A LUTA ARMADA NO BRASIL, ATRAVÉS DO FILME “O QUE É...

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RODRIGO FAZIO A LUTA ARMADA NO BRASIL, ATRAVÉS DO FILME “O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?” DE BRUNO BARRETO UBERLÂNDIA, JULHO DE 2003 RODRIGO FAZIO

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RODRIGO FAZIO

A LUTA ARMADA NO BRASIL, ATRAVÉS DO FILME

“O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?” DE BRUNO BARRETO

UBERLÂNDIA, JULHO DE 2003

RODRIGO FAZIO

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A LUTA ARMADA NO BRASIL, ATRAVÉS DO FILME

“O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?” DE BRUNO BARRETO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, como exigência parcial para obtenção do título

de mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Alcides Freire

Ramos

UBERLÂNDIA, JULHO DE 2003

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Prof. Dr. Alcides Freire Ramos (Orientador) Universidade Federal de Uberlândia - UFU

_____________________________________________

Profª. Dr.ª Rosangela Patriota Ramos Universidade Federal de Uberlândia - UFU

_____________________________________________

Profª. Dr.ª Kênia Maria de Almeida Pereira Centro Universitário do Triângulo- UNIT

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AGRADECIMENTOS

Este momento é muito importante, pois aqui, cabe destacarmos nosso obrigado e

reconhecimento a pessoas que compartilharam desta nossa jornada.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Deus, que nos auxilia e ampara

sempre. Dando-nos forças para superar as dificuldades.

Ao professor Dr. Alcides Freire Ramos, que me aceitou como seu orientando e

teve uma participação decisiva na confecção deste trabalho. Além de sua ética e respeito

humano, me ajudaram a crescer intelectualmente.

À professora Dr.ª Rosangela Patriota, que além das importantes contribuições na

banca de qualificação, forneceu documentos para a concretização deste trabalho.

À professora Dr.ª Kátia Rodrigues Paranhos, pelas observações e auxilio na

qualificação.

A professora Dr.ª Maria Clara T. Machado, pelo incentivo e pelos desafios que me

fizeram progredir, e superar as dificuldades.

À minha querida e amada Suzana, que além do seu amor incondicional, seu

carinho e ternura, sempre acreditou em mim e me fortaleceu nos momentos decisivos:

você tem meu reconhecimento eterno, lírio puro e gracioso.

Aos meus pais, Augusto Dorival Fazio e Dinorá Ferreira de Oliveira Fazio, pelo apoio e

carinho. Ao meu irmão Luiz, que sempre me deu muita força, meus sinceros

agradecimentos.

A todos os funcionários das Faculdades Integradas de Cassilândia pelo apoio. Em

especial, para o Edgar, Fabiana e a Cláudia Carvalho.

Aos amigos Marco Aurélio e Vânia, que sempre deram muita força e incentivo.

A todo os colegas do Núcleo em História Social da Arte e da Cultura - NEHAC,

em especial ao Marcos Menezes, Aguinaldo, Miguel e à Ludmila, muito obrigado.

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"A mais longa viagem começa com um passo na soleira da porta."

Provérbio

"Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão glorificando o caçador."

Provérbio africano

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................01 CAPÍTULO I - DO GOLPE MILITAR AO SEQÜESTRO............16 1.1 O Governo João Goulart e o Populismo.....................................16 1.2 Depois do golpe militar .............................................................19 1.3 Foquismo ...................................................................................32 1.4 AI-5. O Golpe dentro do golpe...................................................36 1.5 O Seqüestro................................................................................38 CAPÍTULO II - "O QUE É ISSO COMPANHEIRO?" de BRUNO BARRETO.......................................................................................50 2.1 Da derrota da guerrilha ao avanço do Neoliberalismo...............50 2.2 Estrutura de enredo.....................................................................62 2.3 Construção dos personagens.......................................................71 2.4 “O que é isso, companheiro?”: o deslocamento do narrador......78 CAPÍTULO III - HISTÓRIA E FICÇÃO: MAPEANDO A POLÊMICA......................................................................................89 3.1 Recepção do filme......................................................................89 3.2 A Polêmica ................................................................................96 3.3 A disputa pela Memória...........................................................108 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................115

DOCUMENTAÇÃO......................................................................124

ANEXOS........................................................................................132

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RESUMO

O presente estudo tem como proposta abordar o tema da “Luta armada no Brasil”, mais

especificamente o ano de 1969, quando organizações de esquerda seqüestraram o embaixador americano

do Brasil. E como intitulou Jacob Gorender, “ocorreu o Golpe de Mestre” Para tal empreendimento

buscaremos suporte teórico - metodológico na História Cultural, que propiciou a abertura de novas fontes

documentais, como por exemplo, a utilização de filmes. Isto ampliou em muito os recursos do historiador,

ao se propor em analisar determinados fatos históricos. Desta forma, nosso objetivo central é perceber a

representação cinematográfica que “O que é isso, companheiro?” faz da luta armada no Brasil.

Demonstrar como influencias externas acabam por se manifestar na película. Bruno Barreto, ao construir

seu filme, se apropria de fatos da nossa História, promovendo uma reelaboração dos mesmos. Suas

opções não passaram desapercebidas, pelo contrário, o filme recebeu muitas críticas na imprensa, sendo

acusado de não dizer a verdade sobre os fatos, de operar uma manipulação da memória para as novas

gerações. O diretor se defendeu afirmando que o filme é apenas uma ficção, que ele não tinha obrigação

de ser fiel à história. A polêmica foi muito grande e dificilmente outro filme, nos anos 90, obteve tamanho

destaque na mídia. Buscar no passado (na Memória) algum fato histórico, e apresentá-lo no presente, é

uma ação típica de grupos sociais que querem marcar sua posição no presente, para se projetar no futuro.

Nosso estudo pretende demonstrar que as produções artísticas e a sociedade estão sempre interagindo,

numa espécie de diálogo, pois ambas se influenciam com questões do seu tempo. As obras trazem marcas

individuais e coletivas que ficam registradas; apresentar isto também faz parte da nossa tarefa. “O que é

isso, companheiro?” sinaliza algumas mudanças. Tentar elucidá-las é nosso dever enquanto historiador.

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INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas houve, para os historiadores, uma renovação nos métodos, na

documentação e nos objetivos da pesquisa, culminando no grande desenvolvimento da

História da Cultura.

“A partir desta mudança, foi possível olhar de outra forma a história, que anteriormente não possuía grande relevância, como exemplo, a infância, a morte, a loucura, o clima, os odores, os gestos, o corpo, a feminilidade, a leitura. O que era previamente considerado imutável é agora encarado como uma construção cultural, sujeita a variações, tanto no tempo quanto no espaço”.1

A História tradicional se baseava em narrar os acontecimentos, impondo a visão

dos “grandes personagens”, dos “grandes fatos”. Ela se sustentava afirmando estar

embasada em documentos “sólidos”, “inquestionáveis”. Era uma História objetiva, que

apresentava os fatos tais quais “eles realmente aconteceram”. Mas, a esse respeito

alguns esclarecimentos devem ser feitos, pois já no século XIX (mesmo com todo o

rigor empregado pela escola metódica ao analisar o documento, visto que esta queria dar

à História o estatuto de ciência), alguns historiadores positivistas, entre eles Langlois e

Seignobos, argumentavam que, para esclarecer períodos e fatos de documentação

minguada, e desde que fossem tomadas as devidas precauções como limpar as

subjetividades através da crítica interna e externa do documento, as fontes artísticas

poderiam ser utilizadas na pesquisa histórica.

"Já houve quem se utilizasse de obras literárias, poemas épicos, romances e peças de teatro, para esclarecer períodos e fatos de documentação minguada, assim procedendo, também em relação à Antiguidade e à determinação de usos da vida privada. O processo não é ilegítimo, desde que se subordine a várias restrições que, infelizmente, estamos sempre sujeitos a esquecer"2.

Historiograficamente, este procedimento de ampliação das fontes foi

implementado no início do século XX pela escola dos Annales, tendo como expoentes

Marc Bloch e Lucien Febvre. Esta escola pretendia romper com o paradigma

tradicional. "Uma maneira de descrever as realizações do grupo dos Annales é dizer

que eles mostraram que a história econômica, social e cultural pode atingir exatamente

os padrões profissionais estabelecidos por Ranke para a história política"3.

1BURKE, Peter. “Abertura: A nova História, seu Passado e seu Futuro”. In: A Escrita da História Novas Perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p.11. 2 LANGLOIS, CH & SEIGNOBOS, CH. Introdução aos Estudos Históricos. São Paulo: Renascenças, 1946, p.136. 3BURKE, Peter. “Abertura: A nova História, seu Passado e seu Futuro”. In: A Escrita da História Novas

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E é neste contexto que a História da Cultura ganha relevância e importância. Ela

se preocupa com a análise das estruturas, sugere o resgate das pessoas comuns e suas

experiências enquanto sujeitos históricos. Comprova e expõe a limitação do documento

oficial emanado pelo governo, cujos registros expressam em geral apenas um ponto de

vista. Demonstra a necessidade de outros tipos de fontes. Em suma, a História da

Cultura é “subjetiva”, e está preocupada em ressaltar os diferentes pontos de vista que

fazem parte dos acontecimentos históricos.

Assim, a introdução de novos temas e objetos, tais como: romances, filmes, peças

de teatro e música, foram incorporadas ao universo da pesquisa histórica e reconhecidos

como documento.

No que se refere especificamente ao cinema (filmes), seu valor histórico e

historiográfico só foi enfatizado em finais dos anos de 1960, com o pioneirismo do

historiador Marc Ferro, representante da 3ª geração da Escola dos Annales.

"Foi somente a partir da década de 1970 que o filme começou a ser visto como um possível documento para a investigação histórica. Isso se deu em conseqüência de um processo de reformulação do conceito e dos métodos da História, iniciado com o desenvolvimento da Escola do Anais, na França. O filme seja qual for, desde então, passou a ser encarado enquanto testemunho da sociedade que o produziu, como reflexo (não direto e mecânico) das ideologias, dos costumes e das mentalidades coletivas. Como não enxergar, por exemplo, tratando-se de Brasil, elementos da ideologia da esquerda brasileira – influenciada pelo modelo de reflexão da arte e da sociedade adotado pelos Partidos Comunistas em todo o mundo ( nas primeiras produções do movimento cinemanovista, em inicio dos anos 60?). Ou em outro exemplo, como não perceber a atmosfera da ideologia macarthista no filmes produzidos nos Estados Unidos durante as décadas de 1950 e 1960”4.

O início desta “campanha” foi marcado pela publicação de um artigo chamado “O

filme: uma contra análise da Sociedade”5, onde o historiador Marc Ferro analisa o

problema da censura imposta às obras cinematográficas na U.R.S.S., assim como o

controle interno existente em Hollywood. A partir de então, escreveu vários livros sobre

o tema, entre eles “Cinema e História”6, onde mostra que esta relação nem sempre é

pacífica. Também realizou inúmeras pesquisas utilizando o filme como fonte de estudo.

Perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p.16. 4 NOVA, Cristiane. “O cinema e o conhecimento da História”. In: Revista Olho da História nº 3. Universidade Federal da Bahia . 2000, p. 01. 5FERRO, Marc. “O Filme: Uma contra-análise da sociedade?” In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (Org.) História: Novos objetos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, p. 201. 6FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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Outro autor que merece destaque pelo pioneirismo, é Pierre Sorlin, que na relação

Cinema/História, apresenta o filme de ficção enquanto documento, mais precisamente

os de cunho histórico.

“O filme histórico é um espião da cultura histórica de um país, de seu patrimônio histórico. Quais personagens não tem necessidade de apresentação, quais devem ser ao menos nomeados e para quais é necessário dar mais detalhes? Quando e sobre qual argumento devem ser dadas explicações? Qual a lógica que esta dentro da história? Quais fatos seleciona? Quais relações mostra entre eles? O filme histórico é uma dissertação sobre a história que não interroga o seu sujeito - nisto difere do trabalho do historiador -, mas estabelece relação entre os fatos e disto oferece uma visão mais ou menos superficial. A compreensão dos mecanismos históricos como são desenvolvidos no cinema constitui outro campo de nossa investigação” 7.

Torna-se ainda necessário dizer que os filmes, enquanto fontes de documentação

histórica, já vêm sendo trabalhados por diversos pesquisadores brasileiros. Autores

como Alcides Freire Ramos, Jean Claude Bernardet, Ismail Xavier, Cristiane Nova,

Amélia Kimiko Noma, Míriam de Souza Rossini, Roger Andrade Dutra, entre outros,

vêm promovendo inúmeras discussões com relação ao tema Cinema/História.

Neste sentido, o historiador Alcides Freire Ramos nos dá embasamento teórico-

metodológico para discutirmos esta relação. Em seu livro “Cinema-História do

Brasil” 8, o autor faz uma análise demonstrando a viabilidade de se utilizar filmes de

ficção em atividades didáticas, ressaltando que tanto os filmes de ficção quanto os

documentários são frutos de uma “construção”. Em outro livro de sua autoria, intitulado

“Canibalismo dos Fracos: Cinema e História do Brasil” 9, ele discute as relações entre

a História e os filmes de ficção, em especial, os filmes históricos nacionais, destacando-

se “Os Inconfidentes” de Joaquim Pedro de Andrade de 1972.

Ao nosso ver, este livro merece destaque por nos oferecer as condições

necessárias para pensarmos a própria trajetória do estudo que estamos desenvolvendo.

Alcides Freire Ramos também já publicou inúmeros artigos, que além de demonstrarem

seu grande conhecimento sobre a temática Cinema/História, promovem discussões

esclarecedoras.

7 RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: Cinema e História do Brasil. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p.33. 8BERNARDET, Jean-Claude & RAMOS, Alcides Freire. Cinema e História do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988. 9 RAMOS, Alcides Freire. O Canibalismo dos Fracos: Cinema e História do Brasil. Bauru: EDUSP, 2002.

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A historiadora Cristiane Nova também nos ajuda a discutir a relação

Cinema/História. Em seu artigo “A ‘História’ diante dos desafios imagéticos” 10, ela

analisa as principais tendências européias e americanas ligadas à relação "imagem-

história", problematizando alguns de seus aspectos básicos. Busca ainda correlacionar a

este percurso tanto as transformações ocorridas no domínios das tecnologias imagéticas

como as modificações geradas no seio das reflexões epistemológicas do conhecimento

histórico.

Em outro artigo, intitulado “O Cinema e o conhecimento da História” 11, a

historiadora discute o enquadramento do filme enquanto documento historiográfico e

também como este se transforma em discurso histórico.

A historiadora, Amélia Kimiko Noma, em “Visualidades da Vida Urbana:

Metrópoles e Blade Runner” 12, também traz à tona o cinema como fonte documental

para a História, uma vez que este se constitui em expressão do imaginário, que por sua

vez faz parte do universo de representações produzidas pelos sujeitos sociais.

Amélia Kimiko Noma trabalha com dois filmes de ficção científica, "Metrópolis"

e "Blade Runner", que segundo ela, dizem muito mais sobre a época em que foram

filmados do que sobre o período retratado por suas narrativas.

Ismail Xavier, crítico de cinema, promove valorosa discussão em seu livro “O

Discurso Cinematográfico, a Opacidade e a Transparência” 13. O autor discute as

diferentes posturas de estetas e cineastas, com base nos debates que aconteceram

principalmente na década de 1960, sobre linguagem e prática cinematográfica. Ismail

deixa transparecer o seu posicionamento com relação a tais discussões, evidenciando a

temática naturalismo/realismo, presente nos dois gêneros cinematográficos: cinema

ficcional e cinema documentário. Segundo ele: “O Cinema, como discurso composto de

imagens e sons é, a rigor, sempre ficcional, em qualquer de suas modalidades, sempre

um fato de linguagem, um discurso produzido e controlado de diferentes formas, por

uma fonte produtora”.

10 NOVA, Cristiane. "A História diante dos desafios Imagéticos". In: Projeto História, São Paulo: PUC-EDUC, 2000, p.141. 11NOVA, Cristiane. "O cinema e o conhecimento da História". In: Olho da História, n°3, www.ufba.br – 19/04/2000. 12NOMA, Amélia Kimiko. Visualidades da vida urbana: Metrópoles e Blade Runner. Tese de Doutorado apresentada a PUC. São Paulo, 1998. 13XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico, a Opacidade e a Transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

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Este livro é muito importante, pois Ismail Xavier analisa a técnica

cinematográfica, ou seja, a maneira como o filme é construído. Através dele,

percebemos que o cinema é uma indústria apta a refletir os aspectos sociais,

econômicos, políticos e culturais, segundo os padrões estipulados por um determinado

grupo social e seus interesses. O filme, é no seu conjunto, a expressão visualmente

elaborada de um “ponto de vista”, assim como o escritor expressa sua “visão”

selecionando e combinando palavras, o cineasta realiza a mesma operação com

imagens.

Míriam de Souza Rossini, historiadora, também tem um trabalho muito

interessante e esclarecedor sobre a relação Cinema/História. Em “As marcas da

História no Cinema, as marcas do Cinema na História” 14, ela discute o fato das

sociedades do final do século serem preponderantemente visuais. A autora trabalha

com filmes históricos nacionais dos anos 1970, que dialogam com a ditadura, discute os

filmes como representação do real, verdade ou verossimilhança, entre outros fatores,

aborda a relação passado/presente, que em muito contribuem para o caminhar do nosso

estudo.

O historiador Roger Andrade Dutra, em seu artigo, “Da Historicidade da Imagem

a Historicidade do Cinema”15, procura refletir a questão do uso da imagem

cinematográfica, como fonte para a historiografia, sublinhando as especificidades

inerentes ao trabalho com os filmes, bem como os momentos em que eles assemelham-

se aos documentos escritos. Sugere, como estratégia de análise, o uso do conceito de

"Diegese" (narração), oriundo da crítica cinematográfica como modo de cruzar a

História com o Cinema.

Em “Cinema Brasileiro: Propostas para uma História”16, o ensaísta e crítico de

cinema, Jean-Claude Bernardet nos apresenta a trajetória do cinema nacional, os

problemas internos e externos que o mesmo enfrentou para seu desenvolvimento. Uma

das questões enfatizadas pelo autor diz respeito ao papel exercido pelo Estado e pelas

influências estrangeiras, que acabaram por tornar-se as duas balizas entre as quais as

produções cinematográficas brasileiras se estruturaram. Neste sentido, ele ainda enfatiza

14ROSSINI, Míriam Souza. "As Marcas da História no Cinema". In: Anos 90, n°12. Porto Alegre. Dezembro de 1999, p.118. 15DUTRA, Roger Andrade. "Da Historicidade da Imagem à Historicidade do Cinema". In: Projeto História. São Paulo: PUC-EDUC, 2000, p.121. 16 BERNADET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: Propostas para uma História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

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que o filme, enquanto documento histórico, pode ser classificado em duas categorias:

documentário e ficção. Os filmes, que têm a característica de documentário, passam

uma aparência de objetividade, de neutralidade, mas, também neles encontramos

seleções e montagens; eles se constituem em representação de algo, não diferindo da

ficção.

Os documentários são mais aceitos pelos historiadores de perspectiva

“positivista”, e nesta discussão, Alcides Freire Ramos nos ajuda dizendo: “Os

documentários são muitas vezes aceitos no trabalho empreendido pelo historiador de

“inspiração positivista”, pois se apresentam como uma expressão muito próxima da

realidade” 17.

Os chamados filmes de ficção, em especial os históricos, são muito importantes

para o trabalho historiográfico, pois, o mesmo demonstra o quanto um discurso histórico

encontra-se marcado pelo olhar de seu criador e do grupo social ao qual ele pertence.

Percebemos que os filmes históricos, ao retratarem um fato, nos apresentam, por

conseqüência, uma maneira de visualizarmos o mesmo, que por sua vez, está sempre

comprometida com o ponto de vista de quem narra. Sobre o filme histórico Alcides

Freire Ramos nos diz: “É aquele que olhando para o passado, procura interferir nas

lutas políticas do presente”18. Ele, também, nos ajuda a entender outro aspecto: onde o

filme histórico é visto como uma forma peculiar do saber histórico, dizendo:

“Na verdade, o filme histórico não cria/ produz este saber histórico de base, antes o reproduz e o reforça. Sabe-se que, sem um exame acurado das formas socialmente constituídas de transmissão do patrimônio histórico, a análise dos filmes, isoladamente, não é capaz de oferecer uma explicação plausível. O estudo dos filmes históricos é um importante indicador deste saber histórico de base, mas não é o único, tampouco é suficiente para determiná-lo”19.

É pertinente dizer que o trabalho do historiador e do cineasta, muitas vezes, se

assemelha. Os historiadores ao construírem seus textos realizam “seleções”, “escolhas”,

utilizando-se de uma forma narrativa que não busca mais a “verdade absoluta”, mas

sim, “um feito de verdade através de notas e citações, a chamada verossimilhança com o

fato ocorrido”20. O mesmo procedimento é utilizado pelo cinema que busca, através da

17 RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: Cinema e História do Brasil. Bauru: EDUSC, 2002, p.19. 18 Ibidem, p.32. 19 Ibidem, p.35. 20 “Para Michel de Certeau: a história é um discurso que aciona construções, composições e figuras que são as mesma da escrita narrativa, portanto da ficção, mas é um discurso que, ao mesmo tempo, produz um corpo de enunciados ‘científicos’, se entendemos por isso ‘a possibilidade de estabelecer um conjunto

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“Ekphrasis”21, dar vivacidade às suas obras para que elas “mexam” com o público e

despertem neste a impressão de que o filme é verídico.

Desta forma, ambos os ofícios se caracterizam como sendo um discurso sobre o

passado, e como tal, estão comprometidos com as posições políticas, ideológicas,

sociais e culturais do presente. Neste sentido, é bom salientar que a sociedade exerce

influência sobre a produção cinematográfica, assim como a recíproca também é

verdadeira. A ação exercida pelo cinema nos espectadores é um fato inquestionável. Ter

consciência deste mecanismo é fundamental para o trabalho analítico, visto que boa

parte do conteúdo do filme, sobretudo no cinema dito comercial, é ditada pelos gostos e

pelas expectativas do público, que por sua vez são influenciados pelos filmes, numa

“relação altamente dialética”. Em um debate entre o historiador Eric Foner e o diretor

de cinema John Sayles, no livro “Passado Imperfeito” 22, o historiador pergunta ao

cineasta se a indústria cinematográfica sente alguma responsabilidade em ser fiel à

História:

"Acho que usar a palavra responsabilidade na mesma frase de indústria cinematográfica... simplesmente não combina. Uma não está entre as prioridades da outra. Sabe uma das coisas que vêm acontecendo com a indústria cinematográfica, recentemente? O modo como os políticos se promovem vem afetando até o modo como os filmes são feitos, não só o modo como eles são vendidos. Sempre houve casos famosos de finais mudados porque não agradaram às platéias de teste, mas agora, cada vez mais, as pessoas estão dizendo: “Para que esperar até o filme ser rodado? Por que não fazer o teste de mercado enquanto o roteiro está sendo escrito ou enquanto se planeja o filme, tal como nas campanhas políticas?”23

O historiador Marc Ferro, também, nos ajuda a pensar nesta questão:

“A censura está sempre presente, vigilante e ela se deslocou da obra escrita para o filme e, no filme, do texto para a imagem. Não é suficiente constatar que o cinema fascina, que inquieta; os poderes públicos e o privado pressentem que ele pode ter um efeito corrosivo; eles se apercebem que, mesmo fiscalizado, um filme ‘testemunha’. Ele destrói a imagem do duplo que cada instituição, que cada indivíduo se tinha constituído diante da sociedade. A câmara revela o funcionamento real daquela, diz mais sobre cada um do que queria mostrar”24.

de regras que permitem controlar operações proporcionais à produção de objetos determinadas’”. (CHARTIER, Roger. “A História hoje: dúvidas, desafios, propostas”. In: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 07, nº13, 1994, p.111.)

21 GINZBURG, Carlo. A Micro-História e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil1, 1991, p. 215. 22 CARNES, Mark C. (Org.). Passado Imperfeito: A História no Cinema. Rio de Janeiro: Record, 1997. 23Ibidem, p. 20. 24FERRO, Marc. “O filme: uma contra-análise da sociedade?” In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (Org.). História: novos objetos. Tradução de Theo Santiago, 2ª ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979, p. 202.

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Segundo Cristiane Nova:

“Qualquer representação do passado existente no filme está intimamente relacionada com o período em que este foi produzido. Por exemplo, a escolha de um tema histórico e a forma como ele é representado em uma película são sempre ditadas por influência do presente. Em muitos casos, o retorno ao passado funciona como instrumento de ocultação de um conteúdo presente que se deseja passar para o espectador. O que dizermos, por exemplo, da relação passado/presente, existente no filme “Alexandre Nevsky” de Sergey Eisenstein? O retorno ao século XIII (durante um episódio histórico no qual a “grande Rússia” é atacada de surpresa pelos cruéis exércitos germânicos, mas, que pela mobilização popular, consegue defender-se e rechaçar os alemães, consolidando sua força) é um instrumento ideológico que visava claramente agir sobre a consciência dos indivíduos de seu tempo. Ou seriam pura coincidência as semelhanças entre as conjunturas político-militares de 1242 e 1938? A resposta nos parece bastante clara e pode ser comprovada pelos fatos que se seguiram à finalização do próprio filme: ele foi censurado até 1941, em conseqüência da assinatura do Pacto Germano-Soviético, e só foi liberado após a invasão do território russo pelos exércitos nazistas. Mas, na maioria das vezes, a relação passado/presente se dá de forma menos direta e consciente. Por isso, a utilização de “filmes históricos” não pode prescindir de uma leitura histórica”25.

Visto que o filme, baseado em fatos ou personagens históricos, tem o poder

de produzir um efeito de verdade tão forte no espectador que o faz tomar a

representação pelo que realmente aconteceu.

Isso ocorre, porque o público cinematográfico, o chamado senso comum, possui

apenas noções básicas sobre a história, o que lhe impede de realizar uma análise sobre a

narrativa exibida na tela.

A esse respeito, o historiador Alcides Freire Ramos, faz a seguinte análise:

“Na realidade, para o senso comum (o público cinematográfico, por exemplo), a história, ainda hoje, é a procura incessante de uma verdade objetiva. Neste sentido, contrariamente ao futuro, sempre aberto à imaginação e a ação humanas, o passado, exatamente por já ter ocorrido, estaria como que morto, registrados em documentos neutros, aguardando a fria análise dos cientistas. Mas, diferentemente do que pensa o senso comum, as coisas não se passam desse modo. Pelo contrário. A história está constantemente sendo reescrita. Isto ocorre porque, na verdade, apropriar-se do passado, monopolizando o seu significado, constitui-se num objetivo crucial para todos aqueles que atuaram politicamente. Quem domina a capacidade de interpretar o passado tem maiores condições de impor sua visão histórica no presente e, obviamente, pode abrir caminho para a construção de um futuro mais próximo de seus projetos e sonhos. A produção de

25 NOVA, Cristiane. “O Cinema e o conhecimento da História”. In: Revista Olho da História. Abr. 2000, nº03, p. 07.

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interpretações históricas é, pois, muito marcada por interferência de ordem política”26. Deste modo, percebemos que os filmes históricos são uma representação do

passado e, portanto, um discurso sobre o mesmo e, como tal, está imbuído de

subjetividade. Para captar o seu conteúdo é necessário que o historiador renuncie à

busca objetiva da “verdade histórica”. Na película, ele encontrará apenas uma visão

sobre um objeto passado, que pode conter “verdades” e “inverdades” parciais. Um filme

nunca poderia conter a verdade plena de um acontecimento histórico, mesmo que o seu

autor o desejasse. Ainda que aborde fatos reais, nunca abandonara sua condição de

representação e, portanto, de algo que no máximo representa o real e que não coincide

com este. Esta afirmativa também se aplica aos documentários. A realização de um

filme histórico sempre implica em seleções, montagens, generalizações, condensações,

ocultações quando não em invenções ou mesmo falsificações. Desta forma, o que deve

ser buscado em um filme histórico não é a “verdade histórica” contida nele, mas a

verossimilhança com o fenômeno histórico que retrata.

A historiadora Míriam de Souza Rossini, nos dá embasamento sobre a questão ao

dizer:

“O real é inatingível na sua totalidade, o que nos possibilita ‘chegar a ele’ e construir um conhecimento sobre ele são justamente as representações que eu construo com o meu discurso, utilizando-me de uma determinada linguagem com isso, torna-se impossível confundir um filme de reconstituição histórica ou um filme documentária com o real em si: ambos, mesmo se referindo a um fato que efetivamente ocorreu ou a pessoas que têm ao tiveram existência real, não são o real. Essas produções cinematográficas são representações do real, ou, dito de outro modo, elas são uma das possibilidades de leitura do real, um dos olhares que se pode lançar sobre ele” 27.

A esse respeito, também é necessário destacarmos o comentário que o historiador

Alcides Freire Ramos faz com relação aos filmes, em que podemos ressaltar a

importância da relação passado/presente em determinada interpretação histórica:

“Por isso, se um filme de ficção aborda um tema socialmente considerado como histórico, a sua articulação com a história se da em um duplo nível. Primeiro: o do filme como ensaio de interpretação de um fato. Segundo: o seu diálogo com as condições sociais e políticas do momento de sua produção, distribuição e exibição. Por essa via, é possível dizer: o discurso sobre o passado está intimamente ligado ao presente e às suas mais diversas lutas políticas. Impor uma determinada interpretação é, ao mesmo tempo, impor uma interpretação do

26RAMOS, Alcides Freire. Fato e Ficção: ironia e conservadorismo em “O que é isso, Companheiro” de Bruno Barreto. ANPUH-MG, 1998, p.204. 27ROSSINI, Míriam de Souza. "As Marcas da História no Cinema". In: Anos 90, n° 12 Porto Alegre, Dezembro de 1999, p.124.

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presente. Toda vez que se propõe uma interpretação única da história, simplificando-a, ocultado as contradições, as divergências, os confrontos, o resultado é por extensão, impor uma visão única do presente”.28

A forma como uma sociedade reage à apresentação de um determinado

acontecimento, retratado por exemplo em um filme, mostra se esta sociedade está de

acordo, ou não, com o que foi apresentado. No caso do filme “O que é isso,

Companheiro”?, ficou claro que segmentos da nossa sociedade não aceitaram o tom

narrativo adotado pelo diretor ao retratar o período da luta armada no Brasil.

A polêmica em torno dessa película chamou nossa atenção, fazendo com que

começássemos a pesquisar sobre o período. Percebemos a existência de uma disputa

pela memória, sobre como se retratar este fato ocorrido, agora em nosso presente.

Demostrar este embate de maneira clara é um dos objetivos do nosso trabalho.

Somando-se a ele, também buscamos perceber a representação cinematográfica, que a

película “O que é isso, Companheiro?” faz da luta armada no Brasil, em especial sobre

os acontecimentos de 1969, quando ocorreu o seqüestro do embaixador americano,

Charles Burke Elbrick.

Para tanto, nosso primeiro passo foi contextualizar o período histórico ao qual

fazemos referência, em que o populismo, do qual o presidente Goulart era herdeiro,

buscava um desenvolvimento “autônomo”, mas, as “massas populares” na época já

estavam tão politizadas, que as estruturas do governo não conseguiram contê-las.

Assim, as “forças conservadoras” se mobilizaram em defesa da “democracia e da

civilização cristã”. Com o golpe militar se instalou no Brasil o estado de exceção, com

torturas, expurgos, perseguições, tudo em nome da segurança nacional. O golpe foi

apoiado pelos E.U.A., que desaprovavam o nacionalismo de Jango; assim os militares

“abriram” o Brasil para o mercado internacional, em especial para os Estados Unidos

(era época do refrão “O que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”).

Nosso país transitou de uma política de Estado para outra.

Se a princípio, a sociedade permaneceu calada frente ao golpe, perceberemos que

logo essa situação mudou, e começaram os protestos contra a ditadura. As forças de

oposição começaram a se rearticular; o movimento estudantil promove passeatas que

incorporam outros segmentos sociais; PCB (Partido Comunista Brasileiro), MDB

(Movimento Democrático Brasileiro), intelectuais, artistas, todos buscam através da

28RAMOS, Alcides Freire. História e Cinema: globalização e o olhar dos novíssimos cineastas brasileiros. Belo Horizonte: ANPUH , 1997, p. 346.

18

“resistência democrática” se opor ao sistema vigente. Mas, começavam também a surgir

vozes que pregavam outra forma de resistir: eram os adeptos da luta armada.

No meio deste processo, é importante destacarmos o papel fundamental das

produções artísticas, que estavam interagindo com a sociedade, resistindo, manifestando

seu posicionamento contra o autoritarismo dos militares. Surgiram várias músicas de

crítica, de contestação, assim como peças de teatro e filmes.

Vamos perceber também o surgimento de idéias que rapidamente se espalharam

entre a oposição e começaram a influenciar, ainda mais, para o caminho da luta armada.

Era a teoria do Foco Guerrilheiro, em que pequenos grupos coesos, disciplinados e

organizados, poderiam criar uma vanguarda revolucionária e fazer frente ao aparato

repressivo estatal. Estas idéias tiveram um peso muito grande sobre as lideranças

estudantis, que eram a base de composição das organizações armadas.

Visualizamos também que, em 1968, o regime militar efetuou o seu fechamento

total, promulgando o AI-5. Com este ato, o governo instalou silêncio absoluto. Qualquer

manifestação de protesto era duramente reprimida. Frente a esses acontecimentos,

crentes que o Brasil, com sua ditadura, estava em um processo de crise, as organizações

que já haviam rachado com o PCB devido ao seu suposto imobilismo, começaram a

desenvolver ações armadas na cidade afim de levantar fundos para a guerrilha rural, seu

principal objetivo. Entre as várias organizações, destacamos duas neste momento a

ALN (Aliança Libertadora Nacional) e o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de

outubro), por serem justamente as que executaram o seqüestro do Sr. Elbrick, o

embaixador americano.

Com o aumento da repressão por parte do governo, muitos da oposição

começaram a ser presos. Iniciava-se a pior fase da tortura e dos assassinatos. Por isso,

surgiram os seqüestros, para denunciar publicamente o horror do regime, como também

para libertar companheiros aprisionados.

Entre os presos trocados por diplomatas seqüestrados, encontramos Fernando

Gabeira, que passou seu exílio na Argélia, Cuba, França, Alemanha, Chile, Argentina e

Suécia. Durante seu exílio, Gabeira revê sua trajetória como guerrilheiro, entra em

contato com idéias e pessoas novas, começa a transformar sua visão sobre o mundo, e a

se transformar também. Se no início da sua vida de exilado, Gabeira acreditava no poder

da vanguarda armada, chegando a fazer curso de guerrilheiro em Cuba, isso muda, e os

19

resultados, estão refletidos em seu livro “O que é isso, companheiro?”, lançado em

1979, quando volta do exílio.

No Brasil, a opção pela luta armada direta empreendida pelas organizações se

mostrou desastrosa, pois além do seu desmantelamento pelos órgãos repressivos que

empregavam uma violência sem igual, estes grupos não conseguiam repor suas perdas

humanas, e cada vez mais, se isolavam da sociedade, não conseguindo

representatividade, ficando “marginalizados”. Em 1974, inicia-se uma reorganização

dos movimentos sociais, e através da resistência democrática, a sociedade volta a

pressionar o regime militar para realizar a volta da democracia e da liberdade.

Desta forma, apresentamos a derrota do projeto revolucionário, e apontamos uma

crítica ao socialismo real, a crise do leste europeu, para visualizarmos que não só no

Brasil as esquerdas estavam em queda, mas no âmbito internacional. Com o

neoliberalismo, assistimos a um grande avanço do capitalismo. Nós utilizamos a

trajetória da Embrafilme para exemplificar essas transformações, em que o Estado deixa

de ser interventor, de ter ainda o poder de decisão, e passa a ficar a mercê do poder dos

grupos financeiros. Estamos na globalização, onde só se produz o que pode ser vendido

mundialmente, numa economia de mercado extremamente interligada, e que interfere

também nas produções culturais, pois neste processo globalizou-se também a Cultura.

É neste contexto que é lançado o filme “O que é isso, companheiro?” do diretor

Bruno Barreto em 1997. O Brasil é um país neoliberal, comandado pelo presidente

Fernando Henrique Cardoso, que era da esquerda e teve de se exilar durante o regime

militar, mas, para ser presidente, fez uma coalizão de centro direita.

O filme é baseado no livro com mesmo título do ex-guerrilheiro e hoje deputado

federal, Fernando Gabeira. Percebemos que em sua obra Gabeira é o narrador, e é

através de sua visão sobre os fatos, construída no exílio, que os leitores assimilam o que

ocorreu.

Como veremos, no filme ocorre um deslocamento. O foco narrativo modifica-se.

Essa operação agrega novos elementos, que muda o enfoque, a forma de vermos a

tortura/torturador, o personagem Jonas, o papel reservado para os demais personagens

de esquerda. O filme apresenta uma releitura dos acontecimentos.

O filme “O que é isso, Companheiro?” ao buscar no passado (seqüestro do

embaixador americano em 1969) fatos da nossa história, se propõe, na realidade, a fazer

uma representação de algo que já ocorreu. O filme faz uma releitura da luta armada, do

20

socialismo e da ditadura militar. Incorporando elementos ausentes na obra de Gabeira, a

película internaliza elementos exteriores (visão neoliberal do mundo), adotando uma

forma narrativa que para muitos soou estranha. Para entendermos melhor este processo,

analisamos a recepção que o filme teve. Apresentando as intenções e objetivos do

diretor, buscando as críticas que este sofreu por parte dos críticos nos jornais,

visualizando como o senso comum recebeu a obra de Bruno Barreto. Também

evidenciamos as críticas suscitadas pelos ex-guerrilheiros que viveram o período e

participaram da ação do seqüestro do embaixador Charles Burke Elbrick. Eles acusaram

o filme de cometer vários erros, como mostrar os personagens de esquerda de uma

maneira depreciativa, principalmente o Jonas; manipular os fatos históricos, promover

uma conciliação com a ditadura, apresentando um alto-oficial brando e um torturador

com crise de consciência, e de realizar uma apropriação da memória, para reapresentar

os fatos para as novas gerações, ou seja, os jovens da década de 90, com idade até 25

anos, que praticamente desconhecem o fato histórico.

Em nosso estudo, também procuramos apresentar alguns dados sobre os sujeitos

históricos, para que possamos compará-los com o modo como o diretor construiu seus

personagens dentro da película, assim poderemos enxergar as alterações e as opções

realizadas.

