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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ BRUNO AUGUSTO ROSSATTO DE FABRIS A GESTÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO À LUZ DO SISTEMA ACUSATÓRIO Florianópolis 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

BRUNO AUGUSTO ROSSATTO DE FABRIS

A GESTÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO À LUZ

DO SISTEMA ACUSATÓRIO

Florianópolis

2010

2

BRUNO AUGUSTO ROSSATTO DE FABRIS

A GESTÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO À LUZ

DO SISTEMA ACUSATÓRIO

Monografia submetida à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito a

obtenção do grau de Especialista em

Direito Penal e Processual Penal.

Orientador: Prof. Dr. Paulo de Tarso

Brandão.

Florianópolis

2010

3

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de Direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale

do Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual

Penal e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Florianópolis, 10 de fevereiro de 2010.

Bruno Augusto Rossatto de Fabris

Aluno

4

FOLHA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito

Penal e Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada

pelo aluno Bruno Augusto Rossatto de Fabris, sob o título A Gestão da Prova no

Processo Penal Brasileiro à Luz do Sistema Acusatório foi submetida em 10 de

fevereiro de 2010 à avaliação pelo Professor Orientador e pela Coordenação do

Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal, e aprovada.

Florianópolis, 10 de fevereiro de 2010.

Professor Doutor Paulo de Tarso Brandão

Orientador

Professora Helena Natassya Pitsica

Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Penal e

Processual Penal

5

AGRADECIMENTOS

Antes de qualquer coisa, quero agradecer a Deus, por ter me acompanhado

fielmente ao longo de mais esta jornada, assim como o fez durante toda minha vida.

À minha família, por ter sempre incentivado e torcido pelo meu sucesso

profissional e acadêmico.

À minha namorada Katya, minha fiel parceira nestes últimos seis anos, pelo

amor e compreensão incondicionais, apesar da grande distância que tem nos

separado.

Aos meus padrinhos Herneus e Laine de Nadal pela valiosa oportunidade

profissional concedida e a confiança em mim depositada.

Aos meus colegas da Escola do Ministério Público, pela honrosa

oportunidade de convivermos nestes últimos dois anos.

Aos mestres da Escola do Ministério Público, pela sabedoria compartilhada,

em especial ao Dr. Paulo de Tarso Brandão, orientador deste trabalho.

À Escola do Ministério Público, direção e funcionários, pela atenção

dispensada.

E a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho.

6

Quem tiver um juiz por acusador precisa

de Deus como defensor. Mas, às vezes,

isso não é suficiente.

Autor desconhecido.

7

RESUMO

Os sistemas processuais são o conjunto de princípios e regras constitucionais que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto. Os sistemas processuais penais podem ser identificados como: Acusatório, Inquisitório e Misto. Não obstante, as duas formas básicas de que pode se revestir o processo são a acusatória e a inquisitória. A primeira tem como característica central a nítida separação das funções processuais (acusar, defender e julgar) em sujeitos distintos. A segunda, por sua vez, a concentração de todas essas funções em um mesmo sujeito: o juiz. Com efeito, no modelo acusatório os poderes de gestão da prova estão nas mãos das partes, e, portanto, de um sujeito distinto do que irá julgar, ao contrário do que ocorre no modelo inquisitório, em que o mesmo sujeito que instrui o processo será o responsável por seu julgamento. Assim, verifica-se uma latente contradição no processo penal brasileiro. De um lado, tem-se o Código de Processo Penal, editado sob matriz inquisitória, que confere amplos poderes de iniciativa probatória ao juiz. De outro, a Constituição Federal de 1988 que claramente adotou o Sistema Acusatório, afastando o juiz de toda e qualquer atividade probatória, a fim de preservar sua função natural de julgador inerte e imparcial. Nesse norte, há que se demonstrar que a gestão da prova no processo penal brasileiro é papel reservado ao Ministério Público, a quem foi atribuída a função acusatória, e, portanto, são incongruentes com a sistemática processual penal brasileira todos os dispositivos processuais penais que conferem poderes instrutórios ao juiz. Palavras-chave: Sistemas processuais penais. Sistema Acusatório. Sistema Inquisitório. Funções processuais. Gestão da prova. Ministério Público. Poderes instrutórios do juiz. Incongruência.

8

ABSTRACT

The procedural systems are the set of principles and constitutional rules that establish the guidelines to be followed for the application of criminal law to each case. The systems of criminal procedure can be identified as Accusatory, Inquisitorial and Mixed. Nevertheless, the two basic forms that can be taken by the process are accusatory and inquisitorial. The first is as a core feature the clear separation of functions procedural (accuse, defend and judge) in different subjects. The second, in turn, the concentration of all these functions in a single subject: the judge. Indeed, in the adversarial model, the powers of management of the event is in the hands of the parties, therefore a different bloke will judge, contrary to what occurs in the inquisitorial model, where the same person who directs the process will be responsible for his trial. Thus, there is a latent contradiction in the criminal justice system. On the other hand, has the Code of Criminal Procedure, edited under inquisitorial matrix, which gives broad powers of initiative evidence to the judge. Otherwise, the 1988 Federal Constitution, which clearly adopted the adversarial system, rejecting the judge of any evidential activity, in order to preserve its natural function of inert and impartial judge. In the north, must be demonstrated that the management of proof in criminal justice has the role reserved to the public prosecutor, to whom was assigned the accusatory function, therefore are inconsistent with the Brazilian criminal procedural system all procedural devices that gives evidentiary powers to the judge. Key words: Systems of criminal procedure. Adversarial system. Inquisitorial system. Procedural functions. Management of evidence. Prosecutors. Powers of investigation as a judge. Incongruity.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................... 10

1 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS.............. .......................... ...........11

1.1 SISTEMA ACUSATÓRIO, SISTEMA INQUISITÓRIO E SISTEMA MISTO:

CARACTERÍSTICAS E DIFERENCIAÇÕES................................................................. 11

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS ................................. 19

1.3 O MODELO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO....... ......................................... 29

1.3.1 Breve histórico do Processo Penal Brasileiro........... ............................................ 29

1.3.2 A eleição do Sistema Acusatório pela Constituição Federal de 1988............... .... 33

2 A GESTÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: O

PAPEL RESERVADO AO MINISTÉRIO PÚBLICO.............. ........ ...........39

2.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO: PARTE NO PROCESSO PENAL

BRASILEIRO............................... .................................................................................. 39

2.2 A RESPONSABILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA PROVA NO

PROCESSO PENAL BRASILEIRO.................. ............................................................. 45

2.3 A INVESTIGAÇÃO DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO............... .................... 52

3 A INCONGRUÊNCIA DOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ

COM A SISTEMÁTICA PROCESSUAL BRASILEIRA.............. ... ...........61

3.1 A IMPARCIALIDADE DO JUIZ: META A SER ATINGIDA NO PROCESSO

PENAL BRASILEIRO.................. .................................................................................. 61

3.2 O PRINCÍPIO DA VERDADE REAL: UM MITO............... ....................................... 66

3.3 A LESGISLAÇÃO PROCESSUAL BRASILEIRA E OS PODERES

INSTRUTÓRIOS DO JUIZ: RESQUÍCIOS DO SISTEMA INQUISITÓRIO................. ..71

3.3.1 A filtragem constitucional................. ................................................................... ..71

3.3.2 As incongruências da legislação processual penal brasileira................. ............ ..73

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............. ............................................ ...........83

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS.............. ...................... ...........84

10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo analisar as implicações do Sistema

Acusatório na gestão da prova no processo penal brasileiro, tendo em vista que este

é o sistema adotado pela Constituição Federal de 1988 como o norteador da

realidade processual penal brasileira.

Partindo-se da premissa de que os sistemas processuais são modelos

históricos, visa-se inicialmente identificar as suas reais características e

diferenciações, para que se possa, em seguida, comprovar a adoção do modelo

acusatório pelo ordenamento constitucional vigente e demonstrar sua

imprescindibilidade para o Estado Democrático de Direito brasileiro.

Feito isso, levando-se em consideração que a principal e mais importante

característica do Sistema Acusatório é a separação das funções processuais no

processo penal, cabe, então, delimitar a atuação dos sujeitos processuais no

procedimento penal pátrio, em especial no que se refere à gestão da prova,

evidenciando que à luz do Sistema Acusatório a função acusadora foi entregue ao

Ministério Público, a quem compete levar a juízo todos aqueles que infringirem a Lei

penal nos casos de ação penal de natureza pública.

A partir daí, faz-se necessário demonstrar a incongruência da atuação

probatória judicial no processo penal brasileiro, porquanto esta é tarefa inerente às

partes, perquirindo acerca da aplicação diuturna e sistemática no foro brasileiro de

diversos dispositivos que lhe atribuem poderes para tanto, resquícios do tempo em

que vigorava no ordenamento jurídico nacional o Sistema Inquisitório e imperava a

figura do juiz-instrutor.

A presente pesquisa se justifica em face da possibilidade de contribuir com o

fortalecimento e purificação do modelo acusatório brasileiro e, por conseguinte, a

eliminação de todo e qualquer ranço inquisitorial.

Para a elaboração deste trabalho, que se utilizará do método indutivo, serão

realizadas pesquisas bibliográficas a obras doutrinárias, e em caráter supletivo, a

jurisprudência dos tribunais pátrios.

11

1 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Para o sucesso do presente trabalho, que tem por escopo analisar a gestão

da prova no processo penal brasileiro sob a ótica do sistema processual adotado

pela ordem constitucional vigente, torna-se de precípua importância a exata

compreensão dos sistemas processuais penais, suas características e

diferenciações, de modo a possibilitar a clara identificação do modelo adotado pela

Constituição Federal de 1988 e analisar suas implicações à interpretação e

aplicação da norma processual penal, identificando as incongruências que por

ventura existam entre as regras processuais e o regramento constitucional.

Nesse norte, se faz oportuno, de forma sucinta, contextualizar historicamente

os sistemas processuais penais nos principais ordenamentos jurídicos da História,

verificando sua importância na evolução histórica do processo penal.

1.1 SISTEMA ACUSATÓRIO, SISTEMA INQUISITÓRIO E SISTEMA MISTO:

CARACTERÍSTICAS E DIFERENCIAÇÕES

Sistema processual penal pode ser definido como “o conjunto de princípios e

regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que

estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada

caso concreto”1.

Com efeito, é cediço que cada um deles melhor servirá a determinada época

e forma de governo.

Segundo Aury Lopes Jr.:

Na história do Direito se alternaram as mais duras opressões com as mais amplas liberdades. É natural que nas épocas em que o Estado viu-se seriamente ameaçado pela criminalidade o Direito Penal tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse que ser também inflexível. Os sistemas

1 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 45.

12

processuais inquisitivo e acusatório são reflexo da resposta do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época. [...]

2

Nesse norte, é possível afirmar que o Sistema Acusatório é o que melhor se

coaduna com os ditames do Estado Democrático de Direito, em que se confere

maior importância aos direitos do acusado. A contrario sensu, o Sistema Inquisitório

é o que melhor se ajusta com os ditames do Estado Totalitário, onde há supressão

de direitos e garantias individuais e a repressão é a mola mestra,3 de modo que o

acusado “aparece em uma situação de tal subordinação que se transfigura e

transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito”4.

Na mesma linha segue a doutrina de Aury Lopes Jr.:

Pode-se constatar que predomina o sistema acusatório nos países que respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática. Em sentido oposto, o sistema inquisitório predomina historicamente em países de maior repressão, caracterizados pelo autoritarismo ou totalitarismo, em que se fortalece a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais.

5

Como se percebe, de duas formas básicas poderá se revestir o processo

penal: a inquisitiva e a acusatória.6 Por isso, o Sistema Acusatório e o Sistema

Inquisitório são considerados os principais sistemas processuais penais.

Destaca-se que um é a antítese do outro,7 tendo em vista a completa

oposição de suas características basilares.

De acordo com Eugênio Pacelli de Oliveira:

De modo geral, a doutrina costuma separar o sistema inquisitório do modelo acusatório pela titularidade atribuída ao órgão de acusação: inquisitorial seria o sistema em que as funções de acusação e julgamento estariam reunidas em uma só pessoa (ou órgão), enquanto o acusatório seria aquele em que tais papéis estariam reservados a pessoas (ou órgão) distintos. [...]

8

2 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

garantista. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 155. 3 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 45.

4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 27. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p.

92. 5 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

garantista. p. 189-190. 6 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. v. 1. Campinas:

Millennium, 2000. p. 64. 7 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 92.

8 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p.

5.

13

Destarte, pode-se sustentar que a principal característica e diferenciação

desses dois sistemas processuais é a forma com que cada um distribui as funções

processuais aos sujeitos.

No modelo acusatório as três funções processuais (acusar, defender e julgar)

são nitidamente separadas, sendo cada uma delas confiada a um personagem

distinto, configurando-se assim o “actum trium personarum, ou seja, o ato de três

personagens: juiz, autor e réu”9.

Com efeito, o juiz manterá sua posição de órgão imparcial de aplicação da

Lei, manifestando-se somente quando devidamente provocado; o autor formulará a

acusação e assumirá o ônus de prová-la; e o acusado terá o direito de defender-se,

podendo fazer uso de todos os meios e recursos necessários à sua defesa.10

No modelo inquisitório, por sua vez, todas essas funções se concentram em

um mesmo personagem, o juiz,11 de modo que ele detém em suas mãos o

monopólio da atuação no processo.

Assim leciona Geraldo Prado:

A maior parte da doutrina refere como características do Sistema Inquisitório a concentração das três funções do processo penal – de acusar, defender e julgar – em um só sujeito, o que conduz, nas palavras de Alcala-Zamora e Levene, a um processo unilateral de um juiz com atividade multiforme, [...]

12

Nota-se que, no modelo inquisitório, há grande comprometimento da

imparcialidade do juiz, em face de sua ampla atuação. Ao contrário, no modelo

acusatório, a existência de parte autônoma, encarregada da tarefa de acusar,

funciona para deslocar o juiz para sua função natural de julgador, preservando a

imparcialidade que lhe é exigida.13

9 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 48.

10 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 48.

11 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 65.

12 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 87-88. 13

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 108.

14

Nesse diapasão, José Frederico Marques, fazendo referência ao Sistema

Inquisitório, aduz que:

[...] oferece ele, como notou Polansky, poucas garantias de imparcialidade e objetividade, por serem psicologicamente incompatíveis “a função do julgamento objetivo com função de perseguição criminal”. [...] E o nosso Pimenta Bueno, com grande realismo e clarividência, ensinava, outrossim, que o juiz não deve ser senão, árbitro imparcial, e não parte”, porque, do contrário, criará em seu espírito “as primeiras suspeitas”, e por “amor próprio de sua previdência”, ele julgará antes de ser tempo de julgar”.

14

Em contraposição, o Sistema Acusatório, na lição Aury Lopes Jr.:

[...] Assegura a imparcialidade e a tranqüilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. Também conduz a uma maior tranqüilidade social, pois evita-se eventuais abusos da preponderância estatal que pode se manifestar na figura do juiz “apaixonado” pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação.

15

Além disso, o Sistema Acusatório se caracteriza pela existência de

contraditório e ampla defesa no processo, outorgando a autor e réu posição de

igualdade.16 O contraditório e a ampla defesa decorrem da separação das funções

processuais em diferentes personagens e da prerrogativa conferida ao acusado de

defender-se.

O contraditório, aliás, é intrínseco ao próprio direito de defesa, quando será

dada ao acusado a oportunidade de rebater os argumentos contra ele apresentados

pela acusação.17

Por óbvio, não há contraditório e ampla defesa no processo regido pelo

Sistema Inquisitório, pois as funções de acusar, defender e julgar se concentram em

um único personagem, não havendo por isso que se falar em regras de igualdade e

14 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 66.

15 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

garantista. p. 160. 16

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 65. 17

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 16.

15

liberdades processuais.18 Ademais, o acusado não é sujeito de direitos, mas objeto

da investigação.19

A doutrina de Paulo Rangel corrobora esse entendimento:

Ressalte-se que o contraditório é inerente do sistema acusatório, onde as partes possuem plena igualdade de condições, sofrendo o ônus de sua inércia no processo. No sistema inquisitivo, portanto, não há o contraditório, pois o chamado “acusado” não passa de mero objeto da investigação, [...]

20

Destaca-se, por oportuno, que a igualdade processual atribuída às partes,

consequência do contraditório, não diz respeito apenas aos seus direitos, mas

também às suas faculdades, ônus e obrigações.21

Outra característica do Sistema Acusatório que o diferencia do Sistema

Inquisitório diz respeito ao acesso conferido ao processo. Enquanto a publicidade é

própria do modelo acusatório, o modelo inquisitório privilegia o sigilo.

Não poderia ser diferente, na medida em que o segredo, via de regra, só é

compatível com regimes autoritários e processos de natureza inquisitorial.22

A publicidade processual encontra sua guarida no modelo acusatório como

forma de fiscalizar a efetiva observância dos direitos do acusado no processo,

representando uma das mais sólidas garantias do seu direito de defesa, pois, além

dele próprio, a sociedade também tem interesse em presenciar e conhecer os atos

realizados pela justiça.23

José Frederico Marques compartilha desse entendimento quando afirma que:

Na história do processo, a publicidade popular acompanha constantemente a forma acusatória e desperta por isso simpatias gerais. O segredo, por seu lado, projeta sua sombra maléfica sobre o procedimento inquisitório. Entre um e outro princípio, não pode haver vacilações: enquanto o procedimento secreto, além de não garantir ao acusado o direito de defesa, cria um regime de censura e irresponsabilidade, a solenidade do juízo público, no dizer de Romagnosi, é um grande freio contra a fraude, a corrupção e as indulgências fáceis.

24

18 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 92.

19 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 48.

20 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 13.

21 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 42.

22 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 158. 23

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 48-49. 24

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 72.

16

O doutrinador esclarece ainda que:

A publicidade processual apresenta dois aspectos: a) publicidade imediata, quando os atos do procedimento estão ao alcance do público em geral; e a publicidade mediata, quando os atos processuais só se tornam públicos através do informe ou certidão sobre sua realização e conteúdo; b) a publicidade geral, que é a publicidade em seu sentido amplo, e a publicidade para as partes, quando só estas podem estar presentes aos atos realizados pelo juiz e auxiliares da justiça.

25

Ademais, não há como se estabelecer uma relação com o chamado actum

trium personarum sem que os atos processuais sejam públicos e as partes tenham

pleno conhecimento deles.26

Parte da doutrina arrola também como característica do modelo acusatório a

oralidade, como é o caso de Geraldo Prado ao afirmar que “a matriz acusatória

depende dela para definir os papéis concretos exercitados pelos sujeitos

processuais”27, pois entende que “este tipo de processo se orienta em direção a uma

espécie de procedimento que assegure a máxima contraposição dialética, sem

perder de vista a noção básica de que não há dialética sem possibilidade de

diálogo”28.

Para outros, como Fernando da Costa Tourinho Filho, o processo acusatório

“pode ser oral ou escrito”29.

Porém, todos concordam que a forma escrita é intrínseca ao modelo

inquisitório.

