A MADEIRANAHISTORIADEPORTUGAEDOATLÂNTICO

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A MADEIRA NA HISTORIA DE PORTUGAL E DO ATLÂNTICO ALBERTO VIEIRA “...O conjunto dos arquipélagos das Canárias, Madeira e Açores: escalas obrigatórias em todo esse sistema mundial, uma vez que o globo se tornou em periferia desse centro dinâmico, empreendedor e avassalador, que é a Europa ocidental dos séculos XVI-XVIII.(...) A Madeira situa-se no centro deste sistema de duplo sentido, e por isso de certo modo comanda todo este espaço, porque vive sobretudo da riquíssima produção própria.” V. M. Godinho, Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar. séculos XIII-XVIII, Lisboa, 1990. Algumas das grandes questões, com grande actualidade, definem este novo e real rumo que é a investigação insular. Em primeiro lugar podemos citar o enquadramento da Madeira, no contexto dos descobrimentos europeus, donde ressalta, para além do protagonismo sócio-económico, a posição charneira nos rumos da política expansionista. As funções de escala e modelo projectam-na nessa realidade e conduzem a que seja parte disso e não um mundo à parte. Por outro lado, a expansão europeia foi propícia à definição das teias de subordinação e complementaridade que levaram à modelação de um mercado insular aberto e vinculado, de acordo com uma lógica de complementaridade. É isso, em certa medida, o que define o Mediterrâneo Atlântico nos séculos XV a XVII. A favor de tudo isto está a tese que vingou no seio da Historiografia americana, que define o Atlântico como uma unidade de análise. Deste modo o período que decorre entre os inícios de expansão europeia, a partir do século XV, e a plena abolição da escravatura, em 1888, delimitam cronologicamente esta realidade 1 . A dimensão assumida pela Madeira no contexto da expansão quatrocentista, quer como terra de navegadores, quer como principal centro que modelou a realidade sócio-económico deste novo espaço atlântico, é a evidência desta imprescindível dimensão atlântica da ilha. A par disso torna-se necessário dize-lo que é chegado o momento de repensar a forma como se faz História entre nós. É chegado o momento de rever os últimos vinte anos de actividade para que seja possível a definição de novos rumos adequados ao protagonismo 1 . Cf. Alan L. Kanas e J. R. Manell, Atlantic american societies-from Columbus through abolition 1492-1886, London, 1992; Alfred W. Crosby, the Columbian exchange, biological and cultural consequences of 1492, Westport, 1972; S. Mintz, Sweetness and power, N. York, 1985. Michael Meyerr, "The price of the new transnational history", the American Historical Review, 96, nº 4, 1991, 1056- 1072; D.W. Meinig, Atlantic America 1492-1800, New Haven, 1980: Lan Stelle, The english atlantic, 1675-1740 - An exploration & communication and community, N. Y. 1986.

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ALBERTO VIEIRA A par disso torna-se necessário dize-lo que é chegado o momento de repensar a forma como se faz História entre nós. É chegado o momento de rever os últimos vinte anos de actividade para que seja possível a definição de novos rumos adequados ao protagonismo

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A MADEIRA NA HISTORIA DE PORTUGAL E DO ATLÂNTICO

ALBERTO VIEIRA “...O conjunto dos arquipélagos das Canárias, Madeira e Açores: escalas obrigatórias em todo esse sistema mundial, uma vez que o globo se tornou em periferia desse centro dinâmico, empreendedor e avassalador, que é a Europa ocidental dos séculos XVI-XVIII.(...) A Madeira situa-se no centro deste sistema de duplo sentido, e por isso de certo modo comanda todo este espaço, porque vive sobretudo da riquíssima produção própria.” V. M. Godinho, Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar. séculos XIII-XVIII, Lisboa, 1990. Algumas das grandes questões, com grande actualidade, definem este novo e real rumo que é a investigação insular. Em primeiro lugar podemos citar o enquadramento da Madeira, no contexto dos descobrimentos europeus, donde ressalta, para além do protagonismo sócio-económico, a posição charneira nos rumos da política expansionista. As funções de escala e modelo projectam-na nessa realidade e conduzem a que seja parte disso e não um mundo à parte. Por outro lado, a expansão europeia foi propícia à definição das teias de subordinação e complementaridade que levaram à modelação de um mercado insular aberto e vinculado, de acordo com uma lógica de complementaridade. É isso, em certa medida, o que define o Mediterrâneo Atlântico nos séculos XV a XVII. A favor de tudo isto está a tese que vingou no seio da Historiografia americana, que define o Atlântico como uma unidade de análise. Deste modo o período que decorre entre os inícios de expansão europeia, a partir do século XV, e a plena abolição da escravatura, em 1888, delimitam cronologicamente esta realidade1

. A dimensão assumida pela Madeira no contexto da expansão quatrocentista, quer como terra de navegadores, quer como principal centro que modelou a realidade sócio-económico deste novo espaço atlântico, é a evidência desta imprescindível dimensão atlântica da ilha. A par disso torna-se necessário dize-lo que é chegado o momento de repensar a forma como se faz História entre nós. É chegado o momento de rever os últimos vinte anos de actividade para que seja possível a definição de novos rumos adequados ao protagonismo

1. Cf. Alan L. Kanas e J. R. Manell, Atlantic american societies-from Columbus through abolition 1492-1886, London, 1992; Alfred W. Crosby, the Columbian exchange, biological and cultural consequences of 1492, Westport, 1972; S. Mintz, Sweetness and power, N. York, 1985. Michael Meyerr, "The price of the new transnational history", the American Historical Review, 96, nº 4, 1991, 1056-1072; D.W. Meinig, Atlantic America 1492-1800, New Haven, 1980: Lan Stelle, The english atlantic, 1675-1740 - An exploration & communication and community, N. Y. 1986.

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e posicionamento que assumimos na História. É isso que propomos aqui e agora com algumas incursões sobre a historiografia e História madeirense. 1.A SITUAÇÃO Antes de tudo importa ver aquilo que se entende hoje pela História insular e madeirense, quer através dos manuais escolares, quer da historiografia local e nacional.

A HISTORIOGRAFIA, OS HISTORIADORES E AS NOVAS REALIDADES. A História das ilhas atlânticas tem merecido, na presente centúria, um tratamento preferencial no âmbito da História do Atlântico. Primeiro foram os investigadores europeus como F. Braudel (1949), Pierre Chaunu (1955-1960), Frédéric Mauro (1960) e Charles Verlinden (1960) a destacar a importância do espaço insular no contexto da expansão europeia. E só depois surgiu a historiografia nacional a corroborar a ideia e a equacioná-la nas dinâmicas da expansão insular. Neste caso são pioneiros os trabalhos de Francisco Morales Padron (1955) e Vitorino de Magalhães Godinho (1963). Tal ambiência condicionou os rumos da historiografia insular nas últimas décadas e contribuiu para a necessária abertura às novas teorias e orientações do conhecimento histórico. Neste contexto as décadas de setenta e oitenta demarcam-se como momentos importantes no progresso da investigação e saber históricos, contribuindo para tal a definição de estruturas institucionais e de iniciativas afins. Note-se que a produção historiográfica insular é desigual, dependendo o seu número da existência de literatos e de instituições capazes de incentivarem a elaboração e divulgação de estudos nos diversos domínios. Ainda, a similitude do processo vivencial aliada à sua permeabilidade às perspectivas históricas peninsulares definiram uma certa unidade na forma e conteúdo da historiografia insulana. Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI, com as Saudades da Terra, define e sintetiza essa unidade insular, aproximando os arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias. Esta ímpar situação na historiografia, só será retomada na década de quarenta do nosso século pela historiografia europeia e no presente pela nova geração de historiadores insulares. Essa consciência histórica da unidade desta múltipla realidade arquipelágica será definida de modo preciso na expressão braudeliana de Mediterrâneo Atlântico2

. A historiografia insulana, permeável às suas origens europeias, surge, na alvorada da revolução do conhecimento cosmológico, como a expressão pioneira desta novidade e, ao mesmo tempo, como uma necessidade institucional de justificação da intervenção e soberania peninsular. Deste modo o período que medeia os séculos XV e XVI é marcado por uma produção historiográfica mais europeia que local, próxima da crónica e da

2. Foi esse o objectivo dos nossos estudos: Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1987; Portugal y las islas del Atlántico, Madrid, 1992.

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literatura de viagens, onde esses ideais se espraiam. Os factos históricos e as impressões das viagens atlânticas, perpetuados nas crónicas e relatos de diversa índole terão uma utilização posterior de acordo com as exigências da época. A prosa histórica é impregnada do ideal romântico servindo-se de perspectivas e formas positivistas de justificação e fundamentação de certos meteoritos políticos que a sociedade insular contemporânea é portadora3. No culminar deste processo as exigências académicas, com a expansão do saber universitário, as solicitações do novo conhecimento histórico condicionaram tal avanço qualitativo da historiografia, a partir da década de quarenta. Assim, nas Canárias a tradição e vivência universitária propiciaram o forte arranque, enquanto nos Açores o academismo cultural e, depois, a universidade lançaram este arquipélago para uma posição similar. A Madeira, prenhe em documentos manteve-se num segundo plano, mercê da falta de suporte institucional e académico. Todavia, as condições emanentes da dinâmica autonômica com o aparecimento de suportes institucionais definiram um futuro promissor. Na actualidade depara-se perante nós um momento de grande valorização da História no nosso quotidiano. Dispomos de tudo o necessário para isso: publicações periódicas, colóquios e conferências e um desusado interesse do publico pela temática. Falta, todavia, um adequado ajustamento arquivístico a esta nova realidade. Mas será que isso tem favorecido, em simultâneo, a afirmação da investigação e consequente avanço do conhecimento do nosso passado histórico com a consequente atribuição do lugar que temos direito nos anais da História ? 2. QUAL A POSIÇÃO DA MADEIRA NA HISTÓRIA DE PORTUGAL E DO ATLÂNTICO ? Para podermos situar melhor esta questão temos que partir da problematização das seguintes situações.

1. OS FACTOS mais destacados dos anais da História da ilha fazem-na projectar no conjunto mais vasto, primeiro pela razão de ter sido a primeira área de reconhecimento e ocupação europeia no Atlântico, que por isso mesmo serviu de modelo para aquilo que se sucedeu. Exemplo disso poderá encontrar-se nas chamadas capitanias, forma institucional que regeu o governo inicial.

2..OS TEMAS que fazem o devir histórico através da dimensão económica local e atlântica e também da história da navegação e da ciência.

3.OS HOMENS, que como quem diz, os madeirenses que deixaram o seu nome lavrado em letras douradas nos anais da História de Portugal e do mundo, como navegadores, descobridores e aventureiros, guerreiros da defesa dos nossos interesses no Norte de África e Brasil.

