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153 Universidade de Lisboa Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa A importância da liberdade na correspondência entre Gottfried Leibniz e Samuel Clarke (1715/1716) Análise temática da totalidade da polémica Joaquim Nunes Narciso Vol. II Anexo, bibliografia, transcrições e índice remissivo Dissertação orientada pelo Prof. Dr. Pedro Alves Mestrado em Filosofia 2015

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    Universidade de Lisboa

    Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

    A importância da liberdade na correspondência entre Gottfried

    Leibniz e Samuel Clarke (1715/1716)

    Análise temática da totalidade da polémica

    Joaquim Nunes Narciso

    Vol. II

    Anexo, bibliografia, transcrições e índice remissivo

    Dissertação orientada pelo

    Prof. Dr. Pedro Alves

    Mestrado em Filosofia

    2015

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    Anexo – Conceções de religião natural

    Esta temática já foi abordada em VI. 2, mas de forma superficial e subordinada a outro tema.

    Foi visto logo em I. 2. que Leibniz acusava a Inglaterra de permitir que a religião natural se

    enfraquecesse extremamente.1 É insólito que, ao que parece, ninguém tenha achado a acusação

    estranha porque, numa acusação religiosa, pareceria mais natural incidir-se sobre o não cumprimento

    ou respeito dos dogmas, ou seja, dos artigos de fé da religião revelada. Mas Clarke não só não negou

    a acusação, como a confirmou e concordou com ela, apenas a estendendo também a outros países.

    Afirmou mesmo que há pessoas que negam a religião natural (repare-se, não a revelada, não uma

    confissão) ou que a corrompem extremamente (idem), atribuindo o facto ao desregulamento dos

    costumes e à filosofia materialista.2 A discussão desvia-se em seguida para o materialismo que

    Clarke associará à fatalidade e necessidade, correlacionando as explicações mecanicistas com a

    ausência de liberdade, e que Leibniz associará aos princípios matemáticos da filosofia,

    correlacionando estes com o atomismo antigo. Mesmo esta específica discussão não terá grande

    continuidade, visto a última referência aos materialistas surgir na segunda réplica de Clarke.3 Uma

    única outra menção parece estar relacionada com a noção de religião natural, a referência leibniziana

    à teologia natural considerada demonstrada através do princípio da razão suficiente.4 De facto, a

    teologia natural parece ser tomada, na passagem, como estreitamente associada à metafísica, senão

    sinónimo da mesma, o que será, porventura, significativo para esta análise. Embora não se utilize

    mais o conceito, o que poderia levar a pensar que teria apenas servido de tiro de partida para temas

    bem mais interessantes e importantes para os próprios autores, não deixa de ser curioso que, na

    dedicatória à princesa da sua edição da polémica, já após a polémica, em balanço da mesma, Clarke

    centre a sua atenção sobre a temática da religião natural e outras questões religiosas que considerava

    associadas. Poder-se-á dar o caso de bem mais de meio mundo, na própria época e muito mais ainda

    depois, estar a pensar que se estava a tratar, na polémica, predominantemente de filosofia natural,

    quando afinal o que estava em causa era a religião?

    Nessa dedicatória, Clarke enuncia quase uma definição de religião natural e estabelece a sua

    relação com a revelada. As "Grandes e Fundamentais Verdades da Religião Natural" foram

    "universalmente implantadas, em algum grau," pela "Sabedoria da Providência", "mesmo nas Mentes

    das Pessoas com as Menores Capacidades," incapazes de "examinar Provas demonstrativas."5 Por

    sua vez, esta religião é condição de possibilidade da religião revelada: "A Cristandade pressupõe a

    Verdade da Religião Natural. Seja o que for que subverta a Religião Natural, subverte,

    consequentemente, muito mais a Cristandade: e seja o que for que tenda a confirmar a Religião

    Natural, está proporcionalmente ao Serviço do Verdadeiro Interesse da Cristã."6 Não pareceria,

    através destas declarações, que se avançasse alguma coisa em relação ao declarado na polémica. De

    facto, o aparente entendimento na polémica é conseguido através da declaração de umas

    generalidades mínimas com que ambos poderiam concordar, uma espécie de latitudinarismo teórico

    básico que mantinha as aparências. Nada a dedicatória parecia acrescentar a esse entendimento

    elementar. Mas não é assim. A noção de religião natural partilha, nesta época, a equivocidade ligada

    a diversos empregos do adjetivo. Aparentemente, todos se inspiravam na mesma noção que estava

    presente na sistemática expressão cartesiana "luz natural da razão". Porém, uma coisa era entender o

    natural como aquilo que advém do uso natural da razão, sobretudo se subordinado a um bom uso, e

    outra era entendê-lo como o que era original, o que provém das origens naturais da humanidade. A

    equivocidade era até intensificada quando se pretendia que essa origem correspondia ao bom uso da

    1 Leibniz, op. cit., Tomo I, Recueil de lettres entre Leibniz e Clarke, 1º escrito, §§ 1-3, p.732, G, VII, 352.

    2 Roger Ariew, op. cit., 1ª réplica, § 1, p. 5, G, VII, 353.

    3 Roger Ariew, op. cit., 2ª réplica, § 1, p. 11, G, VII, 359. AP.

    4 Leibniz, op. cit., 2º escrito, § 1, p.736, G, VII, 356. Transcrito em II. 1.

    5 Samuel Clarke, op. cit., To Her Royal Highness, The Princess of Wales, pp. vii-viii. AP.

    6 ibidem, p. vi. AP.

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    razão. Ora, Clarke tenta fazer passar a sua conceção de religião natural como sendo consensual,

    quando, pelo contrário, não só é bem diferente da de Leibniz, como, porventura, encontra-se aqui

    uma das maiores oposições entre Leibniz e, sobretudo, o próprio Newton. Como escolástico

    newtoniano apostado na apologética da filosofia do mentor no terreno do inimigo, a metafísica,

    poderá a sua conceção não parecer tão oposta à de Leibniz como a de Newton. Isso não significa,

    como já foi visto várias vezes, que Clarke não tenha a mesma oposição à metafísica que Newton,

    como o atesta a história que Whiston conta a propósito das Conferências de Boyle.7

    Em primeiro lugar, não é claro que Leibniz considere a religião natural uma espécie de

    substrato religioso acessível a todos os homens, por mais limitados e estultos que pudessem ser. Pelo

    contrário, parece fazer uma clara distinção entre a religião do povo e a religião dos sábios, ao menos

    no que se refere às religiões não cristãs.8 Antes do cristianismo, a religião natural seria a dos sábios e

    não a do povo. Em segundo lugar, o cristianismo, para Leibniz, não desenvolveu simplesmente uma

    religião natural dada a todos os homens, antes tornou acessível ao povo a anterior religião dos

    sábios.9 Surpreendentemente, para a época, considera que Maomé não se afastou dos grandes

    dogmas da Teologia Natural. Pelo contrário, Clarke considera o cristianismo não só a única religião

    atual razoável, mas também a única que sequer tem aparência de o ser.10

    Porém, pelo menos a

    perspetiva apresentada por Clarke nas Conferências de Boyle, não é muito diferente da de Leibniz.

    Clarke considerava que o único verdadeiro deísmo que pode ter existido seria o dos filósofos pagãos

    anteriores à revelação,11

    não passando todos os outros de ateísmo disfarçado (incluindo, segundo a

    sua tese, com já foi visto em II. 5 e VI. 1, o de Leibniz). Esse deísmo daria origem, sobretudo, ao

    cultivo das virtudes, imitando os atributos morais de Deus, obrigações inerentes à religião natural.12

    Chega a reconhecer – no meio de uma argumentação cujo objetivo é o de salvaguardar a liberdade

    divina, não obrigando Deus nem à revelação a todos, nem à concessão de idênticas capacidades –

    que, não tendo dado Deus as mesmas capacidades a todos, nem todos poderiam conhecer a própria

    religião natural.13

    Mas, embora para sustentar como os homens precisavam da revelação, Clarke

    acaba por fazer uma declaração que coloca a questão de uma outra forma: "nem todos os homens são

    capazes de ser filósofos, mas todos estão igualmente obrigados a ser religiosos."14

    Mas como estão

    obrigados a ser religiosos, se poucos tiveram acesso à revelação? Embora de forma não muito clara,

    Clarke desvenda um pouco das conceções newtonianas ao considerar que Deus se revelou àqueles

    que tinham genuína vontade de cumprir a sua vontade, sendo a religião natural confirmada, desde o

    início, por uma perpétua tradição em Famílias particulares que aderiram à adoração do Deus da

    Natureza.15

    Em seguida, são nomeados os Judeus, não como constituindo essas famílias, mas como

    uma adição, uma nação que também preservou essa tradição. Assim, o fundamento da religião

    natural poderá ser o de uma revelação ou natureza original que sempre esteve acessível aos homens.

