A inconstitucionalidade do estabelecimento de cotas para universidades públicas

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4 Amália Carolina de Carvalho Pitanga Cristine Emily Nascimento Eunice Leão Flora Carvalho da Mata Humberto Oliveira Juray Castro A INCONSTITUCIONALIDADE DO ESTABELECIMENTO DE COTAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS PARA AFRO- DESCENDENTES PROVINDOS DE ESCOLAS PÚBLICAS Trabalho apresentado como requisito parcial para avaliação da disciplina Teoria da Constituição, do Curso de Direito do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador, sob a orientação do Prof. Miguel Calmon. Salvador – Ba Novembro – 2002

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Amália Carolina de Carvalho Pitanga

Cristine Emily Nascimento

Eunice Leão

Flora Carvalho da Mata

Humberto Oliveira

Juray Castro

A INCONSTITUCIONALIDADE DO ESTABELECIMENTO DE COTAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS PARA AFRO-DESCENDENTES PROVINDOS DE ESCOLAS PÚBLICAS

Trabalho apresentado como requisito parcial para avaliação da disciplina Teoria da Constituição, do Curso de Direito do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador, sob a orientação do Prof. Miguel Calmon.

Salvador – Ba Novembro – 2002

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Amália Carolina de Carvalho Pitanga

Cristine Emily Nascimento

Eunice Leão

Flora Carvalho da Mata

Humberto Oliveira

Juray Castro

A inconstitucionalidade do estabelecimento de cotas nas universidades públicas para afro-descendentes provi ndos de

escolas públicas

Salvador – Ba Novembro – 2002

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Índice

Introdução .................................................................................................4

A historicidade das desigualdades ............................................................7

Uma visão social .......................................................................................10

As cotas à luz da Constituição...................................................................13

Conclusão ................................................................................................20

Referências Bibliográficas ........................................................................21

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I - Introdução

Celso Antônio Bandeira de Mello, explicita em sua obra, “Conteúdo Jurídico do

Princípio da Igualdade”, que a Constituição brasileira estabelece no art. 5º, caput, que

todos são iguais perante a lei, e tem o direito de serem tratados igualmente. Segundo o

sistema normativo vigente a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas

instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os

cidadãos.

Hans Kelsen considera que, a igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica,

garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira

idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A

igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos

exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos

sem fazer distinção alguma entre eles, como por exemplo, entre criança e adultos,

indivíduos mentalmente sadios e alienados.

Nesse contexto, há que se perguntar: quais são os iguais e quem são os

desiguais, qual o critério legitimamente manipulável que autoriza distinguir pessoas e

situações em grupos apartados para fins de tratamento jurídico diverso? Uma outra

questão é, como incluir esses desiguais em nossa sociedade multicultural e pluriética?

Hoje, no centro das discussões sobre iguais e desiguais, está o tema: Cotas nas

universidades para negros. Depois de 114 anos da abolição da escravatura, o país

discute meios para diminuir a exclusão dos estudantes negros nas universidades. Após

quatro séculos de escravidão e mais de cem anos de exclusão social, a sociedade

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brasileira resolveu se mobilizar para encontrar maneiras de reduzir o abismo existente

entre as condições de vida dos brancos e dos negros no Brasil.

Muitas pessoas são contra a medida de reservar parte dos assentos nas

universidades a negros, e apresentam inúmeros motivos. Cotas para negros combatem

uma injustiça com outra, pois suspendem o sistema de mérito do candidato, além de

serem discriminatórias e ofensivas, pois os negros também são capazes de serem

aprovados. Seria um preconceito às avessas legitimado no próprio sistema

segregacionista das cotas.

A adoção de cotas para negros e mestiços surgiu nos Estados Unidos, sendo

chamada de “política de ação afirmativa” que na verdade, favoreceu a manutenção das

discrepâncias sociais neste país. No Brasil, a idéia foi lançada por meio de um projeto

de lei no Senado Federal, estabelecendo que o acesso à universidade e as vagas no

serviço público poderão ser feitas, em alguns casos, de acordo com um sistema de

cotas para negros e pardos. Esse sistema, porém, merece algumas considerações. Ao

tentar resolver as diferenças sociais por meio do sistema de cotas, o governo pode

estar incorrendo em preconceito e discriminação.

