A Cultura Digital_folha Explica

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FOLHA EXPLICA Novas Tecnologias A CULTURA DIGITA 1 ROGÉRIO DA COSTA Uma mutação profur, - _m curso. Ela é parte da revoíuçao aigrrai que vivemos na mais .' uma década. A participação do público em programas de tele- visão, por telefone, fax ou Internet, a TV digital interativa, a evolução dos agentes inteligentes, a multiplicação de comunidades virtuais de todo tipo e a epidemia dos sem-fio são fatos marcantes dessa nova cultura. Uma cultura que cresce sob o signo da interconexão (entre má- quinas) e da inter-relação (entre pessoas) em escala planetária. Este livro aborda as características mais importantes de tal fenómeno, que se renova com velocidade estonteante. E revela, em especial, como funcionam os artifícios extremamente sofisticados para captar a atenção das pessoas e orientá-las na confusão que essa própria cultura criou. Rogério da Costa é professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica e do Departamento de Ciência da Computação da PUC-SR PUBLIFOLHA www.publitolha.com.br r UDLI

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Artigo sobre as relações entre o meio tecnológico, a cultura e a sociedade.

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  • FOLHA EXPLICA

    Novas Tecnologias

    A CULTURA DIGITA1 ROGRIO DA COSTA

    Uma mutao profur, - _m curso. Ela parte da revouao aigrrai que vivemos na mais

    .' uma dcada. A participao do pblico em programas de tele-viso, por telefone, fax ou Internet, a TV digital interativa, a evoluo dos agentes inteligentes, a multiplicao de comunidades virtuais de todo tipo e a epidemia dos sem-fio so fatos marcantes dessa nova cultura. Uma cultura que cresce sob o signo da interconexo (entre m-quinas) e da inter-relao (entre pessoas) em escala planetria.

    Este livro aborda as caractersticas mais importantes de tal fenmeno, que se renova com velocidade estonteante. E revela, em especial, como funcionam os artifcios extremamente sofisticados

    para captar a ateno das pessoas e orient-las na confuso que essa prpria cultura criou.

    Rogrio da Costa professor do Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Semitica

    e do Departamento de Cincia da Computao da PUC-SR

    PUBLIFOLHA www.publitolha.com.br r UDLI

  • 2002 Publifolha - Diviso de Publicaes da Empresa Folha da Manh S.A. 2002 Rogrio da Costa

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permisso expressa e por escrito da Publifolha - Diviso de Publicaes da Empresa Folha da Manh S.A.

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    Reviso Mrio Vilela e Luciana Lima

    Editorao eletrnica Picture

    Dados internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Costa, Rogrio da A cultura digital / Rogrio da Costa. - 3. ed. -

    So Paulo : Publifolha, 2008. - (Folha explica)

    Bibliografia. ISBN 978-85-7402-385-4

    ]. Comunicaes digitais I. Ttulo. II. Srie.

    SUMARIO INTRODUO 7

    1. QUE CULTURA DIGITAL ESSA? 11

    2. O DILVIO DE INFORMAES 35

    3. AS COMUNIDADES VIRTUAIS 53

    SITES E BIBLIOGRAFIA 81

    ndices para catlogo sistemtico: ]. Cultura digital : Sociologia 306

    A grafia deste livro segue as regras do Novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

    PUBLIFOLHA Diviso de Publicaes do Grupo Folha

    Al . Baro de Limeira, 4 0 1 , 6o andar, CEP 01202-900 , So Paulo, SP Tel.: (11) 3224-2186/2187/2197 www. pu bl if o I ha. com. br

  • INTRODUO

  • Introduo 9

    cultura da atualidade est intimamente li-

    A gada ideia de interatividade, de interco-nexo, de inter-relao entre homens, informaes e imagens dos mais variados

    gneros. Essa interconexo diversa e crescente devida, sobretudo, enorme expanso das tecnologias digitais na ltima dcada.' Com o forte crescimento da oferta e consumo de produtos ditos de ltima geraoj no se pode mais falar do futuro que bate s nossas portas, mas simplesmente de alguns novos hbitos dissemina-dos entre milhes de pessoas por todo o mundo.

    Isso tem alimentado muitas fantasias e gerado grandes expectativas sobre a cultura digital nascente.

    ! Inclumos no espectro dessas tecnologias, principalmente, os seguintes aparelhos

    ou recursos j existentes: os famosos PCs, com mouse, teclado e desktop; a interco-nexo em rede entre os computadores, que a Internet; os notebooks; os telefones celulares; os palmtops, ou computadores de mo; a TV digital interativa, ou tTV, como a chamam os europeus; os brinquedos eletrnicos e os consoles de games.

    So visveis as inmeras modificaes presenciadas na esfera do trabalho, que tem seu dia-a-dia marcado cada vez mais pela forte presena dos computadores, da Internet e dos telefones celulares. No mbito da edu-cao, milhares de pesquisadores, professores e es-tudantes de todo o planeta apostam na Internet, enxergando-a como tator tecnolgico principal na evoluo do ensino a distncia e presencial.

    As profundas transformaes no setor de entre-tenimento e comunicao tambm no passam des-percebidas. Neste incio de sculo 21, surge uma

  • io A Cultura Digital

    fundamentais que permitem a indivduos de todos os cantos do mundo, cotidianamente, colaborarem para a manuteno viva de milhares de comunidades em rede. Cobrindo os mais variados domnios, seja tro-cando mensagens, seja debatendo questes polticas, seja simplesmente acompanhando uma discusso, pessoas de origens diversas, ao conviverem em comu-nidades on-line, experimentam esse aspecto to recen-te da sociabilidade.

    E importante alertar que o leitor no encontrar aqui um texto sobre inovaes tecnolgicas, apesar de tratarmos de algumas bem importantes.Tampouco ter uma explicao exaustiva sobre uma disputa entre ter-mos to polissmicos: interao ou interatividade? Dis-cutiremos aqui, mais do que tudo, o modo que estamos conduzindo e construindo nossas relaes em meio aos mais variados artefatos tecnolgicos.

    1. QUE CULTURA DIGITAL ESSA?

  • Que Cultura Digital Essa? 13

    INTERATIVIDADE, ATENO, INTERCONEXO

    O lhando em volta, no difcil perceber quanto este nosso mundo est cada vez mais repleto de pequenas janelas digitais que dividem nossa ateno. Elas prome-

    tem notcias, avisos, diverso, recados dos amigos... So os visores dos celulares, palmtops, terminais ele-trnicos nos bancos, aparelhos de fax, bips, quiosques de informao em shoppings e aeroportos, computa-dores e televiso digital, GameBoys e Tamagochis e outras coisas ainda. Todos tm em comum o fato de que s conversam conosco se sabemos manipul-los.

    Saber interagir com esses aparelhos fundamen-tal para que possamos extrair deles aquilo que dese-jamos, seja para estabelecermos uma comunicao com algum, seja para obtermos um dado qualquer .ou realizarmos uma operao bancria. Eles podem nos colocar em contato com inmeras informaes e pessoas a todo momento e no lugar em que esti-vermos. Na verdade, sua manipulao interativa j

    / H

    &

    faz parte do cotidiano de milhes de usurios espa-lhados pelo planeta.

    Tal interao representa um dos aspectos mais marcantes da cultura .digiial^qiie-4-essa-capacidadeJ relao dos indivduos com os inmeros ambientes de informao que os cercam. Esses ambientes so tam-bm conhecidos como interfaces, pois se colocam entre os usurios e tudo aquilo que eles desejam obter. No fundo, acabam funcionando como verdadeiros filtros de informaes, como afirma o autor de Culturajia

    x^Interfae^ o jornalista e escritor americano Steven Johnson,2 pois deixam passar apenas o que interessa ao usurio naquele momento. Desse ngulo, o carter de interativo no est dissociado da necessidade de filtragem de dados, que normalmente aparece quando se tem que lidar com grandes quantidades de notcias, de nmeros de telefones, com catlogos de endereos, com conjuntos de operaes em suma, com o ex-cesso de informao. Em meio a um sem-nmero de opes, a interface tanto mais interativa quanto mais facilmente ela permite ao usurio obter o que deseja.

    Outro aspecto que caracterizaria a cultura digital est ligado ao poder dessas mesmas interfaces de prender nossa ateno. O que j era conhecido no caso da televi-so tornou-se ainda mais evidente com o computador e toda a famlia de telas e terminais que o acompanham: as janelas luminosas exercem uma atrao especial sobre ns. Motivos no faltam e vo desde o simples interesse des-pertado pelas imagens em movimento at a necessidade de se comunicar ou de se manter informado.

    Vale lembrar que a percepo da tela do com-putador como um ambiente com o qual podemos

    Steven Johnson, Cultura da Interface. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

  • 14 A Cultura Digital

    interagir data do final dos anos 60. Um dos grandes responsveis por isso foi, sem dvida, Douglas Engelbart, engenheiro americano que participava dos primrdios da Internet e que, em 1968, apresentou numa conferncia em San Francisco algumas de suas invenes, dentre elas o mouse e as janelas mlti-plas.3 De l para c, o princpio das janelas continua o mesmo, e, mais do que ampliar nossa capacidade intelectual, elas nos convidam a uma espcie de imer-so atravs de sua arquitetura de telas que se suce-dem umas s outras, conduzindo nossa ateno para dentro de um mundo que tateamos e exploramos mentalmente.

    Um ambiente digital vive, por assim dizer, de nossa atenta concentrao ao que se passa em seu in-terior. Diante de um terminal bancrio, por exemplo, preciso tomar uma srie de caminhos atravs do monitor para obter o saldo da conta corrente ou efe-tuar algum pagamento. Nesse momento, seguindo passo a passo as instrues fornecidas pela mquina e tomando pequenas decises para realizar sua opera-o, o usurio est profundamente concentrado no que faz, atento conversa que a mquina estabeleceu com ele. Outro exemplo a atividade ldica e envolvente dos videogames, em que a ateno se v inteiramente tomada na busca de uma chave oculta que d acesso ao prximo nvel, ou na execuo rpi-da dos comandos que garantem a sobrevivncia da personagem no jogo.

    Vale lembrar, igualmente, a exploso das notcias on-line, que trouxe vrios usurios de volta ao cenrio

    3 Cf. Maria Erclia, A Internet (srie "Folha Explica"). So Paulo: Publifolha, 2000.

    Sobre Douglas Engelbart, consultar: www.bootstrap.com

    Que Cultura Digital Essa? is

    de consumo de informao. O novo leitor de notcias pela Internet apresenta hbitos que comprovam o poder de envolvimento dos ambientes virtuais, tais como a consulta a vrios sites de notcias em sesses de cerca de 30 minutos cada, uma ateno concentra-da em resumos e uma extenso de leitura de mais de 75% das matrias escolhidas.4

    Ora, essas experincias diante de monitores ou / terrninai^so se tornar cada vez mais cotidianas e, ao

    J)l mesmo tempo, rnais complexas. No de hoje que telefones celulares e agendas eletrnicas permitem

    \ uma srie de operaes que vo bem alm da sim-\ pies comunicao telefnica ou do agendamento

    de endereos e tarefas.5 O fato que o potencial de interatividade oferecido pelas interfaces digitais s

    ^ fez acentuar o envolvimento das pessoas com as/no-**vas tecnologias;. Isso um prenncio de que inte-

    ragindo dessa forma que elas estaro, daqui para a frente, fazendo mais coisas e dedicando mais tempo e ateno de suas vidas.

