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A MATÉRIA NÃO É CONTÍNUA: A QUÍMICA EXPLICA O VISÍVEL COM O INVISÍVEL 6 TÓPICO Guilherme Andrade Marson Maria Amélia de Almeida Azzellini Gianluca C. Azzellini Lígia D'Ávila Bozzi 6.1 Introdução 6.2 Conhecimento Espontâneo e Conhecimento Científico 6.3 Método Científico 6.4 O Modelo da Estrutura da Matéria de Dalton 6.4.1 O Modelo da estrutura da matéria na antiguidade 6.4.1.1 A Teoria dos Quatro Elementos e a Escola de Platão a Aristóteles 6.4.1.2 Os atomistas na Antiguidade 6.4.1.3 A predominância da teoria dos quatro elementos 6.4.2 O Renascimento do Atomismo e o Modelo Atômico de Dalton 6.4.2.1 A Teoria Atômica de Dalton e os Aspectos Quantitativos das Transformações Químicas 6.4.2.1 A Determinação das Massas Atômicas Relativas e a Simbologia de Representação dos Elementos segundo Dalton 6.4.3 As representações na Química

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AMBIENTE NA TERRA Química

A MATÉRIA NÃO É CONTÍNUA: A QUÍMICA EXPLICA O VISÍVEL COM O INVISÍVEL 6 TÓ

PICO

Guilherme Andrade Marson Maria Amélia de Almeida Azzellini

Gianluca C. AzzelliniLígia D'Ávila Bozzi

6.1 Introdução6.2 Conhecimento Espontâneo e Conhecimento Científico6.3 Método Científico6.4 O Modelo da Estrutura da Matéria de Dalton

6.4.1 O Modelo da estrutura da matéria na antiguidade6.4.1.1 A Teoria dos Quatro Elementos e a Escola de Platão a Aristóteles6.4.1.2 Os atomistas na Antiguidade6.4.1.3 A predominância da teoria dos quatro elementos

6.4.2 O Renascimento do Atomismo e o Modelo Atômico de Dalton6.4.2.1 A Teoria Atômica de Dalton e os Aspectos Quantitativos das Transformações Químicas6.4.2.1 A Determinação das Massas Atômicas Relativas e a Simbologia de Representação dos

Elementos segundo Dalton6.4.3 As representações na Química

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6.1 IntroduçãoNos tópicos anteriores, foram abordadas algumas das propriedades da matéria sob o aspec-

to macroscópico. O conhecimento dessas propriedades é extremamente importante e útil. As

propriedades macroscópicas permitem-nos descrever o comportamento da matéria. Desse estudo

resultam as Leis da Química, como as Leis Ponderais. Entretanto, o que nos permite propor

explicações para o comportamento da matéria são as suas propriedades microscópicas. Desse

estudo resultam os modelos ou teorias microscópicas.

Por que um sólido, geralmente, apresenta densidade maior que um gás ou um líquido? Por

que o ponto de fusão de um sólido de origem mineral

é consideravelmente maior que o de um sólido de

origem biológica? O que determina a formação de

um sistema coloidal? O que origina a estabilidade

ou instabilidade de uma substância em determinadas

condições? Por que algumas substâncias encontradas

nos vegetais podem ser extraídas com água, enquanto

outras, apenas com solventes oleosos?

Todas essas e as demais questões que envolvem

as propriedades químicas e físicas macroscópicas

têm explicação nas características microscópicas

da matéria, que coletivamente recebem o nome de

estrutura da matéria. A determinação da estrutura da

matéria constitui um dos processos mais fascinantes

do desenvolvimento do conhecimento científico.

Neste tópico, serão abordados de forma simplificada

os princípios da metodologia científica e descrito o

modelo atômico de Dalton.

6.2 Conhecimento Espontâneo e Conhecimento Científico

Grande parte do nosso conhecimento sobre a natureza e os seres humanos não é científico e, na

verdade, surgiu muito antes da ciência ou mesmo da própria civilização. Sabemos que certas plantas nos

Figura 6.1: A. Clorofila e B. Repolho A cor roxa do repolho se deve às antocianinas, que podem ser extraídas simplesmente com água. Por outro lado, a cor verde das folhas se deve à clorofila, que é extraída com solventes como etanol e éter.

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alimentam ou curam e que outras são venenosas, que é mais seguro beber água fervida, que os filhos

tendem a se parecer com os pais, que algumas doenças são contagiosas, que com o leite podemos fazer

queijo, que por vezes a terra treme e o Sol desaparece e que podemos moldar alguns metais quando

os aquecemos. O conhecimento espontâneo ou senso comum corresponde a este tipo de conhecimento e

consiste de crenças: a) amplamente compartilhadas pelos seres humanos; b) justificadas pela experiência

cotidiana e c) transmitidas de geração a geração de forma essencialmente acrítica.

No que se refere ao comportamento humano e às relações sociais, os provérbios são um

exemplo interessante da manifestação do senso comum.

Adicionalmente, o conhecimento do senso comum reflete as necessidades humanas mais

imediatas, ou seja, tem um caráter acentuadamente prático. Não há uma descontinuidade ab-

soluta entre o senso comum e a ciência. O conhecimento científico surgiu a partir da ampla

informação empírica, que constitui uma parte importante do senso comum, e as diversas ciên-

cias resultaram, em grande medida, das necessidades práticas da vida humana.

Uma das características do conhecimento científico é ser ele extremamente sistematizado,

ao contrário do senso comum, que é um corpo de conhecimento vasto, mas pouco organizado.

Figura 6.2: Os provérbios flamengos. Em “Os Provérbios Flamengos”, Peter Brueguel representa uma série de provérbios populares, que são a manifestação de lições que nascem do conhecimento espontâneo. Segundo especialistas, existem quase cem provérbios representados neste quadro. Para efeito de ilustração, foram selecionados dois provérbios: na área demarcada à esquerda, o provérbio “bater a cabeça contra o muro, ou “tentar atravessar um muro”, que significa desejar algo à força em detrimento dos outros ou ser teimoso sem criatividade; na área demarcada à direita, o famoso provérbio “chorar sobre o leite derramado”, que significa sofrer pelo que já passou.

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No entanto, nem todo conhecimento organizado ou sistematizado tem um caráter científico.