O critério racial é perigoso e excludente. É vergonhoso e ofensivo o preconceito

que existe contra os negros e pardos no Brasil. Eles não possuem as mesmas

oportunidades de ascensão social que os considerados “brancos”. Todos os

mecanismos legais possíveis devem ser adotados para garantir a negros e pardos (e

por que não aos índios) os mesmos direitos dos outros brasileiros. O sistema de cotas,

no entanto, pode implicar sérias injustiças, graves distorções e resultar num efeito

colateral gravíssimo, muito próximo daquilo que se quer banir: o racismo e suas

detestáveis manifestações.

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As políticas de ação afirmativa só têm sentido se e quando costuradas pelo

reconhecimento e pela valorização dos negros enquanto seres humanos iguais. Fora

disso serão pontuais, paliativas, paternalistas, e com fracasso anunciado. As

comunidades negras não querem mais ir para guetos. Querem justamente sair dos

guetos em que hoje se encontram. Uma sociedade multicultural reconhece e, mais do

que isso valoriza as diferentes culturas que se desenvolvem em seu meio. E, numa

situação de igualdade de direitos, a tendência é o diálogo e a troca entre as diversas

culturas, enriquecendo a sociedade.

Índios, judeus, árabes, poloneses, alemães, italianos, portugueses, etc.

preservam sua cultura dentro da nossa sociedade e, ao mesmo tempo, são brasileiros.

Cada uma destas etnias formadoras do povo brasileiro, cada uma com sua contribuição

específica, passou por momentos de maior ou menor fechamento, maior ou menor

abertura, em relação às outras culturas, o que não nega seu direito inalienável de

preservar a própria cultura.

Os descendentes de africanos no Brasil mostraram ao longo dos anos, de

escravidão e opressão, a força de resistência de sua cultura, viva até hoje, com

enormes contribuições na construção da sociedade brasileira. Então como se pensar

em cotas para negros, como se não fossem os mesmos brasileiros, e sim um grupo

delimitado, à parte da nossa história, negando-se a miscigenação do povo brasileiro, o

que por se só já seria um fator complicante para determinar quem de fato é negro no

Brasil. O estabelecimento de cotas nega a existência do povo brasileiro e ajuda a

seccionar ainda mais a sociedade.

Quando se fala em cotas deve-se pensar no povo brasileiro, que é um fator

estrutural , já as cotas são um fator conjuntural que não toca no bojo da questão que é

injustiça social da sociedade. No momento em que se criam cotas, não se cria a noção

de nacionalidade. A questão não é inserir essa população isoladamente, mas sim

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inserir todo o povo brasileiro no Brasil, ou seja, criar todo o povo brasileiro. Esse jogo de

criar cotas garante a divisão da sociedade.

A Socióloga, Abigail Thernstrom causou debates acirrados nos Estados Unidos

em 1997, quando ela e o marido, Stephan Thernstrom, lançaram o livro América in

Black and White: One Nation, Indivisible (Estados Unidos em Preto e Branco, Uma

Nação Indivisível). Na obra, a socióloga, PhD. Em estudos de política pública pela

Universidade de Harvard, fazia uma análise detalhada das relações entre negros e

brancos ao longo da História americana. Entre outras conclusões polêmicas, ela

demonstrou que as iniciativas de ação afirmativa poderiam não ser tão eficientes e

justas como se imagina. Esse sistema seria responsável pela geração de um “padrão

acadêmico duplo”, que significa ter dois padrões diferentes de admissão nas

universidades, passando a mensagem assim, de que negros e hispânicos (as minorias

beneficiadas) não podem ser julgados pelos critérios acadêmicos normais, que não se

pode esperar muito da performance desses grupos. Mensagem humilhante e racista.