    H ainda outro elemento na cultura digital que | no se pode deixar de mencionar.Trata-se da conver-

    gncia de vrios aparelhos, como eletrodomsticos, computadores, telefones, impressoras, televiso etc, que tero algumas de suas funes interligadas atravs

    i da Internet e da tecnologia sem-fio Bluetooth.60 i principal fator que deve impulsionar essa interligao

    4 o que mostra a pesquisa realizada no ano de 2000 pela Universidade Stanford e

    pelo The Poynter Institute.Ver: www.poynter.org/eyetrack2000/ 1 Atualmente, os telefones celulares j nos permitem enviar mensagens de texto,

    participar de chats e mandar e receber e-mail, entre outros recursos. f i Essa tecnologia, que surgiu em 1994, vem sendo desenvolvida por um consrcio

    de empresas formado pela Ericsson, Nokia e Motorola, entre outras. Ela permitir a comunicao sem fio a curta distncia entre grande variedade de dispositivos, conectando-os tambm Internet.

  • 16 A Cultura Digital

    certamente a comunicao, e no apenas aquela que ie estabelece entre indivduos, mas tambm a que en-fvolve os indivduos e uma srie de servios que po-jdem circular entre esses dispositivos. o que acontecer quando sua agenda eletrnica, por exemplo, receber um e-mail de uma emissora de televiso lhe comuni-cando o horrio de um filme que voc selecionou, ou quando sua geladeira ordenar automaticamente, pela Internet, a reposio de algum produto de sua prefe-rncia que j esteja terminando.

    No entanto, evidente que temos ainda uma viso compartimentada do modo pelo qual podemos utilizar cada um dos artefatos que enumeramos acima. Isso significa que a maioria das pessoas, em princpio, ainda percebe cada aparelho eletrnico ou eletrodo-mstico como tendo funo e uso muito bem defini-dos, sem correspondncia direta uns com os outros. Afinal, poderamos nos perguntar, o que a geladeira tem a ver com a Internet? Ou o que uma agenda eletrnica tem a ver com a televiso? Pois exata-mente essa possibilidade de interagirmos de um modo sempre mais denso, e durante um perodo de tempo cada vez maior, com todos os dispositivos a nossa vol-ta o que impulsionar a interconexo generalizada.

    Ora, se toda essa interligao se realizar ou no, e em que momento, s ser possvel saber no futuro prximo. O que nos interessa aqui investigar quais fatores concretos podero impulsionar as pessoas a ali-mentarem esses sonhos tecnolgicos. Que tipo de cultura est se desenhando lentamente entre tantas pessoas, de tantos lugares e to diferentes, e sustentar no futuro um modo de vida que, hoje, s a imaginao (e talvez nem mesmo ela) consegue fantasiar?

    No se pode deixar de reconhecer que a com-preenso habitual de interatividade, de interconexo e

    i Que Cultura Digital Essa? 17

    de inter-relao encontra-se profundamente influen-ciada pela situao tecnolgica calcada no padro di-gital. De fato, o termo "digital" carrega uma srie de conotaes, dentre as quais no se poderia deixar de mencionar o acmulo de dados, a possibilidade de

    ^y manipulao de informaes e, sobretudo, a amplia-o de nossa participao e comunicao nos .majs variados aspectos, atravs de um fax, de um celular ou da Internet. .

    E bem verdade, no entanto, que uma das asso-ciaes mais comuns quando se pensa em "digital" com a ideia de interatividade:"Se digital, interativo!" H uma ligao muito forte no imaginrio popular entre "digital", de um lado, e tudo aquilo com o que se possa interagir ou manipular, de outro. assim que aparelhos digitais so anunciados como uma gran-de evoluo porque, dentre outras coisas, seriam interativos.7 O problema no sabermos ao certo que espcie de interao prometida seria essa!

    Ocorre que essa passagem, de "digital" a "inte-rativo", acabou deixando de valer apenas para as fronteiras restritas dos aparelhos ou redes digitais e passou a ter significao dentro de um contexto mais amplo. Se "interativo" era, inicialmente, uma espcie de atributo de todo dispositivo ou rede digital, ou apenas uma propriedade das interfaces, como alguns

    7 Exemplos de atributo "interativo" para aparelhos digitais: o DVD interativo por-

    que nos permite navegar nas informaes sobre o filme, os atores, a produo etc.; o aparelho de CD interativo porque possibilita programar as faixas de msica que iro tocar; o celular interativo no apenas porque nos permite falar com outra pessoa, mas tambm porque atravs dele podemos receber e-mails, avisos importan-tes, notcias e t c ; a geladeira do futuro ser interativa porque poderemos program-la para fazer pedidos de estoque diretamente ao supermercado; e assim por diante. Ou seja, a noo de interatividade est diretamente associada, nesses casos, s pro-priedades dos aparelhos digitais.

  • S A Cultura Digital Que Cultura Digital Essa? 19

    defendem,8 hoje essa noo parece alcanar terrenos to distintos quanto o das mdias tradicionais, o das mquinas inteligentes e o das comunidades virtuais. certo que a construo de interfaces digitais ou am-bientes de navegao, a manipulao de dados, a filtragem de informaes, tudo isso alimentou e ainda alimenta a ideia de interatividade desde o surgimento da computao. No entanto, com a incessante inova-o e disseminao das tecnologias, e com a presso que essa disseminao vem exercendo sobre os meios tradicionais de comunicao, a funo de interatividade passou a ser demandada por outras esferas.

    Uma delas a dos agentes inteligentes que, como veremos no segundo captulo, interagem com os usu-rios da Internet, celulares, palmtops, brinquedos eletr-nicos eTV digital a partir do conhecimento gradual de seus prprios hbitos. Os sonhos com andrides, humanides, robs e ciborgues esto ganhando mate-rialidade na relao entre homens e mquinas "inteligentes". Outro campo o das comunidades vir-tuais (analisadas no terceiro captulo), que promovem uma espcie de interatividade distribuda entre pessoas de todo o planeta. Finalmente, o termo parece abarcar um conjunto de prticas promovidas pelas mdias con-vencionais, pois possvel entender que um programa de rdio ou de televiso seja interativo, na medida em que provoca a participao de ouvintes e telespectadores. o que veremos em seguida, analisando mais especifi-

    * Suely Fragoso, "De Interaes e Interatividade". Em: Comps, X Encontro. Santos: Universitria Leopoldianum, 2001. Para uma anlise mais detalhada da noo de interatividade, ver Pierre Lvy, Cibercuttura (So Paulo: Editora 34, 1999), e Jens E Jensen, "Interactivity - Tracking a N e w Concept in Media and Commumcation Studies",em:PaulA. Mayer (ed.), Computer Media an Commumcation (Oxford: Oxford University Press, 1999).

    camente a crescente interatividade na televiso conven-cional e a chegada da TV digital interativa.

    bom notar que tal busca pela interatividade no pretende apenas oferecer ambientes mais amigveis ou facilidades na comunicao entre as pessoas, ou entre pessoas e mquinas. Ela visa, igualmente, explorar pal-mo a palmo o misterioso territrio da "ateno cons-ciente" dos homens. O que pode, afinal, captar melhor e mais profundamente a ateno humana? Nesse senti-do, tudo o que foi dito at aqui parece indicar a cons-truo de uma complexa "economia da ateno", em que a moeda mais valiosa seria justamente nossa aten-o mobilizada.9 Claro que nessa mobilizao se inclui a anlise de fatores que influem direitamente sobre nos-sa atividade consciente, como, por exemplo, a necessi-dade de escolha, a incerteza, as sugestes, o risco e a tomada de deciso diante do excesso de informaes, produtos e servios na Internet. Tudo isso pe em jogo elementos subjetivos, como as crenas e preferncias de cada indivduo. Mas um dos primeiros aspectos que per-mitem relacionar essa nova economia com as tecnologias e meios de comunicao , sem dvida, o crescente investimento na interatividade. Ela um fator-chave que prende a ateno das pessoas.

    TELESPECTADOR OU INTERNAUTA?

    O crescimento dos nveis de interatividade que a TV convencional vem oferecendo ao pblico nos ltimos

    ' 'VerThomas Davenport e j o h n Beck, A Economia da Ateno (So Paulo: Campus, 2001), e Lvy, op. cit.

  • io A Cultura Digital Que Cultura Digital Essa? ir

    anos visvel. Ela parece, finalmente, ter decidido se aproximar da audincia, dando oportunidade ao telespectador de manifestar sua opinio por telefone, fax ou Internet em vrios programas. No entanto, s h pouco tempo a parceria com a rede mundial de com-putadores se consolidou e ganhou a adeso da maioria das emissoras. Enquanto aguardam a tecnologia para TV digital amadurecer por aqui (tecnologia que na Europa j realidade), elas tm encontrado na Internet um excelente canal de retorno para sua programao.

    At recentemente, as companhias de mdia tradi-cional rejeitavam a ideia de conduzir os telespectadores para a rede, pois temiam que esse desvio fosse canibalizar os ndices de audincia. Mas elas rapidamente entende-ram que a interao atravs da Internet, sobretudo de comunidades on-line, pode ajudar a desenvolver novos modelos de acompanhamento de contedo e de pro-gramao comercial. Testes de convergncia da mdia tradicional e da mdia interativa comprovam que as pessoas esto usando a Internet como extenso de sua experincia costumeira com a programao televisiva.10

    JOGOS

    Uma boa prova disso o crescimento dos jogos que, apesar de usarem, em sua maioria, apenas a interface televisiva, pouco a pouco vo se mostrando fortes can-didatos a veiculao simultnea pela Internet. O caso exemplar o do programa americano Who Wants to Be a Millionaire, do canal ABC (da Disney), que tem no

    1(1 Fonte:Yankee Group, 2000. www.yankeegroup.com

    Show do Milho, do SBT, seu similar brasileiro no for-mato, com algumas pequenas modificaes.Tanto num quanto noutro, as perguntas colocadas aos candidatos so dispostas em meio quadro da tela, para que possa-mos l-las e participar do programa. No caso ameri-cano, a iniciativa se estendeu Internet, onde possvel interagir com a apresentao do show, ao vivo, res-pondendo s questes atravs do site da emissora.11 Nesse caso, apenas virtual o "milho" do internauta vencedor, mas este pode ser selecionado para integrar posteriormente um programa real. No primeiro ms de lanamento do site da ABC Television, houve mais de 3 milhes de acessos, e o pblico total chegou a 7,5 milhes.12 Alm disso, a pgina da ABC dis-ponibilizava espao para fruns e votaes.

    Na Inglaterra, j possvel participar desse tipo de evento diretamente atravs da televiso digital interativa, sobre a qual falaremos com mais detalhes adiante. No Brasil, at o momento, a nica iniciativa em paralelo, da emissora SBT, foi o lanamento de um CD-ROM com as perguntas do Show. Com uma venda surpreendente, ele confirmou que a convergncia da TV com mdias interativas pode fazer parte da expe-rincia cotidiana dos telespectadores.

    Um exemplo diferente, mas bem conhecido, de jogo na televiso foi o desenho Hugo, apresentado na Frana no incio dos anos 90, e posteriormente no Brasil pela emissora CNT, com sua interface de videogame, em que o telenauta controlava a ao da personagem pelo teclado telefnico. Desenho seme-lhante era o Garganta&Torcicolo, veiculado pela MTV.

