A (DES)CENTRALIZAÇÃO POLÍTICO INSTITUCIONAL DO … · de organização autônoma das...

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A (DES)CENTRALIZAÇÃO POLÍTICO INSTITUCIONAL DO ESTADO FEDERAL AUTOR: NÉDIO DARI VA PIRES DE LIMA Dissertação apresentada Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração instituições Jurídico-políticas. ORIENTADOR: PROF. DR. ANTÔNIO CARLOS WOLKMER Florianópolis 2001

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  • A (DES)CENTRALIZAO POLTICO INSTITUCIONAL DO ESTADO FEDERAL

    AUTOR: NDIO DARI VA PIRES DE LIMA

    Dissertao apresentada Curso de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Direito, rea de concentrao instituies Jurdico-polticas.

    ORIENTADOR: PROF. DR. ANTNIO CARLOS WOLKMER

    Florianpolis2001

  • A Dissertao A (Des)Centralizao Poltico-Institucional do Estado Federalelaborada por Ndio Dariva Pires de Lima e aprovada por todos os membros da banca examinadora com conceito A e distino, foi julgada adequada para a obteno do ttulo de Mestre em Direito.

    Florianpolis,_________ de________de 2001.

  • A g r a d e c im e n t o s

    UNOESC SO MIGUEL.Ao Professor Orides Mezzaroba, pelo incentivo e apoio.Ao Professor Antnio Carlos Wolkmer, exemplo de humildade, dedicao e competncia.

  • R e s u m o

    A (Des)Centralizao Poltico-Institucional do Estado Federal uma Dissertao de Mestrado em Direito que estuda a formao do Estado Brasileiro, desde o Perodo Colonial at o modelo atual, implantado com a Constituio Federal de 1988. O trabalho inicia com a descrio da formao do Estado e suas vrias experincias histricas: Estado Antigo, Estado Medieval e Estado Contemporneo a partir da diviso espacial do poder. O Federalismo estudado desde sua experincia histrica inicial mais relevante: O processo de independncia e constituio dos Estados Unidos da Amrica, oportunidade em que so traadas as suas caractersticas essenciais. As alteraes no modelo federativo Clssico ( dual federalism) para o federalismo Cooperativo e o chamado federalismo de Integrao permearo a discusso do modelo federativo brasileiro. O processo formativo do Estado Brasileiro iniciado com o estudo das influncias lusitanas pr-descobrimento e durante o perodo colonial brasileiro. Neste cenrio, d-se uma especial ateno ao Municpio, como forma de organizao autnoma das instituies coloniais. Durante esse perodo comea a haver a imposio do monoplio da administrao portuguesa e a conseqente diminuio da autonomia do Municpio. Paralelamente, estudada a instaurao das Capitanias Hereditrias e as Provncias, grmen dos atuais

  • VI

    Estados-membros, que num processo convergente e contraditrio vo acumulando e perdendo poderes em relao aos Municpios e o Poder Central. A partir da instaurao da Repblica e da Federao Brasileira, verifica-se a relao centralizao/descentralizao entre os entes federados nas diversas Constituies. Com o advento da Constituio Federal Brasileira de 1988, passa- se a estudar a situao de cada ente federado no texto constitucional, suas atribuies e suas competncias, traando as conseqncias dessa relao e as perspectivas do federalismo para o Brasil.

  • RESUMEN

    La (Des)Centralizacin Poltico-Institucional dei Estado Federal es una Tesis de Maestria en Derecho que estudia la formacin dei Estada Brasileno, desde el Perodo Colonial hasta el modelo actual, implantado con la Constitucin Federal de 1988. La disertacin se inicia con la descripcin de la formacin dei Estado y sus varias experiencias histricas: Estado Antiguo, Estado Medieval y Estado Contemporneo, a partir de la divisin espacial dei poder. El Federalismo es estudiado a partir de su experiencia histrica inicial ms importante: El proceso de independencia y constitucin de los Estados Unidos de Amrica, oportunidad en que son definidas sus caractersticas esenciales. Las alteraciones en el modelo Clsico (dual federalism) para el federalismo Cooperativo y el l lamado federalismo de Integracin hacen parte de la discusin dei modelo federativo brasileno. El proceso formativo dei Estado Brasileno empieza con el estdio de las influencias lusitanas de: pr-descubrimiento y durante el perodo colonial brasileno. En este escenario se da especial atencin a la Municipalidad, como forma de organizacin autnoma de las instituciones coloniales. Durante ese perodo empieza a haber la imposicin de la autonomia de la Municipalidad. Paralelamente se estudia la instauracin de las Capitanias Hereditarias y las Provncias, germen de los actuales Estados-miembros, que en un proceso

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    convergente y contradictorio, van acumulando y perdiendo poderes en relacin a las Municipal idades y el Poder Central. A partir de la instauracin de la Repblica y de la Federacin Brasilena se verifica la relacin centralizacin/descentral izacin entre los entes federados en las diversas Constituciones. Con el advenimiento de la Consti tucin Federal Brasilena de 1988, se empieza a estudiar la situacin de cada ente federado en el texto consti tucional, sus atribuciones y sus incumbncias, proyectando las consecuencias de esa relacin y las perspectivas dei federalismo para Brasil.

  • SUMRIO

    1 I n t r o d u o ....................................................................................................................11

    2 Ca p t u l o 1 - 0 f e d e r a l i s m o : uma forma de orga niz a o p e c u l ia r 14 2. 1 A ORIGEM DO ESTADO.....................................................................................142.1.1 Evoluo H is t r ica e suas vrias f o r m a s .................................................... 152.1.2 Conceito operac ional do fenmeno E s t a d o ................................................ 212.2 FORMA DE ORGANIZAO DO ESTADO QUANTO DISTRIBUIO DO PODER.......................................................................................................................................222.2.1 O Es tado U ni t r io S im ples ................. ............................................................ 222.2.2 O Estado Uni tr io D esc on ce n t rad o ...............................................................242.2.3 O Es tado U ni t r io D escen tra l izado ...............................................................242.2.4 O Estado R e g io n a l ................................................................................................ 252.2.5 O Estado A utonm ico ...................................................................... ..................262.2.6 A C onfederao de E s ta d o s .............................................................................272.3 O ESTADO FEDERAL E SUA CARACTERIZAO..............................292.3.1 Origem do Es tado F ed e ra l ............................................................................... 292.3.2 O Federa l ism o Centr peto e C e n t r f u g o .................................................... 312.3.3 C a rac te r s t i ca s do Estado F e d e r a l .............................................................. 332.3.3.1 Soberania da U n i o ........................................................................................ ...342.3.3.2 Autonomia dos Estados-Membros.................................................................. 362.3.3.3 Repartio de Competncias.. ................................................. ......................382.3.3.4 A Descentralizao do Poder Pol t ico ...........................................................402.3.3.5 O Direito de Secesso ........................................................................................ 402.3.3.6 A Nacionalidade dos Povos do Estado F e d e ra l ......................................... 41

  • X

    2.3.3.7 A Necessidade de uma Suprema Corte .......................................................422.4 FEDERALISMO DE DOIS E DE TRS NVEIS........................................432.5 MODELOS DE FEDERALISMO QUANTO A REPARTIO DE COMPETNCIAS.................................................................................................................432.5.1 Dual F ed era l i sm ou Federa l ism o D u a l ................................... ............. 432.5.2 Federa l ism o C o o p e r a t i v o ................................................................................ 442.5.3 Federa l ism o de I n t e g r a o ............................................................................. 44