Para ela a única alternativa é investir nos ensinos básico e médio. Não adianta

tentar resolver no último grau, porque dessa forma o problema principal não

desaparece nunca. Se houver melhoria efetiva no ensino primário, isso nivelará todas

as etapas do jogo e não deixará nenhuma desculpa para o tratamento preferencial.

Crianças de baixa renda e de qualquer raça podem ter bom desempenho acadêmico se

receberem boa educação. Isso leva tempo, mas a solução imediatista das cotas é uma

cura pior que a doença: perpetua estereótipos raciais de inferioridade.

II – A historicidade das desigualdades

Os negros eram livres em seu continente de origem a África, sendo capturados

ou até mesmo vendidos para os europeus que os revendiam para trabalho escravo no

novo mundo. No século XV o continente africano começou a ser explorado pelos

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europeus, quando os portugueses alcançaram e dominaram vários pontos do seu

litoral, de lá arrancaram ouro, marfim e principalmente escravos para as colônias

americanas.

Em 17 de setembro de 1787 foi proclamada a Constituição do Estados Unidos,

com ideais de liberdade e de justiça, contudo não conseguiu significar liberdade para

todos que habitavam os Estados Unidos; a escravidão negra continuava, sendo abolida

mais tarde por meio da guerra de Secessão (1861-1865), que objetivava colocar os

escravos contra os confederados do sul e torná-los aliados dos nortistas, em 1863 o

presidente Lincoln aboliu a escravidão. Mesmo após a abolição a população negra do

sul não usufruía de benefícios ou cidadania, sendo sujeitados à leis que positivavam a

discriminação racial, as chamadas JIM CROW LAWS, que culminaram com a completa

abolição dos direitos civis dos negros sulistas em 1910. Além das agressões físicas,

linchamentos e homicídios, os negros que tivessem até um oitavo de sangue africano,

só podiam viajar nos vagões de trem especialmente destinados aos negros; nos

tribunais sulistas, nenhum negro podia depor contra um branco, ou apresentar uma

queixa ou acusação formal. No norte o tratamento aos negros era mais ameno, ainda

assim acreditava-se que os negros eram incondicionalmente inferiores aos brancos.

Na década de 60 os negros, discriminados e a margem de toda uma sociedade,

manifestaram publicamente, visto que representavam 10% da população norte-

americana, recebendo em média 58% dos salários dos trabalhadores brancos e

vivendo miseravelmente em guetos nas grandes cidades. Esse acúmulo de

desigualdades impulsionaram os movimentos raciais a explodirem de forma violenta na

Califórnia em 1965, alcançando seu auge em 1968, quando Martin Luther King, líder do

movimento pacifista negro foi assassinado. A partir daí a violência tornou-se a forma

mais habitual de luta empregada pelos grupos negros, como o BLACK POWER (poder

negro).

No período de 1961-1963 os Estados Unidos teve John Kennedy como um

presidente dito democrata, passando para a história como um presidente liberal que

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pôs em prática programas de benefícios sociais visando melhorar as condições de vida

dos americanos mais pobres, desencadeando o movimento pelo fim da segregação

racial nos Estados Unidos. Vale salientar que no estado do Alabama, seis crianças

negras foram impedidas de entrarem numa escola pública, precisando da intervenção

federal para garantir-lhe um direito constitucional.

A distribuição desigual da riqueza econômica dos Estados Unidos entre os 264

milhões de descendentes dos primeiros colonizadores compõe o setor mais rico,

designado pela sigla WASP - White Anglo-Saxon Protestant ("branco, anglo-saxão e

protestante"), no outro extremo os mais de 30 milhões de pobres (12% da população do

país) compostos em sua maioria, por negros e latinos.

Com a falta de pessoal para desenvolver a nova colônia os portugueses

tentaram escravizar os índios, contando para isso com a ajuda da Igreja católica que

através dos padres jesuítas catequizavam os índios, fundavam colégios e seminários,

objetivando a formação de clérigos, ofereciam educação elementar para a população

de colonos, com exceção das mulheres, catequizando e salvando as almas selvagens

dos nossos índios. Fracassando na tentativa de escravização do índio, trouxeram os

negros africanos para trabalharem na lavoura de cana-de-açúcar como escravos ou em

atividades domésticas sendo o último país a abolir a escravidão.