    " www.abc.go.com/primetime/millionaire 13

    Fonte:Yankee Group, 2000. www.yankeegroup.com

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    A interao em ambos era bem resolvida, j que mes-mo aqueles que apenas assistiam ao desenrolar do jogo literalmente acompanhavam o telenauta sorteado em seus movimentos reais. Dessa forma, todos se torna-vam, de alguma maneira, as prprias personagens em suas aes naTV. evidente que o futuro desses jogos est intimamente associado evoluo da televiso digital interativa, com a perspectiva, at, da explora-o de modelos multiusurios. Por enquanto, isso est acontecendo mais na Europa do que entre ns.

    REALITY SHOWS

    O que dizer dos exemplos que encontramos atualmente na chamada reality television, ou reality shows? Os mais fa-mosos so os programas nos formatos Big Brothern e Survivor,'4 que apelam sobretudo para o voyeurismo, mas tambm para a participao dos telespectadores. No caso do Big Brother, h a votao sobre os integrantes que devem sair do programa; e, no caso de Survivor, quando no se tem Internet, fica-se apenas torcendo por algum ao longo de provas mirabolantes. Para se ter uma ideia da repercusso desses programas nos Estados Unidos, o site da AOL que hospedava o Big Brother 2000 teve 5,4 mi-lhes de visitantes em julho daquele ano, contra 5,7 milhes do famoso site de msica Napster no mesmo ms. Registraram-se mais de 30 mil mensagens e 95 mil votos. J o primeiro Survivor mobilizou mais de

    13 Exibido pela primeira vez em 1999 na Holanda, foi popularizado pela emissora

    britnica Channel Four e hoje est presente em mais de 20 pases. i4

    Da emissora americana CBS, presente tambm em vrios pases.

    15 milhes de visitantes no site da CBS, e esse nmero dobrou no ltimo ms do programa. O site oferecia o recurso interativo da votao, vdeos dos bastidores do programa e resumo dos episdios anteriores.15

    Os equivalentes respectivos no Brasil so A Casa M dos Artistas, do SBT, e Big Brother e No Limite, da Globo.

    Os reality shows constituem uma espcie de jgnero h= \ brido, reunindo um pouco de tudo: disputas e intrigas

    de telenovela; dilogos de salas de bate-papo; voyeurismo e exibicionismo de webcams pela Internet; criao de mundos fantasiosos como nos jogos multiusurios na rede (os MUD); bastidores de fofocas de revistas sensa-cionalistas; e, no esqueamos, fama e dinheiro. Para os telespectadores, a experincia de acompanhar pes-soas foradas a expressar em meio a uma srie de con-flitos sua personalidade, digamos, mais autntica parece desempenhar papel de forte estimulante do voyeurismo. Os ndices tm comprovado, em todo o mundo, que a captao da ateno dos telespectadores num reality show extremamente elevada.16

    Enquan to as telenovelas tradicionais so estabelecidamente fices que retratam a realidade, nos reality shows o que est em jogo , evidentemente, a prpria realidade, agora feita espetculo! E, como todo show, o interessante que ele seja ao vivo. Um dos aspectos que mais mobiliza o telespectador nesse caso , claro est, o fato de a transmisso ser ao vivo, direta,

    Ia Fonte:Yankee Group, 2000. www.yankeegroup.com

    16 O Ibope chegou a dar para A Casa dos Artistas e tambm para o primeiro No Limite

    mais de 50 pontos de pico em So Paulo. Em algumas votaes de A Casa dos Artistas, a Embratel teve suas linhas congestionadas, e a segunda edio do programa teve participao na Internet de mais de 4 milhes de telespectadores nas trs primeiras semanas. Fatos como esses costumam ocorrer mesmo com simples pesquisas de opi-nio lanadas pelas emissoras.

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    algo do tipo "aqui e agora!", sem grandes truques de montagem ou de ps-produo. bvio que ainda se trata de televiso e que a linguagem convencional dessa mdia est muito enraizada entre seus produtores. Mas, embora seja difcil transform-la, os reality shows no deixam de ser uma tentativa de mudana.

    Essa nsia por estar em contato direto algo tpico das promessas da Internet. Num videogame multiusurios, por exemplo, quando entramos num site para jogar ou quando acionamos nosso console, queremos comear na hora, de imediato. Queremos entrar e estar no jogo na-quele exato momento, sem intermediaes desnecessrias, sem retrospectos ou replays. Tambm nos chats, ao entrar numa sala, ningum quer saber dos "melhores momentos" do bate-papo para poder conversar. O chat sinnimo de estar on-line, e as pessoas querem que aquilo esteja aconte-cendo naquele momento, que seja direto. o que fez o sucesso, por exemplo, das webcams pelo mundo afora.

    A pioneira foi Jennifer Ringley, uma internauta que, em 1996, resolveu instalar cmeras ligadas Web em seu apartamento, em Washington, despertando a curiosidade de todo o mundo (www.jennicam.org). Outro exemplo recente o do Parlamento ingls, que permite aos internautas espiarem suas sesses perma-nentemente, por webcams, no site Parliamentlive.gov.uk. possvel encontrar, por exemplo, no site Comfm.fr, um catlogo com mais de 2.300 webcams espalhadas por todos os continentes, mostrando ao vivo as mais variadas situaes, como animais num zoo, bares, praias, florestas, estdios, museus, trfego, cidades e, claro, pes-soas que querem se mostrar como espetculo.

    Essa fora extraordinria do estar on-line, do estar em contato imediato com o que acontece, a base do que mobiliza a ateno dos telespectadores nos reality shows. Vrios outros programas televisivos tambm fa-

    zem uso de jogos e de situaes ao vivo, dos mais vari-ados tipos, deixando claro que a demanda por partici-pao e interao atravs da televiso vem crescendo conforme o apelo exercido pela expanso da Internet.

    ESCOLHENDO UM FILME

    Outra maneira de participar de um programa televisivo escolher entre duas ou mais opes oferecidas au-dincia pelo apresentador ou pela prpria emissora. o caso, por exemplo, do Intercine, da Rede Globo, e do TV Escolha, da RedeTV!, em que o espectador opta entre dois filmes possveis. H tambm o exemplo do antigo Voc Decide, no qual o pblico escolhia entre dois finais de um episdio de folhetim. Esse programa conseguia mobilizar, normalmente, entre 80 mil e 100 mil votos por telefone a cada episdio.

    No TV Escolha, h um artificio digno de nota. Na tentativa de atrair a audincia, convidou-se para o papel de apresentador o crtico de cinema Rubens Ewald Filho, que empresta ao programa sua expertse e respeitabilidade. Esse gancho do TV Escolha seme-lhante aos servios de sugestes que encontramos em muitos sites na rede. De fato, o mecanismo da suges-to est entre os mais importantes que a Internet po-pularizou. Dado que o ciberespao possui uma oferta incontvel de informaes, servios e produtos, uma das maneiras mais eficientes de driblar a angstia da escolha dispor de uma boa sugesto. Como o im-portante contar com elementos confiveis para apoiar nossas decises, nada melhor que um bom crtico de cinema, no caso do TV Escolha, para nos ajudar na tarefa. Isso j no verdade no Intercine, que simples-

  • 26 A Cultura Digital Que Cultura Digital Essa? 27

    mente apresenta as opes de filmes e pede que o telespectador faa sua escolha.

    A escolha entre filmes envolve um aspecto do imaginrio coletivo que as grandes empresas de tecnologia procuram explorar. Muitos antevem um futuro digital em que milhares de produtos e servios podero chegar a nossa residncia atravs de um sim-ples toque no controle remoto ou de um clique no mouse. Programas televisivos que nos do a opo de escolher entre dois ou mais filmes, e que sero exibidos em alguns minutos, passam a ideia de que um dia cente-nas deles estaro disponveis para serem vistos a qual-quer momento. o que chamam VOD, ou video on demand ("vdeo a pedido"). No que isso seja imposs-vel ou utpico (como realizao tecnolgica,justamente no o ).17 Mas h aqui certa iluso sobre os hbitos televisivos e sobre o prprio futuro evolutivo da TV. Ser que as pessoas assistem a tantos filmes que isso justifique um empreendimento desse porte? Alm disso, ser que o futuro da TV digital interativa ser simplesmente um depsito infinito de filmes? Haver algum especialista de planto disposto a nos ajudar?

    VOTAR, OPINAR, PERGUNTAR: A PERCEPO DE COMUNIDADE Finalmente, possvel estabelecer interao com a audincia pela abertura direta s perguntas e opinies

    17 Mesmo que uma tentativa da Time Warner, na cidade de Orlando, tenha fracassado

    em 1995, por motivos culturais e, sobretudo, tecnolgicos. Cf.Wilson Dizard Jr., A Nova Mdia (Rio de Janeiro: Zahar, 2001).

    por fax, telefone e Internet, tanto quanto por votao. Os programas da Rede Cultura exploram bastante essa interatividade: Vitrine (dedicado cultura digital), Opi-nio Nacional, Roda Viva e Matria Pblica, entre outros, estimulam o pblico a participar durante a transmis-so ao vivo. A MTV tambm um bom exemplo de convergncia de ferramentas interativas, com uma pro-gramao quase inteiramente voltada para convocar a participao do pblico. O voto, por sua vez, tem sido muito utilizado em transmisses esportivas. Em todos esses casos, o telespectador participa do programa com opinies, comentrios e perguntas.

    No se deve imaginar que o objetivo das emis-soras com tal interao seja alcanar um retorno ex-traordinrio em nmeros. O apelo participao atravs da TV , muito mais, algo que serve a constru-o de uma percepo de comunidade junto au-dincia. Afinal, cada pessoa tem sua maneira preferida de participar; algumas sentem-se bem apenas assistin-do ou acompanhando um evento, enquanto outras ficam impelidas a perguntar, votar ou mesmo colabo-rar de outras maneiras, enviando material, disponibili-zando informaes etc. Seria uma iluso, portanto, imaginar que todos que assistem a um programa televisivo desejariam mandar uma pergunta ou ofere-cer uma informao qualquer. Mesmo na Internet, que conhecida por suas possibilidades interativas, os par-ticipantes ativos de fruns representam no mais que 10% da audincia; os outros 90% passam seu tempo apenas acompanhando as discusses.18 O crucial, no entanto, que esses 90% sentem-se plenamente in-cludos na comunidade! Os 10%, por sua vez, no se

    Fonte: www.participate.com

  • 28 A Cultura Digital

    incomodam nem um pouco com o fato de que sua discusso esteja sendo vista por uma audincia virtual. Isso se passa tambm com as salas de bate-papo.

    No caso da televiso, possvel estabelecer uma comunicao bidirecional com os programas, atravs das perguntas e opinies enviadas. Mas isso no parece ser o mais interessante para as pessoas, pois elas sabem que as emissoras no tm condies operacionais de responder a todos. O que parece atraente, do ponto de vista da audincia, que, no momento em que os telespectadores se envolvem com as perguntas e co-mentrios que chegam de toda parte, e tambm com as votaes nos reality shows e escolhas de filmes, eles so induzidos a uma percepo de comunidade, na qual se inserem. Dessa forma, tm conhecimento sobre o que outros desejam, admiram, preferem, construindo assim uma sensao de comunidade, de pertena, de grupo, sem necessariamente estar em relao direta com ou-tras pessoas. O artificio da interao por TV acaba ge-rando, como consequncia, uma espcie de comunicao lateral, que, mesmo no tendo o poder da Internet (que multilateral), colabora para que as pessoas se perce-bam em comunidade. E esse um ponto essencial para captar a ateno de uma audincia.