Deste modo, optamos pelo filme de Bruno Barreto, por que ao nosso ver ele é

instigante, partindo do princípio, da obra de arte enquanto objeto a serviço da

“construção ideológica”. Por meio da polêmica que “O que é isso, companheiro?”

levantou, podemos perceber a existência de uma disputa pela memória. E o quanto é

importante para os grupos sociais dominarem esta (a Memória), para assegurarem sua

posição na história. Também demos conta da nossa própria importância enquanto

sujeito histórico do nosso tempo, ao realizarmos este estudo e demonstrarmos a

existência destes conflitos, nos inserirmos na luta política, mostrando “o invisível

através do visível”.

Nosso trabalho obedece a uma divisão para melhor abordagem dos conteúdos.

No primeiro capítulo, apresentamos a queda do populismo com o golpe militar, a

formação da resistência democrática como oposição, o surgimento dos grupos armados,

a importância das manifestações culturais como forma de resistência, as idéias que

fizeram a cabeça das esquerdas como o foquismo, o fechamento total do regime militar

21

com o AI-5, a apresentação do seqüestro através do livro “O que é isso, companheiro?”

de Fernando Gabeira, seu exílio e sua transformação neste período.

No segundo capítulo, apresentaremos a derrota da guerrilha, a reorganização dos

movimentos sociais através da resistência democrática, que culminaram com novas

manifestações pedindo a reabertura política; apontaremos uma crítica ao socialismo

real, à crise no leste europeu e à derrota do projeto revolucionário, através de uma

análise da trajetória da Embrafilme, que não resiste ao avanço do capitalismo através do

neoliberalismo e da globalização da Cultura. Apresentamos a estrutura de enredo do

filme, os elementos atribuídos a cada personagem, para visualizarmos sua construção e

ainda procedemos à análise e apresentação do foco narrativo, uma operação realizada

por Bruno Barreto, fundamental para entendermos a construção do seu filme.

No terceiro capítulo, demonstraremos como foi a recepção do filme, para

entendermos o diálogo da sociedade com o mesmo. Apresentaremos os objetivos e as

intenções do diretor ao realizar "O que é isso, Companheiro?", assim como apontar as

críticas que a película recebeu na imprensa escrita por parte dos críticos, perceber como

o senso comum recebeu o filme, e o por que dele provocar tanta polêmica frente aos ex-

guerrilheiros. Buscamos também ressaltar algumas características dos sujeitos

históricos, para percebermos as alterações realizadas pelo diretor. Evidenciamos que

existe uma disputa pela memória, em que grupos sociais, querem (re)construir sua

posição na História nacional.

22

23

CAPÍTULO I: DO GOLPE MILITAR AO SEQÜESTRO

1.1 O GOVERNO JOÃO GOULART E O POPULISMO

O Brasil teve um período de vida democrática de 1945 a 1964. Neste contexto, o

país contou com três presidentes nacionalistas-populistas, sendo eles: Getúlio Vargas,

Juscelino Kubitschek e João Goulart.

No populismo, o Estado adotava uma política de conciliação de classes sociais,

com objetivo de alcançar um desenvolvimento econômico autônomo. Também defendia

reformas sociais limitadas, para manter o apoio popular. Durante estes governos, o

Estado investiu em indústrias de base, com a finalidade de fornecer matéria-prima e

energia a baixo custo, para o setor privado.

Neste período, se acirrou a luta entre os “nacionalistas” e “entreguistas”. Os

nacionalistas, do Partido Social Democrata (PSD) e do Partido Trabalhista Brasileiro

(PTB), assim como outros setores da sociedade, temiam que com a abertura da

economia ao capital estrangeiro, as nossas empresas nacionais fossem destruídas; que

grupos internacionais passariam a dominar nossa economia. Por outro lado, os

“entreguistas”29, da União Democrática Nacional (UDN), viam com bons olhos a

internacionalização da economia brasileira, justificando que quanto mais investimentos

viessem para o nosso país, mais nossa economia iria crescer e se modernizar.

O PCB da época, Partido Comunista do Brasil, apoiava os nacionalistas, porque

acreditava no enfrentamento da burguesia nacional contra o Imperialismo dos Estados

Unidos da América (EUA).

Em 1961, acontece um fato marcante na história política nacional: Jânio Quadros,

presidente eleito pelo povo, renuncia ao seu cargo. Ministros militares tentam impedir a

posse do vice João Goulart, mas não conseguem devido à mobilização do general

Machado Lopes e do governador Leonel Brizola, ambos do Rio Grande do Sul.

29 Era uma gíria utilizada para designar um grupo político favorável ao liberalismo econômico.

Consultar: FAUSTO, Boris. História do Brasil. 7ª ed. São Paulo: EDUSP, 1999.

24

Nos primeiros tempos de seu governo, Jango teve de conviver com o sistema

parlamentarista, além de reafirmar sua crença nos princípios democráticos, e sua repulsa

ao comunismo.

O presidente Goulart, ou “Jango”, era um nacionalista e contava com forte apoio

do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Ele fora ministro do trabalho no governo do

presidente Vargas, e também tinha uma característica de governo marcada pelo

populismo. É a partir desta característica (populismo), que podemos tentar entender a

construção do “jogo” com classes antagônicas, que almejavam situações tão diferentes.

Em meados de 1962, considerando o momento oportuno para acionar a luta pela

reconquista dos poderes presidenciais em sua plenitude, Jango se reaproximou do

movimento operário30 e das correntes nacionalistas, promovendo um reaquecimento do

populismo. Neste período, ocorreram duas greves nacionais, que contaram com a

coordenação direta e operacional entre Jango e a liderança dos trabalhadores e, o

Congresso Nacional aprovou o ato que antecipou o plebiscito para janeiro de 1963.

A rejeição ao parlamentarismo, teve para Jango um significado especial, sua

vitória eleitoral. Porém, ele fora rejeitado por forças contrárias, que esperavam do

presidencialismo restaurado, “tanto a política das reformas de base, como a política

oposta de repressão aos trabalhadores”. Sua política populista não consegue mais

satisfazer os setores conservadores que o apoiavam, assim como as massas populares

que iam se politizando e cobrando as reformas de base do governo.

Estas reformas eram esperadas por trabalhadores urbanos e rurais, além dos

estudantes das grandes universidades públicas, e graduados das Forças Armadas, visto

que, sinalizava a oportunidade de consolidar uma repartição de poder que certamente

lhes traria grandes benefícios. Ao mesmo tempo, percebemos o crescimento de um

processo de condensação de várias correntes de oposição às reformas: das elites

tradicionais a grupos de empresários favoráveis a projetos modernizantes. Aliavam-se

também, a essa verdadeira frente social, grande parte da classe média, pequenos

proprietários, profissionais liberais, oficiais das forças armadas, professores, etc.

30"Jango aumentou sua ascendência sobre a liderança sindical, porém teve de fazer concessões. O Comando Geral de Greve se transformou em Comando Geral dos Trabalhadores. Também sancionou a lei que instituiu o 13º salário, criou a Superintendência para a Reforma Agrária, e começaram a ser tomadas medidas legais no sentido da organização e reconhecimento oficial dos sindicatos de trabalhadores rurais". (GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 44).

25

Com o Populismo, muitos setores haviam acumulado riquezas, privilégios e

favores, por isso não desejavam destruí-lo, mas não suportavam uma redistribuição de

riqueza e poder na sociedade brasileira, em cuja direção apontava o movimento

reformista.

Em março de 1964, Jango resolveu assumir uma posição e partir para a ofensiva.

Dispôs-se a liderar um conjunto de grandes comícios para aumentar a pressão pelas

reformas.

O primeiro e único comício foi realizado em 13 de março de 1964. Reuniram-se

mais de 350 mil pessoas na defesa exaltada das reformas. A reação veio imediata, no dia

19, em São Paulo, desenrolou-se a primeira “Marcha da Família com Deus pela

Liberdade”, cerca de 500 mil pessoas foram para a rua.

O general Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, que contava com o

apoio do II e IV Exército e de diversos governadores, mobiliza as tropas em 31 de

março numa marcha em direção ao Rio de Janeiro, onde estava Goulart. O comandante

do I Exército, general Ancora, adere ao movimento.

Na manhã de 1º de Abril de 1964, o Golpe Militar estava concretizado: os

imperialistas e a burguesia nacional mobilizaram seu braço armado, o Exército31, contra

os trabalhadores da cidade e do campo32. O imperialismo e a burguesia nacional, as

Forças Armadas e a maior parte da hierarquia da Igreja Católica asseguraram a vitória

do golpe33. Desarmados por suas lideranças34 que acreditavam nas “forças

31 "Durante o Governo Goulart, o antipopulismo e o anticomunismo motivaram o processo de unificação da grande maioria das oficialidades das forças armadas, contra a minoria de oficiais comprometidos com a frente nacionalista e democrática. No final, teve efeito decisivo a indisciplina crescente dos subalternos, que mesmo a oficialidade menos politizada interpretou como ameaça à sobrevivência organizacional da instituição. Os três fatores principais determinantes do comportamento das Forças Armadas, impeliram no sentido da mesma reação conservadora, antidemocrática e autopreservadora, que se consumou não só no golpe, mas também na ocupação da chefia do Estado e deu origem, pela primeira vez na história do Brasil, a uma ditadura militar". Ibidem, p.54. 32"Em nome do anticomunismo e contra o perigo da "subversão", os militares e a burguesia golpista desencadearam violenta repressão sobre as classes trabalhadoras e todas as forças de esquerda: intervém-se nos sindicatos, invadem-se lares, colocam-se no exílio políticos e governadores contrários ao golpe, chacinam-se camponeses no Nordeste, assassinam-se trabalhadores nas cidades, torturam, provocam o "desaparecimento" de lideranças sindicais e políticas, etc". (SILVA, Antônio Ozai da. História das Tendências no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Projeto Editorial, s/d, p. 94) 33 "Um golpe de classe: "Sim. Banqueiros, industriais, comerciantes, latifundiários, ricos, privilegiados, todos os exploradores e todos os parasitas festejaram a vitória. Menos os trabalhadores. Eram os derrotados". Esse trecho define bem o caráter do Golpe: Não foi apenas um Golpe Militar foi um golpe de uma classe exploradora, contra a classe explorada. Entretanto, os trabalhadores perderiam a batalha, mas não seriam vencidos: Perde-se a batalha, mas a luta continua". Ibidem, p. 94). 34 "Na direção do PCB, considerava-se a possibilidade do Golpe de Direita. Mas a maioria do Comitê Central confiava cegamente no muito comentado dispositivo militar do General Assis Brasil, novo chefe da casa militar, logo depois escarnecido pela inépcia e leviandade. Essa confiança no Estado Burguês, ficou expressa nas declarações de Prestes por ocasião do aniversário do PCB. Em conferência

26

nacionalistas”, nas “tradições democráticas das Forças Armadas”, na “burguesia

nacional em choque com o imperialismo” e por um governo indeciso35 que no momento

da reação militar não quis, ou não soube, liderar a contra-ofensiva aos golpistas

reacionários, o proletariado e os camponeses foram rapidamente esmagados pelas forças

golpistas. O PCB limitou-se a ameaçar uma greve geral mas sequer distribuiu os

milhares de panfletos para sua ocasião. 36

1.2 DEPOIS DO GOLPE MILITAR

Os vencedores não perderam tempo no desmantelamento da rede de organizações

em que se apoiava a FMP (Frente de Mobilização Popular). Centenas de sindicatos

caíram sob intervenção, as Ligas Camponesas foram dispersadas e as chamas de um

incêndio televisado queimaram a sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), na

Praia do Flamengo. Cassações de direitos políticos foram iniciadas com o primeiro Ato

Institucional, inquéritos policial-militares e processos administrativos expurgaram das

Forças Armadas e do serviço público civil mais de dez mil pessoas. Não havia lugar

para os milhares de presos, sendo necessário encarcerar uma parte deles em navios-

presídio, no Rio de Janeiro e em Santos. Torturas e assassinatos deram início ao

Terrorismo de Estado37.

comemorativa no dia 27, no auditório da ABI, afirmou que não havia condições favoráveis a um golpe reacionário, mas se este viesse, (...) os golpistas teriam as cabeças cortadas". (GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 64). 35 "Jango foi fugindo do cenário: Brasília, Porto Alegre, Montevidéu, deixando atrás de si um rastro de desorientação e desagregação. Apavorado diante do incêndio que provocara sem querer, horrorizado com a hipótese de uma guerra civil que não desejava, decidiu nada decidir e saiu da história pela fronteira com o Uruguai". (REIS, Daniel Aarão. Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar. 2000, p. 32 ). 36 "Diante da violenta repressão, as forças da esquerda brasileira, entre as quais o Partido Comunista Brasileiro, são obrigados a recuar diante do inimigo, a fim de evitar um massacre total. Além da repressão, o PCB se enfraquece diante do descrédito gerado pela falência da sua política de aliança com a burguesia nacional. A verdade é que o capital estrangeiro controla setores importantes da economia no Brasil e, diante disso, a burguesia nacional em vez de confronto, associa-se ao imperialismo que domina o Brasil através do capital nacional e não contra ele. O PCB apesar de enfraquecido pela ação da repressão e pelo fracasso da sua política anterior ao golpe, acreditava que tudo não passava de um momento. Quer dizer, que o golpe não iria se consolidar, e que as forças democráticas reverteriam o processo. Diante desta análise, a orientação do partido é de evitar provocações”. (SILVA, Antônio Ozai da. História das Tendências no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Projeto Editorial, s/d, p. 95). 37 "Milhares foram presos através do país na "Operação Limpeza", inclusive membros de organizações católicas, como o Movimento de Educação de Base (MEB), a Juventude Universitária Católica (JUC) e

27

Diante deste quadro de mudanças políticas e de uma violenta repressão, as forças

da esquerda brasileira, entre as quais o PCB (Partido Comunista Brasileiro), são

obrigados a sair de cena. Além da repressão, o PCB se enfraquece diante do descrédito

gerado pela falência da sua política de aliança com a burguesia nacional. Apesar desta

situação, o partido acreditava que o golpe não iria se consolidar, que as forças

democráticas reverteriam o processo. Com esse posicionamento, o PCB provocou a

maior luta interna de sua história, ao final da qual, Luiz Carlos Prestes, secretário geral,

e a maioria da direção lograram manter a velha linha do partido. Se anteriormente ao

golpe, se combatia o Imperialismo, neste momento a prioridade do partido passa a ser a

bandeira de luta pelas liberdades democráticas e também contra a desnacionalização da

economia brasileira. A condução por este caminho custou ao PCB perda de prestígio e

de influência política. Entre 1965 e 1968, as bases universitárias começaram a romper

com o partido em todos os cantos do território nacional, constituindo as conhecidas

dissidências estudantis.

No entanto devemos ter em mente que a rejeição ao golpe militar abrangeu

diversos setores da sociedade brasileira. Maria Hermínia Tavares esclarece:

“Nesse ambiente fazer oposição podia significar uma infinidade de coisas. De fato, as formas de participação e o grau de envolvimento na atividade de resistência variava desde ações espontâneas e ocasionais de solidariedade a um perseguido pela repressão até o engajamento integral na militância clandestina dos grupos armados. Entre esses dois extremos, ser de oposição incluía assinar manifestos, participar de assembléias e manifestações publicas, dar conferências, escrever artigos, criar musicas, romances, filmes ou peças de teatro, emprestar a casa para reuniões políticas, guardar ou distribuir panfletos de organizações ilegais, abrigar um militante de passagem, fazer chegar à imprensa denúncias de tortura, participar de centros acadêmicos ou associações profissionais e assim por diante. Dadas as características do regime, qualquer desses atos envolvia riscos pessoais impossíveis de ser avaliados de antemão”38.

Esse movimento de oposição ao regime militar, constituiu a chamada “resistência

democrática”, que era composta por políticos do MDB (Movimento Democrático

Brasileiro), do PCB (Partido Comunista Brasileiro), por profissionais liberais,

outras cujas atividades de organização ou caritativas atraíram a suspeita da inteligência militar ou do DOPS, a polícia política. Partidos políticos da esquerda também foram atingidos, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PC do B), entre outros, como oficiais e praças das três armas, considerados como rebeldes e favoráveis à esquerda, assim como os organizadores do proletariado tanto urbano como rural". (SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p55). 38 ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de & WEIS, Luiz. “Carro Zero e Pau de Arara: O Cotidiano da Oposição de Classe Média ao Regime Militar”. In: SCHWARZ, L. M. História da Vida Privada no Brasil, Vol. 04. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 326.

28

jornalistas, intelectuais, artistas, estudantes, por setores da Igreja Católica, por

associações como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entre outros.

Os membros da resistência democrática, passaram a explorar as “brechas” de que

dispunham para se manifestar. A imprensa escrita foi uma delas, com destaque para o

jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, que pertencia à grande imprensa e desde

abril de 1964, se posicionou contra o regime militar. Outra área de atuação foi a Cultura,

através da música, do teatro e do cinema. A oposição queria informar a população, fazê-

la pensar, sobre a ditadura militar, e as conseqüências das suas ações. Deste modo,

esperavam despertar no povo o desejo pela restauração democrática.

Segundo a historiadora Rosangela Patriota: “Uma tentativa de responder ao golpe

de 64 foi o show Opinião (dezembro de 1964) , que além das intenções de resistência

democrática, o espetáculo procurou valorizar a música brasileira como representação

de anseios sociais”39.

A historiadora supracitada, destaca o importante papel que o teatro teve na

construção da resistência democrática, como instrumento de intervenção e

conscientização da sociedade. Um bom exemplo desse trabalho é a peça “Se correr o

bicho pega se ficar o bicho come”, de Oduvaldo Vianna Filho.

“A peça põe no palco uma das manifestações mais tradicionais do Nordeste brasileiro: a literatura de cordel. Os autores trabalharam, artisticamente, temas fundamentais para a construção da resistência democrática como eleições, vontade popular, interesses de grupos sociais e Reforma agrária. Imbuída da necessidade de resistir, ‘Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come’ é um texto engajado, mas em uma conjuntura distinta da que se apresentava aos olhos de Vianinha no pré-64. A situação não é mais interpretada como revolucionária, e sim como momento de construção da resistência democrática” 40.

Desta forma, a contestação ao regime militar no pós-64, difundiu-se em várias

partes da sociedade, inspirados entre outros fatores, pela música popular, pelo cinema,

pelo teatro, pelas artes plásticas e pela literatura. Deste modo, a resistência democrática,

como podemos ver, se articulou após o golpe, e foi ganhando força. Filmes como, “Os

Fuzis”(1964), de Ruy Guerra “O Desafio” (1965), de Paulo César Saraceni, “Terra em

Transe”(1967), de Glauber Rocha; entre outros do Cinema Novo; peças teatrais

encenadas pelo Teatro de Arena e pelo Oficina; canções como, “Terra Plana” e “Para

não dizer que não falei das flores” (Caminhando), de Geraldo Vandré; “Roda e

39 PATRIOTA, Rosangela. Vianinha: um dramaturgo no coração de seu tempo. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 111. 40 Idem, p. 116.

29

Procissão”, de Gilberto Gil; “Viola Enluarada”, dos irmãos Valle; “Soy loco por ti,

América”, de Capinam e Gil e outras de compositores como Sérgio Ricardo, Chico

Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento e seus parceiros; as exposições de artes

plásticas, como a “Nova Objetividade Brasileira”, no Museu de Arte Moderna do Rio

de Janeiro; enfim, inúmeras manifestações culturais, diferenciadamente, entre 1964 e

1968, mostravam o descontentamento e a crítica ao regime militar, assim como sua

crença na ação das massas populares41.

Concomitante a isso, o ano de 1966 viu um grande número de manifestações e

marchas de protesto. Eram, na maioria, liderados por estudantes universitários, que

mesmo na ilegalidade, continuavam ativos. Os Diretórios Centrais de Estudantes

determinaram que não se pagassem as anuidades escolares instituídas a partir desse ano

de 1966, não exatamente pela quantia que o pagamento pudesse representar, mas sim

porque era o cumprimento da orientação norte-americana de privatizar o ensino.

Passaram a ocorrer greves contra as anuidades, invasões de restaurantes universitários

fechados e reivindicações de direito de manifestação e de liberdade. Os populares

costumavam aplaudir os estudantes que, dos edifícios, eram saudados com chuvas de

papéis picados. Cartazes contra o governo federal, protestos contra os espancamentos

que a repressão policial vinha fazendo – aos gritos uníssonos de: “Abaixo a ditadura,

viva a soberania nacional”, “Povo sim, ditadura não”, “Abaixo o imperialismo”, “O

41 "O romantismo revolucionário esteve presente, em versões diferenciadas, tanto nos programas de vários grupos de esquerda, como nas produções artísticas, que marcaram diferentes conjunturas na sociedade brasileira. Em diversos momentos, ao longo dos anos 60, a revolução brasileira - em suas diversas acepções, em geral tomando como base principalmente a ação do camponês e das massas populares, em cujas lutas a intelectualidade de esquerda estaria organicamente engajada – foi cantada em verso e prosa na música popular, nos espetáculos teatrais, no cinema, na literatura e nas artes plásticas". (RIDENTI, Marcelo. Em Busca do Povo Brasileiro. São Paulo: Editora Record, 2000, p.43). "O meio cultural também sofreu perseguição direta, tanto pela censura (mais branda entre 1964 e 1968, absoluta após essa data), que impedia a livre manifestação das idéias e das artes, como pela representação física configurada e prisões e torturas. Por um motivo ou outro, muitos artistas viram-se forçados ao exílio. Não tem fim a lista de pessoas do meio cultural presas temporariamente, ameaçadas informalmente pela polícia e organismos paramilitares, torturadas ou exiladas. Inexistem evidências de que a maioria delas tenha tido vinculação mais sólida com grupos de esquerda. Qualquer crítica contra o regime, era tomada, após 1968, como subversiva e comunista, logo após, passível de punição. Ainda há mais desdobramentos não aferíveis por dados estatísticos, como a simpatia e a solidariedade aos grupos de esquerda armada que imperavam em setores artísticos e culturais, nacionais e internacionais, mesmo que na maior parte das vezes isso não implicasse militância ou concordância ideológica plena com esses grupos, respeitados por resistirem à ditadura. Um caso expressivo desse tipo de simpatia e respeito nos círculos intelectuais internacionais, foi a abertura de Sartre em seu prestigioso periódico francês, "Les Temps Modernes", para veicular textos de organizações armadas brasileiras. Por fim, e isso é o mais importante, os dados quantitativos não mostram a presença marcante das artes e da cultura dos anos 60. Especialmente entre 1964 e 1968, a efervescência cultural contribui para a adesão de setores sociais intelectualizados à opção pelas armas no combate ao regime militar". (RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: UNESP, 1993, p. 74-75).

30

voto é do povo e, se são fortes, abram as urnas”, “O povo quer feijão, chega de canhão”,

cantando o Hino Nacional – o movimento estudantil ganhava o cenário da nação

brasileira.

A UNE insistia na necessidade de organização popular independente, visando

conduzir a luta contra a ditadura e canalizar todos os esforços isolados para a sua

derrubada:

"Os estudantes percebiam a necessidade de um preparo cada vez maior para enfrentar a polícia da ditadura e as lideranças estudantis acreditavam que o caminho tomado pelo movimento estudantil o levaria a fundir-se nas ruas com o resto do povo oprimido pelo regime. A repressão insistia, não raro, em justificar sua ação pela alegação de que os comunistas estavam infiltrados e liderando o movimento estudantil"42.

Num audacioso desafio à sua proscrição, a entidade realizou seu congresso

nacional em Belo Horizonte, em julho de 1966. A polícia dissolveu a reunião antes

mesmo de sua instalação. Mais de 20 estudantes foram presos e acima de 100 se

refugiaram em conventos dominicanos e franciscanos, locais em que a polícia não

mantinha o menor escrúpulo em perseguí-los.

“A luta dos universitários brasileiros deve ser encaminhada para uma aliança estreita com as forças populares, vinculando a defesa da cultura e o combate ao terror e ao obscurantismo, à superação do estado de subdesenvolvimento decorrente de uma subordinação econômica internacional, que desvirtua nossa cultura, fazendo da alienação do povo seus instrumentos de preservação. Conscientes de nosso papel frente à realidade nacional, conclamamos para uma aliança todos os setores das classes populares, em torno de objetivos comuns, pugnamos pela mais completa liberdade de ação e manifestação em torno dos problemas essenciais do nosso momento histórico, indissoluvelmente ligados à causa do povo e somente solúveis por um Governo representativo das forças populares. Da parte do Governo, a resposta imediata, após a realização do Congresso de Belo Horizonte, foi efetuar inúmeras prisões de estudantes e enquadrar muitos deles na Lei de Segurança Nacional” 43.

As manifestações estudantis de protesto continuaram pelos meses de agosto e

setembro, com ataques cada vez mais violentos à ditadura44. E nas eleições para os

42 SANFELICE, José Luís. Movimento Estudantil: A UNE na resistência ao golpe de 64. São Paulo: Cortez, 1986, p.99. 43Ibidem, p.109-111. 44 "A história registra que houve o confronto. Foram muitos os conflitos e grande a repressão ocorrida no Dia Nacional da Luta Contra a Ditadura, em todo o país. Aliás, foram tantos os atritos com a repressão e persistência do Movimento Estudantil naquele mês, que A.J. Poerner (1976: 274-9) denomina-o de “O Setembro heróico de 66”. Foram tão violentas as características da repressão que o mesmo autor, descrevendo e documentando parte delas, ocorridas no Rio de Janeiro, intitulava-as de, O Massacre da Praia Vermelha”. (SANFELICE, José Luís. Movimento Estudantil: A UNE na resistência ao golpe de 64. São Paulo: Cortez, 1986, p.114).

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diretórios estudantis, os estudantes reconduziram os seus antigos membros ou votaram

em outros com idéias semelhantes. Choques entre estudantes e a polícia, embora

raramente envolvendo mais do que algumas centenas de manifestantes, espalharam-se

através do Brasil em fins de setembro, sendo que cada refrega só fazia fortalecer a linha

dura militar45.

Percebemos que até agora (1966), a estratégia de luta dos estudantes, consistia em

manifestações públicas e a busca por apoio das forças populares.

A Igreja Católica, que tinha apoiado o golpe militar, passou a demonstrar seu

descontentamento, principalmente através da figura de Dom Helder Câmara, que fora

nomeado Arcebispo de Olinda e Recife. Em seu posto anterior como bispo auxiliar do

Rio de Janeiro, Dom Helder tornara-se conhecido e estimado por sua pregação em favor

da justiça social, conquistando muitos admiradores dentro e fora do país. Foi ele um dos

primeiros críticos do governo revolucionário, suscitando com isso a ira de Castelo

Branco. Em Julho de 1966, Dom Helder liderou 15 bispos dos Estados de Pernambuco,

Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas, no apoio formal a um manifesto lançado em

março, por três grupos de ativistas católicos atacando a estrutura social injusta no Brasil,

a exploração de sua classe trabalhadora e as perseguições policiais. Oficiais militares de

Fortaleza ficaram revoltados e distribuíram um panfleto clandestino atacando Dom

Helder.

Em março de 1967 toma posse o segundo Presidente, general Artur da Costa e

Silva, ele começa seu mandato prometendo abertura democrática. Diante desta

promessa de “mais liberdade”, os trabalhadores até então duramente reprimidos,

rompem seu silêncio e começam a se articular, para retomar o sindicato das mãos dos

interventores de 1964. Em abril de 1968, os metalúrgicos de Contagem/MG entram em

greve, reivindicando melhoria salarial46. “A abertura do General Presidente mostra sua

45 "Os órgãos de segurança advertiram para que as manifestações não ocorressem porque haveria repressão. Os estudantes retrucaram que qualquer reprimenda acabaria gerando um campo de combate entre os brasileiros. O presidente Castelo Branco determinou às autoridades encarregadas da manutenção da ordem pública que procurassem evitar exageros na repressão às manifestações estudantis, a fim de evitar que os agitadores atingissem o seu objetivo: estudantes espancados por protestarem contra o governo. O líder do Governo, na Câmara Federal, Raimundo Padilha, por outro lado, defendeu a repressão policial porque, segundo ele, as instruções do comunismo internacional estavam sendo rigorosamente cumpridas pelos líderes do Movimento Estudantil Brasileiro". Ibidem, p.113. 46 "A 16 de abril de 1968, cerca de 1200 empregados da siderúrgica Belgo Mineira paralisaram sua atividade e se reuniram na sede do sindicato, supostamente à revelia da diretoria. Em poucos dias, os grevistas de Contagem já são 16 mil, unidos em torno da reivindicação de reajuste salarial acima do teto oficial de 17%. A envergadura do movimento impôs o deslocamento do Ministro do Trabalho Jarbas Passarinho para Belo Horizonte, onde se declarou disposto a negociações – algo insólito no

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verdadeira face: promove-se uma verdadeira ocupação militar em Contagem, a

repressão é brutal, chacinam-se operários, etc. Apesar da intensa e violenta repressão,

os trabalhadores lutam por seus direitos”47.

Em julho é chegada a vez de Osasco, dirigidos pela nova diretoria eleita, a

Oposição Sindical. Este sindicato estava estritamente ligado às bases, através das

Comissões de Fábrica dos Trabalhadores, cujo apoio foi essencial para ocupação das

fábricas. A repressão desencadeia-se brutalmente. Todos os dirigentes da greve foram

presos, mortos ou exilados.

"O movimento grevista se estendeu a outras empresas, num total de 10 mil participantes, unidos sob a bandeira do reajuste salarial de 35%, trimestralidade dos reajustes e contrato coletivo de dois anos. Com muita cautela, a fim de evitar a intervenção ministerial, o Sindicato dos Metalúrgicos se dispôs a negociar em nome dos grevistas com o Delegado Regional do Trabalho. Desta vez, o governo Costa e Silva não se mostrou favorável a concessões. Sob o comando do Governador Sodré e do Ministro Passarinho, já no dia 16 deslocado para São Paulo, os agentes policiais fizeram cerca de quinhentas prisões. A Força Pública invadiu a COBRASMA, libertou os administradores e expulsou os grevistas. O Sindicato dos Metalúrgicos sofreu intervenção e Osasco, durante uma semana, se converteu em praça de guerra. A greve não resistiu ao quinto dia. José Ibrahim caiu na clandestinidade, mas Zequinha, líder dos operários da COBRASMA, não escapou de três meses de DEOPS, castigado pelo cárcere e pela tortura"48.

Mesmo frente a este quadro de violência, outros setores da sociedade (artistas,

intelectuais, profissionais liberais, etc), e principalmente os estudantes, continuaram a

organizar manifestações de protesto e passeatas que chegaram a reunir 100 mil pessoas

no centro do Rio de Janeiro, durante o ano de 1968.

"Em 28 de março, houve uma manifestação no local e a polícia militar chegou pronta a agir com energia. Logo ouviu-se um tiro. Disparado pela polícia, atingiu o estudante Edson Luís de Lima Souto, que caiu morto. Agora tinham um mártir, uma morte que podia mobilizar o sentimento anti-governo. Os colegas de Edson conduziram seu corpo para a Assembléia Estadual (controlada pelo MDB), onde montaram uma vigília. Um experiente advogado oposicionista, advertiu-os a se certificarem de que o corpo não “desapareceria”, como acontecera a outras vítimas da violência policial desde 1964. O funeral no dia seguinte transformou-se numa gigantesca marcha pelo centro da cidade. No dia 4 de abril foi celebrada missa pela alma de Edson, ao meio dia, na igreja Candelária, localizada no coração do Rio de Janeiro. Compareceram milhares,

comportamento governamental. Por fim, o governo Costa e Silva concedeu 10% de abono, o que abria ligeira fissura na rigidez do arrocho. Com esta vitória parcial, a greve se encerrou em 2 de maio". (GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões perdidas à Luta Armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 143). 47 SILVA, Antônio Ozai da. História das Tendências no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Projeto Editorial, s/d, p. 102. 48 Ibidem, p. 144.

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inclusive empregados de escritório que aproveitaram a hora do almoço para expressar sua tristeza e seus sentimentos contra o governo. Ao sair da igreja, a multidão foi atacada a sabre pelos cavalarianos da polícia, atitude que apenas fez crescer o movimento de protesto. Marchas de solidariedade foram realizadas em muitas outras cidades, inclusive Salvador e Porto Alegre. Brasília seria o próximo ponto de ignição onde uma greve estudantil acabaria degenerando em conflito no início de abril49.

Dentro do movimento de oposição ao regime militar, desde 1967, começa a surgir

com mais força, a idéia de que pequenos grupos armados coesos e bem treinados,

poderiam fazer frente ao regime militar e colocá-lo em xeque.

Já constatamos que a luta interna do Partido Comunista Brasileiro (PCB) acaba

cindindo-o.

“Devido às suas concepções políticas serem divergentes, os membros que formam a “corrente”50 acabam tomando caminhos diferentes: Marighella, ao voltar de Cuba, forma o Agrupamento Comunista de São Paulo, cujas linhas de ação foram definidas em fevereiro de 1968, constituindo-se no mesmo ano, na Aliança Libertadora Nacional (ALN); Mário Alves, Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho fundam o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

Mas os rachas não se dariam apenas no PCB, outras organizações também sofreriam este processo. No caso do Partido Comunista do Brasil (PC do B), os dissidentes formam a Ala Vermelha e o Partido Comunista Revolucionário (PCR). A Política Operária (POLOP) – que passa por um crescimento após o golpe devido ao fato de suas críticas ao PCB, mostrarem-se corretas – acaba dividindo-se também: os dissidentes formam o Comando de Libertação Nacional (COLINA); outros participam do processo de formação da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e, mais tarde, acabaria surgindo o Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP). Da Ação Popular (AP) formam-se o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e a Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Os trotskistas, reunidos em torno do Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT), se dividem em vários grupos. Várias organizações surgiriam em decorrência do próprio processo que a esquerda brasileira estava passando”51.

Em meio a estas mudanças dentro da esquerda brasileira, ia-se constituindo a idéia

de uma vanguarda realmente revolucionária, que rompesse com o imobilismo e que

opusesse uma resistência armada à força bruta do governo, não só para restabelecer a

democracia, mas especialmente para avançar em direção à superação do capitalismo52.

49 SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 152. 50 Linha de oposição interna ao Comitê Central do PCB. (GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 89). 51 SILVA, Antônio Ozai da. História das Tendências no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Projeto Editorial, s/d, p. 103. 52 "A luta das esquerdas em armas após o golpe de 64 tinha como projeto, em geral, não só derrubar a ditadura, mas caminhar decisivamente rumo ao fim da exploração de classe, embora houvesse divergências entre as organizações sobre como se chegaria ao socialismo. Algumas optavam por uma

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Este posicionamento mais truculento, batia de frente com as idéias da resistência

democrática, que acreditava na preparação das massas para o confronto. Viam na luta

armada imediata uma contestação aventureira e irresponsável. A disputa pelo controle

do movimento, fica claro quando começam a surgir nas manifestações, coros

discordantes. Enquanto os adeptos do caminho pacífico gritavam: “O povo organizado

derruba a ditadura”, a outra corrente de opinião gritava “O povo armado derruba a

ditadura”. Como veremos os revolucionários, da chamada esquerda radical, inspirados

pela teoria do Foco, conquistaram a simpatia e tiveram grande influência sobre os

líderes estudantis, e estes (os estudantes) naquele momento eram os que impulsionavam

o movimento. Também precisamos pensar em um outro fator, que foi o cerco do

governo à oposição. A imprensa estava cada vez mais controlada pelos militares, os

artistas estavam sendo duramente reprimidos, todos os espaços onde a resistência

democrática atuava, estavam sendo aos poucos fechados. As manifestações eram cada

vez reprimidas com mais força e truculência pelos soldados. Em decorrência destes

fatos, o movimento de massa foi se esvaziando, enquanto a luta armada entrava na

ordem do dia.

"Nessas circunstâncias, as organizações que já vinham realizando algumas lutas e ações armadas ao longo de 1968 (como a ALN e a VPR) concluíram que estavam no caminho certo e intensificaram suas atividades em 1969. Outros grupos também passaram a não ver outro modo de combater a ditadura, a não ser pela via de armas. Com exceção do PCB, do PC do B, da AP (Ação Popular) e dos pequenos agrupamentos trotskistas, ocorreu o que Jacob Gorender chamou de ‘imersão geral na luta armada’, promovida por mais de uma dezena de organizações, como a Ala Vermelha, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário dos Trabalhadores (PCBRT), a Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR), o Partido Operário Comunista (POC), dentre tantas outras”53 .

Em nosso estudo, destacaremos duas organizações: a ALN (Ação Libertadora

Nacional) e a Dissidência da Guanabara, por terem sido, estas duas organizações, as

primeiras a promover uma ação de seqüestro (Juntas seqüestraram o embaixador

americano Charles Elbrick).

A Ação Libertadora Nacional (ALN) foi fundada por Carlos Marighella e

Joaquim Câmera Ferreira, quando estes rompem com o PCB, devido à sua política

etapa necessária de governo popular para cumprir as tarefas da revolução democrática, outras preconizavam diretamente a conquista do socialismo". (RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: UNESP, 1993, p.63). 53 RIDENTI, Marcelo. “Que História é Essa?” In: Versões e Ficções: O Seqüestro da História. São Paulo: Perseu Abramo, 1997, p. 21-22).

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pacifista e seu suposto imobilismo. Esta organização formou varias turmas de

guerrilheiros em Cuba, onde Marighella mantinha contato político.

Percebemos que a ALN, era uma das organizações mais militarizadas, que

surgiram dentro da chamada esquerda radical. Seus membros acreditavam no poder da

ação e no dinamismo para fazer frente ao regime militar.

Segundo Jacob Gorender: “O primeiríssimo princípio é o da ação. É a ação que

faz a organização e a desenvolve. Ação significa violência revolucionária, luta armada,

guerrilha. A ação cria tudo do nada, do zero. Daí decorre a atitude antiteoricista, a

teoria vista como blablablá em torno de mesas de discussão”54.

Sob forte inspiração foquista, Carlos Marighella, determinou como primordial a

implantação da guerrilha rural, com suas colunas guerrilheiras. Para atingir tal objetivo

a ALN promoveu uma série de ataques guerrilheiros em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Também vale ressaltar que o grosso de seu contingente era composto por estudantes.