    Regressando a Leibniz, em terceiro lugar, apesar de considerar que o cristianismo tornou

    popular a religião dos sábios, não deixa de distinguir uma teologia natural da teologia revelada, mas,

    sobretudo, considera que aquela completa esta, considerada, aliás, tal como nos newtonianos, mas

    7 William Whiston, Historical Memoirs of the Life of Dr. Samuel Clarke being A Supplement to Dr. Sykes's and Bishop

    Hoadley's Accounts. Including certain Memoirs of several of Dr. Clarke's Friends., London, Fletcher Gyles and J.

    Roberts, 1730, p. 11. AP. 8 Na passagem seguinte, tinha referido vários exemplos da Antiguidade, sendo o último exemplo, o zoroástrico, mas

    incluindo uma clara generalização: Leibniz, op. cit., Tomo II, Essais de Théodicée, 2ª parte, §137, p.175, G, VI, 191. AP. 9 Leibniz, op. cit., Préface, p. 3, G, VI, 26-7. AP.

    10 Samuel Clarke, A Discourse concerning..., 10

    th. ed., London, H. Woodfall e outros, 1767, A Discourse concerning the

    Unchangeable Obligations..., p. 9. AP. Veja-se como rejeita a condescendência feita por Leibniz a Maomé (assim como

    o judaísmo), ibidem, p. 167. 11

    Samuel Clarke, op. cit., p. 25. AP. 12

    Samuel Clarke, op. cit., p. 94; ibidem, p. 132. AP. 13

    Samuel Clarke, op. cit., p. 166. AP. Cf., ibidem, p. 201. 14

    Samuel Clarke, op. cit., p. 93. AP. 15

    Samuel Clarke, op. cit., p. 238. AP.

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    com diversa valorização, a parte empírica da religião,16

    o que significa que a teologia revelada é um

    corpo inacabado se não recorrer à razão natural.17

    Ao passo que, em Clarke, a razão apenas permite

    atingir uma verdade abstrata e insuficiente que é plenamente manifestada na revelação cristã, sem

    maior necessidade de teologia natural autónoma, Leibniz considerava que a luz da razão não é menos

    um dom de Deus do que a revelação,18

    pelo que se, de facto, estivessem em conflito, isso significaria

    que Deus estaria a combater contra Deus.19

    Mas poder-se-á perguntar, em quarto lugar, se não

    existirá, em Leibniz, um primado da razão sobre a fé, visto a fé se fundar na razão, tendo em conta

    que a razão é precisa para, por exemplo, preferir a Bíblia ao Corão ou aos livros bramânicos;20

    aliás,

    Leibniz defende que o próprio Cristo não pregava senão a virtude ensinada pela razão natural,

    preterindo, muitas vezes, os milagres em favor da pregação;21

    no mesmo passo, em que Leibniz está

    a atacar o entusiasmo, aproximadamente aquilo a que hoje se chama fanatismo, afirma mesmo que

    não são precisas novas revelações e, consequentemente, milagres, bastando as regras salutares

    (presume-se, razoáveis) de comportamento; por outro lado, se não se conseguisse suportar um dogma

    contra as objeções, não existiria fundamento para crer, visto tudo o que puder ser refutado de forma

    sólida e demonstrativa não poder deixar de ser falso;22

    uma verdade não pode sofrer objeções

    invencíveis, pelo que se existir uma tal objeção, a falsidade da tese é demonstrada e deve deixar de

    ser objeto de fé.23

    Embora Leibniz tente mostrar que a verdadeira revelação não pode conter destas

    teses, nascendo elas de interpretações defeituosas, a verdade é que a razão surge aqui como critério

    de deliberação, ao menos quanto à condição de possibilidade, em relação à fé. Naturalmente,

    admitem-se verdades acima da razão, mas não contra a razão,24

    pelo que, mesmo os mistérios,

    deverão ser, ao menos, possíveis, ou seja, não absurdos.25

    Finalmente, em quinto lugar, pode-se

    esclarecer a correlação implícita na polémica entre metafísica e teologia natural. A teologia natural

    apenas não se identifica com a metafísica porque, contrariamente ao que se poderia pensar visto não

    ser só Deus o objeto da metafísica, é mais abrangente: inclui não só toda a metafísica mas também a

    moral.26

    Quanto às expressões "teologia natural" e "religião natural", embora possam não ser

    exatamente sinónimas, estão muito próximas uma da outra. Raramente surgem juntas, eventualmente

    por serem quase sinónimas, mas na passagem já citada em que se refere a Cristo e a Maomé,

    sucessivamente, são utilizadas as duas como se se referissem à mesma realidade. Desta forma,

    pode-se considerar a religião natural como a expressão da razão natural tanto no domínio prático,

    como teórico, correspondendo este último à metafísica corretamente demonstrada pela razão natural,

    ou seja, por recurso ao princípio da razão suficiente.

    Será que este primado da racionalidade não ocorre, igualmente, do lado newtoniano? Talvez

    16

    Leibniz, op. cit., Tomo II, Essais de Théodicée, Discours…, § 1, pp. 27-28, G, VI, 49-50. AP. 17

    Leibniz, op. cit., Tomo I, Nouveaux essais..., L. IV, Ch. VII, § 11, p. 378, G, V, 396. AP. 18

    Leibniz, op. cit.,Tomo II, Essais de Théodicée, Discours de la Conformité..., § 29, p. 48, G, VI, 67. AP. 19

    Leibniz, op. cit, § 39, p. 54, G, VI, 73. AP. 20

    Leibniz, op. cit., Tomo I, Nouveaux essais..., L. IV, Ch. XVII, § 23, p. 461, G, V, 477. AP. 21

    Leibniz, op. cit., Ch. XIX, p. 477-478, G, V, 491. AP. 22

    Leibniz, op. cit.,Tomo II, Essais de Théodicée, Discours de la Conformité..., § 5, p. 30, G, VI, 52. A confiança

    leibniziana nos recursos lógicos da razão (o seu "calculemos!") é bem conhecida e é aqui reafirmada, ibidem, § 65, p. 69,

    G, VI, 87. AP. 23

    Leibniz, op. cit., § 25, p. 46, G, VI, 65; ibidem, § 39, p. 54, G, VI, 73. AP. E fornece, aliás, exemplos de tal refutação: a

    danação dos bebés e dos adultos sem as luzes necessárias à salvação. 24

    Leibniz, op. cit., § 23, p. 45, G, VI, 64; ibidem, § 60, p. 65, G, VI, 83. AP. 25

    Leibniz, op. cit., § 28, p. 48, G, VI, 67. AP. 26

    Leibniz, op. cit., Tomo I, Nouveaux essais..., L. IV, Ch. VIII, § 9 (indicado 5 na ed. Janet), p. 461, G, V, 413. Numa

    das falas de Filaleto que não corresponde, de todo, ao texto de Locke (cf. John Locke, An Essay concerning Humane

    Understanding, (1st. ed., 1690) 4

    th. ed. with large additions, London, Awnsham and John Churchil/Samuel Manship,

    1700, p. 328), cujas teses só surgem posteriormente: Leibniz, op. cit., Ch. III, § 18, p. 346, G, V, 364-5. AP. A esta luz, a

    aparente identificação entre metafísica e teologia natural, num passo já citado (em IV. 6, nota 247), onde diz que "a

    Metafísica é a teologia natural", talvez se possa entender, se existir algum descuido na linguagem, como uma inclusão ou,

    então, supõe que se percebe estar apenas a referir-se à parte teórica da teologia natural: Leibniz, "Carta para a duquesa

    Sofia de Hannover" in G, IV, 292. Não deixa, porém, de ser claro que, para Leibniz, toda a metafísica é teológica.

