Cartilha Não à Redução da Maioridade Penal

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Cartilha realizada em conjunto com o mandato do vereador Henrique Vieira - PSOL Niterói

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Não à Redução da Maioridade Penal - Cartilha

Organizada pelos mandatos coletivosVereador Henrique Vieira e Deputado Estadual Flavio Serafini - PSOL

Textos: Carlos Bittencourt, Francisco Barros, Franco Castro, Matheus RodriguesProjeto Gráfico e Capa: Flávia Mattos

Impressão: Gráfica EDG - 1.000 unidades - Distribuição gratuita

Expediente

Assembleia Legislativa do Rio de JaneiroRua Dom Manoel, s/n – Centro/RJPrédio anexo

FlavioSerafiniPSOLALERJ Gabinete 213

[email protected][21] 2588-1553

Câmara Municipal de NiteróiAv. Amaral Peixoto, 625 – Centro

HenriqueVieira.PSOLGabinete 69

[email protected][21] 2620-0842

Sumário

Apresentação

“O problema é a falta de prisão!” Será?

Os jovens no Brasil MORREM muito!

E quanto aos adolescentes em conflitos com a lei?

E como funciona nos outros países?

Mudanças de paradigmas

Conclusão

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Não à Redução da Maioridade Penal

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Apresentação

Depois de décadas de tentativas frustradas, a Comissão de Cons-tituição e Justiça da Câmara Federal acaba de votar pela constituciona-lidade da PEC 171/93 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Esta atitude é um claro exemplo de populismo penal. Ou seja, através de um aumento do rigor da lei, os deputados que votaram a favor da PEC 171 pretendem fazer parecer que estão tomando atitudes drásticas contra a violência, quando, na verdade, estão fazendo com que o Estado deixe de cumprir com as suas obrigações para com a juventude do país (que nun-ca foram cumpridas!) que poderiam de fato dar resposta ao problema da violência envolvendo a juventude no Brasil. Esta cartilha traz dados para demonstrar como este discurso puni-tivo não apenas não traz soluções para os nossos problemas como ainda piora a nossa realidade. A partir dela, podemos desmentir ideias comu-mente repetidas, como por exemplo: “No Brasil um jovem de 16 anos já tem idade para votar, mas não para ser punido”. Isto simplesmente não é verdade. A lei Já permite que um jovem perca a sua liberdade desde os 12 anos de idade. O que muda com a redução da maioridade penal é que um jovem de 16 a 18 anos pode vir a ser preso, não importa o delito que tenha cometido, junto com adultos. Todo mundo sabe que a cadeia não torna as pessoas melhores. 95% dos adolescentes apreendidos no estado do Rio de Janeiro não completaram nem o ensino fundamental, o que revela um completo fracasso das políticas públicas brasileiras. Ao prendermos esses jovens junto com adultos que, muitas vezes, cometeram delitos graves, nós não estaremos apenas desistindo de dar a eles uma chance de mudar, estaremos, muito provavelmente, criando as condições para que eles se tornem pessoas piores quando retornarem ao convívio social. Nesta cartilha você verá que, ao contrário do que se diz, o Brasil não é o país da impunidade. Pelo menos não para os mais pobres e opri-midos... Nosso país prende muito e o resultado disso não tem se mostrado bom. Além do mais, adiante demonstraremos que os jovens não são os que cometem mais crimes. Na verdade eles têm sido as maiores vítimas de violência.

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É possível mudar esta realidade e vivermos num país com menos violên-cia. Se olharmos para países com índices de violência bem menores do que os nossos, veremos que o que eles fizeram para ter essa realidade não foi aprisionar seus jovens e sim educá-los. A educação é o caminho! Por estarmos convictos de que a nossa sociedade precisa de mais esco-las e não de mais presídios, afirmamos que reduzir a maioridade penal NÃO é a solução!

Vereador Henrique Vieira Deputado Estadual Flavio Serafini

Liss

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ro G

arri

do

Não à Redução da Maioridade Penal

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“O problema é

a falta de prisão!”

SERÁ?