Uma lista telefônica ou as informações precisas e detalhadas acumuladas pelos astrônomos

babilônicos não chegam a constituir necessariamente uma ciência.

Além da sistematização, o conhecimento científico deve proporcionar as explicações dos

fatos conhecidos. Por exemplo, sabemos que precisamos de ar para viver. Caso as vias respi-

ratórias sejam bloqueadas, não sobrevivemos. Mas por que precisamos respirar e o que existe

no ar que nos possibilita viver? Por que, sob algumas condições em que o ar que respiramos é

alterado, podemos morrer ou desenvolver doenças?

O conhecimento científico procura justamente estas respostas e também realizar previsões

de situações que não são necessariamente comuns, mas que podem ser de interesse em uma

determinada situação.

Exemplificando, o entendimento do processo da respiração nos humanos e das características

de solubilidade dos gases faz com que a composição dos cilindros de ar que os mergulhadores

utilizam dependa da profundidade em que eles se encontram, uma vez que a solubilidade dos

gases no sangue depende da pressão.

3. Método CientíficoTodas as ciências empregam variações do que é denominado método científico, que é

uma abordagem sistemática da investigação científica. É importante ter em mente que não

existe um método científico único. A seguir, são mostradas algumas etapas comuns em

diferentes abordagens usadas pelos cientistas para construir conhecimentos.

Figura 6.3: A. Mergulhador e B. Gráfico. A composição gasosa adequada para um cilindro de mergulho só é possível pelo conhecimento do processo de respiração e das relações entre a pressão e a profundidade, e a pressão e a solubilidade dos gases no sangue.

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•Definição do Problema

Em muitos casos, a primeira etapa da investigação consiste na definição de um problema a

ser investigado. A escolha do objeto de estudo,geralmente, leva em consideração uma série

de fatores, como a adequação da formação profissional do pesquisador, os recursos dispo-

níveis, e se o grau de complexidade da investigação é compatível com o tempo disponível

para a realização do projeto. Portanto, as questões epistemológicas da investigação não são os

únicos fatores que determinam a busca científica.

Se um determinado pesquisador ou grupo de pesquisadores deseja estudar a reprodução

animal, por exemplo, deve ser feita uma série de restrições, uma vez que o assunto é extrema-

mente amplo. A reprodução pode ser de animais em cativeiro ou domesticados, ou de animais

silvestres. Pode ser de mamíferos ou não. Se for de mamíferos (ou não), escolher a espécie etc.

Feitas essas primeiras restrições, deverão então ser determinados os fatores particulares da

reprodução que serão investigados: inseminação artificial, aspectos genéticos, disponibilidade

de alimentos, influência de alterações no meio ambiente, comportamento do grupo na

época do acasalamento etc.

Depois disso, deve ser avaliada a contribuição pretendida em função dos conhecimentos já

existentes. Observe que esses parâmetros são os desejáveis, levando em consideração como é

hoje realizada a investigação científica em quase a sua totalidade, ou seja, sob o aspecto prag-

mático (objetivo) e determinista. Sob o ponto de vista mais filosófico e intuitivo, entretanto,

a definição da problemática não segue necessariamente esses parâmetros. Muitas vezes, o

objeto de estudo muda no decorrer da investigação, ao ser atraída a atenção do investigador

para outros focos por vezes bastante distantes das premissas originais. É um mito a ideia de

que o cientista traça uma reta entre o estado de desconhecimento que motiva sua busca e as

respostas que espera obter. O caminho é tortuoso e, em muitos casos, repleto de becos sem

saída. Não raro, a realidade obriga o cientista a rever seus pressupostos. O processo investiga-

tivo científico é como um labirinto que se reconstrói à medida que se encontram as saídas.

•Observação e Descrição

Delineado um problema a ser estudado, o segundo passo inclui a realização de experimentos, fa-

zendo observações cuidadosas e registrando as informações ou os resultados sobre o sistema de estudo.

Os resultados obtidos em uma investigação podem ser tanto qualitativos, que consistem

de observações gerais sobre o sistema, quanto quantitativos, que compreendem resultados

numéricos obtidos em várias medidas do sistema. Exemplificando, a queima do magné-

sio metálico ao ar fornece uma série de evidências interessantes. Uma fita de magnésio

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apresenta características metálicas como o brilho

metálico e a ductibilidade. Quando a fita é exposta

ao ar, não ocorre nada, mas, se for deixada ao ar

e umidade por longos períodos, a superfície gra-

dualmente perde o brilho metálico, tornando-se

opaca, mantendo, porém, a ductibilidade caracte-

rística. Contrariamente, se uma diminuta porção

da fita entra em contato com uma chama, ocorre a

transformação imediata dessa fita metálica em um

pó branco amorfo; e no processo é liberada uma

enorme quantidade de luz e calor.

A massa do produto (sólido branco) é maior do que a

massa inicial da fita metálica. Se fizermos esse mesmo

experimento, porém em uma de atmosfera de argônio

livre de oxigênio, praticamente não ocorre transfor-

mação do magnésio caso ele fique exposto à chama

por um tempo curto como no experimento anterior.

Um processo similar ocorre com o ferro metálico, mas,

se utilizarmos uma fita de platina, nada ocorre.

A observação é um ponto fundamental da desco-

berta científica: em muitos casos, ocorre que algum

parâmetro do sistema não é levado em consideração

ou passa despercebido; mas um observador mais atento o analisa e dessa análise surgem novas

descobertas. A percepção que conduz ao avanço da ciência, muitas vezes, não está ligada à regra,

mas à exceção, à percepção de que algo que não se comporta como o esperado pode não ser

um erro experimental, mas um comportamento do sistema que não se enquadra nas explicações

vigentes. Quantos biólogos não jogaram fora suas culturas bacterianas infectadas com fungo antes

que Alexander Fleming buscasse ali a substância que seria identificada como penicilina?

•Terminologia/Representação

Cada área da ciência possui a sua terminologia e uma forma de representação dos fenômenos de inte-

resse. Por exemplo, os químicos usam símbolos padronizados e característicos e equações no registro

de suas medidas e observações. Essa forma de representação simplifica a aquisição e manutenção dos

registros, como também proporciona uma base comum para a comunicação com outros químicos.