3 Confronte-se Guia para a História das ilhas Atlânticas, Funchal, 1997

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2.1. OS FACTOS Os acontecimentos, a partir dos quais se recompõe o esqueleto da história merecem a primeira referencia. É, na verdade, a partir deles que as evidencias clamam por um desusado protagonismo que merece ser divulgado, referenciado e assumido. OS MADEIRENSES NOS ANAIS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL E DO MUNDO “...porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de São Miguel, e meu tio a de São Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que vê...”João de Melo da Câmara, 1532. Foi o arquipélago o início da presença portuguesa no Atlântico, e o primeiro e mais proveitoso resultado desta aventura. Vários são os factores que se conjugaram para este protagonismo. A inexistência de população, em consonância com a extrema necessidade de valorização para o avanço das navegações ao longo da costa africana, favoreceram a rápida ocupação e crescimento económico da Madeira. Por isso, a afirmação do arquipélago madeirense, nos primeiros anos dos descobrimentos, foi evidente: porto de escala ou apoio para as precárias embarcações quatrocentistas, que sulcavam o oceano; importante área económica, fornecedora de cereais, vinho e açúcar; modelo económico, social e político para as demais intervenções portuguesas no Atlântico. A Madeira foi no século XV uma peça primordial no processo de expansão. A ilha, considerada a primeira pedra da gesta descobridora dos portugueses no Atlântico, é o marco referencial mais importante desta acção no século XV. Ela, de inicial área de ocupação, passou a um entreposto imprescindível às viagens ao longo da costa africana e, depois, foi modelo para todo o processo de ocupação atlântica, Por tudo isto a Madeira firmou o seu nome com letras douradas na História da expansão europeia no Atlântico. O Funchal foi, por muito tempo, o principal ancoradouro do Atlântico que abriu as portas do mar oceano e traçou caminho para as terras do Sul. Aí a abundância do cereal e vinho propiciavam ao navegante o abastecimento seguro para a demorada viagem. Por isso o madeirense não foi apenas o cabouqueiro que transformou o rochedo e fez dele uma magnífica horta, também se afirmou como o marinheiro, descobridor e comerciante. Deste modo algumas das principais famílias da Madeira, enriquecidas com a cultura do açúcar, gastaram quase toda a sua fortuna na gesta descobridora, ao serviço do infante D. Henrique, ao longo da costa africana ou, de iniciativa particular, na direcção do Ocidente, correspondendo ao repto lançado pelos textos e lendas medievais. A juntar a tudo isso temos que o rápido progresso social, resultado do porvir económico, condicionou o aparecimento de uma aristocracia terratenente que, imbuída do ideal cavalheiresco e do espírito de aventura, se embrenhou na defesa das praças marroquinas,

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na disputa pela posse das Canárias e viagens de exploração e comércio ao longo da costa africana e, até mesmo, para Ocidente. A valorização da Madeira no contexto da expansão europeia tem sido diversa. A historiografia nacional considera-a um simples episódio de todo o processo e, em face da posição geográfica, hesita no seu enquadramento, sendo levada, por vezes ao esquecimento. A historiografia europeia, ao invés, não duvida em realçar a singularidade do seu processo neste contexto. A Madeira, arquipélago e Ilha, afirma-se no processo da expansão europeia pela singularidade do seu processo. Vários são os factores que o propiciaram, no momento de abertura do mundo atlântico, e que fizeram com que ela fosse, no século XV, uma das peças chave para a afirmação da hegemonia portuguesa no Novo Mundo. O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios que iam ao encontro da Europa em expansão. Além disso ela é considerada a primeira pedra do projecto, que lançou Portugal para os anais da História do oceano que abraça o seu litoral abrupto. A fundamentação de tudo isto está patente no real protagonismo da ilha e das suas gentes. À função de porta-estandarte do Atlântico, a Madeira associou outras, como “farol” Atlântico, o guia orientador e apoio para as delongas incursões oceânicas. Por isso nos séculos que nos antecederam, ela foi um espaço privilegiado de comunicações, tendo a seu favor as vias traçadas no oceano que a circunda e as condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e vinha. Uma e outra condições contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano fosse quebrado e se mantivesse um permanente contacto com o velho continente europeu e o Novo Mundo. A elevada mobilidade social é uma característica da sociedade insular. O fenómeno da ocupação atlântica lançou as bases da sociedade e a emigração ramificou-a e projectou-a além Atlântico. As ilhas foram assim, num primeiro momento, pólos de atracção, passando depois a actuar como áreas centrifugas. A novidade aliada à forma como se processou o povoamento, activaram o primeiro movimento. A desilusão, as escassas e limitadas possibilidades económicas e a cobiça por novas e prometedoras terras, o segundo surto. Primeiro foi a Madeira, depois as ilhas próximas dos Açores e das Canárias e, finalmente, os novos continentes ou ilhas. Desiludido com a ilha o madeirense procurou melhor fortuna nos Açores ou nas Canárias, e depositou, depois, na costa africana as prometedoras esperanças comerciais. Neste grupo incluem-se principalmente os filhos segundos desapossados da terra pelo sistema sucessório. é disso exemplo Rui Gonçalves da Câmara, filho do capitão do donatário no Funchal, que preferiu ser capitão da ilha distante de S. Miguel a manter-se como mais um mero proprietário na Ponta do Sol. Com ele surgiram outros que deram o arranque decisivo ao povoamento desta ilha. Deste modo a Madeira evidencia-se também no século quinze como um centro de divergência de gentes no novo mundo. A elevada mobilidade do ilhéu levou os monarcas a definirem uma política de restrições

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no movimento emigratório em favor da fixação do colono à terra, como forma de se evitar o despovoamento das áreas já ocupadas. Mas o apelo das riquezas fáceis, do resgate africano ou da agricultura americana eram mais convincentes, tendo a seu favor a disponibilidade dos veleiros que escalavam com assiduidade os portos insulares. A emigração era inevitável. A Madeira desfrutava no século XV, a exemplo das Canárias, de uma posição privilegiada perante a costa e ilhas africanas. Deste modo ela afirmou-se por muito tempo como um importante centro emigratório para os arquipélagos vizinhos ou longínquos continentes. Para isso contribuiu o facto de estar associada ao madeirense uma cultura que foi a principal aposta das arroteias do Atlântico, isto é, a cana sacarina. Os madeirenses aparecem nas Canárias, Açores, S. Tomé e Brasil a dar o seu contributo para que no solo virgem brotem os canaviais, apareçam os canais de rega ou de serviço aos engenhos, a que também foram seus obreiros nos avanços tecnológicos. A crise da produção açucareira madeirense, gerada pela concorrência do açúcar das áreas que os seus habitantes contribuíram para criar, empurrou-nos para destinos distantes. Nesta diáspora atlântica, iniciada na Madeira, é de referenciar o caso da emigração inter insular dos arquipélagos do Mediterrâneo Atlântico. As ilhas, pela proximidade e forma similar de vida, aliadas às necessidades crescentes de contactos comerciais, exerceram também uma forte atracção entre si. Madeirenses, açorianos e canários não ignoravam a condição de insulares e, por isso mesmo, sentiram necessidade do estreitamento destes contactos. A Madeira, mais uma vez, pela posição charneira entre os açores e as Canárias e da anterioridade no povoamento, foi, desde meados do século XV, um importante viveiro fornecedor de colonos para estes arquipélagos e elo de ligação entre eles. A ilha funcionou mais como pólo de emigração para as ilhas do que como área receptora de imi-grantes. Se exceptuarmos o caso dos escravos guanches e a inicial vinda de alguns dos conquistadores de Lanzarote, podemos afirmar que o fenómeno é quase nulo, não obstante no século dezasseis os açorianos surgirem com alguma evidência no Funchal. Note-se, ainda, a presença de uma comunidade de açorianos nas ilhas Canárias, principalmente nas ilhas de Gran Canária, Tenerife e Lanzarote, dedicados à cultura dos cereais, vinha, cana sacarina e pastel. Mas açorianos e canarianos, bem posicionados no traçado das rotas oceânicas, voltaram a sua atenção para o promissor novo mundo. A Madeira foi terra descoberta , mas também de descobridores. Na verdade, a Madeira, arquipélago e Ilha, afirma-se no processo da expansão europeia pela singularidade da sua intervenção. Vários são os factores que o propiciaram, no momento de abertura do mundo atlântico, e que fizeram com que ela fosse, no século XV, uma das peças chave para a afirmação da hegemonia portuguesa no Novo Mundo.

TERRA DE DESCOBRIDORES

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O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios que iam ao encontro da Europa em expansão. além disso ela é considerada a primeira pedra do projecto, que lançou Portugal para os anais da História do oceano que abraça o seu litoral abrupto. A fundamentação de tudo isto está patente no real protagonismo da ilha e das suas gentes. Á função de porta-estandarte do Atlântico, a Madeira associou outras, como “farol” Atlântico, o guia orientador e apoio para as delongas incursões oceânicas. Por isso nos séculos que nos antecederam, ela foi um espaço privilegiado de comunicações, tendo a seu favor as vias traçadas no oceano que a circunda e as condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e vinha. Uma e outra condições contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano fosse quebrado e se mantivesse um permanente contacto com o velho continente europeu e o Novo Mundo. Como corolário desta ambiência a Madeira firmou uma posição de relevo nas navegações e descobrimentos no Atlântico. O rápido desenvolvimento da economia de mercado, em uníssono com o empenhamento dos principais povoadores em dar continuidade à gesta de reconhecimento do Atlântico, reforçaram a posição da Ilha e fizeram avolumar os serviços prestados pelos madeirenses. Aqui surgiu uma nova aristocracia dos descobrimentos, cumulada de títulos e benesses pelos serviços prestados no reconhecimento da costa africana, defesa das praças marroquinas, ou nas campanhas brasileiras e Indicas4.A proximidade da Madeira ao vizinho arquipélago das Canárias, em conjugação com o rápido surto do povoamento e valorização sócio-económica do solo, orientaram as atenções do madeirense para as ilhas. Assim, decorridos apenas vinte e seis anos sob a ocupação, os moradores da Madeira empenharam-se na disputa pela posse das Canárias, ao serviço do infante D. Henrique. Em 1446 João Gonçalves Zarco, foi enviado a Lanzarote, como plenipotenciário para afirmar o contrato de compra da ilha. Acompanham-no as caravelas de Tristão Vaz, capitão do donatário em Machico e de Garcia Homem de Sousa, genro de Zarco5

. Mais tarde em 1451, o infante enviou nova armada, em que participaram gentes de Lagos, Lisboa e Madeira, sendo de salientar, no último caso, Rui Gonçalves filho do capitão do donatário do Funchal. Para a aristocracia madeirense o empenhamento nas acções marítimas e bélicas é, ao mesmo tempo, uma forma de homenagem ao senhor (monarca, donatário) e de aquisição de benesses e comendas. Zurara na «Crónica da Guiné» confirma isso, referindo que a participação madeirense ia ao encontro dos princípios e tradições da cavalaria do reino. O que não invalida a sua presença com outros objectivos, como sucede a partir de meados do século XV. Os principais obreiros do reconhecimento e ocupação da Madeira, como criados da casa do infante D. Henrique, foram impelidos para a aventura africana, com participação activa nas viagens henriquinas de 1445 e 1460 e nas aventuras bélicas nas praças

4 Confronte-se João José Abreu de SOUSA, "Emigração madeirense nos séculos XV a XVII", in Atlântico, nª.1, Funchal, 1985, pp. 46-52.