Cronologicamente os caminhos percorridos pelo Brasil até a abolição da

escravatura são compreendidos desta forma:

1845 - A Inglaterra aprova a lei Bill Aberdeen, autorizando sua marinha a atacar

navios negreiros;

1850 o governo inglês pressiona o governo brasileiro a promulgar a Lei Eusébio

de Queirós proibindo o tráfico negreiro e autorizando a expulsão dos traficantes de

escravos do país;

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1871 - Lei do Ventre Livre declarava livres os filhos de escravos nascidos no

Brasil;

1885 - Lei dos Sexagenários declarava livres os escravos com mais de 65 anos;

1888 – depois de tantas pressões externas a Lei Áurea é promulgada pela

Princesa Isabel em 13 de maio, libertando os escravos para serem o mais novo

mercado consumidor das Américas.

Os antigos proprietários de escravos prosseguiram com seu tratamento cruel e

desumano; grande parte da sociedade branca e colonialista preservou atitudes de

desdém, fruto de arraigado preconceito racial. Após mais de cem anos da abolição dos

escravos, o negro sofre a herança de mais de três séculos de servidão, segundo

estatísticas atuais os negros são os mais atingidos pela miséria, fome, falta de

educação, moradia e assistência à saúde, ocupam os postos de trabalhos das

profissões mais desfavoráveis ganhando os piores salários. A verdadeira libertação do

negro é a sua luta pela cidadania plena, é uma tarefa inacabada que tem muito ainda

para se realizar no Brasil.

Na África a minoria branca estabelecia leis oficializando a segregação racial,

separação de classes por etnia, embora os negros fossem maioria absoluta

(APARTHEID). Em 1992 em plebiscito a população branca votou pelo fim do apartheid,

e em 1993 o presidente da África do Sul Frederik de Klerk e o presidente do Conselho

Nacional Africano, Nelson Mandela assinam a nova Constituição, acabando com a

discriminação no país.

III – Uma visão social

A sociedade brasileira fundamenta-se numa mascarada convivência harmônica

entre as raças, tão diversa em nossa sociedade, inverdades impulsionadas pelas ditas

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classes dominantes que estão sendo desveladas e questionadas pela sociedade – a

desigualdade social e econômica é seu maior trunfo.

O Brasil é o país das desigualdades, sejam positivas – diversidade racial e

cultural, sejam negativas – preconceitos quanto à cor de pele como pelo aspecto

econômico. Como enfatiza o articulista da revista Caros Amigos, César Benjamin, “... o

povo brasileiro é o mais mestiço do mundo, constituído por uma infinita gradação de

cores e tipos, sendo cada geração mais misturada que a anterior.” O orgulho que

deveria existir por essa mistura tão honrosa é substituído por transtornos que levam aos

conflitos, as lutas de classes preconizadas em contínuo pela história.

Afastando-se da idéia do “paz e amor” entre as raças, concepção ideológica

sustentada desde a falsa libertação dos escravos, foi observado e constatado na

Conferência Mundial contra o Racismo, em Durban, África do Sul, que o Brasil é um

país preconceituoso e que discrimina os negros, acepções que favorecem a

continuidade das desigualdades na sociedade. Pode-se dizer também que o brasileiro

demonstra-se tão influenciável por elementos externos que parece aceitar os moldes

que as elites lhe impõe, e acha maravilhosa a implantação de um projeto copiado, por

essa mesma elite, de um país com características sócio-econômicas bem diferenciadas

das nossas. A intenção desse projeto – estabelecer nas universidades cotas para

negros advindos de escolas públicas – que seria amenizar as desigualdades dos

negros, surge como mais uma segregação social acobertada pelo Governo que servirá

tão somente para fomentar as discussões e/ou aumentar o preconceito e discriminação

pela cor. Segundo a socióloga Abigail Thernstrom, um dos autores do livro “Estados

Unidos em Branco e Preto: uma Nação Indivisível”, as “cotas só servem para aumentar

o preconceito e criam uma casta de diplomados de segunda classe”.