Figura 6.4: A. Queima do Mg e B. Vela. A foto (A) mostra a luz liberada por uma fita de magnésio após esta ter sido encostada em uma chama. A luz da queima do magnésio é tão intensa que, no início da fotografia, era usada nos dis-positivos de flash. A foto (B) mostra uma vela de aniversário cintilante. Na composição da vela existe magnésio metálico em pó, impregnado em uma resina que, quando queima ao ar, produz a luz intensa que se observa nas faíscas da vela.

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A forma de representação é particularmente importante na Química, devido às correlações

que se fazem necessárias entre o mundo macroscópico e o microscópico. Ao término deste

tópico, a representação em química será discutida com maiores detalhes, aproveitando a

discussão preliminar do modelo atômico da matéria.

Linguagem Científica

Cada segmento da atividade humana apresenta uma terminologia própria tanto falada quanto escrita. A terminologia própria é uma necessidade de cada grupo, que visa a simplificar e racionalizar os elementos característicos e específicos de determinada atividade.Um indivíduo que não pertence ao grupo que desenvolve determinada atividade não está habituado a essa linguagem e, certamente, terá dificuldades para compreender e se comunicar com o grupo. Por exemplo, na linguagem esportiva, cada esporte tem os seus termos específicos; e nós, brasileiros, quando entramos em contato com esportes pouco difundidos entre nós, como beisebol ou o futebol americano, temos grande dificuldade ao assistirmos pela primeira vez a uma partida dessas modalidades, até realmente entendermos efetivamente as regras e as denominações das jogadas.O mesmo ocorre com as diversas áreas da ciência, e se constitui em um grande problema para o aprendizado bem como um desafio à divulgação científica para o público em geral. Abaixo é mostrado {ver um trecho do artigo “Linguagem científica: um caminho de regras para um mundo social e cultural nos discursos” – Comentário da revisão: O trecho foi copiado “ipsis literis” do livro citado? Caso seja transcrição, deve estar entre aspas e, nesse caso, desconsiderar as correções.}, de Solange Gomes da Fonseca, publicado no Recanto das Letras em 13/11/2010 - Código do texto T2614185.“A linguagem científica tem características próprias que a distinguem da linguagem comum. Essas características não foram inventadas em algum momento determinado. Ao contrário, foram sendo estabelecidas, ao longo do desenvolvimento científico, como forma de registrar e ampliar o conhecimento. Essas características, muitas vezes, tornam a linguagem científica estranha e difícil para os alunos. Reconhecer essas diferenças implica admitir que a aprendizagem da ciência é inseparável da aprendizagem da linguagem científica.A linguagem científica é uma aplicação do sistema codificado da linguagem humana em continua oposição com a linguagem empregada em outros registros formais (linguagem literária) e com os registros informais. A linguagem científica é puramente denotativa, coisa que se observa claramente no feito de que a terminologia careça de plano do contido. É uma linguagem universal, sendo crucial a representação da realidade extralinguística.Para atingirmos uma construção textual com precisão e clareza, as ideias devem ser apresentadas de maneira tal que não dêem margem à ambiguidade. As regras devem ser selecionadas para que indiquem, com a maior exatidão possível, o problema e que o resultado alcançado seja positivo.A linguagem científica precisa ser isenta de qualquer ambiguidade. Ela tem especificidade própria, ou seja, possui terminologia específica, que possibilita a adequada transmissão de ideia. Numa construção textual, as regras não podem ser ignoradas pelo seu redator, ele deverá primar pelo domínio e uso das propriedades da linguagem científica para evitar exposições subjetivas ou ambíguas. Todavia, a consulta a essas regras será de pouca valia se o redator não tiver o domínio do conteúdo enfocado.”

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• Explicação de Fenômenos e Formulação de Hipóteses

Após a realização dos experimentos julgados necessários e o registro dos dados, o próximo

passo é a interpretação dos resultados, que vai resultar na tentativa de explicação do fenômeno

observado.

Com a análise dos dados, o pesquisador formula uma explicação para um conjunto de

observações ou uma hipótese. Por sua vez, um conjunto de hipóteses testadas sobre o

comportamento de um sistema, que é usado para fazer previsões que possam ser testadas por

experimentos ou pela observação, constitui um modelo científico. Muitas vezes, porém,

um assunto permanece anos na literatura científica sendo descrito de diferentes formas antes

que uma explicação razoável possa ser proposta. Não raro, muitas explicações são propostas,

e um verdadeiro embate se estabelece. Ao final, prevalece uma das explicações. É reconfor-

tante quando um cientista realiza um experimento que comprova que uma das explicações

é a mais adequada. Muitas vezes, isso simplesmente não acontece. Esses são momentos de

crise na ciência. A crise é resolvida, em geral, com uma ruptura que leva a uma guinada no

desenvolvimento científico. Um dos casos mais notáveis é a evolução dos modelos atômicos

que culminou numa descrição quântica do átomo, como veremos nos tópicos seguintes. Há

ainda os casos em que diferentes explicações coexistem sem que haja rupturas. A evolução

da ciência não é homogênea e não segue um modo único.

• Lei

Após a coleta de um grande número de dados, torna-se desejável resumir a informação de ma-

neira concisa, na forma de uma lei. Em ciência, Lei é um enunciado verbal ou matemático con-

ciso, que trata de uma relação entre fenômenos e que é sempre invariável nas mesmas condições.

No tópico 5, foi abordada a Lei da Conservação das Massas de Lavoisier: “em um sistema

isolado, a soma das massas dos reagentes é igual à soma das massas dos produtos de uma reação”. Esta

Lei pode ser representada por uma expressão matemática:

Smr=Smp

onde Smr e Sm

p correspondem, respectivamente, ao somatório das massas dos reagentes e

dos produtos.

Considerando a reação:

A + B = C + D

a aplicação dessa lei é: mA + m

B= m

C + m

D

onde mA e m

B são as massas dos reagentes A e B e m

C e m

D são as massas dos produtos C e

D, respectivamente.

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•Teoria ou modelo

Uma teoria é um princípio unificador, que explica um conjunto de fatos e/ou as leis que

neles se baseiam. As teorias também são constantemente testadas. Se uma teoria for refutada

por um experimento, terá de ser eliminada ou modificada de modo que se torne consis-

tente com as observações experimentais. Comprovar ou refutar uma teoria pode levar anos

ou mesmo séculos, em parte porque a tecnologia

necessária pode não estar disponível.