5 José PEREZ VIDAL, «Aportación portuguesa a la población de Canarias. Datos», in Anuario de Estudios Atlânticos, nº 14, 1968; A. SARMENTO, «Madeira & Canárias», in Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal, 1931, 13-14.

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africanas do norte, nos séculos XV e XVI. Esta presença de gentes da Madeira continuará por todo o século XV em três frentes: Marrocos, litoral africano além do Bojador e terras ocidentais. Na primeira e última a presença dos madeirenses foi fundamental.

O APELO DO MAR E DO OCIDENTE A tradição refere que o primeiro homem a lançar-se à aventura do descobrimento das terras ocidentais foi Diogo de Teive, que em 1451 terá saído do Faial à procura da ilha das Sete Cidades, mas que no regresso apenas descobriu as de Flores e Corvo. Seguiram o seu exemplo outros madeirenses que gastaram muito de sua fazenda para abrir o caminho, mais tarde, trilhado por Colombo. A ilha estava em condições de propiciar ao navegador as informações consideradas imprescindíveis para o descobrimento das terras ocidentais. Note-se que este apelo do Ocidente é uma consequência lógica do reconhecimento dos Açores, ocorrido a partir de 1427, todavia as ilhas mais ocidentais (Flores e Corvo) só em 1452 foram pisadas por marinheiros portugueses. A sua entrada no domínio lusíada deu-se por mãos de Pedro Vasquez de la Frontera e Diogo de Teive em 1452, no regresso de uma das viagens para o Ocidente à procura das ilhas míticas. As ilhas açorianas, por serem as mais ocidental sob domínio europeu até à viagem de Colombo, era o paradeiro ideal para os aventureiros interessados em embrenhar-se na gesta descobridora dos mares ocidentais. Desde meados do século XV, madeirenses e açorianos saem, com assídua frequência, à busca de novas terras assegurando, antecipadamente, a posse do que descobrissem por carta régia6. É de notar que este interesse dos insulares pela descoberta das terras ocidentais é muito anterior a Colombo e persistiu após 1492. A primeira carta conhecida é de 19 de Fevereiro de 1462, sendo a posse das novas ilhas Lovo e Capraria e outras que iria descobrir, dadas ao João Vogado. Ainda antes de 1492 temos outras concessões a Rui Gonçalves da Camara(21 de Junho de 1473), Fernão Teles(28 de Janeiro de 1474), Fernão Dulmo e João Afonso do Estreito(24 de Julho de 1486). Após a primeira viagem de Colombo não esmoreceu o interesse dos insulares por tais viagens. A atestá-lo estão as cartas concedidas a Gaspar Corte Real(12 de Maio de 1500), João Martins(27 de Janeiro de 1501) e Miguel Corte Real(15 de Janeiro de 1502). O Ocidente exerceu sobre os ilhéus, madeirenses e açorianos, um fascínio especial, acalentado, ademais, pelas lendas recuperadas da tradição medieval. Por isso mesmo, desde meados do século XV, eles entusiasmaram-se com a revelação das ilhas ocidentais - Antília, S. Brandão, Brasil. No extenso rol de aventureiros anónimos que deram a vida por esta descoberta, permitam-nos que referencie os madeirenses Diogo de Teive, João Afonso do Estreito, Afonso e Fernão Domingues do Arco. A. Ballesteros7 identifica este 6.Manuel Monteiro Velho ARRUDA(Colecção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores, Ponta Delgada, 1977) refere as cartas atribuídas a João Vogado(19 de Fevereiro de 1462), Gonçalo Fernandes(29 de Outubro de 1462),Rui Gonçalves da Camara(21 de Janeiro de 1473), Fernão Teles(28 de Junho de 1474 e 10 de Novembro de 1475), Fernão Dulmo e João Afonso do Estreito(24 de Julho e 4 de Agosto de 1486). 7.Cristóbal Colón y el descubrimiento de América, 2 vols, Barcelona, 1945.

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último como o piloto anónimo que em 1484 veio a Lisboa pedir ao rei uma caravela para, segundo Fernando Colombo, "ir a esta tierra que via." A estas iniciativas isoladas acresce toda uma tradição literária e os dados materiais visíveis nas plagas insulares. A literatura fantástica, a cartografia mítica o aparecimento de destroços de madeira e troncos de árvores nas costas das ilhas açorianas acalentavam a esperança da existência de terras a ocidente. Nas costas das ilhas açorianas do Faial e Graciosa encalhavam alguns pinheiros, enquanto nas Flores davam à costa dois cadáveres com feições diferentes das dos cristãos e dos negros. Tudo isto levantava o fervor dos aventureiros que com assiduidade viam-se perante ilhas que nunca existiram. A "décima ilha", por exemplo, nunca passou de uma miragem. A curta permanência de Colombo no Porto Santo e, depois, na Madeira possibilitou-lhe um conhecimento das técnicas de navegação usada pelos portugueses e abriu-lhe as portas aos segredos, guardados na memória dos marinheiros, sobre a existência de terra a Ocidente. Bartolomé de Las Casas e Fernando Colombo falam que o mesmo teria recebido das mãos da sogra "escritos e cartas de marear"8. Ambos os cronistas fazem do sogro um destacado navegador quatrocentista. Tudo isto não passa de criação para enfatizar a ligação de ambas as famílias. Na verdade Bartolomeu Perestrelo, ao contrario de muitos genoveses ou seus descendentes, não é referenciado nas crónicas portuguesas como navegador9. Ele apenas é referenciado como capitão do donatário da ilha do Porto Santo, por carta de doação de um de Novembro de 1446, e na condição de povoador da ilha acompanhou João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz em 1419 . Mesmo assim em sua casa podia ser possível a presença de tais documentos. Mais importantes foram os elementos que lhe terá fornecido o seu cunhado Pedro Correia, capitão da ilha Graciosa (Açores). Daí ele dava conta de outras notícias das terras açoreanas, sem esquecer os estranhos despojos que aportavam com assiduidade às praias da ilha do Porto Santo. Aí, na Madeira e Porto Santo, ouviu histórias e relatos dos aventureiros do mar, teve acesso a provas evidentes da existência de terras ocidentais legadas pelas correntes marítimas nas praias. Um destes vestígios foi a castanha do mar, mais popularmente conhecida como "fava de Colombo". Por tudo isto é legítimo de afirmar que o navegador saiu do arquipélago, em data que desconhecemos, com a firme certeza de que algo de novo poderia encontrar a Ocidente, capaz de justificar o seu empenho e da coroa. A ilha ficou-lhe no coração e nunca mais a esqueceu no seu afã descobridor. Bastaram alguns anos de convívio com os marinheiros madeirenses, esporádicas viagens ao golfo da Guiné, para ganhar o alento, a sabedoria e os meios técnicos necessários para definir o plano de traçar o caminho de encontro às terras índicas pelo Ocidente: Cipango (=Japão) era o seu objectivo. Durante os cerca de dez anos que permaneceu em Portugal Cristóvão Colombo

8.História de Las ïndias, vol.I, México, 1986; Vida Del Almirante Don Cristóbal Colón, escrita por su hijo, México, 1984 9.Esta situação foi já realçada por Henry HARRISSE, Cristophe Colomb devant l'histoire, Paris, 1892; Henry VIGNAUD,Histoire critique de la grande entreprise de Cristophe Colomb, 2 vols, Paris, 1911; Gaetano FERRO, As navegações portuguesas no Atrlântico e no Indico, Lisboa, pp.181-183.

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acompanhou de perto as expedições portuguesas ao longo da costa africana. O fascínio do navegador pelo mar, conquistado no Mediterrâneo como corsário ou comerciante, despertou-lhe o apetite para as navegações atlânticas portuguesas. No momento em que se fixou em Lisboa toda a atenção e azáfama estava orientada para o desbravamento da extensa costa africana além do Bojador, conhecida como costa da Guiné. Nesta época era já conhecida e navegável toda a área costeira até ao Cabo de Santa Catarina, alcançado em 1474, no período do contrato de Fernão Gomes. Não obstante este espaço ser vedado à navegação de embarcações que não fossem portuguesas, os estrangeiros poderiam faze-lo a bordo e ao serviço de embarcações nacionais. Assim havia sucedido na década de cinquenta com Cadamosto e Usodimare. Tal como o fez o seu patrício Usodimare, Colombo embarcou em caravelas portuguesas que demandavam as costas da Guiné. Facto normal para um experimentado marinheiro genovês, que na praia do Porto Santo ou na Madeira, acompanhava o vai e vem das nossas caravelas. É de salientar que por muito tempo a Madeira foi escala obrigatória das embarcações portuguesas que se dirigiam à costa africana. Tal facto derivou de o Funchal ser o único porto seguro, avançado no Atlântico, dispondo de excedentes de cereais e vinho, necessários à dieta de bordo dos marinheiros. A par disso os madeirenses acalentavam, desde a década de quarenta, a aventura das navegações africanas, tendo-se empenhado nisso as principais famílias da ilha. Por tudo isto é inevitável associar a viagem de Colombo à sua curta estadia nas ilhas da Madeira e Porto Santo, onde contactou com a realidade atlântica, adquiriu as necessárias técnicas para se embrenhar na aventura de busca das terras ocidentais. O retorno do navegador à ilha, em 1498, no decurso da terceira viagem, pode e deve ser entendido como o seu reconhecimento aos madeirenses. Aqui teve oportunidade de relatar, aos que com ele acalentaram a ideia da existência de terras a Ocidente, o que encontrara de novo. O convívio com as gentes do Porto Santo havia sido prolongado e cordial pois em Junho de 1498, aquando da terceira viagem, não resistiu à tentação de escalar a vila. A sua aproximação foi considerada mau presságio pois os portossantenses pensavam estar perante mais uma armada de corsários. Desfeito o equívoco foi recebido pelos naturais da terra, seguindo depois para a Madeira. A 10 de junho de 1498 a chegada do navegador ao Funchal foi saudada apoteoticamente, como nos refere frei Bartolomé de Las Casas, o que provoca mais uma vez, a familiaridade com esta gentes e a esperança que elas depositavam em tal empresa. O cronista remata da seguinte forma o ambiente de festa que o envolveu: "le fué hecho mui buen recibimiento y mucha fiesta por ser alli muy conocido, que fué vecino de ella en algún tiempo"10.

DE NAVEGANTES A AVENTUREIROS E EMIGRANTES 10.Fray Bartolomé de LAS CASAS,História de las Indias, vol.I,México, 1986, 497.