    3 C a p t u l o 2 - 0 E s t a d o B r a s i l e i r o : S ua f o r m a o e o p r o c e s s o d e C e n t r a l i z a o e d e s c e n t r a l i z a o d o P o d e r ............................................... 463.1 ANTECEDENTES HISTRICOS ................................................................... .463.2 O MUNICPIO COMO PODER AUTNOMO.......................................... 523.3 DAS CAPITANIAS HEREDITRIAS AO ESTADO-MEMBRO......... 673.4 O FEDERALISMO NO BRA SIL ......................................................................703.4.1 A questo federa l nas d iversas c o n s t i tu i e s .........................................70

    4 C a p t u l o 3 - A s p e c t o s C o n s t i t u c i o n a i s e P o l t i c o s d o F e d e r a l i s m o B r a s i l e i r o n a C o n s t i t u i o d e 1 9 8 8 .................................................................................... 834.1 OS ENTES FEDERADOS NA CONSTITUIO DE 1988 ........................834.1.1 O Municpio na Const i tu io de 1988............................................................ 844.1.2 O Estado-mem bro na Const i tu io de 1988.................................................884.1.3 A Unio na Consti tuio de 1988..................................................................... 924.1.4 As Regies na Const i tu io de 1988 ...............................................................954.2 CONSEQNCIAS DO ATUAL FEDERALISMO.....................................1004.3 PERSPECTIVAS PARA O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO............103

    5 C o n s i d e r a e s F i n a i s ...........................................................................................................1 0 6

    R e f e r n c i a s ............................................................................................................................................... 111ANEXO 116

  • INTRODUO

    A presente dissertao tem por objeto o estudo do Estado Brasileiro, no seu aspecto centralizador/descentralizador, tendo incio com um resgate histrico das vrias formas de administrao implantadas desde o descobrimento at nossos dias. A discusso principal d-se sobre a tendncia centralizadora do Estado em contraposio com a descentralizao formal dos textos constitucionais. A razo desta dissertao tambm est em fazer-se um resgate histrico do Estado Brasileiro, seus principais momentos histricos institucionais, especialmente em relao ao histrico do federalismo.

    A Federao, no Brasil foi'adotada com o advento da Repblica (Decreto n 1, de 15/11/89). Ao contrrio da Federao Americana, o Estado Brasileiro, antes da Repblica era um Estado Unitrio, com descentralizaes administrativas para melhor administrar os negcios pblicos. Em decorrncia das inmeras revoltas regionais - Revoluo Farroupilha, Balaiada, Canudos, Sabinada, etc, - que de uma forma ou de outra se insurgiram contra o poder central, de problemas polticos, militares, religiosos e econmicos, dentre outros, foi adotado a federao - com a proclamao da Repblica. No se firmou um pacto federativo, concedeu-se autonomia poltica e administrativa s Provncias, as quais passam a se denominar Estados.

    Para alguns autores esta autonomia poltico-administrativa no passou de uma formalidade pois as desigualdades regionais e a centralizao das decises polticas que tinham real influncia na vida das antigas provncias foram mantidas pelo Poder Central, pela Unio

  • O estudo do Federalismo retoma sua importncia, especialmente no Brasil, a cada momento de crise institucional ou discusso sobre seu futuro. Exemplo da primeira situao so os impasses surgidos entre o governo do Estado de Minas Gerais e a Unio1, com ameaas recprocas de utilizao da fora para soluo do impasse. Da segunda pode-se citar as constantes viagens a Braslia empreendidas pelos prefeitos municipais, em busca de mais verbas para seus municpios e as chamadas Guerras Fiscais travadas entre os Estados-membros, pelas quais estes renunciam aos tributos e ainda concedem incentivos para instalao de empresas em seus territrios.

    O presente trabalho est dividido em trs captulos:No primeiro captulo descreve-se a evoluo histrica do Estado em suas diversas

    formas. Descreve-se, no item dois, o Estado Moderno e sua organizao quanto distribuio espacial do poder levando em conta trs categorias: O Estado Unitrio, o Estado Regional, o Estado Autonmico, a Confederao de Estados e o Estado Federal. Este, que objeto desse trabalho, estudado especificamente nos itens 3 e 4, traando sua origem e suas principais caractersticas a luz das vrias teorias sobre o federalismo.

    No segundo captulo procura-se desenvolver uma investigao histrica do processo de formao do Estado Brasileiro, desde seu descobrimento, a partir de suas instituies poltico-jurdicas, dando especial nfase ao municpio, principal ente de deciso durante a colnia. Demonstra-se suas atribuies e o processo contnuo e constante de perda dessa autonomia em favor das provncias e do Poder Central. Outra instituio que foi

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    1 Controvrsia ocorrida entre o Governo Fernando Henrique Cardoso e o Governo Itamar Franco, do Estado de Minas Gerais.

  • investigada e descrita a origem do Estado-membro, desde as capitanias hereditrias, com suas caractersticas e sua evoluo. Durante o Perodo Imperial d-se especial nfase a Regncia em razo de ser um perodo de grande turbulncia poltica no qual pode-se observar um ntido processo de centralizao e descentralizao do poder poltico. Analisa- se tambm o processo de transio da Monarquia para a Repblica, suas principais causas a instaurao da Repblica Federativa. A partir desse ponto passa-se a discutir o federalismo no Brasil em suas vrias Constituies, tendo como meio de explicao das alteraes os acontecimentos polticos e econmicos de cada poca, sem descurar das influncias histricas da formao de nossa sociedade.

    No terceiro captulo procuramos desenvolver o discusso do federalismo a partir da Constituio Federal de 1988, quais as competncias constitucionais de cada ente federativo ( Unio, Estados-membros e Municpios), a discusso sobre as Regies e suas relao com o federalismo. Tambm se desenvolve uma discusso sobre as conseqncias do atual modelo federativo brasileiro procurando enfatizar as tendncias centralizadoras/descentralizadoras. Finalmente discute-se as perspectivas para o federalismo no Brasil, a partir de nossa experincia e nossas caractersticas scio- histricas.

    Apesar de recorrente, o tema federalismo de muita importncia, especialmente para um pas que ainda no conseguiu definir explicitamente qual sua misso histrica e qual a forma de organizao para tal.

  • C a p t u l o 1

    2. O FEDERALISM O: UMA FORMA DE ORGANIZAO PEC ULIA R

    Para se ter uma viso histrica do federalismo, sua origem, desenvolvimento e caractersticas necessrio um estudo preliminar de outra categoria terica: O Estado.

    2.1 A ORIGEM DO ESTADO

    Esta forma de organizao poltica complexa e contraditria, que apesar de muito discutida, no tem uma definio consensual. A denominao Estado surgiu pela primeira vez em 1513, na obra O Prncipe de Maquiavel: Todos os Estados, todos os governos que tiveram e que tm autoridade sobre os homens, foram e so ou repblicas ou principados.1. O termo Estado era denominado sempre com designativo de cidade independente. Dallari2 informa que muitos autores somente admitem a existncia do Estado a partir do sculo XVII, por

    1 MAQUIAVEL, Nicol Di Bernardo Dei. O Prncipe. Traduo de Roberto Grassi. 7 ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1982. p. 5.

    2 DALLARI, Dalmo de Abreu. E lem en tos de Teoria G eral do E stad o . 19. ed. So Paulo: Saraiva, 1995. p. 43.

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    entenderem que o termo Estado s pode ser aplicado sociedade pol t ica com determinadas caractersticas que passaram a existir a partir dessa poca, outros autores, por outro lado, admitem que a sociedade ora conhecida como Estado essencialmente igual as que j existiram anteriormente dando essa designao a todas as sociedades pol ticas que, com autoridade superior, f ixaram as regras de convivncia de seus membros 3 Quanto maneira de se ver esse fenmeno, Wolkmer4 afirma que o Estado pode ser visualizado por: a)uma perspect iva liberal-burguesa de cunho polt ico-jurdico; ou, b)por uma perspect iva marxista de cunho scio-econmico. Ser adotada a perspectiva polt ico-jurdica para o este estudo considerando as seguintes formas histricas: Estado Oriental, Estado Helnico, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno.