Raramente o progresso científico ocorre em

etapas rígidas. A lei pode preceder a teoria ou

pode ocorrer o contrário. Os avanços na ciência

são o resultado das contribuições da investigação

científica realizada por muitos indivíduos.

Algumas descobertas significativas são acidentais,

mas revelam um pesquisador atento e preparado que

reconhece o significado da pesquisa acidental.

Leis e Modelos

De maneira geral, na Química, as Leis são bastante estáveis. Já os modelos, em geral, são transitórios. Isso se explicita claramente no caso das Leis Ponderais. Propostas no século XVIII, são válidas até os dias de hoje. No entanto, os modelos microscópicos propostos para explicar tais leis modificaram-se muito nesse período.

Serendipity: Você tem sorte ou está preparado para ter sorte?

Existe um termo em inglês para uma descoberta que ocorre quando alguém não está à procura dela: serendipity. Esse termo é muito usado nas descobertas científicas acidentais ou inesperadas que levam a bons resultados. Um caso famoso de “serendipity” é a descoberta de um agente antitumoral - a cisplatina, por Barnett Rosenberg.Em 1964, Rosenberg não estava tentando curar o câncer, não estava tentando tratar nenhuma doença, nem mesmo estava trabalhando com células humanas. Rosenberg, um microbiologista, estava estudando o efeito da corrente elétrica em culturas de bactérias. O dispositivo experimental consistia de eletrodos inertes de platina imersos em culturas de E. Colli em uma solução tampão.Para surpresa de Rosenberg, após a passagem da corrente elétrica não ocorreu mais a divisão celular que leva ao crescimento da cultura de bactérias (lembrar que bactérias são organismos unicelulares, que se reproduzem de forma assexuada por mitose), e o que mais chamou sua atenção foi o fato de que as bactérias, em vez de manterem sua forma de bastão, estavam organizadas em longos filamentos (300 vezes maiores que a forma normal dos bastões).A aplicação da corrente elétrica, em princípio, poderia interromper o crescimento da cultura bacteriana, mas Rosenberg suspeitou que isso não deveria ser o responsável pela formação dos filamentos. Rosenberg sabia que as células de E. Colli se tornavam filamentosas sob certas condições, uma delas, quando são expostas a certas drogas antitumor.Portanto, a explicação mais plausível seria a de que alguma substância havia se formado nas condições do experimento. Rosenberg realizou, então, uma série de estudos e conseguiu isolar a substância ativa que estava sendo formada, e a identificou como sendo a cisplatina (cis-diclorodiamina-platina(II)).

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6.4 O Modelo da Estrutura da Matéria de DaltonHoje sabemos que as substâncias são formadas por moléculas e as moléculas, constituídas

por átomos. Entretanto, até a confirmação deste modelo foram necessários milhares de anos. A

história do desenvolvimento deste modelo é um bom exemplo de como as teorias e hipóteses

científicas evoluem ao longo do tempo e que muitas coisas que, aparentemente, são consideradas

verdades absolutas, podem ser refutadas por novas evidências experimentais ou novas teorias.

6.4.1 O Modelo da estrutura da matéria na Antiguidade

6.4.1.1 A Teoria dos Quatro Elementos e a Escola de Platão e Aristóteles

Da Antiguidade ao século XVIII, a ideia predominante da estrutura da matéria foi a da

matéria contínua que era constituída por quatro elementos fundamentais: terra, água, ar e

A formação de um composto de platina (II), de certa forma, também é uma surpresa, pois os eletrodos, em princípio, são inertes, mas nas condições do experimento ocorre uma reação eletroquímica, em que pequenas quantidades do metal são oxidadas. A cisplatina havia sido sintetizada no século XIX, mas nunca havia sido testada como um composto antitumor.O próximo passo de Rosenberg, em colaboração com outros pesquisadores, foi testar a atividade anticâncer da cisplatina em tumores de modelos animais. Em 1969, publicaram na revista Nature os resultados desses estudos, em que a cisplatina havia inibido completamente o desenvolvimento de tumores sólidos em camundongos.Esses resultados promissores em modelos animais foram um incentivo para que fossem iniciados testes clínicos com humanos e, em 1973, a atividade antitumor da cisplatina para os cânceres de ovário e testículo já havia sido estabelecida.Hoje a cisplatina e alguns de seus análogos estão entre as drogas anticâncer mais eficientes e mais utilizadas no mundo. Caso Rosenberg tivesse usado outro tipo de eletrodos ou outra solução tampão não teria observado esses resultados nas colônias de E. Colli. Temos aqui, de certa forma, a ação do acaso. Se ele não tivesse um senso de observação e correlação apurado, a cisplatina não estaria sendo utilizada na luta contra o câncer. Bem, ao menos em ciência, parece que precisamos estar preparados para ter “sorte”.

Pt

ClH3N

H3N ClFigura 6.5: (A) Barnett Rosenberg segurando duas cobaias e (B) a estrutura da cisplatina.

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fogo. Essas ideias não surgiram necessariamente da observação e experimentalismo, e sim do

pensamento e analogias.

A continuidade da matéria era baseada em princípios estabelecidos no início do século V

a.C. por filósofos como Parmênides e Zenão, relacionados com a realidade, ou não, do movi-

mento e do vácuo. Para eles, a matéria era contínua e mudanças e a variedade das coisas e tudo

o que nos informam os sentidos é ilusão.

Em relação aos elementos fundamentais, acreditava-se inicialmente em um único elemento

ou princípio fundamental gerador de toda a matéria.

Para Thales (640-546 a.C.), a vida provinha da água: os seres vivos precisam de umidade

para viver, a origem dos seres vivos está ligada à água, pois os animais nascem do sêmen (um

líquido) e as sementes precisam de água para germinar.

Para Anaxímenes (560-500 a.C.), o princípio material das coisas era o ar: o ar rarefeito se

transformaria em fogo e do ar denso se formariam nuvens, água, terra e rochas.

Empédocles (490-430 a.C.) modificaria essas ideias, propondo que a matéria seria formada

da combinação de quatro “elementos fundamentais”, cada qual relacionado às divinda-

des Zeus (fogo), Hera (ar), Hades (terra) e Nestis (água).

A ideia dos quatro elementos formadores da matéria foi aprimorada por Platão (427-374

a.C.), que atribuiu a cada um desses elementos uma forma geométrica particular que poderia

ser reduzida a triângulos.