A adoção de cotas para negros adere-se inúmeras críticas, e uma delas esta

justamente na miscigenação da população brasileira; Quem é negro? Como classificar

os diversos entendimentos de cor de pele no Brasil? Quem é afro-descendente e quem

não é? Como avaliá-los diante de um vestibular? No Brasil, devido a mistura de raças,

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há poucos negros e poucos brancos puros. Somos um povo branco, negro, mestiço,

mulato, índio, e até amarelo; somos todos afro-descendentes! Segundo Carolina Matta

Machado em seu artigo Cotas da discórdia, mostra uma solução, não mais digna,

contudo mais coerente sugerindo a construção e o investimento em cursos de

suplementação escolar (os cursinhos) para as vítimas de discriminação, de forma com

que todos, negros, mestiços e brancos carentes pudessem competir no vestibular em

igualdade de condição com os demais estudantes, mesmo acreditando que esta

medida ainda seja desesperadora.

A concepção de ter-se um projeto que introduza as cotas como solução às

desigualdades, pode ser conhecido, com uma visão minimalista, como Ações

Afirmativas, implantadas inicialmente nos Estados Unidos, gerando inúmeros tumultos

entre brancos e negros nos anos 60. No caso do Brasil, essas cotas seriam mais

significativas e eficazes se fossem expandidas às diversas classes excluídas

principalmente pelo sistema capitalista em sua naturalidade; os excluídos, a classe com

menor poder aquisitivo, mereceria um melhor tratamento desde o ensino básico e não

só no ensino superior, no qual estes alunos encontram-se despreparados e com

deficiências que incompatibilizarão esse ingresso ao ensino superior; entretanto, essa

situação tão nacional não eliminaria a precisão das ações afirmativas, pois estas não

podem se confundir com tratamento preferencial (cotas para negros). O objetivo dessas

ações seria poder ou tentar garantir uma boa educação para os grupos em

desvantagem, ou seja, investir necessariamente nos ensinos básico e médio. Trata-se

de dispor dessas ações desde o início da vida, com programas reconstrutivos para

crianças e adolescentes, abrindo-se caminho para que os cidadãos tenham espaço e

possam ascender numa sociedade democrática. "Se o ensino oferecido aos carentes

tem qualidade inferior, é preciso elevar o seu padrão e não decretar que essa

desqualificação não tem importância" (editorial do Estado, 29/8/2001), o que o Estado

fará com a aceitação das cotas, afastando-se assim da sua real obrigação.

O questionamento maior para o estabelecimento das cotas, está no

entendimento que a desigualdade é plural, portanto não atinge somente os negros, mas

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principalmente a classe pobre brasileira independente de raça, religião e sexo. Então,

por que só os negros terão esse direito, se a exclusão atinge, desde tempos passados,

um grande universo de brasileiros? Não devemos ser conhecidos como um país

constituído por grupos subnacionais, que “no lugar de revolucionar a sociedade e as

instituições, pedem-se cotas”, exposto por César Benjamin, mas sim como um país

formado por um povo diferente e com um único sentimento: ser brasileiro.

IV – as cotas à luz da Constituição

Vivemos numa sociedade envolvida sob o mito de uma Democracia Racial, como

se fizéssemos parte de uma sociedade harmônica com direitos iguais para brancos e

negros, como uma sociedade que apenas cometeu uma falha nos idos tempos de

colonialismo e escravidão, e contudo, depois de 119 anos de abolição da escravatura

quer reconhecer sua parcela de culpa e resgatar por meio de uma ação que deseja ser

afirmativa e uma discriminação que pretende ser positiva, a dívida social que adquiriu

com o negro e seus descendentes.