    2.1.1 Evoluo Histrica e suas vrias formas

    O Estado Oriental ou Antigo caracteriza-se pela inexis tncia de nacional idade (identidade de lngua, cultura, antepassados e crenas comuns), pela imobilidade social, por governos autoritrios, por sistemas econmicos baseados na escravido e pela autoridade baseada na religio e pela sua natureza unitria.

    3 DALLARI, Dalmo de Abreu. E lem en tos de Teoria G eral do E stad o . 19. ed. So Paulo:Saraiva, 1995. p. 43.

    4 WOLKMER, Antnio Carlos. Elementos Para Uma Crtica do Estado. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor, 1990. Pela perspectiva poltico-jurdica a sociedade politica seria concebida mediante uma trajetria natural, evolutiva e racional, e que, segundo Jellinek, retratada pela Estado Oriental, Estado Helnico, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno. Por sua vez, a perspectiva marxista, o Estado seria definido segundo os modos e as relaes de produo (Estado Escravista, Estado Feudal, Estado Capitalista e Estado Socialista).

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    Os Estados Helnicos so as chamadas Cidades-Estados que se originaram e se desenvolveram na Grcia, tendo como maior caracterstica a auto- suficincia, a autarquia (autrkeia). A Cidade, a plis, era uma unidade por excelncia da vida social, o agrupamento ideal de seres humanos.5 A Cidade- Estado existia dentro de seus muros, seu territrio era restrito, no havendo diviso espacial do poder. Por imperativo da prpria religio deveriam ser absolutamente independentes, ter sua just ia soberana, suas festas religiosas e seu calendrio, ou seja, toda cidade tinha sua autonomia, que compreendia o culto, o direito, o governo e toda independncia religiosa e polt ica da cidade6. Ainda, segundo Fustel de Coulanges, no era concebvel qualquer organizao social alm da Cidade. A unio entre mais de uma Cidade era fato raro e efmero, e visavam algum interesse imediato. No havia possibilidade de duas Cidades viverem sob o mesmo governo. A influncia ou a conquista de outra cidade no desfazia a natureza local e restrita do territrio da Cidade-Estado. Apesar de que sempre houve um sentimento pan-helnico das Cidades-Estado gregas.7

    5 CHEVALIER, Jean-Jacques. Histria do Pensamento Poltico: tomol. Da Cidade-Estado ao apogeu do Estado- Nao monrquico. Traduo de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1979. p. 22.

    6 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A Cidade Antiga: Estudo sobre o Culto, o Direito as Instituies da Grcia e de Roma; Traduo de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. 12. ed. So Paulo: Hemus, 1996. p. 162 e 163.7 FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A Cidade Antiga: Estudo sobre o Culto, o Direito as Instituies da Grcia e de Roma; Traduo de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. 12. ed. So Paulo: Hemus, 1996. p. 163.

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    Tais caractersticas constituram tambm o Estado Romano, apesar de a Cidade-Estado Romana, a Civitas , ter expandido sua influncia e tornado-se um verdadeiro Imprio, por meio de incorporaes ou de acordos em que outros povos formavam ligas com Roma ( foedus Cassinum, de 493 a.C)8, a vida poltica, o centro do poder somente existia em Roma, tudo gira em torno da Cidade, centro do Imprio, umbigo do mundo antigo.9 Os cidados eram os romanos, os povos conquistados no faziam parte da Cidade, o que s veio a mudar com o Edito de Caracala, de 212 d.C, que atribuiu a cidadania romana a quase todos os sditos do Imprio10, pondo fim a chamada Cidade-Estado iniciando a transio para o Estado Medieval. Tanto as Cidades-Estado Gregas, quanto Roma apresentaram algumas caractersticas comuns, assim descritas por Cardoso11: a) do ponto de vista formal a tripartio do governo em uma ou mais assemblias; b) participao direta dos cidados no processo poltico; c) inexistncia de separao entre os rgos do governo e a integrao da religio e do sacerdcio ao aparelho do Estado. Nesses Estados a centralizao polt ica absoluta, veja-se o caso da Civitas Romana. O Imperador a autoridade suprema impondo sua vontade a partir de Roma. A existncia dos governadores das Provncias s faz aumentar a autoridade de Roma: Os governadores agem em nome do Imperador, esses no tm autonomia.

    8 ALVES, Jos Carlos Moreira. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 1. p. 20.9 CRETELLA JUNIOR, J. Curso de Direito Romano: O Direito Romano e o Direito Civil Brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro, 1980. p. 100.10 Id. Ibidem, p. 105.11 CARDOSO, Ciro Flamarion S. A Cidade-Estado Antiga. 2. ed. So Paulo: tica, 1987. p. 7.

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    Com a queda do Imprio Romano e o conseqente esfacelamento do poder central, por influncias diversas (invases brbaras, exausto do modelo econmico baseado no escravismo e nas guerras de conquistas, dentre outras) houve um processo de ruralizao da populao pelo qual essa se coloca sob o jugo de grandes proprietrios rurais que lhe do proteo e segurana. Anderson12, abordando a passagem da Antiguidade ao Feudalismo, informa que por meio da vassalagem e do benefcio vo nascendo os novos centros de poder. Uma classe de vassi dominici, vassalos diretos do imperador, alm de outros vassalos que eram beneficirios de prncipes, que por sua vez eram vassalos do governante supremo, e conclui afirmando que:

    Os Vassalos equipados com tais imunidades estavam imunes interferncia da corte em suas propriedades. O resultado desta evoluo convergente foi o surgimento do ' feudo ', como uma concesso de terra delegada, investida de poderes jurdicos e polticos, em troca de servio militar

    nesse contexto que, na Idade Mdia, se organiza o poder polt ico (Feudos, Principados, Abadias, Imprios e a Igreja), com vinculao entre o Senhor Feudal e as demais ordens polticas. Franco Jr.13, ao discorrer sobre as estruturas polt icas da Idade Mdia faz a seguinte sntese:

    12ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. Traduo de Beatriz Sidou. So Paulo: Editora Brasiliense, 1995. p. 134.

    13FRANCO JR, Hilrio. A Idade Mdia: Nascimento do Ocidente. 3. ed. So Paulo: Editora Brasiliense, 1986. p. 87.

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    Nos sculos IV-VIII a unidade poltica romana foi substituda pela pluralidade dos reinos germnicos. No sculo IX restabeleceu-se uma relativa unidade com o Imprio de Carlos Magno, que absorveu mas no eliminou outros reinos formados no perodo anterior. Nos sculos X-XIII o Imprio tornou-se apenas uma fico, uma idealizao, pois na prtica ocorria uma profunda fragmentao poltica substantivada nos feudos(. ..)

    Em decorrncia disso, a organizao espacial do poder ficou bastante fragmentada, com diversos centros de poder. H uma descentralizao do poder com uma precria autonomia desses cen tros14.

    Com o os laos de vassalagem, lentamente as monarquias foram recuperando seus direitos e por conseqncia centralizando o poder, aparecendo a partir da o Estado Moderno que, segundo Wolkmer15, manifesta-se em dois momentos distintos o Estado Absolut is ta (soberano, monrquico e secularizado) e o Estado Liberal ( capitalista, const itucional e representativo) .