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A intervenção madeirense derrama-se por todo o espaço litoral atlântico, mas com especial incidência para a costa brasileira. Concluída a missão de valorização das ilhas, através da implementação das culturas com alto rendimento económico, como a vinha e a cana sacarina, o ilhéu vira-se para as promissoras plagas brasileiras empurrado pelo empenho da coroa e seus representantes em fazer aí um importante espaço canavieiro. A partir do século dezasseis o Brasil assume um especial fascínio para os madeirenses que continuarão apostar neste destino até ao nosso século. A presença madeirense liga-se aos primórdios da ocupação portuguesa e à expansão e afirmação da cultura cana de açúcar11, bem como à defesa dos interesses lusíadas nestas paragens. Sucedeu assim no século XVII com a ocupação holandesa do nordeste brasileiro. Aqui a figura em destaque é o enigmático e controverso João Fernandes Vieira12. Foi ele o principal responsável da libertação de Pernambuco do jugo holandês, sendo por isso mesmo governador da Paraíba(1655-1658) e de Angola(1658-1661). A ele se deve o incremento do surto emigratório madeirense para o Brasil nesta segunda metade do século XVII. Passado um século novo fenómeno emigratório madeirense sob os auspícios da coroa. Os conflitos a sua com a demarcação das fronteiras obrigam a esta emigração orientada de ocupação e de afirmação da soberania nacional, como se verá mais adiante13. O fascínio madeirense não se resumiu apenas ao Atlântico, pois que estes também acompanharsm a gesta portuguesa até ao Índico. E desde o início é notório o seu comprometimento. É o caso de Lopo Mendes de Vasconcelos, que capitaneou um dos navios da segunda viagem de Vasco da Gama. O seu filho Manuel de Vasconcelos. Ficou conhecido como o de Diu, pelos muitos serviços que aí fez, enqunto a sua mulher, Isabel da Veiga, foi apelidada da "matrona de Diu", pelo empenho na defesa desta fortaleza ao lado do seu marido. A estes associam-se algumas das mais nobres famílias madeirenses: Freitas, Catanho, Moniz, Lomelino, Ornelas14. Gaspar Frutuoso faz eco de um outro herói madeirenses das plagas índicas15. É ele Tristão Vaz da Veiga. Todavia este ficou mais conhecido pela sua traição na entrega da fortaleza de S. Julião da Barra, aquando da invasão castelhana, que lhe valeu a posse da capitania de Machico(1582) e o título de Governador Geral(1585).

A MADEIRA- MODELO DA EXPANSÃO. A par disso a Madeira surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo isto foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O 11 David Fereira GOUVEIA, "A manufactura açucareira madeirense(1420-1550", in Atlântico, nº.10, 1987, 115-131 12 José António Gonsalves de MELLO, João Fernandes Vieira- Mestre de Campo do Terço de infantaria de Pernambuco, 2 vols, Recife, 1956. 13 Arquivo Histórico da Madeira, vol.V, 49-54, vol. VII, 237-239; Virgínia Rau, Dados sobre a imigração madeirense para o Brasil no século XVIII, Coimbra, 1965; Maria de Lourdes F. FERRAZ, Dinamismo sócio-económico do funchal na segunda metade do século XVIII, Lisboa, 1994, 85-116; Walter PIAZZA, "Madeirenses no povoamento de Santa Catarina(Brasil) século XVIII", in Actas do I colóquio Internacional de História da Madeira, II,1990, 355-364. 14 . confronte-se Henrique Henriques de NORONHA, Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Com,posição da História da Diocese do Funchal na ilha da Madeira, Funchal, 1996, Tít. XII, cap.IX- X 15 Livro segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, caps. XXI-XXIX.

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arquipélago foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos da nova sociedade e economia do mundo atlântico: primeiro os Açores, depois os demais arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram. O sistema institucional madeirense apresentava uma estrutura peculiar, definido pelas capitanias. Foi a 8 de Maio de 1440 que o Infante D. Henrique lançou a base da nova estrutura ao conceder a Tristão Vaz a carta de capitão de Machico. A partir daqui ficou definido o sistema institucional que deu corpo ao governo português no Atlântico insular e brasileiro. Sem dúvida que o facto mais significativo desta estrutura institucional deriva de a Madeira ter servido de modelo referencial para o seu delineamento no espaço atlântico. O monarca insiste, nas cartas de doação de capitanias posteriores, na fidelidade ao sistema traçado para a Madeira. Assim o comprovam idênticas cartas concedidas aos novos capitães das ilhas dos Açores e Cabo Verde. O mesmo sucede com a demais estrutura institucional que chegou também a S. Tomé e Brasil. Também os castelhanos vieram á ilha receber alguns ensinamentos para a sua acção institucional no Atlântico, como se depreende do desejo manifestado em 1518 pelas autoridades antilhanas em resolver a difícil situação das ilhas de Curaçau, Aruba e La Margarita com o recurso ao modelo madeirense de povoamento. Isto prova, mais uma vez, a presença modelar da ilha no contexto da expansão europeia e demonstra o interesse que ela assumiu para a Europa. João de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, resumia em 153216

de uma forma perspicaz o protagonismo madeirense no espaço atlântico, pois a sua família era portadora de uma longa e vasta experiência. Isso dava-lhe o alento necessário e abri-lhe perspectivas para uma sua iniciativa no Brasil. Ele reclamava a iniciativa do seu ancestral Rui Gonçalves da Câmara que em 1474 comprara a ilha de S. Miguel, dando início ao seu verdadeiro povoamento. A mesma percepção surge em Gilberto Freire que em 1952 não hesita em afirmar o seguinte:” A irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se estremou em termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus homens,... concorreram para transformar rápida e solidamente em nova Lusitânia”17

. Outra componente importante de afirmação da ilha como modelo de referência tem a ver com a organização da sociedade no espaço atlântico e da importância aí assumida pelo escravo. Mais uma vez a Madeira é o ponto de partida para esta transformação social. De acordo com S. Greenfield18

ela serviu de trampolim entre o “Mediterranean Sugar Production” e a “Plantation Slavery” americana. O autor não faz mais do que retomar os

16 História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. III, p.90; cf Vera Jane GILBERT, "Os primeiros engenhos de açúcar"in Sacharum, nº.3, São Paulo, 1978, pp. 5-12. 17 Aventura e Rotina, 2ªed., pp 440-446, 448-449 18 "Madeira and the beginings of New World sugar cane cultivation and plantation slavery: a study in constitution building", in Vera RUBIN e Artur TUNDEN(eds.), Comparative perspectives on slavery in New World Plantation Societies, N. York, 1977.

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argumentos aduzidos por Charles Verlinden19 desde a década de sessenta. Note-se que

esta argumentação mereceu alguns reparos na sua formulação, mercê de novos estudos20.

Na verdade tudo o concretizado em termos do mundo atlântico português teve por matriz o sucedido na Madeira. A Madeira foi ao nível social, político e económico, o ponto de partida para o “mundo que o português criou...” nos trópicos. Neste contexto é sumamente importante o conhecimento do sucedido na Madeira quando pretendemos estudar e compreender as outras situações.

DA ILHA AO ATLÂNTICO E AO NOVO MUNDO. “Constroem-se em definitivo, a partir da Madeira, as linhas e redes de comércio atlânticos atraindo de modo decisivo as áreas e mercados europeus mais nevrálgicos e mais importantes e criando nas áreas ribeirinhas metropolitanas, insulares(Canárias, Açores, Cabo Verde) e continentais(Costa de Marfim-Magreb-Arguim-Fez) fortes relações de dependência e de solidariedade”. Aurélio de Oliveira, “A Madeira nas linhas de comércio do Atlântico. séculos XV- XVII”, III CIHM, Funchal, 1993, 923. A definição dos espaços económicos não resultou apenas dos interesses políticos e económicos derivados da conjuntura expansionista europeia mas também das condições internas, oferecidas pelo meio. Elas tornam-se por demais evidentes quando estamos perante um conjunto de ilhas dispersas no oceano. No conjunto estávamos perante ilhas com a mesma origem geológica, sem quaisquer vestígios de ocupação humana, mas com diferenças marcantes ao nível climático. Os Açores apresentavam-se como uma zona temperada, a Madeira como uma réplica mediterrânica, enquanto nos dois arquipélagos meridionais eram manifestas as influências da posição geográfica, que estabelecia um clima tropical seco ou equatorial. Daqui resultou a diversidade de formas de valorização económica e social. As condições morfológicas estabelecem as especificidades de cada ilha e tornam possível a delimitação do espaço e a sua forma de aproveitamento económico. Aqui o recorte e relevo costeiro foram importantes. A possibilidade de acesso ao exterior através de bons ancoradouros era um factor importante. É a partir daqui que se torna compreensível a situação da Madeira definida pela excessiva importância da vertente sul em detrimento da norte. De acordo com as condições geo-climáticas é possível definir a mancha de ocupação humana e agrícola das ilhas. Isto conduziu a uma variedade de funções económicas, por vezes complementares. Deste modo nos arquipélagos constituídos por maior número de ilhas a articulação dos vectores da subsistência com os da economia de mercado foi mais 19 "Précédents et paralèlles europeéns de l'esclavage colonial", in Instituto, vol.113, Coimbra, 1949; "Les origines coloniales de la civilization atlantique. antécédents et types de structure", in Journal of World History, 1953, pp. 378-398; Précédents médiévaux de la colonie emn Amérique, México, 1954; Les origines de la civilization atlantique, Nêuchatel, 1966. 20 Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, "La eclavitud en Andalucia...", in Studia, nº.47, Lisboa, 1989, pp.165-166; Alberto VIEIRA, Os escravos no arquipélago da Madeira. séculos XV a XVII, Funchal, 1991.

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harmoniosa e não causou grandes dificuldades. Os Açores apresentam-se como a expressão mais perfeita da realidade, enquanto a Madeira é o reverso da medalha. O processo de povoamento das ilhas definiu-lhes uma vocação de áreas económicas sucedâneas do mercado e espaço mediterrânicos. Assim o que sucedeu nos séculos XV e XVI foi a lenta afirmação do novo espaço, tendo como ponto de referência as ilhas. A mudança de centros de influência foi responsável porque os arquipélagos atlânticos assumissem uma função importante. A tudo isso poderá juntar-se a constante presença de gentes ribeirinhas do Mediterrâneo, interessadas em estabelecer os produtos e o necessário suporte financeiro. A constante premência do Mediterrâneo nos primórdios da expansão atlântica poderá ser responsabilizada pela dominante mercantil das novas experiências de arroteamento aqui lançadas. Certamente que os povos peninsulares e mediterrânicos, ao comprometerem-se com o processo atlântica, não puseram de parte a tradição agrícola e os incentivos comerciais dos mercados de origem. Por isso na bagagem dos primeiros cabouqueiros insulares foram imprescindíveis as cepas, as socas de cana, alguns grãos do precioso cereal, de mistura com artefactos e ferramentas. A afirmação das áreas atlânticas resultou deste transplante material e humana de que os peninsulares foram os principais obreiros. Este processo foi a primeira experiência de ajustamento das arroteias às directrizes da nova economia de mercado. A sociedade e economia insulares surgem na confluência dos vectores externos com as condições internas dos multifacetado mundo insular. A sua concretização não foi simultânea nem obedeceu aos mesmos princípios organizativos pelo facto de a mesma resultar da partilha pelas coroas peninsulares e senhorios ilhéus. Por outro lado a economia insular é resultado da presença de vários factores que intervêm directamente na produção e comércio. Ao nível do sector produtivo deverá ter-se em conta a importância assumida, por um lado, pelas condições geofísicas e, por outro, pela política distributiva das culturas. É da conjugação de ambas que se estabelece a necessária hierarquia. Os solos mais ricos eram reservados para a cultura de maior rentabilidade económica (o trigo, a cana de açúcar, o pastel), enquanto os medianos ficavam para os produtos hortícolas e frutícolas, ficando os mais pobres como pasto e área de apoio aos dois primeiros. A Madeira, que se encontrava a pouco mais de meio século de existência como sociedade insular, estava em condições de oferecer os contingentes de colonos habilitados para a abertura de novas arroteias e ao lançamento de novas culturas nas ilhas e terras vizinhas. Assim terá sucedido com o transplante da cana- de- açúcar para Santa Maria, S. Miguel, Terceira, Gran Canária, Tenerife, Santiago, S. Tomé e Brasil. A tendência uniformizadora da economia agrícola do espaço insular esbarrou com vários obstáculos que, depois, conduziram a um reajustamento da política económica e à definição da complementaridade entre os mesmos arquipélagos ou ilhas. Nestas circunstâncias as ilhas conseguiram criar no seu seio os meios necessários para solucionar os problemas quotidianos - assentes quase sempre no assegurar os componentes da dieta