Na descrição de Platão, o fogo corresponde a um tetraedro, o ar a um octaedro, a água a um

icosaedro e a terra a um cubo. Embora o cubo não seja formado por faces triangulares, as faces

do cubo podem ser compostas por triângulos retângulos isósceles se traçarmos as respectivas

diagonais, enquanto as outras figuras geométricas mencionadas são formadas por triângulos

equiláteros. Em adição aos quatro elementos, Platão também utilizava o dodecaedro como re-

presentação geométrica do cosmo.

Figura 6.6: Os sólidos platônicos: O cubo e o dodecaedro não têm faces formadas por triângulos, mas suas faces podem ser compostas por triângulos, como é mostrado pelas linhas de cor vermelha.

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Esta abordagem geométrica da composição da matéria é resultante do pensamento grego de

que a geometria é inerente à natureza.

Na proposição geométrica de Platão, um elemento fundamental poderia transformar-se em

outro pela conversão de uma forma geométrica em outra, desde que mantidos os números de

triângulos na transformação. Por exemplo, a matéria formada por um ar (um octaedro = 8 tri-

ângulos equiláteros) poderia transformar-se em dois de fogo (2 x 4 = 8 triângulos equiláteros).

E mais, o que diferenciaria as substâncias de uma mesma classe, por exemplo, os líquidos,

como o vinho e o óleo, seria apenas a diferença no tamanho de seu constituinte geométrico

elementar, neste caso, o icosaedro. Isso seria válido para as demais classes de substâncias.

Aristóteles (384-322 a.C.) ampliou a teoria dos quatro elementos atribuindo outras características

que seriam intrínsecas a eles: seco, úmido, quente e frio. Cada elemento se distinguia do outro pela

sua qualidade predominante: o calor para o fogo, o frio para a água, a umidade para o ar e a secura

para a terra. Mas os elementos se relacionavam, também, através de qualidades secundárias, além da

predominante. Assim, as qualidades do fogo são o calor e a secura e a da água são o frio e a umidade.

A tabela abaixo mostra o conjunto de qualidades associadas a cada um dos elementos.

Elemento CaracterísticasFogo Quente e Seco

Ar Quente e Úmido

Água Frio e Úmido

Terra Frio e Seco

Os elementos podem transformar-se uns nos outros de acordo com as qualidades que apresentem

em comum. Ao se retirar a característica “quente” do ar,

ele se transforma em água, que agora é fria e mantém a

característica “úmido”. O contrário é válido, ou seja, para

transformar água em ar, é necessário substituir a caracterís-

tica “frio” pela “quente” e ela se transformará em ar.

Podemos observar, pelo que foi mencionado acima,

que na verdade essa transformação corresponde ao

que conhecemos hoje como as mudanças de estado

e não necessariamente a uma transformação na com-

posição. Um líquido (substância da classe do elemento

água) perde a característica “frio”, ao ser aquecido, e

se torna um gás (substância da classe do elemento ar);

fogo

água

frio

seco

úmido

quente

arterra

Figura 6.7: Diagrama mostrando como a atribuição de uma característica pode transformar um elemento fundamental em outro, segundo Aristóteles.

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por sua vez, esfriando um gás (substância da classe do elemento ar), ele se condensa e forma um

líquido (substância da classe do elemento água).

Ainda segundo Aristóteles, a matéria era contínua e poderia ser dividida infinitamente,

e ele também não acreditava no vazio (vácuo). Os corpos celestes seriam formados por um

quinto elemento, o éter, representado pelo sólido platônico - o dodecaedro, sendo este quinto

elemento denominado, posteriormente, quinta essência, caracterizando-se como o princípio

formador de todos os corpos existentes no mundo supralunar, ou seja, a parte do Universo

que se inicia com a Lua.

4.1.2 Os atomistas na AntiguidadeEm meados do século V a.C., contrariamente ao pensamento de Parmênides e Zenão do

início do século V a.C., Leucipo acreditava nas evidências dos sentidos e, consequentemente, na

realidade do movimento dos corpos. Em consequência, deve haver vácuo para os corpos se

movimentarem uns em relação aos outros.

Segundo Filgueiras (2004)1, para que haja movimento, a matéria não pode ser contínua;

portanto, ela deve ser constituída por partículas ou princípios. Os princípios de que se constitui

a matéria são partículas fundamentais - os átomos ou indivisíveis. Os átomos, além de indivisíveis,

são também sólidos, compactos e podem ter inúmeros formatos. Cada substância é constituída

por um tipo de átomo ou combinações de diferentes átomos, que dão origem à variedade

encontrada na matéria.

Demócrito (460-370 a.C.), um discípulo de Leucipo, é tradicionalmente considerado um

elaborador das ideias de Leucipo, embora não se tenha certeza da autoria das contribuições

de cada um. Demócrito acreditava que os átomos

eram inquebráveis, tinham massa e participavam da

constituição de todos os corpos, os quais tinham

cada um o seu tipo de átomo.

Outro defensor do atomismo na Antiguidade foi

Epicuro, que entendia as transformações químicas a partir do rearranjo de unidades fundamen-

tais - os átomos. Epicuro afirma a existência dos corpos materiais indivisíveis e imutáveis, pois

deve haver algo que permaneça sempre igual quando a matéria é destruída ou produzida (ou

seja, transformada). Caso não existisse algo indivisível e imutável na matéria, esta seria destruída

e desapareceria, ou seja, existe algo constante em toda mudança: o átomo.

Filgueiras

1Filgueiras, C. A. L.- Química Nova na Escola, 2004, 20, p. 38-44.

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Demócrito

Demócrito (460 a.C.-370 a.C.) foi reconhecido como um dos filósofos mais cultos do seu tempo, tendo sido extensivamente citado por Aristóteles. Demócrito teria escrito muitos trabalhos de física, matemática, ética e música, entre outros, dos quais infelizmente só restam fragmentos esparsos. Demócrito foi discípulo de Leucipo de Mileto, o qual teria influenciado sua doutrina física e cosmológica. Demócrito é um dos primeiros materialistas e propunha que a matéria, e até a alma, seria composta por átomos.