Sem embargo de posicionamentos divergentes, a oralidade no modelo

acusatório se constitui em exigência para que a causa não seja decidida por um juiz

que não tenha tido contato direto com as provas e os argumentos das partes.30

Paradoxalmente, a escrituração subtrai o contato do juiz com o acusado e as

testemunhas, revelando-se um eficiente mecanismo de controle social,31 tendo em

25 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 71-72.

26 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 13.

27 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 158. 28

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 154-155. 29

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 90. 30

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 156. 31

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 157.

17

vista que a interpretação de textos será sempre atribuição de significados pelo

intérprete, implicando versões ou teorias sobre os fatos, razão por que não existe

texto descomprometido, o que em processo penal pode constituir veículo de

injustiças e perseguições.32

Por fim, pode-se diferenciar ainda estes dois modelos processuais quanto ao

sistema de apreciação das provas por eles adotados. Enquanto no modelo

acusatório o sistema utilizado é o do livre convencimento,33 no modelo inquisitório

vigora o sistema da prova tarifada, e, por consequência, a confissão é a rainha das

provas.34

No sistema do livre convencimento o juiz formará seu convencimento

mediante a livre apreciação das provas produzidas pelas partes existentes nos

autos, não podendo delas se afastar.35

No sistema da prova tarifada, por sua vez, o juiz deve atribuir um valor

prefixado legalmente a cada prova, não tendo discricionariedade para decidir sobre

o peso que cada uma tem na decisão da causa. Por isso, nesse sistema de provas,

de nada adianta que três testemunhas confirmem a inocência do acusado, se ele

confessar.36

Paulo Rangel alerta ainda que:

No sistema inquisitivo, o juiz não forma seu convencimento diante das provas dos autos que lhe foram trazidas pelas partes, mas visa convencer as partes de sua íntima convicção, pois já emitiu, previamente, um juízo de valor ao iniciar a ação.

37

O Sistema Misto, a seu turno, como o próprio nome faz presumir, apresenta

características comuns ao Sistema Acusatório e ao Sistema Inquisitório, cada um

deles privilegiado em um determinado momento do processo, o qual é dividido em

duas fases distintas.38

A primeira fase, preliminar, inspirada no modelo inquisitório, em que o juiz

procede às investigações, colhendo todas as informações necessárias á instrução

32 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 156. 33

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 49. 34

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 46. 35

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 49. 36

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 424. 37

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 46. 38

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 50.

18

do processo,39 desenvolve-se escrita e secretamente, sem a participação da defesa,

que só ingressará na segunda fase do processo.40

De modo inverso, a segunda fase, judicial, iniciada com a acusação, que é

confiada a um personagem distinto do que irá julgar, é desenvolvida mediante

debates públicos e orais entre as partes.41

Com efeito, no modelo misto as funções processuais são confiadas a

personagens distintos, assim como no modelo acusatório.42 Em contrapartida, é

conferida ao juiz ampla liberdade e independência de investigação, igual ao que

ocorre no modelo inquisitório, muito embora, apenas na fase preliminar, limitando-se

o juiz na fase judicial ao exercício de sua função natural de julgador.43

Paulo Rangel bem resume o processo de natureza mista e suas fases:

a) a fase preliminar de investigação é levada a cabo, em regra, por um magistrado, com o auxílio da polícia judiciária, pratica todos os atos inerentes à formação de um juízo prévio que autorize a acusação. Em alguns países, esta fase é chamada de “juizado de Instrução” (v.g. Espanha e França). Há nítida separação entre as funções de acusar e julgar, não havendo processo sem acusação (nemo judicio sine actore); b) na fase preliminar, o procedimento é secreto, escrito e o autor do fato é mero objeto de investigação, não havendo contraditório nem ampla defesa, face à influência do procedimento inquisitivo; c) a fase judicial é inaugurada com acusação penal feita, em regra, pelo Ministério Público, onde haverá um debate oral, público e contraditório, estabelecendo plena igualdade de direitos entre a acusação e a defesa; d) o acusado, na fase judicial, é sujeito de direitos e detentor de uma posição jurídica que lhe assegura o estado de inocência, devendo o órgão acusador demonstrar a sua culpa, através do devido processo legal, e destruir este estado. O ônus é todo e exclusivo do Ministério Público; e) o procedimento na fase judicial é contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, garantida a publicidade dos atos processuais e regido pelo princípio da concentração, em que todos os atos são praticados em audiência.

44

39 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 50.

40 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 93. 41

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 50. 42

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 90. 43

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 93. 44

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 50.

19

Ante todo o exposto, Aury Lopes Jr. sustenta que “o sistema acusatório é um

imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do

Estado”45.

Por sua vez, como bem destaca Paulo Rangel:

O sistema inquisitivo, assim, demonstra total incompatibilidade com as garantias constitucionais que devem existir dentro de um Estado Democrático de Direito e, portanto, deve ser banido das legislações modernas que visem assegurar ao cidadão as mínimas garantias de respeito à dignidade da pessoa humana.

46

Do mesmo modo, o Sistema Misto, “não obstante ser um avanço frente ao

sistema inquisitivo, não é o melhor sistema, pois ainda mantém o juiz na colheita de

provas, mesmo que na fase preliminar de acusação”47.

Esses, portanto, são os sistemas processuais penais e suas respectivas

características e diferenciações.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS PROCESSUAIS

A história conhecida dos sistemas processuais penais tem início no antigo

Direito Grego, com o surgimento do primeiro modelo processual identificado com o

Sistema Acusatório,48 que predominou até meados do século XII, quando passou,

gradativamente, a ser substituído pelo modelo inquisitório, que, por sua vez,

prevaleceu até o final do século XVIII e em alguns países até parte do século XIX,

momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança

de rumo.49

O Sistema Inquisitório, a seu turno, surgiu nos regimes monárquicos do

século XII e se aperfeiçoou durante o período canônico do Direito Romano,

45 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

garantista. p. 165. 46

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 45-47. 47

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 51. 48

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 157. 49

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 156.

20

vigorando com plenitude em quase todas as legislações européias dos séculos XVI,

XVII e XVIII.50

Não obstante, pode-se sustentar que o Direito Egípcio da antiguidade foi o

embrionário do Sistema Inquisitório, no qual a iniciativa oficial da persecução penal

correspondia a uma forma de governo absoluta, de domínio e inspiração

sacerdotal.51

O antiquo Direito Grego teve sua ilustração clássica na justiça ateniense e

suas quatro jurisdições criminais: a Assembléia do Povo, o Areópago, os Efetas e os

Heliastas.52

Embora distintas, com competências e procedimentos próprios, as quatro

jurisdições criminais atenienses apresentavam características comuns que, em sua

maioria, bem representavam o modelo acusatório, conforme informa Geraldo Prado:

Muito embora variáveis os procedimentos, conforme o Tribunal competente, algumas características podem ser notadas:

tribunal popular, conforme o princípio da soberania do povo;

acusação popular, por uma faculdade deferida a qualquer cidadão para apresentar demanda contra quem se supunha autor ou partícipe de um delito público;

igualdade entre acusador e acusado, que, de ordinário, permanecia em liberdade durante o julgamento, liberdade muitas vezes condicionada a caução;

publicidade e oralidade em juízo, que se resumia a um debate contraditório entre acusador e acusado, frente ao tribunal e na presença do povo;

admissão da tortura e dos juízos de Deus como meios de realização probatória;

valoração da prova segundo a íntima convicção de cada juiz;

restrição do direito popular de acusação em certos crimes que mais lesavam o interesse particular do indivíduo do que o da sociedade;

decisão judicial irrecorrível.53

Destaca-se que os atenienses faziam distinção entre os delitos públicos e

privados, permitindo, neste último caso, a desistência e a transação durante o

processo.54

50 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 45.

51 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 71. 52

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 73. 53

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 73-74. 54

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 73.

21

Os antigos romanos, da mesma forma, distinguiam os “delicta publica” e os

“delicta privata”, de modo que havia o processo penal público e o processo penal

privado. Neste último o Estado assumia o papel de simples árbitro da composição

entre as partes.55

O primeiro procedimento penal conhecido do processo penal público romano

foi o cognitio. Esse procedimento era realizado em nome e pela intervenção do

Estado e conferia ao órgão julgador, representante do rei, amplos poderes de

iniciativa, instrução e deliberação, sem maiores formalidades e participação de

partes.56

Nesse sentido, Fernando da Costa Tourinho Filho leciona que:

O Processo Penal Público atravessou, em Roma, fases interessantes. No começo da Monarquia não havia limitação ao poder de julgar. Bastava a notitia criminis para que o próprio Magistrado se pusesse em campo, a fim de proceder às necessárias investigações. Essa fase preliminar chamava-se inquisitio. Após as investigações, o Magistrado impunha a pena. Prescindia-se da acusação. Nenhuma garantia era dada ao acusado. [...]

57

Tal modelo processual vigorou até foi o último século da República Romana,

quando foi substituída pelo accusatio. Este último introduziu no Direito Romano a

acusação popular, confiada a qualquer cidadão, desde que não fossem magistrados,

mulheres, menores ou pessoas que por seus antecedentes não oferecessem

garantias de honorabilidade.58

Nesse sentido colhe-se da doutrina Aury Lopes Jr.:

Na accusatio, a acusação (pólo ativo) era assumida, de quando em quando, espontaneamente por um cidadão do povo. Surgiu no último século da República e marcou uma profunda inovação do Direito Processual romano. Tratando-se de delicta publica, a persecução e o exercício da ação penal era recomendada a um órgão distinto do juiz, não pertencente ao Estado, senão a um representante voluntário da coletividade (accusator). [...]

59

55 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 80.

56 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 74. 57

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 80-81. 58

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 81. 59

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 157.

22

O processo do accusatio prescindia de investigações preliminares, sendo

caracterizado por ser contraditório, competindo às partes produzirem prova de suas

alegações, e desenvolvido pública e oralmente.60

Ao tempo do Império Romano o accusatio passou a ser substituída por um

novo procedimento: o cognitio extra ordinem.61 A substituição daquele procedimento

foi motivada por sua ineficiência na repressão dos delitos, e por que, não raras

vezes, estimulava a instauração de processos por motivos meramente vingativos.62

Aury Lopes Jr. ensina que:

A insatisfação com o sistema acusatório vigente foi causa de que os juízes invadissem cada vez mais as atribuições dos acusadores privados, originando a reunião, em um mesmo órgão do Estado, das funções de acusar e julgar. A partir daí, os juízes começaram a proceder de ofício, sem acusação formal, realizando eles mesmos a investigação e posteriormente dando a sentença. Isso caracterizava o procedimento extraordinário, que, ademais, introduziu a tortura no processo penal romano. E se no início predominava a publicidade dos atos processuais, isso foi sendo gradativamente substituído pelos processos à porta fechada. As sentenças que na época Republicana eram lidas oralmente desde o alto do Tribunal, no Império assumem forma escrita e passam a ser lidas na audiência. Nesse momento surgem as primeiras características do que viria a ser considerado um sistema: o inquisitório.

63

Para que se compreenda o que representou a substituição do accusatio pelo

cognitio extra ordinem à época, Fernando da Costa Tourinho Filho recorda que:

O que foi um sacrifício em benefício da República, uma honra disputada pelos mais ilustres cidadãos, converteu-se, então, em uma ruindade alimentada pelo ódio e pela avidez. As recompensas prometidas aos delatores fizeram deste, como diz Hélie, “aves de rapina” que se lançavam sobre as pessoas que a fantasia sangrenta do amo lhes indicava. Um instrumento de justiça e uma garantia para a liberdade, como foi o direito de acusar, converte-se em meio de despotismo e opressão. [...]

64

60 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 75. 61

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 82. 62

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 158. 63

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 158. 64

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 82-83.

23

A invasão germânica de Roma levou a uma nova mudança de rumos, fazendo

inserir entre os romanos inúmeros elementos do Direito Germânico.65

O Direito Germânico, na antiguidade, era eminentemente consuetudinário,

não fazendo distinções entre ilícitos civis e criminais. Posteriormente, entre os

germânicos instalou-se um procedimento de natureza privada, com a autorização,

inclusive, de guerra e vingança familiar. Mais tarde, este procedimento evoluiu, de

modo que se passou a permitir a composição dos delitos, efetivada através da

indenização da comunidade, por meio de convênios reparatórios, e do ofendido ou

sua família quando se tratasse de crimes de menor gravidade.66

Segundo Geraldo Prado:

A partir de um determinado momento o entendimento privado constitui-se no método predominante de solução dos conflitos de interesse de natureza penal, o que não impedia o ofendido de se socorrer dos Conselhos (Placita), as assembléias populares que ministravam justiça, começando aí o verdadeiro processo judicial de corte acusatório. Tal processo peculiarizou-se pelo direito privado de iniciativa da persecução (nemo iudex sine actore), começando diante do fracasso da composição entre as partes sobre a emenda ou indenização ou por reclamação unilateral do ofendido ou sua família ao tribunal (Hundertschaft), composto por pessoas capazes para a guerra (Thing). As sessões eram públicas, orais e contraditórias, presididas por um juiz, o qual dirigia o debate e propunha a sentença, mas não decidia.

67

A partir de então, os germânicos passaram a também distinguir os delitos

públicos e privados.68

Averbe-se que entre os germânicos a confissão tinha grande valor e as

principais provas eram os ordálios, também conhecidos como “juízos de Deus”, e o

juramento.69

Fernando da Costa Tourinho Filho descreve o juramento e alguns dos juízos

de Deus do Direito Germânico:

[...] O acusado jurava não ter praticado o crime de que era processado, e tal juramento podia ser fortalecido pelos Juízes, os quais declaravam sob juramento que o acusado era incapaz de afirmar uma falsidade. Essa prova

65 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 84.

66 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 78-79. 67

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 79. 68

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 83. 69

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 83.

24

do juramento baseava-se “na crença de que Deus, conhecendo o passado, pode castigar aquele que jura falsamente”. [...] Conforme as pessoas, realizava-se, como Juízo de Deus, o duelo judicial: se o acusado vencesse, seria absolvido, pois era inocente. Havia outros Juízos de Deus, chamados posteriormente, purgationis vulgares, como o da “água fria” e o da “água fervente”. O primeiro consistia em arremessar o acusado à água: se submergisse, era inocente; se permanecesse à superfície, era culpado. O outro consistia em fazer o réu colocar o braço dentro da água fervente e, se, ao retirá-lo, não houvesse nenhuma lesão, era inocente... Pelo Juízo de Deus do “ferro em brasa”, devia o acusado segurar por algum tempo um ferro incandescente; caso não queimasse, era inocente...

70

Mais tarde, na idade média, foi a vez do Direito Germânico ser influenciado

pelo ordenamento romano, de modo que com o passar do tempo abandonou seu

modelo eminentemente acusatório, se rendendo, lenta, mas vigorosamente, aos

preceitos do Direito Romano-Canônico e à introdução da Inquisição.71

Como se sabe, o Sistema Inquisitório hoje conhecido surgiu na Inquisição

Romana, e, até por isso, carrega tal denominação.

A Inquisição foi instituída como instrumento de defesa dos interesses da

igreja,72 em resposta à indisciplina de parte do clero e à corrupção de outra parte,

que confrontavam o poder do Papa.73

Não obstante, o Sistema Inquisitório foi a solução encontrada à época para

retirar a acusação das mãos do particular, já que este só a exercia quando queria,

reinando, assim, certa impunidade.74

Sendo assim, a instituição da Inquisição e a introdução do Sistema Inquisitório

em Roma, serviram tanto ao mundo eclesiástico, assombrado por heresias, quanto

ao mundo civil, vítima da criminalidade exasperada, decorrente da falibilidade do

modelo de acusação privada.75 Assim, a jurisdição eclesiástica, que a principio

destinava-se apenas ao julgamento de membros da Igreja, foi ampliando sua

70 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 83-84.

71 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 79. 72

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 84. 73

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 80. 74

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 46. 75

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 80-81.

25

competência a ponto de passar a julgar uma enorme quantidade e diversidade de

infrações, consideradas contrárias aos seus interesses mesmo que distantemente.76

O procedimento inquisitório da época se dividia em duas fases: inquisição

geral e inquisição especial. A primeira se destinava à apuração da autoria e

materialidade do delito, com caráter de investigação preliminar e preparação à

segunda fase, que, por sua vez, se ocupava do processamento e julgamento da

ação.77

A inquisição aboliu a acusação popular e a publicidade, permitindo que o juiz-

inquisidor instaurasse o processo de ofício e em segredo. Permitia-se a denúncia

anônima. Com efeito, as testemunhas tinham seus nomes mantidos em sigilo e seus

depoimentos eram assentados por escrito.78 A prisão durante o processo era a regra,

assim como a tortura, e conforme já dito a confissão era a rainha das provas.79

De acordo com Aury Lopes Jr.:

Tendo em vista que a importância da confissão, o interrogatório era visto como um ato essencial, que exigia uma técnica especial. Existiam cinco tipos progressivos de tortura e o suspeito tinha o “direito” a que somente se praticasse um tipo de tortura por dia. Se em 15 dias não confessasse, era considerado “suficientemente” torturado e era liberado. Sem embargo, os métodos utilizados eram eficazes e quiça alguns poucos tenham conseguido resistir aos 15 dias. O pior é que em alguns casos a pena era de menor gravidade que as torturas sofridas.

80

O Santo Ofício era o tribunal da Inquisição e, destarte, destinava-se à

repressão da heresia e de tudo o que fosse contrário aos interesses da Igreja.81

Fernando da Costa Tourinho Filho bem resume a situação da época:

[...] Até o século XII, o processo era do tipo acusatório: não havia juízo sem acusação. [...] Punia-se a calúnia. Não se podia processar o acusado ausente.

76 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 82. 77

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 162-163. 78

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 165. 79

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 166. 80

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 168. 81

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 163.

26

Do século XIII em diante, desprezou-se o sistema acusatório, estabelecendo-se o “inquisitivo”. [...] A acusação fora abolida nos crimes de ação pública. Abolida, também, fora a publicidade do processo. O Juiz procedia ex officio e em segredo. Os depoimentos das testemunhas eram tomados secretamente. O interrogatório do imputado era precedido ou seguido de torturas. [...] Nenhuma garantia era dada ao acusado. Uma simples denúncia anônima era suficiente para se iniciar um processo. Não se permitia defesa, sob a alegação de que esta poderia criar obstáculos na descoberta da verdade... O Santo Ofício (Tribunal da Inquisição), instituído para reprimir a heresia, o sortilégio, etc., era por demais temido.

82

No entanto, conforme ressalva Geraldo Prado:

Embora hoje a Inquisição seja vista com todas as reservas, cumpre remarcar que na sua época o discurso dominante a apresentava como produto da racionalidade, confrontada com a suposta irracionalidade das ordálias ou juízos de Deus, que substituiu, enquanto sistema de perseguição da verdade, pela busca da reconstituição histórica, procurando, tanto quanto possível, reduzir os privilégios que desfrutavam na justiça feudal, fundada quase exclusivamente na força e no poder de opressão dos senhores feudais sobre os demais, pessoas que a rigor estavam sujeitas a medidas punitivas discricionárias, impostas pelos mencionados senhores feudais.

83

Este modelo, pouco a pouco, se estendeu por toda a Europa continental e

passou a dominar quase todas as legislações do continente,84 a exemplo do que

ocorreu no Direito Germânico.

