A Inconstitucionalidade Do Projeto de Redução Da Maioridade Penal

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    A INCONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO DE REDUO DA

    MAIORIDADE PENAL

    Antonio Diego da Costa1

    Evandro Leonel2

    RESUMO

    O presente artigo trata de analisar o Projeto de Lei n. 171/1993 , que tramita

    pelo Congresso Nacional visando alterar os critrios de imputabilidade biolgica do

    sistema brasileiro de imputao, para ampliar o alcance do Direito penal em face de

    pessoas menores de 18 anos.

    Neste sentido, demonstraremos que tal projeto possu vcios formais e

    materiais. O que demonstra a impossibilidade de que ele no sofra as consequncias de

    um eventual controle de constitucionalidade pelo Judicirio.

    .

    Palavras-chave: Direito Penal. Reduo Maioridade Penal.

    Inconstitucionalidade.

    1Mestre em Direito Penal pela Universidad de Salamanca, Espanha. Advogado bacharel pelaPontifcia Universidade Catlica do Paran (PUC-PR), Brasil.2

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    1. INTRODUO

    A Constituio Brasileira de 1988 fixou, em seu art. 228, a imputabilidade

    penal em dezoito anos. Sendo esse limite considerado como clusula ptrea pelo art. 60

    4. da Constituio; pois trata-se de um direito individual para aqueles que possuem

    menos de dezoito anos, o que impossibilita sua alterao sem que seja realizada uma

    nova constituinte.

    Porm, no so raras as incurses do legislativo para tentar fazer com que o

    Direito Penal incida em indivduos com idade inferior estabelecida no art. 228 da

    Constituio. De modo que os defensores dessa reduo se utilizam de um discurso

    populista em que o medo a principal arma para justificar essa mudana que trar mais

    prejuzos do que benefcios para a sociedade.

    Nessa direo, de uma poltica criminal populista e repressiva, atualmente

    avana no Congresso brasileiro o Projeto de Lei n. 171/1993, que prev a reduo da

    maioridade penal para dezesseis anos para crimes hediondos. J havendo sido aprovada

    tal mudana na Comisso de Constituio e Justia e, tambm, em primeira votao na

    Cmara dos Deputados.

    No entanto, uma sucinta anlise do referido projeto revela a existncia de

    vcios insanveis que alcanam tanto seu plano material quanto seu plano formal. Razo

    pela qual, nas linhas que seguem, trataremos de apontar os motivos que impossibilitam

    a fixao da maioridade penal em uma idade inferior a atual.

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    2. PERSPECTIVA DOUTRINRIA DOS ASSUNTOS PASSVEIS DE

    EMENDA CONSTITUCIONAL

    A alterao da Constituio deve ser feita de forma extremamente criteriosa,

    pois ela a responsvel por guiar toda a legislao de um Pas3. Razo pela qual,

    quando de sua elaborao, o legislador constituinte optou por dificultar a aprovao de

    projetos legislativos que visam alterar seu contedo; havendo, inclusive, elegido temas

    que no podem ser modificados.

    Esses temas, que no podem ser modificados, so chamados de clusulas

    ptreas e esto previstos no art. 60, 4. da Constituio da Repblica4. Tratam-se de

    assuntos que visam resguardar as bases do atual Estado brasileiro, preservando a forma

    federativa da nao, a democracia das eleies, o equilbrio dos poderes e os direitos e

    garantias individuais.

    A modificao de qualquer um desses assuntos vedada por tratarem-se de

    assuntos considerados como direitos fundamentais5. Sendo que se, por eventualidade,

    3 Nossa Constituio rgida. Em consequncia, a lei fundamental e suprema do Estado

    brasileiro. Toda autoridade s nela encontra fundamento e s ela confere poderes ecompetncias governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem osdos Municpios ou do Distrito Federal so soberanos, porque todos so limitados, expressa ouimplicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuies nostermos nela estabelecidos.Por outro lado, todas as normas que integram a ordenao jurdica nacional s sero vlidasse se conformarem com as normas da Constituio Federal (SILVA. Jos Afonso da. Curso deDireito Constitucional Positivo. 31. ed. - So Paulo: Malheiros. 2008, p. 46).4As clusulas ptreas, portanto, alm de assegurarem a imutabilidade de certos valores, almde preservarem a identidade do projeto do constituinte originrio, participam, elas prprias,como tais, tambm da essncia inaltervel desse projeto. Eliminar a clusula ptrea j enfraquecer os princpios bsicos do projeto do constituinte originrio garantidos por ela.(...) A clusula ptrea no tem por meta preservar a redao de uma norma constitucional

    ostenta, antes, o significado mais profundo de obviar a ruptura com princpios e estruturasessenciais da Constituio. Esses princpios, essas estruturas que se acham ao abrigo deesvaziamento por ao do poder reformador. Nesse sentido, Jorge Miranda lembra que aclusula ptrea no tem por escopo proteger dispositivos constitucionais, mas os princpiosneles modelados.(...) Por isso, a garantia de permanncia em que consiste a clusula ptrea, em suma, imunizao sentido dessas categorias constitucionais protegidas contra alteraes que aligeirem o seuncleo bsico ou debilitem a proteo que fornecem. Nesse sentido se deve compreender oart. 60, 4, da CF, como proibio deliberao de proposta tendente a abolir, isto , amitigar, a reduzir, o significado e a eficcia da forma federativa do Estado, do voto direto,secreto, universal e peridico, a separao dos Poderes e os direitos e garantias individuais(MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional.9.ed. So Paulo: Saraiva, 2014, p. 136-138).