  • 157

    sim, mas não é o mesmo. Indo por partes, contrariamente a Leibniz que afirmava a religião revelada

    como incompleta sem a natural, em Clarke, pelo contrário, é a natural, ao menos enquanto entendida

    como religião dos sábios anteriores à revelação, que surge como algo abstrato, incompleto,

    desarticulado e incapaz de conter a corrupção humana. Cita Lactâncio para afirmar que os filósofos,

    tomados todos em conjunto, descobriram de facto todas as doutrinas particulares da verdadeira

    revelação, mas isto foi feito por diferentes homens, em diferentes tempos e de diferentes maneiras,

    concorrendo entre si, não tendo havido nenhum homem capaz de reunir estas verdades num único

    esquema consistente.27

    Assim, a revelação era requerida pela razão, suplementa a razão28

    e fornece a

    força necessária para conter a corrupção.29

    Mas, embora muitas doutrinas tivessem de ser reveladas,

    depois mostram-se racionais.30

    Tudo isto parece demasiado semelhante às teses de Leibniz,

    parecendo apenas se diferenciar num pendor levemente maior para a revelação. Mas, de facto, não é

    assim. A razão confunde-se com os objetos de fé, considerando provas racionais os relatos bíblicos,

    as profecias (e as suas interpretações) e argumentos de uma singeleza pueril: por exemplo, como

    prova da verdade, os martírios, os milagres, a semelhança da mensagem, a fidelidade à causa ou a

    extensão geográfica da sua ação,31

    tudo exemplos que poderiam ser dados até de confissões bem

    mais recentes contraditórias entre si, todas com mártires, com alegações de milagres, com uma

    mensagem determinada por uma doutrina, com pessoas leais e abrangendo diversas nações! E depois

    de dezenas de páginas de argumentos deste nível e de outras menções bíblicas, considera-se tudo

    racionalmente provado.32

    Mesmo que a argumentação leibniziana tenha fragilidades, não confunde

    referências deste tipo com demonstrações racionais, como se pode ver na Teodiceia cujo objetivo não

    é muito diverso deste Discurso. Clarke poderia dizer que se trata apenas de uma certeza moral,

    contrariamente à que pretendia na outra conferência, a de 1704.33

    Mas o que, de facto, está a fazer é a

    tentar passar objetos de pura e simples fé por provas racionais. Ora, qualquer um pode se habituar de

    tal forma a uma alegada verdade de fé que acaba por a considerar racional, mas isso retira o conteúdo

    à razão. Será que é só isto que está presente nesta conceção de racionalidade?

    Numa passagem célebre das Duas notáveis corrupções, Newton declara: "Se se disser que

    não devemos determinar o que é Escritura e o que não é, pelo nosso juízo privado; eu aceito-o em

    lugares não controversos: mas, em lugares discutíveis, adoro seguir o que melhor posso entender. É

    têmpera da parte exaltada e supersticiosa da humanidade, em assuntos de religião, gostar mais do que

    entende menos."34

    A sua interpretação das Escrituras pauta-se por critérios de racionalidade e, assim,

    parece, novamente, similar a Leibniz. Porém, o que Leibniz submete aos critérios da consistência

    lógica são as teorias. Pelo contrário, Newton pretende submeter a critérios também lógicos, mas,

    sobretudo, materiais, semânticos, os próprios textos da Escritura. O recurso leibniziano à Escritura,

    na Teodiceia, é escasso se se comparar com a imensidade de autoridades teológicas e filosóficas que

    são referidas. A tradição puritana é muito mais escritural. Mesmo entre os platónicos de Cambridge,

    a certos títulos até próximos de Leibniz, a interpretação racional das Escrituras é absolutamente

    central. Mas é Locke que mais se aproxima de Newton porque, contrariamente ao pendor metafísico

    dos platónicos de Cambridge, nomeadamente Cudworth, a sua interpretação racional das Escrituras é

    27

    Samuel Clarke, op. cit., pp. 149-150. AP. 28

    Ferguson mostra que estas teses são muito precoces em Clarke: J. P. Ferguson, op. cit., pp. 12-13. AP. 29

    Grande parte da conferência de 1705 afirma isto, mas, a título de exemplo, Samuel Clarke, op. cit., p. 8. AP. 30

    Samuel Clarke, op. cit., p. 10. Cf., ibidem, p. 285. AP. Não deixa de ser curioso o ataque feito, em seguida e em nota,

    não só à Escolástica, mas também a Cudworth por representar a Trindade como uma coisa diretamente contraditória a

    toda a razão humana e entendimento. É natural, visto ser o contrário do que está a defender, mas isso não significa que

    esteja bem sustentado... 31

    Samuel Clarke, op. cit., pp. 284-287. 32

    Samuel Clarke, op. cit., p. 289. AP. 33

    Samuel Clarke, op. cit., p. 11. AP. O anterior Discurso era dirigido aos ateus assumidos e este é dirigido aos aparentes

    deístas, considerados ateus dissimulados. 34

    Isaac Newton, op. cit., Tomus quintus, 1785, An historical account of Two notable Corruptions of Scripture in a letter

    to a friend, pp. 529-530. AP.

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    baseada numa outra conceção de razão, uma razão limitada pela experiência externa e interna,

    incapaz, dentro dos seus limites, de ir seguramente para lá do que a experiência, neste caso a

    Escritura, fornece.35

    Se Newton disso precisasse, encontraria no seu amigo um reforço para a sua

    abordagem interpretativa da Bíblia, guiada por critérios de simplicidade e o mais literal que fosse

    possível. Desde as Paraphrases de 1701 e 170236

    que Clarke pretendia que se reduzisse os

    comentários bíblicos à sua original simplicidade, supostamente levando a deixar para trás todas as

    controvérsias religiosas.37

    É difícil saber se acreditaria, de facto, nisso ou se era, nele como noutros,

    apenas uma estratégia persuasiva para os combates expectáveis. De qualquer forma, é a mesma

    conceção de redução ao texto bíblico original, que está expressa até no título da obra38

    , que lhe

    valeria os maiores dissabores e que, embora Clarke o negasse,39

    talvez o tenha levado a,

    parcialmente, mais por omissão que pelo que foi declarado, se retratar.40

    Esta alegada busca da

    simplicidade interpretativa procura a correspondência com um ideal de simplicidade da Igreja

    primitiva,41

    contraposta às investigações filosóficas e escolásticas introdutoras de conceitos

    metafísicos.42

    Juntamente com a tese da infalibilidade da Escrituras,43

    o que nada tem de

    surpreendente na época, a rejeição de outra fonte que não a bíblica parece excluir qualquer papel da

    razão, como logo em seguida Wells objetou.44

    Na sua resposta,45

    Clarke nem trata estritamente do

    papel da razão defendido por Wells, do qual não discorda, nem sequer do recurso a fontes patrísticas,

    mas da utilização de fontes patrísticas para decidir do sentido das verdades reveladas. Além disso, a

    interpretação da patrística levanta ainda problemas maiores e, se se subordina essa interpretação à

    Igreja (e porque não então a Católica?), então longe de ser a razão a decidir seja o que for, é a

    autoridade, até mesmo contra o texto da Escritura. Como resume Ferguson, "ou a Igreja deve ser

    julgada pela Escritura, ou um homem tem de seguir cegamente a autoridade."46

    O que está em questão não é o uso da razão, mas, mais uma vez, a metafísica. Newton e

    Clarke consideram que a linguagem bíblica, com exceção das passagens que tentam provar como

    corrupções, é muito mais racional do que as conceções metafísicas introduzidas que, sob a pretensão

    de racionalidade, acabaram por conduzir à afirmação de mistérios. É já contra a religião dos

    mistérios que Newton declarava que se gostava mais do que menos se entendia. O recurso aos textos

    mais primitivos do cristianismo destinava-se, sobretudo para Newton, a purgar o cristianismo das

    irracionalidades47

    introduzidas por subtilezas metafísicas que descambam nos mistérios e outras

    superstições48

    e que acabaram por corromper a religião com a idolatria, paganismo e uma

    mentalidade milagreira.49

    A falta de capacidade de persuasão por recurso apenas a argumentos fez os

    corruptores, em especial esse seu arqui-inimigo da Patrística, Atanásio, recorrer a falsos milagres.50

    35

    Maurice Wiles, Archetypal Heresy – Arianism through the Centuries, Oxford, Clarendon Press, 1996, p. 70. AP. 36

    Samuel Clarke, A Paraphrase on the Four Evangelists, 9th

    . ed., London, John and Paul Knapton, 1751. 37

    J. P. Ferguson, op. cit., p. 19. AP. 38

    Samuel Clarke, The Scripture-Doctrine of the Trinity, London, James Knapton, 1712. 39

    A full Account of the Late Proceedings in Convocation relating to Dr. Clarke’s Writings about the Trinity, 2nd

    . ed,

    London, John Baker, 1714, p. 36. Mais do que os argumentos, os pormenores biográficos e o facto da declaração que se

    segue ter sido feita sob um contexto de enorme pressão, retira credibilidade à tese de não se tratar de uma retratação. 40

    ibidem, 1714, p. 32. AP. 41

    Samuel Clarke, op. cit., pp. viii-ix. AP. 42

    Samuel Clarke, op. cit., p. xxvi. AP. 43

    Samuel Clarke, op. cit., pp. vi-vii. AP. 44

    Edward Wells, Remarks on Dr. Clarke Introduction to his Scripture-Doctrin of the Trinity, Oxford, Anthony Peisley,

    1713, pp. 7-8. AP. Globalmente embora com outra linguagem, a conceção não está muito longe da de Leibniz. 45

    Samuel Clarke, A Letter to the Reverend Dr. Wells, Rector of Cotesbach in Leicestershire. In Answer to his Remarks,

    etc., London, James Knapton, 1714. 46

    J. P. Ferguson, op. cit., p. 67. AP. 47

    Richard S. Westfall, "Newton and Christianity" in I. Bernard Cohen, Richard S. Westfall, sel. e ed., Newton..., New

    York/London, W. W. Norton & Co., 1995, p. 370. AP. 48

    Richard S. Westfall, Never at Rest..., New York, Cambridge University Press, 1980, 20th. pr. 2010, p. 826. AP. 49

    Richard S. Westfall, op. cit., p. 345. AP. 50

    ibidem. AP. Não deixa de ser curiosa esta implícita condenação da fuga às disputas quando se tratava dos opositores.