Contemporaneamente, enquanto a Europa continental rendia-se ao Sistema

Inquisitório, o Direito Inglês seguia um modelo processual próprio e com suas bases

voltadas à instituição do júri, como assevera Fernando da Costa Tourinho Filho:

Enquanto o sistema inquisitivo dominava a Europa continental, com seus processos secretos e indispensáveis torturas, na Inglaterra, após o IV Concílio de Latrão, que aboliu os “Juízos de Deus”, considerava-se o processo, diz Beling, um fair trial, e se entendia que se devia tratar o acusado como a um gentleman. Ali, naquele clássico país do liberalismo, dominava a instituição do Júri, sendo que a persecução penal ficava a cargo de qualquer do povo.

85

O procedimento processual penal inglês era levado a cabo pelo Grand Jury,

grande júri, e pelo Petty Jury, pequeno júri. A acusação era submetida inicialmente

82 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 84-85.

83 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 82. 84

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 85. 85

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 87.

27

ao Grand Jury, composto por vinte e três membros, a quem competia, por maioria

absoluta, manifestar-se tão somente quanto à sua procedência ou não. Admitida a

acusação, era ela submetida ao Petty Jury, composto por doze jurados, a quem

competia a instrução e julgamento do processo, que, neste último caso, deveria se

dar por unanimidade.86

Assim sendo, pode-se sustentar que o Direito Inglês conservou um modelo

processual penal tipicamente acusatório.87

Já na idade contemporânea, na esteira dos movimentos filosóficos, que mais

tarde resultaram na Revolução Francesa, a Europa continental começou a se

insurgir contra o Sistema Inquisitório, consoante destaca Fernando da Costa

Tourinho Filho:

Enquanto a Inglaterra continuava a cultuar suas instituições liberais, na Europa continental surgia, no século XVIII, um movimento de combate ao sistema inquisitivo. Montesquieu condenava as torturas, elogiava a instituição do Ministério Público, uma vez que fazia desaparecer os delatores. Beccaria proclamava que o direito de punir nada mais era senão o direito de defesa da sociedade e que, por isso mesmo, devia ser exercido dentro dos limites da justiça e da utilidade. Voltaire, por sua vez, censurou a Ordennance de Luiz XIV. A lei, dizia, parece obrigar o Juiz a se conduzir perante o acusado mais como inimigo do que mesmo como Magistrado. Em Nápoles, aboliam-se as torturas, e, já por volta de 1774, exigia-se sentença motivada. Em Toscana proibiam-se as denúncias secretas e as torturas. Na França, um édito de 1788 proibia as torturas, exigia sentença motivada e concedida ao acusado absolvido uma reparação moral consistente na publicação da sentença.

88

Com efeito, na França adota-se um modelo processual baseado na instituição

do júri, à maneira do Direito Inglês.89

Porém, logo depois, em 1808, com o advento do Code d’Instruction

Criminalle, o chamado Código de Napoleão, o processo penal francês é alterado,

adotando-se um modelo com características dos dois modelos até então existentes:

o acusatório e o inquisitório.90 Surge então o Sistema Misto.91

86 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 87.

87 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 90. 88

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 87-88. 89

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 88. 90

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 89. 91

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 169.

28

Segundo Paulo Rangel:

O sistema misto tem fortes influências do sistema acusatório privado de Roma e do posterior sistema inquisitivo desenvolvido a partir do Direito canônico e da formação dos Estados nacionais sob o regime da monarquia absolutista. Procurou-se com ele temperar a impunidade que estava reinando no sistema acusatório, em que nem sempre o cidadão levava ao conhecimento do Estado a prática da infração penal, fosse por desinteresse ou por falta de estrutura mínima e necessária para suportar as despesas inerentes àquela atividade; ou quando levava, em alguns casos, fazia-o movido por um espírito de mera vingança. [...]

92

O Sistema Misto da época, assim como o atual, dividia-se em duas fases.93 A

primeira, denominada instrução, era levada a cabo por um juiz-instrutor e destinava-

se à apuração dos delitos. Desenvolvia-se por escrito, secretamente e sem ser

contraditório. Não havia defesa nesta fase.94

95 A segunda, denominada juízo,

ocupava-se do processamento propriamente dito, e realizava-se perante um júri ou

colegiado. Tudo era realizado oral e publicamente, com contraditório e igualdade

entre as partes.96 97

A acusação no modelo misto, como informa Aury Lopes Jr., foi mantida nas

mãos do Estado, porém, outorgada a um órgão distinto do juiz:

Com o fracasso da Inquisição e a gradual adoção do modelo acusatório, o Estado seguia mantendo a titularidade absoluta do poder de penar e não podia abandonar nas mãos de particulares esse poder e a função de persecução. Logo, era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas. Nesse novo modelo, a acusação continua como monopólio estatal, mas realizada através de um terceiro distinto do juiz. Aqui nasce o Ministério Público. [...]

98

O Sistema Misto difundiu-se rapidamente, com a proclamação da

necessidade de uma investigação secreta, dirigida pelo juiz e com tímida

participação da defesa nesta fase,99 de forma que na atualidade é o mais utilizado.100

92 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 49-50.

93 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 91. 94

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 91. 95

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 89. 96

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 91. 97

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 89. 98

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 168.

29

Destaca-se, entretanto, que em determinado período o século XX europeu foi

marcado por regimes totalitários, que, por isso, aproximaram-se do modelo

inquisitório extremado, e provocaram, como reação, após seu desaparecimento, o

desejo de uma nova introdução do modelo acusatório clássico.101

1.3 O MODELO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

1.3.1 Breve histórico do Processo Penal Brasileiro

A independência processual penal brasileira é contemporânea à

independência política do país.102

O primeiro texto legal brasileiro que trouxe disposições de ordem processual

penal foi a Constituição Imperial de 1824 que, muito embora tenha sido promulgada

pelo imperador após a dissolução autoritária da Assembleia Constituinte, instituiu

significativas garantias processuais.103

Entretanto, a primeira codificação processual penal do Brasil foi editada em

1832 com o advento do Código de Processo Criminal de Primeira Instância.104

José Frederico Marques ensina sobre o Código de Processo Criminal de

Primeira Instância:

O Código de 1832 estabeleceu, primeiro, normas de organização judiciária, mantendo a divisão territorial do país em distritos, termos e comarcas. Em cada distrito havia um juiz de paz, um escrivão, inspetores de quarteirão e oficiais de Justiça; nos termos, um conselho de jurados, um juiz municipal; nas comarcas, um juiz de direito, ou mais, conforme a população. [...]

99 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.

p. 91. 100

LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. p. 169. 101

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 93. 102

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 169. 103

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 169. 104

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. p. 5.

30

Instaurava-se o procedimento penal mediante queixa do ofendido, seu pai, mãe, tutor, curador ou cônjuge. Ou, então, por denúncia do Ministério Público, ou de qualquer do povo, e, ainda, mediante atuação ex officio do juiz. A exemplo da Inglaterra, foi instituído o grande e o pequeno Júri: o primeiro decidia da admissibilidade da acusação, e o segundo sobre a procedência desta, pelo que era chamado de Júri de sentença. Só se permitia o sumário de culpa sem segredo, quando o réu não comparecesse a seus atos. Cabia ao juiz de paz, após a formação da culpa, declarar ou não, procedente a queixa ou denúncia: [...]

105

O Código de 1832, para seu tempo, era um estatuto processual de grandes

méritos, com participação popular e predomínio da instituição do júri,106 muito

embora permitisse grande concentração de poder nas mãos dos juízes, que eram

encarregados de deflagrar o processo penal nos crimes públicos, independente de

provocação do ofendido ou de qualquer do povo.107

Não obstante, em 1841, foi promulgada a Lei nº 261, que reformou o Código

de 1832, tornando seu procedimento mais rigoroso.108

Com efeito, as funções jurisdicionais dos juízes municipais e de paz foram

outorgadas ao chefe de polícia e seus delegados, que passaram, então, a ter

amplos poderes para a persecução penal.109

A Lei de 3 de dezembro, como ficou conhecida, foi editada devido a pouca

eficiência do procedimento até então vigente na repressão das agitações políticas e

dos movimentos revolucionários que assolavam o pais na época.110

Contudo, José Frederico Marques destaca que “a Lei de 3 de dezembro, no

seu policialismo exagerado, foi além do que realmente exigia a situação do país,

fortalecendo, com isso, o reacionismo político”111.

Assim, durante quase três décadas se combateu a Lei de 3 de dezembro, até

que em 1871, com a edição da Lei nº 2.033, a legislação codificada foi novamente

reformada, separando-se as funções de Justiça e de Polícia. Destaca-se que a

reforma de 1871 instituiu no processo penal brasileiro, entre outros mecanismos, o

105 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 102-103.

106 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 104.

107 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 170. 108

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 170. 109

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 170. 110

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 104. 111

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 104.

31

Inquérito Policial, sendo responsável ainda por relevantes modificações nos

institutos da prisão preventiva, da fiança, dos recursos e do habeas corpus.112

Vinte anos mais tarde, logo depois da proclamação da República e a

introdução do modelo federalista de Estado em 1889, o país foi brindado com a

promulgação de um novo texto constitucional, que revigorou as garantias

processuais já existentes e incluiu entre elas o instituto do habeas corpus,

conferindo-lhe uma amplitude até então desconhecida.113

A Constituição Republicana de 1891 foi responsável por grandes inovações

no Direito Brasileiro. A maior delas, sem dúvida, foi a outorga da competência para

legislar sobre processo civil, processo penal e organização judiciária, conferida aos

Estados-membros, acarretando a quebra da unidade do direito pátrio.114

Em decorrência, em termos de processo penal, foram postos em vigor vários

códigos estaduais, que adotaram diversos princípios e, por conseguinte,

estabeleceram acentuada diversidade de sistemas processuais no país,

prejudicando a aplicação da lei penal.115

A unidade processual penal brasileira só foi restaurada após a Revolução de

1930 e a promulgação da Constituição Federal de 1934.116

Com o restabelecimento da unidade processual penal brasileira pelo texto

constitucional, impôs-se a necessidade de elaboração de uma nova codificação

processual que pudesse servir a todo o país, em substituição aos códigos estaduais,

o que só aconteceu em 1941, devido ao Golpe de Estado de 1937 e a promulgação

de uma nova Constituição Federal.117

Assim, com a edição do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, surge

o Código de Processo Penal Brasileiro, em vigor até os presentes dias.118

112 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 106-107.

113 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 108.

114 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 171. 115

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 108. 116

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 109. 117

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 109-111. 118

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 171.

32

Sobre a atual codificação processual penal brasileira e seu surgimento,

doutrina Eugênio Pacelli de Oliveira:

Inspirado na legislação processual penal italiana produzida na década de 1930, em pleno regime fascista, o CPP brasileiro foi elaborado em bases notariamente autoritárias, por razões óbvias e de origem. E nem poderia ser de outro modo, se julgar pelo paradigma escolhido e justificado, por escrito e expressamente, pelo responsável pelo projeto, Ministro Francisco Campos, conforme se observa em sua Exposição de Motivos. Na redação primitiva do CPP, até mesmo a sentença absolutória não era suficiente para se restituir a liberdade do réu, dependendo do grau de apenação da infração penal (o antigo art. 596). Do mesmo modo, dependendo da pena abstratamente cominada ao fato, uma vez recebida a denúncia, era decretada, automaticamente, a prisão preventiva do acusado, como se realmente do culpado se tratasse (o antigo art. 312). [...] O princípio que norteava o CPP era, como se percebe, o da presunção de culpabilidade. [...]

119

Como se percebe, o Código de 1941, editado em meio ao regime ditatorial do

Estado Novo, privilegiava a tutela da segurança pública em detrimento da liberdade

individual, tratando o acusado como potencial e virtual culpado, razão pela qual

estabelecia uma fase investigativa altamente inquisitorial e conferia ampla e ilimitada

iniciativa probatória ao juiz.120

Não obstante, instituiu a instrução plenamente contraditória e separou

definitivamente as funções processuais de acusar e julgar, extinguindo quase por

completo a iniciativa ex officio, que foi mantida apenas para o processo das

contravenções, casos em que a ação penal seria iniciada com o auto de prisão em

flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial. Era

o chamado procedimento judicialiforme, previsto em seus artigos 26 e 531.121

Destaca-se, por oportuno, que inúmeras alterações foram feitas à redação

original do Decreto-Lei nº 3.689, especialmente na década de 70, através das quais

foram flexibilizadas inúmeras regras restritivas de direito à liberdade, muito embora

tenha sido ampliado o procedimento judicialiforme através da edição da Lei nº 4.611,

de 2 de abril de 1965, que o estendeu também aos delitos de homicídio e lesão

corporal culposos.122

119 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. p. 5-6.

120 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. p. 6-7.

121 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 111-112.

122 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. p. 7.

33

As últimas alterações, aliás, ocorreram no ano de 2008, quando foram

modificadas diversas normas procedimentais do atual Código de Processo Penal

Brasileiro, além do capítulo relativo às provas.

Em 1946, substitui-se a constituição autoritária de 1937, sendo promulgado

um novo texto constitucional que adota muito claramente os princípios da

acusatoriedade, do contraditório, do devido processo legal e do juiz natural.123

Em 1967, porém, devido ao Golpe Militar de 1964, o Brasil ganha uma nova

constituição autoritária, emendada dois anos depois pela Emenda Constitucional nº

1, que muitos consideram, embora formalmente não seja, outra constituição.

Afinal, com o fim do Regime Militar e a reinstalação do Regime Democrático

no país, é promulgado em 1988 o atual texto constitucional brasileiro.

1.3.2 A eleição do Sistema Acusatório pela Constituição Federal de 1988

Se a perspectiva do Código de Processo Penal era nitidamente autoritária,

prevalecendo sempre a preocupação com a segurança pública, a Constituição

Federal de 1988 seguiu em direção diametralmente oposta.124

Enquanto a legislação codificada pautava-se pelo princípio da culpabilidade e

da periculosidade do agente, o texto constitucional instituiu amplas garantias

individuais, a começar pela afirmação da situação jurídica de quem ainda não teve

reconhecida a sua responsabilidade penal por sentença condenatória transitada em

julgado.125 Assim, segundo o Princípio da Presunção de Inocência (CF, art. 5º, LVII),

“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória”126.

Na lição de Aury Lopes Jr.:

A garantia de que será mantido o estado de inocência até o transito em julgado da sentença condenatória implica diversas conseqüências no tratamento da parte passiva, na carga da prova (ônus da acusação) e na

123 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 114.

124 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. p. 7.

125 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. p. 7.

126 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

2008, p. 10.

34

obrigatoriedade de que a constatação do delito, e a aplicação da pena, será por meio de um processo com todas as garantias e através de uma sentença fundamentada (motivação como instrumento de controle da racionalidade).

127

Por conseguinte, o processo penal brasileiro a partir de 1988 deixa de ser

conduzido como um mero veículo de aplicação da lei penal, mas, além e mais do

que isso, um instrumento de garantia do indivíduo em face do Estado.128

Nesse norte, o texto constitucional prevê também que ninguém poderá ser

privado de sua liberdade sem o devido processo legal,129 a ser desenvolvido

mediante instrução contraditória, na qual é assegurada a todos os acusados a

prerrogativa de defender-se plenamente, fazendo uso de todos os meios e recursos

inerentes a sua defesa.130

O Princípio do Devido Processo Legal (art. 5º, LIV, CF) é a garantia dada ao

acusado de que seus direitos serão respeitados e de que não será admitida a

imposição de qualquer restrição a eles que não esteja prevista em lei.131

O Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa (art. 5º, LV, CF), por sua vez,

traz, como consequência lógica, a igualdade entre as partes no processo,

possibilitando a ambas, em idênticas condições, a produção das provas de suas

pretensões.132

Sendo assim, Eugênio Pacelli de Oliveira leciona que:

O devido processo legal constitucional busca, então, realizar a Justiça Penal submetida às exigências de igualdade efetiva entre os litigantes. O processo justo deve atentar, sempre, para a desigualdade material que normalmente ocorre no curso de toda persecução penal, em que o Estado ocupa posição de proeminência, respondendo, pelas funções investigatórias e acusatórias, como regra, e pela atuação da jurisdição, sobre a qual exerce o monopólio.

133

Ainda nessa linha, a Constituição Federal de 1988 consagrou a publicidade

dos atos processuais como garantia fundamental do indivíduo.134

127 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade

garantista. p. 182-183. 128

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. p. 8. 129

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 57-58. 130

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 65-66. 131

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 4. 132

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 17. 133

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. p. 8. 134

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 12.

35

De acordo com o Princípio da Publicidade (art. 5º, LX, CF), “a lei só poderá

restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o

interesse social o exigirem”135.

O texto constitucional prevê também que:

Art. 93. [...] [...] IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

136

Assim, impera no processo penal brasileiro, como regra, a publicidade ampla

e popular, e, como exceção, a publicidade restrita, com a presença das partes e de

seus representantes legais, ou somente destes.137

Geraldo Prado doutrina que:

[...] A exceção não pode prejudicar o direito de defesa a ponto de inviabilizá-lo. Portanto, a cláusula “em casos nos quais a preservação da intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação“ há de ser interpretada como exigência de ponderação dos interesses em jogo, com prevalência do interesse publico à informação. Somente quando o predomínio deste interesse publico transformar-se em causa de dano à honra, imagem ou qualquer outro direito protegido por estar inserido na esfera de intimidade da pessoa afetada (que, por exemplo, pode ser vítima do processo), caberá ao juiz, fundamentadamente, restringir o sigilo.

138

Advertindo ainda que:

Reduzida a publicidade, fora dos casos expressamente previstos nas constituições e nas leis (no Brasil, na Constituição da República), os atos processuais não estarão aptos a produzir efeitos jurídicos, sendo, por isso, inválidos.

139

Registre-se, por oportuno, que a constituinte de 1988, visando resguardar os

direitos do indivíduo frente ao Estado, instituiu ainda diversas outras garantias

135 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum. p. 10.

136 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum. p. 36.

137 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 72.

138 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 161. 139

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 159.

36

processuais, tais como a vedação das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI,

CF) e a proibição da tortura (art. 5º, III, CF).

Além disso, o atual texto constitucional extirpou por completo a iniciativa ex

officio do processo penal brasileiro ao estabelecer que é função institucional do

Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da

lei”140 (art. 129, I, CF), admitindo, excepcionalmente, que o próprio ofendido dê início

ao processo, quando o órgão ministerial não o fizer no prazo legal (art. 5º, LVII,

CF).141 Assim, não foi recepcionada pelo texto constitucional a disposição contida no

artigo 26 do Código de Processo Penal Brasileiro, que prevê que “a ação penal, nas

contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de

portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial”142. O mesmo deve ser dito em

relação ao antigo artigo 531 e a Lei nº 4.611/65, ambos, inclusive, já revogados.

Nesse sentido, leciona Fernando da Costa Tourinho Filho:

Até antes do advento da Carta Política de 1988, permitia-se ao Juiz o exercício da ação penal condenatória quando se tratasse de contravenção ou de homicídio e lesões culposas. Hoje, dispondo o art. 129, I, da Constituição, ser privativo do Ministério Público o exercício da ação penal pública (e naqueles casos a ação penal é pública), desapareceu o denominado procedimento ex officio, cujo ato de iniciativa cabia à Autoridade Policial e ao Juiz. [...]