    5 (...) Direitos fundamentais so, portanto, todas aquelas posies jurdicas concernentes spessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu contedo eimportncia (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituio e,

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    um Projeto de Emenda Constituio tendente a abolir esses assuntos vier a ser

    aprovado, estar eivado de vicio desde a sua origem. Devendo ser declarado

    inconstitucional pelo Poder Judicirio6.

    Cabe ressaltar que os direitos e garantias fundamentais no esto reunidos

    apenas no art. 5. da Constituio da Repblica. H diversas garantias fundamentais que

    se encontram dispersas por todo o texto constitucional e, tambm, em Tratados

    Internacionais que o Estado Brasileiro venha a ser signatrio, por fora do art. 5. 3.

    da Constituio da Repblica.

    Para os demais casos, que a Constituio autoriza a alterao, existem as

    chamadas emendas constitucionais. As regras para que uma emendaseja promulgada

    esto previstos no art. 60 da Constituio da Repblica, sendo as seguintes: 1) A

    emenda deve ser proposta por mais de um tero dos membros da Cmara dos Deputados

    ou do Senado, 2) Presidente da Repblica, ou, 3) por mais da metade das Assembleias

    Legislativas dos Estados, desde que a maioria relativa de seus membros se mostrem

    favorveis; tambm, sua proposio est condicionada a que: 1) no Pas no esteja

    vigendo interveno federal, estado de defesa ou de stio; 2) haja votao, em dois

    turnos, em cada Casa do Congresso; e 3) seja aprovada por no mnimo trs quintos dos

    votos de seus membros.

    Esse o processo natural para aprovao de uma emenda Constituio.

    Porm, caso a proposta de emenda seja rejeitada, ou reste prejudicada, ela somente

    poder ser proposta, novamente, na prxima sesso legislativa7.

    Assim, verificado que a matria que se pleiteia sua alterao est dentro do rol

    de assuntos que so passveis de modificao, comea-se a tramitar o Projeto de

    Emenda Constitucional (PEC). Devendo ser aprovados por trs quintos dos membros da

    portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constitudos (fundamentalidadeformal), bem como as que, por seu contedo e significado, possam lhes ser equiparados,agregando-se Constituio material, tendo ou no, assento na Constituio formal (aquiconsiderada a abertura material do Catlogo)(SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitosfundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional .11.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 77).6 Toda modificao constitucional, feita com desrespeito do procedimento especialestabelecido (iniciativa, votao, qurum etc.) ou de preceito que no possa ser objeto deemenda, padecer de vcio de inconstitucionalidade formal ou material, conforme o caso, eassim ficar sujeita ao controle de constitucionalidade pelo Judicirio, tal como se d com asleis ordinrias (SILVA. Jos Afonso da. Op. Cit., 2008, p. 68).

    7Sesso legislativa ordinria o perodo anual em que deve estar reunido o Congresso paraos trabalhos legislativos. Divide-se em dois perodos legislativos:um que vai de 2 de fevereiroa 17 de junho e outro de 1. de agosto a 22 de dezembro (art. 57) ( Ibid., 2008. p. 517).

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    Casa do Congresso (308 Deputados), em duas votaes, com intervalo de 5 sesses

    entre uma e outra votao.

    Aps sua aprovao na Cmara, o projeto enviado para o Senado. Ali,

    tambm ser analisado pela Comisso de Constituio e Justia e, ato seguido, ser

    votado em dois turnos pelo Plenrio do Senado.

    Caso o texto seja aprovado sem modificaes, haver a promulgao do texto

    pelas mesas da Cmara e do Senado. J no caso de que haja alguma modificao, o

    projeto dever retornar para ser analisado na Cmara. De modo que o texto transitar

    entre uma casa e outra at que haja sua aprovao em ambas as casas.

    Portanto, de acordo com o at aqui demonstrado, o legislador constituinte

    optou por limitar as alteraes que podem ser realizadas na Constituio. Em que os

    Direitos e Garantias individuais so matrias que esto impossibilitadas de qualquer tipo

    de alterao que venha a diminu-los. Ademais, importante assinalar que os Direitos e

    Garantias individuais no esto presentes apenas no art. 5. da Constituio da

    Repblica, estando espalhados por todo o texto constitucional.

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    3. A PERSPECTIVA DA JURISPRUDNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL

    FEDERAL NO MS N. 22.503/DF

    Ao questionar a constitucionalidade da PEC 171/1993 no raro escutar

    argumentos a respeito do posicionamento do STF sobre o tema; em que citado o MS

    n. 22.503/DF. Porm, h de se ressaltar a necessidade de se fazer uma anlise mais

    aprofundada deste Mandado de Segurana, que utilizado como argumento para

    justificar a constitucionalidade da PEC 171/19938.