Já a Dissidência da Guanabara, também nasceu devido seu rompimento com o

PCB. Esta organização tinha muita influência nos meios estudantis e durante os anos de

1966-1968, se dedicou a organizar o movimento dos estudantes e manifestações

públicas de protesto contra o regime militar opressor.

Em 1969, com o fechamento total da ditadura militar e a “imersão geral na luta

armada” os membros da Dissidência acreditam não haver mais espaço para a luta legal,

aderindo desta forma a via das armas. Do seqüestro do embaixador americano em diante

assume o nome de Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8).

“Enquanto a ditadura militar bloqueava o acesso às massas e as ações da ALN e

da VPR se prestigiavam pela publicidade, subia a pressão pelo imediato engajamento

na luta armada dentro das organizações da esquerda radical até o final de 1968 ainda

dedicadas ao trabalho direto com os movimentos de massa”55. Neste contexto, somente

as organizações armadas se acreditavam como revolucionárias. Os movimentos

democráticos eram vistos como “frouxos”, e as massas como um estorvo, naquele

momento para se realizar a revolução.

Um bom exemplo, desta perspectiva de contestação do papel das massas, do

trabalho para sua organização, uma crítica à política do PCB, com seu pacto de alianças

54 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 96. 55 Idem, p. 152.

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com diferentes frentes sociais, é encontrado no filme “Terra em Transe” (1967) de

Glauber Rocha.

A película supracitada, representa como a cultura, a produção artística, quando

engajada tem o poder mobilizador. “Terra em Transe”, é uma película construída dentro

da perspectiva do Cinema Novo, que tinha como objetivo discutir a realidade nacional

e participar do processo de transformação social de maneira ativa. Se utilizando de uma

estratégia comum após o golpe militar, nos meios de produção artística, o filme retrata

um país chamado Eldorado (Brasil), e expõe os problemas que este estava atravessando

(queda do populismo, golpe, repressão).

Ao nos apresentar seu enredo, “Terra em Transe”, na verdade realiza uma reflexão

sobre o Brasil pós-64; o filme se utiliza de uma alegoria para discutir questões que

estavam presentes em nossa sociedade. como o Populismo e seu fracasso enquanto

sistema político; o caráter dúbio da burguesia nacional, que ao invés do enfrentamento,

se aliou aos grupos internacionais. Na película existe uma crítica explícita com relação à

participação das massas populares. Elas são apresentadas como um “rebanho” que

precisa ser conduzido por um líder, sempre manipulada. O filme apresenta a luta armada

como uma opção.

O historiador Alcides Freire Ramos, nos ajuda:

“É preciso asseverar inicialmente que Paulo Martins é o personagem central da trama, já que o próprio filme se organiza em função das vacilações de sua postura e de sua memória. Trata-se de um jornalista e intelectual que, oscilando entre o apoio e a crítica ao esquema político populista, encerra em sua trajetória a denúncia dos mais diversos esquemas de manipulação das massas. Sua atitude, no limite, aponta para a opção pela luta aramada, aquilo que, para alguns agrupamentos de esquerda, constituiu-se na melhor estratégia de enfrentamento do autoritarismo”56.

Este filme de Glauber Rocha teve uma importância singular em sua época (1967),

pois a película influenciou de maneira marcante diversos grupos sociais, como, artistas,

intelectuais, profissionais liberais, entre outros, mas principalmente os estudantes.

“Não surpreende que ‘Terra em Transe’ tenha resultado na conhecida experiência de choque e gerado todo um novo impulso de criação na cultura. As respostas a esta obra tão central definiram linhas básicas da produção no final da década de 60, no cinema, no teatro e na música popular”57.

56 RAMOS, Alcides Freire. “Terra em Transe: A desconstrução do Populismo”. In: DAYREL, Eliane Gracindo & IOKOI, Zilda Maria Gricoli (orgs.) América Latina Contemporânea: desafios e perspectivas“. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Edusp, 1996. 57 XAVIER, Ismail. Alegorias do Subdesenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 65.

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“Terra em Transe”, ao apresentar sua crítica com relação ao papel das massas e

apontar para o caminho da luta armada, refletia também uma discussão aguda que

existia dentro dos grupos de oposição ao regime militar, ou seja, realizar o trabalho

junto às massas ou partir para a luta armada imediata. Como já falamos, este filme

exerceu grande influência, e se somarmos a isto, o fato do governo aumentar cada vez

mais a repressão e, se pensarmos que neste mesmo período chegavam ao Brasil os

primeiros textos sobre a Teoria do foco e sobre o poder da guerrilha para se realizar a

revolução sem necessitar da participação do povo, entenderemos que estava-se criando

no Brasil um ambiente propício para este tipo de encaminhamento, que era a

visualização da guerrilha revolucionária.

Deste modo, também entendemos por que o filme de Glauber Rocha, ao mesmo

tempo que era enaltecido, recebia tantas críticas pelas opções que fazia. Alcides Freire

Ramos, nos esclarece:

“Para Gabeira, o filme tinha uma concepção muito depreciativa do povo brasileiro e acabou com uma solução elitista, de quem não acredita mesmo na ação organizada das massas. ‘Centrei minha intervenção na tese de que o filme discutia duas saídas através dos dois personagens e escolhia a pior delas’”58.

Fernando Gabeira nos serve como exemplo, quando observamos que assim como

ele, muitas pessoas que se dedicavam e acreditavam no trabalho junto ao povo, mais

tarde no ano de 1968, mais precisamente em dezembro, quando o governo decreta o AI-

5, vão migrar para alguma organização armada.

Outro depoimento importante, apresentado por Ramos, é o parecer de Oduvaldo

Viana Filho, o Vianinha, destacado representante da resistência democrática:

“À época do lançamento, Terra em Transe, exatamente por ter ido fundo na crítica do pacto policlassista (propugnado pela esquerda no período pré-64), produziu neste dramaturgo uma reação violentíssima: ‘ o Brasil não é aquilo! O Brasil não é essa merda que o Glauber Rocha vê’ . Esta opinião, mais tarde, se concretiza na peça ‘Papa Highite’ (1968) que nada mais é do que uma crítica à opção pela luta armada”59.

Utilizamos o filme “Terra em Transe”, por que ele contribui para percebermos, a

construção da resistência através da cultura. Os apontamentos acima apresentados,

demonstram que a película propunha um diálogo com a sociedade, uma reflexão sobre

58 RAMOS, Alcides Freire. “Terra em Transe: Estética da Recepção e Historicidade”. In: Revista Art Cultura. Vol.04, nº 05, Uberlândia, 2002, p. 58. 59 Idem, p. 59.

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as transformações ocorridas em seu presente, inclusive apontando para outras

alternativas, que se colocavam em pauta de discussão.

Este papel de fomentador de discussões, marcou as produções artísticas do

período da ditadura militar. Alias existia uma preocupação muito grande, em se

promover o contato com a sociedade brasileira , ou pelo menos com a parcela que tinha

condições de acesso. Também percebemos que havia uma expectativa com relação ao

papel dos jovens (estudantes).

“Num país onde a maioria da população é composta de gente com menos de 21 anos de idade e onde os jovens passam cada vez mais cedo a participar da vida pública, nossa maior responsabilidade é precisamente relativa à juventude. Com o entusiasmo que lhes é peculiar, os jovens insurgem contra a realidade monstruosa que lhes é apresentada, descobrem que as instituições vigentes precisam ser urgentemente submetidas a uma transformação radical. Mobilizam, então, suas energias e procuram organizar suas exigências. Nossa tarefa, como intelectuais, é a de tentar comunicar aos moços, tão esclarecida quanto nos for possível, a visão de mundo capaz de proporcionar-lhes o mais conseqüente dos comportamentos revolucionários. A franqueza exige que não conciliemos com concepções que reduzem o processo revolucionário a uma aventura momentânea, ao invés de mostra-lo em toda sua complexidade, no pertinaz trabalho organizacional e educacional que ele requer. Na medida em que nos dispusermos a transmitir aos jovens a nossa experiência como intelectuais, na medida em que elaborarmos para eles uma rigorosa teoria da revolução brasileira, é que os auxiliaremos e criaremos condições para eles nos auxiliarem. Juntos, os intelectuais e os jovens irão aprofundando a legítima conduta revolucionária, desfazendo os equívocos românticos e superando os graus inconseqüentes da rebeldia”60.

A partir de “Terra em Transe” de Glauber Rocha, as vanguardas culturais ganham

destaque e se espalham pelas demais árias da produção cultural, assim como as

vanguardas revolucionárias armadas, que em um primeiro momento “arrebanham”

muitas pessoas para suas fileiras principalmente estudantes. Estas vanguardas, ignoram

a participação das massas populares, e se proclamam seus representantes, realizando

uma revolução em seu nome, contra a ditadura militar.

Segundo Alcides Freire Ramos, “Um posicionamento significativo é o de Jacob

Gorender: ‘A aversão emocional ao populismo atingiu o terreno das artes e aí deslizou

para a aversão à própria massa popular, na filmografia de Glauber Rocha. Terra em

transe, de 1967, satiriza o líder populista e as massas imbecis que se deixam enganar.

60 KONDER, Leandro. “A Rebeldia, os Intelectuais e a Juventude”, In: Revista Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, ano III, nº 15, 1967, p. 144.

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Nada a esperar dessas massas idiotizadas, mas do intelectual que sai atirando de

metralhadora”61.

Como veremos mais adiante, entre 1969-1972, diversas organizações

desencadearam ações armadas nas cidades, para obter recursos para a implantação das

guerrilhas rurais. Estes grupos, em sua grande maioria, foram fortemente influenciados

por uma nova idéia.

1.3 FOQUISMO

Como vimos, havia duas formas de resistências à ditadura militar, e quando o

Estado decreta o AI-5, fechando de vez o regime, os “pregadores da resistência” armada

vão ganhando notoriedade, e assumem o papel de uma vanguarda revolucionária.

A Esquerda brasileira que pegou em armas, foi fortemente inspirada pela forma

como se desenvolveu a Revolução Cubana, com a “Teoria do Foco”. Ela tomou

conhecimento do “Foquismo” através dos escritos de Ernesto Che Guevarra, “A guerra

de Guerrilhas” de 1960, e de Régis Debray, “A Revolução na Revolução” folheto de

1967.

A teoria do Foco deve sua existência devido à crença de que um grupo de pessoas,

através de suas ações armadas, consigam a solidariedade e o engajamento das massas

populares. A área de atuação do foco guerrilheiro seria o campo, ou melhor, as regiões

de difícil acesso, onde a repressão teria maiores obstáculos para agir. Com um trabalho

desenvolvido junto aos camponeses, se formariam as colunas guerrilheiras que unidas

dariam vida ao exército.

Com o Foquismo, o fator militar ganha projeção sobre o político. Como veremos

organizações que partiram para a luta armada vão adotar uma hierarquia e uma

disciplina militar, que até então não era existente. As políticas partidárias vão ser

duramente criticadas como sendo imobilistas. Segundo Jacob Gorender:

"o foquismo cubano se origina num dos mais interessantes mitos do movimento revolucionário mundial. O mito de que a Revolução Cubana chegou à vitória pelo poder mágico de doze ou dezessete sobreviventes da expedição do Granma, iniciadores da luta na Sierra Maestra a partir do nada, a partir do zero.

61 RAMOS, Alcides Freire. “Terra em Transe: Estética da Recepção e Historicidade”. In: Revista Art Cultura. Vol.04, nº 05, Uberlândia, 2002, p. 59.

40

Ainda não faz muito, na entrevista de Roberto D’Ávila, transmitida a 22 de dezembro de 1985 pela TV Manchete, Fidel Castro dizia: “Começamos do zero, do nada, de um punhado de homens”. Não há começo a partir do nada, exceto o que os crentes atribuem a Deus na teologia judaico- cristã. O pequeno grupo comandado por Fidel Castro, em nenhum aspecto corresponde à idéia do foco. Desde o primeiro momento, foi reconhecido pelos camponeses e neles encontrou simpatia e ajuda. Tanto que pôde travar as primeiras escaramuças apenas um mês depois da chegada à Sierra Maestra. Quatro meses mais, enfrentava vitoriosamente um combate de grande envergadura. è que, desde antes, o grande motor (as massas) já estava em funcionamento.

A luta guerrilheira cubana ficaria indefinidamente confinada ou seria esmagada, se já não encontrasse a campanha nacional à qual a guerrilha se associou e da qual terminou ganhando a direção. Esta campanha nacional contra a ditadura de Batista, de que participavam o movimento de 26 de Julho chefiado pelo próprio Fidel Castro e por Frank País, o Diretório Revolucionário, o Partido Comunista, sindicatos operários e mesmo correntes políticas burguesas, é que reduziu consideravelmente a eficiência do Exército de Batista e forneceu aos guerrilheiros elementos materiais e morais para as suas façanhas. O mérito excepcional de Fidel Castro consistiu em nunca ter desistido da luta armada, movido pela convicção certeira de que só ela podia dar o golpe decisivo no aparelho de Estado burguês e levá-los ao desmantelamento. Esta tenacidade para recomeçar após sucessivas derrotas aparentemente terminais, vinculada à arte política criativa e audaz, fez de Fidel Castro o maior líder revolucionário da América Latina, no século XX" 62.

Percebemos que o foquismo representou naquela época a resposta que muitos

procuravam de como enfrentar o poder golpista, que cada vez endurecia mais, não

tolerando qualquer forma de manifestação, reprimindo tudo com muita violência. Mas

devemos perceber que ao mesmo tempo que as organizações se voltavam para as ações

armadas, elas também promoviam rachas internos, pois muitos membros não

concordavam com o novo caminho adotado. Isso irá trazer problemas que veremos mais

adiante.

As organizações, de modo geral, queriam implantar no país o socialismo, mas

havia diferenças entre elas de como se chegar a este sistema político. Segundo Marcelo

Ridenti, que nos ajuda a pensar esta questão:

"A primeira grande coordenada divisora de posições no seio das esquerdas em geral, e das armas em particular, refere- se ao caráter atribuído à programada revolução brasileira. A versão mais tradicional e difundida a respeito ainda era, em meados dos anos 60, aquela do PCB, que seguia a análise de 1928 do VI Congresso da III Internacional Comunista. Previa- se a revolução em duas etapas, a primeira das quais deveria ser “burguesa” ou de “libertação nacional”. Congregando uma somatória de classes sociais progressistas, unidas

62 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 81.

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para desenvolver as forças produtivas, a revolução burguesa implicaria superar os entraves impostos ao desenvolvimento nacional no campo e pela presença do imperialismo na economia. Muitas organizações que pagaram em armas mantiveram com poucas alterações esse esquema analítico, como foi o caso da ALN e também, dos grupos nacionalistas, como MNR e RAN que, naturalmente, eram favoráveis a uma luta de libertação nacional. A segunda coordenada divisora entre os grupos armados urbanos referia-se à natureza organizacional que eles se propunham a assumir. Basicamente, as posições polarizavam-se quanto à necessidade ou não da estruturação de um partido nos moldes marxistas-leninistas clássicos para fazer a revolução, a partir da guerra de guerrilhas no campo e das ações armadas nas cidades. Vários agrupamentos não prescreviam a necessidade do partido para deflagrar a guerrilha e fazer e revolução, dentre outros, ALN, VPR, MNR e COLINA. Isso não significa que eles não vissem a emergência do partido numa segunda fase – o que aconteceu na Revolução Cubana, que só constitui um partido comunista depois da tomada do poder. Uma terceira coordenada divisora das esquerdas, dizia respeito às reformas de luta preconizadas para o combate à ditadura, dentro do processo revolucionário. O PCB continuaria mantendo, depois de 1964, a proposição da via pacífica para o socialismo. Aqueles que advogavam como principal forma de luta a via armada divergiam sobre a maneira pela qual ela deveria ocorrer. Dentre os partidários da luta armada, só o PORT prendeu-se exclusivamente à tradição bolchevique de insurreição das massas trabalhadoras, ficando imune às influências das idéias guerrilheiras. O PC do B e a AP, proponentes da “guerra popular prolongada” com o “cerco das cidades pelo campo”, abstiveram-se de ações armadas nas cidades. Entre as organizações guerrilheiras que entraram na dinâmica das ações armadas urbanas também havia divergências sobre o tipo de luta a ser travado. No tocante à constituição da guerrilha rural, dois eram os pólos teóricos que atraiam os grupos de esquerda: o guevarismo e o maoísmo, com várias posições híbridas entre eles"63. Para iniciar a guerrilha rural, as organizações precisavam conseguir armamentos e

dinheiro64. Também necessitavam de pessoas para preencherem suas fileiras. Neste

aspecto de material humano, o movimento estudantil contribuiu muito, principalmente,

por que várias lideranças deste movimento foram atraídas pela nova dinâmica das

organizações armadas.

Deste modo, assaltos a bancos, roubos de armas e de carros passaram a fazer parte

dos seus cotidianos. Pretendia-se, com isso, obter fundos para a sustentabilidade da

63 RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: UNESP, 1993, pp. 30-37-44. 64"Em 1969 e, principalmente, a partir de 1970, as organizações guerrilheiras entraram numa ciranda de ações armadas para conseguir fundos, a fim de manter suas caras e pesadas estruturas clandestinas, que tinham de ser constantemente renovadas em função da intervenção policial, cada vez mais eficiente. Também realizaram seqüestros para libertar presos políticos, cujo número aumentava dia-a-dia. Segundo José Carlos Gianini: Numa época, você participava de três assaltos em 24 horas, uma loucura, cada ação era uma descarga brutal de adrenalina no sangue, você saía esgotado; uma ação de minutos te arrebentava o resto do dia, inclusive com um desgaste emocional muito grande. Imagine fazer três ações ao dia! Era a necessidade objetiva que estava empurrando para isso, uma questão de sobrevivência, num certo momento". (RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: UNESP, 1993. p. 251).

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organização e suas estruturas, além do planejamento da guerrilha rural, que era o

objetivo primordial.

Entre 1969 e 1972, todas as organizações com ações urbanas foram exterminadas

pelo governo, sem conseguir lançar a tão almejada guerrilha rural. A ditadura militar

modernizou seus aparelhos repressivos, somando-se a isso as bárbaras torturas e

assassinatos, intimidando o grosso da população e isolando cada vez mais os grupos que

persistiam neste caminho.

As organizações não conseguiam mais recrutar novos elementos para suas fileiras,

que eram devastadas pela repressão. De modo que, para se manter por mais tempo eram

obrigadas a se fundir ou promover ações em conjunto65.

Devido à repressão da ditadura militar, e conseqüentemente seu maior isolamento,

as organizações iam rompendo definitivamente qualquer trabalho junto às massas. Essa

situação gerou diversas cisões e enfraqueceu ainda mais as suas precárias estruturas.

Ao nosso ver este foi o maior erro das organizações armadas, pois quando

partiram para a luta armada imediata para romper com o suposto imobilismo do PCB, as

mesmas não prepararam a população para um futuro enfrentamento. Não se fez alianças

para esperar o momento oportuno e optou-se por uma vanguarda revolucionária.

Jacob Gorender, nos ilustra essa discussão dizendo:

“Avanço mais significativo do ponto de vista teórico partiu da Ala Vermelha, na sua Resolução denominada Autocrítica, 1967-1970. À parte de idéias hoje superadas, a Resolução tem o mérito de ser o primeiro documento da esquerda armada a definir o seu erro fundamental: o erro de ter feito da opção pela luta armada imediata o divisor de águas com relação ao reformismo pacifista do PCB”66.

Várias organizações, principalmente a partir de 1970, começaram a discutir se

fariam um recuo ou continuariam em sua ofensiva.

"Em janeiro de 1971, o MR-8 constatou a redução das bases sociais da esquerda armada e a dificuldade de recomposição dos quadros perdidos. Fez a proposta do retorno ao trabalho de massas, sob formas não armadas, o que implicaria na superação do erro do vanguardismo e a reconquista de bases sociais para a esquerda. Como não se aprofundava a análise, o MR-8 mantinha a tese do já consumado desmascaramento da ditadura militar." 67

65 Para se ter uma noção bem mais detalhada, consultar o livro "Combate nas Trevas" de Jacob Gorender, p.191. 66 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada: São Paulo: Ática, 1987, p.204. 67 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 199.

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Este erro de estratégia custou muito para as organizações, pois sem o apoio da

sociedade, sem sua solidariedade, caçados como terroristas, os guerrilheiros foram

marginalizados. A posição militarista venceu as discussões, e os militares venceram os

guerrilheiros. Eles pareciam viver outra realidade, não a da sociedade brasileira; era

como se estivessem em um plano paralelo “aprisionados por seus mitos”.

"Configurada a marginalização social do movimento armado, não houve lógica interna coesionada que mantivesse vivos, por muito tempo, os grupos guerrilheiros, numa conjuntura política bastante adversa para eles. Além da atuação da repressão policial, que desempenhou papel decisivo no extermínio dos grupos armados de esquerda, estes passaram a sofrer sucessivos “rachas” e defecções, sem conseguir recrutar novos militantes e criar bases de apoio na sociedade; eles não tinham como substituir os presos, os mortos e aqueles que desistiam da militância. E não se admitia hipótese de recuo político dentro dos grupos guerrilheiros, cuja opção pela luta armada imediata era inquestionável"68.

Diante deste quadro, uma das formas utilizadas para libertar colegas aprisionados

e torturados nos porões da ditadura, e de denunciá-la publicamente, foi a de seqüestrar

diplomatas estrangeiros. O primeiro e de maior impacto foi o do embaixador americano

Charles Burke Elbrick, que Jacob Gorender denominou “o golpe de mestre”. Também

foram seqüestrados em 1970 o cônsul do Japão, o embaixador da Alemanha Ocidental e

o embaixador da Suíça.

Assim, podemos constatar que, apesar de uma ou outra ação bem sucedida, os

militares desmantelaram rapidamente as organizações que pegaram em armas. Seus

adversários, em sua agonia final, já não eram a Burguesia, o Imperialismo, o Estado.

Eram sim, o aparelho repressivo, os torturadores, e os traidores informantes, infiltrados

no interior de cada organização.

1.4 AI-5 O GOLPE DENTRO DO GOLPE

Como podemos observar, o período de 1964-1968, ficou marcado por intensas

manifestações contra a ditadura militar. A repressão do governo no início se concentrou

contra os sindicatos dos trabalhadores urbanos e rurais, contra os militares nacionalistas

e contra os partidos de esquerda, notadamente o PCB (Partido Comunista Brasileiro).

68 RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: UNESP, 1993, p. 264.

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Aos poucos, o governo militar percebe que a resistência à sua tomada do poder, se

estendia em um âmbito bem mais profundo dentro da nossa sociedade: no teatro, na

música, no cinema, com os intelectuais, profissionais liberais, professores, jornalistas,

estudantes universitários e secundaristas. Também do exílio coordenavam a Frente

Ampla, Juscelino Kubtchek, João Goulart, Carlos Lacerda e o PCB, que mesmo com as

dissidências, se reorganiza e se põe na luta contra a ditadura. Setores da Igreja Católica

também começavam a organizar protestos contra o governo e os operários também

começavam a se reorganizar para reconquistar os sindicatos e se inserir na luta.

Segundo Jacob Gorender:

“Os acontecimentos do meio estudantil comoveram grandes setores da classe média. Apenas iniciado, o assenso econômico ainda era insuficiente para anestesiar os efeitos do período depressivo: retração de empregos, rebaixa dos salários, vertical elevação dos impostos, aluguéis e tarifas dos serviços públicos. Nos meios intelectuais, o florescimento cultural vindo dos anos 50 não fora sufocado e assumiria no pós-64 formas novas e brilhantes, altamente politizadas. O movimento operário, se lançava à ações mais combativas. Todos estes fatores se associaram e interagiram na onda de protestos antiditatorias durante 1968”69.

Frente a esta crescente mobilização que atingiu seu auge em 1968, a ditadura

militar foi dando respostas gradativas. Por exemplo, as manifestações que no início

eram apenas acompanhadas pela polícia, começaram a ser reprimidas, cada vez com

mais violência. A censura também foi fechando os espaços na imprensa, nas produções

culturais, até o estrangulamento das mesmas, em 1969.

Mas a resposta mais dura do governo militar, veio em 13 de dezembro de 1968,

quando foi decretado o Ato Institucional nº 5. Com ele, os militares promoveram o

fechamento completo do regime. Repressão violentíssima contra qualquer forma de

oposição e censura total.

O Congresso Nacional foi fechado, direitos políticos cassados, o direito de habeas

corpus foi banido, muitos artistas, professores e intelectuais foram exilados, a imprensa

foi calada, ou seja, a oposição, principalmente a resistência democrática, sofreu um duro

golpe do regime militar. Já as organizações armadas atuantes em 1968, não recuaram

frente a este fechamento, pelo contrário, intensificaram ainda mais suas ações.

Com relação ao AI-5, Marcelo Ridenti esclarece:

“Com o AI-5 foram presos, cassados, torturados ou forçados ao exílio inúmeros estudantes, intelectuais, políticos e outros oposicionistas. O regime

69 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 148.

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instituiu rígida censura a todos os meios de comunicação, colocando um fim à agitação política e cultural do período. Por algum tempo, não seria tolerada qualquer oposição ao governo, sequer do moderado MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Era a época do slogan oficial: ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’” 70.

1.5 O SEQUESTRO

Fernando Gabeira é um sujeito histórico central em nosso trabalho. Ele presenciou

o golpe de 1964, e o desenrolar dos fatos políticos até 1968, quando resolve entrar para

uma organização de esquerda chamada Dissidência da Guanabara.

Gabeira viveu a efervescência política do período, quando surgiram as grandes

manifestações de massas, como a passeata dos “Cem Mil”. Acompanhou a disputa

interna dentro do movimento.“‘Só o povo armado derruba a ditadura’; outros

gritavam: ‘Só o povo organizado derruba a ditadura’. A escolha entre um ou outro

adjetivo era objeto de uma surda luta interna das correntes políticas que disputavam a

hegemonia do movimento”71.

Em seu livro “O que é Isso Companheiro?”, Fernando Gabeira, no capítulo

Babilônia, Babilônia, nos apresenta como ocorreu o seqüestro do Embaixador

americano Charles Burke Elbrick72.

70 RIDENTI, Marcelo. “Que história é essa?” In: Versões e Ficções: O seqüestro da história. 2ª ed. São Paulo, 1997. p. 21. 71 GABEIRA, Fernando. O que é isso Companheiro?. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 75. 72 Em 4 se setembro, data escolhida a dedo, em plena Semana da Pátria, o embaixador foi seqüestrado por um comando composto por Virgílio Gomes da Silva (o Jonas, comandante da revolução), Manoel Cyrillo de Oliveira, Paulo de Tarso Venceslau (todos da ALN), além dos membros do MR-8: Franklin Martins (idealizador do seqüestro e autor da carta manifesto divulgada pelos guerrilheiros), Cláudio Torres, Sebastião Rios e Vera Sílvia Magalhães. (RIDENTI, Marcelo. “Que história é essa?” In: Versões e Ficções: O seqüestro da história. 2ª ed. São Paulo, 1997. p. 23-24).

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Fernando Gabeira em diferentes fases, como guerrilheiro em 1969, no exílio em 1978, no Brasil em 1981 e como Deputado Federal em 1997

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“Lembro-me de descer correndo as escadas da casa, de abrir a porta da garagem, de fechar rapidamente a porta da garagem, de olhar o fundo da Kombi esverdeada e ver ali, meio embrulhado num saco, o homem e a cara larga do homem. Dentro da Kombi as pessoas sorriam discretamente orgulhosas. Encostei-me um pouco na parede e disse em voz alta: 'Meu deus, seqüestramos o embaixador dos Estados Unidos”73.

Ele nos relata que o ritmo de vida na clandestinidade, era muito mais rápido do que

os movimentos de quem respeita a lei. Em sensação de liberdade, de andar armado,

documentos falsos, acabou por criar uma impressão de poder maior do que eles

realmente tinham.

A idéia do seqüestro, tinha partido de Zé Roberto, quadro da Dissidência da

Guanabara e segundo Gabeira, poucos sabiam o que ia acontecer, e ele era um dos

poucos (existe contestação, pois alguns militantes atestam que Gabeira não sabia o que

iria acontecer).

Para preparar a ação, os guerrilheiros dividiram as tarefas e coube a Vera Silvia

Magalhães, realizar o levantamento de informações sobre o embaixador americano

Charles Burke Elbrick. Missão realizada com sucesso pela guerrilheira, que conseguiu

informações importantes para que o grupo realizasse a operação.

Fernando Gabeira, estava providenciando uma casa em Santa Teresa, o dono da

casa estava desconfiado, mas o guerrilheiro conseguiu efetuar o aluguel do imóvel. A

casa era muito importante pois além de servir para o seqüestro, ele seria a sede do jornal

resistência, que a organização queria ampliar74.

Para realizar a operação de seqüestro, o grupo da Dissidência da Guanabara, buscou

apoio em uma organização com maior experiência em ações armadas. Este respaldo

veio com a aliança realizada com a ALN (Ação Libertadora Nacional), organização

paulista libertadora por Carlos Marighela e Joaquim Câmera Ferreira (Toledo).

O grupo planejou os passos da operação, a rota de deslocamento, o papel de cada

um, quem ia fazer o quê, enfim tudo. Toledo veio primeiro para o Rio de Janeiro, e na

noite anterior ao seqüestro, chegaram os outros três de São Paulo. (Jonas entre eles, mas

não é citado o seu nome).

A carta manifesto já estava pronta, e os membros da ALN, aprovaram o texto,

praticamente sem nenhuma alteração. (Ao contrário das edições anteriores, nesta

73 Idem, p. 108. 74 Fernando Gabeira já morava na casa quando ocorreu o seqüestro, ele não a arrumou para a ação, e sim para o jornal da organização.

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Gabeira confirma que o manifesto foi redigido por Franklin Martins). O texto foi

divulgado por toda a imprensa nacional e internacional75.

75 "Grupos revolucionários detiveram hoje o Sr. Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos, levando- o para algum lugar do país, onde o mantêm preso. Esse ato não é um episódio isolado. Ele se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados à cabo: assaltos à bancos, nos quais se arrecadam fundos para uma revolução, tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; ocupação de quartéis e delegacias, onde se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários, para devolvê-los à luta do povo; explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores. Na verdade, o rapto do embaixador é apenas mais um ato da guerra revolucionária que avança a cada dia e que ainda este ano iniciará sua etapa de guerrilha rural.Com o rapto do embaixador, queremos mostrar que é possível vencer a exploração, se nos armarmos e nos organizarmos. Apareceremos onde o inimigo menos nos espera e desaparecemos em seguida, desgastando a ditadura, levando o terror e o medo para os exploradores, a esperança e a certeza da vitória para o meio dos explorados. O Sr. Burke Elbrick representa em nosso país os interesses do imperialismo, que, aliados aos grandes patrões, aos grandes fazendeiros e aos grandes banqueiros nacionais, mantêm o regime de opressão e exploração. Os interesses desses consórcios, de se enriquecerem cada vez mais, criaram e mantêm o arrocho salarial, a estrutura agrária injusta e a repressão institucionalizada. Portanto, o rapto do embaixador é uma advertência clara de que o povo brasileiro não lhes dará descanso e a todo momento fará desabar sobre eles o peso de sua luta. Saibam todos que essa é uma luta sem tréguas, uma luta longa e dura, que não termina com a troca de um ou outro General no poder, mas que só acaba com o fim do regime dos grandes exploradores e com a constituição de um governo que liberte os trabalhadores de todo o país da situação em que se encontram. Estamos na Semana da Independência. O povo e a ditadura comemoram de maneiras diferentes. A ditadura promove festas, paradas e desfiles, solta fogos de artifício e prega cartazes. Com isso, ela não quer comemorar coisa nenhuma; quer jogar areia nos olhos dos explorados, instalando uma falsa alegria com o objetivo de esconder a vida de miséria, exploração e repressão em que vivemos. Pode- se tapar o sol com a peneira? Pode- se esconder do povo a miséria, quando ela a sente na carne? Na Semana da Independência, há duas comemorações: a da elite e a do povo, a dos que promovem paradas e a dos que raptam o embaixador- símbolo da exploração. A vida e a morte do Sr. Embaixador estão nas mãos da ditadura. Se ela atender a duas exigências, o Sr. Burke Elbrick será libertado. Caso contrário seremos obrigados a cumprir a justiça revolucionária. Nossas duas exigências são: a) A libertação de quinze prisioneiros políticos. São quinze revolucionários entre os milhares que sofrem as torturas nas prisões- quartel de todo o país, que são espancados, seviciado, e que amargam as humilhações impostas pelos militares. Não estamos exigindo o impossível. Não estamos exigindo a restituição da vida de inúmeros combatentes assassinados nas prisões. Esses não serão libertados, é lógico. Serão vingados, um dia. Exigimos apenas a libertação desses quinze homens, líderes da luta contra a ditadura. Cada um deles vale cem embaixadores, do ponto de vista do povo. Mas um embaixador dos Estados Unidos também vale muito, do ponto de vista da ditadura e da exploração; b) A publicação e leitura desta mensagem, na íntegra, nos principais jornais, rádios e televisões de todo o país. Os quinze prisioneiros políticos devem ser conduzidos em avião especial até um país determinado – Argélia, Chile ou México -, onde lhes será concedido asilo político. Contra eles não deve ser tentadas quaisquer represálias, sob pena de retaliação. A ditadura tem 48 horas para responder publicamente se aceita ou rejeita nossa proposta. Se a resposta for positiva, divulgaremos a lista dos quinze líderes revolucionários e esperaremos 24 horas por seu transporte para um país seguro. Se e resposta for negativa, ou se não houver resposta nesse prazo, o Sr. Burke Elbrick será justiçado. Os quinze companheiros devem ser libertados, estejam ou não condenados: esta é uma “situação excepcional”. Nas “situações excepcionais”, os juristas da ditadura sempre arranjam uma fórmula para resolver as coisas, como se viu recentemente, na subida da Junta Militar. As conversações só serão iniciadas a partir de declarações públicas e oficiais da ditadura de que atenderá às exigências. O método será sempre público por parte das autoridades e sempre imprevisto por nossa parte. Queremos lembrar que os prazos são improrrogáveis e não vacilaremos em cumprir nossas promessas. Finalmente, queremos advertir aqueles que torturam, espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando, ponha as barbas de molho. Agora é olho por olho, dente por dente. Ação Libertadora Nacional (ALN). Movimento

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Como Fernando Gabeira era o morador oficial da casa, e ainda tinha vida legal,

ele era o encarregado de providenciar as coisas que o grupo necessitava. Por isso era ele

quem deixava as mensagens e bilhetes de Elbrick, providenciava a comida, entre outras

coisas para o grupo.

“A libertação do Brasil exigia pessoas práticas, organizadas e com disciplina. Estudantes de engenharia, de química, por exemplo. Precisávamos de técnicos, gente capaz de transformar um bolo de aniversário numa bomba que fizesse voar o parlamento. Eu usava óculos, esquecia as tarefas mais elementares e, num momento daqueles, me interrogava se Burke realmente amava Elviry”76.

Para manter a segurança na casa, os guerrilheiros se colocavam em posições

estratégicas para a defesa. Todos tinham que cumprir os seus turnos, mesmo Gabeira,

quando este se encontrava na casa. Durante os turnos de sua responsabilidade, em vigiar

o prisioneiro, Fernando Gabeira conversou muito com o embaixador sobre a relação do

Brasil e dos Estados Unidos.

“Ele captou muito bem a relação incômoda que tínhamos com a arma. Éramos

intelectuais, querendo dizer alguma coisa, e os tanques estavam apontados contra nós no

Brasil. Não queríamos de forma alguma trocar de papel” 77.

Suas conversas abordavam os Panteras Negras e a guerra no Vietnã. Para Elbrick

os primeiros eram muito radicais, e a guerra no Sudeste Asiático era um erro.

Os guerrilheiros do MR-8 (nome que a Dissidência adotou no seqüestro) e da

ALN, confeccionam a lista com os 15 nomes, dos presos políticos à serem soltos.

Gabeira deixa a lista no Leblon. No fim da tarde os rádios noticiavam os nomes.

Na sexta-feira, 05 de setembro, à noite, ocorre um dos episódios mais tensos, do

seqüestro. Fernando Gabeira estava vigiando o embaixador, e é chamado às pressas

pelos colegas. Dois homens estavam batendo à sua porta. Atrás dele, três guerrilheiros

da ALN. Fortemente armados, na sua frente, dois sujeitos que “de cara” Fernando

Gabeira desconfiou serem agentes da repressão. O clima ficou muito tenso e Gabeira

com muito medo. Mas tudo acabou bem: ele se livrou dos sujeitos e fechou a porta da

casa.

O grupo se reúne para decidir o quê fazer, e Fernando Gabeira, é encarregado de

seguir os dois, onde acaba descobrindo que os dois homens são realmente agentes do

governo. O embaixador estava muito tenso, percebeu todo o nervosismo que estava no

Revolucionário 8 de Outubro (MR-8)” (BERQUÓ, Alberto. O Seqüestro dia a dia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 65). 76 GABEIRA, Fernando. O que é isso Companheiro?. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 119.

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ar. Ele estava acostumado a circular na alta sociedade, em cerimônias, recepções, ele

não sabia o que realmente acontecia durante o governo ditatorial. Porém, na sua opinião,

os Estados Unidos não deveriam apoiar governos militares autoritários. E sim, líderes

populares, que fossem uma alternativa ao comunismo.

No sábado, os guerrilheiros já sabiam que o governo tinha aceitado suas

exigências78. Todos estavam muito felizes. Fernando Gabeira sai para entregar o último

bilhete de Elbrick. No caminho pensa em Helena (simpatizante da organização e

fiadora da casa), e resolve ir procurá-la para alertá-la sobre os possíveis perigos.

O prisioneiros deixam o Brasil no sábado mesmo, a bordo de um Hércules da

Força Aérea, que parte do aeroporto militar do Gabão rumo à cidade do México,

algemados e famintos.

Já no domingo, as agências emitiam a rádio-foto da chegada dos prisioneiros. O

governo cumpria seu papel. Logo após o almoço, Fernando sai para entregar mais um

manifesto para a imprensa (contra sua vontade). Após o retorno começa a destruir e

limpar tudo o que pudesse comprometer o grupo. Era uma corrida contra o tempo pois

se aproximava a hora de soltar o embaixador Elbrick.