Figura 6.8: Demócrito, filósofo grego

4.1.3 A predominância da teoria dos quatro elementos

Aristóteles considerava rudimentar o atomismo materialista de Leucipo e Demócrito.

Aristóteles propunha que os corpos são constituídos de atributos materiais e imateriais.

Paradoxalmente, Aristóteles fundamentava suas críticas à teoria atômica de Leucipo e

Demócrito pela sua incapacidade de explicar as transformações químicas: como pode haver

transformações dos materiais se existem átomos para cada tipo de substância? Ou seja, não

poderia haver a transformação de um átomo em outro.

A concepção aristotélica de que a mudança na proporção quantitativa dos elementos cons-

tituintes de um material podia ser a responsável pela mudança nas propriedades e aparência

dos corpos foi a base teórica da crença na transmutação de metais menos nobres em ouro. Esse

princípio nutriu alquimistas árabes e europeus durante a Idade Média. Os quatro elementos e

suas características existiriam em todas as substâncias, inclusive nos metais.

O domínio das concepções aristotélicas na Idade Média e no Renascimento e o caráter

essencialmente materialista da teoria atômica tornaram-na inaceitável nas universidades cristãs,

a ponto de ter sido considerada uma teoria herética.

4.2 O Renascimento do Atomismo e o Modelo Atômico de Dalton

Com a efervescência cultural da Revolução Científica, as possibilidades de existência de

vácuo e de átomos voltaram a ser temas de grande importância. Em meados do século XVII,

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AMBIENTE NA TERRA Química

já estava provada a existência do vazio na natureza graças ao trabalho de Evangelista Torricelli

(1608-1647) e Blaise Pascal (1623-1662).

Inspirado nos trabalhos de Robert Boyle (1626-1691), Isaac Newton (1642-1727) procurou

relacionar suas “leis universais” para o movimento dos corpos com as interações interpartículas,

com o intuito de explicar certos fenômenos como o comportamento dos gases. Newton sugere

uma explicação para a lei de Boyle da proporcionalidade entre a pressão e o volume do ar, em

função do movimento de partículas finitas (átomos) que se repelem.

John Dalton (1766-1844) desenvolveu a sua teoria atômica devido ao seu interesse pela

meteorologia, que o conduziu a questões da composição da atmosfera e da solubilidade dos

gases em água, e estas, então, o levaram a reações em fase gasosa. Como fruto desses estudos,

utilizando uma abordagem atômica, Dalton elaborou a teoria das pressões parciais dos gases, a

determinação das massas relativas dos elementos e a lei das proporções múltiplas.

A teoria atômica de Dalton, apresentada em 1803 e publicada em 1808, pode ser sumarizada

nos seguintes pontos:

1. Os elementos são constituídos por partículas extremamente pequenas, chamadas átomos.

2. Todos os átomos de um dado elemento são idênticos, tendo o mesmo tamanho, massa e

propriedades químicas. Os átomos de um elemento são diferentes dos átomos de todos os

outros elementos.

3. Os compostos são constituídos por átomos de mais de um elemento. Em qualquer compos-

to, a razão entre o número de átomos de quaisquer elementos presentes é um número inteiro.

4. Uma reação química envolve apenas a separação, combinação ou rearranjo dos átomos;

não resulta na sua criação ou destruição.

John Dalton

O cientista inglês John Dalton (1766 – Eaglesfield,1844 - Manchester) dedicou-se muito à teoria atômica. Conhecido pela lei das pressões parciais (Lei de Dalton) e pelo daltonismo (incapacidade de distinguir as cores), Dalton foi professor de Matemática, Física e Química no New College em Manchester. Em 1825, seu trabalho sobre a teoria atômica lhe rendeu a medalha da Sociedade Real de Ciência. Dalton defendeu a teoria de que os materiais seriam formados por partículas, retomando o conceito de átomo de Leucipo e Demócrito. O modelo atômico proposto por Dalton representava o átomo como uma partícula maciça, indivisível.

Figura 6.9: Dalton

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4.2.1 A Teoria Atômica de Dalton e os Aspectos Quantitativos das Transformações Químicas

A teoria atômica de Dalton não teve aceitação imediata, entre outros motivos, pela confusão

que se fazia na época entre átomos e moléculas e a determinação incorreta das massas atômicas;

ela começou a se estabelecer definitivamente somente nas últimas décadas do século XIX. A

consolidação da teoria atômica de Dalton se deve ao fato de ela ter conseguido explicar, em

termos microscópicos, alguns princípios já estabelecidos:

i. O primeiro deles é o da conservação da massa (Lei de Lavoisier). A massa se conserva,

pois, em uma transformação química, os átomos dos reagentes apenas se rearranjam, dando

origem aos produtos. Como os átomos são indestrutíveis (estáveis) e têm massa definida, a

massa se conserva na transformação química, pois todos os átomos que se encontram no

início estarão no final da transformação.

ii. A lei das proporções definidas de Proust também encontra fundamentação na teoria atô-

mica de Dalton. Cada substância é caracterizada por uma constituição definida de átomos;

portanto, cada substância apresenta um número específico de átomos, que são as suas unida-

des fundamentais. Logo, ao decompor ou sintetizar uma substância, a proporção em átomos

se mantém. Como cada átomo possui uma massa característica, isso se reflete na manutenção

de uma proporção em massa.

iii. Como consequência da teoria atômica e comparativamente à Lei das proporções de-

finidas de Proust, Dalton propõe a Lei das proporções múltiplas, uma outra Lei ponderal:

Se dois elementos se podem combinar para formar mais de um composto, as razões das

massas de um dos elementos que se combina com uma massa fixa do outro elemento serão

de números pequenos e inteiros.

A Lei das proporções múltiplas pode ser exemplificada com os óxidos de nitrogênio.

Nitrogênio e oxigênio podem formar vários óxidos: óxido nítrico, dióxido de nitrogênio,

óxido nitroso, trióxido de dinitrogênio, tetróxido de dinitrogênio e pentóxido de dinitrogênio.

Todos esses óxidos são formados apenas por nitrogênio e oxigênio, mas em proporções de

“átomos” diferentes, logo, em proporções de massa diferentes.