Ao mesmo tempo em que observamos altos índices de homicídio no Brasil, vemos a expansão do encarceramento da população brasileira, movimento que atinge com especial violência a negros e pobres. Alguns números: a nossa massa carcerária aumentou de 90 mil presos em 1990 para 550 mil em 2012. Um espantoso aumento de 611%! É a quarta maior população carcerária do mundo em números absolutos, atrás apenas dos Estados Unidos, com 2,2 milhões de presos, e da China, com 1,7 milhão e Rússia com 676 mil. Se tomarmos em conta a evolução histórica das taxas de homi-cídio, comumente usadas para medir os índices de violência de um país, veremos que o Brasil apresentou um aumento de 19,1 homicídios por 100 mil habitantes em 1992 para 29 por 100 mil em 2012. A taxa de homicí-dio de jovens, por sua vez, subiu de 49,6 por 100 mil em 1992 para 53,4 em 2012. Isso a despeito do hiperencarceramento que citamos acima. No mesmo período, a população brasileira cresceu apenas 13%. Se somarmos o fato de que as taxas brasileiras de reincidência giram em torno de 70%, fica bem claro que a via carcerária não tem servido para fazer diminuir ou sequer para estancar os nossos índices de violência.

Dos presos brasileiros, segundo o 7º Anuário Brasileiro de Segu-rança Pública, 55% têm entre 18 e 29 anos e 61% são negros. Em 74,4% dos casos os indivíduos foram incriminados por crimes patrimoniais ou tráfico de entorpecentes (49,1% e 25,3%, respectivamente). Além disso, cerca de 80% dos presos vai do analfabetismo ao ensino fundamental completo

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e apenas 0,39% deles possuem o ensino superior completo. Ainda mais grave, cerca de 40% dos que estão hoje encarcerados no Brasil são presos provisórios, ou seja, estão sendo mantidos atrás das grades sem que haja qualquer tipo de condenação.

Perfil da população carcerária brasileira

Prisões

49,1%Crimes patrimoniais

25,3%Tráfico de entorpecentes

Entre 18 e 29 anos

61%

80% 0,39%São negros

55%

Analfabetismo aoensino fundamental

completo

Ensino superiorcompleto

40% SÃO PRESOS PROVISÓRIOS

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Os jovens no Brasil

MORREM muito!

O Brasil registrou em 2012 mais de 56 mil pessoas assassinadas. Dessas, segundo a Anistia Internacional, cerca de 30 mil eram jovens entre 15 e 29 anos e, desse total, 77% eram negros e negras. Se considerarmos a taxa de homicídios entre os jovens de 15 a 29 anos, veremos que os jovens brancos são assassinados numa proporção de 30,1 para 100 mil, enquanto os jovens negros são massacrados em uma proporção de 80,7 assassina-tos por 100 mil habitantes. Além disso, de acordo com a UNICEF, entre 2006 e 2012 foram assassinados cerca de 33 mil jovens com idade entre 12 e 18 anos. Ocupamos atualmente, em termos relativos (por 100 mil habitantes) a sétima colocação entre os países com mais homicídios na população geral, e a sexta colocação entre os países com mais crianças e jovens até 19 anos assassinados. Estamos à frente, por exemplo, de países como México, Rússia e Iraque. No Brasil, como podemos ver, a juventude é constantemente chacinada, através do que a socióloga Vera Malaguti Batista chama de “filicídio”. Precisamos pensar não em como encarcerar essa juventude, mas sim em como preservar a sua vida. Olhando desde a perspectiva histórica é impossível não notar as conexões entre o massacre da população pobre e negra (evidente nos dados apresentados) e a larga história de diáspora e escravização das mais diversas etnias africanas no país. Os povos negros viveram mais tempo sob a escravidão do que o período que já têm de liberdade. Portanto, esses números não são uma coincidência, demonstram que o racismo é mais do que um comportamento. Ele molda as relações econômicas, sociais e culturais do país e é um dos motores do punitivismo que impulsiona a aprovação da redução da maioridade penal.