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alimentar -, à afirmação nos mercados europeu e atlântico. Assim sucedeu com os cereais que, produzidos apenas nalgumas ilhas, foram suficientes, em condições normais, para satisfazer as necessidades da dieta insular, sobrando um grande excedente para suprir as carências do reino. Um dos iniciais objectivos que norteou o povoamento da Madeira foi a possibilidade de acesso a uma nova área produtora de cereais, capaz de suprir as carências do reino e depois as praças africanas e feitorias da costa da Guiné. A última situação era definida por aquilo a que ficou conhecida como o “saco de Guiné”. Entretanto os interesses em torno da cultura açucareira recrudesceram e a aposta na cultura era óbvia. Esta mudança só se tornou possível quando se encontrou um mercado substitutivo. Assim sucedeu com os Açores que, a partir da segunda metade do século dezasseis, passaram a assumir o lugar da Madeira . O cereal foi o produto que conduziu a uma ligação harmoniosa dos espaços insulares, o mesmo não sucedendo com o açúcar, o pastel e o vinho, que foram responsáveis pelo afrontamento e uma crítica desarticulação dos mecanismos económicos. A par disso todos os produtos foram o suporte, mais que evidente, do poderoso domínio europeu na economia insular. Primeiro o açúcar, depois o pastel e o vinho exerceram uma acção devastadora no equilíbrio latente na economia das ilhas. A incessante procura e rendoso negócio conduziram à plena afirmação, quase que exclusiva destes produtos, geradora da dependência ao mercado externo. Este para além de ser o consumidor exclusivo destas culturas, surge como o principal fornecedor dos produtos ou artefactos de que os insulares carecem. Perante isto qualquer eventualidade que pusesse em causa o sector produtivo era o prelúdio da estagnação do comércio e o prenúncio evidente de dificuldades, que desembocavam quase sempre na fome. A estrutura do sector produtivo de cada ilha moldou-se de acordo com isto, podendo definir-se em componentes da dieta alimentar (cereais, vinha, hortas, fruteiras, gado) e de troca comercial (pastel, açúcar). Em consonância com a actividade agrícola verificou-se a valorização dos recursos disponibilizados por cada ilha, que integravam a dieta alimentar (pesca e silvicultura) ou as trocas comerciais (urzela, sumagre, madeiras). OS ANAIS DA HISTÓRIA POLÍTICA E DIPLOMÁTICA A PARTIR DA MADEIRA

Alguns dos momentos mais destacados da História Política e Diplomática da coroa portuguesa passam obrigatoriamente pela Madeira, tal como o evidenciam as seguintes situações dos séculos XV e XVI. Ligado à conjura política nos reinos peninsulares está a questão da sucessão dinástica, que tem reflexos evidentes na Madeira. No Arco da Calheta teve assentamento D. Gonçalo Fernandes que casou com D. Isabel Fernandes de Andrade, tendo falecido em 1539. Este é identificado como D. Gonçalo Afonso de Avis Trastâmara Fernandez com o

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epíteto de "o Máscara de Ferro português", filho de D. Afonso V e D. Joana de Castela, mais conhecida como a Beltraneja21. A morte em 1474 de Henrique II de Castela ficou vago o trono, sendo D. Joana a pretendente com ausência de D. Afonso V que a pretendia desposar. Mas os seus intentos são gorados na Batalha de Toro e D. Joana acolhe-se a um Convento onde vem a falecer em 1530. Deste enlace não consumado terá nascido um filho que, mantido em maior segredo, foi desterrado para a Madeira e seria Gonçalo Fernandes, vizinho do Arco da Calheta22. .E também de referenciar que com ele fica reconhecido a Portugal os direitos de posse das ilhas da Madeira e Açores. Esta indicação poderá estar relacionada com os interesses de Aragão e Castela a reivindicar o domínio religioso da Madeira, através dos franciscanos23. Em 1529 com o Tratado de saragoça foi encontrada uma solução provisória e que a curto prazo parece agradar a ambas as partes24. D. João III viu-se forçado a pagar 350.000 ducados para assegurar a posse das Molucas que afinal se encontravam dentro da área de influência de Portugal. Mais uma vez é possível assinalar uma ligação à Madeira, pois terá sido, segundo alguns, o madeirense António de Abreu25 o seu primeiro explorador. A dúvida todavia subiste em face de vários homónimos contemporâneos. E deste modo a opinião mais abalizada anota que esse António de Abreu que abordou as Molucas e terá estado na Austrália não é o madeirense, filho de João Fernandes do Arco, mas sim o do fidalgo Garcia de Abreu, de Avis. Por outro lado os madeirenses contribuíram com avultada quantia de empréstimo para o pagamento do referido contrato. Manuel de Noronha ficou com o encargo de arrecadar a contribuição madeirense. João Rodrigues Castelhano é referenciado também como recebedor do referido empréstimo, tendo desembolsado da sua fazenda 300.000 réis26. A este juntam-se Fernão Teixeira27 com 150.000 réis e Gonçalo Fernandez28 com 200.000

21.Paulo Drumond BRAGA, "A "Excelente Senhora", D. Joana, em Portugal(1479-1530). Dados para um estudo", in Revista de Ciências Históricas. vol. IV, Porto, 1989, pp.247-254.

22. Luiz Peter CLODE, Descendência de D. Gonçalo Afonso Avis Tristão Câmara Fernandes o Máscara de Ferro português, Funchal, 1983.

23. Confronte-se Monumenta Henricina, vol. III, 1961, pp.14-17, 49-56

24. Diferente foi a atitude de alguns portugueses que foram contrários a esta decisão da coroa. Veja-se, de novo, o testemunho de Gaspar FRUTUOSO, ob.cit., pp.215-216.

25.Não existe consenso sobre a verdadeira origem e identidade deste António Abreu, uma vez que na época são referenciados alguns homónimos, mesmo no Funchal. Confronte-se: Cabral do NASCIMENTO, "António de Abreu, descobridor das ilhas de Maluco, não é António Abreu, natural da Madeira e capitão duma nau das Índias em 1523", in AHM, I, 1931, 21-28(reeditado no vol. IV, 117-121);

26. Veja-se José Pereira da COSTA, "A família Mondragão na Sociedade Madeirense do Século XVI", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira(1986), vol. II, Funchal, 1990, 1143-1149.

27.ANTT, CC, II, 158, nº.102 e 106, mandado de 22 de Setembro de 1529 para o pagamento do referido valor.

28. J. Pereira da COSTA, ibidem, pp.1148-1149.

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réis. O seu pagamento fez-se nos anos de 1530-31 à custa dos dinheiros resultantes dos direitos da coroa sobre o açúcar Desde finais do século XVII os problemas com a demarcação do meridiano de Tordesilhas passam para o Atlântico. Em jogo estão as fronteiras do Brasil. Se de ambos os lados as fronteiras haviam sido alargadas para além das 370 léguas estabelecidas. Bandeirantes e jesuítas estão no início da discórdia que se prolongará até 1777. A cartografia jogou aqui um papel relevante29

O principal motivo de discórdia prende-se com a criação da colónia do Sacramento (1679) na foz do Rio da Prata30. A indefinição da linha divisória de Tordesilhas levou a que se mantivesse aceso o conflito. Foi, a partir do século XVII, com a aposta portuguesa na ocupação do solo brasileiro que se colocou de novo a necessidade de rever o tratado quatrocentista. Aqui reconhece-se inviabilidade da opção de Tordesilhas, resultante da dificuldade de traçar no terreno a linha divisória, tal como se afirma no Tratado de Madrid de 13 de Janeiro de 1750. Este e o de 1777 são o corolário de aceso debate31. Assim, concluiu-se com os conflitos de fronteiras gerados pela divisão do mundo e delimitação das fronteiras. A solução para o traçado da linha de fronteira não é definida pelas negociações dos emissários régios, mas sim pelas condições orográficas e a ocupação efectiva. Foi, aliás, de acordo com esta condição que os portugueses viram-se na necessidade de penetrar no sertão e de criar assentamentos. É de acordo com isto que se deverá entender o grande movimento imigratório para o Brasil, a partir de meados do século XVIII. Neste caso é de destacar a presença de madeirenses e açoreanos, desde 1745 em Santa Catarina e Rio Grande do Sul32. A coroa promoveu a ida de casais insulares para estas terras do sul afim de conseguir-se uma ocupação de facto desta região, o que depois seria um factor de ponderação nas negociações das fronteiras que levaram à assinatura dos tratados de 1750 e 1777.

29. Sobre estas questões veja-se: Estudios (nuevos y viejos) sobre la frontera, Madrid, 1991; Max Justo GUEDES, "Os limites territoriais do Brasil a noroeste e a norte" in Portugal no Mundo, V, 1989, 202-228. A. Pinheiro MARQUES "O papel dos bandeirantes na consolidação da área de Ocupação portuguesa do Brasil" in Ibidem, 158-170; IDEM, "O papel dos cartógrafos e dos engenheiros militares na fixação dos limites do Brasil" Ibidem, 180-190.

30. Luís F. de ALMEIDA, "O Problema de fronteiras no Sul do Brasil: o caso de Colónia do Sacramento", Portugal no Mundo, 5, 191-201.

31. Demetrio RAMOS PEREZ, Los criterios contrarios al Tratado de Tordesilhas en el siglo XVIII, determinante de le necessidad de su anulacion, Coimbra, 1974.

32. V. RAU e outros, "Dados sobre a emigração madeirense para o Brasil no séc. XVIII", in Colóquio Internacional de Estudos Luso Brasileiros, Vol. V, Coimbra, 1965, 495-505; Maria Lourdes de F. FERRAZ, "Emigração madeirense para o Brasil no séc. XVIII", Islenha, nº 2, 1986, 88-101; W. PIAZZA, "Madeirenses no povoamento de Santa Catarina (Brasil) Século XVIII", in Actas do I C.I.H.M., 1990, Vol. II, 1268-1286.