143

Há casos, porém, em que a legislação infraconstitucional exige a

representação do ofendido, ou de quem tenha qualidade para representá-lo, ou a

requisição do Ministro da Justiça para a deflagração da ação penal pública pelo

Ministério Público (art. 100, § 1º, CP).144

Já a iniciativa do processo penal em crimes de ação penal privada foi deixada

à competência exclusiva do próprio ofendido, ou de quem tenha qualidade para

representá-lo (art. 100, § 2º, CP).145

140 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum. p. 41.

141 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 172. 142

BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 634. 143

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 51-52. 144

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 172. 145

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 172.

37

Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 elevou o juiz à posição de

árbitro imparcial, reservando a ele tão somente o exercício de sua função natural de

julgador, além de todas aquelas inerentes à atividade jurisdicional.146

Nesse contexto, Paulo Rangel destaca que:

A imparcialidade do juiz tem perfeita e íntima correlação com o sistema acusatório adotado pela ordem constitucional vigente, pois, exatamente visando retirar o juiz da persecução penal, mantendo-o imparcial, é que a Constituição Federal deu exclusividade da ação ao Ministério Público, separando, nitidamente, as funções dos sujeitos processuais.

147

E justamente buscando preservar a imparcialidade do juiz é que o texto

constitucional lhe conferiu as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e

irredutibilidade de subsídio (art. 95, CF).

Ao afastar o juiz da persecução penal e garantir sua imparcialidade, a

Constituição Federal de 1988 visa, acima de tudo, não prejudicar o seu livre

convencimento, tendo em vista ser esse o cerne do sistema de provas adotado

hodiernamente pelo processo penal brasileiro,148 conforme se depreende do texto do

Código de Processo Penal Brasileiro:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

149

Afinal, conclui-se que a Constituição Federal de 1988, mesmo que não o diga

expressamente, adotou o Sistema Acusatório para nortear a realidade processual

brasileira, como sustenta Geraldo Prado:

Assim, se aceitarmos que a norma constitucional que assegura ao Ministério Público a privatividade do exercício da ação penal pública, na forma da lei, a que garante a todos os acusados o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, além de lhes deferir, até o transito em julgado da sentença condenatória, a presunção de inocência, e a que, aderindo a tudo, assegura o julgamento por juiz competente e imparcial, são elementos do princípio acusatório, chegaremos à conclusão de que, embora não o diga expressamente, a constituição da República o adotou.

146 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 67.

147 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 20.

148 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 22.

149 BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Vade Mecum. p. 634.

38

Verificando que a Carta Constitucional prevê, também, a oralidade no processo, pelo menos como regra para as infrações penais de menor potencial ofensivo, e a publicidade, concluiremos que se filiou, sem dizer ao sistema acusatório.

150

Quanto à oralidade, faz-se necessário ressalvar que embora ela não seja a

regra no processo penal brasileiro, aos poucos, vem adquirindo maior aceitação

legislativa, sendo, atualmente, a regra nos procedimentos dos crimes de menor

potencialidade ofensiva.151

150 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 195. 151

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 112.

39

2 A GESTÃO DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: O

PAPEL RESERVADO AO MINISTÉRIO PÚBLICO

Conhecidos e compreendidos os sistemas processuais, suas características e

diferenciações, e comprovada a eleição constitucional do Sistema Acusatório pela

Constituição Federal de 1988, torna-se possível analisar suas implicações na gestão

da prova no procedimento penal pátrio.

Para tanto, se faz necessário demonstrar que, de acordo com a sistemática

processual penal brasileira, a gestão da prova no processo penal brasileiro é papel

reservado ao Ministério Público, a quem foi confiada a função acusatória nas ações

penais públicas.

2.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO: PARTE NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Como bem destaca Aury Lopes Jr., “a gestão da prova é erigida a espinha

dorsal do processo penal”152, dada sua importância na relação processual penal

formada entre as partes. Partes estas, que ocupam papel de destaque no processo

penal brasileiro, tendo em vista que concentram em suas mãos todos os poderes

inerentes a atividade probatória.153

Sendo assim, pode-se afirmar que o Ministério Público ocupa posição de

maior importância no procedimento penal brasileiro, pois é a parte responsável pela

função acusatória, a quem compete exercer a persecução penal em juízo. Averbe-

se, porém, que o órgão ministerial funciona também como fiscal da Lei, pois uma

posição não exclui a outra, mas se completam.154

152 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. v. 1. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 70. 153

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 70. 154

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 417.

40

Sobre a posição que ocupa o Ministério Público no processo penal brasileiro,

sustenta José Frederico Marques:

Titular da pretensão punitiva e do direito de acusar, é evidente que o Ministério Público tem a função e o papel de parte, na relação processual que se instaura com a ação penal. [...] É um contrasenso sem nome falar-se em processo penal, sem que existam partes. Somente quem não compreende a função do processo na realização da atividade punitiva do Estado pode negar ao Ministério Público e ao réu a qualidade de partes.

155

Porém, há quem assim não entenda.

É o caso de Eugênio Pacelli de Oliveira, que entende que o Ministério Público

ocupa tão somente a posição de parte formal no processo penal brasileiro, conforme

se extrai da manifestação a seguir colacionada:

O Ministério Público é parte na ação penal a partir do momento em que se estabelece uma situação jurídica (ou relação, como querem tantos) processual completa, com o recebimento da denúncia. Aliás, desde o oferecimento da peça acusatória ele já está agindo como parte, praticando ato de postulação. A partir daí, ele passa a ocupar a posição (processual) de parte, na medida em que a ele será facultada a apresentação de arrazoados, a produção de provas, a interposição de recursos e, enfim, o desenvolvimento de toda e qualquer atividade reservada a quem pode provocar a jurisdição. É bem verdade que quando atua na qualidade de custos legis (fiscal da lei), o Ministério Público desenvolve atividade semelhante. Entretanto, na ação penal condenatória, todo o conteúdo do processo, ou seja, a delimitação de toda a matéria a ser resolvida pelo Juiz Criminal, é atribuída ao parquet, como titular da ação penal pública. É quanto basta para a sua caracterização como parte. A doutrina costuma se referir, então, à parte formal, ou seja, à posição processual de parte, independentemente do conteúdo de direito material a ser objeto dos requerimentos e alegações do Ministério Público.

156

Destarte, o Ministério Público seria uma parte imparcial no processo penal

brasileiro, tal qual o juiz, pois, por parte formal deve ser entendida a posição

processual de determinado sujeito em um processo, com abstração do conteúdo de

suas manifestações. Ao passo que parte material seria aqueles sujeitos que atuam

com parcialidade, ou seja, que defendem a aplicação do direito unicamente

enquanto favorável à relação jurídica material levada ao processo. Em outras

155 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. v. 2. Campinas:

Millennium, 2000. p. 39-40. 156

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 390.

41

palavras, a parte seria material quando há identidade entre a sua manifestação de

direito material na causa e sua posição no processo. Com efeito, se autor, deve

postular pela condenação, se defensor, pela absolvição.157

Contudo, correto esta Aury Lopes Jr. quando afirma que:

O argumento da imparcialidade do MP é uma frágil construção técnica facilmente criticável. Pois é contrário à lógica pretender a imparcialidade de uma parte. Provavelmente o maior crítico foi Carnelutti, que frisava a impossibilidade de “quadratura do círculo: Não é como reduzir um círculo a um quadrado, construir uma parte imparcial?” Para o autor, o MP é um juiz que se faz parte, mas ao invés de ser uma parte que sobe é um juiz que baixa. Em outra passagem, Carnelutti explica que se o MP exerce verdadeiramente a função de acusador, querer fazer dele um órgão imparcial não representa no processo mais que “una inútil y hasta molesta duplicidad”. Além disso, o MP é uma parte fabricada para cumprir com os requisitos do sistema acusatório, para ser o contraditor natural do imputado. Só assim nasce o conflito do qual brota a luz da verdade para o juiz. Logo, a pretendida imparcialidade do MP vai de encontro à necessidade natural de sua existência. Como golpe derradeiro, J. Gordschmidt explica que essa exigência de imparcialidade dirigida a uma parte acusadora “cae en el mismo error psicológico que ha desacreditado el proceso inquisitivo”. A pergunta que surge é: em que difere a inquisição do promotor daquela realizada pelo juiz instrutor? Que “mecanismos” subjetivos de proteção tem o promotor e de que carece o juiz instrutor? Em síntese, o argumento da imparcialidade de uma parte acusadora não se sustenta.

158

Não obstante, Eugênio Pacelli de Oliveira argumenta ainda que:

Ao contrário de certos posicionamentos que ainda se encontram na prática jurídica, o Ministério Público não é o órgão de acusação, mas órgão legitimado para a acusação nas ações penais públicas. A distinção é significativa: não é por ser o titular da ação penal pública, nem por ela estar obrigado (em razão da regra da obrigatoriedade), que o parquet deve necessariamente oferecer a denúncia, nem, estando esta já oferecida, pugnar pela condenação do réu, em quaisquer circunstancias. Enquanto órgão do Estado e integrante do Poder Público, ele tem como relevante missão constitucional a defesa não dos interesses acusatórios, mas da ordem jurídica, o que o coloca em posição de absoluta imparcialidade diante da e na jurisdição penal.

159

Realmente, não é por ser o titular da ação penal pública e a ela estar obrigado

que deve o Ministério Público, necessariamente, em toda e qualquer circunstância,

oferecer denúncia, e ao final pugnar pela condenação do réu.

Contudo, há que se ter claro que o órgão ministerial não tem liberdade para

apreciar a conveniência e oportunidade do oferecimento da denúncia, em face da

157 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 391.

158 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 233-234.

159 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 400-401.

42

adoção do Princípio da Obrigatoriedade pelo ordenamento jurídico brasileiro, como

bem destaca Aury Lopes Jr.:

A ação penal de iniciativa pública esta regida pelo princípio da obrigatoriedade, no sentido de que o Ministério Público tem o dever de oferecer a denúncia sempre que presentes as condições da ação anteriormente apontadas (prática do fato aparentemente criminoso – fumus commissi delicti; punibilidade concreta; justa causa). [...]

160

O Ministério Público é livre, sim, para apreciar os fatos que lhe foram

apresentados pela investigação ou peças de informação e formar seu

convencimento, decidindo se é ou não caso de denúncia. Porém, entendendo estar

frente a um fato típico, ilícito e culpável, embasado em indícios suficientes que

comprovem a autoria e materialidade do delito, deve obrigatoriamente propor a ação

penal. Caso assim não entenda, o arquivamento é medida imperativa, sob pena de

ausência de justa causa para o seu exercício.161

Até porque, o Ministério Público não pode e não deve fazer obra de

perseguição contra pessoas que tem como inocentes. Não é tolerável que a

pretensão punitiva do Estado possa ser entendida como um direito de perseguir o

cidadão.

Corroborando esse entendimento, Paulo Rangel destaca que:

Não podemos confundir obrigatoriedade da ação penal com proposição, a qualquer custo, da mesma ação, o que significa dizer, ação proposta “sem o lastro probatório mínimo” que deve sustentar toda e qualquer denúncia. A obrigatoriedade surge diante da presença de um fato típico, ilícito e culpável, pois, havendo elementos que viabilizam o exercício da ação penal, não tem o Ministério Público discricionariedade para oferecer denúncia ou não. Não se trata de poder fazer ou não, mas sim de um poder-dever. A prática da infração penal, com repercussão na crença que as pessoas devam ter no Estado, exige deste uma postura restauradora da ordem jurídica, legitimando um de seus órgãos a agir em seu nome.

162

Violada a Lei penal, nasce para o Estado a pretensão acusatória, que deverá

ser exercida pelo Ministério Público, através da ação penal. Não cabe ao Ministério

160 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 349.

161 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 238.

162 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. 2. ed. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 172-173.

43

Público deixar de propor a ação penal por motivos de política criminal, nem por

qualquer outro que não os previstos em lei.163

Dever de agir existe sempre. Seja para propor a ação penal, seja para

arquivar os autos do inquérito policial ou as peças de informação. É a lei que diz

quando deve ser arquivado o inquérito policial ou as peças de informação e é essa

mesma lei que diz em quais situações deve ser proposta a ação penal.164

Ademais, segundo doutrina José Frederico Marques:

Assim como no cível pode o autor desistir da demanda, também o pode, no crime, o acusador: Basta dizer que, em se tratando de ação privada criminal, além da renúncia ou desistência propriamente ditas, tem a parte acusadora o direito de tornar perempta a instância com o pedido de absolvição (art. 69, nº III). Todavia, no processo penal iniciado por ação pública, é esta irretratável (art. 42), e sendo assim, não é cabível renúncia ou retratação sobre o jus accusationis, restando ao Ministério Público pedir a absolvição.

165

Com efeito, a possibilidade de o Ministério Público pugnar pela absolvição do

réu e a liberdade que lhe é atribuída para apreciar os fatos e formar seu

convencimento, decidindo se é caso de denúncia ou não, não pode servir para

desqualificar a posição de parte do órgão ministerial no processo penal brasileiro e

reduzi-la ao mero conceito de parte formal.

Esse é o posicionamento defendido por José Frederico Marques:

[...] Titular do jus actionis e do jus puniendi, o Ministério Público é parte em sentido formal, como sujeito da relação processual que com a ação se instaura, e em sentido material, porquanto representa o Estado na relação jurídico-substantiva entre este e o réu, contida no direito subjetivo. Fala-se que o Ministério Público deve ser imparcial, órgão do Estado que é, e, por isso, inconcebível se torna conceituá-lo como parte. Em primeiro lugar, não há que falar em imparcialidade do Ministério Público, porque, então, não haveria necessidade de um juiz para decidir sobre a acusação: existiria, aí, um bis in idem de todo prescindível e inútil. No procedimento acusatório, deve o promotor atuar como parte, pois, se assim não for, debilitada estará a função repressiva do Estado. O seu papel, no processo, não é o de defensor do réu, nem o de juiz, e sim o de órgão do interesse punitivo do Estado. Em segundo lugar, o que caracteriza o conceito de parte não é a parcialidade ou imparcialidade, e sim a titularidade de direitos próprios em relação ao conteúdo do processo, e a contraposição à função de dirimir o conflito de interesses e julgar.

166

163 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 190.

164 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 191.

165 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 2. p. 41-42.

166 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 2. p. 41.

44

Na mesma linha se posiciona Geraldo Prado:

Neste sentido, Navarrete tem completa razão ao frisar que, frente a tendências doutrinárias amparadas principalmente no modelo alemão, alguns doutrinadores opõem-se, sem razão, ao reconhecimento de um processo de partes, salientando unicamente a existência de partes formais. Tal concepção, sob a ótica de Navarrete, não reproduz a verdade dos fatos, porquanto o órgão acusador funciona substancialmente como parte, interessado no proveito de direito material perseguido, em virtude do qual atuará durante o processo.

167

Tanto é assim, que se o Ministério Público não almejasse a condenação do

réu não o teria acusado. Se o acusou é porque, pelo menos num primeiro momento,

entende que o réu é culpado, caso contrário, teria se manifestado pelo arquivamento

do inquérito ou das peças de informação. O que ocorre é que ao longo da instrução

criminal podem surgir elementos que levem à comprovação da inocência do réu,

razão pela qual pode, e deve, o Ministério Público pugnar por sua absolvição.

Diferente do que pode ser pensado num primeiro momento, assumir a

posição de parte, com toda a parcialidade que lhe é inerente, não é motivo de

vergonha nem é uma capitis diminutio. Muito pelo contrário, é isso que garante a

independência e importância da instituição.168

O Ministério Público adquire maior autonomia quando assume a posição de

parte e, portanto, de único responsável pela gestão da prova no processo. Vai em

direção oposta, no entanto, quando tenta se passar por sujeito imparcial,

confundindo sua atividade com a jurisdicional, e, por conseguinte, permite que o juiz

siga o mesmo caminho.

167 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 119. 168

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 119.

45

2.2 A RESPONSABILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA PROVA NO

PROCESSO PENAL BRASILEIRO

A Constituição Federal de 1988 ao instituir no processo penal brasileiro o

Sistema Acusatório, redefiniu o papel do Ministério Público na ordem jurídica

nacional, conferindo a ele relevantes funções.169

Em termos de processo penal, a mais importante foi a privatividade do

exercício da ação penal pública (art. 129, I, CF), e, por conseguinte, da função

acusatória.170

No entanto, a função acusatória não está isolada de todas as demais. Longe

disso, traz com ela uma série de outras atribuições que devem ser igualmente

observadas pelo órgão de acusação.

Nesse norte leciona Geraldo Prado:

[...] não se deve controverter a respeito do significado e alcance daquilo que se entende por acusação. Não se trata, a nosso juízo, somente de oferecer uma petição inicial, em processo penal pelo qual se pretenda a condenação de alguém. Não se resume a isso, a só um ato, de acordo com Conso, mas, sem dúvida, acusar implica em referir-se a uma função e ainda a um órgão, a um conjunto de atos e a um determinado sujeito.

171

O exercício da função acusatória se destina, inicialmente, a provocar a

atividade jurisdicional para que seja apreciada e decidida uma pretensão punitiva

devidamente deduzida na acusação, que é o objeto da denúncia.172

Através da denúncia o Ministério Público formula a acusação, atribuindo um

fato criminoso a alguém. A acusação é o limite da busca das explicações possíveis

para o fato. Deduzida a acusação, não há nada mais com que o réu deva se

preocupar que não seja a refutação direta de cada fato e cada prova que o Estado

esta lhe atribuindo.173

169 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 400.

170 OLIVEIRA, Anderson Lodetti de. Ministério público e processo acusatório: por uma ética

constitucionalista no processo penal. Sequência. v. 45. Florianópolis: UFSC, dez. 2002, p. 128. 171

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 111. 172

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 2. p. 39. 173

OLIVEIRA, Anderson Lodetti de. Ministério público e processo acusatório: por uma ética constitucionalista no processo penal. Sequência. p. 141.

46

Nesse sentido leciona Anderson Lodetti de Oliveira:

A partir do momento da acusação, o réu tem a garantia de que deve se defender daquilo, e somente daquilo, que lhe está sendo atribuído. Por que acusar é limitar uma versão (histórica) dentre todas as que eram possíveis. A acusação, conforme Ferrajoli, é a delimitação do juízo, que deve “formular-se em termos unívocos e precisos, idôneos para denotar exatamente o fato atribuído e para circunscrever o objeto do processo e da sentença que lhe porá fim”. Desde a acusação, o réu saberá exatamente do que está sendo acusado e quais as provas que respaldam a acusação, possibilitando-lhe que conheça “todos os indícios que justificam (a acusação), de uma forma que o imputado tenha a possibilidade de refutá-las e nada seja escondido”. Cluny enfatiza que “o Ministério Público participa, no nosso sistema legal, por causa das funções constitucionais que lhe estão cometidas, na própria definição do objeto do processo, com todas as conseqüências que isso importa, na definição do direito aplicável ao caso concreto e, portanto, também, da pena”. E mais adiante conclui: “é que parafraseando Salvatore Satta a propósito da petição inicial em processo civil, a acusação não é senão um projeto de sentença.