    A TELEVISO DIGITAL INTERATIVA Claro que o canal de retorno ideal para dar conta de todo o potencial de interatividade da televiso o pr-prio aparelho televisivo. isso que vem acontecendo atualmente na Europa, que concentra 70% do mercado mundial de TV digital interativa (tambm chamada iTV). Em todo o mundo, j so mais de 50 milhes de residn-

    Que Cultura Digital Essa? 29

    cias com decodificadores especiais para receber transmis-ses digitais, tambm chamados de set-top boxes (STB).19

    Os recursos digitais disponveis atualmente nos colocam diante de outra televiso, que nos oferece vrios servios, dotada de dispositivos inteligentes e nos permite interagir com programas e nos comuni-car com outras pessoas. Tudo isso atravs apenas do controle remoto. Resumidamente, h trs modos b-sicos de entender as possibilidades dessa nova tecno-logia. O primeiro chama-se enhancedTV, que nada mais do que poder obter informaes adicionais a respei-to de qualquer programa. Na tela da TV, surge um cone especfico, avisando que o programa que est sendo assistido possui nveis de interatividade. Assim, pressionando o controle remoto, possvel acessar mais dados sobre o tema ou assunto de que tratam documentrios, noticirios, shows, programas de va-riedades ou at mesmo novelas.

    O segundo recurso a ser explorado nessa nova TV so os chamados canais virtuais, ou simplesmente servios. Neles j possvel encontrar notcias, co-mrcio eletrnico (chamado e-commerce) ,home banking, meteorologia, trfego e jogos, por exemplo. So servi-os de dados atualizados em tempo real, disponveis no televisor, que podem ser consultados durante as 24 horas do dia. O futuro desses canais virtuais, que so interativos, se multiplicarem como os sites na Internet, com a diferena de que na TV preciso pagar ope-radora para usufruir o direito de veiculao desses ser-vios. Mas eles vo proliferar, e encontraremos canais veiculando informaes de muitas revistas, jornais, empresas, veculos educativos ou publicitrios etc.

    19 Fonte: www.digitaltelevision.com

  • 30 A Cultura Digital

    Por fim, h os recursos de comunicao ofere-cidos pela iTV Basicamente, so e-mail, chat e comuni-cador instantneo, alm da possibilidade de votar em programas ao vivo. No ano passado, a operadora inglesa BSkyB contabilizou mais de 1 milho de e-mails en-viados atravs de seu servio de iTV Mesmo sendo uma operadora de televiso, ela j o quarto maior provedor em nmero de assinantes do Reino Unido. A aceitao dos servios de comunicao por parte do pblico sur-preendeu os promotores da iTV O comunicador ins-tantneo, por exemplo, permite detectar que pessoas amigas esto naquele momento com a televiso ligada, o que incentiva a audincia em conjunto de grupos dispersos. Os chats, por sua vez, tm funcionado muito em jogos transmitidos ao vivo, bem como em outros eventos, como shows e entrevistas.

    Com isso, a iTV acaba atendendo a algo que a TV convencional apenas comeou a perceber: o cres-cimento da demanda por comunicao multilateral. O que a TV digital interativa na Europa est nos ensi-nando que as pessoas querem formar suas comuni-dades, e as mdias, com seu contedo, podem ser um timo meio para isso. Um veculo de comunicao.

    O MUNDO A UM CLIQUE: O EXCESSO, A ESCOLHA EA INCERTEZA

    A manipulao de dados, imagens e sons, as conexes com todos os cantos do planeta pela Web, a formao das comunidades virtuais, as oportunidades de protes-tos e defesa de direitos e o convite s mais variadas formas de participao so prova de que o dia-a-dia

    ' est fadado a mudar, acompanhando a ruidosa digi-

    Que Cultura Digital Essa? 31

    talizao em curso. Na esteira dos acontecimentos, boa parte do imaginrio tecnolgico de hoje tem se ali-mentado do ideal da oferta infinita. E o sonho de um mundo de produtos, informaes e servios inteira-mente acessvel on demand, em qualquer tela ou visor ao alcance das mos. O inundo a um clique.

    So famosos os casos de pessoas que foram es-colhidas por empresas para ficarem dentro de uma casa vazia e viverem por certo perodo apenas com pedidos pela Internet. O culto a essa imagem de fonte inesgotvel est diretamente associado capacidade, em princpio ilimitada, dos bancos de dados mundo afora. Basta dar uma olhada no site The Internet Archive (www.archive.org), uma espcie de cemit-rio de dados digitais em que esto guardadas todas as pginas publicadas na Web desde o nascimento da rede. Ele seria como o "site dos sites", ou o compu-tador que contm todos os outros, um lugar onde se pode navegar no passado da Internet. Tamanha pro-messa de potncia deveria mesmo resultar em so-nhos de acesso a tudo, de qualquer lugar e por qualquer um que esteja on-line.

    Apesar de alguns autores acreditarem que meios sofisticados de orientao se fazem necessrios nesse labirinto de dados, imagens e sons em que a Internet se transformou to rapidamente, no se pode deixar de sentir que certa angstia, envolta em desconfiana, tem tomado conta dos frequentadores da Web.20 Essa an-gstia se deve, em parte, ao excesso de ofertas e s difi-culdades nos processos de escolha, o que implica algum grau de risco e incerteza na tomada de decises. Diante

    2" Entre esses autores, poderamos mencionar, por exemplo, Steven Johnson, Howard

    Rheingold, Pierre Lvy e Roy Ascott.

  • }2 A Cultura Digital

    da estreita relao entre o mundo digital e o dilema criado pelo "acesso ao excesso", muito claro que estamos vivendo uma situao em que a ideia de escolha pea fundamental de um jogo que envolve no ape-nas a participao de milhes de pessoas, mas tambm a aposta de milhes de dlares.21 Num mundo marcado pelo capital, possvel pressentir que nossa cultura digi-tal j estaria grvida das formas futuras de consumo que acabaremos por praticar.

    H, por um lado, um investimento muito forte na associao entre a noo de escolha individual, a satisfa-o pessoal e o volume de ofertas. Inmeros negcios na rede, por exemplo, constroem sua imagem acredi-tando que a quantidade de itens ofertados uma ga-rantia de que a percepo do consumidor ser atrada pela liberdade e facilidade de escolha. Quer seja um site de livros, de CDs ou de notcias, quer seja um portal de mltiplos servios, a ideia bsica que orientou vrios negcios na Web at o momento a de que o leque de produtos faz diferena na hora da deciso.

    Ao mesmo tempo, as facilidades da tecnologia digital deram incio a uma espcie de "corrida do ouro", mais conhecida como customizao e/ou per-sonalizao de servios e produtos segundo o perfil de usurios/clientes. Isso significa tomar a economia de consumo pela outra ponta, oferecendo exatamente aquilo que possa atender da melhor maneira possvel ao gosto de algum. a multiplicao dos sites com recursos do tipo "monte o produto segundo suas pre-ferncias", "personalize sua pgina de entrada" etc.

    21 N u m artigo recente, o economista e filsofo Paulo Vaz trata das implicaes do

    "acesso ao excesso" e de outros aspectos que envolvem a mediao na internet. Cf. c j ^ Paulo Vaz, "Mediao e Tecnologia", em: Mdia, Cultura e Tecnologia (Porto Alegre:

    3> Revista Famecos, 16,2002).

    Que Cultura Digital Essa? 33

    Acredita-se que, conhecendo o perfil do consumidor, ele possa ser atrado com produtos que atendam exa-tamente ao que deseja. Outros apostam que possvel at se antecipar a esse desejo.

    As duas abordagens tm exemplos de sucesso e tambm de fracasso. Nesse ltimo caso, a razo est nos muitos consumidores que se sentem perdidos diante do excesso de ofertas, ficam inseguros e desis-tem de uma busca ou de uma compra. Outros so tomados pela incerteza da escolha, pelo risco de esco-lherem errado e pela dvida: "Ser que a opo por algum outro produto no teria sido melhor?" Por ou-tro lado, h aqueles que no podem nem ouvir falar em personalizao ou produtos customizados.Eles te-mem perder contato com a chance, com a ocasio nica, com a oportunidade inesperada enfim, no suportam a ideia da ausncia de acaso.

    Mas por que acreditamos, afinal, que um grande volume de ofertas de produtos e servios correspon-deria a um maior grau de liberdade para a tomada de deciso, quando de fato nos sentimos angustiados ante o excesso de opes? Ningum duvida de que duas ou trs opes podem nos deixar ainda com fome, mas certo que 50 mil nos causam indigesto! Ser que um dia assistiremos aos 5 mil ttulos de filmes disponveis em nossa locadora? E quem gostaria de encontrar no mesmo local apenas cinco ou seis ttu-los? Ou encontrar aqueles poucos que correspondem a seu perfil, quando milhares de outros filmes estariam escondidos?

    Parece que se chegou a um ponto de converso, em que as pessoas experimentam o limite do sonho da sociedade de consumo do sculo 20, quando a oferta era algo fundamental, mas nunca se teve a experincia do excesso. Digamos que o horizonte de oferta era

  • 34 A Cultura Digital

    palpvel. Com o ciberespao, pela primeira vez se passou a compreender o que exatamente estar diante de milhes de dados a nosso dispor, e, assim, entendeu-se quo paradoxal essa situao. Os pri-meiros sinais de como se poder lidar com isso che-gam do prprio ciberespao. De forma lenta, mas constante, est se construindo um novo modo de relao com a escolha: atravs dos sofisticados meca-nismos de sugesto, que fazem a deciso dos indivdu-os pender para determinado produto ou servio.

    A cultura digital a cultura dos filtros, da sele-o, das sugestes e dos comentrios^Os mecanismos de busca de ltima gerao, os agentes inteligentes e as comunidades virtuais seriam estratgias que visam poupar os usurios do martrio da opo entre uma mirade de possibilidades. No confronto com o excesso, nasce a percepo de que as escolhas se orientam de modo muito mais complexo do que uma deciso simples e objetiva entre uma coisa ou outra. Em meio a esse processo, mais uma vez, encontra-se o problema de como captar a ateno das pessoas, como participar de sua tomada de deciso e com que artifci-os. Essa seria, sem dvida, uma das razes pelas quais a economia digital estaria sendo tratada atualmente como economia da ateno.

    2. O DILVIO DE INFORMAES

  • O Dilvio de Informaes 37

    PROCURANDO UMA AGULHA NO PALHEIRO

    m dos grandes desafios atuais dos promo-

    U tores da Internet tem sido apresentar solu-es para convencer os usurios de que estes podem encontrar o que buscam em meio

    ao excesso de informao. Todos os que se utilizam da Internet, para trabalhar, estudar ou passar o tempo, sa-bem muito bem o que significa procurar um servio ou um dado qualquer atravs de um mecanismo de busca. Diante de uma quantidade quase sempre enor-me de respostas, pode-se perder tempo precioso cata de algum resultado que parea mais pertinente. Por outro lado, sem o recurso desses buscadores ou de algo equi-valente, seria praticamente impossvel achar alguma coisa na rede, j que o internauta se veria literalmente enre-dado numa malha de links.22 nesse sentido que Steven

    22 No site www.cyberatlas.com, possvel acompanhar as diversas experincias de

    mapeamento dos links da Internet.