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Pessoas assassinadas em 2012

A cada 100 mil habitantes

ENTRE 2006 E 2012

Proporção de assassinatos entreos jovens de 15 a 29 anos

Entre15 e 29 anos

56 mil 30 milNegras e negros

77%Mortos

80,7 30,1Negros Brancos

33 milJovens

assassinados

12 e 18anos

Entre

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E quanto aos adolescentes em conflitos com a lei?

Quando o assunto são os adolescentes, a situação não é menos caótica: em 2010 eram 67.045 os adolescentes que cumpriam algum tipo de medida socioeducativa, número que pulou para 89.718 em 2012 (au-mento de 33%). Se considerarmos apenas as medidas que impõem priva-ção ou restrição de liberdade, que ainda são as mais aplicadas, veremos que em 1996 havia 4.245 adolescentes encarcerados no Brasil, número que saltou para de 20.532 em 2012: um aumento de 384%! Do total de jovens internados, 71% estão privados de liberdade por roubo, tentativa de roubo, furto ou tráfico. Por outro lado, os atos infra-cionais contra a pessoa, comumente usados para justificar a redução da maioridade penal, vêm diminuindo ano a ano: em 2010, 14,9% dos jovens que estavam internados por homicídio, 5,5% por latrocínio (roubo segui-do de morte), 3,3% por estupro e 2,2% por lesão corporal. Em 2012 esses números caíram para 9%, 2,1%, 1,4% e 0,8% respectivamente. Ou seja, es-tatisticamente, são uma ínfima minoria os jovens que cometeram crimes contra a pessoa. Por conta dessa minoria, nossos políticos estão propon-do que todos esses jovens passem a ser presos junto com adultos em vez de passarem por medidas socioeducativas. Vemos o crescente encarceramento de jovens como uma medida que visa sobretudo criminalizar a juventude negra e de periferia. Alguns números mostram bem isso: recente audiência pública realizada na As-sembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) deu conta de que 95% dos adolescentes apreendidos no estado não concluíram o ensino fundamen-tal. Se considerarmos que o Brasil tem uma das maiores taxas de evasão escolar do mundo (atualmente em 24,3%), poderemos começar a entrever um dos principais problemas referentes à nossa juventude. Um país que não disponibiliza escolas aos seus adolescentes não tem o direito de ofe-recer prisão como alternativa.

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Medidas socioeducativas

Medidas que impõem privação ourestrição de liberdade

Negros Brancos

AUMENTO DE 33%

67.045 mil 89.718 milEM 2012EM 2010

AUMENTO DE 384%

Atos infracionais contra a pessoa

4.245 milAdolescentesencarcerados

20.532 milEM 2012EM 1996

EM 2012EM 2010

Adolescentesencarcerados

Adolescentes Adolescentes

14,9% homicídio

5,5% por latrocínio

3,3% por estupro

2,2% por lesão corporal

9% homicídio

2,1% por latrocínio

1,4% por estupro

0,8% por lesão corporaldiminuição

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E como funciona

nos outros países?

É costume dos que defendem a redução da maioridade penal fa-zer comparações com outros países. Bradam, sem um mínimo de com-promisso com a verdade, que enquanto países como a Alemanha e a Argentina penalizam jovens a partir dos 14 ou 16 anos, no Brasil o ado-lescente infrator goza de imunidade até completar os 18 anos. É mentira! Na verdade, o que há é uma confusão entre a idade de responsabilidade penal e a maioridade penal. Aqui no Brasil, por exemplo, um jovem pode pode ser responsabilizado e encarcerado pelos seus atos a partir dos 12 anos (dois a menos do que na Alemanha). Tanto Alemanha quanto Argentina adotam a maioridade penal aos 18 anos de idade. A Alemanha vai além e adota o modelo de jovens-adultos, que permite que ao jovem entre 18 e 21 anos, a depender de seu discernimento, sejam aplicadas as regras do sistema de justiça juvenil. Na mesma linha vão cerca de 70% dos países do mundo, que segundo a UNICEF estabeleceram a maioridade penal aos 18 anos, embora permitam a responsabilização juvenil antes disso. Alguns exemplos: na Argélia a res-ponsabilidade juvenil começa aos 13 anos, e a maioridade penal é aos 18. Na Áustria começa aos 14 e aos 19, respectivamente. Na China, aos 14 e aos 18. Na França, aos 13 e aos 18. Na Grécia, aos 13 e aos 18, com sistema de jovens-adultos até os 21. Na Inglaterra, aos 10 (sendo a privação de liberdade permitida somente a partir dos 15) e aos 18, com atenuação das penas até os 21. No Japão, aos 14 e aos 21.