Na hora de sair da casa, havia muita tensão no ar, ela estava sendo muito bem

vigiada, havia um corre-corre dentro da casa. Cláudio, incube Gabeira de cuidar do seu

77 Idem, 124. 78 As exigências dos seqüestradores também provocaram acalorados debates entre os militares. Uma facção (localizada especialmente na Vila Militar, subúrbio do Rio) queria que o embaixador ficasse entre à própria sorte, alegando que o preço de sua vida, seria a humilhação dos militares. Como era de esperar, o governo americano estava fazendo forte pressão sobre a Junta Militar para libertar Elbrick. As tensões criadas por essa pressão poderiam até ter levado à rejeição das exigências dos seqüestradores, caso o governo houvesse preferido atacar a prisão de Elbrick, uma residência privada vigiada noite e dia pela inteligência naval. Vozes moderadas prevaleceram, contudo, e as exigências foram atendidas. A aquiescência às exigências dos rebeldes, provocou violenta oposição nos quartéis, como os guerrilheiros previam. A 6 de setembro oficiais pára- quedistas invadiram uma estação de rádio perto do Rio de Janeiro e anunciaram que estavam assumindo o poder no Brasil. Mas deixaram imediatamente o estúdio e nunca mais voltaram à superfície. Incidente mais sério, ocorreu quando o avião com os presos a bordo estava na pista do aeroporto pronto para levantar vôo para o México. Duzentos fuzileiros navais (da Linha Dura da Marinha) cercaram o aparelho, recusando- se a deixa- los decolar. Foram finalmente persuadidos (ou receberam ordens) a desistir pelas autoridades superiores, temerosas de que o atraso pusesse em risco a vida do embaixador americano. Em conseqüência do seqüestro, a Junta imediatamente adotou medidas duras. A 5 de setembro, promulgou dois Atos Institucionais, como vimos anteriormente. O AI-13 dava ao governo o poder de banir permanentemente do país qualquer brasileiro considerado perigoso para a segurança nacional (a lei foi imediatamente aplicada aos 15 reféns que voaram para o México). O AI-14 restabelecia a pena de morte (inexistente em tempo de paz no país, desde 1891) para casos de “guerra externa, ou guerra psicológica, revolucionária ou subversiva ”. O governo militar concedera- se o direito de fazer virtualmente tudo em nome da segurança nacional. Em meados de setembro as forças de segurança tinham detido 1.800 suspeitos, muitos dos quais sofreram torturas. (SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 205-206).

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paletó, tarefa que este descuidou (Cláudio Torres foi o Primeiro a cair nas mãos dos

agentes), ao deixar a casa em um dos carros.

A polícia política seguiu em um carro, os guerrilheiros, e em determinado

momento, ficaram lado a lado, mas estes foram despistados e os guerrilheiros seguiram

para o Maracanã, onde iriam libertar o embaixador no final da partida de futebol

aproveitando a confusão.

Várias pessoas foram presas e torturadas devido a este seqüestro, Toledo e Jonas

foram assassinados sob tortura. Fernando Gabeira foi preso e devido aos seus

ferimentos não foi muito torturado. Ele foi liberto para o exílio em 1970, com o

seqüestro do embaixador da Alemanha, juntamente com mais 39 pessoas.

Fernando Gabeira e os demais receberam asilo político na Argélia. Devido à sua

experiência como jornalista, foi um dos encarregados de lidar com a imprensa

internacional. Neste mesmo período de exílio, provoca escândalo junto aos outros

companheiros com o início de um romance com Vera Silvia Magalhães, que ainda se

encontrava em uma cadeira de rodas devido às torturas, e era viúva de José Roberto,

amigo de ambos.

No exílio, Gabeira começa, juntamente com outros ex-guerrilheiros, a refletir o

curso da luta armada no Brasil, e começam a perceber que ela não vai nada bem, que é

crescente o isolamento dos grupos armados juntos às massas. Estes realizavam ações

que nada tinham a ver com os interesses do povo.

Apesar destas constatações, os exilados, em suas entrevistas para a imprensa

internacional, continuaram passando a idéia de que a luta revolucionária no Brasil era

rigorosa e de que havia avanços conquistados.

Fernando Gabeira deixa a Argélia e vai para Cuba, onde encontra revolucionários

de diversos países e, começa a entrar em contato com a realidade cubana.

Paralelamente a isso, no exílio, sofre um corte com a realidade local (não conseguia

obter informações sobre a situação no Brasil).

Em Cuba, Fernando Gabeira começa um treinamento militar e apesar de sua

inaptidão, ele é um dos mais esforçados em aprender as técnicas de combate. Gabeira

no início do seu exílio ainda pensava em voltar para o Brasil e fazer a revolução, a

partir de pequenos grupos armados. Mas ao mesmo tempo percebemos que Cuba

significava um marco na mudança de postura de Gabeira. Este país, na década de 70 já

não era o modelo romântico dos revolucionários. Vera Sílvia Magalhães nos diz: “Na

52

verdade, nós fizemos autocrítica logo após a nossa passagem por Cuba. O contato com

o socialismo já nos levou a repensar questões como guerrilha, foquismo e a própria

Revolução Cubana”79.

Podemos perceber que quando Fernando Gabeira entra em contato com as obras

de Marx em Cuba e começa a aprofundar seus estudos, seu lado intelectual duramente

reprimido começa a aflorar e Gabeira se encontra em um duelo pessoal, com seu lado

intelectual versus o guerrilheiro.

Em princípio de 1971, ocorre o seqüestro do embaixador suíço, para a libertação

de mais setenta prisioneiros políticos. Os exilados em Cuba continuam a refletir sobre a

luta armada e as “condições” dos guerrilheiros no Brasil. O seqüestro do embaixador

suíço só representava mais derrotas da esquerda armada no Brasil. Assim, como a morte

do capitão Lamarca pela repressão. Contudo no Brasil a luta armada continuava a

representar um caminho certo. Sobre isso, Gabeira nos diz:

“A morte de Lamarca tinha um profundo significado negativo. Além de todo o desastre político que expressava, indicava claramente que a nossa Organização ia mal. O que mais nos chocou na morte de Lamarca foi a dificuldade que alguns companheiros tinham para reconhecer a decadência do movimento armado. Seu redator dizia que no fundo aquela derrota era sintoma do nosso avanço. O movimento tinha como objetivo instalar-se no campo depois de breves ações na cidade onde recrutaria alguns quadros e se organizaria no interior da classe operária. Todos as etapas estavam cumpridas e era preciso lembrar agora aos pessimistas 'que já estávamos morrendo no campo, cenário da luta principal’”80.

Ao vivenciar este período de autocrítica, Gabeira, se dedica cada vez mais nos

estudos e ao trabalho intelectual. O mito cubano já tinha caído por terra, e ele e Vera

Silvia partem para Paris, onde o Jornal resistência (da organização MR-8) estava sendo

editado. Contudo devido à falta de recursos, eles se mudam para a Alemanha, onde

trabalham de dia e discutem política à noite.

Na Europa, Gabeira aprofunda seus estudos, aumenta seu conhecimento e sua

visão crítica. Na Alemanha ele entrara em contato com estudantes e intelectuais de

esquerda. Em 1973, Gabeira e Vera vão para o Chile, onde a Unidade Popular estava no

poder e atraía os brasileiros exilados devido à sua perspectiva política e também devido

à proximidade com o Brasil. No Chile eles encontram o MR-8, dividido em duas

facções. Pelo seu posicionamento neutro Gabeira é acusado por ambas de

79 PATRIOTA, Rosangela. “Vera Sílvia Magalhães: Estrangeira em seu próprio país”. In: Revista Cultura Vozes. Petrópolis: Vozes, 92 (I), janeiro-fevereiro de 1998. 80 GABEIRA, Fernando. Crepúsculo do macho. 12ª ed. Rio de Janeiro: Cordecri, 1980, p. 91.

53

“desbundado”. O Chile estava vivendo um período tenso, a qualquer momento poderia

começar uma guerra civil. O país vivia um agitação política igual ao Brasil em 1964.

Em 11 de setembro de 1973, começa o golpe militar no Chile. A repressão é violenta e

os brasileiros exilados têm que invadir as embaixadas para se refugiar.

Fernando Gabeira e mais 120 brasileiros se refugiam na embaixada da Argentina.

Muitos querem ir para este país. Gabeira defende que deveriam ir para a Europa, para se

reorganizar, visto que a Argentina também padecia dos sintomas de um golpe militar.

Mais uma vez é acusado de desbundado pelos “companheiros”.

Passado algum tempo, Gabeira vai para Corrientes na Argentina, mas fica muito

pouco, pois com a ajuda de Vera, ele consegue ir para a Suécia. Neste novo país,

Fernando Gabeira se encontra na extrema pobreza, dependendo de assistência social.

Mas, apesar das dificuldades, é também convidado à participar do Tribunal Bertrand

Russel, em Roma, que trataria de crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura

brasileira.

“O tribunal Bertrand Russel era um sucesso: estava toda a imprensa italiana e estrangeira. Em termos de propaganda contra a ditadura brasileira foi o maior acontecimento isolado de todos os anos de exílio. Minha intervenção foi muito aplaudida e lembro-me que comecei explicando que a tortura no Brasil era uma forma de luta necessária para a implantação da hegemonia do grande capital e mostrei que usava toda a tecnologia moderna a seu alcance. Desfiz o mito de que os torturadores eram monstros sexuais ou coisa parecida, dizendo que eram apenas profissionais da classe média, alguns podendo estar ali no Coliseu, entre os pacíficos turistas”81.

Na Suécia, Fernando Gabeira começa um processo de desmantelamento de seu

“figurino” guerrilheiro. Ele começa a mudar sua aparência (tira a barba, bigode, muda o

corte de cabelo e a forma de se vestir), ao mesmo tempo que vai interiorizando as

sucessivas derrotas da esquerda no continente americano.

Com um nova realidade, Gabeira conhece novas pessoas, estilos de vida, e faz

novos experimentos como o consumo de haxixe (droga). Ele continua no Comitê da

Anistia, que ganha mais força a partir de 1974, onde no Brasil a oposição à ditadura

militar, se reorganiza na sociedade. Mas ao mesmo tempo Gabeira já é “outra pessoa”,

sua forma de pensar, sua visão de mundo se modificou completamente, ele entra em

contato com novas perspectivas, novas frentes de luta, como a ecologia, os movimentos

negros, o homossexualismo, e a luta a favor da liberalização da maconha.

81 GABEIRA, Fernando. Crepúsculo do Macho. 12ª ed. Rio de Janeiro: Cordecri, 1980, p. 179.

54

Em um passeio a Paris em outubro de 1978, Gabeira encontra Ziraldo (jornal o

Pasquim) e aceita dar uma entrevista, achando curioso as pessoas se interessarem por

um período tão “remoto” (1969), sua sensação era de que se referia a um filme, algo que

não havia acontecido com ele.

Ao adotar uma nova postura e forma de vida, Fernando Gabeira passa a ser visto

como extravagante e “desbundado” pelos ex-companheiros da Colônia brasileira. Em

1979 quando retorna ao Brasil, com a anistia, ele tinha 40 anos de idade e já estava

escrevendo o livro “O Que é Isso Companheiro?”.

Dez anos foi o período que durou o seu exílio, Gabeira não sabia como iria

encontrar o Brasil. Ele foi recebido no aeroporto com muita comemoração por antigos

companheiros. Logo em seguida, viaja para Juiz de Fora/MG, para rever a família. No

Brasil, Gabeira parece não se encontrar, pois a realidade nacional é muito diferente da

que ele vivia na Europa.

Aqui no Brasil ele não gosta de sair muito, não vai à praia (sua aparição com uma

tanguinha de crochê causou escândalo na imprensa, ele estava acostumado às praias de

nudismo na Grécia), não quer emprego fixo, pensa em publicar artigos, mais o

pagamento é pouco.

Em seu processo de adaptação, Gabeira vislumbra uma porta pela qual ele pode

explorar muito bem sua experiência adquirida na Europa. Ele percebe que no Brasil a

consciência ecológica estava começando a se estruturar, então se dedica a escrever uma

série de artigos relativos à temática (entre eles enfocou a construção da Usina Nuclear

de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro). É através desta opção que ele marca suas

posições políticas no Brasil e começa a se reorganizar.

Com o lançamento do livro “O Que é Isso Companheiro?” e uma reportagem

“Como seqüestrei o embaixador americano?”, começa um conflito com outros membros

do seqüestro.

Fernando Gabeira, passa a ter sua masculinidade contestada, devido suas roupas e

estilo, no jornais. Se em 1968, ele entra para uma organização de luta armada, e

compartilha dos mesmos ideais, em 1980 isso já não ocorre mais, ele não sente a menor

afinidade com os ex-militantes. Seu nome no início dos anos 80 não saí dos jornais e

revistas e, ele escreve artigos sobre liberdade de expressão e contra o machismo. Viaja

pelas as capitais divulgando e lançando os seus livros, dando entrevistas, lutando entre

55

outras coisas pela legalização da maconha, e pela liberdade de fumar. Gabeira gosta da

sua mudança, mesmo não sendo compreendido por certos setores e antigos colegas.

Sobre a importância dos guerrilheiros em seu momento histórico, Gabeira nos diz: “Era preciso sempre tomar muito cuidado para que não houvesse uma

superestimação de nossa revolta e importância. Se criticamos uma certa maneira de combater o governo, em pequenos grupos de heróis, substituindo o povo, era preciso criticar todas as solenidades que acabariam por dar uma impressão de heroísmo, distante da experiência cotidiana de cada um”82.

Para Gabeira, não se pode mais morrer como herói para uma revolução, mas sim,

viver humildemente para ela, lutando cotidianamente junto aos setores oprimidos. Em

uma de suas viagens ao interior de Minas Gerais, ele descobre a grande destruição

ambiental e assume essa realidade como uma nova frente de luta, que não precisa

esperar a revolução socialista.

Fernando Gabeira lançou vários livros, escreveu diversos artigos, fundou o

Partido Verde (PV) e em 1989 saiu candidato a presidente da República. Elegeu-se

deputado estadual pelo PV-RJ, posteriormente elegeu-se deputado federal. Atualmente

ele cumpre novo mandato de deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

O que consideramos primordial, é percebermos a transformação do sujeito

histórico Fernando Gabeira. Alguém que acreditava verdadeiramente, que a luta armada

era o único caminho possível para se derrubar a ditadura militar. Que por essa crença,

renega sua formação intelectual e entra para uma organização armada.

Participa de uma ação histórica (seqüestro do embaixador americano Charles

Elbrick), sendo posteriormente preso e exilado. Como podemos observar, no exílio

Fernando Gabeira sofre uma transformação que começa em Cuba e se acentua na

Suécia. É através dessa transformação física e ideológica, da sua nova forma de pensar e

refletir sobre os acontecimentos, de seu rompimento com seus antigos companheiros de

MR-8, que podemos entender a forma como Gabeira escreve o livro “O Que é Isso

Companheiro?” em 1979. Ele não compartilha mais dos mesmos ideais e

representações, e justamente por se sentir outra pessoa ele pode olhar para o passado e

criticar, não apenas seus companheiros, mas a si mesmo e suas antigas crenças.

82 GABEIRA, Fernando. Entradas e Bandeiras. 9ª ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1981, p. 167.

56

Bruno Barreto em entrevista à Folha de São Paulo

Bruno Barreto no set de gravação

Bruno Barreto com sua esposa na entrega do Oscar

57

CAPÍTULO II: “O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?”

DE BRUNO BARRETO

2.1 DA DERROTA DA GUERRILHA AO AVANÇO DO NEOLIBERA LISMO

Quando o regime militar decreta o AI-5, no final de 1968, as organizações

armadas, não recuam em sua estratégia de enfrentamento aberto ao regime militar, pelo

contrário, acreditam estar no caminho certo. Deste modo intensificam as ações armadas

nas cidades, para obterem recursos visando a implantação da guerrilha rural.

Do seu lado, o governo iniciou uma intensa campanha, para desacreditar os

guerrilheiros e transforma-los em marginais, terroristas. Somando-se a isso, o governo

promoveu uma repressão armada altamente violenta, caçando os guerrilheiros,

prendendo-os ou matando-os, a tortura era tão bárbara que muitos preferiam a morte.

Já em meados de 1969, quase todas as organizações estavam seriamente abaladas

em suas estruturas devido à repressão. Muitos membros deixaram seus grupos, quando a

situação começou a piorar drasticamente. Com isso surgiram discussões e posições que

questionavam a luta armada imediata contra o regime militar. Frente a esta situação de

repressão e de problemas internos, as organizações se fragmentavam e se isolavam cada

vez mais da sociedade. Em 1970, vários grupos armados tentaram se juntar para

formarem uma “coligação de organizações de esquerda” que fizessem frente à força

bruta do governo.

Jacob Gorender nos diz:

“Operante no decorrer de 1970, a Frente não evoluiu no sentido da fusão orgânica. Câmara Ferreira pensava num comando político mais unificado, mas Lamarca resistiu à idéia, pois enxergava incompatibilidades sobretudo com a concepção organizativa grupista da ALN. Preferiu uma coligação limitada à execução de ações conjuntas e ao esclarecimento mútuo das posições doutrinárias. À associação VPR-ALN se somaram o MRT e a REDE. Ao MRT se agregou o Movimento Revolucionário Marxista (MRM), um grupúsculo de pessoal migrado de Minas para São Paulo, também desprendido da Ala Vermelha e que se conservou autônomo. A REDE, pelo contrário, desistiu da autonomia e se incorporou à ALN em junho de 1970. Em julho, representantes do MR-8 e do

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PCBR a reunião de cúpula da Frente em São Paulo e aceitaram a aliança na atuação prática”83.

Mesmo com a criação desta Frente e com seus sucessos nas ações de seqüestro em

1970, as organizações continuavam sendo destroçadas pela forte repressão militar.

Segundo Ridenti:

“A partir de 1969, exauriam-se as forças alimentadoras da esquerdas: desapareciam as sobrevivências da representação política até 1964 e esgotavam-se os movimentos sociais de 1967-1968, quer pela repressão policial generalizada; quer pela recuperação econômica com o ‘milagre brasileiro’; quer pela manipulação ideológica desses e de outros fatores pelo regime civil-militar; quer pela atuação política dos movimentos sociais e das próprias esquerdas em geral e, em particular, das armadas. Estas caminhavam para a extinção, ao insistirem em enfrentarem abertamente a repressão sem capacidade de reciclar seus quadros e suas bases, numa conjuntura de refluxo dos movimentos sociais. Ao invés de ganharem representatividade, as organizações clandestinas iam perdendo aquela com que contavam, marginalizando-se socialmente, entrando numa dinâmica ambígua de sobrevivência política e de autodestruição, no rumo certo do desaparecimento”84.

Percebemos que em vez de colocar a ditadura militar em cheque, as organizações

caminhavam para sua destruição. Extremamente frágeis, os últimos grupos armados

caíram em 1973, sem conseguir lançar a guerrilha rural. A única exceção foi o PC do B

(Partido Comunista do Brasil), que conseguiu lançar sua guerrilha rural no sul do Pará.

Os guerrilheiros estavam bem instalados e conseguiram impor duas grandes derrotas ao

exército em 1972. Em outubro de 1973 a situação mudou (o exército treinou tropas

especiais) e as forças militares começaram a destruir a “Guerrilha do Araguaia”. Em

1974, tombava os últimos membros deste episódio.

Como já vimos a esquerda armada não conseguiu se inserir na sociedade

brasileira, devido ao seu isolamento, mas também podemos dizer que esta mesma

sociedade não se solidarizou com seu projeto revolucionário. As organizações armadas

eram compostas em sua grande maioria, por jovens militantes (estudantes), que

acreditavam sinceramente que o Brasil estava em um impasse, e desta forma a luta

revolucionária aceleraria o processo de sua queda.

Eles acreditavam rigidamente nas etapas a serem cumpridas para alcançar tal

objetivo (fim do regime militar), assim lançaram-se em uma “guerra” autoritariamente

sem nenhum apoio. Aliás, estas organizações eram extremamente autoritárias, possuíam

83 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 191. 84 RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: UNESP, 1993, p. 248.

59

uma estrutura rígida igual ao modelo que combatiam (exército). Em seus métodos,

acabavam por matar a democracia, afastando qualquer possibilidade de inserção social.

Deste modo forma esmagados por um inimigo muito mais poderoso que não tinha a

menor complacência.

Muitos adeptos das esquerdas revolucionárias, perceberam posteriormente (depois

da prisão ou do exílio da grande maioria) que para promover transformações sociais é

preciso se inserir na sociedade, acompanhar os seus passos e ritmos e a partir daí

apontar as opções e possíveis caminhos a se seguir de uma maneira democrática, e não

promover uma mudança a ferro e fogo. A ditadura militar assumiu o poder no Brasil,

porque havia apoio na sociedade, o projeto revolucionário fracassou pela falta deste85.

Se por um lado percebemos a derrota e o esgotamento final da guerrilha como

forma de enfrentamento ao regime militar, constatamos que houve uma reorganização

nos movimentos sociais. Sobretudo a partir de 1972, abrem-se novas frentes de luta

onde a oposição ao governo vai se engajar para reestruturar sua resistência. A

contestação ao regime militar voltou a ser realizada, tendo por base a mobilização da

sociedade civil.

Neste período, o Brasil já não realizava mais o “milagre” econômico, o país estava

em recessão, fator que ajudou a aumentar o descontentamento do povo com relação a

ditadura militar. Entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), passaram a

denunciar com mais veemência a tortura e a lutar pelo restabelecimento da democracia,

assim como a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), que também protestava contra a

falta de liberdade de informação e repressão por parte dos militares. A Igreja Católica se

mobilizava contra a violação dos direitos humanos e o aumento do custo de vida da

população.

Percebemos que neste contexto as associações de bairros, de moradores, de donas

de casa, também se organizavam para lutarem por melhores condições. É nestas

associações que a esquerda vai procurar se inserir para fazer seu trabalho de base. Outro

setor em que a esquerda vai atuar é nos sindicatos e movimentos operários que também

lutavam por seus direitos.

Os estudantes duramente reprimidos, voltam principalmente a partir de 1974 a se

reorganizar na luta pelo restabelecimento da UNE (União Nacional dos Estudantes) e da

85 Para maiores aprofundamentos ver: REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2000.

60

democracia. Também os intelectuais e os artistas se engajam na luta contra o regime

militar, estes últimos através da música popular e do teatro principalmente.

Com relação ao teatro, é importante destacar seu papel como instrumento de luta,

de manifestação e conscientização. Ele foi utilizado para estabelecer um dialogo com as

massas populares. Marcelo Ridenti nos diz:

“A partir de 1972, começaram a surgir vários grupos teatrais alternativos, com atuação política na periferia, em associações de bairro e comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, onde também alguns militantes que saíram da cadeia retomaram o trabalho político” 86.

Ridenti ainda contribui com o nosso trabalho, esclarecendo:

“A atuação dos grupos teatrais como o ‘Núcleo’ vinculava-se aos movimentos sociais de bairro, comunidades de base, fundindo-se política e cultura na reorganização da sociedade civil sob a ditadura. Na região de São Miguel, por exemplo, paralelamente às atividades teatrais, produziu-se o jornal alternativo de bairro, ‘Espalha Fato’, que em 1978 ‘optou claramente por fazer as campanhas dos candidatos populares do MDB da época, de entrar de cabeça na discussão da eleição do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo e outras atividades” 87.

Neste processo de mobilização o MDB vai alcançar um crescimento considerável

a partir de 1974. Deste ano em diante, o único partido legalizado de oposição consegue

eleger cada vez mais representantes. Os políticos do MDB, juntamente com estes

segmentos sociais apresentados, lutam pela anistia aos presos políticos e exilados, eles

reorganizam a resistência democrática. As pessoas que pegaram em armas contra a

ditadura, após conseguirem a liberdade ou retornarem ao Brasil, tiveram que se misturar

neste movimento, não havia mais espaço para guerrilheiros. Dois exemplos são Franklin

Martins, que entra para a Rede Globo em Brasília, e Fernando Gabeira que, como

vimos, mudou totalmente sua postura e se inseriu em uma novas frente de luta através

da ecologia e outras frentes.

Um bom exemplo de reorganização para se manter em luta por seus direitos nos é

apresentado por Kátia Paranhos: “Nos deparamos com os seguintes lugares de luta, o

sindicato, a fábrica, as greves, e a cidade, e do mesmo modo, com varias estratégias de

luta” 88 .

As lideranças sindicais começaram a se utilizar da cultura e do lazer, para forjar

espaços de luta. Nesse sentido, peças teatrais, bailes em centros sociais, palestras,

86 RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 337. 87 Idem, p. 338. 88 PARANHOS, Kátia. “Ensaio Geral: Sindicalismo e Cultura em São Bernardo”. In: Revista História & Perspectiva. Uberlândia, Jan/Dez 1995, p. 213.

61

exibições de filmes, tudo era utilizado para desenvolver a solidariedade entre o grupo e

motivar os trabalhadores a lutarem por seus direitos.

Segundo Kátia Paranhos:

“Depois da greve e a intervenção, o grupo Forja estava criado e tinha definido alguns objetivos: ‘atuar no sindicato, nos bairros e favelas onde moram os metalúrgicos; montar peças mais elaboradas artisticamente e peças mais simples (esquetes) para auxiliar mais diretamente nas campanhas deflagradas pelo sindicato” 89.

É neste movimento de lideranças sindicais, que ocorre uma importante evolução

na luta política, com a criação do PT (Partido dos Trabalhadores). O PT, rapidamente

foi crescendo e ganhando destaque, principalmente através de Luiz Inácio “Lula” da

Silva, o Lula, que após uma série de tentativas nas eleições presidências de 2002,

elegeu-se Presidente da República. Porém cabe dizer superficialmente, pois não é nosso

objetivo agora discorrer sobre tal assunto, mas o PT se depurou muito das idéias

iniciais, até alcançar o poder no país.

Retomando nossa discussão, a resistência democrática através da reorganização

dos movimentos sociais, lutou pela redemocratização do país. Tamanha mobilização

ficou marcada na história com a campanha “Diretas Já”, o maior movimento popular de

todos os tempos, que aconteceu em 1984. A “Campanha das Diretas Já”, que mobilizou

vários setores da sociedade, uniu no mesmo palanque políticos como, Luís Inácio Lula

da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola, Miguel Arraes e Tancredo

Neves. Passeatas, shows musicais, debates, panfletagens, tudo era feito para esclarecer

as pessoas e unir a população em torno do grande ideal: conquistar o direito básico de

escolher o presidente.

Apesar da grande mobilização, o Congresso Nacional não aprovou a emenda

“Dante de Oliveira”, que restabelecia as eleições para presidente da república. Seguindo

as regras do regime, Tancredo Neves foi eleito presidente por voto indireto, mas com a

saúde debilitada, veio a falecer e quem governou o Brasil foi o vice José Sarney.

Eleições livres para Presidente da República só ocorreriam em 1989, com uma

agitação que entusiasmou grande parte da população. Inicialmente parecia que os dois

candidatos mais votados seriam Lula e Brizola, até que surgiu Fernando Collor de

Mello, que venceu as eleições90.

89 Idem, p. 219. 90 O último debate foi realizado na madrugada de domingo para segunda-feira. Por isso, a maioria das pessoas só assistiu ao compacto com os “melhores momentos” transmitido pela Rede Globo no Jornal

62

O presidente Collor cumpriu uma de suas principais promessas de campanha:

introduzir o Neoliberalismo no Brasil. A idéia básica do Neoliberalismo é diminuir a

participação do estado na economia e conceder liberdades de manobras para os

investidores capitalistas. Para atingir este objetivo fazia-se necessário introduzir as

seguintes medidas: Privatização da Economia, Liberação do Mercado, Anti-

nacionalismo, Corte nos Gastos Públicos, Privatização de Serviços Públicos,

Flexibilização do Mercado de Trabalho.

Dessa forma, no governo Collor, as empresas estatais começaram a ser

privatizadas, ocorrendo também uma redução nas tarifas alfandegárias, o que estimulou

as importações. Nessa época, os brasileiros entraram em contato com automóveis de

luxo alemães e quinquilharias chinesas. Mas em contrapartida, Collor também diminuiu

o pagamento das aposentadorias e cortou os gastos com a assistência social, revelando

assim, a outra face do projeto neoliberal.

Com o “Impeachment” do presidente Fernando Collor de Melo, o vice-presidente,

Itamar Franco, assume a presidência91.

Chegando de forma inesperada à presidência, Itamar continuou a política de

privatizações de Collor. O grande êxito de Itamar foi o controle da inflação, que tinha

chegado a 5000% ao ano. Fernando Henrique Cardoso, seu ministro da Fazenda, deu

início em 1993 ao célebre "Plano Real". Foi criada uma nova moeda, o “Real”, com

valor bem próximo ao do dólar, a moeda americana. Essa moeda forte seria a âncora

que manteria os preços abrigados da tempestade inflacionária. Realmente, a inflação

gigantesca caiu a quase (zero) 0% ao mês.92

Nacional, na noite seguinte. Mas o compacto tinha sido preparado de modo que desse a impressão de que Collor tinha arrasado Lula no debate. Uma manipulação óbvia dos fatos. No final, Collor venceu as eleições. 91 Itamar Franco, foi ligado ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) no regime militar, participou do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), foi prefeito de Juiz de Fora/MG, e Senador. Tinha fama de político honesto e independente. 92 "Mas, no final da década de 80, beirávamos a hiperinflação, após a tentativa frustrada do Plano Collor, o excesso do liquidez no mercado financeiro internacional, agora globalizado, permitiu a implementação do Plano Real. Com a entrada maciça de recursos externos de curto prazo, engessamos o câmbio, abrimos a economia e multiplicamos as importações, freando a subida dos preços: nosso mais recente milagre". (MELLO, J.M.C. de; NOVAIS, F.º. Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna. In: SCHWARZ, L.M. (org.) História da Vida Privada no Brasil. Vol. IV. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 559-658).

63

Com tamanho sucesso, Fernando Henrique Cardoso, mais conhecido como FHC,

não teve dificuldade em se eleger presidente da República, ainda no primeiro turno, em

1994 93.

Em 1998 FHC novamente se candidatou e mais uma vez derrotou Lula no

primeiro turno. O sucesso do Plano Real em manter a inflação em níveis baixos e o

medo de que ela retornasse levaram os eleitores a optarem novamente por ele 94.

No segundo mandato, continuou o programa de privatizações. Foram vendidas as

estatais da telecomunicação e também aconteceram mudanças importantes no sistema

bancário. Alguns bancos faliram, outros se fundiram e alguns foram vendidos a

investidores estrangeiros.

A crise econômica na Ásia, a partir do final de 1998, gerou mudanças nos rumos

do Plano Real. A moeda foi desvalorizada a ponto de valer metade do dólar. Com isso

caíram as importações e melhoraram as exportações. O problema da balança comercial

tornou-se menos grave. Em compensação, a dívida externa quase triplicou de valor. No

plano interno o país vive muitas dificuldades, mas talvez o maior problema social seja o

desemprego.

Todas as mudanças que o Brasil viveu durante as décadas de 1980 e 1990, faziam

parte do cenário internacional. Neste sentido, vale ressaltar que o presidente dos Estados

Unidos da América, Ronald Reagan, foi um dos pioneiros na adoção do Neoliberalismo

econômico.

93 "Nos anos 90, atingimos o ápice deste processo com o neoliberalismo: estamos, os 160 milhões de brasileiros, sujeitos à ditadura dos mercados financeiros internacionais, que exigem austeridade, isto é, a venda do patrimônio público para pagar dívidas, o socorro aos bancos falidos para manter a saúde do sistema financeiro, o corte de gastos sociais para equilibrar o orçamento, a usurpação os direito trabalhistas para aumentar a competitividade. Em contrapartida, assistimos à crescente imobilização do Estado, dilapidado pelas altas taxas de juros, afogado em dívidas contraídas para pagar outras dívidas, incapaz de levar adiante políticas de desenvolvimento ou políticas sociais". (MELLO, J.M.C. de; NOVAIS, Fº.. Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna. In.: SCHWARZ, L.M. (org.) História da Vida Privada no Brasil. Vol. IV. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 559- 658). 94 "A sociedade platina, não encontra saídas coletivas que restaurem o crescimento econômico acelerado e a mobilidade social ascendente. E s esperanças vão sendo frustradas, uma a uma: as Diretas Já, a eleição de Tancredo, o Plano Cruzado, o Plano Collor. E agora, o Plano Real, que, passada a euforia, vai revelando sua verdadeira face. O resultado é um só: a ruptura do elo que ligava, precariamente, é verdade, o esforço produtivo coletivo à luta individual. Com isso, a auto-estima do povo brasileiro declina, a idéia não esmaece. As manifestações deste fenômeno são perceptíveis claramente na substituição da figura do cidadão pela do contribuinte e, especialmente, pela do consumidor. Volta a se impor avassaladoramente a identificação entre modernidade e consumo “padrão primeiro mundo”. O cosmopolitismo das elites globalizadas, isto é, seu americanismo, chega ao paroxismo, transmitindo-se à nova classe média, que alimenta a expectativa de combinar o consumo “superior” e os serviçais que barateiam seu custo de vida. O colapso efetivo dos serviços públicos aparece na consciência social como resultado da improbidade e do desperdício, e não da pilhagem do Estado pelos grandes interesses". Ibidem, p.559-658

64

Durante seu governo, a Guerra Fria voltou a se tornar aguda. Os E.U.A.

produziram armas em grande quantidade e cada vez mais avançadas tecnologicamente.

É claro que isso custava muito caro ao governo95. Em 1988, foi eleito um novo

Presidente para governar os E.U.A., George Bush. Ele também procurou dar

continuidade aos projetos políticos de Reagan, entre eles o Neoliberalismo. Naquele

momento, a U.R.S.S. estava vivendo uma terrível crise econômica. No Leste Europeu,

os partidos socialistas estavam sendo derrubados. Finalmente, em 1991, a U.R.S.S.

deixou de existir.

Porém percebemos que o modelo econômico soviético que ruiu, o chamado

socialismo real, apresenta um elemento oculto. Quando ouvimos falar em socialismo,

logo ligamos ao comunismo, que no senso comum é uma forma social que valoriza o

coletivo, buscando minimizar as desigualdades entre os membros sociais.

Os bolcheviques quando derrubaram o Czar, estabeleceram uma ditadura tão

opressora quanto a do regime anterior. A ex-URSS era na época um país quase que

totalmente rural, e o que podemos observar foi que ocorreu uma forte intervenção

estatal, no sentido de promover uma rápida industrialização. Essa medida era necessária

para que o socialismo instalado no poder fizesse frente aos países industrializados.

Segundo Robert Kurz:

“Como na violenta época primitiva do mercantilismo, a pretensão extrínseca do Estado, por incapacidade de socialização intrínseca, repete-se nas formações do socialismo real, que assim revela-se como regime modernizador protocapitalista de sociedades burguesas atrasadas” 96.

A URSS desta perspectiva nada mais seria do que um país capitalista, um Estado

burocrático com forte presença no controle da economia.

“O estatismo mercantilista do capitalismo primitivo tinha que assumir o papel ilusório de sujeito absoluto da sociedade e de sua economia. Num nível elevado, isso repetiu-se nas pretensões do estatismo do socialismo real de nosso século quase findado” 97.

O capitalismo burocratizado, com um Estado controlador que, como vimos, pode

ser comparado com o mercantilismo dos “primórdios da modernidade”, ainda apresenta

95"Do outro lado, estava a URSS. Os soviéticos tentaram acompanhar a corrida armamentista, mas não conseguiram. Os gastos militares afetaram seriamente a economia soviética. O novo dirigente soviético, Gorbatchev, procurou fazer acordo de limitação de produção de armas com Reagan". (SCHIMIDT, Mario Furley. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 1999, p. 298). 96 KURZ, Robert. O Colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 31. 97 Idem, p. 32.

65

uma característica para marcá-lo como tal. Esta se apresenta na constatação de que só o

Estado poderia negociar com os mercados exteriores. Desta forma Kurz define:

“Também o monopólio estatal do comércio exterior do socialismo real já faz parte, portanto, do programa conseqüente do mercantilismo. Todas as características decisivas e formas básicas supostamente não capitalistas do socialismo estatal soviético, do século XX, já foram pré-formadas pelo próprio capitalismo e por seus ideólogos progressistas à beira da industrialização” 98.

Com o avanço do neoliberalismo, a economia estatal da URSS que já era obsoleta,

entra em um processo acelerado de decadência. Um dos fatores sem dúvida nenhuma,

foi a inferioridade tecnológica dos países socialistas. Os países ocidentais com

investimentos em tecnologias avançadas conseguem aumentar suas produtividade ao

mesmo tempo em que dispensam trabalhadores. Com isso a força de trabalho barata do

socialismo que era seu diferencial competitivo, não consegue fazer frente a esta alta

tecnologia. Deste modo a URSS, não consegue acompanhar o desenvolvimento e se

modernizar, não tendo como manter seus mercados fechados frente à concorrência da

economia de mercado, dessa forma ela tem que se abrir, ficando sujeita a regras

diferentes, que não tinha forças para rivalizar entrando em um processo de crise aguda

que acabou por derrubar este sistema político-econômico que era o socialismo real.

Desta forma, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Republica

Democrática Alemã são exemplos onde o poder socialista deixou de existir. A

organização internacional, a rivalidade dos dois Blocos, não existia mais. O vácuo que

se formou com a crise do socialismo foi rapidamente preenchido pelas forças

capitalistas e neoliberais que se apoderaram desses países. Os E.U.A. chegaram a

perdoar a dívida externa da Polônia, e juntamente com seus parceiros ejetaram muito

dinheiro nos outros. A China, maior país comunista do mundo, um dos países com

maior taxa de crescimento, também abriu seu mercado para o capitalismo. Mesmo a

França, país socialista rico, teve sérios problemas econômicos neste período.

O mundo parecia estar entrando numa “Nova Era”, em que as velhas fronteiras

econômicas e culturais se diluíram. Nunca a economia dos países esteve tão interligada.

A esse exemplo, podemos destacar a crise econômica da Ásia e da Rússia em 1999, que

atingiu de imediato todos os países, pois, nesta conjuntura, nenhum país produzia

apenas para seu mercado interno, mas principalmente para o mercado mundial. Esta é

uma das facetas do Neoliberalismo: a internacionalização da economia, a globalização.

98 Idem, p.42.

66

Para compreendermos melhor as mudanças que ocorreram com a implantação do

neoliberalismo, com a globalização da cultura, por exemplo, vamos sinalizar algumas

transformações que marcaram o cinema nacional.

Durante o regime militar criou-se a Embrafilme, empresa estatal que deveria

financiar a produção cinematográfica nacional. Essa decisão veio em um momento em

que a nossa “indústria” estava sendo fortemente agredida pelas empresas estrangeiras.

