A Explicação Judaica Para o Texto de Bereshit

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Eu como professor de Escola Bíblica Dominical gostaria de propor um estudo para o texto de Gênesis sobre Adão. Este relato da criação nos ensina muitas coisas bem relevantes que eu gostaria de compartilhar com você meu irmão. Mas antes precisamos entender alguns detalhes desta narrativa. A palavra Adão, do hebraico Adam, por exemplo, não é um nome próprio como afirmam muitas pessoas, mas um substantivo comum. O significado de ADAM é “homem”. E tem ligação com a palavra A dama , que significa “terra”, sendo traduzido por “homem criado a partir da terra”. E os relatos que citam este substantivo não se referem apenas há um indivíduo. Também Eva : Significa "a que vive", "a vivente", "a que tem vida", ou "cheia de vida". Assim, quando Deus “construiu” Eva, Ele trouxe “vida” Chava para a “humanidade” Adam. Se isto parece confuso, talvez fique ainda mais se questionarmos: Mas Adão não tinha vida antes de Eva? Naturalmente que sim! Logo, a “vida” que Eva trouxe para a terra criada por Deus, seria para sua descendência. Adão que foi criado antes de Eva não foi concebido por uma “Mulher para ter vida”, mas foi feito da vontade e das mãos do próprio Deus. No texto da Torá “livro sagrado judaico que corresponde ao Pentateuco da bíblia cristã”, Adão busca encontrar uma ajudadora, alguém que lhe sirva de parceira. Deus lhe apresenta assim os animais que criara e Adão dá nomes a todos. Entretanto, segundo Gênesis 2:20, “para o homem não se achou ajudadora idônea”. O texto aberto sugere que Adão procurou entre os animais uma parceira, mas sua busca foi infrutífera e sem sucesso. Isso é evidente, Deus naturalmente sabia disso. Dessa forma, nosso relato deve estar querendo dizer algo mais. Você deve lembrar que ao criar Adão, Deus soprou- lhe nas narinas o fôlego de vida, Gênesis 2:7. Será que Deus fez o mesmo ao criar os outros animais? A resposta é naturalmente NÃO. Isso por si só já coloca o homem, a humanidade ”Adam”, num patamar mais elevado do que seus

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Eu como professor de Escola Bíblica Dominical gostaria de propor um estudo para o texto de Gênesis sobre Adão. Este relato da criação nos ensina muitas coisas bem relevantes que eu gostaria de compartilhar com você meu irmão. Mas antes precisamos entender alguns detalhes desta narrativa. A palavra Adão, do hebraico Adam, por exemplo, não é um nome próprio como afirmam muitas pessoas, mas um substantivo comum. O significado de ADAM é “homem”. E tem ligação com a palavra Adama, que significa “terra”, sendo traduzido por “homem criado a partir da terra”. E os relatos que citam este substantivo não se referem apenas há um indivíduo. Também Eva: Significa "a que vive", "a vivente", "a que tem vida", ou "cheia de vida". Assim, quando Deus “construiu” Eva, Ele trouxe “vida” Chava para a “humanidade” Adam. Se isto parece confuso, talvez fique ainda mais se questionarmos: Mas Adão não tinha vida antes de Eva? Naturalmente que sim! Logo, a “vida” que Eva trouxe para a terra criada por Deus, seria para sua descendência. Adão que foi criado antes de Eva não foi concebido por uma “Mulher para ter vida”, mas foi feito da vontade e das mãos do próprio Deus.

No texto da Torá “livro sagrado judaico que corresponde ao Pentateuco da bíblia cristã”, Adão busca encontrar uma ajudadora, alguém que lhe sirva de parceira. Deus lhe apresenta assim os animais que criara e Adão dá nomes a todos. Entretanto, segundo Gênesis 2:20, “para o homem não se achou ajudadora idônea”. O texto aberto sugere que Adão procurou entre os animais uma parceira, mas sua busca foi infrutífera e sem sucesso. Isso é evidente, Deus naturalmente sabia disso. Dessa forma, nosso relato deve estar querendo dizer algo mais.

Você deve lembrar que ao criar Adão, Deus soprou-lhe nas narinas o fôlego de vida, Gênesis 2:7. Será que Deus fez o mesmo ao criar os outros animais? A resposta é naturalmente NÃO. Isso por si só já coloca o homem, a humanidade ”Adam”, num patamar mais elevado do que seus pares do reino animal. É de se estranhar, no entanto, que Deus tenha criado todos os outros seres como casais, macho e fêmea, e só com o “homem” isso tenha sido diferente! Bem, talvez tenha sido diferente aqui neste segundo relato sobre a criação do “homem”, mas certamente não o foi no primeiro relato, Gênesis 1:26-28, em que vemos Deus criando o ser humano, macho e fêmea (ou seja, esse primeiro relato se refere à criação da Humanidade). Aliás, é importante observar que no primeiro relato o homem é “criado”. E o verbo hebraico para criar, bará, implica criação a partir do nada. Já no segundo, o homem é “moldado”; e o verbo usado aqui vem da raiz yatsar, que implica em transformação de algo já existente, no caso a terra e todos os seus elementos. No primeiro relato, o ser humano primitivo é “criado” na forma densa, na crueza da matéria, no sentido exato da palavra, no segundo, ele é “formado”, o que denota sutileza, avanço psíquico e espiritual, evolução intelectual, uma evolução na capacidade de pensar e raciocinar. Logo, o texto da Torá (Pentateuco) está afirmando claramente que o homem era perfeito em todos os aspectos e sua inteligência acima de todas.