    O MS n. 22.503/DF trata de um assunto de bastante semelhana ao da atual

    PEC 171/1993. Pois, na PEC analisada no MS n. 22.503/DF9, houve uma emenda

    8 Nesse sentido, o Juiz e Professor, ALEXANDRE MORAIS DA ROSA destaca as diferentesinterpretaes possveis em uma sentena. Afirma ele haver dois tipos de interpretao, umamais superficial (S1) e uma mais aprofundada (S2), sendo esta segunda a que se deve utilizarNA ANLISE DAS SENTENAS. (ROSA, Alexandre Morais Da. Guia Compacto Do ProcessoPenal Conforme A Teoria Dos Jogos. 2 ed. - Rio De Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 78).9MANDADO DE SEGURANA IMPETRADO CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA CMARADOS DEPUTADOS, RELATIVO TRAMITAO DE EMENDA CONSTITUCIONAL.ALEGAO DE VIOLAO DE DIVERSAS NORMAS DO REGIMENTO INTERNO E DO ART.60, 5, DA CONSTITUIO FEDERAL. PRELIMINAR: IMPETRAO NO CONHECIDAQUANTO AOS FUNDAMENTOS REGIMENTAIS, POR SE TRATAR DE MATRIA INTERNA

    CORPORIS QUE S PODE ENCONTRAR SOLUO NO MBITO DO PODERLEGISLATIVO, NO SUJEITA APRECIAO DO PODER JUDICIRIO; CONHECIMENTOQUANTO AO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. MRITO: REAPRESENTAO, NAMESMA SESSO LEGISLATIVA, DE PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL DOPODER EXECUTIVO, QUE MODIFICA O SISTEMA DE PREVIDNCIA SOCIAL,ESTABELECE NORMAS DE TRANSIO E D OUTRAS PROVIDNCIAS (PEC N 33-A, DE1995). I - Preliminar. 1. Impugnao de ato do Presidente da Cmara dos Deputados quesubmeteu a discusso e votao emenda aglutinativa, com alegao de que, alm de ofenderao par. nico do art. 43 e ao 3 do art. 118, estava prejudicada nos termos do inc. VI do art.163, e que deveria ter sido declarada prejudicada, a teor do que dispe o n. 1 do inc. I do art.17, todos do Regimento Interno, lesando o direito dos impetrantes de terem assegurados osprincpios da legalidade e moralidade durante o processo de elaborao legislativa. Aalegao, contrariada pelas informaes, de impedimento do relator - matria de fato - e de

    que a emenda aglutinativa inova e aproveita matrias prejudicada e rejeitada, para reput-lainadmissvel de apreciao, questo interna corporis do Poder Legislativo, no sujeita reapreciao pelo Poder Judicirio. Mandado de segurana no conhecido nesta parte. 2.Entretanto, ainda que a inicial no se refira ao 5 do art. 60 da Constituio, ela mencionadispositivo regimental com a mesma regra; assim interpretada, chega-se concluso que nelah nsita uma questo constitucional, esta sim, sujeita ao controle jurisdicional. Mandado desegurana conhecido quanto alegao de impossibilidade de matria constante de propostade emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova proposta na mesmasesso legislativa. II - Mrito. 1. No ocorre contrariedade ao 5 do art. 60 da Constituio namedida em que o Presidente da Cmara dos Deputados, autoridade coatora, aplica dispositivoregimental adequado e declara prejudicada a proposio que tiver substitutivo aprovado, e norejeitado, ressalvados os destaques (art. 163, V). 2. de ver-se, pois, que tendo a Cmara dosDeputados apenas rejeitado o substitutivo, e no o projeto que veio por mensagem do Poder

    Executivo, no se cuida de aplicar a norma do art. 60, 5, da Constituio. Por isso mesmo,afastada a rejeio do substitutivo, nada impede que se prossiga na votao do projetooriginrio. O que no pode ser votado na mesma sesso legislativa a emenda rejeitada

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    aglutinativa ao projeto enviado Cmara, o qual foi rejeitado em votao. Dessa forma,

    teoricamente restou prejudicada a votao do texto principal daquela PEC, devido

    regra constante no art. 60, 5. da Constituio da Repblica.

    Essa rejeio emenda aglutinativa motivou os defensores daquela PEC a

    impetrarem Mandado de Segurana no STF, sob o argumento de que o Presidente da

    Cmara dos Deputados, daquela poca, estava violando o art. 60, 5. da Constituio

    da Repblica ao colocar em votao, na mesma sesso legislativa, um projeto que j

    havia sido rejeitado anteriormente.

    No julgamento, os Ministros abordaram a questo no sentido de que h a

    possibilidade de que, ainda que haja a rejeio do substitutivo, o projeto originrio seja

    votado na mesma sesso legislativa. Razo pela qual no feriria o art. 60, 5. da

    Constituio da Repblica.

    Para chegar a essa deciso, os Ministros observaram que a PEC analisada no

    MS n. 22.503/DF havia sido proposta pelo Poder Executivo; e o projeto rejeitado no

    era o original, pois era resultado de uma emenda aglutinativa proposta pela Cmara dos

    Deputados, responsvel pela votao da PEC. Assim, a deciso do STF se pautou no

    intento de proteger a faculdade dos demais autorizados, pelo art. 60 da Constituio da

    Repblica, na propositura de emendas constitucionais. Agindo para tentar coibir

    eventuais manobras do Poder Legislativo para no apreciar projetos propostos por

    origens diversas daquela Casa Legislativa.

    Portanto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal segue no sentido de

    que h possibilidade de que uma PEC, de uma matria j rejeitada, possa ser votada

    novamente na mesma sesso legislativa. Desde que a PEC tenha se originado por

    iniciativa dos demais autorizados pelo art. 60 da Constituio da Repblica e a matria

    rejeitada seja um substitutivo emendado pela casa legislativa responsvel pela votao.

    ou havida por prejudicada, e no o substitutivo que uma subespcie do projeto

    originariamente proposto. 3. Mandado de segurana conhecido em parte, e nesta parteindeferido (grifo nosso) (MS 22.503/DF, Pleno, Redator para acrdo Ministro Maurcio Corra,DJ de 06.6.1997).

