção do Bloco de

Esquerda (BE), encontram-se sempre presentes com maior assiduidade nas peças

noticiosas do Telejornal os intervenientes dos principais partidos na Oposição.

Figura 2.18 – Enquadramento ideológico dos intervenientes em função dos períodos de

governação

33

Page 32: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

GovPSD GovPS

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

BE

CDU

PS

PSD

CDS/PP

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Quanto ao tema em que foi observada presença de intervenientes dos principais

partidos políticos portugueses, é no sobretudo no âmbito das relações inter-partidárias

que tal intervenção se joga. Apenas ao nível dos segundo e terceiro temas mais

frequentemente participados se vislumbram diferenças: no BE foi contabilizada uma

participação mais frequente em questões eleitorais (16.7%) e de actividade legislativa

ou parlamentar (10.7%), algo verificado igualmente para a Coligação Democrática

Unitária (CDU) (22.2% e 21.4%, respectivamente); no Partido Socialista (PS) a

intervenção é mais frequente em notícias sobre relações internas partidárias (34.4%) e

actividade de políticos individuais (28.6%); no Partido Social-Democrata (PSD) são

sobretudo as peças sobre relações internas partidárias (43.8%), eleições (33.3%) e

nomeações/demissões (33.3%) a ter colhido intervenção; e no Centro Democrático

Social / Partido Popular (CDS/PP) são as questões de abuso de poder / corrupção

política (25%) e de eleições (22.2%) a recolher presença mais frequente.

Figura 2.19 – Temas das notícias do Telejornal, por partido político

33

Page 33: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

BE CDU PS PSD CDS/PP

0.0%

10.0%

20.0%

30.0%

40.0%

50.0%

60.0%

70.0%

Act. Legislativa/Parlamentar

Acções Executivas

Eleições

Nomeações/demissões

Act. polititicos Individuais

Relações Interpartidárias

Relações internas dos partidos

Abuso Poder/Corrupção Política

Julgamentos e decisões judiciais

Outros - política

Comunidade Europeia

Outros

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Relativamente ao perfil institucional e ideológico dos intervenientes nas peças,

os dados revelam uma ênfase transversal a todos os partidos políticos na participação

mais frequente de Líderes parlamentares e líderes políticos e de Deputados ou líderes

políticos regionais. No entanto, numa análise partido a partido, algumas impressões

devem ser retidas. A primeira dá conta do facto de o BE ser o único partido no qual a

intervenção mais frequente se encontra a cargo de Deputados (82.6%), o que indicia

alguma descentralização institucional da intervenção dos seus membros. A segunda

prende-se com o equilíbrio observado no PS entre a intervenção de Deputados e a de

Líderes parlamentares ou líderes políticos (53.5% para 54.9%). Também é de destacar

a aparente centralização institucional das intervenções verificada nos casos da CDU

(72.5% para Líderes, 45% para Deputados), PSD (69.5% e 42.4%, respectivamente), e

sobretudo no CDS/PP (88.6% e 40%, respectivamente). Finalmente, vale a pena

salientar a participação dos Cidadãos, a qual apenas conhece alguma expressão junto da

CDU (20%).

Figura 2.20 – Intervenientes nas notícias do Telejornal, por partido político

33

Page 34: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

BE CDU PS PSD CDS/PP

0.0%

10.0%

20.0%

30.0%

40.0%

50.0%

60.0%

70.0%

80.0%

90.0%

100.0%

Presidente da República

Presidente da Assembleia da República

Primeiro-Ministro

Ministros, Secretários de Estado

Líderes parlamentares, líderes políticos

Deputados, líderes políticos regionais

Dirigentes políticos locais, militantes políticos

Presidentes do Governos Regionais

Presidentes de Autarquias das grandes cidades

Presidentes de autarquias de pe-quenas e médias localidades, e out -ros dirigentes autárquicos

Outros Política

Cidadãos

Outros

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

33

Page 35: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

A última dimensão de análise refere-se à localização das notícias, isto é, a sua

Proximidade e o seu Tratamento Geográfico. Quanto à localização dos eventos

noticiados, constata-se que a maioria das notícias analisadas - cerca de 29% - dizem

respeito a eventos ocorridos fora do país, sendo Lisboa a segunda localização mais

frequentemente noticiada (24% das peças). O território Nacional considerado na sua

totalidade é a terceira mais presente (21.9%).