    Johnson fala da crescente necessidade dos filtros de in-formao, pois o excesso de dados requer tradutores, intrpretes e mediadores dos mais variados gneros. Da o fato de a Internet ser, na viso de Johnson, "o planeta nativo dos filtros de informao". "Informao digital sem filtro", acrescenta ele,"seria coisa que no existe".23 Verdadeiros guias da informao, auxiliando na seleo daquilo que mais possa interessar aos usurios, os mecanismos de busca funcionariam ento como uma espcie de antdoto para o volume crescente de dados, uma tentativa de subjugar toda a complexidade prolfi-ca da rede e dar-lhe coerncia.

    A preocupao com o excesso de informao no recente. O cientista americano Vannevar Bush, autor do ensaio "As We May Think" e um dos ins-piradores do hipertexto, j prenunciava a metfora da "exploso da informao" em 1945.24 Outro escritor americano, Alvin Toffler, acabou popularizando a ex-presso em seu livro O Choque do Futuro, um best-seller de 1970 sobre os efeitos das mudanas tecnolgicas na vida dos homens. Essa ideia foi ganhando sentido medida que nos demos conta de que a informao produzida mais rapidamente do que podemos assimil--la; e isso verdadeiro no apenas para a Internet, mas tambm para o conjunto dos meios de comunicao a nosso redor: imprensa, rdio,TV, cinema. Como nota um profundo conhecedor da Internet, o escritor ame-ricano Mark Stefik, num belo captulo de seu livro The Internet Edge,"o que transparece de fato para to-dos ns a dificuldade cada vez maior de atribuir sen-tido ao fluxo de notcias, dados, informes e imagens

    22 Johnson, op. cit.

    34 www.theatlantic.com/unbound/llashbks/computer/bushf.htm

  • 38 A Cultura Digital

    que nos chega. O problema, no fundo, no tanto haver muitas informaes, mas sim conseguir desco-brir quais seriam relevantes para nossos interesses, j que somos massacrados constantemente com infor-maes inteis ou irrelevantes".25

    Nesse sentido, curioso que a capacidade ilimitada de abrigar as pginas pessoais de todos os internautas tenha servido como poderoso meio de divulgao do ciberespao, o que lhe valeu at a fama de ser autntico promotor da liberdade de expresso (contra a unila-teralidade autoritria das mdias de massa). A despeito desse fato - de que a Internet realmente serve como meio para qualquer um publicar o que bem desejar -, fica a pergunta de como seria possvel algum ser encon-trado, casualmente, em meio ao oceano de pginas da Web. Como posso saber que uma pgina publicada por algum, em algum canto do mundo, guarda informaes que poderiam eventualmente me interessar?

    Alm disso, se hoje relativamente fcil e barato colocar no ar uma pgina na Internet, o mesmo no se pode dizer do esforo e do investimento necessrios para que se possa captar a ateno das pessoas para a pgina em questo. Isso vale tambm para os negcios na rede, onde as maiores dificuldades continuam sendo atrair os clientes em potencial, mensurar o grau de sua ateno ao contedo do site e estabelecer o melhor ritmo de atuali-zao desse contedo. Em todo caso, tanto para quem busca quanto para quem oferece, o excesso de dados no ciberespao coloca desafios vida dos usurios.

    Alm do excesso de informaes, outro problema crnico que os mecanismos de busca enfrentam na rede,

    25 Mark Stefik, "Focusing the Light: Making Sense in the Information Explosion".

    Em: The Internet Edge. Cambridge (Mass.): MIT Press, 1999.

    O Dilvio de Informaes 39

    como nos lembra Stefik, que os prprios documen-tos, em meio a sua proliferao, so tambm constante-mente modificados, deslocados sem nenhuma regra, apagados sem que sua referncia o seja.26 Muitos links no levam a lugar algum, ou levam a outro lugar sem relao nenhuma com o que fora indicado. Isso acaba por deixar o internauta ainda mais inseguro em relao aos resultados obtidos em suas pesquisas.

    FOME OU INDIGESTO? Lembremos que h dois modos bsicos de encontrar artigos relevantes na Internet: atravs dos servios de busca por palavras-chave, ou atravs das pginas de links organizados por temas (os chamados diretrios). Em geral, os grandes portais de busca (como o caso do Yahoo!, do Cad? e do Altavista) disponibilizam os dois modos de busca. Podemos procurar diretamente o que desejamos atravs de uma palavra-chave, ou ento, o que em muitos casos mais rpido e prtico, seguir as indicaes fornecidas pelos diretrios.

    No que se refere s buscas por palavras-chave, dois problemas se colocam de modo muito evidente. O primeiro diz respeito ao vaivm do nmero de res-postas obtidas, pois, dependendo da amplitude de nossa questo, podemos chegar a um nmero muito grande ou muito pequeno de resultados. Essa oscilao acaba nos deixando sempre entre dois poios: ou a fome, ou a indigesto. Mas, dentro desse primeiro problema, h ainda um segundo, que saber se os documentos ob-

    Stefik, op. cit.

  • 40 A Cultura Digital

    tidos so relevantes (questo de preciso da busca) e se todos os documentos relevantes foram encontrados (questo de recall da busca). claro que uma pergunta ampla afoga o usurio numa enchente de resultados no-relevantes. Diminuindo a amplitude da pergunta, conseguimos reduzir o nmero de resultados e ga-nhar em preciso. Mas, dessa forma, acabamos sofren-do um efeito contrrio, pois sacrificamos o recall, j que, com um nmero menor de resultados, muitos documentos relevantes no sero recuperados. Outro problema, nos alerta Stefik, "um desencontro entre o vocabulrio da pergunta e o vocabulrio dos docu-mentos". Essas so algumas das razes pelas quais os mecanismos tradicionais de que dispomos ainda dei-xam a desejar.

    importante ressaltar que esse problema da fome/indigesto interessa mais a alguns pesquisadores do que a outros. O internauta casual, por exemplo, pode estar satisfeito com alguns documentos relevan-tes encontrados, mas muitos profissionais se vem diante da rdua tarefa de construir as perguntas ade-quadas para encontrar as informaes raras de que ne-cessitam. Algumas vezes, at que comecem a busca, no est claro se esto procurando uma agulha no palheiro ou algo que nem sequer estaria disponvel. Esses pro-fissionais so os analistas de negcios, os advogados, os especialistas em informao em arquivos e bibliotecas, os analistas polticos, os jornalistas, os estudantes e os professores, entre outros. Hoje, preciso lembrar, mais de 60% dos profissionais de nossa sociedade passam mais de um tero de seu tempo extraindo, compreen-dendo, transformando e comunicando informaes.27

    O Dilvio ie Informaes 41

    CONTEXTO E SENTIDO

    Com essa demanda crescente por informaes rele-vantes, uma nova gerao de instrumentos de busca foi desenvolvida e continua ainda sendo aprimora-da.28 Tal desenvolvimento teve seu impulso com a reformulao do problema: o foco principal dos me-canismos de busca deixou de ser a recuperao de documentos unicamente com base em sua indexao a priori e passou a ser o auxlio ao usurio na produo de sentido da informao recuperada. De fato, a ten-dncia mais frequente daqueles que procuravam orientar as pessoas no espao da informao consistia em tentar pr-formatar o sentido dos documentos (clas-sificando-os a priori, como no caso das bibliotecas).

    No entanto, como bem ressalta o matemtico e socilogo francs Michel Authier, "o sentido de um documento est menos nele prprio do que nas pes-soas que o consultam".29 Quem poderia supor, por exemplo, que um texto sobre tecnologias para automao de processos pudesse interessar numa pesquisa sobre a profisso de secretria executiva? Ou o que fazer no caso em que um texto sobre "Internet", classificado como tcnico, por exemplo, contenha in-formaes importantes para quem investiga aspectos

    Fonte: www.trivium.fr.

    2H A respeito dos mecanismos de busca e de sua evoluo, pode-se consultar

    www.searchenginewatch.com e www.deafblind.com. Os mais conhecidos por sua performance so www.google.com. www.copernic.com e www.metacrawler.com,' H tambm um mecanismo de busca que serve especificamente as mulheres: www.women.com

    2y Michel Authier conhecido por seus trabalhos filosficos com Pierre Lvy e

    tambm por seus estudos matemticos, sobretudo a inveno do algoritmo do meca-nismo de busca por proximidade chamado Umap.Ver referncias: www.trivium.fr e www.ddic.com.br

  • 42 A Cultura Digital

    da comunicao de massa? Em outras palavras, os v-rios sentidos de um documento escapam em geral a sua classificao, qualquer que seja ela. Da a afirma-o de que essa diversidade de sentidos viria sobretudo dos interesses de quem consulta o documento.

    Ento, como seria possvel ajudar ainda mais aqueles que fazem suas buscas na rede? Como desco-brir referncias que preencham de algum modo suas expectativas? Em resposta a essas indagaes, um dos caminhos propostos, com a evoluo dos meca-nismos de busca, acrescentar, de vrias maneiras e segundo metodologias diversas, um pouco de contexto aos resultados de uma pesquisa. o que procura fazer, por exemplo, a ferramenta de busca Google, uma das mais poderosas da atualidade. A^xada_onsulta feita pelo usurio, o Google relaciona as pginas recupera-das por ordem de citaes recebidas, de modo que os resultados obtidos traduzem no apenas uma resposta busca desejada, mas tambm o grau de popularidade dos sites encontrados. Isso quer dizer que o funciona-mento do Google acrescenta um contexto aos resul-tados da busca, o que vai alm da pesquisa solicitada originariamente. Dessa forma, o usurio dispe de um dado adicional que o ajuda na escolha entre os docu-mentos recuperados.30

    Outro exemplo interessante seria o do software-Umap, cujo poder de busca por proximidade temtica se estende da Internet ao prprio computador ou intranet dos usurios, mapeando mensagens do Outlook e documentos do Word, dentre vrios outros tipos de arquivo. Ao final da busca, os documentos

    3,1 No prprio site www.google.com, encontra-se uma explanao sobre o modo de

    funcionamento de Google.

    O Dilvio de Informaes 43

    encontrados so apresentados conforme seu grau de proximidade com a chave de pesquisa, dando ao usu-rio a chance de avaliar a relao entre os contedos dos resultados obtidos.

    Tais recursos, tanto do Umap quanto do Google, visam oferecer ao usurio instrumentos que o auxi-liem na produo de sentido e conhecimento com base nas informaes consultadas.31 Mas o ideal no seria que os mecanismos de busca deixassem de apre-sentar simplesmente os resultados encontrados (mesmo que acrescentando outras informae interes-santes) e passassem a apresentar autnticas sugestes aos usurios? No seria interessante se essas ferramentas de busca pudessem entender seu usurio, tal como, por exemplo, uma secretria entende os diretores de sua empresa ou uma bibliotecria entende os frequen-tadores assduos de sua biblioteca?

    OS AGENTES INTELIGENTES (VOC ACEITARIA UMA SUGESTO?) aqui que surgem o interesse e a importncia dos agentes inteligentes e das sofisticadas tcnicas de "su-gesto", que esto ganhando terreno na Internet e cujo destino invadir todas as telas, terminais e visores que povoam nosso cotidiano. Os agentes inteligentes so, na verdade, facilitadores invisveis, softwares que cada

    31 Outro exemplo conhecido o software do professor Don Foster que compara

    textos e desvenda mistrios sobre seus autores. Ver Don Foster, Author Unknoum: on theTrail ofAnonymous (NewYork: Henry Holt & Company, 2000). Uma descrio do funcionamento desse software encontra-se em StevenJohnson^Texto", em: Cultura da Interface, op. cit.