    14DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos para uma Teoria Geral do Estado. 19. ed. Atualizada. So Paulo: Saraiva, 1995. p. 59, assim descreve o Estado Medieval: Um poder superior exercido pelo Imperador, com uma infinita pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida; uma incontvel multiplicidade de ordens jurdicas, compreendendo a ordem imperial, a ordem eclesistica, o direito das monarquias inferiores, um direito comunal que desenvolveu extraordinariamente, as ordens dos feudos e as regras estabelecidas no fim da Idade Mdia pelas corporaes de ofcios.

    15 WOLKMER, Antnio Carlos. Elementos Para Uma Crtica do Estado. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris Editor, 1990. p. 25.

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    O Estado Moderno nasce com o Absolutismo Monrquico e consolida-se com o Estado Liberal.

    O desenvolvimento do comrcio e das foras produtivas fez com que o Estado Absolutista desse lugar a um novo modelo de organizao polt ica do poder. Com a livre atuao do mercado h necessidade de impor freios atuao dos monarcas, atravs de uma nova organizao do Estado. Os principais tericos desse novo modelo so John Locke e Stuart Mill. Polit icamente, impe- se freios atuao do Estado, que na Inglaterra representado pela supremacia do parlamento atravs da revoluo burguesa de 1688 na Inglaterra, pela instituio de instrumentos de defesa dos direitos individuais. Na Frana, a nova forma de organizao do poder s vai surgir com a sua revoluo de 1789, quando derrubada a monarquia de Lus XVI (1774-1792), e a burguesia instala seu Estado . Nos Estados Unidos, a manifestao do Estado Liberal d-se com a Declarao de Independncia de 1776, quando as Colnias da Coroa Inglesa declaram-se independentes. Outro pressuposto filosfico do Estado Liberal a doutrina dos direitos humanos elaborada pelo jusnaturalismo. At ento a idia, e a prtica, de poder nica: O exerccio pelo monarca, sem limitaes, e sobre todo o territrio do Estado.

    A noo para identificar o Estado, enquanto aparato limitado quanto aos seus poderes, o Estado de Direito. Por este princpio, o Prncipe v-se submetido ao ordenamento jurdico previamente estabelecido. Novas normas s

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    tero validade se feitas na conformidade com o ordenamento jurdico- constitucional.

    2.1.2 Conceito operacional do fenmeno Estado

    Por fim, pode-se definir Estado, a partir de uma concepo jurdica, como sendo uma sociedade politicamente organizada, dotada de uma ordem jurdica superior que fixa as regras de convivncia de seus membros e a relao desses com as instituies que compem a sociedade poltica, ou como base sociolgica, conforme Weber16:

    Por estado debe entenderse un instituto pol t ico de atividad continuada, cuando y en la medida en que su quadro administrativo mantenga con xito la pretensin al monopolio legtimo de la coacin fsica para el mantenimiento dei orden vigente.

    Nesse instituto poltico, o Estado composto por um povo, sobre um determinado territrio, com um governo prprio. Este Estado pode organizar-se, quanto distribuio espacial do poder, de forma unitria ou federativa.

    16 WEBER, Max. Economia y Socieda, Esbozo de Sociologia Comprensiva. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1984. p. 45.

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    2.2 FORMA DE ORGANIZAO DO ESTADO QUANTO DISTRIBUIO DO PODER

    O fenmeno chamado Estado pode ser conhecido pelas mais diversas formas, quanto a sua origem, quanto as suas finalidades e tantas outras. Para esta investigao interessa a classificao quanto distribuio espacial do poder. Nesse sentido, seguindo a proposta de classificao de Magalhes17, sero abordadas as seguintes formas: a) Estado unitrio: Simples, Desconcentrado e Descentralizado, b) Estado regional, c) Estado autonmico, d) Estado federal: Modelo centrpeto e centrfugo; de dois e de trs nveis; Simtrico e Assimtrico. Tambm ser estudada a Confederao de Estados.

    2.2.1 O Es tado Uni tr io Simples

    O Estado Unitrio aquela forma de Estado mais simples, mais homognea, onde a ordem jurdica, a ordem poltica e a ordem administrativa se acham conjugadas em perfeita unidade orgnica, h um s poder pblico de imprio18. No h uma diviso espacial do poder poltico.

    Nessa forma de Estado, ocorre a centralizao do poder polt ico, sendo que esse se estende com a totalidade de seu poder sobre o territrio do

    17 MAGALHES, Jos Luiz Quadros de. Pacto Federativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. p. 14.18 BONAVIDES, Paulo. Cincia Poltica. 10. ed. So Paulo: Malheiros, 1996. p. 149.

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    respectivo Estado. O poder irradia-se de um centro para todas as direes do territrio, no comportando outro poder que tolha esta possibilidade, o que pode ocorrer so atribuies conferidas a entes administrativos regionais sem, no entanto, haver distribuio da possibilidade jurdica de se auto-determinar. Existe na unidade do ordenamento jurdico s um direito, s uma lei, de forma rigorosamente unitria. No h possibilidade de coexistncia de outra esfera pol t ica ou jurdica sob o mesmo territrio e em relao ao mesmo povo.

    Para melhor compreenso do que seja centralizao faz-se necessrio compreender o seu oposto, mas complementar, o conceito de Descentralizao que, no dizer de Bobbio, assim definido:

    Temos centralizao quando a quantidade de poderes das entidades locais e dos rgos perifricos reduzida ao mnimo indispensvel, a fim de que possam ser considerados como entidades subjetivas de administrao. Temos, ao contrrio, Descentralizao quando os rgos centrais do Estado possuem o mnimo de poder indispensvel para desenvolver as prprias at iv idades.19

    19 BOBBIO, Noberto et al. Dicionrio de Poltica. 11. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1998. p. 330.

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    2.2.2 Estado Unitrio Desconcentrado

    So aqueles Estados que possuem estrutura administrativa de uma nica esfera, sendo delegadas atribuies administrativas a entes subalternos, em vrios nveis. Esses entes administrativos subalternos no possuiro autonomia nem personalidade jurd ica prprias. Agem por delegao do rgo superior no se admitindo o poder de arbtrio, como meio autnomo de deciso ou comando.

    2.2.3 Estado Unitrio Descentralizado

    Existem Estados unitrios descentralizados, nos quais a execuo das leis e a gesto dos servios pblicos so atribudas aos agentes ou aos rgos regionais, em decorrncia da transferncia de competncias administrativas. Essa transferncia pode ser funcional ou territorial, conforme seja atribuda a determinados agentes ou aos rgos com atuao territorial.

    As dificuldades de diferenciao do Estado unitrio descentralizado e do Estado Federal so significativas, porm um critrio pode ser util izado com satisfatrio grau de preciso para diferenci-los. Dallari20 informa que se deve considerar a dependncia dos rgos centralizados quanto ao Estado unitrio,

    20 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. So Paulo: Saraiva, 1995. p. 221/226.

  • 25

    caracter izando um perfil administrativo a essa descentralizao, e a independncia ou autonomia desses rgos, em se tratando do Estado Federal.

    No Estado Unitrio, a atribuio de atividades administrativas aos rgos regionais sempre dependente e subordinada ao poder central. Jos Afonso da Silva assim se manifesta sobre as caractersticas do Estado unitrio:

    unitrio, enquanto possui um nico territrio que, embora dividido entre os Estados-membros, est submetido ao poder da Unio no exerccio da competncia federal, e ainda uma s populao, formando um nico corpo nacional, enquanto regida pela constituio e legislao federais.21

    No Estado Federal, a competncia dos rgos regionais sempre autnoma, tem sua competncia prpria, estabelecida constitucionalmente. Possuem uma ordem jurdica prpria, ao lado da ordem jurdica federal.

    2.2.4 Estado Regional

    So aqueles Estados que seu territrio est dividido de tal forma que, a semelhana dos Estados unitrios descentralizados, atribui um maior grau de poderes aos territrios que se subdividem geograficamente. H a transferncia

    21 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 1998. p.102.