Figura 2.21 – Localização dos eventos noticiados pelo Telejornal

Lisbo

aPor

to

Resto

do

País

Estra

ngeir

o

Nacion

al

N. Ide

nt.

0

5

10

15

20

25

30

35

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Em relação ao evoluir dessa distribuição, observa-se um aumento progressivo do

foco no espaço nacional como um todo, ilustrado pela duplicação da percentagem desse

tipo de localização de 2003 para 2006, de 18.7% para 29.3%. Em contra-ciclo com esta

tendência encontra-se o verificado para eventos ocorridos nas duas principais cidades

portuguesas: 21.9% para 16.8% no caso de Lisboa, e 3.4% para 3.3% no caso do Porto.

Figura 2.22 – Localização dos eventos noticiados pelo Telejornal, por ano

33

Page 36: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

2003 2004 2005 20060

5

10

15

20

25

30

35

Lisboa

Porto

Resto do País

Estrangeiro

Nacional

N. Ident.

Fonte: Silveira, J., Cardoso, G. (coords.)(2008), Análise de Telejornais de Horário

Nobre (RTP1, SIC, TVI e RTP2/A:2) para os anos de 2003, 2004 e 2005, CIMDE

A maioria (57.6%) das peças emitida pelo Telejornal da RTP1 é de natureza

Nacional, assumindo o conjunto das peças de tratamento Internacional (25.8%) um

protagonismo superior ao das de tratamento Local ou Regional (16.6%). Analisando

todo o período da amostra, verifica-se que a presença de peças de tratamento Nacional

aumentou (49.3% em 2003 para 64.5% em 2006), em detrimento sobretudo das de

natureza Local (15.1% para 7.5%, respectivamente).

Figura 2.23 – Tratamento geográfico dos eventos noticiados pelo Telejornal, por ano

33

Page 37: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

2003 2004 2005 20060

10

20

30

40

50

60

70

Local

Regional

Nacional

Internacional

Comunitário

Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -

Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE

Ao nível da distribuição desta variável pelas duas partes do Telejornal,

observa-se apenas um incremento meramente residual das peças de tratamento

Internacional no decurso da segunda parte, de 25.1% para 26.7%.

SERVIÇO PÚBLICO, NOTÍCIAS E AUTONOMIA COMUNICATIVA

As nossas sociedades são sociedades onde se junta, cada vez mais, ao face a face a

mediação. A mediação é hoje fundamental para dar sentido ao mundo que nos rodeia, ao

nosso dia a dia. Dá-nos segurança, faz-nos sentir parte de algo mais vasto que a família

que continua, apesar das mudanças na sociedade, a ser o elemento primordial de

identificação e pertença para a maioria das pessoas (Castells, 2005; Cardoso, 2005).

A mediação é hoje um factor fundamental nas nossas vidas e na nossa busca de ordem e

sentido para a vida, bem como é, também, um elemento da nossa constante luta pelo

poder e pelo controlo sobre o simbólico e o material, quer no espaço quer no tempo.

Cada época tem os seus géneros predominantes e modos de representação (as notícias,

os talk shows, as novelas e séries), e tem também formas diferentes de expressar a

33

Page 38: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

dimensão singular de cada indivíduo (música, blogues, mensagens, partilha de ficheiros,

etc).

Sendo a mediação central, é fundamental compreender que a mediação ocorre num

ambiente que é, ele próprio, produto de forças opostas que procuram ditar rumos.