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Acresce, ainda, o facto de este afrontamento ter de novo repercussões com o corso na Madeira. Esta segunda metade do século dezoito é um momento importante dessa actividade, com particular incidência na Madeira e açores33. De uma vez por todas encerrava-se o ciclo de conflitos gerados pela partilha do Mundo entre Portugal e Castela. Uma divisão a dois que nunca foi conseguida e que acabou por ser partilhada por outros interessados. E, deste modo, dava-se juz ao rei de França quando pediu que lhe fosse dado conhecimento da parte do testamento de Adão onde se teria o fundamento para esta partilha a dois. 2.. OS TEMAS O enquadramento do devir histórico de acordo com determinados domínios temáticos evidencia de novo essa omnipresença da Madeira em situações que marcaram de forma evidente o panorama económico e social do espaço atlântico. A ilha assume de novo a posição dianteira e projecta-se nas demais iniciativas, para além de se afirmar, por si só, pela riqueza que propiciou aos colonos europeus. Aqui o esforço e investimento saíram compensados.

PARADIGMAS DA EXPANSÃO COLONIAL- O AÇÚCAR. A cana-de-açúcar, pelo alto valor económico no mercado europeu-mediterrânico, foi um dos primeiros e principais produtos que a Europa legou e definiu para as novas áreas de ocupação no Atlântico. O percurso iniciou-se na Madeira, alargando-se depois às restantes ilhas e continente americano. Nesta primeira experiência além-Europa a cana sacarina evidenciou as possibilidades de desenvolvimento fora do habitat mediterrânico. Tal evidência catalisou os interesses do capital nacional e estrangeiro, que apostou no crescimento da cultura e comércio. Se nos primeiros anos de vida no solo insular a cana sacarina se apresentava como subsidiária, a partir de meados do século XV já aparecia como o produto dominante, situação que perdurou na primeira metade do século seguinte. As socas de cana madeirense foram levadas para os Açores pelos primitivos cabouqueiros, promovendo-se o cultivo em Santa Maria, S. Miguel, Terceira e Faial. Aqui a cultura foi tentada várias vezes, mas sem surtir os efeitos desejados. As condições geofísicas aliadas à inexistência ou reduzida dimensão dos capitais estrangeiros travaram o seu desenvolvimento.

33. Tenha-se em conta o que já dissemos em "Funchal no contexto das mudanças político-ideológicas do Século XVIII. O corso e a guerra de represália como arma", in As Sociedades Insulares no contexto das interinfluências culturais do Século XVIII, Funchal, 1994, pp.93-113.

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Diferente foi o que sucedeu em S. Tomé onde a abundância de águas e lenhas associada às condições do solo foram de molde a propiciar os meios indispensáveis ao cultivo da cana. O açúcar aí produzido, tornou-se, por isso mesmo, concorrencial do madeirense, embora sem nunca atingir a sua qualidade. Um dos factos que contribuiu para que ele se tornasse concorrencial do madeirense foi a elevada produtividade. Segundo Jerónimo Munzer34

ela seria três vezes superior à madeirense. No começo só se produzia melaço, que depois era levado a Lisboa para ser refinado, mas a partir de 1506 a ilha passou também a fazer açúcar branco, tendo-se para o efeito construído o primeiro engenho35

. Se nos preocuparmos em comparar o ciclo evolutivo da cultura da cana nos diversos espaços do Atlântico onde foi cultivada concluiremos pela existência de afinidades entre a sua afirmação numa área e a decadência noutras. Assim sucedeu na Madeira com S.Tomé e desta para com o Brasil. O cultivo dos canaviais surge em S. Tomé em finais do século XV, isto é no momento de apogeu da produção madeirense, que atinge em 1510 o valor mais elevado, entrando depois num movimento descendente. Esta fase depressionária, que se acentua a partir de 1525, coincide com o momento de afirmação do açúcar sãotomense. É precisamente nas décadas decorrentes até meados do século que se atingem os valores mais elevados. A partir do último quartel do século dezasseis foi a concorrência desenfreada do açúcar brasileiro que definiu uma acentuada quebra no período de 1595 a 1600. A esta conjuntura deverá juntar-se a revolta dos escravos (1595), agravada pela destruição dos engenhos provocada pelo saque holandês. Na verdade este momento coincide com a plena afirmação do açúcar brasileiro, cuja colheita continuava a subir em flecha, nas décadas posteriores. O domínio holandês de Recife, ao contrário do que habitualmente se pensa, não provocou uma quebra deste ritmo mas apenas quebras pontuais, que se reflectiram nos valores dos anos de 1618 e 1645. Este período, de menor oferta do açúcar brasileiro nos portos peninsulares, não deverá ser entendido como uma quebra da produção mas apenas um desvio dos circuitos comerciais. Esta conjuntura coincide com o retorno da cultura na Madeira e em S. Tomé, atingindo-se na última, entre 1641-1645 as cem mil arrobas. Tal ritmo de reabilitação da economia açucareira insular teve que enfrentar as dificuldades levantadas pelos holandeses, interessados em manter o exclusivo do açúcar pernambucano.

OS ESCRAVOS COM E SEM AÇÚCAR.

34. Monumenta Missionária Africana, IV, 1954, nº 6, 16-20. 35. O Manuscrito de Valentim Fernandes, Lisboa, 1940, 128.

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Insiste-se no facto de que as Canárias e os Açores foram os principais protagonistas do comércio com o Novo Mundo, deslocando-se a Madeira para uma posição excêntrica. Todavia o confronto dos dados disponíveis na documentação revelam o contrario, contribuindo para isso o facto de a Madeira ter servido de modelo para todas as tentativas de valorização económica do Novo Mundo. Esta última situação favoreceu uma pronta emigração de madeirenses, especializados nas diversas tarefas, e propiciou a manutenção do relacionamento, ainda que por vezes sentimentais. Além disso esta situação saiu reforçada com a oferta madeirense de produtos demandados por estes novos mercados. E, finalmente, deverá juntar-se a activa participação dos mercadores da ilha nesses circuitos comerciais, então traçados para o fornecimento de mão-de-obra escrava ou escoamento do açúcar. O mercado negreiro da costa ocidental africana foi alvo da atenção dos madeirenses, que cedo se intrometeram neste trafico com destino à ilha, ao velho continente e, mais tarde, ao novo mundo americano. Os madeirenses participaram activamente no processo de reconhecimento das terras do Sul. Aliás, desde 1470 o Funchal funcionou como um importante entreposto para o comércio africano. Este relacionamento progrediu mercê de uma conjuntura favorável aos contactos com estas paragens: em 1483 D. Manuel recomendou as maiores facilidades no porto do Funchal para os navios de Cabo Verde, depois, a partir de 1507, foi a isenção do pagamento de direitos nos produtos exportados de Cabo Verde para as ilhas e reino. Tudo isto facilitou o acesso do madeirense ao mercado de escravos. Deste modo a ilha foi um dos primeiros destino dos escravos resultantes das primevas razias na costa ocidental africana. Nos entrepostos do trafico negreiro em Santiago, S. Tomé ou Angola, a presença de madeirenses era frequente. Eles gozavam mesmo, desde 1562, de privilégios especiais na captura de escravos para as suas fazendas ou venda aos seus compatrícios que as possuíam. Outros procuravam intervir no rendoso contrabando, alargando os seus negócios até ao Brasil ou Antilhas. Muitos, fascinados pela aventura destas paragens, decidiram-se por uma intervenção directa, fixando-se em Santiago ou na Costa da Guiné. Note-se que a situação de vizinho era condição obrigatória para participar neste trafico negreiro36

. Eles privavam-se da família e da vida amena da Madeira e sujeitam-se a uma aventura de solidão e de dificuldades, motivadas pelas condições climáticas da zona. A Madeira, porque próxima do continente africano e envolvida no seu processo de reconhecimento, ocupação e defesa do controlo lusíada, tinha as portas abertas a este vantajoso comércio. Deste modo a ilha e os madeirenses demarcaram-se nas iniciais centúrias pelo empenho na aquisição e comércio desta pujante e promissora mercadoria

36.Confronte-se António CARREIRA, Cabo Verde, Lisboa, 1983, pp.29-53.

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do espaço atlântico. À ilha chegaram os primeiros escravos guanches, marroquinos e africanos, que contribuíram para o arranque económico do arquipélago. O comércio entre a ilha e os principais mercados fornecedores existiu, desde o começo da ocupação do arquipélago, e foi em alguns momentos fulgurante. Impossível é estabelecer com exactidão a quantidade de escravos envolvida. A deficiente disponibilidade documental, para os séculos XV a XVII, não o permite. Carecemos dos registos de entrada da alfândega do Funchal e dos contratos exarados nas actas notariais. Os escravos que surgem no mercado madeirense são na quase totalidade de origem africana, sendo reduzida ou nula a presença daqueles de outras proveniências, como o Brasil, América Central e Índia. Isto pode ser resultado, por um lado, da distância ou das dificuldades no trafico e, por outro, das assíduas medidas limitativas ou de proibição, como sucedeu no Brasil e Índia. Apenas o mercado africano, dominado pela extensa costa ocidental, em poder dos portugueses, não foi alvo de quaisquer proibições. Aí as únicas medidas foram no sentido de regular o tráfico, como sucedeu com os contratos e arrendamentos. O litoral Atlântico do continente africano, definido, primeiro, pelas Canárias e Marrocos e, depois, pela Costa e Golfo da Guiné e Angola, era a principal fonte de escravos. E aí a Madeira foi buscar a mão-de-obra necessária para abrir os poios e, depois, plantar os canaviais. Primeiro foram os escravos brancos das Canárias e Marrocos. Depois os negros das partes da Guiné e Angola. As condições particulares da presença portuguesa no Norte de África definiram aí uma forma peculiar de aquisição. Os escravos eram sinónimo de presas de guerra, resultantes das múltiplas pelejas, em que se envolviam portugueses e mouros. Para os madeirenses, que defenderam com valentia a soberania portuguesa nestas paragens, os escravos mouros surgem ao mesmo tempo como prémio e testemunho dos seus feitos bélicos. Eram poucos os que podiam ostentar os seus triunfos de guerra. Outra forma de aquisição era o corso marítimo e costeiros, prática de represália comum a ambas as partes. Idêntica situação ocorreu na Índia onde os madeirenses também se evidenciaram nas diversas batalhas aí travadas, como sucedeu com Tristão Vaz da Veiga. Na Costa Africana, além do Bojador, os meios de abastecimento de escravos eram outros: primeiro tivemos os assaltos e razias, depois o trato pacífico com as populações indígenas. Tudo isto implicava uma dinâmica diferente para os circuitos de comércio e transporte. Aqui os cavaleiros e corsários são substituídos pelos mercadores.