174

Por sua vez, Paulo Rangel doutrina que:

[...] a imputação penal é que vai delimitar o espaço dentro do qual o réu irá exercer seu direito de ampla defesa, pois é cediço que o mesmo defende-se dos fatos narrados na denúncia e não do artigo de lei mencionado no pedido de condenação.

175

Sendo assim, incumbe à acusação narrar na peça acusatória o fato completo,

com todos os elementos e circunstâncias que o caracterizam, e, principalmente, toda

a construção probatória lógica que levou o órgão acusador à conclusão de que o réu

cometeu aquele fato, proporcionando ao acusado o pleno exercício do contraditório

e da ampla defesa.176

Ao mesmo tempo em que a acusação proporciona ao réu o pleno exercício do

contraditório e da ampla defesa, impõe ao Ministério Público o ônus de provar todo o

alegado, assumindo, então, o órgão ministerial a responsabilidade pela prova no

processo penal brasileiro, afastado que foi o juiz da persecução penal em face do

Sistema Acusatório.

174 OLIVEIRA, Anderson Lodetti de. Ministério público e processo acusatório: por uma ética

constitucionalista no processo penal. Sequência. p. 134. 175

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 418. 176

OLIVEIRA, Anderson Lodetti de. Ministério público e processo acusatório: por uma ética constitucionalista no processo penal. Sequência. p. 141.

47

Aplicável aqui a oportuna manifestação de Afrânio Silva Jardim ao tratar do

Sistema Acusatório:

Para o sucesso deste sistema processual, desempenha o Ministério Público uma função de maior importância, assumindo a titularidade da ação penal e produzindo prova no interesse da verdade, deixando o juiz eqüidistante do conflito de interesses que, porventura, surja no processo.

177

Averbe-se, assim, que o Ministério Público não é, e nem deveria ser, um

órgão inerte e imparcial. Ele “„vai atrás‟, age de ofício, fiscaliza, acompanha,

supervisiona”178, na busca pela aquisição de elementos capazes de comprovar a

procedência da tese acusatória deduzida em juízo.

E é justamente para que o juiz possa se manter inerte e imparcial que existe o

Ministério Público, conforme destaca Anderson Lodetti de Oliveira:

O Ministério Público existe para que o Judiciário seja um órgão independente, imparcial e inerte. A verdadeira função do Ministério Público é complementar a função judiciária. O juiz precisa ser um agente imparcial e jamais agir de ofício, sob pena de simpatizar com determinada causa, buscar os problemas, se envolver nas contendas e, em vez de julgar uma pretensão de partes, aplicar o direito ao caso concreto. [...] o juiz é o “contra-poder” por natureza, pois ele representa a norma e, em um Estado Democrático, a norma válida, que está conforme todos os princípios e valores constitucionais. Somente por ser inerte é que o juiz pode ser um contra-poder.

179

É cediço que o processo penal é um instrumento de retrospecção, de

reconstrução aproximada de um determinado fato histórico. Como ritual, está

destinado a instruir o julgador, a propiciar seu conhecimento sobre a ocorrência de

um fato tido por criminoso. Nesse contexto, as provas são os meios através dos

quais se fará essa reconstrução do fato passado definido como crime.180

Com efeito, pode-se sustentar que o procedimento probatório é o conjunto de

atos com o escopo de alcançar no processo a verdade processual ou histórica,

formando o convencimento do juiz.181

177 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 45.

178 OLIVEIRA, Anderson Lodetti de. Ministério público e processo acusatório: por uma ética

constitucionalista no processo penal. Sequência. p. 134. 179

OLIVEIRA, Anderson Lodetti de. Ministério público e processo acusatório: por uma ética constitucionalista no processo penal. Sequência. p. 125-126. 180

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 489. 181

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 419.

48

Assim, segundo Geraldo Prado:

[...] a atividade probatória é atividade de ministrar elementos de conhecimento. O juiz deverá conhecer determinado fato e este conhecimento se dará indiretamente, porque o juiz não presenciou o fato. Ao final, o convencimento representará a formulação de uma idéia acerca do fato. Da comparação desta idéia com a pretensão deduzida pela acusação e com a pretensão de resistência deduzida pela defesa nascerá a decisão.

182

Como se sabe, no processo penal brasileiro a propositura das provas é ato

das partes, por ocasião da postulação em juízo. Sendo assim, o Ministério Público

ao oferecer a denúncia deve arrolar suas testemunhas, requerer as diligências que

entender cabíveis, bem como a juntada aos autos dos documentos necessários à

comprovação da procedência da tese acusatória. A defesa, por sua vez, ao

responder à acusação deve, do mesmo modo, indicar as testemunhas que deseja

que sejam ouvidas em juízo, requerer as diligências que julgar pertinentes, bem

como fazer chegar ao conhecimento do juiz os documentos necessários ao

esclarecimento dos fatos.183

Não obstante, vale lembrar que o Ministério Público é quem acusa, fazendo a

imputação e o pedido, assumindo todo o ônus de provar a culpa do réu, com todos

os elementos que a caracterizam, havendo, por parte deste, tão somente, exercício

do contraditório.184

Na verdade, não são os fatos que devem ser provados, mas sim as alegações

feitas em relação aos fatos, que, por si só, existem ou não.185

É imperioso ressaltar que processo penal brasileiro, por qualquer ângulo que

se lhe examine, deve estar atento à exigência constitucional da presunção de

inocência do réu, como valor fundamental do sistema de provas.186 Assim, afirmar

que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de

sentença penal condenatória implica, e deve implicar, a transferência de todo o ônus

probatório ao órgão da acusação.187

182 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 130. 183

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 419. 184

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 419. 185

RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 86. 186

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 295. 187

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 295.

49

A acusação tem o ônus de descobrir hipóteses e produzir provas, e a defesa

tem o direito, não dever, de contradizer com contrahipóteses e contraprovas.188 O ato

de contradizer a versão da acusação é imprescindível para um mínimo de

configuração acusatória do processo.189

Por conseguinte, Afrânio Silva Jardim sustenta que:

Mesmo quando o réu alega um fato que poderia caracterizar uma legítima defesa, nada mais faz do que negar os fatos tal como descritos na peça acusatória. [...] Assim, não nos parece cientificamente correto resolver a questão do ônus da prova na ação penal condenatória na dependência do que, neste ou naquele caso, foi alegado pela acusação ou pela defesa. Repita-se: a defesa não manifesta verdadeira pretensão, mas apenas pode se opor à pretensão punitiva do autor.

190

Nesse sentido, então, vê-se que no processo penal brasileiro somente a

acusação é que alega fatos, atribuindo-os ao réu, sendo que eventual alegação

deste, será tão somente aparente, vez que juridicamente deve ser reputada como

mera negação dos fatos alegados na denúncia ou queixa.191 É o que se depreende

da doutrina de Afrânio Silva Jardim:

[...] quando o réu apresenta um álibi, dizendo que no dia e hora do crime se encontrava em lugar distante, não está alegando fato positivo diverso, mas apenas negando o que lhe é atribuído na denúncia. Assim, a dúvida sobre se ele estava ou não naquele lugar distante nada mais é do que a dúvida sobre se ele estava no lugar afirmado na denúncia ou queixa. É intuitivo.

192

Isso leva a conclusão de que, à luz do Sistema Acusatório e do Princípio da

Presunção de Inocência, não cabe mais ao réu provar nada no processo para ser

considerado inocente, nem mesmo suas alegações, como quer o caput do artigo 156

do Código de Processo Penal Brasileiro que diz que “a prova da alegação incumbe a

quem fizer”193. É a acusação que deve provar a culpa do réu, desconstituindo a sua

188 FERRAJOLI, Luigi apud LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade

constitucional. p. 502. 189

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 508. 190

JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade. 2. ed. Rio de Janeiro: 1994, p. 219. 191

JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade. p. 219. 192

JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade. p. 219. 193

BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Vade Mecum. p. 634.

50

presunção de inocência, mesmo que para isso deva demonstrar a improcedência de

eventuais excludentes levantadas pela defesa.

Assim defende Paulo Rangel:

[...] Pensamos que, à luz do sistema acusatório, bem como do princípio da ampla defesa, inseridos no texto constitucional, não é o réu que tem que provar sua inocência, mas sim o Estado-administração (Ministério Público) que tem que provar a sua culpa. A regra inserta na Carta Política (art. 5º, LVII) inverte, totalmente, o ônus da prova para o Ministério Público. Hoje, não é mais o réu que tem que provar o álibi alegado; é o Ministério Público que tem que provar a inexistência desse álibi.

194

Esse é o posicionamento adotado também por Aury Lopes Jr., que esclarece:

Devemos destacar que a primeira parte do art. 156 do CPP, deve ser lida à luz da garantia constitucional da inocência. O dispositivo determina que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”. Mas a primeira (e principal) alegação feita é a que consta na denúncia e aponta para a autoria e materialidade ; logo, incumbe ao MP o ônus total e intransferível de provar a existência do delito. Gravíssimo erro é cometido por numerosa doutrina (e rançosa jurisprudência), ao afirmar que à defesa incumbe a prova de uma alegada excludente. Nada mais equivocado, principalmente se compreendido o dito até aqui. A carga do acusador é de provar o alegado; logo, demonstrar que alguém (autoria) praticou um crime (fato típico, ilícito e culpável). Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas de justificação.

195 (com grifo no

original)

O Ministério Público, assim, deve provar a existência do fato típico, ilícito e

culpável, narrado na denúncia e praticado pelo réu, assumindo por inteiro o ônus da

acusação feita. O réu, ao alegar uma causa de exclusão da ilicitude, impõe ao

Ministério Público o ônus de provar que os elementos que integram esta figura

permissiva não estão presentes.196

Com efeito, sejam as causas de exclusão da ilicitude, de culpabilidade ou

extinção da punibilidade, bem como os elementos subjetivos do tipo, dolo ou culpa,

o ônus de provar ou não a existência recai total e intransferívelmente sobre

Ministério Público.197

194 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 26.

195 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 504.

196 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 26-27.

197 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 26.

51

Ressalte-se, porém, que a não comprovação por parte da defesa de uma

alegada excludente, importa em uma assunção de riscos decorrente da perda de

uma oportunidade probatória. Assim, quando facultado ao réu fazer prova de

determinado fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance, logo,

assume ele o risco de uma sentença desfavorável.198

Paulo Rangel explica que:

A falta de Compreensão, portanto, quanto ao ônus da prova, dá-se, primeiro, pela ausência de uma visão constitucional do art. 156 do CPP; segundo, pela errônea definição de crime. Se o Ministério Público tem que narrar, em sua petição inicial penal, o fato criminoso com todas as suas circunstâncias (cf. art. 41 do CPP), há que se identificar e definir esse fato crime para compreendermos sua delimitação como thema decidendum. [...] Desta forma, claro nos parece que, se o Ministério Público tem que narrar um fato criminoso com todas as suas circunstâncias, o ônus de provar que este fato é típico (encontra perfeita adequação na lei penal, portanto, trata-se de uma conduta proibida); é ilícito (contrário ao direito) e que não está açambarcado por nenhuma excludente de ilicitude e que se autor é culpável, ou seja, se possui as condições mínimas indispensáveis para atribuir-se-lhe esse fato, o que significa dizer, se está mentalmente são ou conhece a antijuridicidade do fato pertence-lhe. Não há como entregar ao réu, dentro de um Estado Constitucional dito Democrático de Direito e que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB), o ônus de provar sua inocência.

199

Desse modo, deve-se interpretar a lei ordinária de acordo com a Constituição

e não o inverso, sob pena do ônus da culpa recair sobre o réu e não sobre quem lhe

fez a imputação do, até então suposto, fato criminoso.200

Não obstante, vislumbra-se quase que diariamente no foro brasileiro

sentenças e acórdãos fazendo a distribuição de cargas no processo penal, tratando

a questão da mesma forma que no processo civil. Não raras são as sentenças

condenatórias fundamentadas na “falta de provas da tese defensiva”, como se o réu

tivesse que provar sua inocência.201

198 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 503.

199 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 416-417.

200 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 95.

201 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 502.

52

Entretanto, os tribunais superiores já têm decidido, mesmo que

minoritariamente, por atribuí-lo inteiramente ao órgão acusador o ônus da prova no

processo penal brasileiro.202 203

Até porque, sempre que restar qualquer dúvida que aponte para a inocência

do acusado, deve a causa, obrigatoriamente, ser decidida em seu favor. Trata-se da

aplicação do Princípio do in dubio pro reo.204

Certamente, essa não é a maneira mais fácil de conseguir a condenação de

alguém, entretanto, é a mais democrática e a eleita pelo atual ordenamento

constitucional. Porém, é a observância desse modelo que assegura ao Ministério

Público e ao Poder Judiciário cumprirem o verdadeiro papel que lhes foi reservado

pelo texto constitucional. O primeiro como órgão persecutor, parcial e responsável

pela gestão da prova. O segundo como julgador, imparcial e garante dos direitos

fundamentais do acusado.

2.3 A INVESTIGAÇÃO DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Atualmente, existe uma tendência mundial de se outorgar ao Ministério

Público a direção da investigação preliminar, de modo a criar a figura do promotor

investigador.205

Nesse modelo de investigação, o promotor é o diretor da investigação,

cabendo-lhe receber a notícia-crime diretamente ou indiretamente, por meio da

polícia judiciária, e investigar os fatos nela constantes. Para isso, poderá dispor e

dirigir as atividades policiais, de modo que tanto poderá praticar por si mesmo as

diligências, como determinar que as realize a polícia segundo os critérios que lhes

foram determinados.206

202 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 73338/RJ. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 13 ago.

1996. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=HC 73338(73338.NUME. OU 73338.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 30 out. 2009. 203

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 27684/AM. Rel. Min. Paulo Medina. Julgado em 15 mar. 2007. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=HC+27684&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 30 out. 2009. 204

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 418. 205

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 229. 206

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 230.

53

Não obstante, no Brasil o modelo adotado ainda é o de investigação

preliminar realizado pela polícia judiciária, a quem foi conferida a tarefa de averiguar

e investigar os fatos constantes da notícia-crime, de acordo com o artigo 144 da

Constituição Federal. Sendo tal atribuição normativa, a autoridade policial atua como

verdadeiro titular da investigação preliminar.

Nesse modelo, a polícia tem plena autonomia e independência para decidir

sobre as formas e meios empregados na investigação, não estando subordinada

funcionalmente a juízes e promotores.207

Com efeito, Aury Lopes Jr. faz duras críticas a esse modelo de investigação

preliminar:

É um sistema arcaico e totalmente superado, cuja ineficiência é patente. Excepcionalmente, em países como a Inglaterra, atendendo às especiais características sócias, políticas e de estrutura judicial, esse sistema pode ser considerado como satisfatório. Obviamente não é o caso do Brasil.

208

Conforme os incisos I e IV do § 1º do artigo 144 da Constituição Federal de

1988, respectivamente, a Polícia Federal destina-se: a apurar as infrações penais

contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da

União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras

infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija

repressão uniforme, segundo dispuser a Lei; e, exercer, com exclusividade, as

funções de polícia judiciária da União.

Por sua vez, o § 4º do mesmo artigo assevera que às policias civis, dirigidas

por delegado de polícia de carreira, incumbe, ressalvada a competência da União,

as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as

militares.

Não obstante, consoante a oportuna manifestação de Antônio Scarance

Fernandes:

O fato de ter sido afirmado que as policias federal e estadual exercem as funções da polícia judiciária não significa a impossibilidade de que outros órgãos venham, em determinadas circunstâncias, quando autorizados pelo

207 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 222.

208 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 222.

54

ordenamento jurídico, a apurar, direta ou indiretamente, fatos criminosos. [...]

209

O Código de Processo Penal Brasileiro, a seu turno, prevê, no caput de seu

artigo 4º, que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais e terá por

fim a apuração das infrações penais e sua autoria, ressalvando em seu parágrafo

único que a competência definida no caput não excluirá a de autoridades

administrativas a quem por lei seja cometida a mesma função.210

Nesse norte, a investigação preliminar brasileira, em consonância com os

dispositivos supracitados, em princípio, é policial. No entanto, parece evidente que

não se trata de uma atribuição exclusiva das autoridades policiais.

Sendo assim, a grande questão é quanto à possibilidade de o Ministério

Público investigar de maneira direta, prescindindo da polícia judiciária, posto que ele

é o titular privativo da ação penal pública, o órgão a quem foi confiada a tarefa de

efetuar a persecução penal em juízo.

Paulo Rangel entende que sim, aduzindo que:

Dar-lhe, na fase processual, a totalidade do ônus, porém negar-lhe a investigação direta na fase preprocessual é apostar na falência da instituição que só aos ricos e poderosos, que vivem às margens da lei, interessa. A colheita das informações necessárias que viabilizam o exercício da ação penal pode (e deve), assim, em alguns casos, ser feita pelo próprio Ministério Público, sob pena de enfraquecermos a instituição Ministerial que tão nobre função ganhou com a “Constituição cidadã”, tornando-se, nos últimos anos, a reserva moral da sociedade, razão pela qual incomodou alguns homens públicos.

211

No mesmo sentir se manifesta Aury Lopes Jr.:

A própria natureza da investigação preliminar, como atividade preparatória ao exercício da ação penal, deve necessariamente estar a cargo do titular da ação penal. Por isso, deve ser uma atividade administrativa dirigida por e para o Ministério Público, sendo ilógico que o juiz (ou a polícia em descompasso com o MP) investigue para o promotor acusar. Em resumo, melhor investiga quem vai acusar, e melhor acusa quem por si mesmo investigou ou comandou a investigação.

212 (com grifo no original)

209 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007, p. 271. 210

BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Vade Mecum. p. 625. 211

RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 97. 212

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 231-232.

55

No entanto, a questão deve ser examinada à luz do que dispõe o texto

constitucional, independente do ser ou não meritória.

Por conseguinte, a questão em torno da possibilidade de investigação

preliminar por parte do Ministério Público gira em torno dos incisos VI, VII, VIII e IX,

do artigo 129 da Constituição Federal, que possibilitam tal interpretação.213

O inciso VI permite ao Ministério Público expedir notificações nos

procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e

documentos para instruí-los, na forma de Lei Complementar. O inciso VII prevê

como função institucional do Ministério Público o controle externo da atividade

policial, também consoante o disposto em Lei Complementar. O inciso VIII, por sua

vez, possibilita ao Ministério Público requisitar diligências investigatórias, bem como

a instauração de inquérito policial. Já o inciso IX diz que cabe ao Ministério Público

exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua

finalidade.214

Como se vê, nenhum desses incisos diz claramente que o Ministério Público

pode realizar a investigação direta em matéria criminal. Sem embargo, porém,

entende-se estar implícita esta atribuição em tais dispositivos.

Nesse sentido, Paulo Rangel doutrina que:

Requisição é uma ordem que deve ser aceita, é exigência legal a qual a autoridade policial não pode se furtar de cumprir. Na medida em que a Constituição legitima o Ministério Público a requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais, claro está que, se tem o poder de determinar esta ou aquela diligência, possui também legitimidade de realizar, pessoalmente, as diligências que pode determinar. Seria um contra sensu, pelo menos assim nos parece, dar-lhe a legitimação para exigir que se faça, mas negar-lhe o direito de fazê-lo, pessoalmente. Em outras palavras, é como se disséssemos: “pode o Ministério Público fazer o mais, porém lhe é negado fazer o menos”. Violaríamos as regras comezinhas de hermenêutica jurídica se assim pensássemos.