Rumos, nos modelos de representação e nas oportunidades de expressão individual. Daí

que o gatekeeping seja hoje muito mais complexo do que em outros momentos

históricos. Ele já não se refere apenas aos jornalistas, vai para além deles, tocando-nos a

todos nós, nas nossas escolhas de resultados de pesquisas online, na forma como

criamos ratings de livros vendidos, canais vistos, jornais lidos, etc.

A mediação e os media são, ao mesmo tempo, elementos fundamentais para o

desenvolvimento económico dos países e para o exercício da democracia.

Não vale já a pena falar só de Internet ou só de TV. Todas as pessoas, no seu dia a dia,

cruzam-se com múltiplos media, dos jornais à rádio, da Internet aos telemóveis, etc. No

entanto, a televisão continua a ser o elemento central da mediação nas nossas vidas.

Vale a pena salientar que o futuro do desenvolvimento e da Democracia passa pela

mediação e pela forma como a mesma é exercida. Que é o mesmo que dizer, que

depende da forma como estiver enquadrado o sistema dos media (sua regulação, seus

players, custos e barreiras de acesso aos indivíduos e empresas) e também de quem são

os que lhes podem aceder.

Em primeiro lugar, a mediação é fundamental porque, dependendo da forma como nela

se retrata “o outro”, seja um outro próximo (o membro do outro partido, o médico, o

ministro, o professor, o desempregado, o i(e)migrante, o jornalista, etc) ou um outro

distante (o basco, o catalão, o chinês, o muçulmano, o budista, o cristão copta, o

americano, etc), depende também a forma como iremos organizar a nossa realidade, a

nossa experiência face a essas realidades, face a essas pessoas, os nossos valores e,

quem sabe, as nossas próprias acções, propostas, práticas. É a partir da forma como essa

mediação é exercida que também a autonomia comunicativa dos actores sociais é ou

não fomentada e é ou não dificultada. A autonomia comunicativa no quadro da

informação televisiva implica diversidade, pluralismo, acessibilidade e inovação nas

formas de comunicar. Quando essas vertentes estão ausentes o fomento da autonomia

ou o seu efectivo exercício por parte dos telespectadores é colocada em causa.

Quanto à diversidade, verifica-se que as tendências gerais da mediação noticiosa do

Telejornal da RTP1, para o período considerado, apresentam uma redução média das

suas edições, bem como do seu intervalo publicitário, a transmissão de um número cada

33

Page 39: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

vez maior de peças com uma duração cada vez menor. No entanto, a categoria temática

mais noticiada pelo Telejornal é o desporto, cuja presença tende a aumentar ao longo do

intervalo analisado. Paralelamente, sem prejuízo do facto de que mais de um terço das

notícias analisadas abordar temas políticos, a presença das categorias de política interna

e política internacional conhece, desde 2003, uma redução substancial, à semelhança da

redução conhecida pela presença da categoria temática ordem interna. Reunidas, estas

quatro categorias compreendem cerca de 60% da matéria noticiada pelo Telejornal.

Analisando a proeminência das peças noticiadas pelo Telejornal, verifica-se que as

cerimónias, relações sociais, política interna, economia, e sindicatos constituem as

categorias temáticas mais utilizadas nas aberturas e reaberturas, o que revela a

atribuição de um elevado valor-notícia às peças que sobre elas versam – o mesmo se

verificando para eventos ocorridos em Lisboa e os de tratamento geográfico

comunitário. No extremo oposto encontram-se as notícias sobre entretenimento, sobre

desporto, e sobre histórias de interesse humano, bem como as de proximidade nacional

e as de tratamento geográfico internacional. Já a observação do indicador complexidade

permite constatar que as notícias sobre sindicatos, sobre política internacional, sobre

economia, e sobre ordem interna, bem como as de tratamento geográfico comunitário

ou internacional, e ocorridos fora do país, constituem os contingentes nos quais é mais

frequente a existência de conteúdos Desviantes ou Significantes, ou seja, mais

imprevisíveis e potencialmente de maior impacto sobre a sociedade – ao contrário do

observado para as notícias sobre entretenimento, sobre desporto, e sobre histórias de

interesse humano, à semelhança das que versam eventos ocorridos no Porto e no resto

do país, e de tratamento geográfico local. De uma leitura cruzada da proeminência e da

complexidade das peças noticiadas no Telejornal resulta, assim, a constatação de que as

questões políticas constituem o cerne deste noticiário, traduzida numa dúplice

valorização de temáticas da esfera laboral, económica, social e política tout court, com

contraponto nas que lidam com assuntos de entretenimento.