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Maioridade penal em outros países

Argentina

Alemanha

Argelia

18 anos

18 anos e modelo jovens-adultosjovens de 18 a 21 anos, dependendo de seu discernimento, podem ser submetidos ao sistema juvenil

18 anos e modelo jovens-adultosResponsabilidade juvenil: 13 anos

Áustria 19 anos e modelo jovens-adultosResponsabilidade juvenil: 14 anos

China 18 anos e modelo jovens-adultosResponsabilidade juvenil: 14 anos

França 18 anos e modelo jovens-adultosResponsabilidade juvenil: 13 anos

Grécia 18 anos e modelo jovens-adultosResponsabilidade juvenil: 13 anos

Responsabilidade juvenil: 14 anos

Inglaterra 18 anos e modelo jovens-adultosResponsabilidade juvenil: 10 anos, sendoa privação de liberdade a partir dos 15 anos,com atenuação das penas até os 21 anos

Japão 21 anos e modelo jovens-adultos

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Mudanças de paradigmas

É essencial mudarmos de paradigma no que tange ao tratamento oferecido aos adolescentes em conflito com a lei. O que aconteceu em São Paulo pode nos ajudar a entender essa necessidade: lá, até 2006, os adolescentes em privação de liberdade cumpriam as medidas socioedu-cativas na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), que virou sinônimo de violação de direitos, superlotação, torturas e maus-tratos. Desde 2006 algumas mudanças têm sido postas em prática nesse sistema. Até o nome da instituição mudou deixando de ser FEBEM e passando a se chamar Fundação Casa. Desde então, mais espaço tem sido dado a ativi-dades educacionais e de cultura e lazer, num processo que podemos cha-mar de humanização da instituição. Sabemos que essa humanização é muito limitada, que é preciso pensar formas alternativas para se lidar com o conflito e que ainda é possível observar diversas denúncias de violações de direitos humanos, notadamente de torturas por parte dos agentes do Estado. Entretanto, não podemos deixar de notar que a reincidência de adolescentes em conflito com a lei no estado de São Paulo caiu de 29%, antes de 2006, para 14% após a reformulação da Fundação Casa. Para se ter uma ideia, em nível nacional, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, a reincidência juvenil gira em torno de 43%, enquanto entre os adultos do sistema prisional a reincidência chega a 70%.

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Conclusão

A situação de violência generalizada em que nos encontramos é uma verdadeira tragédia. É trágico quando uma criança atira ou quan-do é atingida por um tiro; é trágico quando um adolescente assalta ou é assaltado; é parte da mesma tragédia quando uma criança abandona os estudos, o lar. Um crime cometido por uma criança é sempre também um crime contra a mesma criança. Também morre quem atira. Essa cartilha é um compromisso com a vida, com a educação, com uma sociedade mais justa e menos desigual. A maioria do Congres-so Nacional – tentando ocultar seus desvios, suas mazelas, seus podres – se esconde atrás do populismo penal, de uma falsa ideia de justiça. Não escondem assim, seu profundo elitismo, suas raízes racistas e des-compromissadas com os interesses das partes mais vulneráveis de nossa população. Definitivamente precisamos de mais escolas e menos cadeias. A violência perpassa a nossa História - com o nosso passado co-lonial e escravocrata, a repressão violenta às revoltas sociais, ditaduras e violações de direitos - e se apresenta no presente de maneira alarman-te através dos abusos promovidos pelo Estado e do nosso cotidiano de permanentes conflitos violentos. Não será com ainda mais violência que resolveremos tudo isso. Para mudarmos essa realidade é preciso atacar-mos a raiz dos problemas que é a desigualdade social. Isso só será possível através da construção de uma outra cultura de garantia de direitos, cida-dania e vida plena à nossa juventude.