  • 159

    Assim, pode-se considerar que os newtonianos, entre os quais o próprio Newton, Whiston, como já

    se viu, e até Clarke, embora, em textos públicos e como clérigo, não pudesse criticar tão

    universalmente os mistérios, viam a racionalidade metafísica como irracional porque introduzia

    noções ininteligíveis, como ocorria na conceção da Trindade,51

    e dava origem a ou permitia crenças e

    práticas idolátricas e pagãs. Tentavam associar, publicamente, essas imposições de noções, crenças e

    práticas, contra a crítica racional, pela força, ao Papado,52

    para conseguirem obter a tolerância

    protestante, através da atitude latitudinária que era favorecida a partir da Revolução Gloriosa e,

    sobretudo, da instalação hannoveriana, por motivos de conveniência53

    (embora se verifique, cada vez

    mais, ao longo da vida destes protagonistas, ser tendencialmente a atitude da Casa Alta da

    Convocação e, como tal, dos bispos da Corte), mas que os newtonianos tentavam reforçar pela

    associação à Igreja primitiva.54

    É difícil dizer se esse latitudinarismo era defendido por convicção

    intrínseca55

    ou por estratégia resultante da situação defensiva em que os newtonianos se mantinham

    após o Ato de Tolerância que não incluía os não-trinitários. A posição newtoniana estava longe do

    irenismo de Leibniz, visto não incluir de todo os católicos, antes pelo contrário.56

    Sob a acusação de

    metafísicos, rejeita muitos outros, Gnósticos, Cabalistas, Platónicos e talvez seja por conveniência

    que não rejeita todos aqueles que, no mundo protestante, perfilhavam a conceção essencialista,

    substancialista da Trindade que corresponderia à grande apostasia condenada por Newton.57

    Estas

    são as opiniões dos homens que procuram perverter a mensagem divina e a exigência newtoniana,

    tornada pública através de Clarke, de se regressar ao texto bíblico na sua simplicidade, é também a

    plataforma de entendimento entre os cristãos,58

    rejeitando todos aqueles que não se conformarem

    com a mensagem divina.59

    Embora, até na sequência do projeto de filosofia experimental que foi a Royal Society,

    Newton afirmasse a separação60

    da leitura dos dois livros: o da Natureza e o da Revelação; o que é

    parte de uma das mais importantes realizações de Newton, a da separação da filosofia experimental e

    matemática das outras áreas, nomeadamente teologia, alquimia e metafísica;61

    não deixa de

    manifestar intenções religiosas nas suas obras fundamentais, não como algo lateral, mas como o fim

    fundamental da atividade científica.62

    Os paralelos entre os domínios são, aliás, frequentes. O mesmo

    medo das disputas (porventura, neste caso, com maiores razões…) também o faz ser ainda mais

    reservado nas suas opiniões religiosas que no domínio da alquimia ou da filosofia.63

    Essa mesma

    51

    Frank E. Manuel, op. cit, p. 75. AP. 52

    John Jackson, atr., Three Letters to Dr. Clarke from a Clergyman of the Church of England; concerning his Scripture-

    Doctrine of the Trinity. with the Doctor's replies, London, Black Boy, 1714, Carta de Clarke de 22/7/1714, p. 21. AP. 53

    Domenico Bertoloni Meli, "Caroline, Leibniz, and Clarke" in Journal of the History of Ideas, University of

    Pennsylvania Press, 19997, Vol. 60, No. 3, p. 483. AP. Tal menosprezo pelos aspetos rituais, era uma das exigências do

    latitudinarismo, sobretudo do newtoniano. 54

    Stephen David Snobelen, Isaac Newton, Socinianism and «The One Supreme God»" in M. Mulsow, J. Rohls, ed.,

    Socinianism and Arminianism. Antitrinitarians, calvinists and cultural exhange in seventeenth-century Europe, Leiden,

    Boston, Brill, 2005, pp. 250-251. AP. 55

    Há passagens que parecem contrárias, pelo menos, a certo latitudinarismo: Steffen Ducheyne, "Isaac Newton's 'Of the

    Church' manuscript description and analysis of Bodmer Ms. in Geneva" in European Journal of Science and Theology,

    20096, Vol.5, Nº.2, pp. 28-29.

    56 Frank E. Manuel, op. cit, pp. 65-66. AP.

    57 Richard S. Westfall, op. cit., p. 321. AP.

    58 Samuel Clarke, A Discourse concerning..., 10

    th. ed., London, H. Woodfall e outros, 1767, A Discourse concerning the

    Unchangeable Obligations..., pp. 182-183. AP. 59

    David Brewster, op. cit., Vol. II, Appendix XXIX, 19, pp. 530-531. Mas mais importante para expressar o

    latitudinarismo é um segmento anterior, também na p. 530: AP. 60

    Frank E. Manuel, op. cit, Keynes, MS. 6 fol. 1r, p. 28. AP.

    61 I. Bernard Cohen, "A Guide to Newton's Principia" in Isaac Newton, trad. ingl. I. Bernard Cohen e Anne Whitman,

    The Principia – Mathematical Principles of Natural Philosophy, Berkeley and Los Angeles, University of California

    Press, 1999, ch. 3, sec. 4, p. 59; sec. 5, p. 61. 62

    Isaac Newton, op. cit., Tomus quartus, Query 28, p. 238. AP. 63

    Frank E. Manuel, op. cit, p. 12. O texto em causa, dirigido a Locke, terá sido publicado, pela primeira vez, em 1754,

  • 160

    oposição às disputas legitima a opção pelo texto literal e condena a dedução a partir das Escrituras,

    como se fora um non fingo hipothesis da exegese bíblica que, tal como na ciência, acaba por

    fundamentar a certeza.64

    Na verdade, estas declarações refletem bem mais o que Newton pensa que

    faz do que aquilo que, de facto, faz. Newton pensa que tudo extrai da experiência (neste caso, os

    textos proféticos e as ocorrências histórias), impondo-se a sua interpretação pela congruência, um

    pouco como as demonstrações matemáticas nos Principia.65

    Até admite que possam existir diversas

    interpretações e que uma sentença possa ser ambígua, mas nunca no Apocalipse onde não existe

    qualquer ambiguidade!66

    Considera que nem seriam necessárias tais advertências porque as provas

    apresentadas são tão evidentes que terão o assentimento de qualquer espírito imparcial que acredite

    nas escrituras.67

    Que as suas pretensões são de provar e de acabar com todas as discussões, como

    ocorreu na física, não poderia ser mais claro: "Por estes meios, a Linguagem dos Profetas tornar-se-á

    certa e a liberdade de a arrancar à imaginação privada será eliminada. Aos termos a que reduzo essas

    palavras, chamo Definições."68

    Estas interpretações tão indubitavelmente certas, com base no

    inequívoco texto do Apocalipse e nas evidências empíricas, sem qualquer dedução, concluem, por

    exemplo, que a prostituta da Babilónia é o papado.69

    Às evidências que suportavam os significados

    dados a setenta figuras, chamou a "Prova", cuja versão mais antiga pretendia demonstrar proposições

    como nos Principia.70

    A esta convicção na certeza do seu método, com a regra da simplicidade na

    sua base, e o pressuposto de ser o eleito predestinado71

    a dar a conhecer as leis de Deus, ainda se

    junta a ameaça de castigos divinos a quem puser em causa a sua interpretação.72

    Todas estas

    pretensões conferem alguma credibilidade à razão apresentada por Whiston para o corte final de

    relações por parte de Newton, o facto de o ter contraditado em matéria de interpretação profética,73

    contrariamente ao desejo "ortodoxo" de que tivesse ocorrido devido ao seu arianismo. Se fosse essa a

    razão, mesmo que só por ter tornado público esse arianismo, o corte teria de ser bem anterior. Além

    disso, se fosse essa a razão, como explicar a manutenção de relações com outros notórios heréticos?74

    Tendo em conta as alusões teológicas e históricas nas suas duas obras mais importantes, e a

    pretensão da filosofia natural culminar na Primeira Causa, não parece haver grandes dúvidas que as

    Leis do Movimento eram entendidas como Leis de Deus, até porque eram dessa forma normalmente

    referidas na época. Mas o que mais claramente mostra a ausência de fronteiras é o facto de Newton

    utilizar o termo "leis da natureza" para os próprios mandamentos.75

    Talvez a separação defendida

    visasse, antes de mais, proteger a religião das opiniões que, afinal, são igualmente atacadas na

    ciência ou filosofia experimental. Assim, talvez a conceção de Newton fosse a de que havia que

    preservar ambas as suas missões sagradas, até por talvez serem a mesma, da infeção corrosiva que

    representavam as disputas metafísicas.76

    Juntamente com o papado, a que associa constantemente a

    com base no texto que ficou na Holanda, surgindo também, com base noutro manuscrito, em Isaac Newton, op. cit.,

    Tomus quintus, An Historical Account of two Notable Corruptions od Scripture, pp. 495-550, visto a primeira impressão

    ter sido retirada a tempo. 64

    Frank E. Manuel, op. cit., Yahuda MS. 15. I, fol. 11r, pp. 54-55. AP.