A diversidade implica também a origem geográfica da temática. Em termos da estrutura

do Telejornal, três abordagens concorrem para uma mesma perspectiva. Privilegiando

uma divisão do noticiário em duas partes, a primeira etapa apresenta maior número de

peças noticiosas de natureza política, de âmbito nacional, com impacto potencial sobre

todo o território ao nível da significância política, pública e económica, e conteúdos

tendencialmente mais inesperados do ponto de vista estatístico, normativo e de

mudança social – uma primeira parte mais apelativa do ponto de vista noticioso puro. A

33

Page 40: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

segunda parte privilegia o desporto como categoria temática, enfatizando também mais

as questões internacionais, e as de natureza mais cultural. Se a abordagem escolhida

compreender uma divisão do Telejornal em blocos de 15 minutos, verifica-se uma

concentração de peças noticiosas de natureza nacional no início e no final da emissão,

sendo as de natureza internacional desenvolvidas nos blocos intermédios.

Paralelamente, as notícias de carácter político surgem sobretudo durante a primeira meia

hora, a partir da qual é o desporto a categoria dominante. Quanto à evolução das várias

formas de significância ao longo do Telejornal, a tendência identificada é comum às

suas variantes política, económica e pública: as peças com algum grau deste tipo de

impacto surgem sobretudo no início, decrescendo à medida que se aproxima o intervalo,

e aumentando progressivamente após o reinício. Apenas na sua variante cultural as

peças com maior impacto potencial são mais frequentes à medida que nos aproximamos

do final do Telejornal. Também o carácter desviante dos conteúdos noticiados se

concentra essencialmente no início do serviço noticioso, decrescendo à medida que nos

aproximamos das etapas de saída, ou seja, do intervalo e do fecho de edição.

Se o enfoque se centrar nos momentos-chave do Telejornal, ou seja, abertura, intervalo,

reabertura e fecho, verificamos que a notícia de abertura versa tendencialmente questões

de natureza política, com um ligeiro ascendente nas questões políticas nacionais,

assumindo a forma de reportagem de âmbito/espectro nacional e tratamento de

proximidade também tendencialmente nacional, e com uma valência verbal

maioritariamente negativa e visual maioritariamente neutra. Imediatamente antes da

saída para intervalo, o Telejornal exibe apenas reportagens, na sua maioria sobre

desporto, com um enquadramento tendencialmente nacional mas um tratamento de

proximidade centrado em Lisboa, e valência visual e verbal neutra. Na sua maioria, as

peças de reabertura deste noticiário possuem valência visual e verbal tendencialmente

neutra, com um enquadramento geográfico nacional mas de tratamento de proximidade

que é tão frequentemente nacional como internacional. Paralelamente, ainda que o

território nacional – considerado na sua totalidade – seja apenas a terceira localização

mais noticiada (atrás de eventos ocorridos fora do país e em Lisboa), observou-se para o

período considerado um aumento na presença de peças com impacto sobre o espaço

nacional como um todo, em contra-ciclo com o verificado para eventos ocorridos nas

duas principais cidades portuguesas. Esta dinâmica é acompanhada de uma acentuação

progressiva do número de peças de tratamento geográfico nacional em detrimento das

de natureza local.

44

Page 41: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Tematicamente, o desporto constitui o tema mais frequente de reabertura do Telejornal.