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Adão e Eva realmente estavam nus? A tradição judaica ensina que a Torá emprega várias técnicas para “codificar” o texto com o fim de transmitir outros “níveis” da mesma verdade. Uma dessas técnicas é a da “palavra-chave”. Quando a narrativa usa uma determinada palavra, frase ou ideia de forma insistente, repetitiva até, isso é uma indicação de que aquela palavra é a chave para a “decodificação”.

Vemos que a palavra “nua”, ou a ideia de “nudez” se repete algumas vezes. A nudez aparece no início, pouco antes da serpente falar com Eva: “E eis que estavam nus…e não se envergonhavam”. Aparece de novo no final quando D-us faz roupas para Adão e Eva para esconder sua nudez.

Pense por um instante. A quem foi dada a ordem de não comer daquele fruto: ao homem apenas, para a mulher ou a ambos? Quem de acordo com o texto se escondeu após ter comido o fruto: só o homem, só a mulher ou ambos? A ordem foi dada apenas a Adão. Eva nem sequer havia sido “construída” ( Gênesis 2:15-17). E após comer do fruto, ambos se escondem de D-us (Gênesis 3:8). Mas curiosamente o texto hebraico usa o verbo hitchabe’ [escondeu-se] no singular, em vez de hitchab’u [esconderam-se], o que seria o normal em se tratando de duas pessoas. Temos que lembrar sempre que esse texto é uma alegoria. Então quem se escondeu foi Adam (a humanidade), por isso que este verbo está no singular.

Curiosamente, Adão não diz que estava envergonhado pelo que fez, isto é, pela desobediência e pelo fato de ter comido do fruto proibido. “Ouvi sua voz no jardim e temi porque estava nu e me escondi” Bereshit(Gênesis 3:10). De alguma forma, a consciência de que estava nu era tão profunda em Adão, tão perturbadora, que até mesmo obscureceu seu sentimento de vergonha pelo fato de ter desobedecido a ordem de seu Criador. Sua principal preocupação era o fato de estar nu. Por que a nudez é tão importante e essa percepção de nudez é a conseqüência natural de comer do fruto da árvore do conhecimento? E por que ela é tão perturbadora ao ponto de ser a única justificativa oferecida pelo homem ao fato de ter se escondido do seu Criador?

Nós devemos entender que surpreendentemente nós ainda não vimos o desfecho da condição de nudez nesse relato. A “nudez” aparece mais uma vez em nossa narrativa, só que desta vez ela vem “oculta” para os leitores da Bíblia em seus próprios idiomas. Assim, há alguém mais no jardim que também está “nu”. Veja essas passagens de Bereshit no original em hebraico (forma transliterada):

Va-yihiu shneihem ARUMim, ha-adam ve-ishto, ve-lo yitboshashu. (E estavam ambos nus, o homem e sua mulher e não se enveronhavam.) Ve-ha-nachash hayah ARUM mikol chayat ha-sadeh… (E a serpente era o mais astuto de todos os animais do campo…) – Gênesis 2:25 e 3:1

Note as palavras em destaque. É interessante que um verso siga imediatamente após o outro e tenham ambos uma palavra de uma raiz comum: ARUM. Esta palavra hebraica pode significar tanto “astuto” quanto “nu”. Adão e Eva são chamados de “arumim” (plural de arum), isto é, “nus”. A serpente é chamada de arum, isto é, astuta. Mas, num espectro mais amplo de sentido e significado, a serpente também estaria “nua”, se aceitarmos o sentido da raiz da nossa palavra-chave, arum. No sentido óbvio do texto, a Torá nos informa que a serpente era “astuta”, enganosa, perspicaz; este é certamente o sentido evidente (pshat) da passagem.

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Vamos interpor os dois sentidos: nu e astuto. Vemos que eles são opostos um ao outro. Quando alguém está “nu”, não há como ou do que se esconder. O íntimo do ser está exposto, para que todos vejam. Entretanto, quando se é “astuto”, age-se maliciosa e falsamente; encobrem-se as verdadeiras intenções por trás de uma “fachada”, uma “máscara”. Será que a Sagrada Torá estaria sugerindo que a serpente era “astuta” mas que, de alguma forma, ela também estava “nua”?

Se nos atermos ao mero sentido literal do texto poderemos facilmente verificar que a serpente é um ser biologicamente “nu”, pois como réptil, ela não possui uma cobertura de pelos para cobri-la como ocorre com os mamíferos. O que será que a Torá quer dizer quando afirma que a serpente era “astuta”, mas que num sentido mais amplo estava ela também “nua”? Isso significaria que a serpente possuía as duas qualidades: ela era ao mesmo tempo simples, ingênua, pura, mas também podia agir com astúcia e sagacidade. Vê-la com essas qualidades só dependeria do ponto de vista do leitor.

Entretanto serpentes não falam, não andam e tampouco são inteligentes ou tão astutas assim. O texto da Torá deve estar dizendo alguma outra coisa. Já sabemos que Adam significa Humanidade, que Chava significa Vida (nossas emoções), portanto a serpente, que é um animal, representa o nosso lado irracional. E o que o nosso relato bíblico indica aqui é que o nosso lado irracional, animal (serpente), tenta dominar o outro lado (Chava=emoções) podendo prejudicar a nossa racionalidade representada pelo homem (Adam=humanidade). Imaginarmos que todo o relato da Torá é real (serpente que fala…mulher que é feita da costela…homem que foi feito do pó) leva o ser humano a cair num mundo de fantasias ofuscando assim o real ensinamento que a Torá pretende nos dar, pois nossas paixões (o lado animal e o emotivo) devem sempre ser dominados pela razão.