    65 A recorrente metáfora da máquina (engin aqui), inclusive na polémica, ressurge aqui como forma de provar a verdade

    da interpretação: Newton, "Fragments from a Treatise on Revelation" in Frank E. Manuel, op. cit, p. 121. 66

    Newton, ibidem. AP. 67

    Newton, ibidem. AP. 68

    Newton, "Fragments from a Treatise on Revelation" in Frank E. Manuel, op. cit, p. 115. AP. 69

    Frank E. Manuel, op. cit., p. 95. 70

    Richard S. Westfall, "Newton and Christianity" in I. Bernard Cohen, Richard S. Westfall, sel. e ed., Newton..., New

    York/London, W. W. Norton & Co., 1995, p. 365. Depois, terá evoluído para posições. 71

    Um dos "filhos da ressurreição": Frank E. Manuel, op. cit, p. 100. 72

    Newton, "Fragments from a Treatise on Revelation" in Frank E. Manuel, op. cit, p. 114. 73

    William Whiston, Memoirs of the Life and Writings of Mr. William Whiston..., London, Whiston and Bishop, 1749, p.

    294. Transcrito mais adiante. 74

    Stephen David Snobelen, op. cit., pp. 248-249. 75

    Frank E. Manuel, op. cit., p. 56. 76

    A começar pelos clássicos do pensamento metafísico, Platão e Aristóteles, que, alegadamente, teriam associado a falsa

  • 161

    metafísica, os metafísicos são considerados bem piores e mais irremediavelmente perdidos que os

    ateus.77

    Todo o seu ataque às alegadas corrupções bíblicas parece ter estado centrado na introdução

    de conceitos metafísicos,78

    destruindo o verdadeiro sentido da Escritura que seria o moral.79

    Numa

    das versões do prefácio não publicado dos Principia, fazendo lembrar a lendária história do Sultão e

    da biblioteca de Alexandria, Newton defende que a metafísica ou é religião, ou, mesmo que diga

    respeito às ações internas da nossa mente, é física, não havendo pois lugar para ela.80

    E o seu grande

    desígnio seria, porventura, o de restaurar a prisca sapientia e a prisca theologia através da

    restauração da figura do padre-cientista dos primórdios, especialmente consagrada, como ele, à

    astronomia e à química.81

    Aliás, Newton preferia considerar que não era o autor da teoria da

    gravitação, apenas a fazendo reviver através da força das demonstrações, para garantir a autoridade

    da Antiguidade, fazendo-a remontar aos Caldeus.82

    Por fim, os paralelos entre a decifração dos livros

    das profecias e a do livro da natureza são constantes.83

    Os dois livros concedidos por Deus, o da natureza e o da revelação, fornecem a base empírica

    inquestionável que só perversores podem querer arruinar com as suas hipóteses especulativas.84

    A

    falsa ciência e a falsa religião, desde Platão e Aristóteles, passando pelos gnósticos e pela escolástica

    até o moderno racionalismo, são uma e a mesma.85

    Da mesma forma, pode-se equiparar o seu

    método científico e o seu método hermenêutico, regido pelos princípios da indução, da simplicidade

    e da analogia da Natureza.86

    Na religião cristã, o efeito da falsa religião inspirada metafisicamente

    traduziu-se na teoria das emanações, misturada, ainda por cima, com conceções idolátricas e pagãs.87

    É improvável que Newton conhecesse a linguagem por vezes utilizada por Leibniz das emanações88

    ou das fulgurações,89

    mas isso apenas comprovaria a visão que tinha do autor. Para Newton, como

    para Pascal, diz Koyré, o Deus dos filósofos, ou melhor, dos metafísicos, não é o Deus da fé.90

    A

    simples religião primitiva era acessível à mais limitada das pessoas e foi pervertida por gente como

    ciência com a falsa religião, iniciando o percurso de obscuridade continuado pela Escolástica, Frank E. Manuel, op. cit, p.

    42 – isto apesar de várias vezes serem citados, sobretudo Platão, como detentores de partes significativas da prisca

    sapientia. 77

    Frank E. Manuel, op. cit, pp. 65-66. 78

    Frank E. Manuel, op. cit, p. 65. 79

    Frank E. Manuel, op. cit, p. 68. 80

    I. Bernard Cohen, "A Guide to Newton's Principia" in Isaac Newton, trad. ingl. I. Bernard Cohen e Anne Whitman,

    The Principia – Mathematical Principles of Natural Philosophy, Berkeley and Los Angeles, University of California

    Press, 1999, ch. 3, sec. 2, p. 54. AP. 81

    Frank E. Manuel, op. cit., p. 43. 82

    I. Bernard Cohen, op. cit., p. 53. 83

    Frank E. Manuel, op. cit., p. 88. AP. Um dos paralelos mais insólitos (cf. Isaac Newton, op. cit., Tomus secundus,

    Philosophiæ naturalis Principia Mathematica, Def, VIII, Scholium, p. 11, utilizando "sacris literis" para se referir às

    realidades naturais; transcrito em IV. 5) já parecia tão estranho a Cajori (ou a Crawford) que sentiu a necessidade de

    alterar totalmente o texto: vide Bernard Cohen, op. cit., ch. 2, sec. 3, pp. 35-36. 84

    Esta é a linguagem utilizada pelo próprio Clarke a propósito da teologia trinitária: Samuel Clarke, The Scripture-

    Doctrine of the Trinity, London, James Knapton, 1712, p. 243. Tal qual como rejeita as hipóteses especulativas da mesma

    forma que na filosofia natural, também defende a mesma suspensão de juízo relativa às causas ou aos modos como teve

    origem determinado processo confirmado pela experiência, neste caso a Escritura, sem, porém, fornecer dados acerca

    desses modos e dessas causas: Samuel Clarke, op. cit., p. 272. AP. O mesmo quanto ao Espírito Santo, ibidem, p. 290.

    Há, porém, a diferença de nem se admitir a possibilidade de se vir a explicar, um pouco como Cotes aborda a gravidade. 85

    Frank E. Manuel, op. cit., p. 42. AP. 86

    Stephen David Snobelen, op. cit, p. 274. AP. Não deixa de ser curioso o recurso a queries em tudo análogas às da

    Ótica quer no domínio histórico (David Brewster, op. cit., Chap. XXIV, pp. 342-346), quer no domínio teológico (David

    Brewster, op. cit., Appendix XXX, pp. 532-534). 87

    Frank E. Manuel, op. cit, p. 69. AP. 88

    God. Guil. Leibnitii, ed. Joannes Eduardus Erdmann, Opera Philosophica quae exstant latina gallica germanica

    Omnia, Berolini, Sumtibus G. Eichleri, 1840, Remarques sur le sentiment du P. Malebranche, p. 452, col. b. AP. 89

    Leibniz, op. cit., Tomo I, Monadologie, § 47, p. 714, G, VI, 614. AP. 90

    Alexandre Koyré, Études newtoniennes, s/l, Éd. Gallimard, 1968, reimpr. 1980, "Newton et Descartes", p. 154.