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    4. A INCONSTITUCIONALIDADE DA PEC 171/1993

    A PEC 171/1993 foi proposta pelo Deputado BENEDITODOMINGOSem 19 de

    agosto de 1993. Vindo a ser emendada e votada na Cmara dos Deputados em 01 de

    julho de 2015.

    Essa primeira votao se deu no sentido de tentar aprovar a PEC com uma

    emenda aglutinativa proposta pela prpria Cmara dos Deputados. Sendo que nessa

    votao houve a rejeio da proposta, pois obteve apenas 303 votos a favor quando

    eram necessrios no mnimo 308 votos favorveis10.

    Porm, ainda que tenha havido essa rejeio, no dia 02 de julho de 2015 o

    projeto, com nova emenda aglutinativa, foi votao. Nesse ponto, diferentemente da

    proposta rejeitada no dia anterior, a reduo da maioridade penal seria possvel apenas

    nos casos de crimes hediondos, homicdio doloso e leso corporal seguida de morte.

    Sendo que, nesta segunda votao, a PEC 171/93 foi aprovada por 323 votos a favor11.

    Esses dados so extremamente relevantes e suficientes para constatar que a

    PEC 171/1993 j nasce eivada de vcios, tanto materiais quanto formais. Assim, nas

    linhas que seguem, trataremos de apresentar inicialmente os vcios materiais e, por fim,

    os vcios formais que esto intrinsecamente presentes no projeto e que justificam nossa

    afirmao inicial de sua inconstitucionalidade.

    Ao se analisar a PEC 171/1993 se percebe que o assunto a que se destina

    modificar naturalmente inconstitucional por fora do art. 60, 4. IV da Constituio

    da Repblica. Que determina a impossibilidade de se aprovar emendas que extingam, ou

    tenham a tendncia a abolir, direitos e garantias fundamentais.

    Nesse aspecto, a imputabilidade mnima fixada em 18 anos uma garantia

    fundamental para crianas e adolescentes, estando diretamente relacionada com oprincpio da culpabilidade12. Razo pela qual sua alterao, para menos, somente poder

    10 Disponvel em: , acesso em 07 de setembro de 2015.11 Disponvel em: , acesso em 07 de setembro de 2015.12O princpio da culpabilidade deve ser entendido, em primeiro lugar, como repdio a qualquer

    espcie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva (BATISTA, Nilo.Introduo Crtica ao Direito penal Brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p.100).

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    ser realizada por uma nova constituinte; resultando que, qualquer projeto de Lei que seja

    aprovado no sentido de diminuir tal garantia, estar eivado de inconstitucionalidade

    desde sua origem, o que acarretar a futura declarao de inconstitucionalidade pelo

    controle de constitucionalidade do Poder Judicirio.

    Ainda importante destacar que a adoo da idade de 18 anos como limite

    obedece ao critrio biolgico, adotado pelo Direito penal brasileiro13. Pois se considera

    que o menor de 18 anos ainda no est plenamente desenvolvido mentalmente;

    realizando suas escolhas, em grande parte das vezes, orientado por uma busca

    incessante para ser socialmente aceito pelos demais membros de seu crculo de

    amizades14.

    Portanto, a fixao da imputabilidade penal aos 18 anos uma garantia

    individual para todos aqueles que possuem uma idade inferior a esta. Resultando que

    sua alterao para menos no pode ser realizada na atual Constituio por se tratar de

    13 So conhecidos em doutrina trs sistemas definidores dos critrios fixadores dainimputabilidade ou culpabilidade diminuda: a) biolgico; b) psicolgico;c) biopsicolgico. NaExposio de Motivos do Cdigo Penal de 1940, o Ministro Francisco Campos, justificando a

    opo legislativa, conceitua cada um desses sistemas: Na fixao do pressuposto daresponsabilidade penal (baseada na capacidade de culpa moral), apresentam-se trs sistemas:o biolgico ou etiolgico (sistema francs), o psicolgico e o biopsicolgico. O sistema biolgicocondiciona a responsabilidade sade mental, normalidade da mente. Se o agente portador de uma enfermidade ou grave deficincia mental, deve ser declarado irresponsvel,sem necessidade de ulterior indagao psicolgica. O mtodopsicolgico no indaga se huma perturbao mental mrbida: declara a irresponsabilidade se, ao tempo do crime, estavaabolida no agente, seja qual for a causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato(momento intelectual) e de determinar-se de acordo com essa apreciao (momento volitivo).Finalmente, o mtodo biopsicolgico a reunio dos dois primeiros: a responsabilidade s excluda, se o agente, em razo de enfermidade ou retardamento mental, era, no momento daao, incapaz de entendimento ticojurdico e autodeterminao.O Direito Penal brasileiro adota, como regra geral, o sistema biopsicolgico e, como exceo, o

    sistema puramente biolgico para a hiptese do menor de dezoito anos (art. 27 do CP)(BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 13. ed. - So Paulo:Saraiva, 2008, p. 355).14 Essa opo histrica, reconhecida inclusive pelo legislador de 1984, na Exposio deMotivos da parte geral do Cdigo Penal em seu ponto 26, como se percebe: Manteve oProjeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opo apoiada emcritrios de Poltica Criminal. Os que preconizam a reduo do limite, sob a justificativa dacriminalidade crescente, que a cada dia recruta maior nmero de menores, no consideram acircunstncia de que o menor, ser ainda incompleto, e naturalmente anti-social na medida emque no socializado ou instrudo. O reajustamento do processo de formao do carter deveser cometido educao, no pena criminal. De resto, com a legislao de menoresrecentemente editada, dispe o Estado dos instrumentos necessrios ao afastamento do jovemdelinqente, menor de 18 (dezoito) anos, do convvio social, sem sua necessria submisso ao

    tratamento do delinqente adulto, expondo-o a contaminao carcerria (BRASIL. CongressoNacional. Lei n. 7209, de 11 de julho de 1984. Dispe sobre a exposio de motivos da partegeral do Cdigo Penal).