  • 26

    de atribuies legislativa e jurisdicional (ordinrias), embora haja uma nica ordem constitucional sobre todo o territrio. Exemplo desse modelo de Estado a Itlia.

    2 .2.5 Estado Autonmico

    Estado tambm unitrio, porm com grande autonomia as regies que, por sua prpria iniciativa, tero um estatuto poltico prprio. Visa contemplar as diferenas tnicas e sociais das populaes interessadas. A ordem const itucional una e atribuda ao Estado. A relao entre a Constituio e os Estatutos das Autonomias basicamente hierrquica ou de subordinao, diferente da relao existente entre os membros de um Estado Federal, a qual baseada no critrio de competncias prprias.

    Exemplo desse modelo de Estado a Espanha, cuja Constituio de 1978 estabeleceu uma norma de apertura de um processo histrico com la que nuestro Estado, que nace descentralizado, puede desarrollar su vocacin descentralizadora23. Tal forma de organizao da distribuio espacial do poder decorreu da falta de acordo sobre o tema entre as foras polt icas espanholas representadas na constituinte de 1977/1978.

    22 ALAMILLO, Javier Ruiperez. Sobre la Naturaleza dei Estado de las Autonomias. Revista de Estdios Polticos, n. 81. jul/set. 1993. p. 90.23 Id. Ibidem. p. 74.

  • 27

    2.2.6 A Confederao de Estados

    Antes de adentrar na definio do Estado Federal fazem-se necessrias algumas consideraes sobre a organizao de Estados chamados Confederao, forma peculiar de agrupamento de Estados, que em alguma medida poder ter caractersticas semelhantes ao Estado Federal.

    Na Idade Antiga24, idia de Confederao era baseada em alianas ofensivas ou defensivas, temporrias ou permanentes, estabelecidas em decorrncia de tratados civis ou polticos. Nessa associao, os Estados mantinham sua independncia total, podendo retirar-se dela quando bem entendessem. Como exemplo de Confederao, pode-se citar a Confederao Etrusca, na Itlia Antiga.

    Na Idade Moderna, a Confederao tem como exemplo tradicional a reunio das treze colnias inglesas da Amrica do Norte que atravs de um pacto, os Artic les o f Confedera t ion, adotado em 15 de novembro de 1777, (cuja ratificao s se completou em 1781), pelo qual as treze Colnias Americanas passaram a denominar-se de Estados Unidos da Amrica. Em seu artigo 2o, o referido pacto previa que:

    24 BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Belo Horizonte: FUMARC, 1982. p. 13.

  • 28

    Cada Estado reter sua soberania, l iberdade e independncia, e cada poder, jurisdio e direitos, que no sejam delegados expressamente por esta Confederao para os Estados, reunidos em Congresso.25

    Como pode ser visto, a preocupao dos Estados Confederados, reunidos em Congresso, a manuteno da independncia de cada membro aderente. Com isso verifica-se que a Confederao tem como caractersticas principais a unio de dois ou mais Estados soberanos que, por um tratado (pacto), unem-se com objetivos prprios e especficos, via de regra a defesa externa. Com esta unio os Estados Confederados mantm sua Soberania, ou seja, podem ser sujeitos de Direito Internacional e na ordem interna continuam com a supremacia sobre os assuntos de seu povo e territrio, exceto naquelas questes para as quais foi criada a Confederao. Mesmo assim, nesses assuntos o Estado aderente poder no aceitar as determinaes e retirar-se, sujeitando-se s conseqncias do Direito Internacional.

    25 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. So Paulo: Editora tica, 1986. p. 12.

  • 29

    2.3 0 ESTADO FEDERAL E SUA CARACTERIZAO

    A forma de organizao federal do Estado fruto de experincias histricas que por terem tido sucesso e grande aceitao por vrios povos tm uma discusso terica bastante intensa, normalmente baseada nas experincias desses povos que experimentaram essa forma de organizao peculiar.

    2.3.1 Origem do Estado Federal

    O Estado Federal, como forma de organizao poltico-administrativa, data do final do sc. XVIII. Tendo incio com a declarao de independncia das treze colnias inglesas da Amrica do Norte. Para fazer frente as tentativas da Coroa inglesa, os ento estados livres reuniram-se e, em 1781, assinaram um tratado que se tornou conhecido como os Artigos de Confederao .

    Entre maio e setembro de 1787, os Estados Confederados reuniram-se, em congresso, na Filadlfia com o objetivo de discutirem e aprimorarem os Artigos da Confederao. Nesse congresso, houve um embate entre os que queriam apenas a reviso dos artigos da Confederao e aqueles que propunham a transformao da Confederao em uma federao, onde houvesse um poder central mais forte e que esse no representasse somente os Estados, mas tambm os indivduos, os nacionais de cada um dos Estados, para tal adotando-se uma

  • 30

    const itu io comum a que todos os Estados se submeteriam. o que pondera Fernando Papaterra Limongi:

    A nica forma de criar um governo, seria capacit-lo a exigir o cumprimento das normas dele emanadas. Para tal se verificasse, seria necessrio que a Unio deixasse de se relacionar apenas com os Estados e estendesse o seu raio de ao diretamente aos cidados.26

    A razo da instituio da Federao deveu-se a excessiva fragilidade do poder central da Confederao, que no conseguia impor suas decises para o conjunto dos Estados. E o que se observa na seguinte passagem:

    Governar subentende o poder de baixar leis. E essencial idia de uma lei que seja respaldada por uma sano ou, em outras palavras, uma penalidade ou punio pela desobedincia. Se no houver penalidade associada desobedincia, as resolues ou ordens que pre tendem ter fora de lei sero, na realidade, nada mais que

    27conselhos ou recomendaes.

    O resultado desse congresso foi a vitria dos adeptos da adoo da Federao.

    26 WEFFORT, Francisco. Os Clssicos da Poltica. So Paulo: Editora tica, 1989. v. 1. p. 247.27 HAMILTON, Alexander. O Federalista, por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay. Traduo de

    Heitor Almeida Herrera. Braslia: UnB, 1984. p. 183.

  • 31

    Uma das preocupaes dos criadores da Federao foi a de evitar a concentrao dos poderes. Para isso, foi adotada a forma republicana de governo, baseada na representao popular (na qual os membros do governo dirigem o Estado em nome do povo, repudiando assim o Estado Absolutista, legit imado pelo poder monrquico, at ento vigente na maioria dos pases, com uma rgida separao dos poderes). Alm de princpios anti-absolutistas, foi adotada a crena nos direitos naturais do homem, baseados sobretudo na doutrina liberal-burguesa, tornada efetivamente conhecida, posteriormente, pela Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado da Revoluo Francesa de 1789.

    2.3.2 Federalismo Centrpeto e Centrfugo

    Ao se constiturem os Estados Federais o fazem por Agregao (Centrpeto) ou por Desagregao (Centrfugo).

    Por Agregao, os Estados soberanos por livre manifestao de vontade decidem a sua unio com outro, ou outros Estados tambm soberanos com o objetivo de constiturem um novo Estado. Para isso, abrem mo de sua soberania em favor do novo ente poltico que os representar externamente, mantendo porm, algumas prerrogativas, tais como, a sua autonomia interna e a sua representao junto ao poder central. H uma captis diminutio dos Estados aderentes federao, uma vez que ao aderirem perdem sua personal idade

  • 32

    ju r dica de direito internacional. a constituio do Estado Federal por Agregao ou o chamado Federalismo Centrpeto. A discusso sobre a a tr ibuio de competncia dar-se- sobre os poderes atribudos Unio.