  • 162

    Atanásio e Leibniz91

    cuja metafísica procura tutelar a teologia e, depois, justifica a sua

    incompreensibilidade com os mistérios acima da razão. Com exceção dos livros proféticos, a religião

    bíblica seria de teor meramente moral e foram esses perversores que a transformaram em

    metafísica.92

    Embora o latitudinarismo pareça relativizar os rituais, a adoração externa de Deus

    parece um elemento fundamental evidente, embora não se perceba porquê, para a própria Luz

    Natural.93

    Mas a própria adoração parece ser compreendida de forma moral94

    e o próprio objeto de

    adoração é prático,95

    sendo o sentido da adoração, como diz o Escólio Geral, mostrar-nos como

    servos do Senhor.96

    Também aqui é notória a diferença relativamente a Leibniz, visto as orações

    nada alterarem ao que está predeterminado.97

    Trata-se, de facto, de uma religião de obediência aos

    mandamentos,98

    mas não uma religião sem amor ou perdão, como afirma Manuel99

    , tal como se pode

    ver em diversas passagens porventura pouco adequadas para as tendências psicanalíticas deste

    comentador.100

    A questão do caráter herético das doutrinas newtonianas interessa muito pouco, em si própria,

    a esta dissertação. Mas a reação religiosa à atribuição de tais teses a Newton mostra que a teologia e

    a ciência não são assim tão separáveis como se julga. Imediatamente após a atribuição por Whiston

    de teses antitrinitárias a Newton,101

    um imenso rol de autores negou que o grande Sir Isaac Newton

    pudesse ter teses não ortodoxas, seja lá o que isso for, tendo em conta a facilidade com que, na

    própria época, a ortodoxia de um é alvo da acusação de heterodoxia por outro. Mesmo quando se

    tentou negar as corrupções da Escritura identificadas por Newton, fazia-se questão de negar qualquer

    heterodoxia ao cada vez mais divinizado Newton.102

    Mesmo após as incertezas de juízo de

    Brewster103

    e as redescobertas do séc. XX, mesmo após todo o trabalho erudito realizado na análise

    dos manuscritos teológicos, continuam a aparecer teses, mais ou menos elaboradas, cujo objetivo

    único é o de mostrar que o grande Isaac Newton se encaixa numa ortodoxia qualquer.104

    Um tal

    empenho tanto tempo depois faz compreender muito melhor a reserva de Newton num tempo de

    muito mais acesas disputas teológicas, acerca das mínimas diferenças interpretativas ou teóricas, que

    bem deram razão à irónica obra de Hare que recomendava aos clérigos os estudos naturais em vez

    91

    Richard S. Westfall, op. cit., pp. 822-823. AP. 92

    Frank E. Manuel, op. cit, p. 72. AP. 93

    Samuel Clarke, A Discourse concerning..., 10th

    . ed., London, H. Woodfall e outros, 1767, A Discourse concerning the

    Unchangeable Obligations..., p. 140. AP. 94

    Samuel Clarke, op. cit., p. 100. AP. 95

    Richard S. Westfall, op. cit., pp. 354-355. AP. 96

    Isaac Newton, op. cit., Tomus tertius, 1782, Philosophiæ naturalis..., Liber tertius, p. 173: "Colimus enim et servi". 97

    Leibniz, op. cit., Tomo II, Essais de Théodicée, 2ª parte, § 120, p. 158, G, VI, 174. AP. 98

    Frank E. Manuel, op. cit, pp. 15-16. 99

    Frank E. Manuel, op. cit, pp. 22-23. AP. 100

    E. g. Isaac Newton, Keynes MS 3, p. 36 in Stephen David Snobelen, op. cit, p. 263. AP. 101

    Aliás, parece atribuir à influência de Newton e Clarke a descoberta das teses anti-atanasianas e mesmo arianas:

    William Whiston, op. cit, pp. 12-13. 102

    E. Henderson, The great Mistery of godliness incontrovertible; or, Sir Isaac Newton and the Socinians, London,

    Holdsworth and Ball, 1830. 103

    David Brewster, op. cit., Ch. XXIV, p. 338. AP. Protege, aliás, ibidem, p. 340, a sua anterior defesa do trinitarismo de

    Newton reclamando uma latitude que reconhece que as autoridades eclesiásticas poderão não ter. 104

    E. g., Van Alan Herd, op. cit. Refere-se aqui este trabalho apenas para mostrar quanto o proselitismo não perdeu

    atualidade e como pode se misturar com o aparente cultivo da ciência, visto ser uma tese com intenções teológicas e

    religiosas inequivocamente afirmadas à partida que recebeu a chancela de um Departamento de História da Ciência. Toda

    a tese é um exercício de confirmacionismo, ficando, várias vezes, a dever algo à honestidade interpretativa, tendo como

    único objetivo recuperar o grande Newton para uma ortodoxia que qualquer leitor das polémicas desta época poderia ver

    como dependia da posição de cada qual, podendo-se sempre ver nos adversários posições heréticas. Mas mesmo os

    trabalhos mais parciais podem apresentar razões apreciáveis, aliás como acontece com as posições contrárias, também

    elas muitas vezes prosélitas. Este chama a atenção para as raizes puritanas e para a oposição ao triteísmo, muito embora

    tal oposição também ocorresse da parte dos arianos, socinianos e unitarianos, exatamente na época de referência. Para um

    trabalho como um sentido análogo, mas com muito maior isenção, qualidade, rigor e consistência: Thomas C.

    Pfizenmaier, op. cit.

  • 163

    dos bíblicos,105

    e acabaram por contribuir para o distanciamento latitudinário ou científico das

    disputas religiosas. Há, porém, algumas razões para a incerteza quanto à posição de Newton: por

    exemplo, Lutero também rejeitou a terminologia "essencialista" e Calvino rejeitou subscrever

    Atanásio.106

    Cudworth parece favorável à noção de gradual subordinação platónica e nega que ela

    implique o arianismo.107

    Parece não haver grandes dúvidas quanto à importância do puritanismo em

    Cambridge, mesmo após a Restauração, e a sua influência ao menos prática em Newton.108

    Por outro

    lado, são conhecidas as suas condenações de Ário por também utilizar subtilezas metafísicas.109

    Nas

    disputas dos eruditos contemporâneos, tem-se prestado pouca atenção à reivindicação de Whiston de

    que o seu alegado arianismo era, de facto, um eusebianismo.110

    Eusébio de Cesareia terá sido o

    primeiro historiador da Igreja preocupado com a determinação das características do cristianismo

    primitivo e um adversário a que Atanásio não conseguiu fazer frente. Tendo em conta a predileção de

    Newton pelo cristianismo primitivo comum a Eusébio, as próprias predileções reveladas por Clarke,

    por exemplo, na conferência de 1705, em que Orígenes é um dos dois autores cristãos mais citados (o

    outro é Lactâncio – o que também mostra a predileção por autores anteriores a Niceia), o mesmo

    Orígenes que inspirou Eusébio e que defendia a subordinação do Filho ao Pai, é de crer que a filiação

    indicada pelo mais ou menos renegado Whiston possa, talvez, ser identificadora da conceção

    religiosa do círculo mais próximo de Newton.111

    Que estas posições possam ser e ter sido identificadas como arianas, pode ser visto pela forma

    como Pagitt, em 1645, resume as teses arianas: "1. Negam a Trindade de pessoas na divindade; 2.

    Negam que o Filho seja Deus; 3. Negam a eterna geração do Filho que é, dizem, contra a razão e a

    verdade; 4. Negam que Cristo deva ser chamado Deus a respeito da sua essência, mas só por causa

    do seu domínio; 5. Negam que o Espírito Santo seja Deus."112

    Das 5 teses, apenas a terceira está sob

    discussão e, mesmo essa, poderá ser devida aos cuidados de Clarke, tentando dar um aspeto ortodoxo

    às suas teses, sem deixar de fazer a crítica a certas conceções anglicanas, tendo em conta que

    Whiston o condenava, implicitamente, por ter traído a verdade que declarava ele bem conhecer,

    quando da publicação do livro sobre a Trindade.113

    O que Clarke critica é o uso contraditório dos

    termos pessoa e essência ou substância,114

    defendendo que cada pessoa possui uma essência e duas

    105

    Francis Hare, atr., The Difficulties ans Discouragements which attend the Study of the Scriptures in the Way of Private

    Judgement, 3ª ed., London,. John Baker, 1714. Apesar de censurado pela Casa Baixa da Convocação, gozou de grande

    sucesso, tanto que, embora tenha surgido em 1714, esta 3ª edição ainda é do mesmo ano. 106

    Maurice Wiles, op. cit., p. 54. AP. 107

    R. Cudworth, The true Intellectual System of the Universe: The First Part; wherein, All the Reason and Philosophy of

    Atheism is Confuted and its Impossibility Demonstrated, London, Richard Royston, 1677, Book I, Chap. IV, pp. 591-600. 108

    Richard S. Westfall, op. cit., p. 78. AP. 109

    Frank E. Manuel, op. cit., p. 58. AP. 110

    William Whiston, op. cit., p. 18. AP. Faz, aliás, esta ressalva múltiplas vezes. Quanto à questão do Eusébio que

    serviria de referência, esta interpretação só é válida se se tratar de Eusébio de Cesareia. Whiston terá começado por se

    identificar com Eusébio de Nicomédia, tal como, corretamente, afirma Pfizenmaier (Thomas C. Pfizenmaier, op. cit., p.