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    uma clusulaptrea15e, tambm, por ferir o art. 41 da Conveno das Naes Unidas

    sobre os Direitos da Criana16.

    Outro princpio que violado pela PEC 171/1993 o da igualdade, previsto no

    art. 5., caput, da Constituio da Repblica. Esse princpio, de acordo com JOS

    AFONSO DA SILVA, deve ser entendido no sentido de que a mesma lei penal e seus

    sistemas de sanes ho de se aplicar a todos quantos pratiquem o fato tpico nela

    definido como crime17.

    15 O contedo do art. 228 constitui novidade, no que tange ao tratamento constitucional no

    direito brasileiro, embora a matria sempre tenha sido abordada nos diplomas penais, dada asua indispensabilidade para a definio da infrao criminal. Sendo garantia fundamental,discutiu-se se a matria no deveria ser tratada no art. 5. Todavia, o constituinte deixou-a parao captulo que trata da criana e do adolescente, por questo de tcnica legislativa, uma vezque duas emendas populares, apresentadas pelos grupos de defesa dos direitos da criana,fizeram inserir na Constituio os princpios da doutrina da proteo integral, consubstanciadosnas normas das Naes Unidas. A Constituio de 1988 se destaca, no panorama dasexperincias estrangeiras, uma vez que rara a garantia constitucional da ininputabilidadecronolgica, tema geralmente deixado a cargo do legislador ordinrio.(...) Em um nico dispositivo, o art. 228, so estabelecidas em prol dos adolescentes,destinatrios de proteo especial, duas garantias constitucionais. A primeira garante quenenhuma pessoa menor de 18 (dezoito) anos de idade ser responsabilizada penalmente,garantindo s crianas e aos adolescentes a inimputabilidade penal. A segunda, decorrente da

    primeira, atribui ao adolescente a responsabilizao por atos infracionais, na forma do Estatutoda Criana e do Adolescente.Topograficamente, esta previso normativa integra o conjunto de normas constitucionaisreferentes criana e ao adolescente. O constituinte no previu tal direito junto do rol dedireitos fundamentais, tendo preferido dedicar parte especfica do Texto Constitucional disciplina dos direitos das crianas e dos adolescentes, com vistas a obter a maior eficcia.Assim, quando previu, no art. 5, XLVII, que no haver pena de mortesalvo se existir guerradeclarada, nem pena perptua, cruel, de banimento e de trabalhos forados, deixou claro quetais penas no devem ser aplicadas em territrio nacional. E, de forma coerente, no art. 228afirmou que nenhuma pena, mesmo as permitidas pela Constituio, sero aplicadas aosmenores. O art. 228 tem ainda estreita ligao com o art. 5, LV, bem como com o art. 227, 3, IV e V, CF, todos eles versando sobre o contraditrio, a ampla defesa, alm de princpiosinerentes populao infanto-juvenil, quando da penalizao especial.

    A propsito, foi dito que apesar de as normas (arts. 227 e 228) se encontrarem no Captulo VIIdo Ttulo VIII da Constituio, no h como negar-lhes a natureza anloga aos direitos,liberdades e garantias fundamentais. Segundo CANOTILHO: os direitos de natureza anloga soos direitos que, embora no referidos no catlogo dos direitos, liberdades e garantias,beneficiam-se de um regime jurdico constitucional idntico aos destes (MORAES. Maria CelinaBodin de; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Da Famlia, da Criana, do Adolescente, doJovem e do Idoso. In: CANOTILLHO, Jos Joaquim Gomes; STRECK, Lnio Luiz; MENDES,Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang. Comentrios Constituio do Brasil. So Paulo:Saraiva/ Almedina, 2013, p. 2120-2124).16Artigo 41: Nada do estipulado na presente Conveno afetar disposies que sejam maisconvenientes para a realizao dos direitos da criana e que podem constar: a) das leis de umEstado Parte; b) das normas de direito internacional vigentes para esse Estado. (BRASIL.Presidncia da Repblica. Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990: Promulga a

    Conveno sobre os Direitos da Criana.17 SILVA. Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. So Paulo:Malheiros. 2008, pp. 222-223.

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    Nesse sentido, a PEC 171/1993 trata de maneira desigual os jovens entre 16 e

    18 anos, pois, a responsabilidade penal apenas ser imputada aos jovens que cometem

    crimes hediondos, homicdio doloso e leso corporal seguida de morte.

    Em efeito, formalmente no h diferenciao entre um crime hediondo e um

    crime no hediondo. Ambos so considerados crimes para o Direito Penal, devendo

    receber o mesmo tratamento punitivo pelo Estado. A razo disso, enquanto alguns

    jovens, que esto inseridos na faixa etria de 16 a 18 anos, tero suas condutas tratadas

    de acordo com as normas do ECA, outros tero suas condutas tratadas de acordo com as

    normas do Direito Penal. O que revela de maneira cristalina o tratamento desigual

    presente na PEC 171/1993.

    Do mesmo modo, h a violao do princpio da interveno mnima ou ultima

    ratio. Esse princpio significa, de acordo com ROXIN, que o Direito Penal apenas poder

    intervir quando todos os demais meios menos lesivos no sejam suficientes para coibir

    as aes delinquentes18.