Entre esses vários óxidos, consideremos agora apenas as reações para a formação dos dois

óxidos de nitrogênio mais simples: óxido nítrico e dióxido de nitrogênio.

nitrogênio(g) + oxigênio(g) → óxido nítrico (g)

nitrogênio(g) + oxigênio(g) → dióxido de nitrogênio(g)

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AMBIENTE NA TERRA Química

Caso nas duas reações seja utilizada uma massa inicial de nitrogênio de 140g, serão necessários

160g e 320g de oxigênio para formar, respectivamente, óxido nítrico e dióxido de nitrogênio.

nitrogênio(g) + oxigênio(g) → óxido nítrico (g)140g 160g 300g

nitrogênio(g) + oxigênio(g) → dióxido de nitrogênio(g)140g 320g 460g

Logo, a proporção das massas de oxigênio para formar esses dois óxidos é de 1:2, ou seja,

dois números inteiros e pequenos. Esses números refletem a proporção em átomos de oxigênio

presentes nos dois óxidos, isto é, no dióxido de nitrogênio temos o dobro de átomos de oxigê-

nio encontrados no óxido nítrico.

4.2.2 A Determinação das Massas Atômicas Relativas e a Simbologia de Representação dos Elementos segundo Dalton

Outra importante contribuição de Dalton foi a atribuição das massas atômicas relativas dos

elementos. Essa atribuição se deve aos experimentos realizados por ele nas relações mássicas ga-

sosas e nos dados obtidos por outros pesquisadores como Lavoisier, que estudou a decomposição

da água; Austin, que determinou a proporção em massa de nitrogênio e hidrogênio na amônia; e

Cheveniex , que determinou a proporção em massa de enxofre e oxigênio no anidrido sulfúrico.

Analisando os dados de Lavoisier para a composição da água, por exemplo, constatamos

que existe uma proporção de 15g de hidrogênio para 85g de oxigênio, o que equivale a uma

proporção de 1g de hidrogênio para 5,66g de oxigênio.

água(g) → oxigênio(g) + hidrogênio (g)100g 85g 15g6,66g 5,66g 1g

Se a matéria é feita de átomos, a proporção em massa dos elementos químicos numa substância

reflete, de alguma forma, a proporção dos átomos dos elementos nessas substâncias. Portanto, pode-

mos estabelecer um parâmetro para a massa dos átomos dos elementos químicos se adotarmos um

elemento como padrão e definirmos todos os outros em função desse padrão, a partir das relações de

massa das reações de decomposição das substâncias que contenham esses elementos.Como o hidro-

gênio estava sempre presente na composição das substâncias com uma proporção em massa menor

que os outros elementos, ele foi tomado como padrão e a ele conferida uma massa atômica de 1.

Portanto, o átomo de oxigênio deveria ter uma massa atômica 5,66 maior que o padrão.

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Segundo a análise de Austin para a amônia, ocorre a proporção de 20g de hidrogênio para

80g de nitrogênio, o que equivale a 1g de hidrogênio para 4g de nitrogênio; logo, segundo essa

proposição, o nitrogênio possui uma massa relativa de 4.

amônia(g) → nitrogênio(g) + hidrogênio (g)100g 80g 20g5g 4g 1g

A água e a amônia são exemplos que mostram como Dalton atribuía as massas atômicas

relativas aos elementos.

Note que, ao estabelecer um padrão de massas atômicas a partir de proporções de elementos

nas substâncias compostas, Dalton estabelece na Química uma relação entre entes invisíveis mi-

croscópicos (os átomos) e fenômenos macroscópicos. Este tipo de relação é crucial na Química.

Contudo, o problema na atribuição das massas

atômicas está no fato de que para Dalton a água, por

exemplo, era formada apenas por um átomo de hi-

drogênio e um átomo de oxigênio (HO, na notação

atual) e a amônia por um átomo de hidrogênio e um

de nitrogênio (HN, na notação atual). Isto, obviamen-

te, promoveu atribuições errôneas das massas atômicas

para os elementos. Hoje sabemos que a água é forma-

da por dois átomos de H e um de O, e que a amônia

é formada por três átomos de H e um de N.

Dalton também criou uma simbologia baseada

em círculos para representar os elementos. Utilizando

esses símbolos ele representava as substâncias (molé-

culas) que na época eram denominadas “átomos com-

postos”. Como podemos observar na figura a seguir, o

hidrogênio é representado por um círculo contendo

um ponto em seu interior e o oxigênio apenas por

um círculo, como se sabia que a água era formada por

hidrogênio e oxigênio, o “átomo composto” água era

representado por esses dois símbolos juntos: ¤¡

A representação de Dalton foi superada pela

de Berzelius, na qual os elementos químicos são

Figura 6.10: Símbolos de Dalton. Tabela de um trabalho de John Dalton, datada de 1808, em que são representados os símbolos de alguns elementos químicos e suas massas atômicas. Os valores das massas atômicas relatados no texto são diferentes, pois se referem a um trabalho apre-sentado em 1803. 1 atualmente, sabe-se que a cal - óxido de cálcio - é composta de dois elementos, porém à época de Dalton ainda não era possível dissociá-los com os métodos disponíveis. 2 uma das formas comuns em que se encontra o elemento bário na natureza

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AMBIENTE NA TERRA Química

representados pela primeira letra do nome do elemento derivado do grego ou do latim. Caso exista

a coincidência da primeira letra para dois elementos, é adicionada a segunda ou outra letra do nome.

Exemplificando, carbono e cálcio começam com a letra “c”. O elemento carbono tem o seu

nome derivado do latim carbo (carvão), sendo representado por “C” e o cálcio do latim calx

(calcário), sendo representado por “Ca”. Em muitos casos, os elementos são diretamente represen-

tados pela primeira letra seguida de outra letra do nome, como no caso dos elementos que têm

o nome latim/grego que se inicia pela letra “a”: alumínio (símbolo Al, do latim alumen, alúmen),

argônio (símbolo Ar, do grego argos, inerte), e prata (símbolo Ag, do latim argentum, prata).

Vemos aqui que se, para a prata, fosse usada a segunda letra do nome em latim, haveria a

coincidência da representação com o argônio e, então, é usada a terceira letra. Ainda temos

arsênio (As, arsenicum), astato (At, astatos), ouro (Au, aurum), actínio (Ac, aktinos), e amerício

(Am, elemento artificial que não recebeu nome latino/grego); nenhum deles é representado

somente pela letra “a”. A representação de Berzelius é a que ainda é utilizada em nossos dias.