A dívida social existe e se multiplica a cada nova proliferação de favelas, onde a

maioria dos negros foi estigmatizado e afastado da classe branca e burguesa;

multiplica-se com os subempregos e os sub-salários pagos aos negros, com a

dificuldade de acesso e continuidade ao ensino de qualidade, à educação, a falta de

futuro que faz refém do narcotráfico toda uma juventude negra que anseia vencer na

vida.

Aristóteles já defendia a idéia de tratar igualmente os iguais e desigualmente os

desiguais, distinguir, discriminar as pessoas ao ponto de que se consiga alcançar a

medida compreendida nas desigualdades entre os negros e os não-negros; trazendo a

tona o princípio da igualdade tão discutido em “O conteúdo jurídico do princípio da

igualdade” de Celso Antônio Bandeira de Mello que propõe três questões a respeito,

questões analisadas à luz da adoção de cotas:

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a) qual o elemento tomado como fator de discriminação, que seria a própria

política de adoção de cotas;

b) qual a correlação lógica abstrata entre o fator de discriminação e o tratamento

jurídico diverso que dele decorre, compreendido na relação entre a reserva

de vagas para os indivíduos com um determinado tom de pele;

c) qual a consonância desta correlação lógica com o sistema constitucional,

consonância encontrada na Constituição Federal Brasileira que anseia reduzir

a discriminação entre os diversos grupos da humanidade.

Diante de tanta polêmica, há de se identificar o cerne da questão se desejamos

alcançar uma solução “politicamente correta” como anseia os diversos segmentos da

sociedade. Para isso, no entanto, precisamos de forma honesta despir-se de discursos

ideológicos e buscar respostas ao abrigo do nosso ordenamento jurídico, notadamente

na Carta Magna, posto que se identifica como núcleo desta polêmica questão a

legitimação do princípio da igualdade, ou princípio da isonomia, como instrumento de

resgate histórico atinente aos direitos e garantias individuais.

A Constituição vigente, no seu Titulo II, Dos direitos e garantias fundamentais,

estabelece:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à

propriedade nos termos seguintes:

.......................................................................................................................

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Segundo o Professor Alexandre de Moraes, em consonância com os critérios

albergados pelo ordenamento jurídico, o que se veda com o princípio da igualdade

previsto no texto constitucional, “são as diferenciações arbitrárias as discriminações

absurdas”, pois o que realmente pretende-se proteger são certas finalidades, somente

“se tendo por lesado o princípio constitucional, qua ndo o elemento discriminador

não se encontra a serviço de uma finalidade acolhid a pelo direito ”.

Sabemos que o legislador ordinário, ao elaborar o texto legal, raramente

contempla no mesmo comando todos os indivíduos, raramente regula do mesmo modo

a situação de todos os bens, quase sempre formula distinções, e todas estas situações

atípicas são essenciais ao processo legislativo, não constituindo-se em caráter

preliminar agressão ao princípio da igualdade.

A desigualdade aclamada pelo princípio constitucional surge quando a norma

distingue de forma incoerente ou arbitrária um tratamento específico dirigido a pessoas

diversas sem uma justificativa razoável, sem coerência com critérios e juízos valorativos

genericamente aceitos.

O princípio da igualdade, portanto, surge como instrumento limitador;

Limitador do legislador, que no exercício de sua função constitucional de edição

normativa, não poderá afastar-se do principio da igualdade, criando diferenciações

abusivas, arbitrárias ou sem qualquer finalidade lícita.

Limitador do intérprete ou autoridade pública, não permitindo que ao aplicar a lei,

crie ou aumente desigualdades arbitrárias, impondo-lhe a responsabilidade de no

exercício de sua função jurisdicional, buscar os mecanismos constitucionais com o

propósito de alcançar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas.

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Limitador do cidadão, que não poderá sob pretextos preconceituosos,

discriminadores ou racistas, invocar ou ferir direitos ou princípios, sob pena de

responsabilização civil e penal.