A CONTEXTUALIDADE ATLÂNTICA. “A ilha da Madeira... que Deus pôs no mar ocidental para escala, refúgio, colheita e remédio dos navegantes, que de Portugal e de outros regnos vão, e de outros portos e navegações vêm para diversas partes, além dos que para ela somente navegam, levando-lhe mercadorias estrangeiras e muito dinheiro para se aproveitar do

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retorno que dela levam para suas terras...”.(Gaspar Frutuoso, Livro segundo das Saudades da Terra, P.Delgada, 1979, pp.99-100) A valorização do Atlântico nos séculos XV e XVI conduziu a um intrincado liame de rotas de navegação e de comércio que ligavam o Velho Continente ao litoral atlântico. Esta multiplicidade de rotas resultou das complementaridades económicas e de formas de exploração adoptadas. Se é certo que esses vectores geraram as referidas rotas, não é menos certo que as condições mesológicas deste oceano, dominadas pelas correntes, ventos e tempestades, delinearam o seu rumo. As mais importantes e duradouras de todas as traçadas neste mar foram sem dúvida a da Índia e a das Índias, que galvanizaram as atenções dos monarcas, da população europeia e insular, dos piratas e corsários. No traçado de ambas situava-se o Mediterrâneo Atlântico com uma actuação primordial na manutenção e apoio à navegação atlântica. As ilhas da Madeira e das Canárias surgem nos séculos XV e XVI como entreposto para o comércio no litoral africano, americano e asiático. Os portos principais da ilha da Madeira, Gran Canaria, La Gomera, Hierro, Tenerife e Lanzarote animam-se de forma diversa com o apoio a essa navegação e comércio nas rotas da ida, enquanto nos Açores, com as ilhas de Flores, Corvo, Terceira, e S. Miguel, surgem como a escala necessária e fundamental da rota de retorno. Segundo Pierre Chaunu a rota das Índias de Castela assentou em quatro vértices fundamentais: Sevilha, Canárias, Antilhas, Açores37

. Neste traçado, portanto, a Madeira mantinha-se numa posição excêntrica, pois apenas servia as rotas portuguesas do Brasil e da costa africana. A participação madeirense na carreira das Índias foi esporádica, justificando-se esta ausência pela posição marginal em relação à sua rota. Todavia a Madeira representa um porto de escala muito importante para as navegações portuguesas para o Brasil, Golfo da Guiné e Índia. Desde o século XV que ficou demarcada essa posição da escala madeirense para as explorações geográficas e comerciais dos portugueses na costa ocidental madeirense para as explorações geográficas e comerciais dos portugueses na costa ocidental africana. Esta opção pela Madeira adveio dos conflitos latentes com Castela pela posse das Canárias. A expansão comercial de finais do século XV, com a abertura da rota do Cabo, veio valorizar mais uma vez esta escala aquém equador, surgindo inúmeras referências, em roteiros e relatos de viagens, à escala madeirense. Os mesmos ingleses que utilizaram as Canárias tocavam com assiduidade a Madeira, onde se proviam de vinho para a viagem. A Madeira, como as Canárias muito raramente foi escolhida como escala de retorno - uma vez que essa missão estava, por condicionalismos geográficos, reservada aos Açores. Todavia verificou-se ocasionalmente a escala das embarcações vindas da Mina Índias e Índias na Madeira. 37. Sevilla y América. Siglos XVI y XVII, 43-48.

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A posição demarcada do Mediterrâneo Atlântico no comercio e na navegação atlântica fez com que as coroas peninsulares investissem aí todas as tarefas de apoio, defesa e controle do trato comercial. As ilhas eram os bastiões avançados, suportes e símbolos da hegemonia peninsular no Atlântico. A disputa pela riqueza em movimento neste oceano será feita na área definida por elas, pois para aí incidiam piratas e corsários ingleses, franceses e holandeses, ávidos das riquezas em circulação nas rotas americanas e índicas. Uma das maiores preocupações das coroas peninsulares terá sido a defesa das embarcações que sulcavam o Atlântico em relação às investidas dos corsários europeus. A área definida pela Península Ibérica, Canárias e Açores era o principal foco de intervenção do corso europeu sobre os navios que transportavam açúcar ou pastel ao velho continente.

UMA NOVA REALIDADE. A DIMENSÃO INSULAR E ATLÂNTICA DA ECONOMIA.

A historiografia vem defendendo única e exclusivamente a vinculação da ilha ao Velho Mundo, realçando apenas a importância desta relação umbilical com a mãe-pátria. Neste sentido os séculos XV e XVI seriam definidos como os momentos áureos deste relacionamento, enquanto a conjuntura setecentista seria a expressão da viragem para o Novo Mundo, em que o vinho assume o papel de principal protagonista e responsável destas trocas comerciais. Os estudos por nós realizados vieram a confirmar que a situação do relacionamento exterior da ilha não se resumia apenas a estas situações38

. À margem destas importante vias e mercados subsistem outras que activaram também a economia madeirense, desde o séc. XV. Neste contexto as conexões com os arquipélagos próximos (Açores e Canárias) ou afastados (Cabo Verde, S.Tomé e Príncipe) foram já motivo de uma aprofundada explanação, que propiciou a sua necessária valorização na estrutura comercial madeirense39

. Aqui ficou demonstrada a importância assumida por estes contactos humanos e comerciais, que no primeiro caso, resultou da necessidade de abastecimento de cereais e, no segundo, das possibilidades de intervenção no trafico negreiro, mercê da sua vinculação às áreas africanas da Costa da Guiné, Mina e Angola. Para além deste privilegiado relacionamento com o mundo insular, a praça comercial madeirense foi protagonista de outros destinos no litoral africano ou americano e rosário de ilhas da América Central. No primeiro rumo ressalta a costa marroquina, onde os portugueses assentaram algumas praças, defendidas, a ferro e fogo, pelas gentes da ilha40

. 38. "O comércio de cereais dos Açores para a Madeira no século XVII", in Os Açores e o Atlântico(séculos XIV-XVII), A. Heroismo, 1984; "O comércio de cereais das Canárias para a Madeira nos séculos XVI e XVII", in VI Colóquio de História Canario Americana, Las Palmas, 1984; "Madeira e Lanzarote. comércio de escravos e cereais no século XVII", in IV Jornadas de História de Lanzarote e Fuerteventura, Arrecife de Lanzarote, 1989. 39.O comércio inter-insular(Madeira, Açores e Canárias) nos séculos XV e XVI, Funchal, 1987. 40.A.A.SARMENTO, A Madeira e as praças de África. dum caderno de apontamentos, Funchal, 1932: Robert RICARD, "Les places luso-marocaines et les Iles portugaises de l'Atlantique", in Anais da Academia Portuguesa de História, II série, vol.II, 1949; António

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No século XVI, com a paulatina afirmação do novo mundo americano costeiro e insular, depara-se à ilha um novo destino e mercado, que pautará o seu relacionamento externo nas centúrias posteriores. Este novo mundo e mercado foi para muitos uma esperança de enriquecimento ou a forma de assegurar a posse de bens fundiários. Em qualquer das situações o estreitamento dos contactos depende, primeiro, da presença de uma comunidade madeirense que pretende manter o contacto com a terra mãe e depois das possibilidades de uma troca favorável. Neste contexto a oferta de vinho por parte do madeirense e a sua procura pelos agentes do trafico negreiro, para de forma enganadora oferecerem aos sobas africanos, ou do outro lado do Atlântico saciar a sede do europeu a troco do açúcar, foi o principal motor deste relacionamento. Esta situação influenciou decisivamente a estrutura comercial da ilha, a partir da segunda metade do século XVI. Desde então as conexões comerciais adquiriram uma maior complexidade, fazendo com que a Madeira, através do seu vinho, se transformasse num ponto importante do circuito de triangulação, que passou a dominar os contactos entre os portos da costa ocidental africana a americana e as Antilhas. Neste contexto foi exemplar e decisiva a acção de dois madeirenses-Diogo Fernandes Branco e Francisco Dias- que aqui e agora pretendemos revelar. A eles associam-se dois ingleses- Bartolome Cuello e William Bolton- que matizaram de forma diversa esse relacionamento externo da ilha.

HISTÓRIA DA NAVEGAÇÃO E DA CIÊNCIA: As ilhas assumem na centúria oitocentista uma nova função para os Europeus. De primeiras terras descobertas passam a campos de experimentação e a escalas retemperadoras da navegação na rota de ida e regresso. Finalmente, no século XVIII desvendou-se uma nova vocação: as ilhas como campo de ensaio das técnicas de experimentação e observação directa, que comandam a ciência das "luzes", e escala das constantes expedições científicas dos europeus. O enciclopedismo, as classificações de Linneo(1735) têm nas ilhas um bom campo de experimentação. O homem do século dezoito perdeu o medo ao mundo circundante e passou a olhá-lo com maior curiosidade, deste modo como dono da criação estava-lhe atribuída a missão de perscrutar os seus segredos. É esse impulso que justifica todo o afã cientifico que explode nesta centúria. A insaciável procura e descoberta da natureza circundante cativou toda a Europa, mas foram os ingleses aqueles que entre nós marcaram um forte presença, sendo menor a de franceses e alemãs. Aqui são protagonistas as Canárias e a Madeira. Este protagonismo resulta da função das mesmas como escala à navegação e comércio no Atlântico e para fora deste. Foi também aqui que a Inglaterra estabeleceu a sua base para a guerra de corso no Atlântico. Se as embarcações de comércio, as expedições militares cá tinham escala obrigatória, mais razões assistem às científicas para essa paragem obrigatória. As ilhas pelo seu endemismo, própria história geo-botânica, levavam obrigatoriamente a esse primeiro

Dias FARINHA, "A Madeira e o Norte de África nos séculos XV e XVI", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira.1986, vol.I, Funchal, 1989, pp.360-375.

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ensaio das técnicas de pesquisa a seguir noutras longínquas paragens. Também as ilhas foram um meio revelador dessa incessante busca do conhecimento da geologia e botânica. Instituições seculares, como o British Museum, Linean Society, e Kew Gardens, chegam a enviar especialistas a proceder à recolha das espécies. Importantes estudos no domínio da geologia, botânica e flora são resultado deste presença fortuita ou intencional dos cientistas europeus. Esta foi uma moda, no decurso do século XVIII, que levou a que algumas instituições científicas europeias ficassem depositários de algumas dessas Colecções: o Museu Britânico, a Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de História Natural de Paris. E, por cá, passaram destacados especialistas da época, sendo de destacar John Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. A lista é infindável, contando-se, entre 1751 e 1900, quase uma centena de cientista. Está aqui uma riqueza historial que ainda não foi devidamente explorada. James Cook escalou a Madeira por duas vezes(1768 e 2772), numa réplica da viagem de circum-navegação, mas desta feita apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas para a sua classificação e depois revelação à comunidade científica. A tudo isto é de referenciar a função de hospital para a cura da tísica pulmonar ou de quarentena na passagem do calor tórrido das colónias para os dias frios e nebulosos da vetusta cidade de Londres. Esta função catapultou a ilha para um evidente protagonismo. O debate das potencialidades terapêuticas da climatologia propiciou um numeroso grupo de estudos e criou uma escala de estudiosos, dentro e fora da ilha. Mais do que estes é de salientar os demais que correspondem, ao seu apelo. Intermináveis filas de aristocratas, escritores, cientistas desembarca no calhau e vão encosta fora à procura do ar benfazejo da ilha. Vem daqui muito do espólio hoje disponível na Casa Museu Frederico de Freitas e Biblioteca Municipal. É esta quase esquecida dimensão da ilha como motivo despertador da ciência e cultura europeia desde o século XVIII que importa realçar. Ela partiu de campo experimental dos descobrimentos a sua afirmação, com a filosofia das luzes, como novo campo experimental de nova ciência que desabrocha, mercê da sua nova função de escala das expedições científicas. Mais uma vez fica demonstrado o activo protagonismo da Madeira no devir histórico ocidental. A sua acção não se resume apenas aos planos político-económico e social, pois alarga-se ao científico, como acabamos de constatar.