    196), visto se estar a referir a uma publicação de 1712, mas, posteriormente (o texto citado foi editado em 1730), quando

    começou a fazer a distinção entre o arianismo grosseiro e a acusação mais ampla que Clarke rejeita por não corresponder

    às doutrinas de Arius e que Whiston aceita, em sentido lato, mas faz corresponder aos verdadeiros eusebianos ou

    verdadeiros cristãos, já não fazia sentido fazer a identificação com Eusébio de Nicomédia porque as teses deste em pouco

    ou nada se distinguem das de Arius, correspondendo ao arianismo grosseiro. Cf. Maurice Wiles, op. cit., p. 102. AP. 111

    Fazendo a contabilidade das fontes patrísticas na The Scripture-Doctrine of the Trinity, embora, tendo em conta o

    assunto, se encontrem mais citações de outros autores, entre os quais Atanásio, Pfizenmaier acaba por concluir que as

    influências determinantes de Clarke são Orígenes e Eusébio, muito embora talvez se incline demais para Orígenes. Cf.

    Thomas C. Pfizenmaier, op. cit, pp. 93-119. Mesmo o monarquismo, apesar da inspiração conceptual de Tertuliano, é

    concebido de acordo com a dupla Orígenes/Eusébio: ibidem, pp. 126-127. Chega, por fim, a concluir, tal como aqui, que

    Clarke seria um eusebiano: ibidem, pp. 145-150. 112

    Ephraim Pagitt, A brief description of Heretics, Coconut Creek, Florida, Puritan Publications, 2013, pp. 20-21. AP. 113

    William Whiston, op. cit., p. 41. AP. 114

    J. P. Ferguson, op. cit., p. 68. AP.

  • 164

    pessoas não podem, por isso, ser uma pessoa.115

    Poder-se-á, porém, questionar se Clarke não oculta,

    por trás do ataque à Metafísica e da insistência da redução aos termos da Escritura, a alternativa

    inevitável entre dois deuses ou a conceção do Filho como uma criatura (embora preferisse o termo

    "geração" para distinguir entre a geração a partir de Deus e a criação a partir do nada)116

    , mesmo que

    gerada antes do mundo (já se viu em IV. 2 que, do ponto de vista newtoniano, não faz sentido

    considerar que "antes do mundo" seria "antes do tempo") e mesmo com antecedentes patrísticos,

    como Whiston e, provavelmente, Newton advogam. Clarke terá sido, aliás, confrontado com a sua

    duplicidade através de uma questão de Hawarden que se interrogava acerca de se, na conceção de

    Clarke, o Filho ou Espírito Santo poderiam ser destruídos por Deus, ao que teria respondido ou que

    não sabia ou que não tinha ainda pensado nisso.117

    Se não tivesse dúvidas acerca da divindade

    absoluta do Filho, Clarke teria de responder, sem hesitações, não. O facto de não ter respondido,

    mostra que só concebia a "divindade" do Filho e do Espírito Santo de forma relativa, dependente de

    Deus e, como tal, não partilhando da existência necessária de Deus que havia estabelecido na

    conferência de 1704, tendo, assim, um estatuto contingente, análogo ao criado, mediador entre este e

    Deus, decorrente da liberdade de Deus, do seu Poder e Vontade, seguindo a formulação eusebiana, e

    não da sua essência necessária. O único aspeto em que poderá ter-se afastado da formulação de

    Eusébio reside no facto de este colocar a geração do Filho antes do tempo, o que não faz sentido na

    conceção newtoniana onde o tempo não é uma criação de Deus, mas uma consequência da sua

    existência. Daí parecer aproximar-se, neste aspeto, mais de Orígenes e da sua geração eterna.118

    Quanto a Newton, parece ser a verdadeira fonte da conceção: já na primeira metade dos anos

    70, apresenta um conceção subordinacionista,119

    concebe essa subordinação com uma comunicação

    de força, por um lado, decorrente da causa no Poder e Vontade de Deus, e, por outro, embora não

    necessariamente separado, fazendo lembrar a sua filosofia natural,120

    e acaba por defender as teses

    que inspiraram Whiston e Clarke.121

    Há, porém, que ter em consideração que os manuscritos

    relevantes de Newton se espraiam ao longo de 55 anos, sem qualquer publicação que fixasse o seu

    pensamento num determinado momento e o obrigasse a ter o antes afirmado como referência, com as

    exceções da impressão cuja publicitação acabou por impedir à última hora122

    e a publicação à sua

    revelia de um resumo já muito disfarçado de uma cronologia que dificilmente denunciaria o seu

    pensamento teológico.123

    A grande maioria desses manuscritos é de muito difícil datação e viu-se

    como, mesmo no âmbito da filosofia natural, com muito mais publicações e cartas a servirem de

    referência, podem existir grandes divergências na datação de alguns manuscritos.124

    Tendo em conta

    a própria forma discreta como Newton desenvolvia as suas teses teológicas, será crível que ele tenha

    mantido, ao longo de todo esse tempo, exatamente as mesmas teses? Para lá das diferenças

    interpretativas dos mesmos textos, é possível que qualquer um possa encontrar nos seus textos

    sustentação para interpretações calvinistas, filojudaicas, latitudinárias, arianas, socinianas,

    unitarianas, etc., etc. Por exemplo, existem textos em que Newton afirma a corporalidade do Filho

    mesmo antes de o mundo começar, reservando para o Pai a possibilidade de ser puro espírito,125

    tal

    115

    J. P. Ferguson, op. cit., p. 77. AP. 116

    E. g., Samuel Clarke, The Scripture-Doctrine of the Trinity, London, James Knapton, 1712, p. 276. AP. 117

    J. P. Ferguson, op. cit., pp. 247-248. Cf. versão preferida por Ferguson, ibidem, p. 146. 118

    Thomas C. Pfizenmaier, op. cit, p. 94. AP. 119

    Richard S. Westfall, op. cit., p. 311. 120

    Isaac Newton, Yahuda MS 14, ff. 173-3V in Richard S. Westfall, op. cit., p. 317. AP. Resta saber se esta utilização da

    força gravítica é apenas metafórica ou se a própria divindade é encarada como força, explicando mesmo as forças ativas

    do Universo. Ver VI. 7. 121

    Richard S. Westfall, op. cit., p. 824. AP. 122

    Isaac Newton, Opera quae exstant omnia, Londini, Johannes Nichols, Tomus quintus, 1785, An historical account of

    Two notable Corruptions of Scripture in a letter to a friend, pp. 495-550. 123

    Richard S. Westfall, op. cit., pp. 805-811. 124

    Ver discussão na nota 62 da secção IV. 2. 125

    Maurice Wiles, op. cit, p. 82. AP. As passagens são de Martin Bodmer MS, On the Church (C-H 33), ch. 1. A

    propósito deste manuscrito, cf. Steffen Ducheyne, "Isaac Newton's 'Of the Church' manuscript description and analysis of

  • 165

    como Leibniz defendia mas em relação ao todo trinitário de Deus, em contraposição à corporalidade

    inevitável de todas as criaturas – não reforça isto a conceção do Filho como criatura? Será possível

    uma interpretação ortodoxa desta conceção? Mas será esta conceção mantida ao longo de toda a vida

    de Newton? O conhecimento da teologia newtoniana parece ainda bastante incerto para avançar com

    conclusões definitivas. Porém, o mesmo não acontece com os discípulos Whiston e Clarke que

    publicaram mais do que o suficiente sobre o assunto. Ora, se a relação com Whiston foi notoriamente

    problemática, não há registo da mínima desavença com Clarke. Além disso, ao menos em tudo

    aquilo que é possível comparar, existe, como bem mostrou Pfizenmaier, uma quase completa

    concordância entre as abordagens teológicas de Newton e as de Clarke.126

    Se Cotes é o primeiro

    cientista newtoniano normal, Clarke será o primeiro teólogo newtoniano normal, mostrando, aliás, a

    difícil separação das duas áreas, visto ser também um dos mais importantes divulgadores da filosofia

    natural newtoniana, tentando exatamente conciliá-la com a religião natural e até com a revelada.

    Porém, os puzzles que Clarke procura resolver não se centram só na busca de uma maior aderência

    entre o paradigma e a experiência, representada, neste caso, como já se viu, pelos textos da Escritura,

    nem sequer na mais ampla interpretação das fontes patrísticas, mas também na compatibilização das

    teses newtonianas com as doutrinas da Igreja Anglicana, razão pela qual Clarke se envolve em

    subtilezas que, por princípio, um newtoniano rejeitaria, de forma a dar um contorno aceitável, do

    ponto de vista da ortodoxia anglicana, às teses defendidas.