    Nesse sentido, os melhores resultados no combate criminalidade so

    alcanados quando h um comprometimento de toda a sociedade para evitar a

    criminalidade juvenil. Devendo a famlia se comprometer a ensinar ao jovem o respeito

    que deve ter com os demais membros da sociedade e com seus bens. Enquanto ao

    Estado caberia a responsabilidade de ensinar assuntos que sejam teis ao

    desenvolvimento intelectual e profissional desse jovem. Assim atuando, no apenas se

    evitar a criminalidade, seno, garantir no futuro uma mo de obra qualificada e a

    gerao de riqueza para o Pas; resultando em um efetivo cumprimento da previso do

    art. 227 da Constituio da Repblica19.

    Por outro lado, o encarceramento juvenil apenas aumentar o j exorbitante

    nmero de pessoas encarceradas e servir para etiquetar ainda mais precocemente aos

    jovens infratores20. Resultando em um depsito de pessoas que, caso se tivesse

    18El Derecho penal slo es incluso la ltima de entre todas las medidas protectoras que hayque considerar, es decir que slo se le puede hacer intervenir cuando fallen otros medios desolucin social del problema como la accin civil, las regulaciones de polica o jurdico-tcnicas, las sanciones no penales, etc.-. Por ello se denomina a la pena como la "ultima, ratiode la poltica social" y se define su misin como proteccin subsidiaria de bienes jurdicos.(ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. (Trad.) Pea, Diego Manuel Luzn;Daz y Garca Conlledo, Miguel; Remesal, Javier De Vicente. - Madrid: Civitas, 1997, p. 65).19 SILVA. Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. So Paulo:Malheiros. 2008, p. 851.

    20 evidente que no resta dvida que uma criana com nove ou dez anos, hoje, j possuideterminado grau de discernimento, inegvel, dentro de um certo limite. Sem considerar que ocamalhao de dados e informaes a ele ofertado, impe-se numa surpreendente velocidade,

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    investido em sua capacidade intelectual, poderiam estar auxiliando no desenvolvimento

    da qualidade de vida de toda a sociedade21.

    Portanto, h outros meios mais eficazes, para a preveno dos delitos juvenis,

    em oposio utilizao desmedida do Direito Penal. Devendo o Direito Penal se

    manter como ltima alternativa para a preveno e represso de delitos.

    Inclusive, cabe ressaltar que o Estatuto da Criana e do Adolescente prev a

    aplicao de medidas mais eficazes, do que as aplicadas pelo Direito Penal, quando um

    menor de 18 anos pratica um delito (chamado de Ato infracionalno ECA). Pois, em

    seus art. 11222e seguintes, apresenta as medidas socioeducativas que so aplicadas de

    seja em mbito familiar ou em qualquer outro meio. No obstante nosso comentrio, tal fator

    no pode ser visto exclusivamente, de maneira preponderante, isto porque a questo no severifica de maneira simples. De forma hipottica, uma vez recepcionado o aclamadoreducionismo da idade penal (fosse ele permitido sob o ponto de vista jurdico), ademais daafronta Constituio, esta arbitrariedade ocasionaria infinitos outros problemas, agravando osexistentes.(...)Assistiramos a superlotao, ainda maior, dos presdios e das penitencirias brasileiros, aindamaior, dos presdios brasileiros, em uma populao j estimada em cerca de 500 mil de pobrese negros, a imensa maioria, onde um condenado pela subtrao de um par de chinelos vem acumprir pena no mesmo local que um indivduo punido por ter atentado contra a vida deoutrem, cujo sistema , por outro lado, extremamente condescendente com os verdadeiroscriminosos, os de colarinho branco, em meio a desvios fiscais, sonegao de tributos elavagens de dinheiro, mui raramente punidos (JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Ato infracional e

    direitos humanos: a internao dos adolescentes em conflito com a lei. Campinas:Servanda, 2014, p. 74-75).21Revisitando a histria atravs de pesquisas realizadas sobre o atendimento dado infncia,revela-se a face oculta das polticas pblicas: trocam-se os discursos oficiais para criao denovas instituies e aes de atendimento para a recuperao de adolescentes infratores,sempre sob o discurso oficial de proteger e educar, formar a infncia. E o que se confirma,passados alguns anos, que as polticas revezam-se atravs de discursos novos por fora evelhos por dentro. possvel dizer que o que se verifica so verdadeiras razes histricas daincrvel arte de punir jovens, cuja criatividade lana mo de variadas metforas e eufemismosque acabam de se tornar instrumentos de luta dos incansveis militantes dos direitos humanosespeciais em busca da efetivao do que muitas vezes jamais chegar a acontecer como nopassado.Para se desvendar os motivos que impedem que, mesmo com uma legislao avanada, que

    privilegia fortemente os Direitos Humanos, ainda se continue a ter uma internao deadolescentes, autores de atos infracionais, com prticas totalmente contrrias, pautadas emcondutas repressoras dentre as quais espancamentos e torturas diversas, requintadas pelo altovalor de criatividade na arte de punir, necessrio que se busque no passado os fatos quepossam ajudar a elucidar como a trajetria da privao da liberdade, em pleno terceiro milnio,que ainda se configura como uma medida to cruel e desumana ignorando toda e qualquerreforma legislativa(ROSA, Alexandre Morais da; LOPES, Ana Christina Brito. Introduo crticaao ato infracional: princpios e garantias constituicionais. 2.ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2011, p 327-328).22Art. 112. Verificada a prtica de ato infracional, a autoridade competente poder aplicar aoadolescente as seguintes medidas:I - advertncia;II - obrigao de reparar o dano;

    III - prestao de servios comunidade;IV - liberdade assistida;V - insero em regime de semi-liberdade;

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    forma gradativa, indo de uma medida mais branda (como a advertncia) at uma medida

    mais grave (internao em estabelecimento educacional).