Marca também a intervenção do governo no sentido do protecionismo, mínimo que

fosse, para um setor da economia nacional. Nos anos 70 os países mantinham ou

tentavam proteger seus mercados, de produtos estrangeiros com altas taxas

alfandegárias, impostos ou leis de regulamentação. O Estado ainda detinha o poder de

decisão e o poder de intervenção, quando considerasse necessário.

Estas medidas, adotadas pelo governo brasileiro em fins da década de 60,

contaram com o apoio de boa parte dos cineastas nacionais. Segundo Jean-Claude

Bernardet:

“Só no Estado encontraram eles uma força, a única, que lhes permitisse enfrentar de alguma forma a presença avassaladora do cinema estrangeiro. Cineastas atuais ainda vivem intensamente esta posição: ‘Governo que na minha opinião é o único possível de carregar uma bandeira de luta contra a espoliação dos exibidores (Paulo César Sarraceni, crítica, 15/09/1975)’.‘Eu defendo a Embrafilme, pois ela é a única empresa com poder econômico e político, porque ela é o Estado, para enfrentar a avassaladora voracidade das multinacionais no Brasil. É o único poder constituído no cinema para fazer face a isto (Carlos Diegues, Cine-Olho, 1977)’”99.

Em 1973, a estatal do cinema brasileiro passa a co-produzir os filmes, desta forma

arcando com parte dos riscos comerciais, mas ao mesmo tempo, acumulando capital

caso as produções dessem retorno. Outro passo da Embrafilme é se lançar como

distribuidora de filmes brasileiros.

Esta empresa tentava passar a imagem de órgão técnico, sem controle político ou

ideológico, tanto era, que cineastas como, Arnaldo Jabor, Glauber Rocha, Carlos

Diegues e Luiz Carlos Barreto defendiam tal postura. Porém devemos ter em mente, que

em um governo autoritário como a ditadura militar brasileira, o controle se faz presente

em todas as instâncias, principalmente nas diretamente ligadas a ele.

Rapidamente, para darmos um exemplo de como o governo influenciava a política

da estatal, a Embrafilme na década de 70, privilegiou a seu pedido adaptações de obras

99 BERNARDET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: Propostas para uma história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 35.

67

literárias e filmes de cunho histórico nacional. Outro fator utilizado pelo governo foi de

preencher os principais cargos da empresa com profissionais do cinema e não

burocratas, essa e outras medidas foram desarticulando a oposição existente entre os

cineastas. Três exemplos de grande sucesso produzidos pela Embrafilme foram: “Dona

Flor e seus dois maridos” de Bruno Barreto, 1976, “Chica da Silva” de Carlos Diegues,

1976 e “Pixote” de Héctor Babenco, 1980.

Também devemos dizer que mesmo sob o governo militar, e produzidos pela

Embrafilme alguns cineastas se utilizavam dos espaços legais e realizavam suas críticas

contra a ditadura. Um bom exemplo é “Os inconfidentes” de Joaquim Pedro, 1972100.

Nos anos 80 a Embrafilme se encontrava em uma situação adversa, pois suas

verbas são seriamente cortadas, uma série de denúncias, de escândalos, favorecimentos,

desvios de verbas, desgastam a imagem da empresa.

Neste período o cinema nacional como nos diz Ismail Xavier: “Afastou-se de seus

temas e estilos, enterrou a estética da fome, afirmou a técnica e a mentalidade

profissional”101. Ou seja, nosso cinema nos anos 80, começa a se esmerar no filme de

mercado, com inspiração nos moldes do cinema norte-americano, visando público em

suas exibições. No final da década com a Embrafilme extremamente enfraquecida, sem

verbas o cinema se volta par a exibição no exterior. Prêmios estrangeiros a filmes

brasileiros como: “O Beijo da Mulher Aranha” de Héctor Babenco, confirmam esta

tendência.

Na década de 90, o cinema nacional vai passar por uma série de transformações,

quando o então presidente Fernando Collor, introduz o sistema neoliberal no país. Este

presidente começa a cortar os gastos do governo e a Embrafilme é extinta. Lideranças

de prestígio do cinema nacional como Luiz Carlos Barreto sempre muito influentes, não

tinham mais recursos para produzir longa metragens.

Muitos cineastas que não tinham aceso à estatal como Luiz Carlos Barreto,

desejavam o cinema de mercado, onde pudessem adquirir recursos para realizarem suas

produções. Em meados da década de 80, como vimos, já começa há ocorrer uma

mudança neste sentido. Porém contrariando os interesses de todos, o presidente Collor

acaba com a Embrafilme, com a Lei Sarney e com a reserva de mercado, não

implantando nenhuma política favorável de incentivo, deixando o cinema nacional a

100 Para maior aprofundamento, consultar: RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos Fracos: Cinema e História do Brasil, Bauru, SP: EDUSC. 2002. 101 XAVIER, Ismail. O Cinema Brasileiro Moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 40.

68

mercê da sua própria sorte para subsistir. A atividade cinematográfica entra em uma de

suas piores crises, onde há uma quase total paralisação das produções.

A partir de 1994, com a criação da Lei do Audiovisual, que incentiva as empresas

privadas a investirem em cinema, ocorreu a “retomada” das produções nacionais.

Contudo, neste momento, o Brasil já é um país neoliberal, inserido na chamada

globalização.

Os cineastas para conseguirem captar recursos, precisam apresentar filmes

mercadológicos, filmes que atraiam público, que consigam gerar lucro com bilheterias

ou com a venda de direitos de distribuição. É necessário ter uma visão de mercado, para

vender seu produto (o filme).

Outro fator que podemos perceber é que os filmes deste período se esvaziam

politicamente. Neste sentido Ismail Xavier nos esclarece:

“O sistema atual viabiliza a produção, mas o cinema permanece na defensiva, acuado pela dificuldade renovada de comunicação com o público, ciente do perigo da perda de legitimidade política diante dos legisladores e dos diretores de marketing das empresas. Faz-se o jogo de um esvaziamento da política na produção e contamina-se o processo cultural” 102.

Para agradar aos produtores, inserir seu filme no mercado interno, tentar vendê-lo

no mercado externo, e conquistar platéias, os cineastas se “profissionalizaram” e

mudaram a forma de realizarem seus filmes. Eles se voltam para os sujeitos e suas

singularidades, “condutas morais”, dramas, comportamento em situações limites e assim

por diante. Também percebemos uma busca em retratar a realidade cotidiana da nossa

sociedade nos anos 90, desta forma explora-se o avanço das drogas e suas

conseqüências, a violência nas favelas, nas ruas, em casa, no campo, entre outros temas

abordados.

Também, vários filmes deste momento apresentam uma característica, que é a

introdução de um olhar estrangeiro para contar uma história que se passa no Brasil

(“Carlota Joaquina”, “Jenipapo”, “O que é isso, Companheiro?”, etc.). Esta “migração”

do cinema nacional, tem um claro objetivo, que é a conquista do mercado externo.

Veremos esta manobra com mais detalhes ainda neste capítulo.

O cinema nacional trabalha estas características, buscando sintonizar-se com a

globalização. Percebemos o diálogo entre arte (filme)/sociedade e neste sentido os

102 XAVIER, Ismail. “O Cinema Brasileiro dos Anos 90”. In: Revista Praga. São Paulo: HUCITEC. Nº09, junho de 2000, p. 101.

69

filmes deste momento vão procurar não criticar a política econômica do governo

(neoliberal), mas trabalhar com suas conseqüências de maneira apenas, profissional.

Alcides Freire Ramos nos esclarece:

“Esta nova safra de filmes, ao invés da crítica e da denúncia, caracteriza-se pelo desejo de afagar o público com narrativas que reafirmam muitas idéias atualmente dominantes. Acima de tudo, demonstra a existência de um preocupante fenômeno: a passagem de uma cultura de oposição para uma cultura governista. Nossos novos diretores produziram filmes cujos valores (conservadores) coadunam-se plenamente com o repertório ideológico exigido pelo atual processo de globalização”103.

O melhor exemplo desta tendência talvez seja o filme “O que é isso

Companheiro?” de 1997 do diretor Bruno Barreto.

Estamos em uma época adversa, se a modernidade vivenciou grandes movimentos

de massa, como as lutas pelos direitos dos cidadãos, pela independência nacional, pelo

socialismo, pelo direito dos negros, lutou contra o fascismo e os vários totalitarismos.

Na falada pós- modernidade (período neoliberal), ninguém mais acredita em

movimentos coletivos. Não existe ideal político grandioso. As revoluções sociais são

rejeitadas. As pessoas estão mais preocupadas consigo mesmas. O narcisismo é

cultivado como regra moral básica: comprar, consumir, aperfeiçoar o corpo e a alma são

as metas do mundo pós-moderno. Até as idéias e as relações entre as pessoas estão

sendo vistas como investimentos e possibilidades de consumo agradáveis. O Estado,

como vimos, fica impotente frente ao atual absolutismo do poder financeiro, e pior

ainda, torna-se cada vez mais dependente dos empréstimos internacionais.

2.2 ESTRUTURA DE ENREDO

Antes de apresentarmos o enredo do filme “O que é isso, Companheiro?”,

gostaríamos de falar sobre seu diretor e também enfatizar a influência que o “mundo

externo” exerceu na realização da película.

Bruno Barreto é filho de Luiz Carlos e Lucy Barreto, casal que desde os anos 60

produz filmes. O diretor de “O que é isso, Companheiro? ”, começou a realizar filmes

103 RAMOS, Alcides Freire. História e Cinema: Globalização e o Olhar dos novíssimos cineastas brasileiros. ANPUH, Belo Horizonte/MG, 1997, p. 352.

70

com 11 anos de idade, quando filmou o curta-metragem “Os três Amigos não se

separam”, mais cinco curtas foram rodados até que saiu o primeiro longa, “Tati, a

Garota”, lançado com sucesso de público quando Bruno Barreto tinha apenas 17 anos.

Podemos dizer que até o momento, o filme de maior sucesso do referido diretor é

“Dona Flor e seus dois Maridos” de 1976, película nacional de maior bilheteria já

atingida, com 10,7 milhões de espectadores. Sua carreira apresenta outros sucessos

como “A Estrela Sobe” e “Romance da Empregada”, além de fracassos como

“Gabriela”.

Em 1990, Bruno Barreto se muda para os Estados Unidos, onde dirige um

modesto filme, “Assassinato sob bandeiras” (A Show of Force). Sua carreira no

mercado americano ainda não resultou em grande sucesso, todos os seus filmes

sofreram muitas críticas. Mesmo tendo recebido indicação para o “Oscar” com o filme

“O que é isso, Companheiro?”, o filme que dirigiu a seguir, “Um tira durão” - One

Tough Cop, cujo roteiro lhe foi enviado por um agente, prova de prestígio em

Hollywood, não atraiu público para as bilheterias e ainda foi alvo de várias críticas.

Bruno Barreto se defende dizendo não estar interessado no “Cinemão”, em filmes

campeões de bilheteria, acrescentando que seu objetivo é fazer filmes para o cinema

alternativo.

Sem dúvida é uma bela argumentação, mas sabemos que assim como outros

cineastas, Bruno Barreto também visa o mercado consumidor ao produzir seus filmes,

afinal, todo produto tem na mira um público alvo, e os filmes de Bruno Barreto não são

diferentes.

O referido diretor, ao fixar residência nos Estados Unidos, entra em contato com o

sistema político-econômico denominado Neoliberalismo. Este, conforme já vimos, na

década de 1990, se encontra em expansão, tendo como princípio novas idéias

econômicas ditadas pelos E.U.A. para serem digeridas pelos outros países, inclusive

pelas ex-repúblicas socialistas.

Este fenômeno influenciou sistematicamente a forma de realização dos filmes.

Pois com a globalização do mercado mundial, globalizou-se também a cultura.

Essas considerações servem para demonstrar que os filmes produzidos neste

período dialogam com estas transformações. Se o cinema político, nas décadas de 60 e

70, denunciava as mazelas do poder, a corrupção, a violência, isto mudou, assim como o

público que vai ao cinema. Os anos de 1990, assistem um avanço do conservadorismo.

71

Particularmente no caso do cinema, percebemos que a maioria dos diretores104

utilizam as fórmulas “hollywoodianas” para agradar as platéias e conquistar mais

mercados para suas películas. Em suas narrativas, estes filmes acabam reforçando os

elementos ditados pela globalização e assim, em qualquer país que compartilhe as

mesmas idéias, seus filmes podem entrar no mercado de exibição e distribuição, pois

não visam mais o engajamento político, não privilegiam as particularidades, os

conflitos, as especificidades nacionais. O novo ponto primordial é a generalização para

atingir o maior mercado consumidor possível, tornando-se apenas mais um produto

rentável.

Afim de melhor elucidar esses pontuamentos, apresentaremos algumas

considerações realizadas pelo historiador Alcides Freire Ramos:

“Esta nova safra de filmes, ao invés da crítica e da denúncia, caracteriza-se pelo desejo de afagar o público com narrativas que reafirmam muitas idéias atualmente dominantes. Acima de tudo, demonstra a existência de um preocupante fenômeno: a passagem de uma cultura de oposição para uma cultura governista”105.

Na década de 1990, existiam no Brasil, duas formas que buscavam alcançar o

mesmo objetivo, ou seja, a conquista de novos mercados. Os filmes caminhavam ou

para uma busca da identidade nacional, como é o caso de “Central do Brasil” de 1997,

do diretor Walter Sales Júnior, ou então, eles apostavam para a não-identidade, sendo

inspirados pelo cinema americano, visando a maior homogeneidade possível com o

mercado interno e externo. Neste caminho da não-identidade, segue o filme “O que é

isso, Companheiro?”, do diretor Bruno Barreto de 1997, que evita marcas ou traços

específicos que possam distinguí-lo do cinema globalizado.

Deste modo, percebemos que os filmes nacionais deste período não são

realizados apenas para o público local, mas também para o internacional. Esta questão é

uma das chaves para entendermos o foco narrativo adotado pelo diretor Bruno Barreto.

Mas, para analisarmos a construção do foco narrativo e dos personagens, faz-se

necessário uma prévia apresentação do enredo do filme.

104 "Para os realizadores do filme, não importa qualquer teor de verdade, não importa a história. O que interessa é apenas contar uma história eletrizante (um thriller) com toques esmaecidos das Histórias tão semelhantes dos países da América Latina, que possa agradar a um leque, o mais amplo possível, de espectadores de qualquer país do mercado globalizado. A História fielmente recuperada seria um empecilho particularizante demais par a o acompanhamento da narrativa, em qualquer parte do mundo. Ou seja, aposta-se na não-identidade como estratégia de mercado". (PELLEGRINI. Tânia. Revista Comunicação e Educação. Rio de Janeiro: Moderna. n.º 14. Ano 5 – 1999, p.94). 105 RAMOS, Alcides Freire. História e Cinema: Globalização e o Olhar dos novíssimos cineastas brasileiros. ANPUH, Belo Horizonte/MG, 1997, p. 352.

72

“O que é isso, Companheiro?”, começa nos apresentando uma legenda, em que

explica que a película é baseada em fatos verídicos, mas que sofreu alterações (licenças

poéticas do diretor para construir seu enredo) no qual, personagens foram fundidos,

ocorrendo uma síntese.

Dando seqüência, o diretor nos oferece uma série de imagens para compor a

época (Rio de Janeiro início dos anos 60). Tendo ao fundo o som de “Garota de

Ipanema”, música do compositor e cantor Tom Jobim, o público viaja no tempo sendo

inserido em 1964, ano em que o governo democrático brasileiro é deposto por um golpe

militar. Somando-se a isto, o fato de que, em dezembro de 1968, a junta militar que

governa o Brasil decreta o Ato Institucional nº 5, pondo fim à liberdade de imprensa e a

todos os direitos do cidadão.

Através de uma montagem, o diretor incorpora os personagens fictícios junto a

uma multidão que compunha uma passeata (em 1968 ocorreram veridicamente várias

manifestações populares de protesto), com palavras de ordem: "O povo unido, jamais

será vencido!"; "Abaixo a ditadura!". A seguir somos remetidos ao dia 20 de julho,

1969; onde os amigos, Fernando (interpretado pelo ator Pedro Cardoso), César (Selton

Melo) e Arthur (Eduardo Moskovis), assistem juntos pela televisão a chegada do

homem (astronautas americanos) à Lua. Fernando e César tecem várias críticas aos

E.U.A., chamando aquele ato de imperialismo. Enquanto isso, na embaixada americana,

John, acessor do embaixador Elbrick, também lança várias críticas ao feito norte-

americano; já o embaixador Charles Burke Elbrick defende seu país dizendo: “É uma

vitória mundial”.

De volta aos três amigos, Fernando diz que a situação no país está muito ruim,

que a extrema direita se instalou no poder e não dá nenhum sinal de que vai sair. César

diz para Arthur que, ele e Fernando, vão entrar para a luta armada, perguntando se ele

também entraria.

Os três discutem e Arthur diz que não, pois segundo ele, isto é uma legitimação da

ditadura militar (a película traz a discussão que existia na época entre os adeptos da

resistência democrática, e os membros das vanguardas revolucionárias).

No outro dia, o companheiro Marcão (Luiz Fernando Guimarães), membro do

MR-8, vai buscar Fernando em seu apartamento. Marcão dá a Fernando um óculos

escuro que impede sua visão, conduzindo-o até seu carro. De lá, os dois partem para um

local secreto, onde se encontrariam com outras pessoas sendo um deles, César.

73

Marcão pede para Fernando tirar o óculos e para os demais se sentarem em

círculo. Então, ele começa a falar das normas de segurança, questionando se os

presentes já se conheciam. Ninguém se manifesta, e ele prossegue dizendo que a partir

daquele momento todos terão novos nomes dentro da Organização. Após o “batismo”

todos se levantam e Marcão pede para que fiquem com o rosto para a parede. Pois eles

não poderiam ver a companheira que lhes falaria enquanto não fossem aprovados no

grupo.

Maria (Fernanda Torres) se apresenta para o grupo e faz um balanço sobre o MR-

8 e sobre ser guerrilheiro: os riscos, enfrentamentos, enfim, os perigos. Subentende-se

que todos foram aprovados para entrar na organização, pois em seguida, aparecem em

uma praia deserta realizando um treinamento de tiros. Júlio (Caio Junqueira), Osvaldo

(Selton Mello) e Renée (Claudia Abreu) vão evoluindo no treinamento, porém Fernando

(Pedro Cardoso) não consegue o mesmo desempenho.

Na seqüência o diretor nos remete a uma cena de ação, que seria a primeira

investida armada do grupo: uma “expropriação revolucionária” (assalto em agência

bancária). Enquanto Marcão faz um discurso político enfatizando os motivos pelos

quais estão realizando aquela ação, Júlio carrega o dinheiro. Quando quase todos já

estão dentro do carro, surge um policial, Osvaldo se vira rapidamente, mas na hora de

atirar no policial não executa a ação, dando tempo suficiente para que este o atingisse na

perna. Os outros vão embora em disparada.

No “aparelho”, código usado para referir-se ao apartamento do grupo, as pessoas

discutem sobre a queda do companheiro Osvaldo. Paralelamente em outro local,

Osvaldo já está sendo torturado (afogamento em barril). Ele entrega os nomes de todos

os companheiros do grupo e a descrição de cada membro, além de um endereço.

Novamente no “aparelho”, as pessoas continuam a avaliar a situação ocorrida, e

no meio das discussões, Paulo (Pedro Cardoso) apresenta suas críticas e sugere o

seqüestro do embaixador dos Estados Unidos.

Renée (Cláudia Abreu) foi designada para fazer o levantamento sobre os hábitos

do embaixador. Para isso ela se disfarçou de empregada doméstica recém chegada do

interior de Minas Gerais. Renée estabelece contato com o chefe da segurança (Milton

Gonçalves) e este promete lhe ajudar. Os dois se encontram em um bar, e entre um gole

e outro de cerveja, Renê vai fazendo perguntas e extraindo informações. A conversa se

estende até a casa do segurança, e Renê continua obtendo informações. No final desta

74

cena o diretor deixa subentendido que ela manteve relações sexuais com o segurança,

fato que gerou muita polêmica.

Em um novo “aparelho”, chegam novos companheiros; Toledo (Nelson Dantas) e

Jonas (Matheus Nachtergaele), ambos da Ação Libertadora Nacional (ALN), que são

apresentados ao grupo pela companheira Maria. Jonas (Matheus Nachtergaele) deixa

bem claro como pretende comandar a realização da operação, argumentando: “Quem

vacilar, eu mato!”

Deste momento em diante, o filme apresenta o dia-a-dia dos guerrilheiros dentro

da casa que seria o cativeiro, os conflitos, as angústias, vivenciados por cada

personagem da concretização do seqüestro e chegada do embaixador americano.

Somos, então, conduzidos ao dia 04 de setembro de 1969, uma quinta-feira, onde

o embaixador Charles Burke Elbrick deixa a embaixada apenas com seu motorista, pois

o segurança ainda não havia chegado devido a problemas com os trens. O embaixador

está a caminho e Renée dá o sinal de seu posto, os carros fecham o limosine e a ação

tem início. Tudo é muito rápido e os seqüestradores saem em disparada. Pelo caminho,

eles abandonam os carros e o motorista do embaixador americano, deixando uma carta à

imprensa e seguindo em um carro Kombi.

À noite, pela televisão, a notícia do seqüestro é divulgada, e as exigências dos

seqüestradores tornadas públicas. Em seu “aparelho” os seqüestradores comemoram.

Paulo que havia saído para comprar comida para o grupo, encontra-se com Arthur na

rua, os dois conversam e Arthur diz ter reconhecido o estilo de Paulo escrever. Este

personagem Arthur, é no filme o representante da resistência democrática, e acusa Paulo

e os demais de autoritários, violentos, “vocês e os militares são duas pontas da

ferradura: parecem distantes mas, na verdade, estão bem próximas.” Paulo responde,

que pelo menos um grupo de pessoas pegou em armas para lutar contra a ditadura, “nem

todo mundo se escondeu numa casa de bonecas.”106

Entra em cena um novo personagem, Henrique (Marco Rica), oficial da marinha,

que está discutindo com sua esposa Lílian (Alessandra Negrini). Ela está desconfiada do

comportamento de Henrique (fumando e andando pela casa durante a madrugada). Os

dois começam a conversar e Henrique acaba confessando sua nova atividade, agente do

106 Este debate, reflete a discussão da época, onde a esquerda radical se considerava a única oposição efetiva contra o regime militar, acusando os adeptos da resistência democrática, os que acreditavam no trabalho junto às massas de desbundados, reformistas, ou seja, não eram verdadeiros revolucionários.

75

Serviço de Informação, sendo parte do ofício a realização de torturas. Lílian fica

chocada, Henrique tenta justificar, mas ela não consegue digerir os atos do marido.

No dia 05 de setembro de 1969, Jonas, Maria, Toledo e Paulo se reúnem no quarto

onde o embaixador está preso. Jonas questiona a presença de Paulo que não era da

diretoria da organização, mas acaba acatando sua participação. O embaixador americano

Charles Elbrick insiste em falar apenas em inglês. Jonas coloca a arma em sua cabeça e

manda que ele cale a boca. Muitas perguntas são feitas e várias vezes Jonas ameaça o

embaixador com a arma, ameaçando-o inclusive de tortura, coisa que Toledo

imediatamente impede. O interrogatório prossegue, e depois em uma outra sala, Paulo

discute com Jonas sobre o porquê de ameaçar o embaixador de tortura.

Toledo intervém e diz que o mais importante naquele instante era tratar de compor

a lista dos quinze companheiros a serem libertados pela ditadura militar. Paulo sugere o

nome do companheiro Osvaldo, e mais uma vez entra em choque com Jonas que faz

vários questionamentos. Só quando todos votam a favor do Osvaldo, é que Toledo

encerra a discussão dizendo: "O Osvaldo tá dentro".

Depois disso, Júlio sai para comprar a refeição. Chegando a uma padaria, pede

oito “galetos” (frango assado), apresentando para o pagamento um chumaço de dinheiro

que tira do bolso, chamando a atenção do padeiro. Este, logo após a saída de Júlio, liga

para a polícia e faz a denúncia de suas suspeitas.

A polícia passa a informação aos agentes Henrique e Brandão (Maurício

Gonçalves), que resolvem investigar, pois um dos seqüestradores era bem jovem, com

características bastante aproximadas da descrição feita pelo padeiro. Henrique

dirigindo-se ao seu comandante adverte que não deveriam aceitar as exigências, porque

senão “iriam ter um festival de seqüestros”. E o comandante pergunta: “Devemos então

deixar morrer o embaixador?”.

Enquanto isso, Renée pede ao embaixador Elbrick que escreva um bilhete para

sua esposa, para todos saberem que ele está bem e se acalmarem. Paulo é encarregado

de deixar o bilhete numa caixa de esmolas em uma Igreja na Lapa.

No “aparelho”, Jonas e Júlio conversam. Júlio admira Jonas e tenta justificar seu

voto (parecer favorável para colocação do nome do companheiro Osvaldo na lista).

Jonas o convence de que votou errado, mas diz que mesmo assim, Júlio têm o seu

respeito. Nisso, conta sobre o plano que armará para Paulo, caso o governo não aceite as

exigências.

76

Ao imaginar o que escreveria à sua esposa, o embaixador Charles Burke Elbrick,

faz interessantes comentários sobre os seus seqüestradores, ele os analisa através das

mãos um a um, visto que na presença dos mesmos ele deve estar sempre vendado ou

com capuz.

A noite, os agentes Henrique e Brandão vão à padaria falar com o padeiro

(confirmar as informações sobre o rapaz suspeito), e descobrem que um entregador

reconheceu Júlio e sabe seu endereço.

Mais tarde, no “aparelho”, toca a campainha. Paulo que estava meio sonolento,

acorda assustado, vai em direção ao embaixador, posicionando a arma na cabeça do

mesmo, espera até saber que não há perigo. Charles Elbrick que estava dormindo,

acordou tão assustado com a situação que sofreu uma incontinência intestinal. Paulo o

conduz até o banheiro (cena de forte apelo emocional).

Sábado, 06 de dezembro de 1969, Jonas e Toledo observam dois homens da

companhia telefônica que lhes pareceram um tanto suspeitos, e realmente, eram os

agentes da repressão, Henrique e Brandão. Henrique liga para a casa, mas Renê

desconversa e desliga o telefone. Logo em seguida, Jonas dá ordens e diz para o grupo

se preparar: “Nós vamos ter visitas”. Paulo atende a porta. Henrique diz que queria falar

com Eduardo. Paulo diz que não há nenhum Eduardo, e vai desconversando Henrique e

Brandão até fechar a porta. Jonas pede para Paulo sair e descobrir quem são eles. Os

dois agentes seguem conversando, mas percebem que estão sendo seguidos por Paulo.

Os dois fingem não ver Paulo, e este continua a seguí-los até a base de operações.

Henrique para em um telefone público para fazer uma ligação e Paulo ouve a conversa:

“Comandante? Localizamos a casa ... não, não há dúvida”. Paulo retorna ao “aparelho”

e conta o que ouviu aos companheiros.

Toledo tenta acalmar todos, e Jonas diz que se eles não atenderem às exigências, o

embaixador será executado, pelo companheiro que estiver de “plantão” no quarto. Jonas

havia mudado a escala para que Paulo estivesse no quarto com o embaixador na hora da

execução.

Maria e Paulo se trancam em um quarto e começam a refletir sobre o rumo que as

coisas foram tomando, seus medos, suas dúvidas. Os dois se beijam e Maria diz que seu

verdadeiro nome é Andréia e que ela já o conhecia, e sabia que seu nome era Fernando,

o verdadeiro nome de Paulo.

77

Mais tarde, às 22h, hora da execução do embaixador, Paulo se levanta e aponta a

arma para Charles Burke Elbrick, e no momento em que puxa o gatilho, Maria grita

do lado de fora

do quarto que os militares aceitaram as exigências. Paulo diz para o embaixador que

eles ganharam.

Na cozinha, Maria, Renée, Júlio e Marcão, comemoram e discutem o

acontecimento. Toledo, deitado em sua cama, houve a internacional comunista.

Domingo, 07 de setembro de 1969, os seqüestradores têm a confirmação da

libertação dos quinze prisioneiros, através de uma rádio-foto. A partir de então todos se

preparam para libertar o embaixador americano. Os seqüestradores saem em dois

carros.

Júlio percebe que estão sendo seguidos, e a tensão atinge a todos. No carro que os

persegue estava Henrique e sua equipe, porém, são detidos pelo comandante que lhes

pergunta: “O que é que vocês pretendem fazer, matar o embaixador?”. Dessa forma, os

seqüestradores seguem para a entrada do estádio, onde há muito tumulto devido ao

encerramento de uma partida de futebol que estava acontecendo no Maracanã. Os

guerrilheiros aproveitam a confusão e saem um a um dos carros, se misturando na

multidão, e o embaixador Charles Elbrick é liberado por Jonas.

Um mês depois, num local afastado do centro da cidade, Paulo quebra as regras

de segurança e vai se encontrar com Maria. Os dois conversam, e é nítido o desgaste e

o abatimento que sentem. Ao mesmo tempo os policiais cercam o local silenciosamente.

Maria vai ao banheiro e não volta. Paulo a chama e ela não responde. Imediatamente,

Paulo desconfia e tenta fugir, mas é baleado pelo agente Henrique, que na cena

seguinte, tortura-o no “pau-de-arara”.

Oito meses depois, com o seqüestro do embaixador alemão, Fernando, Marcão,

Júlio, Renée e vários outros combatentes da ditadura militar são libertados. Maria

também, só que bastante debilitada, ela encontra o grupo sendo conduzida em uma

cadeira de rodas. Todos posam para a foto antes do embarque.

Este é o fim do filme, que ainda apresenta duas legendas explicando que em 1979,

houve a anistia política, e em 1989, eleições livres no Brasil.

78

2.3 CONSTRUÇÃO DOS PERSONAGENS

Neste item, apresentaremos os personagens individualmente, ressaltando os

elementos utilizados pelo diretor para compor cada um deles dentro da trama. Esta

construção gerou muita polêmica, como veremos no próximo capítulo.

2.3.1 Henrique - O Torturador

O personagem Henrique é um jovem oficial do serviço secreto da Marinha

(CENIMAR), inteligente, casado e sem filhos. É importante observar que ele não usa

farda militar. Durante todo o filme, Henrique está sempre elegante e bem vestido de

terno, exceto quando está em ação (disfarçado de operário da telefônica).

Na realização de seu ofício de torturador é frio e calculista, demonstrando ser

apenas um cumpridor de suas obrigações (cena onde tortura Osvaldo). Apresenta

problemas de relacionamento com sua mulher, pois ela suspeita que existe alguma coisa

errada. Os problemas se agravam quando ele confessa o que está sendo, um agente-

torturador. A esposa (Lílian) fica indignada. Henrique tenta convencê-la da importância

de seu trabalho, confessando sofrer com a execução do mesmo, por causa da maioria

dos torturados serem apenas “crianças inocentes” cheias de sonhos, mas por outro lado,

ressalta a “escória perigosa” que usa estas crianças para chegar ao poder, enaltecendo os

atos terríveis que iriam cometer se conseguissem chegar ao poder (tortura e

fuzilamento). Diz que alguém precisa combater essa canalhice, para que os inocentes

possam viver em paz. Sua mulher não aceita esta proteção, e os dois não se acertam.

Além de torturar, participar de reuniões, ele também faz investigações. Henrique é

bastante perseverante, portanto é contra a idéia de aceitar as exigências do seqüestro. É

ele quem descobre o endereço do cativeiro, é ele que faz análise do trajeto do seqüestro,

da casa-cativeiro e do quarto onde está o embaixador, entrando em contato com os

seqüestradores por duas vezes (liga para o “aparelho” e conversa com Renée, que

desconversa, pois o grupo já estava desconfiado). Ele não desiste, vai até a casa-

cativeiro pessoalmente, e é recebido por Paulo. Henrique deixa Paulo seguí-lo, pois o

79

reconhece das assembléias, quer que eles saibam que a casa está cercada, impondo-lhes

extrema pressão.

Extremamente presunçoso, não aceita negociações, questiona inclusive a posição

do comandante, ameaçando colocar um esquema alternativo se a junta militar aceitar as

exigências dos seqüestradores.

Mesmo com tanta determinação em cumprir seu dever, o personagem sofre com

crises de consciência, promovendo reflexões sobre a tortura (em conversa com outro

agente/torturador, Henrique diz que a tortura é um frasco perigoso que nunca deveria ter

sido aberto). Porém, este quadro psicológico, não é suficiente para interrompê-lo em

suas atitudes. Henrique persegue os seqüestradores, quando estes saem do “aparelho”

para libertarem o embaixador, no entanto, é impedido pelo comandante. Mesmo após

este episódio, Henrique continua investigando, e um mês depois, acha uma pista

importante, conseguindo capturar Maria e Paulo. A prisão e tortura de Paulo parecem

ser o símbolo de sua vitória107.

2.3.2 Maria – revolucionária

Mulher jovem, aparentemente forte e determinada. Como líder do grupo, mantém

uma postura militar, sendo extremamente rígida com a disciplina. Desde o início da

seleção e organização do grupo, ela é mais exigente com Paulo (Fernando), que não

demonstra habilidades para ser um guerrilheiro como a cena do treinamento de tiro na

praia.

É ela quem comanda o assalto ao banco, e como líder não gosta de ver erros,

demonstrando extremo nervosismo, xingando, pelo vacilo de Osvaldo, que sem dúvida

iria comprometer os demais companheiros. Nesse sentido, é crítica e pessimista com

relação ao recrutamento da organização e seu futuro.

Após o assalto e as discussões, Paulo sugere que o grupo seqüestre o embaixador

americano. Maria aceita a idéia e começam a planejar a ação.

107 O torturador no filme de Bruno Barreto, recebe um tratamento diferente quando comparado com a forma que Fernando Gabeira o apresenta em seu livro, neste (livro) o torturador é um profissional de classe média, bem treinado, recrutado para exercer sua função. Via de regra, não sentiam remorso em suas atividades. O diretor se apropria de uma exceção para transforma-la em regra, ao optar por apresentar um torturador com está estética.

80

Maria convida Jonas e Toledo que eram “quadros”, pessoas com muita

experiência política e militar, para concretizarem a ação. Ela fica assustada com a

postura do companheiro Jonas, que a exclui da liderança. Jonas não tem nenhuma

simpatia por Renée e Paulo, criticando-os sempre que possível, levando Maria a

intervir pelos mesmos.

Maria demonstra sentir orgulho de Paulo, pelo fato de ter escrito a carta

manifesto, sintetizando extraordinariamente os ideais do grupo. Neste momento sela-se

entre eles um elo que ultrapassa as disciplinas da organização (na cena em que Maria

elogia Paulo, a mesma é surpreendida com um beijo de agradecimento). Durante o

interrogatório do embaixador, Maria defende a presença de Paulo, contrariando as

determinações do novo líder, Jonas. Maria entra novamente em choque com Jonas

quando Paulo sugere a inclusão do nome de Osvaldo na lista.

Atenta aos fatos e prevendo o fim do seqüestro, Maria procura novos

apartamentos para o grupo.

Em um dos quartos da casa, Maria se encontra com Paulo, para lhe dizer que

Jonas trocou os turnos, e que provavelmente seria ele, quem iria executar o embaixador

caso fosse necessário. Eles conversam, analisam a situação, o stress, a angústia, que lhes

tomam conta dia-a-dia. Maria desmorona, confessa ter medo de morrer e diz que

preferia ser presa, que aliás, sonha com isso, pois assim, tudo acabaria e ela sentiria um

alívio muito grande, e continua dizendo que, já sabia desde o recrutamento o verdadeiro

nome de Paulo (Fernando) do movimento estudantil, beijam-se, e ela diz seu nome

verdadeiro (Andréia) para ele.

Quando a ditadura diz aceitar as exigências via imprensa, através de noticiário, e

todos comemoram, Maria continua desconfiada, dizendo que só quando eles chegassem

ao México ela iria acreditar.

Após o término do sequestro, os membros do grupo se separam. Maria se encontra

na “geladeira”, termo usado para o isolamento ao qual estariam confinados para não

despertar suspeitas, visivelmente abatida. Paulo quebra as normas de segurança e vai

encontrá-la. Os dois conversam, e ela busca argumentos para acreditar em sua causa,

qualquer coisa que a convença de que a luta valeu a pena, mas tudo isso é em vão, pois

o pessimismo se apodera, e ela chora em desespero por ter se dado tanto a uma causa

não reconhecida, não vitoriosa. Maria vai ao banheiro para recompor-se, mas não volta,

pois ela é capturada pelos agentes do regime. Fica subentendido, que ela foi

81

barbaramente torturada, pois, na última cena (o embarque que a levaria, junto com os

outros presos políticos, inclusive alguns membros do grupo, para o exílio), ela aparece

em uma cadeira de rodas.

2.3.3 Renée – Revolucionária

Jovem, estudante, bonita, educada, corajosa, sensível, fala bem inglês, mas é

imatura. Entra na luta armada no mesmo dia que Fernando (Paulo). No grupo, foi

batizada como Renée, seu verdadeiro nome era Clara. Durante o treinamento, aprendeu

a atirar relativamente bem. Participou do assalto ao banco, e posteriormente, quando o

grupo planejava o seqüestro do embaixador americano, foi incumbida de realizar um

levantamento na embaixada.

Renée se apresenta ao chefe de segurança da embaixada (Milton Gonçalves),

dizendo que tinha vindo do interior (Varginha-MG) para trabalhar naquele endereço. O

segurança diz que eles não estão precisando de empregada. Renée começa a chorar,

demonstrando extremo desespero com a situação. O chefe da segurança pede para ela se

acalmar, e diz que irá ajudá-la quando terminar seu expediente. Mais tarde, os dois vão

para um botequim. Com ares de moça ingênua e com muito charme, ela vai aos poucos

conseguindo informações sobre o sistema de segurança da embaixada, assim como os

horários que faziam parte da rotina cotidiana do embaixador. Após esta cena, eles saem

do bar e vão para a casa do segurança. Renée liga o som, dança, bebe mais um pouco.

Subentende-se que eles mantiveram relações sexuais.

Estando sua tarefa cumprida, ela retorna ao “aparelho”. No caminho, faz uma

ligação para o pai. As falas de Renée demonstram claramente problemas familiares,

assim como uma possível rejeição (preferência por outra irmã) por parte do pai.