    De qualquer forma, aqueles que tentam defender a ortodoxia de Newton, cuja definição

    importa pouco a esta dissertação, deveriam interrogar-se acerca dos muitos pormenores biográficos

    quer em relação a Newton, quer em relação a Clarke, que excedem, infelizmente, o âmbito desta

    abordagem, mas que se mostrariam inconsistentes num contexto de ortodoxia indiscutível. Mas,

    nesta dissertação, já cabe questionar a razão por que Clarke não respondeu às provocações

    leibnizianas, já referidas em VI. 2, que os associavam ao socinianismo.127

    Se se tratassem de

    verdadeiros guardiões da ortodoxia, sobretudo nesta época e num contexto de polémicas e suspeitas

    que atingiam o círculo newtoniano nos últimos anos e que iam desde o arianismo ao socinianismo,

    seria de esperar uma inequívoca rejeição da insinuação. Para lá das polémicas que envolveram

    Whiston e Clarke, um dos críticos de Clarke resolveu adicionar uma adenda a uma nova vaga de

    objeções que interpretava a noção relativa de Deus de Clarke e do Escólio Geral da 2ª edição dos

    Principia como uma importação sociniana, mais precisamente de Johann Crell,128

    com o qual

    Newton até contactou. Longe do timorato Newton ter retirado as páginas alvo da acusação na terceira

    edição, ainda reforçou mais a associação, como Snobelen mostra,129

    embora sem se comprometer. É

    também para não se comprometerem que não respondem à provocação de Leibniz, muito embora a

    associação até fosse facilmente demonstrável como errada quer pelos textos de Clarke, quer pelos de

    Newton, como, aliás, já se viu nesta dissertação. Por muito que Newton pudesse ser condescendente

    para com os socinianos, por muito que algum do seu estilo e alguns dos seus métodos pudessem

    lembrar os socinianos, Snobelen não parece ter razão na associação que faz, não só devido à questão

    da pré-existência do Filho, mas, sobretudo devido às questões tratadas nesta dissertação, como a

    providência, a presciência e a liberdade. Talvez em vez de tentar encaixar Newton numa qualquer

    seita, puritana, ariana, sociniana, unitariana, etc., fosse melhor tentar compreender o seu específico

    Bodmer Ms. in Geneva" in European Journal of Science and Theology, 2009

    6, Vol.5, Nº.2, pp. 25-35.

    126 Thomas C. Pfizenmaier, op. cit, pp. 152-186.

    127 Leibniz, op. cit., Tomo I, Recueil de lettres entre Leibniz e Clarke, 2º escrito, § 9, p. 738, G, VII, 358 (transcrito em

    VI. 2); 5º escrito, § 5, G, VII, 389-90. Aliás, Leibniz estaria convencido da ortodoxia da sua posição e suspeitaria do

    caráter herético das rivais: Domenico Bertoloni Meli, "Caroline, Leibniz, and Clarke" in Journal of the History of Ideas,

    University of Pennsylvania Press, 19997, Vol. 60, No. 3, p. 484. AP.

    128 John Edwards, Some brief critical remarks on Dr. Clarke’s last papers; which are his reply to Mr. Nelson, and an

    anonymous writer, and the author of some considerations, &c., London, Ferdinando Burleigh, 1714, pp. 36–37. Já havia

    editado antes: John Edwards, Some Animadversions on Dr. Clark's Scripture-Doctrine, (As he Stiles it) of the Trinity,

    London, John Morphew, 1712. 129

    Stephen David Snobelen, op. cit, p. 281.

  • 166

    pensamento, incluindo eventuais incertezas e mudanças, e concluir que Newton era demasiado

    original para pertencer a outra seita que não a que ele próprio fundasse.

    Já uma questão mais decisiva para esta abordagem é o eventual diferente entendimento da

    Revelação, de Newton em relação a Clarke. De facto, contrariamente à infalibilidade das Escrituras

    defendida pela tradição e pelo próprio Clarke, Newton restringia a Revelação aos textos proféticos,

    considerando os livros históricos meras compilações dos homens.130

    Whiston defendeu que a

    interpretação profética era mais própria de Newton, seguindo Clarke simplesmente a sua autoridade,

    contrariamente a Whiston.131

    Mas a sua importância seria de tal ordem que, ainda segundo Whiston,

    teriam sido essas interpretações que levaram Newton e Clarke a desistir dos esforços públicos para

    restaurar a Igreja primitiva.132

    Mas se a verdadeira Revelação era a profética, que realidade era a da

    restante religião? Não importava? É neste domínio que as noções de religião natural e religião

    revelada não parecem convir a Newton. Para ele, o que há é a verdadeira religião e a falsa religião,

    assim como a verdadeira ciência e a falsa ciência, confundindo-se, aliás, estas noções com as de

    prisca sapientia e prisca theologia (já antes tratadas em IV. 1 e 9, tal como neste anexo). No fundo,

    não poderia ser uma religião mais natural porque estava fundida com a filosofia natural, sendo a sua

    outra dimensão, a moral, que Clarke funda na adequação à "razão natural das coisas".133

    As duas

    dimensões da religião natural de Leibniz, a teórica e a prática, estão presentes, mas fundadas na razão

    natural das coisas e não na metafísica, através da ciência e da moral presentes na religião de Noé e

    dos seus filhos,134

    de que as outras mais não foram do que recuperações muitas vezes parciais.135

    Todas as degenerações ocorridas ao longo da história foram também culpa sempre do mesmo

    inimigo, a metafísica.136

    Abraão,137

    Moisés e Cristo apenas recuperaram as leis de Noé que mais não

    são que as leis da natureza.138

    O orgulho de Newton não é o de ter descoberto leis naturais, mas o de

    restaurar a ciência antediluviana,139

    apenas fragmentariamente recuperada ao longo da história antes

    dele, conjuntamente com a sua religião que, porém, poderá ter de esperar pelo cumprimento das

    profecias. A sua própria cronologia e toda a sua argumentação naturalista e astronómica, destinava-se

    a fazer encaixar todos os acontecimentos a partir da datação atribuída a Noé.140

    E, para tirar estas

    conclusões, não é necessário recorrer a nenhum manuscrito obscuro porque isso está claramente

    expresso no final da Ótica.141

    Nessa conceção, fundem-se as noções de filosofia natural, filosofia

    moral, religião natural e religião revelada, ou melhor, da verdade de alguma forma concedida, pelo

    próprio Deus, a Adão e Noé, e que Newton recuperou, na medida do possível, segundo o próprio,

    para a nossa era. 130

    Richard S. Westfall, op. cit., pp. 826-827. Esta conceção parece percorrer a sua vida, já sendo identificável nos anos

    70: ibidem, p. 319. Richard S. Westfall, "Newton and Christianity" in I. Bernard Cohen, Richard S. Westfall, sel. e ed.,

    Newton..., New York/London, W. W. Norton & Co., 1995, p. 367. AP. 131

    Essa é a razão apresentada por Whiston para Newton o ter renegado: William Whiston, Memoirs of the Life and

    Writings of Mr. William Whiston..., London, Whiston and Bishop, 1749, p. 294. AP. 132

    William Whiston, Historical Memoirs of the Life of Dr. Samuel Clarke..., London, Fletcher Gyles and J. Roberts,

    1730, p. 157. AP. Apesar da parcialidade de Whiston, parece concordante com as interpretações newtonianas. Cf.

    Richard S. Westfall, op. cit., pp. 816-817; Stephen David Snobelen, op. cit, p. 269. Essa importância seria de tal ordem

    que teria motivado a zanga de um ano contra alguém tão próximo como Bentley: William Whiston, Memoirs of the Life

    and Writings of Mr. William Whiston..., London,Bishop, 1749, pp. 106-107. AP. 133

    Samuel Clarke, op. cit., utiliza múltiplas vezes a expressão "nature and reason of things" ou similares, e. g., pp. 3, 38-

    43, 65, 79-80, 84, 90-91, etc. 134

    Richard S. Westfall, Never at Rest..., New York, Cambridge University Press, 1980, 20th. pr. 2010, p. 820. AP. 135

    Richard S. Westfall, "Newton and Christianity" in I. Bernard Cohen, Richard S. Westfall, sel. e ed., Newton..., New

    York/London, W. W. Norton & Co., 1995, pp. 366-367. AP. 136

    Frank E. Manuel, op. cit, p. 69. AP. 137

    Abraão teria preservado a antiga religião de Ur que seria a herdada de Noé. Cf. Steffen Ducheyne, op. cit, p. 26. 138

    Isaac Newton, Yahuda MS 15.5, f. 91 in Richard S. Westfall, op. cit., p. 821. Isaac Newton, Yahuda MS 7.4, n. f. in

    Richard S. Westfall, op. cit., pp. 821-822. AP. 139

    J. E. McGuire e P. M. Rattansi, op. cit., p. 136. AP. 140

    Richard S. Westfall, op. cit., p. 813. AP. 141

    Isaac Newton, Opera quae exstant omnia, Londini, Johannes Nichols, Tomus quartus, 1782, Optics, p. 264. AP.

  • 167

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