    Porm, o que se est tentando com a aprovao da PEC 171/1993 justamente

    o contrrio do que determina um dos princpios basilares do Direito Penal. Pois busca-

    se ampliar a incidncia da sano penal, utilizando-a como mecanismo de primaratio.

    Razo pela qual no h possibilidade de que sua aprovao esteja em completa

    harmonia com o restante do ordenamento jurdico penal.

    Ademais, com a aprovao da PEC 171/1993, a inteno do legislador

    reformador unicamente a de buscar encontrar atalhos para diminuir a criminalidade.

    Sem embargo, no h atalhos quando se trata da busca de solues para problemas to

    graves como a delinquncia. H que se incrementar a formao dos jovens para que eles

    tenham outras alternativas ao submundo do crime.

    Assim, o legislador busca alcanar com o Direito Penal uma soluo que

    poderia ser alcanada por outros meios menos gravosos. Com a diferena de que os

    outros meios so imensamente mais eficazes que o Direito Penal; ainda que seus

    efeitos sejam percebidos apenas no longo prazo.

    Ressalte-se que, ainda que a proposta preveja que os jovens que cometam

    crimes hediondos devero ficar em espaos distintos dos delinquentes adultos,

    dificilmente se pode garantir que haver o cumprimento efetivo dessa regra. Pois, o

    descaso dos governantes com o sistema carcerrio brasileiro demonstra que no haver

    tal cumprimento, revelando mais uma determinao que ficar apenas no papel e que,

    definitivamente, violar, tambm, a norma prevista no art. 1., III da Constituio da

    Repblica, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

    Esses vcios materiais vem acompanhados de outros tantos vcios formais na

    aprovao da PEC 171/1993. Pois, sua tramitao no observou as regras contidas no

    art. 60, 5. da Constituio da Repblica, que prev que a matria constante de

    proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada no pode ser objeto de nova

    proposta na mesma sesso legislativa.

    VI - internao em estabelecimento educacional;VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. 1 A medida aplicada ao adolescente levar em conta a sua capacidade de cumpri-la, ascircunstncias e a gravidade da infrao. 2 Em hiptese alguma e sob pretexto algum, ser admitida a prestao de trabalho forado. 3 Os adolescentes portadores de doena ou deficincia mental recebero tratamento

    individual e especializado, em local adequado s suas condies (BRASIL. Presidncia daRepblica. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990: Promulga o Estatuto da Criana e doAdolescente.

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    Neste sentido, no dia 01 de julho de 2015 foi votada a PEC 171/1993 com uma

    emenda aglutinativa que buscava reduzir a maioridade penal para um rol taxativo de

    crimes; resultando que no houve a sua aprovao. Assim, determina a Constituio que

    essa matria somente poderia ser objeto de nova votao na prxima sesso legislativa.

    Porm, tal previso Constitucional no foi seguida pelo Presidente da Cmara. De modo

    que foi posta em votao nova emenda aglutinativa para que os menores de 18 anos

    sejam responsabilizados em razo de crimes graves, no dia 02 de julho de 2015, a qual

    foi aprovada.

    Essa maneira como foi aprovada a PEC 171/1993 revela um vcio formal que

    no pode ser sanado. O que fatalmente resultar na declarao de sua

    inconstitucionalidade quando da anlise em um eventual controle de constitucionalidade

    do Poder Judicirio23.

    Porm, se de um lado h o argumento da inconstitucionalidade formal dessa

    PEC, de outro lado afirmam os defensores de sua constitucionalidade que h um

    precedente no Supremo Tribunal Federal. Trata-se do MS n. 22.503/DF, que foi

    impetrado em um caso bastante semelhante ao que se trabalha neste texto.

    No entanto, h de se destacar que a deciso do Supremo Tribunal Federal no

    MS n. 22.503/DF no pode ser aplicada, em sua integralidade, ao caso da PEC

    171/1993.

    Ainda que tanto o caso do MS n. 22.503/DF quanto o da PEC 171/1993 sejam

    bastante semelhantes, tal semelhana atinge apenas matria que tratada em ambos os

    casos. Qual seja, a votao, na mesma sesso legislativa, do mesmo projeto j votado e

    rejeitado em uma sesso anterior.

    Nesse sentido, em casos de grande semelhana se deve ficar atento aos

    pequenos detalhes; pois so eles que solucionam os problemas. Assim, revela-se que

    enquanto a Proposta de Emenda Constitucional tratada no MS n. 22.503/DF teve

    23Em Mandado de Segurana interposto por 102 deputados h a argumentao no seguintesentido: A Mesa da Cmara dos Deputados colocou-se em uma posio insustentvel luz daConstituio e da prpria lgica. De duas, uma: ou bem a Emenda Aglutinativa n 16reproduzia matria anteriormente rejeitada e, portanto, insuscetvel de nova apreciao namesma sesso legislativa (CF/88, art. 60, 5) ou ento continha matria nova, comosustenta a Presidncia da Casa. Nesse caso, porm, a nova proposio ter sido submetida avotao sem a observncia da exigncia de que fosse subscrita por pelo menos 1/3 dosDeputados Federais (CF/88, art. 60, I) e, o que ainda pior, sem que tenha sido permitida a

    discusso do novo contedo (CF/88, art. 60, 2). De um jeito ou de outro, o que se tem umgrave e injustificvel atropelo ao direito das minorias parlamentares, observncia das regrasbsicas do jogo democrtico e do Estado de Direito

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    origem no Poder Executivo, a PEC 171/1993 teve origem na prpria Cmara dos

    Deputados.