  • 44 A Cultura Digital

    vez mais estaro presentes nas vidas das pessoas, de-sempenhando o papel do assistente que assume as ta-refas repetitivas, trazendo avisos ou sugestes sobre algo que aguardam ou de que gostam. Eles tambm so conhecidos como knowbots, numa aluso a robots, sig-nificando mecanismos inteligentes.32 Afora o que j fazem, e que ser analisado em seguida, esses peque-nos seres sero os responsveis diretos por uma nova variedade de hbito que comea a florescer: a interao dos indivduos com as coisas a sua volta, a percepo dos objetos do mundo a seu redor como dotados de "inteligncia". assim que automveis, eletrodomsticos, aparelhos eletrnicos e quem sabe o que mais esto sendo dotados, sorrateiramente, de dispositivos computacionais que lhes permitiro agir de modo aparentemente inteligente.

    Sem dvida, essa inteligncia depende e depender em muito da prpria disposio dos indivduos de instrurem tais dispositivos. Acontece que os programadores dos agentes contam, de algum modo, com o fato de que ns, seres humanos, alimentamos expectativas quando instrumos algum. De fato, quando explicamos alguma coisa a um colega de trabalho recm-contratado, por exemplo, temos a expectativa de que, em algum momento, ele comear a andar com as prprias pernas. Em outras palavras, esperamos que tenha um comportamento inteligente e no fique nos perguntando sobre tudo, a todo momento. Guardadas as devidas propores, esse mesmo gnero de atitude que se espera induzir nas pessoas: elas vo perder algum tempo instruindo um

    O Dilvio de Informaes 45

    software, na esperana de que ele possa tomar decises por conta prpria a partir de algum momento decises que atendam, de algum modo, aos interesses de seus instrutores. Fica uma pergunta no ar: qual o nvel de confiana que as pessoas iro depositar em mquinas que podero "decidir" ou "fazer" coisas no lugar delas (e, muitas vezes, sem seu consentimento explcito)?

    Um exemplo do que est sendo dito o da TV digital interativa. A OpenTV, empresa-lder no mer-cado mundial, desenvolveu um pequeno agente inte-ligente que capaz de traar a silhueta de uma pessoa atravs de sua ao cotidiana sobre o controle remoto.33 Nesse caso, a ao pura e simples do telespectador junto ao televisor basta para "instruir" o agente na construo de sua silhueta. Ele atua registrando e associando vrias coisas au to -maticamente: os momentos em que a pessoa assiste TV, os programas que ela v e, o mais importante, o ritmo de mudana de canais. De posse desses dados, o agente consegue estabelecer, para uma famlia usual (quatro ou cinco pessoas), os hbitos televisivos dos homens adultos, das mulheres adultas e das crianas. Com o tempo, ele consegue reconhecer cada um no momento mesmo em que liga a TV, e pode assim lhe oferecer alguma sugesto, como, por exemplo, sintonizar diretamente o canal ou o programa

    32 Jeffrey Bradshaw nos apresenta uma bela introduo aos knowbots, ou agentes

    inteligentes, em seu livro Software Agents (Cambridge, Mass.: M I T Press, 1997).

    33 "Silhueta", aqui, difere de "perfil", na medida em que esse ltimo elaborado com

    dados fornecidos voluntariamente por um usurio que se identifica junto ao sistema. A silhueta, por sua vez, construda sem nenhuma identificao ou informao prvia, guardando, portanto, um carter dinmico. Na verdade, alguns programas j trabalham com esse tipo de distino, em que temos um perfil estruturado previa-mente e um perfil dinmico, construdo processualmente. Amazon.com e Abuzz.com so dois bons exemplos, como veremos mais adiante.

  • 46 A Cultura Digital

    preferido da pessoa. Fica claro que esse agente no demanda nenhum

    consentimento por parte dos usurios para agir e ofe-recer sugestes, e que a silhueta obtida relaciona o indivduo com a programao televisiva, e no com servios em rede ou outros indivduos. A tendncia,

    c, < no entanto, que softwares mais.sofisticados venham K' a ser introduzidos nas televises digitais interativas, proporcionando aos usurios assistncia nos servios de compra, nas transaes bancrias e na comunica-o com outras pessoas. Mas esses softwares s pode-ro agir, pelas prprias consequncias indicadas, sob instruo dos usurios.

    MENSAGENS, NOTCIAS E LIVROS Uma das mais ilustres responsveis pelo desenvolvimento de agentes inteligentes na atualidade Pattie Mes, a diretora de pesquisa no programa MediaLab do Insti-tuto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Num arti-go intitulado "Agents That Reduce Work and Information Overload" (Agentes Que Reduzem o Tra-balho e o Excesso de Informao),34 ela apresenta al-guns exemplos concretos de como certos agentes que j esto no mercado funcionam em nosso cotidiano.

    Um exemplo o software que d assistncia a nosso correio eletrnico.35 Trata-se de um agente pes-

    34 Pattie Mes, "Agents That Reduce Work and Information Overload". Em: Jeffrey

    M. Bradshaw (ed.), Software Agents. Massachusetts: MIT Press, 1997. 35

    J possvel encontrar algum nvel de agente em nossos correios eletrnicos. No Outlook, por exemplo, h o chamado "assistente de regras", que, quando conveniente-mente instrudo, pode executar automaticamente uma srie de tarefas para o usurio.

    O Dilvio de Informaes 47

    soai que "aprende" com o usurio a priorizar, deletar, encaminhar, classificar e arquivar mensagens. A tcni-ca de aprendizagem simples: o sistema observa con-tinuamente o usurio em sua atividade de consulta ao correio eletrnico e memoriza em conjunto as situa-es e as aes correspondentes. Assim, se o usurio salva certa mensagem aps t-la lido, o sistema adicio-na num arquivo de exemplos uma descrio dessa situao e da ao que foi tomada ("leu e salvou a mensagem de fulano").

    Mesmo no uso do correio eletrnico, as situa-es nas quais um agente pode auxiliar algum no so poucas. Entre elas, incluem-se, por exemplo, aes especficas para o caso de termos remetentes impor-tantes em nossa lista; verificaes constantes sobre te-mas de nosso interesse a partir de palavras-chave na linha "assunto" das mensagens recebidas; procedimen-tos para mensagens no lidas aps certo perodo etc. Desse modo, dada uma situao de rotina, o knowbot tentar predizer a ao do usurio, baseado em exem-plos armazenados em sua memria. O agente compa-rar ento a nova situao com esses dados, tentando encontrar um conjunto de situaes vizinhas que pos-sam orient-lo. A mais similar dessas situaes memorizadas contribuir para a deciso da ao a ser tomada ou seguida. Uma regra importante aqui o grau de confiana que deve ser estabelecido para que o software possa tomar uma deciso. Dependendo do nvel de confiana alcanado, pode-se permitir que o agente "faa" algo sem consulta, ou ento que "comu-nique" ao usurio uma sugesto antes de agir.

    Um segundo modelo o dos agentes que auxi-liam na seleo de artigos com base num fluxo cont-nuo de notcias. O usurio pode trein-los com exemplos de artigos que deveriam ou no ser selecio-

  • 48 A Cultura Digital

    nados. Um caso interessante o do agente criado pela empresa americana IFinder, que funciona atualmente no site www.ifinder.com. Essa empresa, que opera no ramo do marketing personalizado, fez um acordo com mais de 300 agncias de informaes eletrnicas, nos setores de notcias, entretenimento, esportes, lazer e negcios. O usurio pode usufruir dos servios

    dessas qv-vrJs J-^Jsfri?^d&-s

  • 50 A Cultura Digital

    das que no conhecemos (ou possam conhecer grava-es exclusivas ou um disco solo que igualmente des-conhecemos). Isso tambm se aplica a livros, filmes, shows etc. Em linhas gerais, eis a funo do agente da Amazon: elaborar um circuito de sugestes cruzadas, baseadas nas compras dos prprios clientes da empresa.37

    A importncia do tipo de agente inteligente ou filtro colaborativo usado pela Amazon que ele se apoia, em primeiro lugar, na fora que o mecanismo de sugesto pode exercer sobre o poder de escolha dos indivduos. Isso significa que consegue fazer o que mecanismos de busca convencionais ou knowbots mais simples no fazem: oferecer ao usurio sugestes muito prximas do que ele deseja, com base nas preferncias de centenas ou milhares de outros usurios.

    Outro aspecto importante que, ao mesmo tem-po, esse agente induz a pessoa a desenvolver uma percepo de comunidade ou pertena. A situao na qual algum procura por um ttulo de livro ou CD e, ao encontr-lo, percebe que outras pessoas que o ad-quiriram compraram igualmente outros ttulos que apresentam afinidades com o primeiro, faz surgir de imediato nesse indivduo uma percepo de comuni-dade e de colaborao annima em rede.

    Trata-se do mesmo tipo de percepo j men-cionado no exemplo da participao em programas televisivos, em que os telespectadores podem se dar conta dos votos, opinies e perguntas de outros

    37 Vale a pena consultar os exemplos de agentes inteligentes apresentados por Johnson

    em Cultura da Interface, op. cit.,cap. 6. No Brasil, o site da Livraria Cultura,por exemplo, j comeou a oferecer esse mesmo tipo de servio (www.livrariacultura.com.br).

    O Dilvio de informaes 51

    telespectadores, sob a mediao da televiso.Vale lem-brar que essa mediao s tende a se aprofundar com o advento da TV digital interativa, que possui recursos como chats e comunicadores instantneos. Mas a iTV tambm avana no terreno das tecnologias de agentes inteligentes para estimular a oferta de programas, pro-dutos e servios, como o caso, ainda em seus pri-meiros passos, da silhueta do telespectador produzida pelo software da OpenTV.

    Atravs da Internet, do celular ou da televiso digital, os agentes inteligentes j esto colaborando e vo colaborar ainda mais para que possamos perceber as vrias comunidades s quais pertencemos, relacio-nando perfis por afinidade, informando sobre a pre-sena de outras pessoas em rede, sugerindo produtos e servios etc.

    A construo dessa percepo de comunidade, que diferente e, no entanto, convive com o ato efe-tivo de participar de uma comunidade virtual, como veremos a seguir, v sua importncia ligada necessi-dade crescente que as pessoas tm de se sentirem situ-adas no dilvio informacional que tomou conta de nossa sociedade. Isso significa que, hoje, no basta com-partilharmos espao fsico com parentes, vizinhos, co-legas e amigos. preciso, igualmente, compartilhar zonas de conhecimento, gostos e preferncias, onde o que importa saber que outras pessoas, annimas, mas situadas em constelaes de sentido prximas nossa, podem de algum modo colaborar conosco. delas que, por intermdio das mquinas inteligentes, aceita-mos e aceitaremos cada vez mais sugestes sobre li-vros, msicas, filmes, programas televisivos, restaurantes etc.

    Essas sugestes, bom lembrar, atuam diretamen-te sobre as pessoas no momento de uma escolha ou de

    \

  • 52 A Cultura Digital

    uma tomada de deciso. Os avanados sistemas de sugestes colaboram, dessa forma, para fixar a ateno dos usurios em informaes, servios e produtos, mediando, de maneira sutil, a relao entre os indiv-duos e o excesso encontrado no ciberespao. 3. AS COMUNIDADES

    VIRTUAIS

  • Quando comecei a me orientar na Well, procurava informao e encontrei-a. Contudo, logo me dei

    conta de que as pessoas que dispem da informao so mais interessantes do que a

    informao em si.