Por sua ampla contribuição, Dalton é considerado o criador da primeira teoria atômica moderna.

Os símbolos utilizados para representar os mais de 100 elementos químicos conhecidos estão

representados na tabela periódica moderna, disponível no site da IUPAC (União Internacional

para Química Pura e Aplicada – do inglês International Union of Pure and Applied Chemistry

- http://old.iupac.org/reports/periodic_table/index.html)

4.3 As Representações na QuímicaNo início deste Tópico, vimos que uma parte importante do método científico é a maneira

como é feita a representação dos fenômenos de interesse e como essa representação pode

auxiliar na expressão da interpretação dos respectivos fenômenos.

Por esse motivo, particularmente na Química, são utilizadas as representações macroscópica,

microscópica e simbólica.

Nos tópicos anteriores, vimos como os químicos trabalham e descrevem o mundo macros-

cópico. As observações mais diretas e as medidas mais usuais e frequentes são feitas na escala

macroscópica. Observamos que a água é líquida a 25ºC e um sólido abaixo de 0ºC; obtemos a

massa de uma amostra extremamente pequena em uma balança de precisão e podemos estudar

diversas transformações químicas, por exemplo, a decomposição térmica do bicarbonato de sódio,

analisando o gás liberado e o resíduo sólido formado ao fim da reação, tanto do ponto de vista

qualitativo (o que se formou na reação) como quantitativo (qual a massa formada dos produtos).

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Embora façamos todos esses experimentos na escala macroscópica, pensamos na matéria

em termos microscópicos, ou seja, da estrutura das moléculas e dos átomos que as constituem.

Logo, a água, que é líquida a 25ºC e um sólido abaixo de 0ºC, agora é uma molécula formada

por um átomo de oxigênio e dois átomos de hidrogênio.

A transição entre o mundo macroscópico e o microscópico é feita através da representação

simbólica, em que a molécula de água é representada por H2O. Esta é, porém, apenas uma

representação da composição da água, ou seja, dois átomos de hidrogênio (H) e um átomo de

oxigênio (O), mas ainda não nos diz nada sobre como os átomos de hidrogênio e oxigênio estão

ordenados (ligados) entre si, pois poderíamos ter H-H-O ou H-O-H.

Ainda surge outra questão: esses átomos se ligam de forma linear, como mostrado acima,

ou, uma vez que são três átomos (três pontos conectados), eles formam uma estrutura angu-

lar? E quanto às dimensões dos átomos nessa molécula, são todos iguais ou são diferentes?

Estas são apenas algumas das questões importantes da estrutura da matéria e da respectiva

representação simbólica, que nos permitem criar modelos e explicar uma série de proprie-

dades macroscópicas.

É obvio que cada tipo de representação simbólica é adequado para uma determinada

proposição. Por exemplo, se quisermos representar a decomposição térmica do bicarbonato

de sódio mencionada acima, quando aquecido, basta indicar a composição do reagente e dos

produtos formados:

2NaHCO3

→ Na2CO

3+ H

2O + CO

2Bicarbonato de sódio Carbonato de sódio Água Dióxido

de carbonoEquação representativa da decomposição térmica do bicarbonato de sódio. A representação das equações químicas será estudada de forma detalhada ao longo do curso

Neste caso não importa se, por exemplo, a molécula de água (um dos produtos) é linear ou

angular ou se o oxigênio é maior que o hidrogênio, e a simples representação das fórmulas com

as respectivas proporções já é suficiente para obtermos uma série de informações importantes.

Se quisermos representar, de forma simplificada, o estado de agregação da água em seus três

estados físicos, podemos usar uma representação ainda mais simples, representando a molécula

de água como uma pequena esfera; mas, se quisermos mostrar de forma mais precisa a estrutura

da água sólida ou mesmo como as moléculas se organizam no estado líquido, precisamos de

uma representação mais detalhada da molécula de água para indicar como as moléculas de água

se dispõem entre si.

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AMBIENTE NA TERRA Química

Representação Simbólica nas Mudanças de Estado

Um exemplo ilustrativo da importância da utilização da representação simbólica entre o mundo macroscópico e o microscópico é o da mudança dos estados físicos. As características dos estados físicos sólido, líquido e gasoso já foram abordadas em outros tópicos deste curso.Como explicar a maior densidade do estado sólido e fluidez de líquidos e gases? Sabemos hoje que o que difere os estados físicos é a atração entre moléculas individuais de cada substância, que

se reflete nas distâncias entre as moléculas. Portanto, uma representação simbólica simples e conveniente é utilizar pequenas esferas que representam as moléculas individuais e indicar, de forma aproximada, as distâncias de separação em cada estado.Utilizando essa representação simbólica é possível explicar várias propriedades de cada estado físico, como por exemplo: um sólido não é um fluido, já que nesse estado físico as moléculas estão fortemente presas umas às outras e não apresentam mobilidade significativa, ao passo que, no caso de líquidos e gases, as partículas apresentam mobilidade.Vimos em outros tópicos que a água apresenta um comportamento atípico, sendo menos densa no estado sólido que no estado líquido, tanto que o gelo flutua quando colocado na água, e parte dos icebergs se encontra na superfície dos oceanos.Se quisermos fazer a devida representação de como a água se encontra nos estados físicos líquido e sólido (gelo), devemos usar uma representação simbólica mais apropriada.

O gelo é menos denso que a água porque, no estado sólido, forma estruturas hexagonais em que são criadas cavidades tridimensionais ao longo do sólido. Isto se deve a uma interação particular entre os átomos de hidrogênio (representado pelas esferas de cor prata) de uma molécula de água com o oxigênio (representado pelas esferas de cor azul) de outra molécula de água. Essa interação é conhecida como ligação de hidrogênio e será estudada ao longo do curso. No estado líquido, essas interações do tipo ligação de hidrogênio também existem, mas, devido à maior temperatura que permite a existência da fase líquida, as moléculas de água não se orientam de forma tão regular como no estado sólido e, como podemos observar na figura, não existem cavidades definidas que se prolonguem ao longo do líquido, logo acarretando uma densidade maior que a encontrada no estado sólido.

Figura 6.11: Representação esquemática dos estados físicos da matéria: sólido, líquido e gasoso.

Figura 6.12: Representação esquemática dos estados físicos da água: (A) sólido e (B) líquido.

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