O professor Celso Antonio Bandeira de Melo, ao fundamentar o seu

entendimento quanto ao princípio da igualdade como norma voltada para o legislador e

para os operadores do direito, cita Francisco Campos:

“Assim, não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao destinatário da

clausula constitucional da igualdade perante a lei. O seu destinatário é,

precisamente, o legislador, e em conseqüência, a legislação; por mais

discricionários que possam ser os critérios da política legislativa, encontra no

princípio da igualdade a primeira e mais fundamental de suas limitações”.

A lei, portanto, não deve ser fonte de privilégios, nem tampouco instrumento

velado de burla a princípios constitucionais. Mas instrumento regulador da vida social

em busca do tratamento equânime a todos os cidadãos.

A reserva de vagas para negros e seus descendentes em universidades públicas

revela-se como uma política confusa, equivocada, lastreada carregada de questões

morais, doses de preconceito, anseio por justiça e objetivando dar uma resposta

simbólica ao conjunto das reivindicações dos movimentos sociais sobre o apartheid,

que exclui milhões de negros da vida política, social e econômica do Brasil, negros que

clamam não por favorecimentos, mas por igualdade de oportunidades; afinal estamos

de fato oportunizando igualmente à educação acordados com a Constituição Federal,

ou de alguma forma esta política está ferindo algum princípio constitucional?

Há uma preocupação com o esfacelamento da igualdade em sentido formal e seus

reflexos no ordenamento infraconstitucional como manifesta MANOEL GONÇALVES

FERREIRA FILHO:

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“A politização da lei abala o princípio de igualdade”.

... Com efeito, no desiderato oficialmente declarado de estabelecer

uma igualdade ‘real’ entre os homens e grupos, num tratamento

diferenciado em razão de suas condições peculiares, multiplicam-se

as distinções .

Ocorre, então, ‘um recuo da generalidade da lei’, como sublinha Terré. E

chega a produzir-se um ‘éclatement’ do direito comum. De fato, este se

reduz ao campo restrito enquanto se multiplicam os direitos ‘especiais’.

(...)

Por outro lado, esse direito ‘igualizador’ não raro se torna um dir eito

de privilegiamento . Sim, porque a razão justificadora da distinção

não é freqüentemente uma diferença real, ou a difer enciação não

obedece à relação entre meio e fim que a poderia ju stificar . Costuma

ser ditada, ou deformada, em decorrência de cogitações exclusivamente

políticas.” (grifo nosso)

A pergunta, portanto, é: quem são os iguais e os desiguais? Qual o critério de

distinção legitimamente manipulável?

Como referência, os critérios estatísticos que servem de fundamento às

argumentações favoráveis ao estabelecimento de cotas para afro descendentes, podem

legitimamente fundamentar questionamentos contrários.

Por exemplo, o Ministro Marco Aurélio em seu artigo “A igualdade e as Ações

Afirmativas”, cita a revista Isto È, trazendo à atenção estatística do IBGE segundo a

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qual a população Brasileira é formada por 24% de analfabetos, sendo que, destes, 80%

são negros. Qual seria o pleito legítimo então? Privilegiar deste universo de cidadãos

desprovidos de oportunidades os negros em detrimento de um universo maior de

cidadãos analfabetos? Em nome de um discurso ideológico permitir que os reais

responsáveis pelo problema continue escudando-se na omissão? Sim, pois de fato, o

texto constitucional estabelece nos seus artigos 205 a 214 como responsabilidade do

Estado garantir a educação fundamental do cidadão. E é esta garantia que falta aos

cidadãos, hoje condenados à exclusão pela omissão do Estado, quer sejam negros,

brancos, pardos ou mulatos.

Como conseguir pôr em prática o princípio não só da igualdade mas desta igualdade

para todos perante a lei, retomando a idéia de tratar igualmente aos iguais por meio de

uma política de adoção de vagas para negros e afro-descendentes provindos de

escolas públicas em universidades igualmente públicas? Este é o princípio da isonomia,

que se vê transgredido na medida em que de fato não há uma relação direta entre a cor

da pele e a inclusão facilitada de um segmento étnico no ensino superior, afinal não

está vetado ao estudante negro ou afro-descendente o seu ingresso ao ensino superior

gratuito de qualidade, em verdade a maioria dos negros são pobres, mas há pobres

não-negros; de fato os estudantes de escolas particulares tem maiores chances de

pleitearem vagas no ensino superior público e de qualidade, porém não é a cor da pele

que determina essa maior ou menor capacidade de concorrerem e sim a condição

econômica em que se encontra e vive este estudante.