Renée participa do seqüestro. Após a ação, ela pede para o embaixador escrever

um bilhete alegando seu estado. Observa o ferimento na cabeça do embaixador, fruto de

um golpe que levou durante a ação, faz um curativo e lava sua camisa manchada de

sangue. Renée, faz inúmeros elogios a esposa do embaixador, dizendo que a conhece

pelas fotos que são publicadas nas revistas, acrescentando que a considera muito

elegante. Com base em conversa tão informal e até fútil, esta cena demonstra sua

82

imaturidade diante da situação. Renée sempre é muito gentil e educada com o

embaixador108.

2.3.4 Paulo – Revolucionário

Jovem, jornalista, crítico, irônico, atrapalhado, usa óculos, não atira bem, não

dirige bem. Fernando entra para a luta armada com consciência política da situação,

acredita ser esta a única via para derrubar a ditadura. Não se enquadra no perfil de

guerrilheiro, mas esforça-se para entrar no grupo. No grupo Fernando será batizado

como Paulo.

Paulo é quem articula a idéia do seqüestro. Segundo ele, não adiantava roubar

bancos, eles não conseguiriam romper com o silêncio imposto pela ditadura apenas com

esta ação e escreve a carta manifesto o que lhe dá prestígio dentro do grupo, pois se

destaca intelectualmente. Jonas não permite que ele participe do seqüestro, deixando-o

irritado.

Por falar inglês fluentemente, participa do interrogatório mesmo contra a vontade

de Jonas. O conflito entre os dois personagens, acirra-se cada vez mais, principalmente

quando Jonas ameaça torturar o embaixador e é criticado por Paulo na frente de todos.

Discutem novamente quando vão elaborar a lista dos companheiros a serem libertados e

Paulo sugere o nome de Osvaldo, sendo imediatamente questionado por Jonas, que

manifesta ser contra.

Paulo destaca-se pelo raciocínio lógico, ele é o interlocutor do grupo com o

mundo de fora. É o único que conversa livremente com o embaixador sobre política. Ele

não usa capuz como os outros pois coloca óculos escuros no embaixador, é cordial,

educado, solidário ao sofrimento do embaixador.

É ele quem fica frente à frente com o torturador Henrique quando este bate à sua

porta, seguindo-o, descobre que estão cercados. Com a tensão que se forma dos

militares tentarem invadir a casa, e tendo em vista que Jonas já havia conspirado com

108 Os personagens femininos, Maria e Renée, são o desdobramento de Vera Sílvia Magalhães, que aparece no livro como sendo a única mulher da operação, inteligente, responsável pelo levantamento, que não dormiu com ninguém para conseguir as informações sobre o embaixador americano. Com relação a esses personagens o filme faz uma reelaboração de fatos que não existia no romance.

83

Júlio, outro membro do grupo, para trocar os turnos de vigilância, Paulo é encarregado

para executar o embaixador, sendo ameaçado de morte pelo líder, caso viesse a falhar.

Paulo vive um “romance” com Maria, dividem a tensão, a angústia, os medos,

enfim, o dia-a-dia e todos os processos vividos durante os quatro dias de seqüestro. Um

mês após a libertação do embaixador, eles se encontram em uma casa onde Maria está

escondida. Paulo faz um balanço sobre tudo o que aconteceu, critica o tipo de vida que

escolheu ao entrar na luta armada, critica a própria luta armada, o isolamento e todas as

suas conseqüências. Enfim, são invadidos por uma frustração por terem se doado tanto a

uma causa não reconhecida pela sociedade. Logo após, a casa é invadida por agentes, e

ao tentar fugir, Paulo é baleado por Henrique, que posteriormente tortura-o no pau-de-

arara109.

2.3.5 Jonas – Revolucionário

Não é estudante, é um guerrilheiro experiente. Aparentemente com trinta e cinco

anos, é calvo, com barba rala, desleixado com a aparência, sendo extremamente

autoritário e determinado.

Assume o comando da operação e ameaça de morte os companheiros do grupo

que o desobedecerem. Considera o grupo amador, aventureiro. Fica muito irritado

durante a execução da operação pois exclui Paulo da ação e xinga Renée.

Com a ação consumada, e o destaque que Paulo ganha dentro do grupo, com a

carta manifesto, Jonas passa a nutrir profunda antipatia por ele. Além de tê-lo cortado da

ação, Jonas questiona sua presença no interrogatório. Durante o interrogatório, é

estúpido com o embaixador, ameaça-o com uma arma na cabeça, e como o embaixador

não fornece as informações solicitadas a respeito da CIA no Brasil e o ensino de tortura

a militares brasileiros, Jonas ameaça torturá-lo. Jonas e Paulo discutem após o

109 Podemos dizer que o personagem Paulo que representa o Fernando Gabeira, é o que mais se assemelha, na comparação livro e filme. Em seu livro Fernando Gabeira já havia vitaminado seu personagem narrando os acontecimentos apartir do seu ponto de vista, com o seu olhar sobre os mesmos. Em sua obra Gabeira é o centro, por isso ele pode “construir “ situações e se atribuir uma importância maior do que teve na vida real. O filme de Bruno Barreto se apropria deste personagem construído por Gabeira, atribuindo-lhe ainda mais importância dentro da trama, inclusive, com tarefas que o próprio Gabeira já havia indicado e depois confirmado não ser o responsável.

84

interrogatório, e depois, discutem novamente, pelo fato de Jonas ser contra a colocação

do nome de Osvaldo na lista dos quinze companheiros a serem libertados pela ditadura.

Jonas conspira com Júlio contra Paulo. Reafirma no grupo, a obrigação de se

cumprir o que se escreveu no manifesto. Jonas altera as escalas para que Paulo tenha

que executar o embaixador, advertindo que se ele não cumprisse o justiçamento seriam

dois mortos ao invés de um.

É Jonas quem liberta o embaixador no Maracanã, sumindo em seguida, no meio

da multidão. O filme só volta a se referir a ele, através da personagem Maria, para dizer

que foi morto pela ditadura110.

2.3.6 Embaixador Americano - Charles B. Elbrick

O personagem do embaixador Charles Burke Elbrick é um homem maduro, com

mais ou menos cinqüenta anos, calvo, elegante, educado, democrata, humanitário.

Acredita no trabalho para o bem mundial que os E.U.A. podem ajudar a construir. No

Brasil, ele participa e promove eventos sociais, vive no mundo da alta sociedade.

Na hora do seqüestro ele demonstra muita tensão e medo, assim como no primeiro

dia de cativeiro. No interrogatório o embaixador responde os questionamentos com uma

arma apontada para a cabeça, sendo inclusive ameaçado de tortura. Durante o

interrogatório, ele é questionado sobre a CIA no Brasil, diz que nunca ouviu falar de

torturas ensinadas por militares americanos aos brasileiros, dizendo, também, que é

contra regimes autoritários, e considera um erro o fato dos EUA apoiarem uma ditadura

militar.

Charles Burke Elbrick, procura manter a tranqüilidade, inclusive ao escrever

bilhetes para a sua esposa. Antes de escrevê-los, o embaixador constrói uma análise

mental sobre cada um dos seqüestradores, tendo como base principal, suas vozes,

atitudes e mãos.

110 O personagem Jonas praticamente não aparece na obra de Fernando Gabeira, sendo está construção uma obra do roteirista Leopoldo Serram e do diretor Bruno Barreto. No livro Jonas é citado como o comandante da operação, executado depois de ser preso pela repressão.

85

Demonstra ter simpatia por Paulo, os dois conversam bastante, principalmente

sobre política. Em uma de suas conversas o embaixador diz ser contra a guerra no

Vietnã.

No segundo dia de cativeiro, alguém toca a campainha durante a noite. Paulo é

quem estava de vigília, apesar de ter caído no sono. Ambos acordam assustados, Paulo

aponta imediatamente a arma para o embaixador, e este pensa que vai morrer, sofrendo

uma incontinência intestinal. Nesta cena, é notável a angústia, a dor e a impotência, que

invadem o embaixador, e ele chora no banheiro.

Quando o prazo estipulado pelos seqüestradores ao governo, começa a se esgotar,

e sabendo que caso não obtivessem a resposta esperada ele seria executado, o

embaixador pensa em sua esposa e não acredita no que está vivendo. Fica um pouco

mais calmo, quando descobre que a ditadura aceitou as exigências, o que implica na sua

liberdade.

Preparando-se para ser libertado, é muito gentil com Renée e se despede

demonstrando certa preocupação com o destino de Paulo. É libertado no Maracanã onde

atônito pega um táxi e volta para a embaixada, tentando passar tranqüilidade e conforto

quando está frente a frente com sua esposa111.

2.4 “O que é isso, companheiro?”: o deslocamento do narrador

Em fins do século XX, podemos dizer que nossa sociedade é extremamente

consumidora de imagens. Tudo ao nosso redor é visual, nos comunicamos visualmente,

tomamos decisões, inspirados pelo que estamos vendo. As imagens materializam os

pensamentos e as idéias. Elas mexem com o emocional das pessoas, podem fazer rir,

chorar, encher de esperança ou desiludir.

O cinema, ou melhor a indústria cinematográfica, rapidamente se apercebeu deste

poder, e vem através dos anos construindo os sonhos das pessoas. Divulgando idéias,

111 No livro de Fernando Gabeira, o personagem do embaixador é secundário na trama. Ele mantém os diálogos com Gabeira, faz críticas ao apoio dos EUA aos regimes autoritários, se mostra um democrata, um humanista, mas não é em sua função que as peças são construídas no livro, onde ele aguarda o desenrolar dos fatos, para a sua libertação. No filme de Bruno Barreto verificamos que ele parece apresentar a mesma característica, mas aqui, ele assume o comando da narrativa, é em sua função e através de seu olhar que os fatos e personagens são construídos. No filme o embaixador americano Elbrick, é o personagem principal.

86

formando opiniões, os filmes dialogam com a sociedade, interagindo com esta. Se o

filme for de ficção cientifica e estiver representando uma época distante em sua trama,

ou se ele narrar fatos que aconteceram no passado como filme histórico, não importa, a

película estará refletindo o momento em que foi produzida e se utilizando deste enredo

para “conversar” com a sociedade.

Em 1983, o cineasta Andrzej Wajda, dirigiu a realização do filme “Danton”. Esta

película fez muito sucesso na Polônia, mas na França causou muitas brigas políticas por

causa do seu duplo sentido. Enquanto na Polônia a recepção do público foi positiva,

pois este visualizava no filme uma denúncia e crítica à opressão e violência do regime

soviético, na França as autoridades criticaram veementemente o filme, pois ele não dizia

a “verdade histórica”, sobre a Revolução Francesa. O filme sofreu muitas críticas,

diversas pessoas foram para a imprensa protestar sobre a forma como ele apresentava o

fato histórico. Os críticos se diziam preocupados com os jovens que não conhecem a

História, e poderiam tomar o filme como sendo a verdade.

Um filme mais ou menos recente, mas de enorme sucesso, onde ocorre o

deslocamento do narrador é “Dança com Lobos”, de 1992, dirigido e estrelado por

Kevin Costner. Nesta película o diretor optou por realizar uma abordagem diferente do

que nos acostumamos a visualizar nos filmes de “westeer”, onde os índios eram vistos,

através do olhar do “homem branco”, sua construção, sua função no enredo do filme,

era realizada para atender esta premissa. Em “Danças com Lobos”, ocorre justamente o

contrário, ou seja, nesta película o foco principal sãos os índios, é através da sua visão

de mundo que o filme se constrói. É apartir deles que o “homem branco” é visto e

aparece no filme. Por isso entendemos a importância do foco narrativo, pois ele nos

permite reconhecer o ponto de vista privilegiado pelo diretor112.

Percebemos que um processo semelhante aos dois filmes citados, ocorreu com o

filme “O que é isso, Companheiro? ” do diretor Bruno Barreto, quando a película foi

lançada no Brasil e nos Estados Unidos. Pesquisas demonstraram que o público

112 No filme “O que é isso, companheiro?”, a narrativa é realizada em 3ª pessoa, de forma onisciente, ou seja, o narrador sabe tudo o que acontece, por isso ele tem condições de mostrar duas cenas ao mesmo tempo que ocorrem em lugares diferentes. Por exemplo, o embaixador Elbrick, comemorando a chegada dos astronautas à Lua, e neste mesmo instante, os amigos César, Fernando e Arthur, assistindo o mesmo fato, estão discutindo se entram ou não para a luta armada. Também percebemos deste modo, a qual ou quais personagens, ele passa a palavra, ou seja o poder de narrar. Nesta película este privilégio é dado ao personagem do embaixador americano. O cinema se utiliza das mesmas formas narrativas empregadas pela literatura. Para um maior aprofundamento, ver: LEITE, Lígia Chiappini Moraes. O Foco Narrativo. São Paulo: Ática, 2001.

87

americano não conhecia a história do embaixador seqüestrado no Brasil, nem sabia o

que se passava em nosso país, desta forma argumentavam que o filme era excelente,

pois resgatava um fato desconhecido.

Já no Brasil, o filme sofreu muitas críticas mesmo antes de seu lançamento, onde

várias pessoas foram aos jornais questionar os fatos apresentados na película. Os ex-

guerrilheiros, que participaram da ação do seqüestro do embaixador americano, também

vieram a público para contestar a lógica do filme. Um livro (Versões & Ficções: O

seqüestro da história) foi lançado exclusivamente para analisar a obra de Bruno Barreto

e demonstrar as falhas e os erros que ela comete. Estas críticas que o filme sofreu no

Brasil, são frutos das escolhas realizadas pelo diretor Bruno Barreto, entre elas o foco

narrativo adotado na película.

Desta forma chamamos a atenção para a importância que a História assume

enquanto área do saber, que nos permite empreender tais análises de grande relevância

para demonstrarmos que os filmes não são feitos apenas para o entretenimento, que o

foco narrativo adotado pelo diretor não é uma opção aleatória, mas sim, fruto das

escolhas realizadas.

O trabalho do cineasta em alguns momentos se assemelha ao do historiador, pois

ambos necessitam realizar operações de “escolhas” e de “seleções” em seu ofício. O

historiador de acordo com as suas escolhas e seu ponto de vista, adota um foco narrativo

que dê a sua obra um efeito de verdade, ele busca a verossimilhança com o fato

ocorrido. Podemos dizer então que a história assim como o cinema, ou melhor o filme, é

uma ficção? O cineasta também busca dar vivacidade a sua obra através da

"Ekphrasis"113, assim ele consegue passar para o público que a narrativa do seu filme

contém veracidade.

A diferença entre os dois resulta de uma particularidade, que também responde a

questão acima levantada. Percebemos que a História se utiliza das formas narrativas da

ficção, mas ela, a História; não é ficção. O historiador tem normas e procedimentos

dentro do seu ofício, que precisam ser respeitadas. Ele tem liberdade de escrever da

forma que lhe convir, de acordo com suas opções ideológicas, mas, e aí está a diferença,

ele tem que provar os seus argumentos através de notas e citações. Todo o seu texto tem

que ter embasamento teórico, e suporte documental, para validar sua representação

(forma de olhar) sobre o fato.

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Quanto ao cineasta, no desenvolvimento de um filme, ele tem liberdade para criar,

não precisa provar os argumentos apresentados em sua película, mesmo quando estes

forem baseados em fatos reais. Ao elaborar um filme, o diretor constrói sua

representação sobre algo que realmente aconteceu no caso de retratar um fato histórico,

ele nos oferece uma das formas de se ver o ocorrido.

Como podemos observar o enredo do filme “O que é isso, Companheiro?”, retrata

o seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, realizado pelas

organizações MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) e ALN (Aliança

Libertadora Nacional), que pretendiam libertar prisioneiros políticos e denunciar a

brutalidade do regime militar.

Ao transferir fatos verídicos para a película, o diretor faz escolhas para construir

sua obra. O filme “O que é isso, Companheiro?” narra os acontecimentos a partir de

uma perspectiva consciente, onde o passado é re-elaborado e adquire significados

diferenciados aos olhos do presente. O filme elabora sua representação, fazendo

naturalmente “opções ideológicas”, por exemplo, a forma como a tortura é abordada, o

torturador, os guerrilheiros, o embaixador, etc. Tudo isto é construído a partir do ponto

de vista do produtor, do diretor, do roteirista e dos grupos sociais com os quais eles

compactuam.

Sobre este aspecto, reside um dos problemas que o filme suscita. Quando a

película apresenta sua história, o público cinematográfico de comum acordo, ou a

grande maioria dele, toma as imagens como verdades, principalmente quando na

abertura do filme aparece o slogan legendado; “baseado em fatos reais”. Não

percebendo, portanto, que o filme é uma releitura de algo passado que realmente

aconteceu, este chamado senso comum não se atenta para o fato de que esta pretensa

“representação”, o filme, está a serviço de um grupo social que pretende impor sua

visão sobre os fatos.

“O que é isso, Companheiro?” retrata os jovens militantes como irresponsáveis,

pessoas sem preparação para uma ação do porte que foi o seqüestro do embaixador

americano. A película é dura com aquela geração. Desde o início, o filme prepara o

espectador, através da comicidade, para não levar aqueles jovens a sério. O foco

narrativo nos induz a este raciocínio, até a cena próxima ao seqüestro, pois, a partir da

ação adquire uma conotação dramática.

113 É a busca pelo efeito de verdade, ver: GINZBURG, Carlo. A Micro-História e outros ensaios. Rio de

89

Podemos observar que o personagem Fernando é cheio de ironias, e com isso

ganha a simpatia do público, mas ao mesmo tempo, esta narrativa caminha no sentido

de desacreditar a capacidade dos personagens de esquerda. Entendemos que o filme

recebeu tantas críticas e gerou tanta polêmica justamente por privilegiar esta forma de

narração.

A este respeito, recorreremos ao historiador Alcides Freire Ramos, que nos ajuda a

entender a importância que a escolha da forma narrativa possui, para se interpretar no

presente algo que ocorreu no passado. Ele nos diz:

“Categorias como trágico ou cômico, típicas do vocabulário dos que interpretam obras literárias, também podem fazer parte do instrumental do historiador, sobretudo, diante da tarefa de interpretar obras ficcionais baseadas em saber historiográfico (por exemplo, um filme histórico como “O que é isso, companheiro?”). Isto pode ser dito já que, quando um historiador constrói uma narrativa marcada pela comicidade, a compreensão destes acontecimentos se faz não apesar da comicidade, mas exatamente a partir dela e com base nela. A comicidade, aqui, não é mero ornamento. É uma das formas de conferir concretude ao pensamento. Destarte, lançar um olhar trágico ou cômico sobre os acontecimentos é, sobretudo, uma forma de interpretá-las. Ademais, H. White sugere que uma escolha desse tipo (por exemplo: interpretar comicamente o que, para outros, é algo trágico), pode ser também um produto da inserção do historiador na luta política de seu tempo, e portanto, de seu modo de intervir na própria história. Por isso, se, numa determinada circunstância, aqueles acontecimentos que, antes, eram vistas como trágicos passarem, socialmente falando, a ser encarados como cômicos é porque uma importante transformação política ocorreu. A passagem do trágico ao cômico, neste caso, só pode ser explicada a partir da própria história"114.

Ao abordar os guerrilheiros, Bruno Barreto realiza esta operação (cômico/trágico),

entrando em choque com os sujeitos históricos, os ex-guerrilheiros, que também

construíram a sua versão sobre os acontecimentos. Eles foram vitoriosos em conseguir

entrar para história como as pessoas que lutaram contra a ditadura militar e pelo

socialismo, resistindo pela força contra um sistema opressor. Percebemos que os ex-

guerrilheiros gostariam de ser representados com o devido respeito, tendo em vista o

que passaram, o significado da sua luta, enfim, o que ela representava. Eles “não

aceitam” qualquer representação sobre o período que não os trate desta forma.

Desta maneira, gostaríamos de chamar atenção, para a disputa da memória que

existe com relação ao tema. Para termos uma idéia, em 1992, a TV Globo, exibiu a

Janeiro: Bertrand Brasil1, 1991, p. 215. 114 RAMOS, Alcides Freire. "Fato e Ficção: ironia e conservadorismo em O que é isso Companheiro? de Bruno Barreto". In: Anais da ANPUH MG. Uberlândia 1998, p. 204.

90

minissérie “Anos Rebeldes”, do autor Gilberto Braga. Esta obra também contava uma

história parecida com a do filme: O seqüestro de um embaixador pela esquerda armada

brasileira, e sua troca por presos políticos. Para quem se lembra a série fez muito

sucesso:

“Anos Rebeldes cometia uma redução melodramática de seus personagens que não se vê no filme de Barreto. Na série da TV, toda a conduta dos guerrilheiros tinha fundamentos emocionais, românticos, sentimentalóides. Ou eles entravam na luta armada para pirraçar o pai, ou para provar hombridade diante da namorada, ou simplesmente por um arroubo juvenil que acabou indo longe demais. Eram incapazes de cálculos, de análises e de pensamentos políticos. Já os capitalistas e os agentes da repressão, esses sim, entendiam e premeditavam direitinho o jogo de xadrez, podiam ser frios, cruéis, mas detinham o monopólio da inteligência. Pois mesmo assim, a série foi acolhida com gratidão, alegava-se que ela pelo menos trazia à tona o tema da luta armada, tirando os guerrilheiros do esquecimento”115.

Apesar de todo melodrama, os guerrilheiros ali representados recebiam a carga de

heróis/trágicos, ou seja, pessoas que se dedicaram ao extremo por uma causa, que

morreram para lutar contra a ditadura militar. Basta recordar a personagem Heloísa,

representada pela atriz Cláudia Abreu, que morre metralhada pela repressão em uma

cena comovente.

Através desse exemplo, reafirmamos o quanto o filme caminha em sentido oposto

aos “anseios” dos ex-guerrilheiros, pelo contrário, ele os expõe de uma maneira

irônico/cômica, perfazendo o mesmo caminho da obra de Fernando Gabeira no livro “O

que é isso, Companheiro?” de 1979, que lhe serve de inspiração, porém, agregando-lhe

novos elementos.

Neste sentido, ressaltaremos a análise realizada pelo historiador Alcides Freire

Ramos, que nos fornece alguns subsídios para compormos esta questão:

“É possível mostrar que a ironia presente no livro de Gabeira foi associada a uma interpretação nitidamente conservadora. Um bom exemplo disso são as opiniões de Vera Sílvia Magalhães a respeito da tortura no filme, Vera é representada, ao mesmo tempo, pelas personagens de Fernanda Torres e Cláudia Abreu, tendo sido uma das mais importantes lideranças do MR–8, não só participou ativamente do seqüestro como acompanhou, desde o início, a elaboração do livro. ‘Foi a primeira obra de esquerda que repensou o período mas não autoriza um filme desses’. O motivo mais importante para a discordância é a questão da tortura: ‘É inteligentíssima a parte em que Fernando retrata o torturador, salientando o seu lado esquisso. Ele liga para a mulher, e no

115 BUCCI, Eugênio. "O deslocamento do narrador em O que é isso, Companheiro?". In: Versões e Ficções: O seqüestro da História. São Paulo: Perseu Abramo, 1997, p.211.

91

meio da tortura diz: vou chegar mais tarde. Isso é riquíssimo no livro, mas, no filme de Barreto, o torturador é humanizado e desvinculado do exército.’

Percebe-se pois, que o filme de Barreto, do ponto de vista político, aprofunda de modo conservador o deslocamento operado por Gabeira em seu romance. Embora mantenha algumas de suas convicções políticas, o militante, no momento da autocrítica, revê sua trajetória com distanciamento e ironia. O filme por seu turno, mantém essa tonalidade, mas agrega dados que não estavam presentes no livro. Esses acréscimos fazem com que a nova trama, quando comparada com a narrativa matriz, apareça como retrógrada, já que implica numa espécie de conciliação com a ditadura militar"116.

O que necessitamos perceber, é que o filme “O que é isso, Companheiro?” de

Bruno Barreto agrega novos valores, porque além dos tempos serem outros (livro

lançado em 1979, filme em 1997), ele não foi feito apenas para o público nacional, mas

também, senão principalmente, para o norte-americano. A película conta uma história

que se passou no Brasil, um fato marcante da nossa história, só que do ponto de vista

estrangeiro. Por isso o filme tem várias partes narradas em inglês. Assim, chegamos a

um dos pontos mais importantes da análise, que é o deslocamento do narrador.

“O que é isso, Companheiro?” de Fernando Gabeira, é reconhecido como sendo a

primeira obra de “esquerda” a repensar o período, nela, ele era o narrador, e era através

dele que tomava-mos conhecimento da história. No filme isso muda, é agregado um

novo elemento, e quem nos narra a história é o embaixador Charles B. Elbrick. O filme

muda de perspectiva, ele se desloca para a direita, pois o embaixador americano

representa o conservadorismo, não o nacional, e sim, o de alguém que é de “fora”,

internacionalizado. Essa história não é sobre os guerrilheiros que seqüestraram um

embaixador americano, mas sim, do embaixador Elbrick seqüestrado por eles. O foco

narrativo do filme, apesar de se servir muito bem do livro do Gabeira, muda totalmente

sua trajetória, nos apresentando uma outra história.

O público americano demostra ter aprovado o filme, pois além da indicação para

concorrer ao Oscar, pesquisas realizadas nas portas dos cinemas pela distribuidora

Miramax, apontam que 75% dos espectadores o consideram excelente.

Vejamos como ocorre o deslocamento da narrativa no filme. Em primeiro

momento tem-se a impressão de que o narrador é o jornalista Fernando (Pedro

Cardoso), pois é ele quem discute a situação político-econômica do país, juntamente

com o colega Osvaldo (Selton Mello), que propõe a entrada para uma organização

armada. Mas, a partir do seqüestro, é o embaixador quem assume o poder dentro do

92

filme, é em sua função que os outros personagens são construídos. É através da sua

visão, que se vê a esquerda e a direita em guerra no filme. É com seu drama, que o filme

abandona a comicidade e passa para o trágico. Da mesma forma, é por Charles Elbrick,

e somente por ele, que podemos observar o drama dos personagens de esquerda. É

principalmente pelos dramas dos personagens Fernando e Maria, que o filme “O que é

isso, Companheiro?” tenta instigar no público e ao mesmo tempo mostrar se os

acontecimentos vivenciados, o seqüestro e a luta armada, valeram mesmo a pena.

Durante todo o tempo, o foco narrativo induz o público a se identificar com o

embaixador, com seu drama, sofrimento e angústia. A platéia torce em primeiro lugar

para que o seqüestro acabe logo e que o embaixador americano Charles Elbrick escape

em segurança, para depois se voltar para os guerrilheiros.

Outro fator importante, dentro da narrativa, é a cena em que o embaixador analisa

os guerrilheiros através de suas mãos:

“Cara Elviry, todos os dias, vejo as figuras que lembram a Klu Klux Klan. Não vejo seus rostos, mas estão sempre segurando armas. Um deles tem uma pele de nenê. Tenho certeza de que é menor, uma criança num jogo perigoso. Nunca ouvia a voz dele, mas esse menino fanático é quem mais me assusta. Suas mãos de fazendeiro combinam com a arma. Creio que pertencem à voz que ameaçou me torturar cheia de ódio e ressentimento. Um subproduto da Guerra Fria cuja determinação supera a ignorância. Essa é a garota que me faz os curativos e lava minha camisa, coisa que me comoveu e pela qual serei eternamente grato. Que destino leva essa mão delicada a empunhar uma arma? Esse é o vampiro-chefe. Um velho em meio a um bando de garotos. A revolução é um bom lugar para se esconder de si mesmo. Mas pode-se dizer o mesmo do serviço diplomático. Esse é quem mais me desperta a curiosidade. Prefere tapar meus olhos a usar o capuz. Precisa de meu respeito, não quer que eu o veja como terrorista. É instruído, gosta de conversar, mas acredita em cada coisa" 117.

Esta reflexão não apresenta somente a visão do embaixador, ela demonstra o que

o diretor, o produtor, o roteirista, assim como os grupos sociais que eles representam,

quiseram apresentar como sendo da esquerda. Pessoas que representam o terror

(lembram a Klu Klux Klan), covardes (escondem seus rostos com capuzes), sem

escrúpulos (colocam crianças “menores” em um jogo perigoso e “sujo”), aliciam moças

com problemas familiares, para realizarem certos serviços (dissimulação e prostituição,

para a obtenção de informações). Estes “garotos” seriam liderados por dois “seres

sombrios”. Um deles seria o vampiro-chefe Toledo, que tanto no livro como no filme,

116 RAMOS, Alcides Freire. "Fato e Ficção: ironia e conservadorismo em O que é isso Companheiro?. De Bruno Barreto". In: Anais da ANPUH/ MG, 1998., p. 204. 117 Carta do embaixador americano Charles Elbrick, para sua esposa que consta no filme “O que é isso, Companheiro?”.

93

aparece como um velho senil e o outro, Jonas, seria um típico stalinista do período da

guerra fria, cruel e insensível, capaz das piores baixezas.

Toledo e Jonas, representam o projeto socialista. Como podemos ver, algo

“caduco” (hoje em dia fora de moda e derrotado) e sem “moral”, violento, explorador e

que por isso mesmo necessita ser desmantelado pelo seu oponente, seu contrário, o

capitalismo (atualmente neoliberal que avança sobre vários países), que é representado

pelo regime militar no filme. Este aliás, apresenta um oficial “brando”, preocupado com

o bem estar do embaixador, e um oficial - torturador, humanizado com crise de

consciência pelo seu trabalho, mas que nem por isso deixa de realizá-lo, pois segundo

ele “seu ofício é proteger os inocentes de uma escória, de uma canalha, que, se chegasse

ao poder, iria realizar fuzilamento em massa”.

Esta é a perspectiva que Bruno Barreto apresenta em seu filme. De um lado, a

extrema esquerda que pegou em armas e do outro o regime militar. No centro, entre os

dois extremos, encontramos o embaixador, eqüidistante, compreensivo, humanista,

democrata e resignado, ou seja, todas as qualidades de uma pessoa “civilizada”.

Visto que a civilização se encontra no centro com o embaixador Elbrick, nos dois

extremos encontramos a barbárie, ambos os lados sem razão e aprisionados por suas

crenças, se debatendo em uma luta sem culpados, pois os excessos de uns, justificam os

dos outros.

Por isso, no cinema, a história promoveu tanto estranhamento. Da película, “só

quem sai sem manchas é a bandeira americana. Do meio do fogo entre dois extremos, só

o embaixador Charles Elbrick sai moralmente ileso”118. E a versão do diretor de que o

filme é apolítico cai por terra:

“Ao contrário do que Bruno Barreto propunha, seu filme constitui uma obra profundamente ideológica. E isso fica claro sobretudo nos momentos em que ele afasta-se da ‘história’ e lança mão da licença artística. Certamente, O que é isso, Companheiro? registra, mais do que qualquer outro dos seus filmes, sua visão dos fatos e do mundo. Na obra artística, os personagens, suas ações e seus diálogos não são fortuitos, únicos. Sobretudo os protagonistas não podem mover-se, falar, coçar-se à toa. Eles sintetizam tipos humanos e animam ações exemplares. São verdadeiros paradigmas, mesmo quando anódinos, insignificante, insossos. É principalmente através deles que os autores falam”.119

118 BUCCI, Eugênio. "O deslocamento do narrador em O que é isso, Companheiro?". In: Versões e Ficções: O seqüestro da História. São Paulo: Perseu Abramo, 1997, p. 221. 119 MAESTRI, Mário & Serra , Carlos Henrique. "Há cadáveres no armário de Bruno Barreto" . In: Olho da História, n° 4. www.ufba.br, 04/04/2002.

94

Bruno Barreto enfatizou em todas as suas entrevistas que seu filme é apolítico,

que nele encontramos a história de sujeitos em situações limites. Essa é uma

característica do cinema nacional de meados dos anos 90, buscar retratar os

acontecimentos através da história dos indivíduos, acrescentando ainda uma pretensa

neutralidade com a apresentação de um olhar externo para narrar estes fatos. Está é uma

opção estética utilizada pelos diretores, para colocar a política como pano de fundo no

enredo, assim, poderiam eles contar suas histórias de uma maneira profissional e

imparcial, opção está que não poderia deixar de ser mais política possível. Barreto se

utiliza muito bem desta técnica e dentro da sua opção realiza um trabalho competente.

95

Passeata dos Cem Mil da ficção.

Passeata dos Cem Mil ocorrida em 1969

96

CAPÍTULO III: HISTÓRIA E FICÇÃO - MAPEANDO A

POLÊMICA

3.1 RECEPÇÃO DO FILME

O filme “O que é isso, Companheiro?”, já tinha sua produção cogitada desde

1980, quando seria dirigido por Daniel Filho, mas este desistiu do projeto. Em 1989, o

filme novamente tem sua produção cogitada. O roteiro foi realizado por Geraldo

Carneiro, e posteriormente pelo roteirista norte-americano Shoan Patrick. O projeto

seria financiado pelo canal Channel Four, através de David Rose, que previa um

orçamento de três milhões de dólares, buscando-se inclusive atores como Walther

Matthau (embaixador Elbrick) para compor o elenco. Por motivos a nós desconhecidos,

esta segunda tentativa também não deu certo e o projeto teve que esperar por mais

alguns anos.

Em 1995, “O que é isso, Companheiro?” tem sua produção anunciada pela

terceira vez. Ao contrário das anteriores, desta vez o projeto vingou, e em 1996 ele já

estava sendo produzido para o seu lançamento em 1997.

Antes mesmo do início das filmagens, o filme de Bruno Barreto já estava

causando polêmica nos jornais, sendo acusado tanto por representantes da esquerda,

como da direita. O deputado Carlos Minc (PV-RJ) criticou o filme dizendo “que ele

constrói uma imagem estereotipada dos guerrilheiros”. O general Nilton Cerqueira,

também lançou suas críticas perguntando: “Será que é oportuno levantar o assunto

agora?”120.

Entre janeiro de 1996 e dezembro de 1997, a película “O que é isso,

Companheiro?” sempre esteve presente nos jornais. Ora por parte da direção/produção,

ora por parte dos críticos que apresentavam seus comentários. Não podemos deixar de

lado as pessoas que viveram o período, ou as que participaram da ação do seqüestro,

que também vieram a público para se posicionarem com relação ao filme e ao período

que ele retrata.

120 MATTOS, Cláudia. Filme é criticado pela direita e esquerda. Folha de São Paulo, 12/04/1996.

97

Em nossa pesquisa, fizemos um levantamento dos vários artigos que foram

publicados nos jornais, noticiando e comentando o filme de Bruno Barreto, etapa

importante, para percebermos a recepção que este obteve.

A esse respeito, apresentaremos algumas entrevistas e comentários editados nos

jornais, assim como outras publicações, como é o caso do livro “Versões e Ficções: O

Seqüestro da História”121, lançado logo após estréia do filme “O que é isso,

Companheiro?” em 1º de maio de 1997 e o livro em 15 de julho de 1997, reunindo

artigos e ensaios publicados em revistas e jornais de autores que contestam a versão ou

questionam a pretensa isenção e desideologização do filme. Entre os autores, alguns

participaram direta ou indiretamente da ação, como Franklin Martins, Vera Sílvia

Magalhães (entrevistada por Helena Salem) e Daniel Aarão Reis Filho.

Assim, para um melhor entendimento e aproveitamento das fontes, dividiremos

este item em tópicos: “O que é isso, Companheiro?”, segundo Bruno Barreto; A

polêmica, sujeitos históricos x personagens.

3.1.1 "O que é isso, Companheiro?" segundo Bruno Barreto

Em 1994, Bruno Barreto inicia sua mobilização para concretizar o lançamento de

seu novo projeto, o filme “O que é isso, Companheiro?”. Sendo assim, ele vem ao

Brasil para conversar com Fernando Gabeira, autor do livro com título homônimo, e ex-

guerrilheiro do MR8, para discutir o enfoque do livro que lhe serviria de inspiração e

procurar alguém para reescrever o roteiro. Luiz Carlos Barreto, pai do diretor e dono

dos direitos sobre o livro, fechou o projeto com a Columbia Pictures. A esse respeito,

Bruno Barreto concedeu entrevista ao jornal O Globo, dizendo: "estou interessado no

rito de passagem pela qual Gabeira passou. Das cartilhas do marxismo ao retorno à

individualidade. No filme, a política vai funcionar como pano de fundo"122.

Em janeiro de 1996, o elenco já estava fechado. Neste período, Bruno Barreto

volta às manchetes com entrevista reveladora, onde expõe não só as dificuldades de se

121 REIS, Daniel A. & outros. Versões e Ficções: O Seqüestro da História. 2ª ed. São Paulo: Fundação Persu Abramo, 1997. 122 ALMEIDA, Eros Ramos de. As dúvidas e as certezas do companheiro. Jornal O Globo, 24/04/1994, cad. 2, p. 04.

98

realizar um filme no Brasil e tudo que isso implica, mas seus próprios posicionamentos

ideológicos.

"O elenco fechado é Pedro Cardoso, Cláudia Abreu e Fernanda Torres, que faz o personagem feminino mais forte, a Helena. Tomamos certas liberdades no roteiro, fundimos certos personagens reais. O Gabeira não é nem o protagonista. Ele foi apenas o que ficou mais famoso e depois escreveu o livro, mas na época era um do grupo". Sendo indagado sobre a época retratada no filme, Barreto diz que: "Eu tinha 14 anos, não percebi o clima político, queria ver faroestes de John Wayne e John Ford. Nunca fui engajado politicamente e nunca serei, aliás sou pouco político, por isso até sou odiado. O primeiro filme do John Ford que vi foi com Glauber Rocha: Forte Apache, com John Wayne. Ele era grande amante de cinema, queria fazer o grande cinema americano também, o cinema de espetáculo. Mas acho que houve obstáculos, nunca fez esse cinema. Infelizmente, ficou político, o que com raras exceções é algo medíocre, no Brasil e lá fora"123.

Em março de 1996, “O que é isso, Companheiro?”, começa a ser filmado, e mais

uma vez Bruno Barreto enfoca o caráter apolítico da película:

"Quem espera ver um filme politicamente engajado, fiel aos acontecimentos de setembro de 1969, pode desistir, não é exatamente uma história política. Minha idéia é contar uma história sobre o que levou essas pessoas a embarcarem em uma situação tão extrema. Todos os filmes que já fiz são sobre pessoas, foi essa característica do livro de Gabeira que me atraiu. O filme não têm nenhum compromisso com a realidade. Por isso, acredito que nem a esquerda e nem a direita iram gostar do filme. Eu e o Leopoldo Serran tivemos a preocupação de fazer um filme sem engajamento, mostrando que as pessoas são boas e más, independente da opção política. O torturador é um ser humano como qualquer outro"124.

