A Dupla Moral Brasileira 2
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Disponvel em: http://eumat.vilabol.uol.com.br/duplamoral.htm
Duas pesquisas de mbito nacional feitas pelo Ibope no fim de 1992 e incio de1993 reistraram que !"# dos entrevistados consideravam que$ no %rasil$ quandouma pessoa tem a oportunidade de conseuir uma vantaem fa&endo alo errado$e sabe ter poucas chances de ser descoberta$ ela ae ilealmente. ' mais:
!(# acreditavam que o povo brasileiro ) um povo desonesto *1# disseram que se os supermercados n+o viiassem as prateleiras
sofreriam muito mais roubos do que ho,e 93# afirmaram que a maioria dos brasileiros tenta dar uma -caiinha para
se livrar de multa *2# consideraram que a maioria das leis n+o ) obedecida *!# acharam que eistem certas pessoas que$ mesmo que fa0am coisas
erradas$ nunca ser+o punidas pela ,usti0a *# acreditavam que as leis s eistem para os pobres e que a usti0a
brasileira n+o trata os pobres e os ricos da mesma maneira (9# estavam convencidas de que os advoados n+o s+o pessoas
honestas!"# di&iam o mesmo dos policiais!3# afirmaram que a maioriados uardas rodovi4rios deia de multar quando recebe uma boa -caiinha
!"# disseram o mesmo dos fiscais5 mas 6*# dos entrevistados responderam que devem cumprir a lei
independentemente de sua opini+o sobre ela.
De certa forma$ d+o ra&+o 7 conhecida anedota sobre o %rasil: Deus$ depois dehaver presenteado o pas com uma enerosa eorafia em que abundam recursosnaturais$ colocou como contrapeso um -povinho ruim. 8li4s$ num artio intituladosuestivamente -or que um povo etraordin4rio s produ& polticos ordin4rios$ ofamoso escritor o+o ;baldo
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crian)a ao lado, o motorista, tpico homem do povo, " obrigado a parar por causado guarda, n%o resiste e, na hora em 'ue a velha est na frente do 5nibus, d umaacelerada em ponto morto, somente para avivar um pouco o ambiente e ver se osistema cardiovascular da conterr6nea est funcionando bem No restaurante, !gar)om, tpico homem do povo, calcula 'ue sete vezes cinco s%o /7 e, 'uando ocontestamos, somos obrigados a adotar um discurso elitista, em 'ue o fato de
sabermos aritm"tica elementar avulta como mais um smbolo de privil"gio eopress%o4
Depois deste inquietante retrato$ ve,amos em que consiste a moral daintegridade ?rata@se do sistema de normas morais que corresponde aoimain4rio oficial brasileiro e confiura o comportamento considerado decente evirtuoso. 'ssa moral ) ensinada nas escolas e nas ire,as$ serve de pauta aostribunais e 7 mdia mais respons4vel. 'numera as qualidades que moldam as
-pessoas de bem ou distinuem aquelas que possuem -retid+o de car4ter. Aschamados rioristas a praticam @ aentes escrupulosos e severos no cumprimentodas normas morais$ s)rios e dinos de confian0a.
A moral da integridade:1@ 'striba@se nos seuintes valores: honestidade$ lealdade$ idoneidade$ decoro$lisura no trato da coisa pBblica$ fidelidade 7 palavra empenhada$cumprimento das obria0Ces$ obedincia aos costumes vientes$ respeito 7verdade e 7 lealidade$ amor ao primo
2@ Earacteri&a a pessoa confi4vel3@ Demarca o que fa& de alu)m um su,eito dino de cr)dito"@ Fubordina os interesses individuais ao bem comum(@ 'naltece a probidade como imperativo caterico!@ G+o tolera a desonestidade$ o enodo$ a fraude$ o blefe$ a manipula0+o da
inocncia dos outros
'm conseqHncia$ molda@se no cadinho da )tica da convic0+o$ vertente de princpio. uma moral do dever: -Ja0o alo porque ) um mandamento.