    Por outro lado, o Estado Federal poder ser constitudo pelo modo inverso, ou seja, um Estado Unitrio, reorganizar-se com uma nova configurao na forma de distribuio espacial do poder polt ico, atribuindo autonomia ou criando novos entes polt ico-jurdicos dentro de seu antigo territrio. E o que aconteceu com o Estado Brasileiro com o estabelecimento da Repblica em 1 889, quando foi atribuda, constitucionalmente, em 1891, autonomia s antigas provncias que a partir de ento passaram a chamar-se Estados-membros. E o chamado Federalismo Centrfugo ou Federalismo por Desagregao. Nesse caso, a discusso dar-se- sobre a atribuio de competncias, maiores ou menores, aos Estados-membros. O Estado, detentor de todas as competncias, por deciso prpria, do ponto de vista jurdico, cria unidades territoriais autnomas, com poder polt ico e capacidade de se autodeterminarem estabelecidas no prprio ordenamento constitucional do Estado criador . o estabelecimento de uma autolimitao s suas prprias prerrogativas.

    O Estado Federal pode ser definido, dentre outras maneiras, em relao a sua diferenciao com os Estados-membros, da seguinte forma:

    Estado Federal o todo, dotado de personalidade jurdica de Direito Pblico internacional. A Unio a entidade

  • 33

    federal formada pela reunio das partes componentes, constituindo pessoa jurdica de Direito Pblico interno, autnoma em relao aos Estados e a que cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro. Os Estados-membros so entidades federativas componentes ,dotadas de autonomia e tambm de personalidade ju r d ica

    28de Direito Pblico interno.

    A autonomia interna est garantida na possibilidade dos Estados-membros organizarem seu governo e regularem as matrias de sua competncia prpria, previstas constitucionalmente.

    2.3.3 Caractersticas do Estado Federal

    Para melhor definir o Estado Federal ser necessrio identificar algumas caractersticas, prprias dessa forma de organizao do Estado. Dentre elas, ser vista a relao entre: Soberania da Unio e Autonomia dos Estados-membros; a questo da Repartio das Competncias, da Desconcentrao do Poder Poltico, do Direito de Secesso e da Nacionalidade dos Povos do Estado Federal.

    28 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.15. edio. So Paulo: Malheiros Editore, 1998. p. 102.

  • 34

    2.3.3.1 Soberania da Unio

    A Cincia Poltica, ao definir o Estado, passou a dar destaque noo de Soberania como meio de caracterizar o fenmeno chamado Estado. A qual vem a ser a existncia de uma ordem superior que exera o poder sobre o territrio de forma nica, sem contraposio de outra ordem jurdica sobre o mesmo territrio. Essa ordem superior, esse poder, essa possibilidade de estabelecer sua prpria vontade que se denomina Soberania. Baracho29, citando Le Fur, afirma que todos os filsofos e jur isconsultos estavam de acordo que a Soberania o trao caracterstico do Estado, apesar das objees que foram opostas a essa concepo. A noo de Soberania como poder supremo (summun imperium, summa potes ta ) surge em 1576, com Jean Bodin, tendo exercido grande importncia no desenvolvimento do Estado Moderno, especialmente na Europa ocidenta l30

    Barach31o, citando Le Fur, expe algumas teorias sobre a concepo de Soberania, vinculadas forma de Estado Federativo, com os seguintes pontos de vista:

    a) Vem na soberania apenas a reunio de um certo nmero de direitos ou de poderes, defendidos especialmente por autores de Direito Internacional;

    29 BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Belo Horizonte: FUMARC, 1982. p. 18.30 Id. Ibidem. p. 18.31 Id. Ibidem.. p. 19 e 20.

  • 35

    b) Que explicam a soberania no como a posse de um certo nmero de direitos isolados, mas com um conjunto de direitos necessrios exis tncia do Estado;

    c) Como o poder de restringir os outros membros do corpo social a se conformar com a vontade soberana;

    d) Vem a qualidade do Estado de no ser obrigado juridicamente, a no ser por sua prpria vontade;

    e) A soberania consiste no direito de determinar l ivremente sua prpria competncia;

    f) Que o Estado possui o poder absoluto e supremo, no reconhecendo outro acima dele, obrigando-se somente pela sua prpria vontade.

    A reunio dos Estados-membros, originando o Estado Federal, implica no nascimento de um novo Estado, com status jurdico e polt ico, para representao frente aos demais Estados. Essa prerrogativa exclusiva da Unio. Aos Estados-membros no permitida a representao externa. Eles so partes integrantes de um todo maior, que os representa, e que se chama Estado Federal.

    A soberania da Unio manifesta-se, na ordem externa, pela possibilidade de se auto-organizar e relacionar-se com outros Estados em p de igualdade, e, no plano interno, pela possibilidade de aplicar o seu direito. No dizer de Raymond Carr de Malberg32:

    32 FERREIRA FILHO, M anoel G onalves. C o n stitu i o e G ov ern a b ilid ad e: Ensaio sobre a (in )governab ilidad e brasileira. So Paulo: Saraiva, 1995 . p .53.

  • 36

    Tomada na sua acepo precisa, a palavra soberania designa, no um poder, mas uma qualidade, um certo modo de ser, um determinado grau de potncia (puissance). A soberania o carter supremo de um poder: supremo, nisto que esse poder no admite qualquer outro, nem acima, nem em concorrncia com ele.

    2.3.3.2 Autonomia dos Estados-Membros

    A autonomia dos Estados-membros, conforme Clmerson M.Clve3j, pode ser classificada pelos seguintes elementos: a) capacidade de auto-organizao; b) capacidade de autogoverno; c) capacidade de autolegislao; e, d) capacidade de auto-administrao.

    1) Capacidade de auto-organizao, identificando-se com a possibil idade de que cada Estado Federado tem de se auto-organizar, por meio de uma const itu io prpria, obra do poder Constituinte Decorrente.

    2) Capacidade de autogoverno, consiste na escolha pelo prprio povo do Estado federado, e no pelo poder central, de seus representantes na Casa Legislativa, bem como do Chefe do Executivo, o qual possui poder governamental submetido unicamente s Constituies federal e

    33 CLVE, Clemerson .Merlin. Temas de Direito Constitucional. So Paulo: Editora Acadmica, 1993. p. 62.

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    estadual, sem nenhum vnculo, seja hierrquico, seja de tutela, com as autoridades federais.

    3) Capacidade de auto-legislao, consistindo no poder do Estado- membro, por meio de seus rgos competentes, editar suas prprias leis, as quais, no crculo de atribuies que lhe confere a const itu io federal, tm o mesmo valor que a norma oriunda dos rgos legislativos federais.

    4) Capacidade de auto-administrao, consistindo na faculdade (e mesmo dever) dos Estados disporem sobre a administrao de seus servios, bem como sobre o seu pessoal administrativo, podendo criar rgos que achar necessrios ao cumprimento de suas atribuies, inclusive outras pessoas jur dicas de direito pblico ou privado com capacidade administrativa.

    Ao atribuir-se competncia, atribui-se encargos tambm, dessa forma, indispensvel garantia de autonomia financeira por intermdio da autonomia de arrecadao de tributos. Cada qual dever ter a competncia para arrecadar tributos especficos, caso contrrio no ter possibilidade de realizar suas obrigaes.