Para o encerrar o tema mais frequentemente utilizados foi também o desporto, sendo as

peças emitidas nesta etapa de âmbito e tratamento de proximidade nacional, e valência

maioritariamente neutra, quer na sua dimensão verbal quer visual. Ao nível das

diferenças na significância dos conteúdos, a tendência verificada nas suas dimensões

política, pública e económica aponta para valores bastante superiores verificados nas

"entradas" (abertura e reabertura) em relação ao das "saídas" (intervalo e fecho).

Inversamente, é sobretudo nas "saídas" que se concentram os conteúdos com

significância cultural. No campo específico da desviância, variações observadas

sobretudo no sentido da redução da sua presença nas peças que antecedem o fecho do

Telejornal, com particular expressão nas variantes verbais. Neste sentido, os dados

apontam no sentido da aproximação entre as características mais incisivas das peças de

abertura e de reabertura, por um lado, e mais neutras ou esbatidas das peças que

antecedem o intervalo e o fecho do noticiário.

Na dimensão da diversidade pode-se concluir que a mesma é de certo modo mitigada,

pela grande concentração de peças num conjunto reduzido de temáticas. No entanto,

essa concentração não é apenas apanágio do serviço público ela ocorre em todas as

diferentes emissões dos canais portugueses, privados ou de Serviço Público. No entanto,

cabe a este último não apenas ter uma análise mais repartida de temáticas como

também, caso queiramos cumprir com os pressupostos fomentadores de autonomia

comunicativa, devem ser ampliadas as presenças em horário nobre de temáticas com

menor apetência de presença nos restantes canais mas de elevado valor social para a

comunidade como o ambiente, a saúde e a ciência.

Quanto ao pluralismo e acessibilidade, entendidos aqui, respectivamente, enquanto um

leque abrangente de expressão pública de posições diferenciadas e enquanto a

possibilidade de uma diversidade alargada de actores sociais de diferentes origens e

contextos sociais e profissionais, há também que referir algumas características e

particularidades. Assim, no que respeita os intervenientes nas peças analisadas, a

maioria (56%) incluía algum tipo de intervenção, tendendo esta presença a aumentar - o

que indicia uma estratégia de auscultação de intervenientes/envolvidos na matéria

noticiada. Considerando individualmente as categorias de interveniente, verifica-se que

a presença mais frequente é a de cidadãos, a considerável distância dos intervenientes

mais próximos. Sintomático é também o facto de a presença do Primeiro-Ministro

assumir um valor médio significativamente inferior ao total da presença média dos seus

44

Page 42: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Ministros. No entanto, verifica-se uma tendência para o decréscimo da participação de

agentes políticos nas peças noticiadas, acompanhada pela dos cidadãos em contraponto

com o verificado para as lideranças parlamentares – em crescendo contínuo desde

2003.

Uma análise do enquadramento ideológico dos intervenientes em função dos períodos

de governação revela um dado extremamente significativo: à excepção do BE,

encontram-se sempre presentes com maior assiduidade nas peças noticiosas do

Telejornal intervenientes dos principais partidos na oposição. Quanto ao tema em que

foi observada presença de intervenientes dos principais partidos políticos portugueses, é

no sobretudo no âmbito das relações inter-partidárias que tal intervenção se joga.

Apenas ao nível dos segundo e terceiro temas mais frequentemente participados se

vislumbram diferenças. Relativamente ao perfil institucional e ideológico dos

intervenientes nas peças, os dados revelam uma ênfase transversal a todos os partidos

políticos na participação mais frequente de Líderes parlamentares e líderes políticos e

de Deputados ou líderes políticos regionais. Numa análise partido a partido, algumas

impressões devem ser retidas. A primeira dá conta do facto de o BE ser o único partido

no qual se observa alguma descentralização institucional da intervenção dos seus

membros: ao invés da aparente centralização institucional das intervenções verificada

nos casos da CDU, PSD e sobretudo no CDS/PP.

Conclusão

A questão que se coloca ao analisar todas estas características atrás expostas é a de

saber se na mediação tudo pode ser deixado ao jornalista ou, a posteriori, ao regulador.

A resposta será, provavelmente, não. Daí a importância de analisar a influência dos

conteúdos produzidos na dimensão da autonomia comunicativa dos indivíduos.