    Ilowtad RlieingoM"

    COLNIAS DE FORMIGAS?

    O nome de Howard Rheingold est inti-mamente ligado cultura digital. Ele foi um dos pioneiros na divulgao das co-I 1 mumdades on-line, tendo participado ativamente de uma das primeiras e mais famosas ini-ciativas de que se tem notcia na rea, a Well (Whole Earth 'Lectromc Link), fundada em 1985 pelos edi-tores da revista Whole Earth Review.38 Atualmente, Rheingold anima outra comunidade virtual, chama-da Brainstorms. Em seu livro A Comunidade Virtual, publicado em 1993, na mesma poca em que a Web estava nascendo, Rheingold j desenhava um mapa detalhado dos diversos tipos de comunidade on-line existentes no mundo. Ele apontava para o importan-te fato de que "no existe uma subcultura on-line nica e monoltica, mas antes um ecossistema de subculturas,

    Ver: www.wholeearthmag.com, www.well.com, www.rheingold.i

    As Comunidades Virtuais 55

    Ulias frvolas e outras srias"; e tambm alertava que, "o que quer que seja uma comunidade, no se est nunca livre de conflitos".

    Quase uma dcada depois, pode-se dizer que essas subculturas virtuais esto florescendo por todos os cantos do planeta. So to variadas que simples-mente impossvel mapear todas as espcies e sub-espcies. H comunidades virtuais que renem interessados em esportes, entretenimento, poltica, comrcio, sade, sexo, jogos, raa e o que mais se possa imaginar. O ritmo em que elas se formam e se desfazem acompanha, basicamente, o mesmo de todos os grupos humanos. Algumas poucas perma-necem slidas ao longo dos anos, como a Well e, at recentemente, a The-Park. Outras so promovidas pelos agentes da mdia tradicional, como a C N N e o UOL. E muitas vivem da iniciativa de grupos de in-teresse empresas, ONGs, instituies educacionais, movimentos minoritrios etc.

    A Well, que funciona at hoje, o melhor exem-plo de durabilidade, com seus membros cultivando relaes intelectuais, afetivas e sociais. A comunidade The-Park outro bom exemplo, tendo durado de 1994 a 2001. Com salas de bate-papo, fruns, notcias e ar-tigos, The-Park teve populao de mais de 700 mil membros, e mais da metade contribua com peque-nas mensalidades. Eles podiam se tornar moderadores nos fruns e salas de bate-papo, havendo ainda um banco de dados com artigos sobre os temas discutidos. Era tambm possvel visualizar o perfil de cada parti-cipante e conhecer seu endereo eletrnico. Na pri-meira pgina do site, lemos: "Nossa inteno principal oferecer um local para que pessoas de todos os cantos do mundo que tenham algo em comum possam se encontrar, dialogar e aprender sobre assuntos impor-

  • 56 A Cultura Digital

    tantes, cultivar amizades, rornaHs,-re4aes-e paree rias de negcios".39

    Dentre outros exemplos de comunidades expres-sivas, temos a Respublica, fruto de uma iniciativa fran-cesa de 1998, que possui cerca de 500 mil membros e contabiliza mais de 9 milhes de visitas mensais. A Multimania, ligada ao site de busca Lycos, com base tambm na Frana, soma 1 milho de membros. No Brasil, temos a comunidade UOL, que est estruturada unicamente em salas de bate-papo, videopapo e videochats para os visitantes. A presena simultnea de usurios j atingiu 40 mil conectados. Outra iniciativa de sucesso a Caramail, de propriedade da Lycos, baseada em chats que chegam a 20 mil conecta-dos simultneos e mais de 40 mil fruns de discusses, com uma populao que passa da casa do milho.40

    Claro que no mencionamos aqui as megacomuni-dades, constitudas pela America On Line (www.aol.com), Microsoft Network (http://communities.msn.com), Geocities (www.geocities.com, ligada Yahoo.com) e Ezboard (www.ezboard.com). O que acontece que essas reagrupam um nmero enorme de microcomunidades que vivem em seu interior, usufruindo das facilidades de suporte tcnico e tecnolgico oferecido.

    O desenvolvimento das comunidades virtuais provavelmente um dos maiores acontecimentos dos lti-mos anos, j que elas estimulam uma nova maneira de "fazer sociedade", na expresso de Pierre Lvy, filsofo francs mais conhecido por seus livros sobre a cibercultura emergente.41 Os grupos de discusso, listas de difuso,

    19 Apesar de encerrada, a pgina continua ativa: www.the-park.com

    40 Ver: www.respublica.fr, www.multimania.fr, www.caramail.com

    41 Pierre Lvy, Cybcnicmocmtie. Paris: Odile [acob, 2002.

    As Comunidades Virtuais 57

    - -Ghafer-mundos-jrtuais multiparticipantes,...videogames coletivos on-line e comunidades sem-fio apresentam um crescimento espetacular.As salas de bate-papo, por exem-plo, so uma febre no apenas entre os jovens, mas tam-bm entre pessoas de vrias idades, a includos os chats que possuem recursos 3D, com seus avatares - persona-gens que "representam" os usurios - pitorescos. O que no falta so histrias de pessoas que se conheceram em chats e fruns e tornaram-se amigas, namoradas, casa-ram-se (ou se divorciaram), arranjaram trabalho etc. H alguns anos, aqueles que atuam nos mais diversos tipos de negcio, nas vrias esferas da administrao, das uni-versidades e das escolas de modo geral tm se interconectado cada vez mais pelo correio eletrnico e pelo site de sua instituio ou organizao. Essas pessoas constituem verdadeiras comunidades virtuais de traba-lho e de troca de informaes e conhecimentos.

    CONSTRUINDO SUA COMUNIDADE

    O que certo, e pouco comentado, que o investi-mento pessoal e financeiro dos promotores de qual-quer comunidade on-line altssimo. Os desafios e problemas para construir uma comunidade virtual comeam, na verdade, bem antes de definidas quais tecnologias utilizar e continuam bem depois que elas esto implantadas.

    A relao entre membros e promotores uma das que mais oferece problemas. Nem sempre o que os membros desejam o que os promotores esto ofe-recendo. Por outro lado, muito comum promotores fazerem suposies equivocadas sobre as necessidades de uma comunidade e disponibilizarem aquilo de que

  • 58 A Cultura Digital

    ningum precisa. Por isso, indispensvel um balano constante das principais necessidades e disponibilida-des de uns e de outros.

    Amyjo Kirn, autora do livro G&mmunity Building on the Web e uma das responsveis pela concepo das comunidades virtuais da AOL e do iVillage, oferece trs conselhos bsicos nesse terreno.42 Uma comuni-dade, em primeiro lugar, deve comear pequena e cres-cer lentamente como organismo vivo, inclusive fazendo descobertas ao longo do processo, modificando-se. Os gestores, por sua vez, precisam estar atentos aos sinais que os membros emitem, procurar compreend-los constantemente e se fazer compreender por eles. bom ter em mente que os gestores so os responsveis pelo comportamento tico acordado pela coletivida-de. Finalmente, toda comunidade deve caminhar para a autonomia de iniciativa de seus participantes, incen-tivando-os a expressarem suas ideias e acatando suas sugestes.

    Como estratgia fundamental, Amy Kim acon-selha aos promotores estabelecerem com clareza os objetivos da comunidade, bem como os benefcios que seus membros tero ao participarem dela. sempre bom lembrar que a participao de algum numa co-munidade on-line implica investimento de tempo, pa-cincia e compreenso de coisas novas, muitas vezes difceis de assimilar. A menos que o projeto consiga preencher uma necessidade real, os usurios no se

    42 Amyjo Kim, Community Building ou the Web. Berkeley: Peachpit, 2000. Pode-se consul-

    tar o site da autora, www.naima.com/community, que possui links com sites que disponibilizam ferramentas para construir comunidades virtuais, fruns de discusso so-bre o assunto etc. Outro livro importante o de Clitf Figallo, antigo diretor da comuni-dade Well, Hosting Web Comniunities: Building Relalienships, Increasing Customer Loyalty, and Mantaning a Competitive Edge (NewYork:Wiley Computer Publishing, 1998).

    As Comunidades Virtuais 59

    sentiro motivados a participar. Sabe-se que, em geral, as pessoas vo para onde lhes oferecem algo de que necessitam e que no podem encontrar em outro lu-gar. Sendt>^siin7|!arrse-eai aos compromissos de~ uma comunidade virtual, preciso que a pessoa tenha claro para si qual ser seu benefcio principal.

    AS MENTES COLETIVAS

    Voltemos s anlises visionrias de Rheingold em seu Comunidade Virtual de 1993. Ele percebeu que as co-munidades virtuais so lugares onde as pessoas se en-contram, mas so igualmente um meio para atingir diversos fins. "As mentes coletivas populares e seu impacto no mundo material podem tornar-se uma das questes tecnolgicas mais surpreendentes da pr-xima dcada", antecipava. Na verdade, a ideia de uma mente ou uma inteligncia coletiva mediada por com-putadores no chega a ser novidade. Em 1976, o pes-quisador americano Murray Turoff, idealizador do sistema de intercmbio de informao eletrnica (EIES), considerado o ponto de partida das atuais co-munidades on-line, prenunciava que "a conferncia por computador pode fornecer aos grupos humanos uma forma de exercitarem a capacidade de 'inteligncia coletiva' [...] um grupo bem-sucedido exibir um grau de inteligncia maior em relao a qualquer um de seus membros".43

    TuroF visualizou as comunidades virtuais e o potencial de inteligncia coletiva que elas envolviam,

    4,TurofF, 1976, citado por Rheingold, A Comunidade Virtual (Lisboa: Gradiva, 1996).

  • 6o A Cultura Digital As Comunidades Virtuais 61

    mas Rheingold percebeu uma relao mais profunda, motivada em especial pelo excesso de informao. C o m efeito, um dos problemas da rede, em sua viso, era a ^oferta d H m i a a - & i a a m m x i j ^ ^ ^ efetivos passveis de reterem os dados essenciais, teis e do interesse de cada um" . Rheingold estava atento ao fato de que os programadores se esforavam para de-senvolver agentes inteligentes que realizassem a busca e filtragem de informao, poupando o usurio "da terr-vel sensao causada pelo fato de o conhecimento es-pecfico procurado estar enterrado em 50 mil pginas de informao recuperadas". "Mas j existem", dizia, "contratos sociais entre grupos humanos imensamente mais sofisticados, embora informais que nos permi -tem agir como agentes inteligentes uns para os outros".

    Isso, de certa fornia, ampliava o conceito de mente coletiva, pois no se tratava apenas, c o m o imaginava Turoff, de resolver problemas em conjunto, em grupo, coletivamente, como o fazem as colnias de formigas. Ao contrrio, a ideia de men te coletiva que mais se-duzia Rheingold era a de um grupo estimulado a tra-balhar em funo de um indivduo, dos benefcios mais claros e palpveis que ele pudesse vir a obter. O autor nos lembra que as comunidades virtuais abrigam gran-de nmero de profissionais que lidam diretamente com o conhecimento, o que faz delas um ins t rumento pr-tico potencial. " Q u a n d o surge a necessidade de infor-mao especfica, de uma opinio especializada ou da localizao de um recurso, as comunidades virtuais funcionam como uma autntica enciclopdia viva. Elas podem auxiliar os respectivos membros a lidarem com a sobrecarga de informao."