  • 38

    2.3.3.3 Repartio de Competncias

    A questo da repartio de competncias entre a Unio e os Estados- membros de vital importncia para a consolidao e a manuteno do regime federativo. Sobre o que seja competncia Ferreira34, citando Gerhard Lassar, diz A competncia a capacidade jurdica de uma corporao pblica para agir demonstrando assim que dependendo da forma como as competncias so estabelecidas dar-se- uma maior ou menor autonomia aos Estados-membros, quando visto a partir do ponto de vista interno, ou seja, quando da diferenciao do Estado Unitrio para o Estado Federal. Ou quando visto do ponto de vista externo, do Direito Internacional, quando ento ser verificado se subsiste ou no a soberania dos Estados Confederados. A Distribuio das competncias no Estado Federal decorrem da sua Constituio, e conforme sejam estabelecidas podem denominar-se de competncia exclusiva, concorrente, supletiva e complementar. Segundo Ferreira^5, a competncia exclusiva a capacidade ju r d ica de exercer unicamente certas atribuies em um determinado campo. J a competncia concorrente a capacidade jurdica de exercer determinadas atribuies juntamente com outras entidades, em uma certa atividade. A competncia supletiva e complementar d-se quando atribudo a um dos entes estabelecer normas gerais e a outro, normas especiais suplementando, complementando, a legislao do outro. No caso de inexistncia das normas gerais ao ente que cabia complementar a legislao atribuda o poder de

    34 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. So Paulo: Saraiva, 1998. p. 25435 Id. Ibidem. p. 254

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    legislar plenamente. Nesse caso, em sobrevindo legislao daquele que tinha competncia para legislar sobre normas gerais, essas revogaro as normas editadas pelo ente estatal que deveria suplementar. E o caso do artigo 24, da Const ituio Federal Brasileira de 1998.

    Embora sujeitos s suas vrias formas, imprescindvel que as competncias sejam estabelecidas com equilbrio entre os Estados-membros e a Unio Federal, para que no se rompa o equilbrio federativo.

    Esta distribuio constitucional de poderes o ponto nuclear da noo de Estado federal. So notrias as dificuldades quanto a saber que matrias devem ser entregues competncia da Unio, quais as que competiro aos Estados e quais as que se indicaro aos Municpios.Os limites da repartio regional e local de poderes dependem da natureza e do tipo histrico de federao. Numas a descentralizao mais acentuada, dando-se aos Estados federados competncias mais amplas, como nos Estados Unidos. Noutras a rea de competncia da Unio mais dilatada, restando limitado o campo de

    36atuao aos Estados-membros[. . .]

    36 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13a ed. So Paulo: Malheiros, 1997.p.453

  • 40

    2.3.3.4 A Descentralizao do Poder Poltico

    A descentralizao do poder polt ico importa na existncia de duas esferas de poder polt ico no mesmo Estado, o Estado Federal. Uma de mbito federal, o poder da Unio, com sua representao poltica e outra de mbito regional, o poder dos Estados-membros, com a sua organizao poltica e administrativa, suas competncias para se auto-organizar, alm da autonomia legislativa e principalmente de arrecadar tributos. O poder polt ico da Unio no se sobrepe aos Estados-membros e tampouco estes se sobrepem quele. E nessa caracterstica que reside a verdadeira diferenciao entre o Estado Federal e o Estado Unitrio, pois no h somente uma descentralizao administrativa, atribuindo-se competncias aos entes subordinados. H uma descentralizao poltica, ou seja, passam a coexistir duas esferas de poder polt ico com autonomia e direitos prprios, os quais esto inseridos no pacto federativo - na Consti tu io Federal.

    2.3.3.5 O Direito de Secesso

    Ao se constituir o Estado Federal, seja por segregao, seja por agregao, os Estados-membros esto impedidos de se retirarem do novo Estado. Ao aderirem, esses Estados-membros abrem mo de sua soberania e submetem-se

  • 41

    uma Constituio comum, a qual, historicamente no tem permitido o direito secesso, ou seja, dos Estados-membros retirarem-se do novo Estado. Exemplo histrico a tentativa dos onze Estados do Sul dos Estados Unidos da Amrica, que em 1861, tentaram segregar-se da Unio Federal. Diante desse fato houve uma guerra civil que resultou no retorno desses Estados-membros ao convvio federativo.

    Como h a criao de um novo Estado, e uma das finalidades precpuas dos Estados a manuteno de sua integridade territorial, ou seja, sua manuteno, a no concesso do Direito Secesso um imperativo de ordem jurdico-poltico. Por isso h repulsa aos desmembramentos de partes do territrio. O todo no admite a perda das partes.

    2.3.3.6 A Nacionalidade dos Povos do Estado Federal

    Quando da criao do Estado Federal, no federalismo centrpeto ou por agregao, os nacionais dos Estados-membros aderentes nova Unio perdem sua cidadania, passando a ter uma nova posio frente ao novo Estado. Essas pessoas passam a ser cidados do Estado resultante da unio dos antigos Estados. Com a 5a Emenda Constituio Norte-Americana, ficou estabelecido que os novos Estados-membros no poderiam restringir os direitos dos cidados dos Estados Unidos da Amrica. Os Estados-membros poderiam atribuir direitos e

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    garantias s pessoas, alm dos previstos na nova constituio, porm no poderia restringir os direitos assegurados pela Constituio Federal.

    2.3.3.7 A Necessidade de uma Suprema Corte

    Para a instituio do Estado federal necessria a existncia de autonomia dos entes federados, a repartio de competncia, a desconcentrao do poder polt ico, dentre outros. Mas para a manuteno do Estado federal imprescindvel a existncia de uma Corte Superior, para dirimir os litgios decorrentes dos interesses antagnicos que inevitavelmente surgiro no seio desse organismo contraditrio, mas convergente. Essa Corte ter a incumbncia de manter a harmonia entre os entes federativos, dizer se as normas infraconstitucionais elaboradas pelos entes federativos esto em confronto com os princpios previstos no texto instituidor do Estado Federal. Trata-se do rgo incumbido do controle da constitucionalidade das leis, nota necessria mantena do sistema federal.37

    37 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 10. ed. So Paulo: Malheiros, 1994. p. 66.

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    2.4 FEDERALISMO DE DOIS E DE TRS NVEIS

    A organizao federal clssica composta por dois nveis de poder: Uma central e outro regional (Unio e Estados-membros). No Brasil, pas de tradio municipalista , surgiu o federalismo de trs nveis. So trs esferas de poder, sobre o mesmo territrio: a Unio, os Estados-membros e o Municpio. Cada uma dessas esferas de poder tem competncias e atribuies delineadas constitucionalmente.

    2.5 MODELOS DE FEDERALISMO

    Conforme sejam repartidas as competncias ter-se- o Dual Federalism , o Federalismo Cooperativo ou o Federalismo da Integrao.

    2.5.1 Dual Federalism ou o Federalismo Dual

    Nos EUA, o modelo de federalismo que prevaleceu foi o dual federalism, ou seja, o federalismo dualista, que se caracterizava pelo intento de separar radicalmente as duas esferas de poder, a da Unio, que a entidade de Direito Pblico Internacional, formada pela reunio dos Estados-membros; e a dos Estados-membros, entidade de Direito Pblico Interno, atribuindo assim, a cada uma das esferas de poder, competncias privativas e tambm fontes exclusivas de

  • 44

    tributao. Com isso, evita-se ao mximo a interferncia da Unio sobre os Estados, que, na verdade, ficam de posse de largo campo de atuao.

    2.5.2 Federalismo Cooperativo

    Outro modelo de federalismo o Federalismo de Cooperao, pelo qual atribuda uma maior gama de atribuies ao Poder Central, a Unio,em razo da necessidade de desenvolvimento de aes que escapam a possibilidade dos Estados-membros. E atribudo Unio uma soma de poderes para dirigir a pol t ica nacional, no dizer de Buzaid38, o federalismo cooperativo formula o princpio da suplementao das deficincias dos Estados

    2.5.3 Federalismo de Integrao

    Ainda para Buzaid39, o federalismo da integrao representa o triunfo do bem estar de toda a nao , esse novo tipo, que promove o desenvolvimento econmico vem o mximo de segurana coletiva, [...] ele busca, portanto, reencontrar-se com a realidade nacional, traduzindo os legtimos anseios do

    38 BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Belo Horizonte: FUMARC, 1982. p. 189.39 BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Federalismo. Belo Horizonte: FUMARC, 1982. p. 189.