Embora o Telejornal da RTP1 possa ser considerado um noticiário que leva em

consideração os valores enunciados por Iosifidis (2007) relativos ao Serviço Público há

que estabelecer uma dimensão crítica quanto ao seu papel de indutor de condições

promotoras de autonomia comunicativa. O Telejornal da RTP1 promove o pluralismo e

a acessibilidade mas que não cumpre na diversidade e na capacidade de inovar a sua

abordagem temática.

44

Page 43: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

Os factos – ou, se preferirmos, as notícias – são sempre produto de duplas

interpretações: as dos emissores/jornalistas e as dos receptores/audiências. No entanto,

na relação que se estabelece no quadro da autonomia comunicativa entre quem emite,

quem recebe e realiza feedback perante a origem da informação há que ter presente que

ela só se pode consumar se houver dos dois lados o domínio das literacias de media.

Pois, a mediação pressupõe que sejamos literatos. Literatos para compreender a novela e

as notícias. Mas também para telefonar, para participar em votações de SMS, para

escrever e-mails, ler e editar blogues, para navegar e preencher formulários. Ter

literacias para trabalhar na disseminação de conhecimento, sua inovação e aplicá-lo.

Ora, as literacias podem ser de dois tipos. As centradas no modelo escolástico

tradicional: ler, escrever, contar, interpretar, digitar e pesquisar. Ou, seguirem o padrão

das necessidades de uma sociedade informacional, isto é, uma sociedade assente na

criação de riqueza através do conhecimento e já não apenas assente na aprendizagem

desse mesmo, sem a sua transformação posterior e aplicação em novos contextos,

produtos e serviços.

As literacias hoje permitem simultaneamente o domínio das ferramentas necessárias à

participação cívica (organização, contactabilidade, mobilidade, acesso à informação e

transformação do conhecimento) e à criação de riqueza (exactamente as mesmas). Mas

é a escolha da sociedade, a escolha realizada pelos que gerem o conhecimento, a

riqueza, a cultura (seja em seu próprio nome ou por delegação de todos nós) de quem

dependerá o futuro.

As opções são claramente duas: podemos apostar nas literacias para os media como

factores fundamentais do desenvolvimento e da democracia; ou apostar num modelo

baseado no condicionamento, a exemplo do que no passado foi condicionamento

industrial limitador da iniciativa privada nos tempos da ditadura, e que no nosso

presente e futuro, poderá ser o condicionamento do acesso ao conhecimento e às

ferramentas de acesso a ele. No entanto, não se trata de censura. Porque tudo existe e

tudo é dito no campo da mediação, não há exclusões de temas ou de notícias. Pode

haver condicionamentos na interpretação, na triangulação de conhecimentos de

diferentes origens, mas não censura.

A falta de literacias assemelha-se à censura, apenas no facto de deixar espaços vazios,

espaços que poderiam ser preenchidos caso as literacias pudessem agir, transformando

esse conhecimento em algo novo, em algo que permita agência, acção, produção,

criação, transmissão. É esse o poder da literacia dos media e que hoje tem de ser um

44

Page 44: A Mediação do Serviço Público Notícias e Telejornal da RTP 1

elemento inato, tão importante como aprender a mexer, a fazer, é ter aprendido a

organizar, dissecar, interpretar, enfim, fazer o remix necessário, tanto à inovação de

produtos e serviços, quanto à criatividade, à defesa de ideias e ideais, à construção de

alternativas e à transformação do tradicional em novo e do novo em realidade. Para

produzir um noticiário realizam-se escolhas, as quais são produto das literacias dos

jornalistas. No entanto, sem as literacias das audiências, a representação da realidade

pode ficar aquém de atingir os valores do novo Serviço Público de televisão. É esse o

desafio contemporâneo da mediação na televisão: compreender as literacias de

jornalistas e audiências, como as mesmas contribuem para a criação de autonomia

comunicativa e o papel do serviço público nesse processo.

Bibliografia

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