Com relação ao caráter apolítico do filme, que o diretor Bruno Barreto faz questão

de frisar, a atriz Fernanda Torres, que interpreta Maria na trama, argumenta: "Mas é um

filme político. Na medida que levanta uma série de questões sobre a nossa história,

sobre o que aconteceu naquela época e sobre o que somos hoje. Só que não toma

partido de ninguém. Arte, quando toma partido, é outra coisa"125.

3.1.2 As Críticas que o filme suscitou

"O que é isso, Companheiro?" é lançado em 1º de maio de 1997, mas, desde a pré-

estréia, tornou-se alvo de inúmeras críticas.

123 BARROS, André Luiz. No Brasil só existe cineminha. Jornal do Brasil, 14/01/1996. 124 JANSEN, Roberta. Os companheiros vão à luta. Jornal da Tarde, 09/03/1996, p 2A. 125 GIANNINI, Alessandro. Atores fazem humor na guerrilha. Jornal da Tarde, 01/05/1997, p. 8c.

99

A projeção especial ocorrida no Palácio das Laranjeiras, a pedido do próprio

governador Marcelo Alencar, rendeu comentários na imprensa. Pedro Butcher, publicou

no Jornal do Brasil o artigo, “Liberdade dramática nos anos de chumbo”, apresentando

os seguintes dizeres:

"Narrado de forma bastante simples e estruturado como filme tenso, quase de suspense, O que é isso, Companheiro? não deve satisfazer a muitos dos participantes do movimento estudantil e da luta armada. A maior parte dos jovens é vista como um grupo ingênuo manipulado por lideranças que agem de má fé"126.

Com a pré-estréia que aconteceu no dia 28 de maio de 1997, não foi diferente. Em

artigo intitulado “O que é isso, Companheiro? chega para provocar polêmica”,

Alessandro Giannini tece os seguintes comentários:

"Inspirado no livro homônimo do deputado federal Fernando Gabeira, o filme transporta o ensaio crítico do ex-guerrilheiro para a ficção. Reconstituindo o seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick feito por um grupo armado em 1969. O filme chega pronto para provocar polêmica. Primeiro, por trazer apenas a aventura de um grupo de jovens idealistas, deixando de lado as implicações ideológicas. Segundo, porque começam a surgir vozes dissonantes em relação à visão que Gabeira perpetuou no livro que serviu de inspiração ao filme. ‘O que é isso, Companheiro’, o livro, é uma crítica sincera e alentada ao movimento de esquerda que resistiu ao regime militar nos anos 70. Gabeira dá seu testemunho sobre a operação que resultou no seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, para trocá-lo por presos políticos e critica a estrutura dos aparelhos de resistência da esquerda. Foi um golpe forte na militância, que pouco o pouco voltava ao exercício de suas atividades"127.

Alessandro Giannini, em seu artigo “Filme abandona rigor histórico”, é bastante

objetivo ao enfatizar os motivos que contribuíram para que a película de Barreto fosse

prematuramente tão criticada, cujo ápice se deu em 1º de maio de 1997, data de sua

estréia: "As polêmicas dizem respeito, entre outras coisas, à falta de fidelidade histórica

do filme, a seu caráter apolítico e a sua dificuldade em tomar partido. Algumas dessas

questões foram levantadas por pessoas que participaram da ação"128.

A esse exemplo, Vera Sílvia Magalhães, ex-guerrilheira e membro do MR8 que

participou da ação, argumenta que: "Não vi o filme, mas mesmo sem ter visto não gostei.

Todos nós somos apresentados como pessoas estúpidas, quase bárbaras, enquanto o

126 BUTCHER, Pedro. Liberdade dramática nos anos de chumbo. Jornal do Brasil, 23/03/1997, p.4. 127 GIANNINI, Alessandro. O que é isso, Companheiro? chega para provocar polêmica. Jornal da Tarde, 28/04/1994, p. 8C. 128 GIANNINI, Alessandro. Filme abandona rigor histórico. Jornal da Tarde, 01/05/1997, p. 8c.

100

torturador é humanizado. Isso me incomoda. Quem foi torturada fui eu, não foi o

senhor Bruno Barreto"129.

Em entrevista a Marcelo Coelho, Paulo de Tarso Venceslau, membro da ALN que

participou da ação do seqüestro, diz: "O filme de Bruno Barreto é leviano e tem muitas

infidelidades históricas, motivadas ou por preguiça intelectual ou por uma opção

ideológica de preservar a ditadura"130.

O artigo de Ricardo Calil, intitulado “Ex-guerrilheiros querem processar, O que é

isso, Companheiro?”, enfatiza que para os ex-militantes de esquerda, ouvidos pelo

Jornal da Tarde, deveria ser impetrada uma ação por danos morais pela família do

guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, codinome Jonas, assassinado pela ditadura.

"Segundo eles, o filme apresenta uma imagem deturpada do militante da ALN (Ação Libertadora Nacional) de origem operária - interpretado no filme por Matheus Nachtergaele. Para a economista Vera Sílvia Magalhães (ex-militante do MR-8,que fez o levantamento de informações para o seqüestro e inspirou as personagens de Cláudia Abreu e Fernanda Torres), O que é isso, companheiro?, ridiculariza e caricaturiza Jonas, ‘o filme mostra como débil mental um militante que teve o cérebro arrancado pela tortura sem delatar ninguém’. O filme segundo Vera, divulga várias mentiras sobre Jonas, por exemplo, que ele teria ameaçado o embaixador de tortura ou então que iria matar militantes que cometessem erros. Para o professor de história Daniel Aarão Reis (MR8), o filme passa uma imagem deplorável sobre Jonas, ‘se eu fosse parente, entraria com a ação, mas não acredito que uma indenização resolva o problema’. Para Reis, O que é isso, Companheiro? absolve a ditadura militar. Ele baseia sua tese em vários fatos. Primeiro, porque mostra dois contendores emblemáticos - de um lado um torturador delicado, dilacerado, com crises de consciência, do outro, um seqüestrador fanático, truculento, monolítico. Segundo, porque apresenta a tortura como um ato individual e não como uma política de Estado. ‘O filme dilui as fronteiras entre a ditadura e a luta armada, não se pode ter uma posição eqüidistante entre opressor e oprimido, entre torturador e torturado’" 131.

Através destas críticas, além de percebermos como a película foi recebida pela

imprensa, constatamos que os comentaristas evidenciaram “as mudanças” (opções),

realizadas por Bruno Barreto ao construir sua obra. Isto aparece em seus artigos, e se

torna um importante material para o historiador, pois permite-nos vislumbrarmos o

diálogo da obra de arte com a sociedade, e este é um ponto crucial em nosso trabalho.

129 GRILLO, Cristina. O que é isso, Companheiro?, traz polêmica e quer o Oscar. Folha de São Paulo, 01/05/1997, p. 01. 130 COELHO, Marcelo. Participante da ação diz que filme é leviano. Folha de São Paulo, 01/05/1997, p. 01. 131 CALIL, Ricardo. Ex-guerrilheiros querem processar, O que é isso, Companheiro?. Jornal da Tarde, 11/05/1997, p. 01C.

101

3.1.3 Recepção por parte do público (senso comum)

O filme “O que é isso, Companheiro?” de Bruno Barreto, não atingiu o público

esperado de um milhão de espectadores. Mas nenhum outro filme nacional dos anos de

1990 ganhou tanto destaque como ele. Pessoas de todas as idades foram aos cinemas

assistir à película que contava a história do seqüestro do embaixador americano Charles

B. Elbrick.

Surpresa ou não, muitas pessoas no Brasil desconhecem ou não se lembram deste

fato da nossa história. A maioria apenas ouviu falar sobre o assunto, sem grandes

aprofundamentos. Para muitos e principalmente para os jovens, que em 1997 estavam

com 25 anos e até os de idade inferior, o filme “O que é isso, Companheiro?”

representou provavelmente a primeira “versão” sobre os acontecimentos.

Críticas à parte, protestos de ex-guerrilheiros também, a película de Bruno Barreto

de modo geral agradou a quem foi assistí-la. O diretor utilizou seus conhecimentos

adquiridos em Hollywood para construir uma trama que fosse estritamente comercial;

como ele mesmo já disse em várias entrevistas, seu filme é apolítico. Contudo, devemos

alertar que o simples fato do diretor realizar esta escolha já é um ato político e, dentro

da opção que Bruno Barreto fez, constrói seu filme com muita competência.

Seu filme é classificado como drama, e realmente funciona como tal. Como já

vimos no foco narrativo, o público sofre e torce para que o embaixador seja libertado.

De fato, as pessoas que foram ver o filme realmente aprenderam alguma coisa sobre o

período, sobre a ditadura militar, a existência da tortura, e que existiram pessoas que

lutaram com armas contra o regime opressor.

Quanto a este aspecto, o jornalista Alessandro Giannini, nos diz que:

"O grande ponto positivo de O que é isso, Companheiro? é que apesar de ser discutível do ponto de vista do rigor histórico, traz questões sobre uma época praticamente desconhecida por toda uma geração. Só isso é o bastante para credenciá-lo como um filme que precisa ser visto e discutido"132

As pessoas, em geral, não têm interesse pela História, e por isso, desconhecem os

seus detalhes, somente as pessoas que viveram o período, ou que se dediquem a uma

pesquisa possuem condições de entender as mudanças, ou omissões realizadas pelo

diretor.

132 GIANNINI, Alessandro. Filme abandona rigor histórico. Jornal da Tarde, 01/05/1997, p. 8c.

102

Como nosso país tem sérios problemas com a memória, e os jovens na grande

maioria não chegam a ver nada sobre o assunto nas escolas, o filme em 1997 foi

acolhido como um dos melhores nacionais já produzido. Vejamos algumas opiniões a

esse respeito: 133

Téo Cruz (Crítica do Leitor): “Um filme muito interessante, com uma história

excelente. Vale a pena ver”;

Marcelo Junior Bezerra (Crítica do Leitor): “Maravilhoso! Um filme que ao final

nos dá vontade de levantar e aplaudir. O Brasil passado a limpo”;

Leandro Gantois (Crítica do Leitor): “Depois de assistir este filme com certeza eu

vi como o cinema brasileiro é ótimo! Se não for o melhor filme brasileiro que já assisti,

com certeza é um dos melhores”;

Breno Moura (Crítica do Leitor): "Narra com firmeza e competência um fato que

marcou, ou não, o país";

Rafael Vinícius (Crítica do Leitor): "Alguns atores estão perdidos na trama,

outros têm momentos bons. A direção é normal, nada de especial. O que chama a

atenção é o roteiro, um dos melhores traduzidos para o cinema";

Daniel Lima (Crítica do Leitor): "Este é com certeza o melhor filme brasileiro que

já vi, pois junta drama, um pouco de ação e tensão. É melhor do que muitos filmes

americanos e é um dos melhores que já vi na minha vida";

Cecília Angelo (Crítica do Leitor): "As atuações são maravilhosas e o roteiro

também. É um dos melhores filmes já feitos";

Aline Yukari (Crítica do Leitor): "Ótimo filme. É disso que o povo brasileiro

precisa, que recuperem a história. Foi esse o filme que me fez ter a certeza de qual

carreira desejo seguir";

Jordan de Siqueira (Crítica do Leitor): "Excelente filme. Resgata de forma

harmoniosa a época em que ainda haviam homens neste país";

Lilian (Crítica do Leitor): "O que mais me entristece é que nossa cultura está

sendo perdida dia-a-dia, as pessoas enchem a boca para falar de filmes de outros

países";

Cecília (Crítica do Leitor): "Adorei o filme, é uma mistura de geopolítica e

geoestratégica. Muito legal e envolvente, adorei o filme";

133 Estas críticas estão disponíveis na internet no site: www.adorocinema.com.br

103

Wallace A. Guedes (Crítica do Leitor): "O Melhor filme brasileiro que já assisti.

Ótimas atuações de Pedro Cardoso e Matheus Nachtergaele. Merecia o Oscar".

Como vimos, o público jovem considera a película como uma boa fonte para

quem não conheceu nada sobre o período. Por outro lado, aqueles que o vivenciaram

apresentam outras conclusões:

"A dona de casa Rosemari de Macedo viu o filme com a filha Leonor, de 14 anos. Ela

acredita ser impossível 'mostrar um período cavernoso como o de 68/69 em duas horas'. ‘Não

sei se os torturadores tinham crise de consciência, mas o filme é polêmico’. ‘Para tratar de um

assunto relacionado a pessoas que ainda estão vivas, tinha de ser documentário’, afirma a

psicóloga Luiza Rodrigues de 38 anos. ‘A gente tende ficar explicando para o filho que não foi

bem assim’. Luiz Eduardo, seu filho de 13 anos, admite que se não fossem os comentários da

mãe, não acharia o filme parcial. E garante: ‘dos filmes brasileiros que eu já vi, esse foi o

melhor’"134.

Veremos a seguir o porquê de tantas discussões entre o diretor e os ex-militantes

com relação ao filme. E entender onde o senso comum se encaixa em tudo isso.

3.2 A POLÊMICA

Um filme de cunho histórico, como “O que é isso, Companheiro?”, tem o mérito

de trazer para o presente, ou seja, para os nossos dias, algo que já havia ocorrido, e que

se encontrava no passado como que adormecido.

Como já afirmamos, este filme é uma das possíveis formas de se ver o passado.

Existem várias “verdades” sobre um mesmo fato histórico, depende de qual

“representação” a sociedade aceita ou acredita como sendo a verdade. O livro “Passado

Imperfeito: A História no Cinema”135 nos dá um bom referencial sobre as liberdades

ficcionais que os cineastas utilizam para darem brilho às suas películas. A História é

descrita no livro como um “grande celeiro a ser pilhado”. Ela, a História, serve como

tema de partida para se construir sua forma cinematográfica. Diretores e roteiristas, a

partir do fato histórico, acrescentam ou eliminam dados, manipulam tudo o que for

possível, para construírem algo (uma representação do ocorrido), que agrade às platéias,

134 DUARTE, Sara. "Público espera História Real". Jornal da Tarde, 11/05/1997, p.1C. 135 CARNES, Marc C. (org.) Passado Imperfeito: A História no Cinema. Rio de Janeiro: Record, 1997.

104

que lotem as salas de cinema e que promovam o sucesso e a comercialização do filme.

Existe ainda algo que já virou regra de marketing: nos anúncios sempre se coloca

“baseado em fatos reais”. Estas simples palavras que buscam apoio na história, dão

incrível peso e força aos longa-metragens.

Tanto Bruno Barreto, quanto Leopoldo Serran, sabem muito bem desta regra, e a

utilizaram em seu filme. Aliás, foram estas licenças poéticas, manipulações, que

causaram os principais temas da polêmica.

Diversas pessoas vieram a público para repudiar a forma como o filme retrata o

período, talvez o exemplo mais significativo seja a produção do livro “Versões e

Ficções: O Seqüestro da História”136. Neste livro encontramos diversas críticas, que

contestam o filme nos seguintes aspectos: infeliz no tratamento dado àquela geração,

falta de fidelidade histórica, filme apolítico, enaltece a imagem do personagem Paulo,

recupera os anos 60 com um prisma conciliador, apropriação da memória, generosidade

com o torturador, ditadura não comprometida com a tortura, guerrilheiros sectários e

idiotas, apresenta o personagem Jonas diferente do sujeito histórico, entre outras

acusações.

Segundo o cineasta Renato Tapajós, que foi membro da Ala Vermelha do PC do

B :

"Há um outro aspecto que diz mais diretamente respeito à linguagem cinematográfica utilizada. Bruno Barreto domina a narrativa clássica do cinema. Mas a opção que faz, num filme que se pretende de ação, de desdramatizar cinematograficamente as seqüências mais tensas resulta, ainda uma vez, num retrato falso. O filme não é capaz de sugerir, nem de longe, a tensão e a adrenalina que banhavam a vida clandestina nas organizações armadas. Parece tudo muito burocrático, muito banal. Até mesmo as ações armadas (assalto ao Banco, seqüestro do embaixador) a tortura e a vida no aparelho são apresentadas sem muitos sobressaltos. Há um certo clima blasé, uma ponta de tédio, uma banalidade suburbana em tudo o que acontece. Isso é gerado pelas escolhas formais de direção: enquadramentos, cortes, ritmo, tom da interpretação. Não nos parece deficiência do domínio da linguagem cinematográfica quando o diretor quer criar uma cena tensa e profundamente emocional (a cena do aeroporto, quando a guerrilheira chega na cadeia de rodas), ele consegue, com admirável economia de recursos. É uma escolha. Que não podia deixar de ser. Tudo o que se discutiu neste texto é o resultado das escolhas feitas na roteirização e na direção do filme. Escolhas em última instância ideológicas. O filme é o que é, não pelo fato de ser ficção ou

136 REIS F.º. Daniel Aarão et. Al. Versões e Ficções: O Seqüestro da História. 2ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997.

105

entretenimento; ele é o produto de escolhas ideológicas que lhe dão um perfil conservador, ainda que moderno. Neoliberal, na verdade".137

César Benjamim, hoje editor da Editora Contraponto, foi membro da Dissidência

Comunista da Guanabara em 1969, e que após o seqüestro assumiu o nome de

Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Ele faz críticas com relação ao

roteiro, comparando-o como se fosse do grupo “Casseta e Planeta”. Acusa a direção de

disseminar discussões imaginárias, justamente para provocar polêmica, pois isto sim

vende, e encobre a pobreza do roteiro do filme em questão. Desaprova a forma como a

tortura é apresentada, o personagem Jonas e, principalmente, contesta a forma como o

personagem Paulo (Fernando Gabeira) aparece na película138.

Franklin Martins, que também foi membro do MR-8 em 1969, e hoje é jornalista

na Rede Globo, contesta o filme de Bruno Barreto. Para ele o filme executa moralmente

o sujeito histórico Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, pois o apresenta de uma forma

distorcida, como um monstro e, em contrapartida, o torturador é humanizado. Barreto e

Serram são acusados de apartidários, de sempre ficarem no muro, e para Franklin isso é

“indício de superficialidade, de insegurança”139.

Celso Horta, hoje jornalista, foi membro da Aliança Libertadora Nacional (ALN)

em 1969 e testemunhou o espancamento de Virgílio e sua luta contra os torturadores,

contesta a forma como o filme o apresenta para as novas gerações140.

Diante de todas estas acusações, Bruno Barreto se defende afirmando que o filme

é só uma ficção, que várias partes foram inventadas, que seu filme é apolítico, mas está

comprometido politicamente, que ambos os lados estavam errados com seus

radicalismos, e, por isso mesmo, nunca faria um hino à luta armada, como também

jamais realizaria uma exaltação ao regime militar. Para ele, os guerrilheiros

mistificaram aquela época, e queriam que o filme partilhasse o mesmo (mocinhos contra

bandidos)141.

137 TAPAJÓS, Renato. Versões e Ficções: O Seqüestro da História. In: Qual é a tua, companheiro?. 2 ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 179. 138 BENJAMIN, César. “Cinema na era do Marketing”. In: Versões e Ficções: O Seqüestro da História. 2 ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 93. 139 MARTINS, Franklin. “As duas mortes de Jonas”. In: Versões e Ficções: O Seqüestro da História. 2 ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 117. 140 HORTA, Celso. “Jonas um brasileiro”. In: Versões e Ficções: O Seqüestro da História. 2 ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 125. 141 CALIL, Ricardo. Para os Barreto, filme é só ficção. Jornal da Tarde, 11/05/1997.

106

3.2.1 Fernando Gabeira/Paulo

Uma abordagem também considerada polêmica, foi o enriquecimento do

personagem Paulo (Fernando Gabeira). Já vimos como ele foi construído pelo diretor,

agora vamos ressaltar alguns elementos para que possamos compreender melhor.

Para começar gostaríamos de lembrar que Fernando Gabeira era responsável pelo

jornal do MR-8 e não havia até então participado de ações armadas. Ele realmente

morava na casa onde o embaixador foi escondido, mas não sabia nada sobre a operação

de seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. De acordo com a

construção de Bruno Barreto, a idéia de seqüestrar Elbrick teria sido dele, assim como a

autoria da carta manifesto. Na realidade quem a redigiu foi Franklin Martins.

Com relação à passagem em que ele esteve prestes a executar o embaixador, esta

também não existiu. Fernando Gabeira também não participou do interrogatório do

embaixador. Ele era um militante de segundo escalão dentro da organização. Foi

encarregado de cuidar do paletó de um militante mais graduado, coisa que não fez, e por

causa disso a repressão conseguiu agarrar seu primeiro prisioneiro, Cláudio Torres.

Ao contrário do que o filme mostra, Fernando Gabeira só faz o balanço do

fracasso da luta armada no exílio quando repensa sua trajetória, e os acontecimentos que

testemunhou. Em 1979, quando lança seu livro “O que é isso, Companheiro?”, através

da sua memória e das reflexões coletivas no exílio, Gabeira recria sua participação, e

promove um acerto de contas com as esquerdas. Ele nos conta a sua visão dos

acontecimentos, e ao vender os direitos autorais do livro a Barreto, permite que este

recrie livremente sobre o mesmo. "O guerrilheiro Fernando Gabeira, 52 anos, é quem

menos quer entrar na discussão. Vendi o direito de filmagem para eles, e dei completa

liberdade, ajudando o quanto pude na pesquisa. Cada linguagem têm sua

autonomia"142. Acrescenta ainda: "Eu acho que o filme é fiel ao livro e às minhas

concepções sobre o que se passou, desde que você não entenda a palavra fidelidade

como algo literal. Houve um acordo entre mim, Leopoldo Serran (roteirista) e o Bruno

Barreto (diretor), que eles teriam liberdade, que eu não iria interferir"143.

142 BARROS, André Luiz. Guerrilha nos bastidores. Jornal do Brasil, 09/07/1995. 142 143 CAVERSAN, Luiz. Gabeira não se vê em personagem do filme. Folha de São Paulo, 10/05/1997.

107

Sobre estes aspectos, Bruno Barreto afirma que vários episódios do filme foram

inventados por necessidades ficcionais. "Gabeira não escreveu o manifesto do grupo de

seqüestradores, ele não sabia dirigir, não sabia atirar, alguma coisa ele tinha de fazer

para se tornar um personagem"144. O próprio Gabeira, reconhece: "No filme eu pareço

melhor do que sou"145.

Como poderemos perceber, diferentemente dos outros ex-guerrilheiros, Fernando

Gabeira não está preocupado com o retrato que foi construído, pois para ele é apenas um

filme onde são apresentados painéis psicológicos da luta armada através de

representantes da ação:

"As pessoas que se sentem prejudicadas vão sofrer inutilmente, e as que se sentem beneficiadas vão se alegrar estupidamente. Você tem que se acostumar com essa relação com a ficção. Outros filmes virão sobre este momento histórico e os artistas vão se apropriar da maneira deles, queiram os personagens da história ou não"146.

3.2.2 Vera Silvia Magalhães/Maria e Renée

Na película “O que é isso, Companheiro?” existem dois personagens femininos,

Maria (Fernanda Torres) e Renée (Claudia Abreu). Estas personagens geraram bastante

polêmica, principalmente pelo fato de a ex-guerrilheira Vera Silvia Magalhães ter se

sentido mal representada, com todas as implicações que isto significa, afinal, ela foi a

única mulher a participar do seqüestro do embaixador americano, e mais: foi ela quem

fez o levantamento e descobriu a falha no esquema de segurança da embaixada. Em

1969, Vera Silvia Magalhães tinha vinte e um anos de idade. Participou da ação, mas

não ficou na casa, o cativeiro.

No entanto, o retrato que o filme constrói através das personagens femininas,

extrapolou e muito, aquilo que para ela seria tolerável enquanto elemento ficcional.

Em uma entrevista, a guerrilheira Vera Sílvia Magalhães diz se sentir “retratada

na duas personagens femininas do filme” e que ficou bastante irritada ao saber que no

filme Renée passa a noite com o chefe da segurança da embaixada norte-americana para

conseguir informações sobre a rotina do embaixador:

144 CALIL, Ricardo. Para os Barreto, filme é só ficção. Jornal da Tarde, 11/05/1997. 145 BUTCHER, Pedro. Liberdade dramática nos anos de chumbo. Jornal do Brasil, 23/03/1997, p.04. 146 CAVERSAN, Luiz. Gabeira não se vê em personagem do filme. Folha de São Paulo, 10/05/1997.

108

“Não houve nada disso. Todo mundo sabe, é uma coisa cultural, a mulher oferece mais segurança para uma atividade dessas. Você pode jogar com a sedução, mas sem ir às vias de fato. Nunca tive relação com segurança algum. Não cabia na nossa cabeça transar com um segurança da embaixada norte-americana ou de um Banco. Para que ir para cama? Conseguíamos sempre o que queríamos só com uma pequena aproximação. Eles tinham uma visão de mulher bastante limitada”147. Em outra oportunidade: "Não estava no nosso universo o uso da sensualidade como mercadoria. Não é por moralismo, mas jamais "daria" para o chefe da segurança para conseguir informações diz Vera, que hoje trabalha na Secretaria Estadual do Planejamento do Rio"148.

Sobre esta cena e suas implicações, Mário Maestri e Carlos Henrique Serra,

também se posicionaram:

“É clara a apresentação misógina de uma da militantes. Bruno Barreto utilizou, nas suas palavras, ‘recurso ficcional’, para criar esta cena. Quando do ‘levantamento’ da rotina do embaixador, a militante relaciona-se sexualmente com o chefe da segurança da embaixada, afim de cumprir sua ‘missão revolucionária’. Para acrescer tensão à cena, o responsável pela segurança é negro, baixinho, mais velho e de classe social inferior à da militante. Recurso estético que deveria ser melhor analisado nas suas paradoxais implicações. Na cena seguinte ao amanhecer, presenciamos a militante chamando pai pelo telefone. E quando ele desliga, abruptamente assistimos perplexos a guerrilheira mergulhar no desamparo e choro. O que não deixa de sugerir que ela estivesse afogando na luta armada seu complexo de Electra não resolvido. Não há problema em que a verdadeira militante negue enfaticamente a versão de Bruno Barreto dos fatos. Ele tem total direito de plasmar a realidade, para melhor configurar sua obra. O problema é que Bruno Barreto constrói arbitrariamente cenários que contradizem radicalmente com o comportamento e o espírito dos que retrata, criando personagens e situações frágeis, pois inverossímeis. A sedução sexual de um funcionário da embaixada norte-americana por uma militante era ação absolutamente impensável, nas organizações dos anos 70, por questões políticas, éticas e de segurança. Mais ainda esse comportamento paradoxal materializa arbitrariamente a velha acusação de que os marxistas, ‘os fins justificam os meios’, merecia também melhor discussão a apresentação por Bruno Barreto de sua protagonista sob a dupla essência de mulher ‘vagabunda’ e ‘frágil.’ Isto é, as duas tradicionais representações machistas da mulher no Brasil"149.

Os autores acima citados, ainda tecem a seguinte crítica:

“Outro momento igualmente perverso em relação à mulher é o deplorável diálogo dos torturadores no qual sabemos que Pessanha, um terceiro torturador, casara-se com sua vítima, sua ‘predileta’, já que esta ‘tomara gosto pelo vício da tortura’. No filme, jamais a tortura é criticada contundentemente. Nesse diálogo,

147 SALEM, Helena. "Ex-militante inspira personagens femininos". In : Versões e Ficções: O seqüestro da História. 2ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 66. 148 GRILLO, Cristina. “O que é isso Companheiro? Traz polêmica e quer Oscar.” Folha de São Paulo. São Paulo, 01/05/1997, p. 1. 149 Ibidem.

109

é transformada numa relação sado-masoquista entre torturador e torturado capaz de produzir ‘gozo sexual’. Com essa leitura misógina e erotizante, legitima-se a tortura, recurso das elites nacionais inscritos na nossa história, desde o período colonial”150.

Em seu artigo, "As mulheres guerrilheiras do Brasil e da Argentina (décadas de

60 e 70) uma análise comparativa da literatura", Matilde Rodrigues, faz um balanço da

história das organizações que pegaram em armas no Brasil, ressaltando a participação

feminina, que sempre teve sua presença registrada. A autora ainda enfatiza que as

mulheres não lutavam apenas por uma causa, mas também, contra o conservadorismo, o

machismo dentro e fora das suas organizações. Vejamos um trecho em que ela cita Vera

Sílvia Magalhães:

“Para nós, mulheres, a militância era uma faca de dois gumes. O significado desta comparação está no pressuposto de que a militância era para elas uma forma de afirmação social, ao mesmo tempo que representava viver a confusão de papéis entre a resistência à dominação e o reconhecimento das diferenças sexuais. As mulheres que participaram das organizações armadas, além de lutarem contra a repressão, tinham que lidar com o machismo dentro das mesmas. Acontecia, Vera Sílvia Magalhães, é um exemplo, mas, era muito difícil para as mulheres chegarem a posições de comando dentro do grupo. E quando alcançavam tal posto, elas eram sempre minoria”151.

Bruno Barreto parece ter pretendido retratar dois tipos de mulheres. Uma (Maria)

encarna a politicamente engajada, que busca um ideal, derrubar a ditadura; a outra

(personagem Renée), é o tipo doce e problemático, rejeitada pela família busca

“reconhecimento” em outros ambientes, ou grupos.

O filme, enquanto obra de ficção, permite ao diretor criar, lançar vôos livremente.

Mas quando se busca a verossimilhança com o fato já ocorrido, que é o caso de “O que

é isso, Companheiro?”, precisamente dos personagens de Maria e Renée que possuem

equivalência com as ações de Vera Sílvia Magalhães, sujeito histórico, que, como

vimos, participou ativamente do seqüestro, acreditamos que é preciso ter pelo menos

alguma consideração para com o mesmo.

Bruno Barreto não se preocupou com isso, ou não a levou em conta, pois criou

cenas desnecessárias que só servem para gerar polêmica. Ou melhor, não nos

esqueçamos que este filme não é para brasileiros, de modo que essas “invenções” não

150 Ibidem. 151 RODRIGUEZ, Matilde. "As mulheres guerrilheiras do Brasil e da Argentina (décadas de 60 e 70) uma análise comparativa da literatura". In: Revista Estudos de História, v.8, nº 1, Franca: Olho d'Água, 2000, p.95.

110

tem tanto, ou peso algum. Deste modo, o diretor de maneira profissional e competente

conta a sua “história”, deslocando completamente o sujeito histórico.

3.2.3 Virgílio Gomes da Silva/Jonas

Virgílio Gomes da Silva, codinome na vida real Jonas, foi o comandante da ação

que seqüestrou o embaixador americano Charles Elbrick. Nasceu em 15 de agosto de

1933, em Santa Cruz, Rio Grande do Norte. Operário da indústria farmacêutica, casado

com Ilda Martins da Silva, pai de quatro filhos, era um homem de caráter.

Politicamente, começou militando no PCB (Partido Comunista Brasileiro). Em 1967,

deixa o PCB e vai para a ALN (Ação Libertadora Nacional), organização de esquerda

liderada por Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, passando a atuar em ações

armadas após receber treinamento militar em Cuba. Comandou doze ações armadas,

mas, sua principal missão foi o comando do seqüestro do embaixador americano,

Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969. Sob torturas e espancamentos horríveis,

morreu em São Paulo, no dia 29 de setembro de 1969. Abrimos parênteses para ressaltar

que no livro de Fernando Gabeira, Jonas está praticamente ausente, pois a este foram

dedicadas apenas quatro linhas.

Os ex-guerrilheiros ligados à ação repudiaram a forma como Virgílio Gomes da

Silva foi retratado no filme: uma pessoa cruel, fria, que intimida os próprios

companheiros.

O historiador Daniel Aarão Reis nos ajuda a exemplificar melhor, o papel que o

filme “O que é isso, Companheiro” reservou ao personagem Jonas, e a sua diferença

com relação ao sujeito histórico “real”:

“No interrogatório de Elbrick, Jonas parece um alucinado. Encostando o cano da pistola na cabeça do embaixador, ameaça diversas vezes matá-lo, num misto de gozo e desequilíbrio que deixa a platéia em pânico, afinal, o assassino está no comando de um grupo de guerrilheiros de araque. Mas o Jonas do filme não se limita a ser um animal feroz com os inimigos. É também um tremendo mau caráter com os companheiros. Na versão de Barreto/Serran, Jonas passava o tempo todo fazendo intrigas e tentando desqualificar aqueles que não pertenciam ao seu grupo. Como se isso fosse pouco, ainda teria manipulado a escala de guarda do diplomata. Para que o turno da possível execução de Elbrick tocasse ao guerrilheiro intelectual, que desde o primeiro momento, ele odiou e perseguiu. Não há dúvida: trata-se de um sujeitinho, de um recalcado, da pior espécie. Terá

111

o Jonas do filme algo a ver com o Jonas da realidade? Conheci este último durante o período curto de 2 a 7 de setembro de 1969, quando participamos juntos do seqüestro do embaixador norte-americano. Nossa convivência foi curta, mas devido a circunstância intensa. Posso assegurar que o Jonas do filme é um insulto ao Jonas da vida real. A sessão inicial de advertência nunca existiu, em momento algum do interrogatório o embaixador foi ameaçado com uma arma na cabeça; as intrigas e mudanças de escala atribuídas a Jonas não passam de invencionices. Durante todo o seqüestro ele comportou-se como deveria se comportar a testa de uma ação como aquela. Era um homem valente e determinado, tranqüilo e atento, entusiasmado, mas com os pés no chão”152.

Vera Sílvia Magalhães que conviveu com Jonas, durante a ação do seqüestro do

embaixador americano Charles Burke Elbrick, se manifestou dizendo:

"Jonas era um quadro de origem camponesa, ele estava ali porque era um comandante militar mesmo. Jonas sabia manter a ordem, a disciplina, coisas fundamentais para uma ação, e ele dizia que quem corresse durante uma ação ele atirava primeiro no militante depois no policial, mas ele não falava que quem desobedecesse ele matava! Jonas foi um cara heróico que morreu estraçalhado na tortura, esquartejado, tinha tudo na mão, até mesmo onde ia ser a guerrilha rural, não abriu nada. Também não houve isso do Gabeira ser designado para matar o embaixador.”153

A viúva de Virgílio, Ilda Martins da Silva atualmente com 66 anos, alega também

não ter reconhecido o marido no Jonas do filme:

“O nome e os fatos são os mesmos. Mas meu marido, não era nada do que o filme mostra, uma pessoa sem caráter e sem coração. Ele era humano, decidido e inteligente. Respeitava os companheiros. Não era a escória, o assassino frio do filme. Ele era trabalhador, honesto e sincero. Era um bom marido e um bom pai. Desejava o melhor para os seus filhos e para o povo brasileiro. Indignados, Ilda e seus filhos (Gregório 24 anos, Vladimir 36 anos, Virgílio 34 anos e Isabel com 28 anos) decidiram processar os produtores de “O que é isso, companheiro?”, Luiz Carlos e Lucy Barreto”.154

A esse respeito, a produtora Lucy Barreto declara ter cometido um erro ao chamar

o personagem vivido por Mateus Nachtergaele de Jonas.

"Faço aqui um ‘meia-culpa’ de que, como produtora do filme, foi um erro chamar aquele personagem de Jonas’. ‘Deveríamos ter dado outro nome’, disse a produtora, que também afirmou desconhecer a posição da família de Virgílio, que pretende processar a produtora LC Barreto por danos morais. ‘Nossa família se sentiu muito ofendida com a caracterização do personagem’, afirmou Vladimir Gomes, 36 anos, filho de Virgílio. Mesmo que o nome fosse outro, aquele personagem continuaria sendo meu pai, por que as funções que ele tinha eram as mesmas do Virgílio. Em relação a um possível processo, não há com que se

152 REIS F.º. Daniel Aarão et. Al. Versões e Ficções: O Seqüestro da História. 2ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997, pp.117-119. 153Ibidem, p. 65. 154LEITÃO, Sérgio S. As Duas mortes do companheiro Jonas. www.dhnet.org.br/memória. 03/06/2002.

112

preocupar, já que o letreiro que é exibido no início do filme deixa bem claro que trata-se de uma obra de ficção, disse Lucy Barreto”.155

De acordo com os guerrilheiros, Jonas foi assassinado duas vezes. A primeira pelo

truculento regime militar e a segunda pelo filme “O que é isso, companheiro?”. Alegam

que Virgílio é retratado de forma injusta na película, o que gerou como vimos,

indignação, protestos, e um resgate de sua imagem.

Ao nosso ver, o diretor Bruno Barreto, ao agregar elementos que não condizem

com o Virgílio Gomes da Silva descaracteriza o sujeito histórico. Esta operação não foi

aleatória, faz parte de uma escolha que visa garantir o sucesso do filme (não prioriza a

identidade nacional, lembremos que ele visa o mercado internacional). Ele comete um

“erro” com relação a este personagem quando agrega elementos. Nosso julgamento se

baseia nos próprios passos do diretor. No início de sua película, ele nos dá indicações de

que a obra é “baseada em história verdadeira”. Como na vida “real”, o comandante do

seqüestro atendia pelo pseudônimo de Jonas e era militante da ALN em São Paulo, tinha

treinado guerrilha em Cuba, e possuía experiência em ações armadas urbanas. O

personagem do filme, além do mesmo nome Jonas, tem as mesmas referências.

Informações históricas no início da fita transportam o espectador ao tempo onde os fatos

ocorrem (1969), na cidade onde os mesmos aconteceram, Rio de Janeiro, e ao contexto

político em que o país vivia na época, a ditadura militar. Somando-se a isso, o

embaixador seqüestrado no filme também se chama Elbrick e as datas são as mesmas do

seqüestro “real”.

Realmente existem semelhanças entre sujeito histórico e personagem. Mas as

divergências também são imensas. Em primeiro lugar, a abordagem dada ao

personagem Jonas, a forma como ele é apresentado ao público, significa uma posição

política que não é somente do diretor Bruno Barreto, mas de um “grupo social”.

Com relação à sua argumentação de que o filme é uma obra de ficção, e portanto,

ele teria liberdade para criar é válida, mas, quando se utilizam nomes verdadeiros, a

época, o local, o contexto político, o fato que já ocorreu, buscando produzir um efeito

de verdade, o argumento da ficção se esvazia. Pessoas e acontecimentos existiram, e

155NEGROMONTE, Marcelo. “Produtora de ‘O que é isso...’admite erro”. Folha de São Paulo. São Paulo, 06/06/1997, p, 5.