' o que vem a ser a seunda moral brasileira @ a moral do oportunismo8 Asistema de normas morais que corresponde ao imain4rio oficioso brasileiro e queconfiura o comportamento dito esperto:
1@ Eonsiste em que o aente individual se saia bem$ ainda que em detrimentodos interesses dos outros
2@ Jloresce na sombra da malcia3@ Gutre@se de franca hipocrisia$ pois$ em pBblico$ todos simulam aderir 7
moral da interidade"@ ratica@se de modo informal$ ra0as 7 complacncia$ ao respaldo ou 7
cumplicidade dos mais ntimos @ scios$ parentes$ compadres$ amios$coleas$ vi&inhos$ comparsas. Eorresponde ao triunfo da convenincia sobreos princpios ou sobre a responsabilidade social
Fuas formas de air transridem as normas morais oficiais e s+o consideradasimorais do ponto de vista da moral oficial. Kas nem por isso perturbam asconscincias daqueles que as adotam. 8o contr4rio:
1@ Desnudam uma face interesseira no burburinho das patotas$ das turmas$das ire,inhas$ dos cl+s familiares
2@ 'pCem a compuls+o em -levar vantaem em tudo como uma esp)cie devoca0+o
3@ ?radu&em uma vis+o trapaceira e parasit4ria do mundo que$ ao fim e aocabo$ manipula os outros em proveito prprio
"@ 'pressam de alum modo a cl4ssica ruptura$ t+o amplamente detectadaem estudos antropolicos$ entre o espa0o pBblico @ em que supostamente
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primam normas universais e com as quais se mantm posturascomplacentes =a rua> @ e o espa0o privado @ em que reinam a fidelidade e asrela0Ces pessoais =a casa>
(@
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"@ Eelebram o eotismo aproveitador(@ Eonsaram o lema do -cada um por si!@ Eultivam a histeria do -salve@se quem puder6@ Eonsideram que tais estipula0Ces se ,ustificam desde que o propsito se,a
alcan0ado$ n+o importa a licitude ou a leitimidade dos meios
8ssim$ no %rasil: oucos perdem a oportunidade de beneficiar um amio ou uma amia numa
sele0+o entre candidatos por um posto de trabalho oucos deiam de sonear impostos$ se puderem oucos acusam espontaneamente os defeitos de um carro ou de uma casa
que colocam 7 venda
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Ga vida pr4tica$ h4 inBmeras orani&a0Ces =empresariais ou n+o> que concebem asnormas morais como se fossem prescri0Ces$ preceitos ou domas. 'ntretanto$costumam tomar muitas decisCes orientadas pela )tica da responsabilidade. 8olono dos tempos$ a Ire,a Eatlica tornou@se um eemplo acabado disso @ bastalembrar que apoiou uerras santas e uerras ,ustas$ a despeito do mandamento
-n+o matar4s. ?al flutua0+o entre as duas )ticas$ ali4s$ ) bastante corrente entre
as orani&a0Ces$ o que indica certa inconsistncia terica$ principalmente se osdiferentes processos de tomada de decis+o desembocarem em solu0Ces que$embora altrustas$ se,am contraditrias.
8ora$ ao passar para as morais eclusivistas$ de car4ter particularista ou eosta$pode@se di&er$ sem marem de dBvida$ que se locali&am numa -terra de ninu)mcaracteri&ada pela marinalidade )tica. A salto no escuro corresponde 7quilo quepoderamos chamar de ruptura "tica, na ,usta medida em que triunfa a leitura dasconvenincias pessoais$ paroquiais ou corporativas$ em detrimento de interessesmais amplos.
Gos pases latinos que cultivam uma dupla moral$ os aentes sociais ficam epostos
aos foos cru&ados de dois discursos de ,ustifica0+o que se ecluem mutuamente$embora convivam em estranho conluio. Go caso do %rasil$ a moral da interidadequalifica as orienta0Ces da moral do oportunismo como imorais$ porquetransridem as normas que reulam a conduta dos -homens de bem. or sua ve&$a moral do oportunismo considera tais normas como inocncias inescus4veis. ?rata@se$ pois$ de situa0+o intrincada para quem navea nessas 4uas tormentosas.
ara os estranhos 7 cultura brasileira$ a duplicidade tem muito de incompreensvel$deiando@os perpleos. Talendo@nos de eemplo ,4 citado$ como eplicar a umnorte@americano que o dlar paralelo ) blac?, dlar -por fora$ divisa sem oriemdeclarada$ operando 7 marem do dlar comercial e do dlar turismo Eomo lhefa&er entender que tanto serve para entesouramento ilcito como para remessas
ileais se$ ao mesmo tempo$ suas cota0Ces s+o divuladas pelos maiores ,ornais epelas maiores emissoras de televis+o $ sem dBvida$ alo inacredit4vel$ quando sesabe que ninu)m alardeia aos quatro ventos que quem compra dlares no paraleloremete recursos por cabo e mant)m uma conta@corrente no eterior que n+oconsta de sua declara0+o do imposto de renda...