215 (com grifo

no original)

Invoca-se, assim, a Teoria dos Poderes Implícitos, de modo que o poder de

requisição traz consigo implicitamente a legitimidade de o Ministério Público realizar

direta e pessoalmente tais diligências.216

213 OLIVEIRA, Anderson Lodetti de. Ministério público e processo acusatório: por uma ética

constitucionalista no processo penal. Sequência. p. 138. 214

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum. p. 45. 215

RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 188. 216

RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 189.

56

Sérgio Demoro Hamilton compartilha desse entendimento e, ademais,

questiona:

Por que o Ministério Público pode requisitar diligências à autoridade policial (que, obviamente, não podem ser desatendidas) e não dispõe do poder de, ele mesmo realizá-las? [...] Por que o Ministério Público pode requisitar diretamente provas diversas (documental, pericial, etc.) mas lhe seria vedada a colheita direta de prova oral?

217

Na mesma linha de raciocínio, sustenta-se que o Ministério Público, sendo o

destinatário final e exclusivo das investigações contidas no inquérito policial, se deve

exercer o controle sobre todas as atividades voltadas a formar seu convencimento

acerca da autoria e materialidade do delito, de modo a ensejar uma acusação penal,

pode e deve, se assim for necessário, realizar por si mesmo tais atividades.218

Assim sustenta Paulo Rangel:

[...] o Ministério Público, se exerce o controle externo da atividade policial-fim, que é a investigação criminal, com o escopo de apurar a prática de infração penal, claro nos parece, mais uma vez, que pode (e se necessário for, deve) realizar diretamente quaisquer diligências investigatórias a fim de formar sua opinio delicti. A própria Lei Orgânica do Ministério Público da União, ao dispor que o Ministério Público pode “ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial” (art. 9º, II, da LC 75/93) deixa consignado que tal acesso pode ser feito, pessoal e diretamente, pelo Parquet.

219 (com grifo no original)

Até porque, o controle que exerce o Ministério Público sobre a atividade fim

da polícia judiciária, ou seja, sobre as atividades de investigação efetuadas com o

escopo de apurar a prática de uma infração penal, é exercido com vistas a garantir

que a investigação seja robusta, legal, suficientemente fundamentada e com aptidão

para sustentar uma eventual acusação criminal por parte do órgão ministerial.220

Entretanto, há que se ter claro que o papel institucional do Ministério Público

não significa ingerência nos assuntos internos da polícia, muito menos relação de

subordinação desta ao órgão acusador. Mas, sim, controle da legalidade dos atos

217 HAMILTON, Sérgio Demoro. Temas de Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2000, p. 212. 218

RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 189. 219

RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 188. 220

OLIVEIRA, Anderson Lodetti de. Ministério público e processo acusatório: por uma ética constitucionalista no processo penal. Sequência. p. 139.

57

praticados no inquérito policial ou das diligências realizadas visando sua

instauração.221

Com efeito, Aury Lopes Jr. esclarece que:

[...] por falta de uma norma que satisfatoriamente defina o chamado controle externo da atividade policial – subordinação ou dependência funcional da polícia em relação ao MP -, não podemos afirmar que o Ministério Público pode assumir o mando do inquérito policial, mas sim participar ativamente, requerendo diligências e acompanhando a atividade policial. [...]

222

Não obstante, o doutrinador defende que “não está o Ministério Público

condenado a ser um mero acompanhante ou espectador, pois a lei lhe faculta o

poder de instaurar e conduzir seu próprio procedimento investigatório”223. Nessa

direção, entende que o Ministério Público “também poderá investigar e realizar sua

própria investigação preliminar, vista como um procedimento administrativo pré-

processual”224.

Sendo assim, entende-se que ao consagrar como instrumento de atuação do

Ministério Público a possibilidade de expedir notificações nos procedimentos

administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para

instruí-los, a Constituição Federal permitiu ao órgão ministerial instaurar um

procedimento investigatório próprio, preparatório a ação penal, independente de

eventual investigação realizada ou não pela autoridade policial, pois inerente à suas

funções.225

Esse é o posicionamento defendido por entende Sérgio Demoro Hamilton:

Na verdade, como de fácil compreensão, a Constituição Federal, ao conferir ao Ministério Público a faculdade de requisitar e de notificar (art. 129, VI), defere-lhe, ipso facto, o poder de investigar, no qual aquelas atribuições se subsumem.

226

Além do que, o inquérito policial não é peça indispensável ao oferecimento da

denúncia, de modo que quando o órgão acusador tiver elementos de convicção

221 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 91.

222 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 245.

223 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 245.

224 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 245.

225 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 181.

226 HAMILTON, Sérgio Demoro. Temas de Processo Penal. p. 215.

58

suficientes que viabilizem o exercício da ação penal pode formular a acusação

independente daquele.227

É imperioso ressaltar que o que não se admite é a instauração de ação penal

sem inquérito policial e sem peças de informação, pois, assim, a ação seria

infundada, injusta, não havendo o necessário suporte probatório mínimo para sua

deflagração. Porém, estando o Ministério Público de posse de todas as informações

necessárias ao exercício da ação penal, deve oferecer a denúncia, independente da

instauração de inquérito policial, pois as peças de informação servirão de base para

a acusação.228

Esse é mais um argumento de que se utiliza Paulo Rangel para amparar a

possibilidade de investigação direta pelo Ministério Público:

Se o Ministério Público pode oferecer denúncia sem inquérito policial é porque a investigação policial, ou seja, aquela desenvolvida pela polícia de atividade judiciária, pode muito bem ser substituída por outra investigação preliminar levada a cabo pelo próprio Ministério Público. O sistema acusatório, [...], adotado pela Constituição vigente, permite-nos desenvolver este raciocínio.

229

Destaca-se, por oportuno, que o Conselho Nacional do Ministério Público já

consagrou o procedimento investigatório criminal do Ministério Público, de tal forma

que, visando regulamentá-lo e uniformizá-lo nacionalmente, editou a Resolução nº

13, de 2006, prevendo explicitamente a possibilidade de o órgão ministerial instaurar

procedimento investigatório criminal próprio para apurar a ocorrência de infrações

penais de natureza pública.

Não obstante, para os críticos da possibilidade de investigação direta pelo

Ministério Público, os argumentos até aqui defendidos não serviriam para sustentá-

la, de modo que a Constituição Federal deveria dispor de maneira expressa e

explícita sobre tal atividade. De modo diverso, tal agir do órgão acusador seria uma

afronta aos direitos e garantias fundamentais do acusado, e, portanto, seus atos

seriam nulos de pleno direito, não podendo ser convalidados.230

227 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 177.

228 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 176-177.

229 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 177-178.

230 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 178.

59

Sem embargo, porém, Paulo Rangel leciona que:

A Constituição, sendo um estatuto jurídico-político, estabelece as competências dos órgãos de poder (entendendo-se competência aqui no sentido lato da palavra e não como medida de jurisdição), ditando o princípio da legalidade como carro chefe de toda a atividade estatal e, ao mesmo tempo, a necessidade de garantir aos órgãos do poder uma realização eficaz e racional no exercício de suas atribuições. Ou seja, dá a competência aos órgãos estatais e ao mesmo tempo, dentro da legalidade, assegura a todos a eficácia de suas realizações. Nesse caso, se a constituição reconhece o Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional, incumbindo-o de defender a ordem jurídica, dando-lhe para tal, no âmbito penal, a promoção, privativa, da ação penal pública, nos parece intuitivo que as investigações necessárias para formar sua opinio delicti sejam inerentes à obrigatoriedade da ação penal. Estão implícitas na promoção, privativa e obrigatória, da ação penal pública as investigações diretas e necessárias realizadas pelo Ministério Público. [...] Destarte, à luz do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e de sua privatividade, a investigação direta pelo Ministério Público é admissível pela Constituição. Não estamos negando o exercício de atividade judiciária pelas autoridades policiais, através do inquérito policial, mas, sim, mostrando que há outro legitimado para tal investigação que, inclusive, pode ser feita em harmonia com a polícia de atividade judiciária com ganho exclusivo da sociedade. [...]

231

Ademais, o doutrinador ressalta ainda que:

Não podemos negar a vigência, a eficácia e a validade das normas infraconstitucionais (Lei 8.625/93 e Lei Complementar 75/93) que legitimam a atuação direta do Ministério Público nos casos que menciona, até como atividade inerente ao próprio poder persecutório in judicio. [...]

232

Com efeito, claro está, sob a ótica do Sistema Acusatório, que é plenamente

cabível a investigação criminal levada a cabo diretamente por membros do Ministério

Público, especialmente porque no modelo processual brasileiro toda atividade

investigatória preliminar é dirigida à formação do convencimento do encarregado de

exercer a função acusatória.

Averbe-se, por fim, que esse é o entendimento predominante na

jurisprudência nacional233, inclusive no âmbito dos tribunais superiores.

O Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado reiteradamente pela

admissibilidade da investigação criminal direta pelo Ministério Público, sustentando

231 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 179-181.

232 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 212.

233 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 236.

60

que não há incompatibilidade entre as investigações que realizar e a propositura da

ação penal.234

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, em que pese

até pouco tempo atrás ter se manifestado pela impossibilidade de o Ministério

Público presidir investigação criminal,235 em recentes julgamentos também se

posicionou no sentido de permitir a investigação direta pelo Ministério Público,

entendendo que o poder investigatório do órgão ministerial está claramente definido

no artigo 129 da Constituição Federal.236 237

Ressalte-se, no entanto, que o Plenário daquela Corte não se manifestou

definitivamente sobre a questão até então. O tema se encontra ainda na pauta de

julgamento, por meio do HC 84548/SP, e a votação, até a presente data, esta

empatada, com votos do Ministro Marco Aurélio, que se posicionou contrário ao

poder de investigação do Ministério Público, e do Ministro Sepúlveda Pertence, que

rejeitou a tese de inconstitucionalidade das investigações diretas.

A questão é objeto ainda da ADI 3309, proposta pela Associação Nacional

dos Delegados de Polícia, através da qual se pleiteia a declaração de

inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Complementar 75/93 que conferem

poderes investigatórios ao Ministério Público. A matéria se encontra atualmente

conclusa ao relator, Ministro Ricardo Lewandowski, para proferir voto.

234 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. p. 212.

235 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 81326/DF. Rel. Min. Nelson Jobim. Julgado em 06 mai.

2003. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=102770&pgI=1&pgF=100000>. Acesso em: 30 out. 2009. 236

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 89837/DF. Rel. Min. Nelson Jobim. Julgado em 20 out. 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605906&pgI=1&pgF=100000>. Acesso em: 30 out. 2009. 237

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 85419/RJ. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 20 out. 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=606301&pgI=1&pgF=100000>. Acesso em: 30 out. 2009.

61

3 A INCONGRUÊNCIA DOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ

COM A SISTEMÁTICA PROCESSUAL BRASILEIRA

Comprovado que de acordo com o Sistema Acusatório a gestão da prova no

processo penal brasileiro é papel reservado ao Ministério Público, cabe, então,

demonstrar a incongruência dos poderes instrutórios do juiz com a sistemática

processual penal brasileira, porquanto não compete ao órgão jurisdicional nenhuma

responsabilidade probatória.

E, ademais, o texto constitucional exige dele um seguro distanciamento da

atividade das partes, em especial da gestão da prova, como forma de preservar sua

imparcialidade, elemento essencial à função julgadora.

3.1 A IMPARCIALIDADE DO JUIZ: META A SER ATINGIDA NO PROCESSO

PENAL BRASILEIRO

Na vigência do Estado Democrático de Direito a obrigatoriedade das causas

serem decididas por um juiz imparcial é inerente à própria idéia de jurisdição, pois se

o Estado avocou para si a tarefa de dizer o Direito, que em termos de processo

penal significa de decidir acerca da condenação ou absolvição de alguém, o mínimo

que se espera é que essa tarefa seja realizada com total isenção.

Nesse norte, a necessidade de superação de um modelo processual de

natureza inquisitória, como é o caso do Estado brasileiro traz como consequência

mais importante do Sistema Acusatório a preocupação com a imparcialidade do

juiz.238

Aury Lopes Jr., ao tratar da imparcialidade do juiz, leciona que:

A imparcialidade é uma construção do direito, que impõe a ele um afastamento estrutural, um alheamento (terzietà) em relação à atividade das

238 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 391.

62

partes (acusador e réu). Como meta a ser atingida, o processo deve criar mecanismos capazes de garanti-la, [...]

239

Com efeito, a Constituição Federal de 1988, conferiu ao juiz uma série de

garantias, mantendo-o livre de pressões e interferências externas (art. 95, CF), pois,

juiz imparcial, antes de qualquer coisa, é juiz independente, e independência

pressupõe garantias que lhe assegurem o pleno exercício de suas funções, livre de

possíveis e eventuais coações e constrangimentos.240 241

Não é por outra razão, aliás, que o Código de Processo Penal Brasileiro fixou

regras que identificam os juízes suspeitos ou impedidos de processar e julgar

determinada causa (arts. 252 e ss., CPP).

Contudo, há que se ter claro que a garantia da imparcialidade do juiz não

pressupõe apenas mecanismos que o mantenha livre de pressões e interferências

externas, mas além, e acima disso, que o conserve neutro acerca do que esta sendo

discutido no processo. Isso significa dizer que juiz imparcial, além de independente,

é juiz isento de eventuais pré-juízos, pois, em ambos os casos, a parcialidade cria a

desconfiança e a incerteza.242

Desse modo, o processo deve preocupar-se em garantir não só a

imparcialidade objetiva do órgão julgador, que diz respeito à situação de

independência em que ele se encontra, mas também sua imparcialidade subjetiva,

que se refere à sua convicção pessoal acerca do objeto de discussão das partes.243

Por conseguinte, pode-se afirmar que o principal mecanismo de que dispõe o

processo penal brasileiro capaz de garantir a imparcialidade do juiz é justamente a

estrita separação das funções processuais, tendo em vista que essa providência

impede que o magistrado envolva-se psicologicamente com a pretensão deduzida

em juízo, assegurando que ele se mantenha alheio ao interesse de vitória ou derrota

de qualquer uma delas, atuando como órgão suprapartes.244

239 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 403.

240 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 19-20.

241 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 40.

242 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 125.

243 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 125.

244 SOUZA, Danielle Souza de Andrade e. A atuação do juiz no processo penal acusatório:

incongruências no sistema brasileiro em decorrência do modelo constitucional de 1988. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005, p. 80.

63

Como se sabe, a parcialidade significa um estado subjetivo, emocional, um

estado anímico do julgador, então, a imparcialidade do juiz corresponde exatamente

à condição de terceiro que ele ocupa no processo, alheio ao interesse das partes.245

Marcos Alexandre Coelho Zilli sustenta que no processo penal acusatório:

[...] a imparcialidade é uma decorrência natural do devido processo legal e de um Estado verdadeiramente Democrático de Direito. Não há como se conceber uma atividade jurisdicional válida que não venha a ser conduzida por um juiz eqüidistante das partes processuais. [...]

246

Sendo assim, não basta assegurar a aparência de isenção do juiz. Mais do

que isso, é necessário garantir que sua apreciação não esteja em concreto

comprometida em virtude de algum juízo apriorístico, justificando-se dessa forma

seu afastamento das atividades inerentes as partes, em especial as probatórias.247

Ora, nenhum juiz que ordena a produção de uma prova o faz sem saber

exatamente o que deseja encontrar. Ao fazê-lo, no mínimo, deduz que a evidência

buscada servirá para a condenação ou para a absolvição do réu. Toda a atividade

voltada à introdução do material probatório é precedida da consideração psicológica

pertinente aos rumos que o citado material possa tomar se efetivamente incorporado

ao processo.248

Como bem destaca Geraldo Prado:

Quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador. Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução de meios de prova que sequer foram considerados pelo órgão de acusação, ao qual, nestas circunstâncias, acaba por substituir. Mais do que isso, aqui igualmente se verificará o mesmo tipo de comprometimento psicológico objeto das reservas do poder do próprio juiz iniciar o processo, na medida em que o juiz se fundamentará, normalmente, nos elementos de prova que ele mesmo incorporou ao processo, por considerar importantes para o deslinde da questão. Isso acabará afastando o juiz da desejável posição de seguro distanciamento das partes e dos interesses contrapostos, posição esta apta a permitir a melhor ponderação e conclusão.

249

245 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 122.

246 ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2003, p. 140. 247

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 120. 248

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 158. 249

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 137.

64

Destarte, quando o órgão jurisdicional se dedica a produzir prova empreende

tarefa que não é neutra, pois sempre deduzirá a hipótese que pretende ver

confirmada, de modo que a prova produzida de ofício ligará o juiz desde logo a

hipótese que busca comprovar.250

Geraldo Prado destaca ainda que:

A natureza verdadeiramente acusatória de um princípio processual constitucional demanda, para verificar-se, não só a existência de uma acusação (mesmo os procedimento inquisitoriais podem conviver com uma acusação), mas tanto, e, principalmente, que esta acusação revele uma alternativa de solução do conflito de interesses ou caso penal oposta à alternativa deduzida no exercício de defesa, ambas, entretanto, dispostas a conformar o juízo ou solução da causa penal. Em outras palavras, ambas, acusação e defesa, surgem como propostas excludentes de sentença. Tal conformação só admitirá a influência das atividades realizadas pela defesa, se o juiz, qualquer que seja ele, não estiver desde logo psicologicamente envolvido com uma das versões em jogo. Por isso, a acusatoriedade real depende da imparcialidade do julgador, que não se apresenta meramente por lhe negar, sem qualquer razão, a possibilidade de também acusar, mas, principalmente, por admitir que a sua tarefa mais importante, decidir a causa, é fruto de uma consciente e meditada opção entre duas alternativas, em relação as quais se manteve, durante todo o tempo, eqüidistante.

251

Sendo assim, o juiz que antecipadamente está em condições de julgar a

causa, por estar desde já ligado a determinada hipótese de solução do conflito, na

prática, torna dispensável o processo, pois já tem definida a questão

independentemente das atividades probatórias das partes.252

Nessa direção, é imperioso destacar que se não deve o juiz empreender

tarefas que possam o atrelar antecipadamente a nenhuma das versões apostas

pelas partes, não cabe a ele de forma alguma diligenciar em busca de provas,

mesmo que favoráveis ao acusado, pois ambas as partes devem ser contempladas

pelo princípio acusatório e não somente este último.253

No entanto, há quem assim não entenda, sustentando que deve ser admitida

a atuação probatória judicial em benefício da defesa, de modo a pesquisar, de forma

250 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 141. 251

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 108. 252

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 109. 253

BARROS, Antônio Milton de. A reforma do CPP sobre provas: reafirmação do sistema inquisitivo. Disponível em: <http://www.mp.to.gov.br/cint/cesaf/arqs/060808030411.pdf>. Acesso em 28 abr. 2009.