    Em suma, no horizonte do excesso de informa-o que encontramos as comunidades virtuais, funcio-nando como verdadeiros filtros humanos inteligentes.

    A estratgia de fornecimento e utilizao de informa-o atravs do ciberespao seria, na viso de Rheingold, uma maneira extraordinria de um grupo suficiente-mente grande e diversificado de indivduos conseguir multiplicar o grau individual de seus conhecimentos.44

    Mais recentemente, Pierre Lvy tem defendido a participao em comunidades virtuais como um est-mulo formao de inteligncias coletivas, s quais os indivduos podem recorrer para trocar informaes e conhecimentos. Fundamentalmente, ele percebe o pa-pel das comunidades como o de filtros inteligentes que nos ajudam a lidar com o excesso de informao, mas igualmente como um mecanismo que nos abre s vi-ses alternativas de uma cultura. " U m a rede de pessoas interessadas pelos mesmos temas no s mais eficien-te do que qualquer mecanismo de busca", diz ele,"mas, sobretudo, mais eficiente do que a intermediao cul-tural tradicional, que sempre filtra demais, sem conhe-cer em detalhes as situaes e necessidades de cada um".4 5 Da mesma forma que Rheingold, Lvy est con-vencido de que u m a comunidade virtual, quando convenientemente organizada, representa importante riqueza em termos de conhecimento distribudo, de capacidade de ao e de potncia cooperativa.

    J Steven Johnson, que, alm de jornalista e es-critor, um dos promotores da comunidade virtual Plastic (www.plastic.com), afirma n u m recente artigo, " T h e Swarm N e x t T i m e " , que os ltimos anos da Web

    44 Contra os incrdulos que desconfiam desse tipo de troca de conhecimentos e

    informaes. Rheingold atesta que, "na comunidade virtual que melhor conheo, o conhecimento bem apresentado uma valiosa moeda de troca [...]. Quem fornece respostas rigorosas e bem escritas ganha prestgio ante toda a audincia virtual. Os especialistas entram em competio para a resoluo dos problemas1'. 45

    Lvy, Cyberdmoaae, op. cit.

  • 62 A Cultura Digital As Comunidades Virtuais 63

    foram de pseudointeratividade e que, finalmente, o ciberespao comea a nos oferecer aquilo que foi sua promessa original: alimentar uma inteligncia coletiva pela conexo de todas as informaes do mundo. "Po-demos ver os primeiros anos da Web como uma fase embrionria, evoluindo atravs de seus antepassados culturais: revistas, jornais, shoppings, televises etc. Mas j h algo inteiramente novo hoje, uma espcie de se-gunda onda da revoluo interativa que a computao desencadeou: um modelo de interatividade baseado na comunidade, na colaborao de muitos com muitos."46

    Johnson no desconhece o antigo e longo per-curso de comunidades como a Well, considerada por Rheingold um autntico filtro comunitrio inteligente. Mas o que Johnson tem em mente aqui so as conse-quncias da interveno cada vez mais ampla e com-plexa dos agentes inteligentes nas relaes entre os membros de comunidades virtuais. Est interessado, acima de tudo, na performance dos filtros atuais, que aumenta medida que h um incremento do nmero de usurios e de informaes. Isso quer dizer que os agentes e filtros colaborativos tornam-se mais esper-tos e teis medida que mais informaes e indiv-duos fluem atravs deles.

    Dois bons exemplos disso so o Napster e o Morpheus, softwares que permitem s pessoas troca-rem msicas, imagens e arquivos atravs da rede. Nesse caso, quanto maior o nmero de usurios e de documentos disponveis no sistema, melhor o desem-penho dos softwares e, em consequncia, maiores os benefcios para cada um. O Napster no s funcio-

    46 O artigo em questo, publicado na Web em 15/1/2001, pode ser encontrado

    procurando-se por "feedmag" em: www.archive.org

    nou, como seu sucesso resultou numa enorme batalha judicial com a poderosa indstria fonogrfica. Pois bem, a contribuio de cada indivduo no sistema Napster pode ser considerada mnima, j que esse indivduo precisa disponibilizar, quando muito, seus arquivos de msica para a comunidade. So as pequenas formigas que levam seu minsculo pedao de folha para o cen-tro de um enorme formigueiro! Em contrapartida, o benefcio ter disposio todas as msicas dis-ponibilizadas por todos os membros do planeta!

    De fato, possvel notar que, no mesmo ritmo em que as publicaes e ofertas de produtos e servios se avolumaram no ciberespao, as comunidades vir-tuais aprimoraram suas tcnicas de auxlio e orienta-o aos usurios, conquistando assim sua confiana e atraindo sua participao. Hoje, alm da comunicao direta entre os membros, fonte de dicas e sugestes, possvel contar com as mais variadas citaes feitas em grupos de discusso ou em salas de bate-papo, com os votos ou crticas dos usurios a produtos e servios, com a opinio de especialistas convidados, com os ser-vios de personalizao e, cada vez mais, com a ao dos knowbots.

    Todos esses recursos fazem com que as comuni-dades virtuais sejam verdadeiras fontes de consulta, e, como consequncia previsvel, muitos visitantes usu-fruem mais do que contribuem. O prprio Rheingold nos d uma estatstica que vlida at hoje: cerca de 16% de usurios num frum ou chat contribuem com 80% do volume total de palavras, embora haja muitos escuta, invisveis, livres para participar ou no, que usam os recursos da coletividade como fonte variada de orientao. Ora, o fato de muitas pessoas apenas consultarem o coletivo e no contriburem diretamente para ele poderia, por si s, ser entendido de forma

  • 64 A Cultura Digital As Comunidades Virtuais 65

    negativa. No entanto, os agentes inteligentes vieram contrabalanar essa tendncia em tempo, pois conse-guem capitalizar em prol da comunidade at mesmo as consultas mais simples daqueles que dela no parti-cipam ativamente.

    Mas que tipo de mente, afinal de contas, devera-mos atribuir s comunidades on-line? H algumas inicia-tivas que alimentam conotaes mais utpicas e levam as pessoas a duvidar da possibilidade de uma inteligncia ou mente coletiva.Trata-se daquelas que pressupem graus elevados de sacrifcio dos membros em funo de algum objetivo ou causa maior. Com ideias formigando de todo lado, os indivduos vo engendrando uma obra com a sinergia de suas inteligncias ou de suas aes. Um dos raros casos conhecidos desse gnero na rede, alis com sucesso extraordinrio, o da comunidade virtual Open Source Development Network (www.osdn.com), que rene programadores de todo o mundo dispostos a cola-borar no desenvolvimento de softwares de cdigo aber-to. O sistema operacional Linux (que possui mais de 30% do mercado mundial de servidores www.linux.com) a melhor prova de resultados dessa autntica espcie de mente coletiva. Mas a Well tambm provou que uma comunidade on-line pode socorrer um membro doente num pas distante, mobilizando recursos financeiros e humanos em pouqussimo tempo.47

    A segunda maneira de interpretar uma intelign-cia coletiva entender uma comunidade virtual como excelente filtro inteligente, que pode ser consultado por qualquer um a qualquer momento. Nesse caso, o grande material acumulado no formigueiro que so-corre cada formiguinha em suas necessidades.

    Cf. Rheingold, op. cit., cap. 1

    UM ZUMBIDO NA REDE...

    Vejamos um dos exemplos mais contundentes do que seria uma comunidade virtual que, toda baseada no conhecimento, s pde se constituir com a ajuda de agentes inteligentes.Trata-se do Abuzz.com, criado em janeiro de 2000 pelo jornal The New York Times. A ideia do NYT foi explorar, de forma inteligente, o modo como as pessoas buscam informaes e conhe-cimentos e colaboram umas com as outras num am-biente on-line. Foi tambm, do ponto de vista comercial, uma estratgia para incorporar o potencial de partici-pao dos assinantes atravs da Internet e conseguir novos assinantes.

    Uma autodefmio na primeira pgina diz o se-guinte: "O Abuzz uma rede de conhecimentos que usa o correio eletrnico e a Web para conectar voc com pessoas, informaes e pontos de vista que lhe sejam relevantes". De maneira estratgica, d tambm uma definio de seus membros, que soa como um lembrete tico:

    "Os membros do Abuzz so pessoas inteligentes com conhecimento, como voc. Eles no so experts contratados, mas pessoas que gostam de compartilhar o conhecimento pelo conhecimento. So [...] o ingrediente no-tcnico que torna o Abuzz mais in-teressante do que uma sala de bate-papo, mais conve-niente do que um news group, mais receptivo do que um frum e mais humano do que um mecanismo de busca".

    Seis meses aps seu lanamento, o Abuzz tinha mais de 350 mil membros em atividade. Seu princ-pio de funcionamento extremamente simples e atraente do ponto de vista do usurio, mas muitssi-

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    mo sofisticado e complexo do ponto de vista da so-luo tecnolgica. O principal recurso do Abuzz o sistema de perguntas e respostas, que atrai as pessoas pela simplicidade e praticidade. Simplicidade porque a primeira coisa que vemos na pgina inicial o es-pao para colocarmos nossa questo; praticidade por-que recebemos as respostas por e-mail. De fato, no Abuzz podemos perguntar qualquer coisa, desde as-suntos triviais at problemas tcnicos ou tericos. Podemos nos informar sobre produtos e servios, ou sobre os melhores sites de algum assunto. Os mem-bros da comunidade respondem. Obviamente, isso significa que, se algum deseja fazer perguntas, deve estar disposto a responder, pelo menos de vez em quando, a algumas que lhe sero formuladas. Afinal, a reciprocidade que faz a comunidade. Mas o usu-rio no precisa se preocupar: o agente inteligente filtra as questes remetidas pela comunidade e s as enderea para os membros cujo perfil combina o melhor possvel com a pergunta. Dessa forma, os par-ticipantes que no tiverem se declarado amantes da msica clssica, por exemplo, no sero forados a responder sobre Mozart. No entanto, se por um lap-so algum desses participantes se empolgar em co-mentrios musicais a respeito do filme Amadeus, ento o agente no ter como evitar lhe enviar algumas belas questes sobre Antnio Salieri, o famoso ad-versrio de Mozart naquela histria ficcional.

    Para o agente inteligente do Abuzz, tudo o que auxiliar na construo do perfil dos membros e na melhor troca possvel entre perguntas e respostas importante. Assim, as respostas recebem aplausos, o que estimula a participao; o tempo que algum leva para responder computado, para que aqueles que perguntam tenham ideia do intervalo mdio de res-

    posta; caso o usurio no receba uma resposta no tempo mdio, o agente lhe propor refazer a per-gunta etc. Esses e outros recursos fazem do Abuzz um excelente exemplo de comunidade movida ex-clusivamente pela partilha de conhecimentos, por uma inteligncia coletiva.

    O New York Times, por sua vez, encontrou no Abuzz um ambiente vivo que o orienta em muitas pautas e discusses. Alm disso, o prprio jornal for-nece links de matrias interessantes para os grupos de discusso e coloca questes sobre diversos temas para a comunidade, numa forma inusitada de provocao e dilogo. o que poderamos chamar de autntica con-versa entre um meio de comunicao impresso e seus assinantes e leitores.

    AS REDES DE CONHECIMENTO

    A televiso tambm tem seus exemplos int