    Em um primeiro momento, essa stil diferena no teria tanta relevncia. No

    entanto, ela responsvel por definir a existncia ou no de um vcio formal na

    aprovao da PEC 171/1993.

    Em outras palavras, a deciso do Supremo, no MS n. 22.503/DF, se deu no

    sentido de evitar que o legislativo obstaculize a votao de projetos encaminhados a

    votao pelos outros autorizados do art. 60 da Constituio da Repblica24. Pois, caso a

    deciso do Supremo fosse em sentido contrrio, nenhum projeto que fosse contrrio aos

    interesses do legislativo iria a votao em seu texto original, vez que facilmente seria

    obstaculizado com a incluso de uma emenda aglutinativa e sua posterior rejeio. O

    que impossibilitaria a votao do projeto principal.

    A modo de concluso, todo o exposto revela que a PEC 171/1993 est eivada

    de vcios; sejam eles formais ou materiais. Razo pela qual, caso haja sua promulgao,

    dever nela incidir o controle de constitucionalidade exercido pelo judicirio e,

    portanto, declar-la inconstitucional.

    24ROSA, Alexandre Morais Da. MAIA, Maurilio Casas.Para entender porque a PEC (171) daReduo da Idade Penal inconstitucional voc precisa dominar overruling edistinguishing. Disponivel em: Acesso em 10 desetembro de 2015.

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    5. CONCLUSO

    A aprovao da PEC 171/1993, em primeira votao na Cmara dos Deputados

    e pela Comisso de Constituio e Justia da Cmara, representou grande surpresa para

    a comunidade acadmica brasileira. Ainda mais que sua aprovao se deu em uma

    segunda votao na mesma sesso legislativa que j havia sido rejeitada.

    Desse modo, nos propomos a analisar a (In)constitucionalidade da PEC

    171/1993 e chegamos concluso de que ela inconstitucional tanto material quanto

    formalmente.

    A inconstitucionalidade material da PEC 171/1993 se revela pela afronta ao art.

    60 4. da Constituio da Repblica, que estabelece as matrias que no sero

    passveis de modificao por via de emenda constitucional. Assim, a PEC 171/1993

    busca aumentar a incidncia do Direito Penal em pessoas menores de 18 anos, sendo

    que essa modificao considerada como uma tendncia a abolio. Melhor dito, os

    jovens menores de 18 anos perdero o direito de que as normas do Direito Penal sejam

    aplicadas apenas aps os 18 anos.

    Tambm fere o princpio da igualdade. Pois o Direito Penal prev sua

    incidncia apenas em condutas tpicas, antijurdicas e culpveis (Crimes). No havendo

    diferenas formais entre um crime hediondo e um crime nohediondo.

    Do mesmo modo fere o princpio da interveno mnima. Pois o Direito Penal

    passa a ser aplicado como mecanismo de prima ratio em casos que podem ser

    solucionados por meio de medidas sociais de preveno. O que revela uma afronta ao

    art. 227 da Constituio da Repblica; vez que dever da famlia, do Estado e da

    sociedade fornecer um ambiente favorvel para o desenvolvimento fsico e mental

    saudvel de todas as crianas e adolescente.Por fim, cabe ressaltar a presena de vicio formal na aprovao do projeto. Pois

    h a clara violao do art. 60, 5. da Constituio da Repblica na aprovao da PEC

    171/1993; vez que foi aprovada na mesma sesso em que a proposta j havia sido

    rejeitada.

    Nesse sentido, no h possibilidade de se invocar a deciso do Supremo

    Tribunal Federal no MS n. 22.503/DF para justificar a constitucionalidade da PEC

    171/1993. Pois, as particularidades da PEC analisada no MS n. 22.503/DF sodiferentes das particularidades da PEC 171/1993. Enquanto a PEC analisada no MS n.

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    22.503/DF foi proposta pelo poder Executivo e a emenda aglutinativa feita pelo

    legislativo da Cmara dos Deputados, no caso da PEC 171/1993 a proposta partiu da

    prpria Cmara dos Deputados e foi emendada pela prpria Cmara dos Deputados

    Esse fato demonstra que no h possibilidade de aplicao da deciso daquele

    Mandado de Segurana, tambm, na PEC 171/1993. Devido origem da proposta ser

    diferente.

    Assim, demonstrada a inconstitucionalidade da PEC 171/1993, h que se unir

    esforos para que as leis j existentes sejam cumpridas em sua integralidade. No

    forando a criao de mais leis que nunca sero aplicadas por falta de interesse poltico.

    A modo de concluso, fato incontroverso que a diminuio dos crimes de

    uma sociedade se inicia com a elaborao e efetivao de verdadeiras polticas sociais25.

    Questes essas j amplamente postas em prtica em praticamente toda a Europa, um

    continente que inevitavelmente serve de modelo aos olhos dos brasileiros.

    25 Hasta hoy, entonces, puede afirmarse la vigencia de la frase de ese gran penalista, VONLISZT: La mejor Poltica Criminal es una buena Poltica Social (ZIGA RODRGUEZ, Laura.Poltica Criminal. Madrid: Colex, 2001, p. 66).

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    MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

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