65

supletiva, provas da inocência do réu, sob a justificativa de que se deve observar a

igualdade material das partes, com a distinção entre iguais e desiguais, além de

invocar os princípios da presunção de inocência, favor rei e in dúbio pro reo.254

Não obstante, conforme doutrina Antônio Milton de Barros:

[...] essa é a outra face da mesma moeda, consistente na quebra do princípio acusatório. As razões invocadas, tais como presunção de inocência, favor rei, in dúbio pro reo, não devem servir como fundamento para a quebra dos princípios acusatório e da imparcialidade, e sim para que sejam utilizadas diretamente em benefício do acusado, no momento da sentença, tendo em vista, que no sistema acusatório, o juiz tem, primordialmente, a função de garante das regras do jogo, cabendo às partes apresentarem suas provas, licitamente obtidas, razão porque é imprescindível a paridade de armas. O acusado é, assim, sujeito de direitos, pois pode se defender em posição de igualdade em relação à acusação (logo, em liberdade: ganha expressão capital a presunção de inocência), buscando apresentar o que lhe couber de favorável. Visualiza-se o processo como „uma discussão, luta ou duelo que entre acusador e defensor se estabelece, perante o olhar imparcial do juiz‟. Dessa mesma maneira, descabe atuação do juiz como forma de suprir desigualdade entre as partes, pois essa situação deverá ser contornada com outros meios, como, inclusive, se for o caso, a substituição do defensor. É que, se a atuação judicial não se faz em favor da acusação (o que está correto), fazê-lo em favor do acusado também poderia ensejar desigualdade.

255

Ademais, há que se ter claro que:

Os elementos de prova são introduzidos por obra exclusiva das partes, de modo que o julgador carece de poderes autônomos para investigar a verdade dos fatos, devendo limitar-se a examinar as provas acerca das quais havia versado a discussão daquelas.

256

Assim, o juiz deve exercer o seu papel de árbitro, restringindo-se, em matéria

probatória, a mediar o embate entre acusação e defesa, na medida em que o

processo assemelha-se a um jogo no qual o juiz ao sentenciar anuncia o seu

resultado, sendo-lhe vedado alterar as regras e, principalmente, intervir nas

estratégias dos participantes.257

254 BARROS, Antônio Milton de. A reforma do CPP sobre provas: reafirmação do sistema

inquisitivo. 255

BARROS, Antônio Milton de. A reforma do CPP sobre provas: reafirmação do sistema inquisitivo. 256

MARICONDE, Velez apud RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 47. 257

BARROS, Antônio Milton de. A reforma do CPP sobre provas: reafirmação do sistema inquisitivo.

66

Por conseguinte, pode-se afirmar que “sempre que se atribuem poderes

instrutórios ao juiz, destrói-se a estrutura dialética do processo, o contraditório,

funda-se um sistema inquisitório e sepulta-se de vez qualquer esperança de

imparcialidade”258. Até porque, se a estrutura dialética do processo penal acusatório

prevê um duelo contraditório entre as partes, que deve ser decidido por um terceiro

imparcial, é imprescindível reconhecer que a invasão desse sujeito processual em

qualquer atividade de incumbência daquelas, especialmente a probatória, aniquila

completamente a igualdade processual que deve existir entre elas.

É difícil conceber que alguém acredite que quando um juiz sai em busca de

provas ele mantém a sua imparcialidade. Não obstante, não é difícil encontrar quem

defenda o amplo poder probatório do juiz. Isso, todavia, não significa que creiam

realmente que o julgador conserva a isenção nessas hipóteses, mas, sim, que o

interesse da defesa social prepondera sobre os direitos e garantias do acusado, em

especial no tocante a imparcialidade do juiz.

No entanto, oportuna é a manifestação de Aury Lopes Jr. quando afirma que

“a imparcialidade do órgão jurisdicional é um „princípio supremo do processo‟ e,

como tal, imprescindível para seu normal desenvolvimento e obtenção do reparto

judicial justo”259.

3.2 O PRINCÍPIO DA VERDADE REAL: UM MITO

O mítico Princípio da Verdade Real rendeu e ainda rende inúmeros frutos aos

defensores da aplicação sistemática e inconteste do Código de Processo Penal,

geralmente sob o argumento da relevância dos interesses tratados no processo

penal. A gravidade das questões penais seria suficiente para permitir uma busca

mais ampla e mais intensa da verdade.260

Contudo, é oportuno ressaltar que tal “princípio” só encontra guarida em

sistemas inquisitivos, modelo processual empregado por governos totalitários e

258 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 75.

259 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 122.

260 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 293.

67

autoritários em que o interesse público prevalece sobre os direitos individuais,

tutelando-se ao inquisidor a busca da verdade a qualquer custo.

Esse é o sentir de Aury Lopes Jr.:

O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório; com o “interesse público” (cláusula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades); com sistemas políticos autoritários; com a busca de uma “verdade” a qualquer custo (chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos); e com a figura do juiz ator (inquisidor).

261

O Princípio da Verdade Real sempre teve a incumbência de legitimar

eventuais desvios das autoridades públicas, além de justificar a ampla iniciativa

reservada ao juiz no processo penal brasileiro. A verdade real, como se dotada de

poderes mágicos fosse, autorizava, antes da Constituição Federal de 1988, uma

atuação judicial supletiva e até substitutiva da atuação do Ministério Público.262

Entretanto, Aury Lopes Jr. destaca que:

Historicamente, está demonstrado empiricamente que o processo penal, sempre que buscou uma “verdade mais material e consistente” e com menos limites na atividade de busca, produziu uma “verdade” de menor qualidade e com pior trato para o imputado. Esse processo, que não conhecia a idéia de limites – admitindo inclusive a tortura – levou mais gente a confessar não só delitos não cometidos, mas também alguns impossíveis de serem realizados.

263

Na mesma linha, Eugênio Pacelli de Oliveira aduz que:

[...] A busca da verdade real, em tempos ainda recentes, comandou a instalação de práticas probatórias as mais diversas, ainda que sem previsão legal, autorizadas que estariam pela nobreza de seus propósitos: a verdade. Talvez o mal maior causado pelo citado princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva, que terminou por atingir praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal. Com efeito, a crença inabalável segundo a qual a verdade estava efetivamente ao alcance do Estado foi a responsável pela implantação da idéia acerca da necessidade inadiável de sua perseguição, como meta principal do processo penal.

264

261 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 521-522.

262 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 294.

263 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 521.

264 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 293-294.

68

Porém, após a promulgação do atual texto constitucional, a obrigação de que

se busque a verdade no processo penal não pode mais justificar que o juiz tenha

ilimitados poderes para tanto, como ocorreu no passado, quando a liberdade

probatória do órgão jurisdicional era vista como instrumento essencial para a

realização da pretensão punitiva do Estado, em que a busca pela reconstrução dos

fatos reais e verdadeiros, a qualquer preço, era a premissa indispensável para se

alcançar o fim da defesa social.265

Modernamente, amparado na própria conscientização de ser impossível uma

reconstrução absolutamente real e verdadeira dos fatos no processo, os objetivos

perseguidos pela atividade probatória no processo penal não se destinam mais à

busca da verdade, mas sim de elementos que a aproxime dos fatos: a probabilidade

e a verossimilhança.266

Inclusive visto que o conceito de verdade não é ontológico nem absoluto e o

juiz só pode buscar no processo a verdade atingível, que nada mais é do que o

estágio mais próximo possível da certeza necessária para amparar sua decisão.267

Por conseguinte, a atividade probatória empreendida no processo penal

moderno busca tão somente alcançar a verdade processual,268 porquanto “toda a

verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser

produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de

natureza exclusivamente jurídica”269.

Além do que, como bem destaca Fernando da Costa Tourinho Filho:

[...] É certo, ademais, que, mesmo na justiça penal, a procura e o encontro da verdade real se fazem com as naturais reservas oriundas da limitação e falibilidade humanas, e, por isso, melhor seria falar de “verdade processual”, ou “verdade forense”, até porque, por mais que o juiz procure fazer a reconstrução histórica do fato objeto do processo, muitas e muitas vezes o material de que ele se vale (ah! as testemunhas...) poderá conduzi-lo a uma “falsa verdade real”.

270

265 BARROS, Antônio Milton de. A reforma do CPP sobre provas: reafirmação do sistema

inquisitivo. 266

BARROS, Antônio Milton de. A reforma do CPP sobre provas: reafirmação do sistema inquisitivo. 267

SOUZA, Danielle Souza de Andrade e. A atuação do juiz no processo penal acusatório: incongruências no sistema brasileiro em decorrência do modelo constitucional de 1988. p. 125. 268

BARROS, Antônio Milton de. A reforma do CPP sobre provas: reafirmação do sistema inquisitivo. 269

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 294. 270

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 17.

69

Nesse sentido, conforme o entendimento de Aury Lopes Jr.:

[...] a verdade real é impossível de ser obtida. Não só porque a verdade é excessiva, senão porque constitui um gravíssimo erro falar em “real” quando estamos diante de um fato passado, histórico. É o absurdo de equiparar o real ao imaginário. O real só existe no presente. O crime é um fato passado, reconstruído no presente, logo, no campo da memória, do imaginário. A única coisa que ele não possui, é um dado de realidade.

271

A verdade processual, por sua vez, não pretende ser a verdade. Não é obtida

mediante indagações inquisitivas alheias ao objeto processual, mas sim

condicionada em si mesma pelo respeito aos procedimentos e garantias da defesa.

É mais controlada quanto ao método de aquisição e mais reduzida quanto ao

conteúdo informativo que qualquer hipotética verdade real.272

Ademais, é construída por intermédio da estrutura dialética firmada entre as

partes em igualdade de condições, a qual, por seu turno, é garantida mediante

instrumentos assegurados constitucionalmente e que se enquadram no processo

penal acusatório. Se é assim, perde sentido valer-se o juiz do Princípio da Verdade

Real a fim de imiscuir-se do poder de produzir provas, assemelhando-se a figura do

juiz instrutor, incompatível com a atual sistemática processual brasileira.273

Nesse sentido, Danielle Souza de Andrade e Silva aduz que:

É certo que ao magistrado não cabe apenas julgar, mas julgar bem, apresentando uma decisão a mais próxima do justo, com isso se requerendo um bom embasamento jurídico e lastro probatório, todavia essa certeza há de ser adquirida nos limites da prova trazida nos autos, pois esse é o seu mundo. Como encontrar uma “verdade real” que não seja aquela revelada pelos autos e, pois, igualmente “formal”? Vê-se, portanto, que as expressões verdade formal e verdade real carregam inerente imprecisão.

274

Com isso, vislumbra-se que a verdade possível de ser alcançada, então, é a

processual. São os elementos probatórios acostados nos autos que serão levados

em consideração pelo juiz em sua sentença. A valoração e a motivação recairão

sobre tudo que se apurou nos autos do processo.275

271 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 524.

272 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 523.

273 SOUZA, Danielle Souza de Andrade e. A atuação do juiz no processo penal acusatório:

incongruências no sistema brasileiro em decorrência do modelo constitucional de 1988. p. 145. 274

SOUZA, Danielle Souza de Andrade e. A atuação do juiz no processo penal acusatório: incongruências no sistema brasileiro em decorrência do modelo constitucional de 1988. p. 124-125. 275

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 7.

70

Isso leva Geraldo Prado a afirmar “o Direito se apropria „politicamente‟ do

discurso sobre a „verdade real‟, mas o próprio Direito não está dotado de

instrumentos científicos para investigar a possibilidade de ser estabelecida uma

verdade real”276.

Nessa esteira, Marcos Alexandre Coelho Zilli afirma que “a obtenção da

„verdade plena‟ configura, pois, um mito que não se sustenta diante da realidade

imposta pela obediência aos métodos de acertamento regrados por um Estado de

Direito”277.

No mesmo sentido se manifesta Aury Lopes Jr.:

Aplicável aqui a célebre frase de Joseph Goebbels, ministro de propaganda nazista de Hitler: uma boa mentira, repetida centena de vezes, acaba se tornando uma verdade e, no caso do processo penal, uma verdade real ou substancial. Impressionante a crença nesse mito, ardilosamente construído pelo substancialismo inquisitório e, posteriormente, repetido por muitos incautos (e outros nem tanto).

278

Assim, a busca da verdade no processo penal brasileiro não pode mais ser

vista como um objetivo a ser buscado a qualquer custo, muito menos como uma

justificativa para as práticas invasivas e abusivas do juiz na atividade probatória das

partes, senão como um elemento contingente e até mesmo como um limite ao poder

decisório do juiz.279

276 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 141. 277

ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal. p. 114. 278

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 520-521. 279

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 533.

71

3.3 A LESGISLAÇÃO PROCESSUAL BRASILEIRA E OS PODERES

INSTRUTÓRIOS DO JUIZ: RESQUÍCIOS DO SISTEMA INQUISITÓRIO

3.3.1 A filtragem constitucional

Verificada a incongruência dos poderes instrutórios do juiz com o Sistema

Acusatório, adotado pela Constituição Federal de 1988, e desmistificado o mítico

Princípio da Verdade Real, há que se perquirir a razão da diuturna e sistemática

aplicação no foro brasileiro de diversos dispositivos processuais que conferem

ampla iniciativa probatória ao órgão jurisdicional.

De imediato, é possível afirmar que é por falta de uma filtragem constitucional

de tais dispositivos, posto que, em regra e lamentavelmente, o ordenamento jurídico

brasileiro tem sido interpretado de maneira invertida, conferindo-se maior valor às

normas infraconstitucionais do que às constitucionais.

Sendo assim, o operador do Direito que se depara com as regras processuais

penais da legislação ordinária e não se dá ao trabalho de realizar a imprescindível

filtragem constitucional, distinguindo as regras vigentes e válidas daquelas vigentes

e inválidas, terá mesmo a impressão de que o juiz é dotado de amplos poderes de

iniciativa probatória.

Entretanto, o operador do Direito, em especial o juiz, deve ter em mente que

as normas constitucionais, enquanto integrantes de um ordenamento jurídico

superior, se sobrepõe à legislação ordinária, de tal modo que os dispositivos que

não são se compatibilizam com ela devem ser considerados não recepcionados ou

revogados, como querem alguns.280

É oportuno recordar, então, que ao contrário do atual texto constitucional, o

Código de Processo Penal Brasileiro, assim como tantas outras Leis ordinárias, foi

editado com nítidas feições inquisitórias, permitindo, aliás, a iniciativa acusatória do

juiz, reservando a ele imensos poderes probatórios, inclusive como atividade

substitutiva da atuação do Ministério Público.281

280 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 52.

281 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 293.

72

Tanto é assim, que a própria Exposição de Motivos da legislação codificada,

quando trata do item VII, relativo às provas, prevê que “o juiz deixará de ser mero

expectador inerte da produção de provas. Sua intervenção na atividade processual

é permitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas

também para ordenar, de ofício, as provas que lhe parecem úteis ao esclarecimento

da verdade. Para a indagação desta, não estará sujeito a preclusões. Enquanto não

estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa, e houver uma fonte de

prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dubio pro reo ou o non

liquet”282.

Com efeito, Aury Lopes Jr. sustenta que:

[...] todos os dispositivos do CPP que sejam de natureza inquisitória são substancialmente inconstitucionais e devem ser rechaçados. Para tanto, recordemos que não apenas o Ministério Público é o agente exclusivo da acusação, garantindo a imparcialidade do juiz e submetendo sua atuação à previa invocação por meio da ação penal, mas, principalmente, que a carga probatória é inteiramente do acusador e que o juiz não deve ter qualquer tipo de ativismo probatório. A gestão da prova deve estar nas mãos das partes (mais especificamente, a carga probatória está inteiramente nas mãos do acusador), assegurando-se que o juiz não terá iniciativa probatória, mantendo-se assim supra-partes e preservando sua imparcialidade.

283 (com grifo no original)

A atuação do juiz penal, na sua transcendente tarefa de dar a cada um o que

é seu, vem disciplinada nas regras de Direito Processual, que é um dos ramos das

ciências jurídicas de mais íntimo e próximo contato com os preceitos constitucionais,

visto que regula o exercício da atividade jurisdicional. E como a jurisdição é atividade

específica de um dos órgãos da soberania nacional, isto é, do Poder Judiciário,

evidente esta que a atividade estatal, realizada no processo, não pode fugir da

constante aproximação com os textos constitucionais.284

Não obstante, Geraldo Prado assevera que:

A supressão ou redução dos poderes de investigação judicial esbarra, contudo, na cultura desenvolvida secularmente com base nos ordenamentos jurídicos de inspiração européia continental, acostumados, pela experiência haurida na ordem jurídica romano-canônica, à busca da verdade real, de sorte que a máxima acusatoriedade postulada pelo princípio em questão, na equação juiz penal versus prova, quase sempre é

282 BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Vade Mecum. p. 621.

283 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 176.

284 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. v. 1. p. 77.

73

bastante limitada. E é com inspiração nestes modelos que configuram um processo acusatório mitigado ou temperado pelo princípio da investigação judicial, segundo Manoel da Costa Andrade, que vem tomando corpo no Direito Brasileiro a tese da distinção entre o sistema acusatório de estrutura adversarial e outro, acusatório contemporâneo, que atribui poderes acusatório ao juiz.

285

No entanto, o doutrinador esclarece que:

[...] A artificial designação de sistema adversarial, para definir o sistema acusatório em que a inércia probatória do juiz é regra, para distingui-lo de outro sistema acusatório em que o juiz tem poderes instrutórios, só atende ao propósito de tentar prolongar a vida do Código de Processo Penal de 1941, de era autoritária, naquilo que é central, tal seja, a filosofia de que se trata de instrução da política de segurança pública do Estado e não de previsão das regras do devido processo legal, conforme a Constituição da República de 1988.

286

Por conseguinte, Eugênio Pacelli de Oliveira afirma que “a onda polialesca do

CPP produziu uma geração de juristas e aplicadores do Direito que, ainda hoje,

mostram alguma dificuldade em se desvencilhar das antigas amarras”287

3.3.2 As incongruências da legislação processual penal brasileira

Demonstrada a necessidade de se realizar a imprescindível filtragem

constitucional das normas infraconstitucionais, torna-se oportuno evidenciar que,

apesar de decorrida mais de uma década da vigência da Constituição Federal de

1988 e da consagração do Sistema Acusatório, ainda restam incólumes no

ordenamento jurídico pátrio diversos dispositivos que permitem a ampla atuação

judicial com vistas à gestão da prova, os quais, se submetidos ao filtro axiológico do

texto constitucional, merecem ser expurgados do foro brasileiro.

Por conseguinte, serão analisados a seguir alguns dos principais e mais

evidentes dispositivos da legislação que não se coadunam com a sistemática

285 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 139. 286

PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. p. 140. 287

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. p. 6.

74

processual brasileira por atribuir poderes instrutórios ao juiz, sem, contudo, qualquer

preocupação exaustiva, e de forma meramente enunciativa.

Com efeito, ocupa-se inicialmente da análise dos dispositivos do Código de

Processo Penal Brasileiro afetos à fase preprocessual.

Como observado, o juiz deve guardar o mais absoluto distanciamento dessa

fase do procedimento processual penal brasileiro, afastado que foi das atividades de

persecução penal pelo texto constitucional, por ocasião da adoção do Sistema

Acusatório.