A HISTÓRIA DO MEIO NATURAL. Nos últimos anos a História tem sido enriquecida de novos conteúdos. A Historiografia americana tem permitido esse arejamento temático e metodológico. A história oral, que já aqui referimos, é exemplo disso. A par disso temos ainda outra recente aportação que tanto tem entusiasmado a Historiografia inglesa e norte-americana. Isto é, a História do

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Meio-ambiente. A partir daqui o meio natural deixa de ser o palco para se assumir também actor da História O primeiro estudo que apela ao tema surge em 1847. Com o livro "Man and Nature" de George Perkins Marsh, que é considerado um dos percursores da defesa do meio-ambiente. O tema começou a ganhar interesse nos anos cinquenta, mas a actual premência actual dos problemas do meio ambiente cativou a historiografia que fez deste um dos novos domínios de ponta do conhecimento e investigação histórica. A publicação do livro "The historical roots of our ecologic crises "(1960) de Lynn White Jr., um dos clássicos estudos sobre a História do meio ambiente ou ecológica, marca o início de uma nova era para a atenção da historiografia norte-americana, que nos últimos anos entrou definitivamente nos curriculos académicos e planos editoriais. Acrescem também as revistas especializadas. Destas salienta-se Forest & Conservation History(1957), hoje Environmental History Review , que se firmou como porta-voz dos historiadores em defesa do meio natural. A par disso a ilha assume nos últimos tempos um lugar de relevo nos novos domínios da História, que ganharam expressão nos meios universitários americanos a partir de 1960. A História do Meio Ambiente e Ecológica veio a fazer apelo de novo ao pioneirismo da Madeira, naquilo que o devir mostra a gesta europeia destruidora do meio envolvente. O processo de expansão europeia não se afirma apenas pela novidade de descoberta de novos mundos, mas também pelos efeitos destrutivos da presença do europeu sobre a fauna e flora dos novos espaços. Tudo isto foi conseguido por exigências das leis do mercado de então que definiu uma estrutura de monoculturas e exploração intensiva do solo, através de culturas com elevado rendimento económico, como foi o caso da cana de açúcar. Da leitura dos clássicos e da produção recente releva-se uma situação particular que toca de novo o arquipélago da Madeira. A Madeira não se posiciona apenas nos anais da História universal como a primeira área de ocupação atlântica, pioneira na cultura e divulgação do açúcar ao Novo Mundo, mas também como o primeiro exemplo dos efeitos nefastos de uma exploração intensiva41. A expansão europeia não se resume apenas ao encontro e desencontro de Culturas, mas também marca o início de um processo de transformação ou degradação do meio. O europeu carrega consigo a fauna e flora do seu convívio e com valor económico, que irão provocar profundas mudanças nos novos eco-sistemas. Com isto acontece que o espaço vivido e natureza se universalizam. Nos séculos XV e XVI foram as viagens de descobrimento, enquanto no século XVIII sucederam as de exploração e descoberta da natureza, comandadas por ingleses e franceses. A Madeira foi o viveiro de aclimatação nos dois sentidos. Da Europa propiciou a transmigração da fauna e flora identificada com a cultura ocidental. No retorno foram as

41 , Madeira. Pearl of Atlantic, London, 1959 Veja-se Richard GROVE, Green Imperialism, N York, 1995, pp. 5-29; idem, Ecology, climate and empire, Cambridge, 1997, p. 45; John PERLIN, A forest journey, N. York, 1989.

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plantas do Novo Mundo que tiveram de novo passagem obrigatória pela ilha. A riqueza botânica do Funchal resulta disso. O processo de imposição da chamada biota portátil europeia, no dizer de Alfred Crosby42, foi responsável por alguns dos primeiros e mais importantes problemas ecológicos . Quem não se lembra da praga dos coelhos do Porto Santo? Que dizer do incêndio que lavrou na ilha durante sete anos ? Estas situações são assiduamente referenciadas pela actual historiografia norte americana que se dedica ao estudo da História do meio ambiente, sendo o seu ponto de partida e alento para esta incursão temática inovadora. Outro facto também insistentemente referido é o da própria ilha da Madeira. O nome foi o atributo para referenciar a abundância e aspecto luxuriante do seu bosque. Mas em pouco tempo, as queimadas para abrir clareiras de cultura e habitação, o debaste para fruição das lenhas e madeiras, fizeram-na desmerecer tal epíteto. Da Madeira quase só ficou o nome…! A tradição refere que os navegadores portugueses atearam um incêndio à densa floresta para poder penetrar, mas este ganhou tais proporções que os atemorizou. Foram sete anos de chama acesa, diz a tradição. Todavia, hoje ninguém acredita nesta versão divulgada por Francisco Alcoforado e repetida em Cadamosto e outros autores da época. Hoje ninguém acredita nesta História, que a ser verdade teria reduzido a ilha a carvão… Esta situação expressa uma realidade que pautará a expansão europeia e que só nos últimos anos tem cativado a atenção do historiador. Tudo isto tem origem num produto devorador que conquista a economia de mercado e que pautou a evolução da economia atlântica a partir do século XV. O carrasco é o açúcar. A sua disponibilidade só é possível com esse processo de degradação do meio que viu nascer os canaviais. A Europa parte no século XV à procura do Eden bíblico ou descrito na literatura clássica greco-romana. Foi este um dos motivos do empenho de Colombo, mas também dos navegadores portugueses. O seu reencontro era encarado como uma conciliação com Deus, o apagar do pecado original de Adão e Eva. Esta imagem persegue quase todos os navegadores quinhentistas e deverá estar por detrás do empenho daquelas que aportaram à Madeira . Tenha-se em conta que as duas primeiras crianças nascidas na ilha, filhas de Gonçalo Aires Ferreira tiveram nomes bíblicos de Adão e Eva. Era o retorno ao Eden, que aos poucos foi sendo perdido, tal como sucedera aos primogénitos Adão e Eva. A recuperação desta imagem acontecerá mais tarde no século XVIII em que a ilha é de novo o paraíso redescoberto para o viajante ou tísico ingleses, recuperado e revelado ao cientista, seja ele inglês, alemão ou francês, através das recolhas ou da recriação através dos jardins botânicos. A cana de açúcar poderá ser considerada como a cultura agrícola mais importante da História da Humanidade, pois provocou o maior fenómeno em termos de mobilidade 42

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humana, económica, comercial e ecológica. A sua afirmação como cultura agrícola é milenar e abrange vários quadrantes do planeta. É de todas as plantas domesticadas pelo Homem aquela que acarreta maiores exigências. Ela quase que escraviza o homem, esgota o solo, devora a floresta e dessedenta os cursos de água. A sua exploração intensiva desde o século XV gerou grandes exigências em termos de mão-de-obra, sendo responsável pela maior fenómeno migratório à escala mundial que teve por palco o Atlântico: a escravatura de milhões de africanos. Ligado a tudo isso está também um conjunto variado de manifestações culturais que vão desde a literatura à musica e à dança. Foi o Oriente descobriu a doçura, tendo a Papua Nova Guiné como Berço. Os árabes fizeram-no chegar ao ocidente e foram os principais arautos da sua expansão. Genoveses e venezianos encarregaram-se do seu comércio e Europa. Mas é nas ilhas que ela encontrou um dos principais viveiros da sua afirmação e divulgação no Ocidente: Creta e Sicília no Mediterrâneo, Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde e S. Tomé no Atlântico Oriental Puerto Rico, Cuba, Jamaica, Demerara(…) nas Antilhas. A realidade sócio-económica que serve de suporte ao açúcar diferencia-se no seu percurso do Pacífico/Índico para o Mediterrâneo/Atlântico. Assim, no primeiro caso não assume a posição dominante na economia, primando pelo carácter secundário, enquanto no segundo é patente o seu efeito dominador na economia e sociedade/associação ao escravo, que começa no Mediterrâneo e se reforça no Atlântico. As ilhas, pela limitação do seu espaço, são as primeiras a ressentir-se desta realidade. A consciência ecológica do homem hodierno serve de apelo a esta viragem regressiva à História da Humanidade. O presente actua assim com expressão mediática para a descoberta desse passado que pode ter algum efeito pragmático nas actuais políticas de defesa do meio-ambiente, para que se atinja o limiar do século XIX com a melhor ambiente, preservando aquilo que os nossos antepassados nos legaram. CONCLUSÃO Por tudo isto é forçoso afirmar que a ilha não se reduz apenas à sua dimensão geográfica. À sua volta palpita um mundo que gera múltiplas conexões e que não pode ser descurado sob pena de estarmos a atraiçoar o próprio devir histórico. Há que rasgar o casulo da ilha e postar-se nas torres avista-navios donde se vislumbra o imenso firmamento que nos conduz a outras ilhas e novos continentes. Todavia, isto só será possível quando ultrapassarmos a fase do egocentrismo que nos amarra e mergulharmos na profundeza do Atlântico à busca da atlanticidade. Se tomarmos alguns dos temas comuns da nossa história- o vinho, o açúcar e a escravatura- seremos forçados a concluir que foram eles. em boa parte, os responsáveis por esta opção atlântica da Madeira e que nos obrigam sempre e em qualquer momento a

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dar atenção ao meio envolvente. As rotas comerciais, os mercados europeu e colonial, e, acima de tudo, o oceano funcionam como um mar aberto. A História insular carece de uma revolução temática, o chamado território do historiador precisa de ser alargado além dos “solos” ricos e tradicionais. Outros domínios surgiram nas últimas décadas que apelam a uma maior atenção. A par disso o ofício de historiador precisa de ser dignificado a partir da perícia no manejo dos seus instrumentos de trabalho. Por outro lado a História Insular e, acima de tudo, madeirense por tudo aquilo que deu ao devir histórico europeu e português precisa de ser reconhecida e figurar com o destaque que merece. As ausências das histórias gerais e dos manuais não podem hoje ser justificadas por falta de matéria. As ilhas fizeram nos últimos anos um desusado esforço BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL BLUME, Helmut, Geography of sugar cane: environmental, structural and economical aspects of cane sugar production, Berlin, 1985 BRAUDEL, Fernand, civilização material e capitalismo séculos XV-XVIII - o tempo do Mundo, Lisboa, 1993. CURTIN, Philip D., The rise and face of the plantation complex. Essays in Atlantic History, Cambridge, 1990. FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra, Lºs 1 a 6, Ponta Delgada, 1977-1987. GLACKEN, C. J., Traces on the Rhodian Shore: Nature and culture in Western thought, from ancient times to the end of eighteenth century, Berkeley, 1967 GODINHO, Vitorino, Mito e mercadoria, utopia e pratica de navegar - séculos XIII-XVIII, Lisboa, 1990. GROVE, Richard H. Ecology, climate and Empire: studies in colonial environmental History. London, 1997 HARRISON, Robert Pogue, Forest - the shadow of civilization, Chicago, 1992 JOÃO, Isabel, “Reflexões sobre a insularidade e integração. O caso do arquipélago dos Açores”, in Mare Liberum, 4 (1992), 299-306. KANAS, Alan L. e J. R. Mcnell, Atlantic American Societies from Columbus through abolition 1492-1888, London, 1992.

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