Dessa forma constata-se uma incoerência e o descobrimento do real motivo da

exclusão do negro nos meios acadêmicos, há uma má distribuição de renda e omissão

governamental que não concebem a real igualdade de oportunidade para negros,

índios, brancos, amarelos, questão nada influenciada pela cor, nem por uma

incapacidade de um grupo étnico em relação a outro como de alguma forma fica

implícito em meio a toda essa discussão.

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O processo seletivo ou exame vestibular, concurso pelo qual todos os estudantes

que houverem concluído o ensino médio devem submeter-se caso anseiem ingressar

no ensino superior, mediante pagamento de uma taxa de inscrição, logrando aprovação

àqueles que obtiverem melhores pontuações; avaliados por critérios de correção

considerados impessoais. Visto que, o ensino público é notadamente deficitário e o

aluno pobre não possui condições para efetuar o pagamento da taxa de inscrição, são

válidas iniciativas como as da Universidade Federal da Bahia – UFBA, que concebe

gratuidade desta taxa para os comprovadamente pobres e iniciativas como as da

Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ que criou cotas para pessoas mais

pobres terem a possibilidade de ingressarem em uma Universidade, decisões plausíveis

que oferecem uma forma de compensar as dificuldades econômicas,

independentemente de cor, credo ou opção sexual, apenas reconhecer que os mais

pobres são um lado mais fraco na disputa pelas vagas nas universidades públicas, com

o intuito de corrigir as distorções, contribuir com a democracia, de forma totalmente

abarcada na constituição que anseia a redução das desigualdades sociais.

V – Conclusão

Discriminações e preconceitos são causas preponderantes das desigualdades

sociais e econômicas, em conseqüência a desigualdade racial (racismo), na sociedade

brasileira. A discrepância que o Estado impõe para esconder seu descumprimento de

obrigações se mede na implantação de cotas para negros advindos de escolas públicas

nas universidades. Com isso puni-se a sociedade em usurpação de um direito que

segundo a constituição vigente de 1988 está na essência como indispensável à

formação do homem. Essa medida é o mais claro indício do descontrole em que se

encontra a base política brasileira, pois aprovar e defender, como o presidente do

Supremo Tribunal Federal, um estabelecimento de cotas que tem como pressuposto

acrescer na desagregação ainda maior dos negros, só poderia ser uma solução

imediatista.

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O Brasil ideal (justo e democrático) parece ilusório, utópico, entretanto as

oportunidades para esse fim, senão totais, mas próximas, não são impossíveis. O

direito a boa educação e a igualdade no ensino fazem parte da justiça social e devem,

assim, ser asseguradas pelo Governo. A justiça social por sua vez é indiferente a raça,

a cor, a religião, a condição econômico-social, ao gênero, a preferência sexual, enfim, a

qualquer outro fator discriminante. A sociedade brasileira pela efetividade dessas

garantias, portanto impõe ao Governo atribuições e investimentos mais coerentes, a fim

de um povo culto, educado, empreendedor científico, porém que seja um direito de todo

um povo, contando com sua integralidade em prol da reconstrução de uma dívida

social.

Conclui-se que a política de adoção de cotas para negros nas universidades

públicas não se encontra em consonância com o princípio da igualdade, com o princípio

da isonomia, ganhando assim um caráter inconstitucional, além de não relacionar o

fator econômico como preponderante à exclusão do negro da sociedade no geral,

deixando a questão aberta, com diversas lacunas que podem levar a entendimentos

extremistas como a superioridade de uma raça em relação a outra, além de criar uma

situação dupla de exclusão para àquele cidadão que seja negro e pobre.

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Referências bibliográficas

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