Ademais, de acordo com a doutrina de Geraldo Prado:

Destaque-se que o juiz não produz provas na investigação criminal não só porque a preparação da ação penal, respeitada a máxima acusatoriedade, implica em afastamento do juiz da fase preparatória, mas também pelo fato de a presunção de inocência comportar, até o trânsito em julgado da condenação, uma postura de preservação pelo juiz de um papel de verdadeira imparcialidade.

288

Não obstante, a novel redação do inciso I do artigo 156 do Código de

Processo Penal Brasileiro, faculta ao juiz, de ofício, “ordenar, mesmo antes de

iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e

relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida”

289.

Como bem destaca Eugênio Pacelli de Oliveira, é “inconstitucional a mais não

poder a nova regra do art. 156, I, CPP”290.

E o pior, o dispositivo em comento não é resquício da época ditatorial e de

inspiração fascista em que foi editada a legislação processual codificada, mas, sim,

de uma cultura inquisitorial arraigada no Estado brasileiro, que até hoje leva

doutrinadores e, nesse caso em específico, legisladores, a tratarem o processo

penal pátrio como mero instrumento de aplicação da Lei penal e não como meio de

assegurar os direitos e garantias do acusador.

Nesse norte, o legislador da Lei 11.690/08, que alterou a redação original do

artigo 156 do Código de Processo Penal Brasileiro, incorre em grande erro ao

288 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais

penais. p. 135-136. 289

BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Vade Mecum. p. 634-635. 290

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 297.

75

manter em nosso ordenamento a figura do juiz-instrutor.291 Pois assim deve ser visto

um juiz que, ainda na fase processual, mesmo antes de iniciada a ação penal,

quando ainda nem lhe foi apresentada a pretensão acusatória pelo Ministério

Público, põe-se a ordenar a produção antecipada de provas que considerar por si

mesmo urgentes e relevantes, sob os frágeis argumentos da necessidade,

adequação e proporcionalidade da medida.

Nessa direção, Antônio Milton de Barros sustenta que:

[...] se "o art. 156 sempre foi um grande problema, especialmente para aqueles comprometidos com o sistema acusatório-constitucional, incrivelmente, ficou pior!" De fato, pela nova redação, o juiz não apenas mantém aquelas prerrogativas, como pode determinar, de ofício, a realização de provas consideradas urgentes e relevantes, observados os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, ou seja, discricionariamente.

292

Em igual sentido, Aury Lopes Jr. afirma que:

[...] como se percebe, além de caminhar em direção ao passado (juiz-instrutor), reforma pontual maquiou o problema, utilizando critérios vagos e imprecisos (necessidade e adequação pra quê e para quem?) e o manipulável princípio da proporcionalidade (que com certeza será utilizado a partir da falaciosa dicotomia entre o (sagrado...) interesse público e o (sempre sacrificável) direito individual do imputado.

293

Absolutamente indesejado e incongruente o poder instrutório judicial

outorgado pelo supracitado dispositivo, pois tal previsão, se mal conduzida, pode

levar o juiz ao perigoso campo da atuação investigatória, subvertendo-se, assim, o

sentido de um processo penal acusatório. 294

Além do mais, é cediço que o juiz ao determinar de ofício a produção

antecipada de provas “decide primeiro a partir da prova que ele constrói e, depois,

no golpe de cena que se transforma o processo, formaliza sua decisão”295.

291 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 124.

292 BARROS, Antônio Milton de. A reforma do CPP sobre provas: reafirmação do sistema

inquisitivo. 293

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 247. 294

BARROS, Antônio Milton de. A reforma do CPP sobre provas: reafirmação do sistema inquisitivo. 295

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 124.

76

Pelos mesmos motivos é incongruente também a redação do artigo 13, II,

primeira parte, do Código de Processo Penal Brasileiro, que determina que incumbe

à autoridade policial “realizar as diligências requisitadas pelo juiz”296.

Sobre tal dispositivo leciona Paulo Rangel:

Verifique o leitor que, em mais uma passagem, o legislador ordinário coloca o juiz durante a investigação policial onde ainda não há ação (provocação da jurisdição), permitindo que ele determine à autoridade policial diligências no curso do inquérito policial. Ora, claro nos parece que, se ainda não há o exercício pleno do direito de agir (cf. art. 2º do CPC), não deve haver intervenção do Estado-juiz. Assim, a regra em epígrafe não pode subsistir diante do sistema acusatório atual. A Constituição foi clara no art. 129, VIII, pois este inciso, em harmonia com o inciso I (privatividade da ação penal pública), dá bem a idéia do afastamento do juiz nesta fase. Portanto, o art. 13, II, do CPP não foi recepcionado pela Constituição Federal, que adotou o sistema acusatório.

297

Da mesma forma, não existe razão para assegurar ao juiz a requisição no

sentido da instauração de inquérito policial, conforme previsto no artigo 5º, II, do

Código de Processo Penal Brasileiro, pois não cabe a ele investigar. Bastaria ao

órgão jurisdicional, ao tomar conhecimento do fato criminoso, comunicá-lo ao

Ministério Público, tal como preconizado no artigo 40 da legislação codificada, para

que este, como titular da função acusatória tome as providências que entender

cabíveis.298

Assim defende Paulo Rangel, que, ademais, sustenta:

Se a imparcialidade é uma das características do sistema acusatório, colocando o juiz distante da persecução penal [...], não há dúvida de que a determinação de instauração do inquérito na hipótese em epígrafe não foi recepcionada pela Constituição Federal. Assim, se o juiz conhecer de fato(s) que, em tese, admite(m) a persecução penal in iudicium, cumpre o art. 40 do CPP, ou seja, remete ao Ministério Público para adoção de providências de seu mister.

299

296 BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Vade Mecum. p. 626.

297 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 57.

298 HAMILTON, Sérgio Demoro. A ortodoxia do sistema acusatório no processo penal brasileiro:

uma falácia. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/11001/10566>. Acesso em 24 abr. 2009. 299

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 56-57.

77

Caberia, então, ao Ministério Público requisitar a abertura do inquérito policial,

arquivar as peças de informação ou oferecer, desde logo, a denúncia, se for esse o

caso.300

Averbe-se que, por menor que seja, a intervenção do juiz na fase preliminar, e

seu consequente contato com o objeto da investigação, pode provocar no ânimo do

juiz uma série de pré-juízos e impressões acerca dos fatos, afetando sua

imparcialidade.301

Assim, as diretrizes do Sistema Acusatório exigem o completo afastamento do

juiz da fase preliminar de investigação, de tal modo que só encontra justificativa a

intervenção judicial nesta etapa do procedimento quando for necessária a prática de

atos jurisdicionais que tenham por fim assegurar direitos fundamentais não

relacionados, diretamente, com o fato em apuração, como é o caso, por exemplo,

das cautelares de natureza pessoal ou real.302

Nesse sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira assevera que:

O juiz não tutela e não deve tutelar a investigação. A rigor, a jurisdição criminal somente se inicia com a apreciação da peça acusatória (art. 395 e 396, CPP). No curso do inquérito policial ou de qualquer outra investigação a atuação da jurisdição não se justifica enquanto tutela dos respectivos procedimentos. O juiz, quando defere uma prisão cautelar, quando defere uma interceptação telefônica ou a quebra de uma inviolabilidade pessoal, não está, nesse momento, protegendo os interesses de uma investigação criminal. Na verdade, como garantidor que é das liberdades públicas, ele estará exercendo o controle constitucional das restrições às inviolabilidades, nos limites da Constituição da República e do devido processo legal.

303

Por conseguinte, Aury Lopes Jr. destaca que:

Tradicionalmente, no processo penal brasileiro, o juiz mantém-se afastado da investigação preliminar – como autêntico garantidor – limitando-se a exercer o controle formal da prisão em flagrante e a autorizar aquelas medidas restritivas de direitos (cautelares, busca e apreensão, intervenções telefônicas, etc.). O alheamento é uma importante garantia de imparcialidade, e apesar de existirem alguns dispositivos que permitem atuação de ofício, os juízes devem condicionar sua atuação à prévia invocação do MP, da própria polícia ou do sujeito passivo.

304

300 HAMILTON, Sérgio Demoro. A ortodoxia do sistema acusatório no processo penal brasileiro:

uma falácia. 301

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 126. 302

HAMILTON, Sérgio Demoro. A ortodoxia do sistema acusatório no processo penal brasileiro: uma falácia. 303

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 296-297. 304

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 247.

78

Nesse norte, Paulo Rangel afirma que “o juiz deve afastar-se da persecução

preparatória da ação penal e somente se manifestar quando for provocado para

decretar qualquer medida cautelar, seja real ou pessoal”305.

Se é assim, o que dizer da redação do artigo 311 do Código de Processo

Penal Brasileiro, que prevê que “em qualquer fase do inquérito policial ou da

instrução criminal, caberá prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício”306.

Há que se dizer que tal providência, sem dúvida alguma, “está vedada pelo sistema

acusatório”307.

Conclui-se, então, como oportunamente leciona Aury Lopes Jr., que:

A atuação do juiz na fase pré-processual (seja ela inquérito policial, investigação pelo MP, etc.) é e deve ser muito limitada. O perfil ideal do juiz não é como investigador ou instrutor, mas como controlador da legalidade e garantidor do respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo. É também a posição mais adequada aos princípios que orientam o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo penal.

308 (com

grifo no original)

Compreendido isso, ocupa-se agora da análise dos dispositivos do Código de

Processo Penal Brasileiro pertinentes à fase processual do procedimento penal

brasileiro.

Desse modo, retorna-se à análise da novel redação do artigo 156 do Código

de Processo Penal, contudo, nesse momento, voltada ao disposto em seu inciso II.

De acordo com o referido dispositivo é facultado também ao juiz, de ofício,

“determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de

diligências para dirimir ponto relevante”309.

Como se vê, esse é mais um dispositivo em que se confere ao juiz penal

poderes de iniciativa probatória, alçando-o à condição de juiz-instrutor.

Nesse norte se manifesta Sérgio Demoro Hamilton:

A simples leitura do art. 156, in fine, do CPP está a demonstrar que o juiz penal detém amplos (amplos, não, imensos!) poderes investigatórios na fase judicial. Tal afirmação encontra sua razão de ser em face do princípio da verdade real, que se pretende intocável no campo do processo penal. Aliás, a parte final do aludido dispositivo da lei processual torna a

305 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 91.

306 BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Vade Mecum. p. 644.

307 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 60.

308 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 75.

309 BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Vade Mecum. p. 634-635.

79

primeira, não de todo inútil, mas de valor relativo, quebrando, queiram ou não, a imparcialidade do juiz e a ortodoxia acusatória. Averbe-se que não se trata de mera faculdade do juiz a busca de provas. O “poderá”, ali inscrito, por força do princípio da verdade real, tem sido interpretado como um dever do juiz suprir a omissão da parte em matéria probatória, mesmo que se trate de prova da acusação. [...]

310

Quer se veja como mera faculdade, quer se veja como dever jurídico do juiz,

é notória que a providência judicial de ofício que determina a busca de provas

afronta o Sistema Acusatório, pois, de uma forma ou de outra, o julgador deixaria

sua posição de órgão suprapartes, praticando atividade de competência daquelas,

comprometendo, a partir daí, a sua imparcialidade.311

Assim entende Paulo Rangel, afirmando que “o art. 156 coloca o juiz no papel

de investigador, descendo de seu lugar supra partes (distante do interesse das

partes), para procurar aquilo que acha que é a verdade, ou que ele quer que seja a

verdade. Trata-se do juiz inquisidor”312.

Como bem destaca Aury Lopes Jr.:

O art. 156 sempre foi um grande problema, especialmente para aqueles comprometidos com o sistema acusatório-constitucional. Incrivelmente, com a reforma pontual operada pela Lei 11.690/2008, ficou ainda pior. É insuficiente pensar que o sistema acusatório se funda a partir da separação inicial das atividades de acusar e julgar. Isso é um reducionismo que desconsidera a complexa fenomenologia do processo penal. De nada basta uma separação inicial, com o Ministério Público formulando a acusação, se depois, ao longo do procedimento, permitirmos que o juiz assuma uma papel ativo na busca da prova ou mesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora. Nesse contexto, o art. 156 do CPP funda um sistema inquisitório, pois representa uma quebra da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador. Está desenhado um processo inquisitório.

313 (com grifo no original)

Por conseguinte, conforme doutrina Eugênio Pacelli de Oliveira ao tratar do

aludido dispositivo:

[...] o sistema acusatório imposto pela Constituição Federal de 1988, no qual foram delineados as funções do juiz e as atribuições do Ministério Público,

310 HAMILTON, Sérgio Demoro. A ortodoxia do sistema acusatório no processo penal brasileiro:

uma falácia. 311

HAMILTON, Sérgio Demoro. A ortodoxia do sistema acusatório no processo penal brasileiro: uma falácia. 312

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 10. 313

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. p. 125.

80

deverá funcionar como um redutor e/ou controlador da aplicação do mencionado dispositivo, em face da imparcialidade que deve nortear a atuação judicial.

314

O mesmo se aplica a diversos outros dispositivos espalhados pela norma

processual penal básica, tal como o artigo 241, que permite ao juiz realizar

pessoalmente a busca domiciliar, independentemente de mandado.

Com efeito, Paulo Rangel afirma que:

O dispositivo legal acima permitia ao juiz (e/ou à autoridade policial) realizar, pessoalmente, busca domiciliar, dispensando para tal a prévia expedição de mandado, pois era ele mesmo quem tinha a legitimidade para expedir ordem judicial e não faria sentido expedir ordem para ele mesmo. Porém, hoje, diante do sistema acusatório adotado entre nós, não é mais lícito ao juiz realizar busca e apreensão na fase do inquérito e muito menos do processo, devendo manter sua imparcialidade como órgão distinto do que acusa e se colocar supra partes. Trata-se de herança do sistema inquisitivo, em que o juiz chamava para si a função de persecutória e realizava diligências investigatórias para depois promover a ação penal.

315

Em igual sentido dispõem tantos outros dispositivos do Código de Processo

Penal Brasileiro, a exemplo do artigo 168, que permite ao juiz determinar de ofício a

realização de exame complementar, quando, se tratando de lesões corporais, o

primeiro exame tiver sido incompleto; artigo 196, que faculta ao juiz, a qualquer

tempo, proceder de ofício a novo interrogatório do réu; artigo 209, que atribui ao juiz

o poder de, quando julgar necessário, ouvir outras testemunhas, além das indicadas

pelas partes; artigo 234, que determina ao juiz que, quando tiver conhecimento de

documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, deverá

providenciar sua juntada aos autos, independente de requerimento das partes; e,

artigo 242, que prevê a possibilidade de o juiz, de ofício, determinar a realização de

busca domiciliar.

A situação não é diferente na seara da legislação esparsa, como é o caso, por

exemplo, do artigo 3º da Lei nº 9.034/95, que dispõe sobre a utilização de meios

operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações

criminosas.

314 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 297.

315 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 60.

81

Prevê tal dispositivo que, nos casos que menciona, “ocorrendo possibilidade

de violação do sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será

realizada pessoalmente pelo juiz, adotando o mais rigoroso segredo de justiça”316.

Como se vê, ao prever tal providência, que pode ser determinada ainda na

fase preprocessual, situa o juiz em posição investigatória, ferindo sua indispensável

imparcialidade e violando, de forma inconteste, a Constituição Federal de 1988,

posto que consagra atos típicos do sistema inquisitivo.317

Paulo Rangel corrobora esse entendimento:

Assim, entendemos que a atuação do juiz, na Lei nº 9.034/95, afronta o sistema acusatório, pilar de um Estado Democrático de Direito, onde a figura do juiz deve estar distante e separada das partes, resguardando, ao máximo, a sua imparcialidade. [...]

318

Na mesma direção segue a Lei nº 9.296, que trata da interceptação telefônica,

ao dispor, em seu artigo 3º, que “a interceptação das comunicações telefônicas

poderá ser determinada pelo juiz, de ofício”319.

Como se vê, são muitas as incongruências da legislação processual brasileira

com o Sistema Acusatório adotado pela Constituição Federal de 1988, as quais,

consoante demonstrado, devem ser expurgadas do ordenamento jurídico pátrio para

que se possa efetivamente ter um processo penal realmente acusatório, pois como

oportunamente destaca Eugênio Pacelli de Oliveira:

[...] A atual configuração do processo penal brasileiro não deve guardar mais qualquer identidade com semelhante postura inquisitorial, impondo-se o redirecionamento de vários dispositivos ligados a produção da prova, sobretudo no que respeita à iniciativa probatória do juiz. Essa, e aqui já o afirmamos, não deve constituir-se em atividade supletiva dos deveres ou ônus processuais atribuídos ao órgão da acusação.

320

Caso contrário, a vigência de um Estado Democrático de Direito continuará a

ser apenas virtual, continuando-se a aplicar todo e qualquer dispositivo constante na

316 BRASIL. Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995. Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.

1500. 317

HAMILTON, Sérgio Demoro. A ortodoxia do sistema acusatório no processo penal brasileiro: uma falácia. 318

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 55. 319

BRASIL. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Vade Mecum. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1531. 320

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. p. 294-295.

82

legislação ordinária, sem a menor indagação acerca de sua obediência ao texto

constitucional e ao sistema processual penal por ele adotado.

83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em caráter conclusivo, pode-se afirmar que a principal implicação do Sistema

Acusatório na gestão da prova no processo penal brasileiro é o afastamento do juiz

das atividades probatórias, que devem ser realizadas privativamente pelo órgão

acusador, o Ministério Público.

No entanto, vê-se que apesar de comprovada a adoção do modelo acusatório

pela Constituição Federal de 1988, o procedimento penal brasileiro ainda não pode

ser considerado puramente acusatório. Há ainda que se desprender dos resquícios

inquisitoriais sobreviventes de uma época em que o processo penal era mero

instrumento de aplicação da Lei penal, não se dando qualquer valor para os direitos

individuais do acusado, de modo que o magistrado, buscando comprovar a culpa do

réu, diligenciava, inclusive pessoalmente, na busca desse objetivo.

Grande parte disso passa pela mudança de pensamento da tantos

doutrinadores e operadores do Direito que ainda insistem em defender a

compatibilidade dos poderes instrutórios do juiz com a sistemática processual

brasileira, sob o incipiente argumento de que não pode ele se ver refém da atuação

das partes, razão pela qual deve diligenciar em busca da “verdade real”. Nada mais

mitológico e falacioso. Em um processo penal que se diz democrático não cabe mais

ao juiz qualquer atividade probatória, pois deve ele resguardar sua posição de

julgador inerte e imparcial, atuando acima do interesse das partes, em respeito à

estrutura dialética do processo penal acusatório.

Feito isso, bastaria então a edição de normas procedimentais que se

coadunem com a realidade processual penal brasileira, extinguindo-se qualquer

vestígio inquisitório do ordenamento jurídico pátrio, outorgando a cada um dos

sujeitos processuais atribuições compatíveis com as funções que lhes foram

conferidas pelo Sistema Acusatório.

Ademais, há que se reconhecer a verdadeira posição ocupada pelo Ministério

Público no processo penal brasileiro, com todos os seus ônus e faculdades, de

modo que ele possa realmente exercer o papel que lhe foi reservado no Estado

Democrático de Direito.

84

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