113

entendemos que algum compromisso com a “verdade” deve ser mantido, caso contrário,

é preciso ter plena consciência dos embates que irá enfrentar156.

3.2.4 Torturador/Henrique

Neste item iremos ressaltar o personagem Henrique. Já vimos como ele foi

construído pelo diretor Bruno Barreto: um policial torturador, que alega ter crises de

consciência “por ter que torturar crianças inocentes, lideradas por uma escória” (cena

em que argumenta com a mulher sobre sua nova função no órgão de repressão), mas que

em momento algum, cogita a possibilidade de não executá-la, ao contrário, é

determinado e obstinado em cumprir sua função157.

Sobre a construção deste personagem Bruno Barreto e o roteirista Leopoldo

Serran, alegam que:

"Entrevistamos ex-militantes, a filha do embaixador e funcionários que trabalhavam na embaixada. Mas passamos meses tentando entrevistar militares que tenham participado de sessões de tortura e não conseguimos’. Ele acredita que a impossibilidade de ouvi-las esta refletida no filme. "Como não conseguimos falar com eles, o personagem do torturador é totalmente ficcional. Ao contrário dos militantes que são sete, ele é apenas um e tive de concentrar nele várias características. Talvez por isso, ele seja mais complexo". Acredito que se as pessoas envolvidas na ditadura se recusam a falar hoje, devem estar muito culpadas ou perturbadas pelo que fizeram. Acho que o fato de o torturador ser humanizado no filme e não ser um personagem completamente malvado, o torna ainda mais nocivo e detestável".158

O impacto desse personagem sobre os guerrilheiros acirrou ainda mais a

polêmica, vejamos a seguir alguns posicionamentos:

Fernando Gabeira, ex-guerrilheiro e participante do seqüestro, que também

colaborou para a realização do filme ao vender os direitos de seu livro, “O que é isso,

Companheiro?”, enfatiza:

156 A família de Jonas conseguiu receber na justiça uma indenização por danos morais, devido ao mau uso da imagem do ex-guerrilheiro. A sentença foi dada pelo juiz Marcos Alcino de Azevedo Torres. Jornal do Brasil, 14/12/2000. www.jb.com.br. 157 Ver apresentação do enredo, capítulo II, cenas de afogamento e tortura no pau-de-arara. 158VELLOSO, Beatriz. “ Barreto afirma que evitou maniqueísmo em seu longa". O Estado de São Paulo. São Paulo, 08/05/1997, p. D6.

114

“Quanto à ambigüidade do personagem do torturador, eu já tinha mostrado que

o torturador brasileiro podia ser um bom pai de família, um bom oficial. Mas era um

torturador, um profissional" 159; Gabeira demonstra que o oficial - torturador era

recrutado na classe média, que ele dificilmente torturava, sua função era conduzir e

analisar a seção. Para os espancamentos haviam outras pessoas, tudo dentro de uma

rígida hierarquia.

Daniel Aarão Reis, membro da direção do MR-8, também se posiciona sobre a

questão:

"O torturador tem suas crises de angústia apenas depois do expediente, e o filme lhe dá espaço para se justificar, no fundo até dá um certo crédito a suas razões, o que torna seu discurso e seu mau estar pura retórica. Em vez de examinar o conflito entre violência e consciência, o filme tenta diminuir a responsabilidade do o ficial - torturador, apenas para mostrar que além de ter uma noção clara do certo e do errado, quando erra, ele se sente culpado”160;

A esse respeito, Vera Silvia Magalhães argumenta:

“Na minha tortura não havia nada de angústia dos torturadores. Diziam-me que eu seria torturada como Jesus Cristo, era uma sexta-feira Santa. E fui torturada como um homem. A mulher do Lobo (Amilcar Lobo, o psiquiatra que mais tarde seria denunciado como torturador, era marido da costureira de minha mãe e, quando ela soube da história, expulsou-o de casa. Ele a tinha levado até nossa casa. Isso é conflito ou esquizofrenia? O lobo torturou o Daniel, a mim não. Ele era metido a sedutor, mas muito bruto, parecia um psicopata. Eles não eram débeis mentais, montaram um esquema. Todas as hipóteses são viáveis, mas acho que a mais viável é a de que estavam numa missão, a de nos destruir”161.

Neste sentido, Daniel Aarão Reis ainda enfatiza que:

“Nem Virgílio era um bugre, nem a tortura se resumia a afogamentos e pau-de-arara. Haviam também choques elétricos, abusos sexuais e pancadas. Muita pancada. Foram poucos torturadores que revelaram dramas existenciais. Também foram os Generais, Almirantes e Brigadeiros que relevaram dramas de consciência por terem ordenado e acobertado as torturas praticadas por Tenentes, Capitães e Majores. Devolvido o poder aos civis, essa inconsciência mudou de roupa e parou-se de torturar no andar de cima. Diadema e Cidade de Deus estão aí para não deixar ninguém mentir. Naquela época, o advogado Marcelo Alencar defendia presos políticos. Hoje, diz que entre os surrados de Cidade de Deus ‘não há nenhuma Virgem Maria.”162

159CAVERSAN, LUIZ. “Gabeira não se vê em personagem do Filme”. Folha de São Paulo. São Paulo, 10/05/1997, pp. 4-14. 160REIS F, Daniel Aarão et al. Versões e Ficções: O seqüestro da História. 2ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 56. 161 Ibidem p. 68 162Ibidem p. 114.

115

Com base nesses depoimentos e nos argumentos do diretor, entendemos que o

filme poderia abordar e denunciar a tortura de forma mais abrangente. Afinal, estamos

em um período democrático e o diretor teria liberdade para tal. Mas, como verificamos,

eles optaram, se posicionaram, em mostrar uma tortura “branda”, que segundo Daniel

Aarão Reis, quase não dói “no corpo ou no espírito”. Neste ponto concordamos com as

críticas, quando dizem que o filme promove uma conciliação com a ditadura militar na

medida que omite e diminui sua responsabilidade sob os atos cometidos.

Bruno Barreto e Leopoldo Serran disseram que queriam expressar ao mesmo

tempo “tanto a motivação dos militantes quanto a do torturador”, mostrar que “a

extrema direita e a extrema esquerda são duas pontas de uma mesma ferradura”. Neste

sentido, o filme busca através das atitudes de uns, justificar as ações de outros, ou seja,

devido ao aumento da escalada de violência praticada pelos grupos da esquerda armada

no decorrer da ação é que o Estado teve que “endurecer” também, para assegurar a

ordem e o bem estar social da maioria em nosso país.

O filme de Bruno Barreto confere ao torturador, com seu drama de consciência,

um sentimento “recalcado” de culpa, o que acreditamos ser muito improvável, pois os

homens “dispostos” a este tipo de trabalho geralmente não nutrem tais sentimentos. O

torturador podia ter família, amigos, mas remorso de suas ações acreditamos que não.

A humanização do torturador no filme pode induzir no público a seguinte dúvida:

Será que ele torturava porque era obrigado? Como já falamos, a tortura era uma política

de Estado e o torturador era um profissional, muito bem selecionado.

Portanto, quando analisamos os argumentos do diretor, as críticas dos

comentaristas e os argumentos dos guerrilheiros, acreditamos que o filme, no mínimo,

deixa a desejar sobre este aspecto, pois ele omite, ou melhor reelabora, o que foi a

tortura durante o regime militar, criando uma nova versão dos fatos para o público atual.

3.3 A DISPUTA PELA MEMÓRIA

A memória é uma faculdade humana que nos permite relembrar algo que

passamos, ou que não queremos esquecer. Ao falarmos dela, estamos fazendo referência

116

ao poder, pois é isso que ela representa. Geralmente há uma disputa social, em que

alguns tentam universalizar a sua memória para os demais.

"Toda memória é fundamentalmente criação do passado, uma reconstrução engajada do passado e que desempenha um papel fundamental da maneira como os grupos sociais mais heterogêneos apreendem o mundo presente e constróem sua identidade, inserindo-se assim nas estratégias de reivindicação a um complexo direito ao reconhecimento". O que é aqui colocado em primeiríssimo plano é, a relação memória e (contra) poder, memória e política.

A memória é ativada visando, de alguma forma, o controle do passado (e portanto do presente). Reformar o passado em função do presente via gestão das memórias, significa antes de mais nada, controlar a materialidade onde a memória se expressa (das relíquias aos monumentos, aos arquivos, símbolos, rituais, datas, comemorações...). Noção de que a memória torna poderosos aquele(s) que a gere(m) e controla(m)"163.

Este enunciado é a base para entendermos o porquê de tanta polêmica em torno do

filme “O que é isso, companheiro?”. Relembrar, buscar no passado (operação da

memória) um fato e trazê-lo para o presente. À primeira vista, esta pode parecer uma

operação espontânea, pois a memória tem esta característica, mas não nos enganemos.

Estamos diante de uma "guerra" pela memória.

Em um dos lados, se encontra a esquerda que pegou em armas, e que como vimos

no capítulo um, foi fortemente inspirada pela teoria do foco guerrilheiro. As

organizações eram compostas, em sua grande maioria, por jovens estudantes, que

passaram a acreditar no poder e na inovação que representava a “vanguarda

revolucionária”.

No contexto dos acontecimentos (1969-1972), os guerrilheiros não sabiam que o

seu grande exemplo, Cuba, não tinha começado do nada como dizia ser possível o

foquismo. Em Cuba existiu uma grande mobilização social, que apoiava os guerrilheiros

contra o ditador Batista. Este equívoco justificaria o erro de estratégia dos grupos

armados no Brasil? Acreditamos que não, visto que a opção pela luta armada não foi

unânime, causando muitas baixas dentro das organizações e muita discussão entre os

que ficavam.

A esse respeito Marcelo Ridenti nos aponta:

"No processo em que se inicia a militarização da Ala Vermelha, muita gente se afasta, por não se visualizar dentro de um processo armado. Ocorreu um

163 SEIXAS, Jacy Alves de. "Percursos de memórias em terras de história: problemáticas atuais". Memória e (re)sentimentos: indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Edunicamp, no prelo, p. 89.

117

processo de seleção, não só na ALA, no PCBR, dos 1.600 filiados, militantes que nós tínhamos, ficamos reduzidos a muita pouca gente no decorrer de 69 e 70".164

Dentro das organizações existia um processo de autocrítica, que discutia o

trabalho de massa ( junto a sociedade) versus o militarismo imediato. Os equívocos e

erros de lideranças em persistirem no caminho armado, provocaram a destruição dos

seus respectivos grupos. Para enfatizar que já havia discussões sobre o insucesso da luta

armada imediata, vamos recorrer a um documento de 1969 que nos é apresentado pelo

historiador Alcides Freire Ramos:

"A concepção do foco não assegura, de forma alguma, o apoio das massas à sua ação, não garantindo sua integração paulatina às ações armadas, permanecendo isolado delas. O foco se constitui mesmo no maior entrave ao desenvolvimento de ações armadas capazes de levar ao estabelecimento concreto da luta armada no país. Diante das investidas da contra-revolução as correntes revolucionárias pequeno-burguesas lançam-se em atividades militares isoladas das massas. Estas correntes estão fadadas ao fracasso, por desprezarem o potencial de luta das massas, por não reconhecerem nesta o único recurso seguro para o êxito da revolução. O erro básico das correntes vanguardistas, militaristas, reside em não aplicar uma linha de massas, em não considerar a revolução como luta de classes. Confundem o papel da vanguarda, que não significa fazer a revolução pelas massas, em seu lugar"165.

Além dos erros das lideranças, individual ou coletiva, por persistirem em um

caminho de violência, por não se voltarem para o trabalho de massa, outros fatores

contribuíram para que o regime militar os eliminasse. Entre eles, as grandes campanhas

publicitárias em que guerrilheiros eram transformados em terroristas para a opinião

pública além do aperfeiçoamento do aparelho repressivo do Estado que contava com o

uso sistemático da tortura como política de intimidação.

Somando-se a esse quadro, ocorre ao nosso ver, o maior problema de todos: o

isolamento dos grupos em decorrência da perda de militantes que não acreditavam na

luta armada imediata e de base social, pois a sociedade brasileira não se familiarizava

com os métodos e táticas dos guerrilheiros.

Com relação a essa discussão, Marcelo Ridenti nos ajuda, dizendo:

"Se não houver enraizamento no movimento da sociedade, eles tenderão a ser eternos guetos, seitas sujeitas a constantes e sucessivas divisões internas. Onde houver perseguição política, a tendência é a destruição das organizações que não tiverem nenhuma sintonia com a luta de classes. Parece que foi

164RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: UNESP, 1993, p. 249. 165 RAMOS, Alcides F. O Canibalismo dos Fracos: Cinema e História do Brasil . Bauru: EDUSC, 2002, p. 286.

118

justamente o que ocorreu com os grupos armados urbanos de esquerda a partir de 1970: ao perderem, de vez, a sintonia com o devir da sociedade brasileira, ao deixarem de encontrar inserção nos movimentos sociais, desenraizando-se, tornaram-se marginais à dinâmica da realidade social e política; então as organizações passaram a viver uma lógica de sobrevivência (contra os ataques da polícia), e de auto destruição (pelos constantes questionamentos e cisões, gerados na incompatibilidade crescente entre a lógica interna de sobrevivência política do grupo armado e o movimento da sociedade mais abrangente)"166.

Os apontamentos acima levantados demonstram que os grupos armados erraram

ao promover a luta armada imediata e ao persistir no erro, mesmo com as discussões de

autocríticas que já se faziam presentes. Aspecto esse que revela falta de visão

estratégica em termos militares, e uma certa imaturidade para reconhecerem seus

equívocos e sua derrota.

Se os ex-guerrilheiros pegaram em armas para resistir à violência do regime

militar, ou para promover um assalto ao poder, fica aberta a discussão, mas,

independente dos motivos e dos erros, foram pessoas, homens e mulheres, que se

doaram plenamente em nome de uma causa, a queda do regime militar. Não eram, nem

são heróis, também não foram, nem são idiotas, são simplesmente seres humanos,

pessoas comuns, mas que acreditavam em um projeto pelo qual valia a pena lutar.

“O que é isso, companheiro?”, de Bruno Barreto, faz uma opção estética, nele não

há verdades e mentiras, mas sim uma proposta de como rever os fatos que a película

aborda. Há uma construção da memória sobre o tema do seqüestro do embaixador; é a

isso que os ex-guerrilheiros combatem, pois nessa versão eles não são os protagonistas

da história e sim, coadjuvantes.

O filme retrata acontecimentos dos anos 60, só que impregnados da mentalidade

dos anos 90, e neste sentido, inevitavelmente, só poderia enaltecer o personagem de

Fernando Gabeira, pois é nele que se encarna o espírito da época em que vivemos: não

se entregar de corpo inteiro, não admitir disciplina, agir inconseqüentemente e postar-se

numa visão cínica de toda e qualquer iniciativa de organização coletiva.

No grupo, de irônico e inapto, ele passa a mentor intelectual da ação, e com o

seqüestro em curso torna-se “o crítico” da guerrilha e seus métodos. Os outros membros

do grupo são todos descritos como jovens idealistas e “irresponsáveis”, com motivações

obscuras para o engajamento: Renée entra para a luta armada para resolver sua

frustrações com o pai; Maria é a moça mal amada que encontra um par, perdendo em

166 RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo: UNESP, 1993, p. 258.

119

absoluto a capacidade de guiar-se na ação; Júlio é o adolescente em busca de

reconhecimento e afirmação. Em meio a estes personagens, Fernando é o único que

demonstra agir de maneira consciente e coerente.

O grupo, coerente com o espírito dos anos 90, age obcecado pelo próprio umbigo.

Junto aos militantes da ALN, organização com maior experiência, Bruno Barreto atribui

a Toledo a imagem de um velho quase senil, obcecado pelos símbolos da esquerda, e a

Jonas, a de um recalcado social, que alimenta pequenas “invejas intelectuais” contra os

jovens guerrilheiros.

A simpatia é reservada, além de Fernando, ao embaixador Charles Elbrick e ao

torturador. O primeiro aparece com ares de liberal. O torturador é um humanista

atormentado pela culpa.

Para concluir, voltemos à estratégia da desqualificação dos guerrilheiros que são

vistos como inaptos, descuidados, amadores e incapazes de enfrentar a máquina

policial-estatal infalível. Os guerrilheiros só seqüestram o embaixador porque ele “não

gosta” de seguranças. A ação só ocorre porque a polícia foi descuidada com uma

denúncia insistente. A casa é descoberta rapidamente, e só não é invadida porque os

militares não querem expor o embaixador.

O filme de Bruno Barreto passa para as novas gerações a imagem de que a luta

armada imediata foi um erro (fato que a História provou ser verdadeiro), mas não

fornece elementos para entendermos esta abordagem. Em “O que é isso,

companheiro?”, as falhas da esquerda armada são demasiadamente exaltadas, enquanto

os exageros e atrocidades do regime militar são abrandados.

Assim, ao analisarmos o filme “O que é isso, Companheiro?”, enquanto

documento histórico, percebemos que a sua riqueza está justamente no fato de suscitar

todas as polêmicas e discussões vistas anteriormente, pois acabou fazendo com que a

sociedade brasileira, ou parte dela, refletisse e repensasse valores e posicionamentos de

um período tão importante e obscuro da nossa história.

120

Fotos do embaixador Elbrick e de Vera Silvia Magalhães sujeitos históricos e dos atores que os representaram no filme "O Que É Isso Companheiro?".

121

Fotos de Virgílio Gomes da Silva e Joaquim Câmara Ferreira e dos atores que os represemtaram.

122

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento se faz necessário realizarmos alguns apontamentos. Inicialmente,

gostaríamos de chamar atenção para um ponto importante do nosso trabalho, que é o

processo de luta, em seu sentido amplo, com que nós, seres humanos, nos deparamos

em nossas existências.

Nós lutamos por ideais, valores, crenças, e, para isso, mobilizamos o que

dispomos ao nosso alcance: podem ser armas no sentido bélico, manifestos escritos,

manifestações populares, manifestações artísticas, enfim, nos utilizamos de várias

estratégias para marcarmos nossas posições e nos defendermos.

Com o golpe militar de 1964, vimos que nossa sociedade estava dividida. Basta

lembrarmos que vários segmentos sociais apoiaram o golpe com manifestações nas ruas,

assim como houve protestos contra este ato. A resistência ao autoritarismo do militares

se desenvolveu por vias pacíficas, com a chamada resistência democrática, como já

assinalamos, assim como pelas armas em uma posição mais radical.

Os adeptos da esquerda radical, levando suas análises do momento às últimas

conseqüências, mesmo ocorrendo processo de autocrítica dentro das organizações,

foram esmagados por uma força muito superior com a qual não tinham a menor

condição de debater. Além da sua infinita superioridade, o Estado se utilizou da tortura

de uma forma tão desumana e violenta, que muitos guerrilheiros e militantes preferiam

se matar ao invés de caírem nas mãos dos agentes da repressão. Por tanto sofrimento,

privação, por se dedicarem tanto a uma causa e serem brutalizados, os ex-guerrilheiros

forjaram seu papel, seu lugar na memória nacional.

Percebemos que, independentemente de seus erros, eles são lembrados como as

pessoas que lutaram contra a ditadura. Eles não são heróis, mas se fazem portadores de

uma carga trágica, e isto têm um significado político. É através da memória que

indivíduos ou grupos sociais irão (re)construir sua inserção perante o restante da

sociedade re-elaborando suas experiências.

Ter uma memória é algo fundamental para qualquer sociedade, pois ela diz quem

fomos. Desde a Antigüidade já existiam grandes disputas pelo seu domínio, em que, por

exemplo, no Egito, vários Faraós mandavam apagar dos murais ou registros qualquer

lembrança do seu antecessor. Um ato político para preservar seu poder naquele

momento. Povos, como os Celtas, se utilizavam da memória para promover a coesão

123

entre o grupo e assim resistir, se não militarmente aos romanos, pelo menos socialmente

e culturalmente.

Um exemplo, bem mais recente de grande importância para ilustrar o poder que a

memória tem, é o massacre dos Judeus pelo nazismo. Este povo se utilizou da memória

para reconstruir sua identidade para o mundo após o fim da segunda guerra mundial.

Através de sua união e mobilização, eles denunciaram os horrores dos campos de

concentração, de tal maneira que o “mundo todo” sabe que ocorreu o holocausto, e

mais, eles não deixam que isso se apague da memória, no âmbito internacional,

promovendo eventos, inaugurando memoriais, inclusive dentro da Alemanha. É o dever

de lembrar para que o horror não aconteça mais.

No Brasil, temos um período conturbado, onde a construção da memória ainda

está sendo disputada. Podemos apontar três versões sobre o período. A primeira é

aquela na qual os guerrilheiros aparecem como resistentes a um regime opressor que

não dava espaço para outra forma de protesto a não ser através das armas; na segunda,

os guerrilheiros são apresentados como pessoas que viam que o Brasil estava em um

impasse e que o momento era oportuno para partir para o assalto ao poder; e temos um

terceiro posicionamento, no qual os guerrilheiros eram jovens irresponsáveis, à beira da

loucura, que não sabiam o que estavam fazendo, ou não mediam as conseqüências dos

seus atos, que eram de pura rebeldia.

Como já apresentamos no capítulo um, Fernando Gabeira em 1979 lança seu livro

“O que é isso, companheiro?”, uma obra que através de sua memória retrata sua

passagem por uma organização armada, e sua experiência de ter vivenciado o seqüestro

do embaixador americano. Acontece que quando Gabeira lança seu livro, ele já não

compartilhava das mesmas idéias de quando havia entrado para o MR-8. Vimos que ele

passou por uma transformação no exílio, e isso influiu diretamente na forma como ele

narra os acontecimentos, pois ele incorpora em sua obra, a visão crítica que desenvolveu

fora do Brasil, ele reelabora suas experiências se utilizando da memória para estabelecer

um diálogo com o seu presente. O ex-militante é crítico e irônico com relação aos ex-

companheiros e consigo mesmo, justamente por se transformar em um elemento externo

ao grupo, ele se apropria da memória do seu antigo grupo (coletiva), e ao fundir com a

sua (individual), agregando estes novos elementos (externos), ele procura marcar sua

posição em seu tempo presente.

124

Processo semelhante ocorre com o filme “O que é isso, companheiro?” do diretor

Bruno Barreto. Ele é uma pessoa que em sua família já tem o exemplo do pai, Luiz

Carlos Barreto, que se enraizou no interior da Embrafilme, empresa criada durante o

regime militar, e usufruiu dos beneficios que esta lhe proporcionava. Havia um ligação

da sua família com este governo.

Há reflexos desta convivência em seu filme, onde podemos ver que não havia

somente militares cruéis, nem que todos os guerrilheiros eram bonzinhos. Bruno Barreto

é de uma outra geração; ele também é um elemento externo, que não compartilha da

memória coletiva do grupo formado pelos ex-guerrilheiros. Por isso, mais do que

Gabeira, ele se sente livre para reelaborar os fatos, e apresentá-los às novas gerações da

forma como o fez.

Em seu filme, o papel de destaque fica com os Estados Unidos, representado pelo

embaixador Elbrick, um homem democrático, humanista, enfim, uma pessoa civilizada.

O regime militar não é mais explorado no filme, como por exemplo, a prática da tortura,

por que não é o interesse do diretor. Ela aparece abrandada na película. Da mesma

forma é por isso que existe do lado do governo, um alto oficial, também humanista, e

um oficial torturador, com crises de consciência por ter que realizar seu serviço.

Do lado dos ex-guerrilheiros não há nada que os salve da sua condenação no

filme, pois os personagens que os caracterizam são todos apresentados com seus

defeitos ressaltados. Toledo é um velho que vive de utopias, Jonas é o maior mau

caráter e vilão do filme, Renée é a problemática e fútil do grupo, Maria é uma líder que

se desmorona quando começa a refletir sobre sua vida, Marcão é um idiota, Júlio é o

manipulado do grupo e Paulo que dentre os personagens da esquerda, é o mais rico e o

mais cativante. Está ali no filme para nos dizer que tudo aquilo foi um erro brutal.

Ao buscar na memória nacional um fato histórico e trazê-lo para o presente,

Bruno Barreto, assim como Gabeira, está marcando sua posição política em seu tempo.

Vamos percebendo como arte (livro ou filme) e sociedade estão entranhadas com seus

contextos políticos e econômicos. Quando Fernando Gabeira lança seu livro em 1979, o

Brasil ainda era governado por militares, mas, devido às fortes manifestações pela

democracia, o país começou sua “abertura lenta e segura”. Neste momento de luta pela

redemocratização, o depoimento de um ex-guerrilheiro que participou do seqüestro do

embaixador americano, que foi preso e exilado, que volta ao país com a anistia, era

muito aguardado, tanto que o livro foi um enorme sucesso e por um bom tempo Gabeira

125

não saía da mídia. Apesar de rever sua trajetória e do seu antigo grupo com crítica e

ironia, ele mantém suas críticas também ao regime militar. Em seu livro, a tortura é

abordada de uma forma mais rica e aprofundada. Gabeira nos fala dos esquemas de

corrupção dentro dos órgãos de repressão, das extorsões, das chantagens que eram

realizadas com as famílias dos presos políticos. Sua obra vinha ao encontro dos anseios

daquele momento, pois muita gente queria informações sobre este período.

No teatro, em 1979 estreava a peça “Rasga Coração” de Oduvaldo Vianna Filho,

que se tornou um símbolo das lutas pelo restabelecimento das liberdades democráticas.

O cinema nacional também nos dá embasamento para este pensamento, visto que

neste período de reabertura política, surgiram filmes que justamente falavam de política.

Mesmo com a ditadura, e sob o crivo da Embrafilme, foram produzidos filmes que

contestavam o autoritarismo, que denunciavam a violência e a tortura, que mostravam

para a sociedade os abusos do poder que o Estado praticava. Podemos destacar três

deles: “Eles não usam black-tie” de 1981, dirigido por Leon Hirszman, “Memórias do

Cárcere” de 1983, de Nelson Pereira dos Santos e “Pra frente Brasil” de 1983, de

Roberto Farias.

Estas produções culturais demostram o diálogo entre a Arte e a sociedade, o que o

Brasil estava vivenciando naquele momento. Elas eram manifestações que buscavam se

inserir na luta política do seu tempo.

Neste sentido, ao olharmos para o filme de Bruno Barreto, visualizamos o diálogo

que ele estabelece com a sua época. “O que é isso, companheiro?” foi produzido em

1996 e lançado em 1997. A película se inspira no livro com o mesmo título de Fernando

Gabeira, só que os contextos políticos e sociais são outros. Entre o lançamento da obra

literária e o filme se passaram dezoito anos. Em 1994, temos um intelectual na

Presidência da República (Fernando Henrique Cardoso) com prestígio internacional e,

coincidentemente, ou não, é neste momento em que o cinema nacional começa a sua

retomada com uma série de produções. Também, como já vimos, o Brasil havia adotado

as medidas do neoliberalismo, ditadas pelos Estados Unidos. Desta forma, nesse

momento, começa-se a produzir bens que possam ser consumidos mundialmente,

inclusive bens culturais, como um filme.

Bruno Barreto, que desde 1990 já morava nos Estados Unidos, estava totalmente

acostumado com esta forma política (globalização dos bens), como também em produzir

126

filmes de mercado, com captação de recursos. Na verdade, ele parece se sentir bem à

vontade em trabalhar desta forma.

Percebemos que assim como a forma de fazer filmes mudou, nossa sociedade

também. Nos anos 90, assistimos a um avanço assustador do consumismo, do

individualismo, do culto ao corpo, nos tornamos escravos do dinheiro e da nossa

vaidade. Cirurgias plásticas, internações em Spa, roupas de marca, o carro do momento,

tudo para preenchermos nosso vazio infinito. Assistimos também, perplexos, ao avanço

das drogas, a banalização da violência (mata-se por um par de tênis ou por um boné), e

a completa falência do Estado em suas obrigações.

Os trabalhos coletivos, as associações, discussões em grupo, tudo parece que

entrou em descrédito. As únicas instituições coletivas que se preservaram, de certa

forma, foram as religiosas.

É neste contexto que Bruno Barreto lança seu filme em 1997, ou seja, ele precisa e

quer realizar um filme lucrativo financeiramente e se depara com uma sociedade voltada

para seu próprio umbigo, com uma juventude quase que totalmente despolitizada.

“O que é isso, companheiro?”, como vimos, foi construído com a ambição de

fazer bonito no mercado internacional (neoliberal). Para isso, o diretor faz algumas

opções estéticas. Seu objetivo é alcançado, pois seu filme fez muito sucesso nos

Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha, na Itália, e ele conseguiu realizar ótimas

negociações com distribuidoras, como a poderosa Miramax.

Numa época em que avançava o conservadorismo, Bruno Barreto realiza um filme

com elementos conservadores sobre um fato extremamente polêmico. Se respeitarmos

suas posições políticas, ideológicas e estéticas, sua película é um excelente trabalho,

com uma produção esmerada e muito bem acabada. Só que não foi isso o que ocorreu.

Aqui no Brasil, como já vislumbramos, o filme resultou em polêmica. Segundo Daniel

Aarão Reis,

“Não adianta os autores dizerem que quiseram fazer uma ficção, que não tem nada a ver com a realidade. Isso é uma balela, eles estão envolvidos na luta, conscientemente ou não. Acho que essa é a grande polêmica em que o filme deve estar inserido, a apropriação da memória. O que é isso, companheiro? faz uma opção a favor da ditadura. A gente não faz um filme histórico impunemente”167.

167SALEM, Helena. “Ficção é julgada sob as lentes da História”. In: Versões e Ficções: O seqüestro da História. 2ª ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 91.

127

Como podemos observar, as produções culturais, além do diálogo com a

sociedade, são armas de uma verdadeira guerra para se impor uma visão dominante no

presente. Neste aspecto, o cinema assume uma importância que deve ser destacada visto

a influência e o poder que as imagens exercem em nossas sociedades.

“O que é um filme senão um acontecimento, uma anedota, uma ficção, informações censuradas, um noticiário que coloca no mesmo nível a moda do inverno e os mortos do último verão? A direita tem medo, a esquerda desconfia: a ideologia dominante não fez do cinema uma ‘fábrica de sonhos’. Pois se até um cineasta, J. L. Godard, não chegou a perguntar se ‘ o cinema não teria sido inventado para mascarar o real para as massas? Que pseudo-imagem da realidade oferece, no Ocidente, essa indústria gigantesca, e no Leste, esse Estado que controla tudo? Na verdade, de que realidade o cinema seria a imagem?”168.

O cinema, como já podemos constatar, nos permite a reconstrução de

determinadas épocas. Reconstruir, é esse o seu poder, é sobre isso que Marc Ferro está

se referindo, por que ele exerce um fascínio muito grande nas pessoas, que tendem a

tomar a versão cinematográfica como uma verdade pronta e acabada do fato

representado na película. Milhões de pessoas foram ao cinema assistir “Coração

Valente” em 1995. William Wallace, foi retirado do seu “descanso” e apresentado ao

mundo. Um sujeito histórico do interior da Escócia, teve sua vida reinventada no

cinema, muitas situações apresentadas na película, simplesmente não existiram, mas

estavam presentes no filme, e o público tomou e aceitou o filme como sendo a verdade

do que realmente havia acontecido naquele período.

“Partir da imagem, das imagens. Não buscar nelas somente a ilustração, confirmação ou o desmentido do outro saber que é o da tradição escrita. Considerar as imagens como tais, como o risco de apelar para outros saberes para melhor compreendê-las. Os historiadores já colocaram em seu lugar legítimo as fontes de origem popular, primeiro as escritas, depois as não escritas: o folclore, as artes e as tradições populares. Resta agora estudar o filme, associá-lo com o mundo que o produz. Qual a hipótese? Que o filme imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é História. E qual o postulado? Que aquilo que não aconteceu (e por que não que aconteceu?), as crenças, as intenções, o imaginário do homem, são tão história quanto a história.”169.

Essa é a riqueza e a importância em se estudar a relação Cinema/História, pois o

filme é uma importante fonte e documento para a História. O filme enquanto

representação do passado nos dá elementos sobre o real. Visto que o real já aconteceu,

nós só chegamos a ele através de representações. E como vimos neste trabalho, estas

representações, em nosso caso o filme, são realizadas em sintonia com os movimentos

168 FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 85. 169 Idem, p. 86.

128

da sociedade. Por isso, mesmo sendo ficção, um filme adquire tamanha importância na

época do seu lançamento, principalmente se ele for de cunho histórico, como o filme “O

que é isso companheiro?” de Bruno Barreto. Pois a obra estará apresentando uma das

possíveis formas de se ver o fato abordado. E como já vimos, a escolha de como realizar

esta apresentação em uma película é marcada por opções ideológicas, disputas políticas

e interferências econômicas, ou seja, um filme é testemunha de sua época.

O historiador Alcides Freire Ramos, citando H. White, apresenta apontamentos

interessantes sobre a importância de se realizar uma escolha na hora de se produzir uma

obra:

“Os acontecimentos são convertidos em história pela supressão ou subordinação de alguns deles e pelo realce de outros, por caracterização, repetição do motivo, variação de tom ou de ponto de vista, estratégias alternativas descritivas e assim por diante - em suma, por todas as técnicas que normalmente se espera encontrar na urdidura do enredo de um romance ou de uma peça. Por exemplo, nenhum acontecimento histórico é intrinsecamente trágico, só pode ser concebido como tal de um ponto de vista particular ou de dentro do contexto de um conjunto estruturado de eventos do qual ele é um elemento que goza de um lugar privilegiado. Pois na história o que é trágico de uma perspectiva é cômico de outra, exatamente da mesma forma na sociedade o que parece ser trágico do ponto de vista de uma classe pode ser, como Marx pretendeu demostrar com 18 de Brumário de Luís Bonaparte, apenas uma farsa do ponto de vista de outra classe. O mesmo conjunto de eventos pode servir como componentes de uma estória que é trágica ou cômica, conforme o caso, dependendo da escolha, por parte do historiador, da estrutura do enredo que lhe parece mais apropriada para ordenar os eventos desse tipo de modo a transformá-los numa estória inteligível”170.

Este nosso trabalho nos fez pensar na própria importância do historiador, que “tem

muito a contribuir para a compreensão do mundo atual”, ao se dedicar à analise dos

problemas enfrentados pela sociedade em seu tempo. Assim como qualquer pessoa, o

historiador, um sujeito histórico, também está inserido na luta política que visa à

transformação social.

Marc Ferro nos lembra:

“O historiador tem por função primeira restituir à sociedade a História da qual os aparelhos institucionais a despossuíram. Interrogar a sociedade, pôr-se à escuta, esse é, em minha opinião, o primeiro dever do historiador. Em lugar de se contentar com a utilização de arquivos, ele deveria antes de tudo cria-los e contribuir para sua constituição: filmar, interrogar aqueles que jamais tem direito à fala, que não podem dar seu testemunho. O historiador tem por dever

170 WHITE, Hayden. “O texto histórico como artefato literário”. In: Trópicos do discurso. São Paulo: EDUSP, 1994, p. 101. APUD: RAMOS, Alcides F. O Canibalismo dos Fracos: Cinema e História do Brasil. Bauru: EDUSC, 2002, p. 330.

129

despossuir os aparelhos do monopólio que eles atribuíram a si próprios e que fazem com que seja a fonte única da História. Não satisfeitos em dominar a sociedade, esses aparelhos (governos, partidos políticos, Igrejas ou sindicatos) acreditam ser sua consciência. O historiador deve ajudar a sociedade a tomar consciência dessa mistificação. A segunda tarefa consiste em confrontar os diferentes discursos da História, a descobrir, graças a esse confronto, uma realidade não visível”171.

O filme “O que é isso, companheiro?”, de Bruno Barreto, se utilizou da ficção,

para buscar na memória um fato da nossa História, o seqüestro do embaixador

americano Charles Elbrick e o clima político da época. Por uma série de influências, por

sua própria trajetória pessoal, o diretor fez opções para construir sua obra. Com isso, ele

se posicionou, como também fizeram os que acolheram a película, ou a rechaçaram com

os seus protestos. Vimos como a Memória, a História e a ficção estão a mercê de grupos

sociais. E como estes mesmos grupos as utilizam para perpetuarem seus ideais na

sociedade. Cabe a esta última decidir, se aceita ou não estas representações, estas

inserções, com as quais ela interage a todo instante.

Este tema é riquíssimo e se torna impossível encerrá-lo no presente trabalho.

Aqui, nossa pretensão é de demonstrar sua importância. É percebermos que filmes,

livros, peças teatrais, não são feitas pelo acaso. E que quando ocorrerem conflitos

ideológicos, como em torno da película “O que é isso, companheiro?”, nosso trabalho

não é dizer quem está com a verdade, mas sim, apresentar esta polêmica e evidenciar os

argumentos de ambos os lados. Clarear o que está em jogo para eles, é mostrar o

“invisível através do visível”.

Além do mais, Amélia Kimiko Noma nos diz:

“Diante da tendência generalizada de destruição da história, da memória coletiva, que avança aceleradamente em nosso tempo, corremos o risco de uma epidemia de cegueira social, ao nos transformarmos em seres que nunca aprendem nada, por que não se lembram de nada. A destruição dos mecanismos sociais que vinculam as experiências de gerações passadas com as nossas e sinalizam para as do futuro faz com que os sujeitos sociais, principalmente os jovens, vivam sem consciência histórica, num presente contínuo, sem qualquer vínculo com o passado histórico e sem qualquer preocupação com o futuro”172.

Utilizar as experiências do passado para se posicionar no presente e assim

construir o futuro, este é o objetivo dos grupos sociais organizados. Nosso trabalho,

enquanto historiador, foi explicitar esta operação, tendo como fonte o filme “O que é

171 FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 76. 172 NOMA, Amélia Kimiko. Visualidades da Vida Urbana: Metrópoles e Blade Runner. São Paulo: Tese de Doutorado. 1998, p.172 - 173.

130

isso, companheiro?”, e assim também ajudamos a projetar o futuro, inserindo-nos na

luta em nosso presente.

131

DOCUMENTAÇÃO

Filmes

"O Que é isso Companheiro?" de Bruno Barreto, 1997.

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139

ANEXOS

Fotos

Luiz Carlos Prestes, legendário líder do Partido Comunista Brasileiro

Fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN)

140

Membro da direção do MR-8 em 1969

141

Ambos eram líderes do movimento estudantil em 1969

142

Foi membro da direção do MR-8 em 1969

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