'nquanto a moral do oportunismo ) froua e inopinada$ a moral da interidade )rida e condi& com as epectativas pBblicas. Muando comparados$ os elementosconstitutivos das duas morais formam mBltiplas antinomias:
h4 os aentes que tm -duas caras e os que tm -uma cara s h4 os que se dedicam a infidelidades rasteiras e os que praticam o recato h4 os que usam subterfBios e os que obedecem 7s reras estipuladas
h4 os que esrimam o vale@tudo e dissimulam os abusos interesseiros$ e osque mantm a compostura nas condutas e o rior nos procedimentos
?rava@se uma uerra entre o reino do fa&@de@conta$ dos artifcios e das estripulias=espa0o profano dos pecadores> e o reino da idoneidade$ da disciplina ritual e dasformalidades ordeiras =espa0o sarado dos virtuosos>: ao inv)s dos blefes$ fa&@seum ,oo limpo5 ao inv)s de meias@verdades e da dissimula0+o$ ae@se em boa f) ecultiva@se a confiabilidade. Eonfrontam@se$ assim$ v4rias pr4ticas: a sordide& dasmanipula0Ces e a for0a dos compromissos5 a vida de epedientes e a dilinciaincans4vel5 a voracidade dos apetites e a conten0+o das vontades5 a avide& quedevora e o senso do dever.8cima das convenincias paroquiais$ que os oportunistas esrimam$ imperasolenemente o respeito pelos outros que os nteros celebram.As efeitos da moral do oportunismo apontam para uma situa0+o em que todosdesconfiam de todos o tempo todo:
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Nestores -ficam de olho nos subordinados no seio das empresas Eoncorrentes se estranham por dever de ofcio Elientes -n+o se deiam levar pelos fornecedores 8utoridades overnamentais viiam as empresas$ conceituadas como
potencialmente trapaceiras 8s empresas vem aquelas como farsantes e abusivas
Kas n+o s isso. airam amea0as de todo lado$ vindas at) daqueles de quem n+ose deveria duvidar$ dos que desfrutam de irrestrita confian0a e dos que partilhamos seredos da intimidade =amios$ parentes$ compadres$ cLn,ues e filhos>. Ara$ )possvel viver acuado com tantas suspeitas rondando Eomo seurar este mundoque desaba quando o impossvel acontece or eemplo$ quando:
o amio rouba a namorada do amio do peito o filho perde uma fortuna no ,oo e falsifica os cheques do pai o parente d4 um desfalque na empresa familiar o compadre enravida a filha do compadre o colea mais cheado se apropria de um pro,eto que representa o
investimento de uma vida o marido trai a mulher com a cunhada...
Eomo deiar de ficar atordoado quando se ) -passado para tr4s$ iludido$enanado$ atrai0oado Eomo n+o ficar em pnico quando se verifica que nemmesmo a -interidade particularista ou o respeito sarado pelos mais ntimosconstituem portos seuros
'mbora muitos pratiquem a moral do oportunismo$ h4 tamb)m um anseioenerali&ado por aluns nichos de dinidade$ alumas ilhas de honrade& em queuns possam confiar nos outros$ sem precisar o tempo todo estar alerta$ 7 espreita$adivinhando seundas inten0Ces$ desvelando duplicidades e precavendo@se contraciladas$ tramias e maquina0Ces.
'iste uma aspira0+o por um ambiente asseado$ ass)ptico$ livre de tantasmalvade&as urdidas nas sombras. U4 um horror pelo deboche que os oportunistasfa&em dos nteros$ num padr+o que ,4 foi temido h4 muitas d)cadas por
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Kas$ quando vm a lume as mil falcatruas que a moral do oportunismo estimula e,ustifica$ quando espocam escndalos @ como a denBncia de fiscais que etorquemcomerciantes$ de vereadores que utili&am funcion4rios paos pelo er4rio paraatividades dom)sticas$ de administradores pBblicos que aem movidos porpropinas$ de altos funcion4rios overnamentais que usam informa0Ces
privileiadas$ de ,u&es venais que mantm uma tabela para ,ular certosprocessos$ de empres4rios que armam conluios para vencer licita0Ces pBblicas$ defornecedores que fraudam a qualidade ou o volume dos produtos entreues$ delaboratrios que falsificam rem)dios @$ a rita ) eral$ a mdia fica alvoro0ada$ ospromotores aitam dedos em riste$ as polcias entram em alerta$ as comissCesparlamentaras de inqu)rito deiam de hibernar sob o calor dos holofotes$ a opini+opBblica procura culpados e torce o nari& de tanto asco. 'squi&ofrenia G+o. 8 todomundo parece intoler4vel que se estabele0am vasos comunicantes entre aquilo quemedra no escuro dos porCes e o que se pode epor 7 lu& do dia. 'quivale a mostrareviscerar o boi que ser4 loo servido...