  • 45

    povo, que cria um pas economicamente forte, socialmente justo e et icamente d igno

    Tendo-se apresentado uma viso histrica da formao do Estado e a implantao do Estado do tipo Federal com suas principais caractersticas, passar-se- ao estudo da formao do Estado Brasileiro no aspecto que diz respeito repartio espacial do poder, ou seja, o Estado Federal Brasileiro, com suas caractersticas e peculiaridades.

  • C a p t u l o 2

    3 . O E s t a d o B r a s i l e i r o : S u a F o r m a o e o P r o c e s s o d e C e n t r a l i z a o

    e D e s c e n t r a l i z a o d o P o d e r

    3.1 ANTECEDENTES HISTRICOS

    Logo aps o descobrimento do Brasil, em 1500, a ocupao territorial e a economia eram essencialmente agrrias, baseadas na monocultura e na mo-de- obra escrava. A massa humana que no era proprietria e que dispunha somente de sua fora de trabalho vivia na mais lamentvel penria, sem instruo e no mais completo abandono. Nessa situao, os senhores rurais controlam as instituies polt icas criadas pela Coroa - as Cmaras Municipais - e, no mais das vezes, sua atuao poltica extrapola os poderes legais, afrontando a prpria Realeza que se v impotente para por um freio nessa prtica, especialmente pela vastido do territrio.

    Com o decorrer do tempo, a situao econmica desses proprietrios rurais vai declinando, Faoro1, ao falar sobre a decadncia do predomnio dos senhores rurais firma que no final do sculo XVIII,

    1 FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder: Formao do Patronato Poltico Brasileiro. Rio de Janeiro: Globo, 1989. v. 1 e 2. p. 243.

  • 47

    depois de dois sculos ocupados em produzir acar, lavrar ouro, cultivar cana e tabaco, pastorear gado - ao lado das funes paramilitares e paraburocrticas - a prpria estrutura da empresa rural toma outro cunho. De caador de riquezas converte-se em senhor de rendas, a fazenda monocultura toma o carter de latifndio quase fechado.

    Tudo isso em razo da queda vertiginosa das exportaes. Alm disso, o Estado Portugus consegue iniciar seu monoplio da fora legtima sobre quase todo o territrio, l imitando o campo de atuao desses senhores rurais. Mesmo assim, no dizer de Holanda2,

    Na Monarquia eram ainda os fazendeiros escravocratas e eram filhos de fazendeiros, educados nas profisses liberais, quem monopolizava a polt ica, elegendo-se ou fazendo-se eleger seus candidatos, dominando os parlamentos, os ministrios, em geral todas as posies de mando, e fundando a estabilidade das instituies nesse incontestado domnio.

    Com o fim da Monarquia, o poder econmico muda do campo para a cidade, especialmente com a atividade comercial, apesar disso os senhores2 HOLANDA, Srgio Buarque de. Razes do Brasil. 26. ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 73.

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    rurais, por meio de formas esprias, conseguem manter seu poder, especialmente atravs do chamado Coronelismo, que nas palavras de Leal3, o ...

    [...] resultado da superposio de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econmica e social inadequada. [...] um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder pblico, progressivamente fortalecido, e a decadente influncia social dos chefes locais, notadamente os senhores de terras.

    Um aspecto importante do Coronelismo, continua LEAL, o papel preponderante ocupado pelos chefes polt icos municipais, os quais nem sempre so autnt icos Coronis . Muitas vezes, so advogados e mdicos que no obstante so parentes ou aliados polticos desses Coronis . Alguns desses chefes polt icos, aps consolidarem sua liderana, passam a ocupar cargos mais importantes e rendosos junto capital do Estado ou da Repblica, mas mantendo sua liderana local atravs de lugares-tenentes, fiis prepostos do chefe que se ausentou.

    3 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: O Municpio e o Regime Representativo no Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997. p. 40.

  • 49

    Esses Coronis, no obstante as disputas pelo controle dos poderes municipais, atuam conjuntamente quando o assunto a preservao de seus domnios, mantendo, dessa forma,

    [...] inquebrantvel solidariedade no s pessoal como poltica, de modo que haja harmonia de vistas entre todos, sendo em qualquer emergncia um por todos e todos por um , salvo em caso de desvio da disciplina partidria, quando algum dos chefes entenda de colocar- se contra a opinio e ordem do chefe do partido[. . .]4

    No exerccio da autonomia local, pode-se afirmar, com base em Leal5, falando j sobre a Repblica, que em razo do Coronel ismo existe uma autonomia legal, ou falta de autonomia, e uma autonomia extralegal. A autonomia extralegal existe quando os governos estaduais atribuem carta-branca aos chefes polt icos locais, seus correligionrios, para praticarem atos que extrapolam as previses legais. Em contra-partida, os governadores obtm apoio pol t ico desses chefes polt icos, numa relao simbitica de troca de favores.

    O grau de organizao e troca de favores entre esses Coronis e os poderes pblicos vai a ponto de fazerem o prprio poder pblico federal transigir

    4 Acordo Poltico dos coronis. Ata da reunio no Juazeiro do Padre Ccero (24 de out. 1911), art. 8 .5 LEAL, Victor Nunes. Op. Cit. p. 70/71.

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    sobre assuntos polt ico-administrativos. Exemplo disso so os acordos de paz firmados em 1920, em Remanso, Bahia6:

    Acordos de paz entre o Governo Federal e os coronis da Bahia (3 mar. 1920)I a) O Coronel Horcio de Matos no entregar as suas armas e munies;2a) Conservar a posse dos doze municpios, que ocupou, reconhecendo o Governo as autoridades por ele, Horcio, nomeadas;3a) Sero conservadas, em qualquer hiptese, uma vaga de deputado estadual e outra de federal para o Coronel Horcio eleger os seus candidatos;4a) Retiraro de Campestre o Coronel Fabrcio e seus amigos, com a proibio de ali voltarem;[...]

    7a) No haver, para o Coronel Horcio de Matos e seus amigos, nenhuma responsabilidade, civil e criminal, pelos aos de revoluo.[...]

    2a) Seja quem for o governador da Bahia, ter que entregar, sob o patrocnio do comando da Regio Militar desse Estado, a direo pol t ico-administrativa dos

    6 Disponvel em: . Acesso em: 8 dez. 2000.

    http://www.cebela.org.br/txtpolit/socio/fr_sumar

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    municpios de Remanso, Casa Nova e Xiquexique aos revolucionrios seus atuais ocupantes e dirigentes, que tero como seu representante polt ico o Coronel Anfilfio Castelo Branco;3a) Apesar de ser unnime o Municpio de Santa Rita do Rio Preto ao lado do Coronel Ablio Rodrigues de Arajo, ficar, para qualquer governo, este chefe revolucionrio como responsvel pelos destinos polticos daquele municpio;4-) No podero voltar s respectivas localidades as autoridades depostas e pessoas outras expulsas pelos revolucionrios, a bem da paz e tranqilidade futuras da zona do S. Francisco;5a) Fornecer a regio militar da Bahia todas as garantias necessrias para o Dr. Cordeiro de Miranda ir capital do Estado.

    Quando os chefes polt icos locais so opositores aos governos Estaduais e Federais o que prevalece a autonomia legal, ou seja, a falta de autonomia. Pelo exemplo acima, pode-se perceber o grau de interferncia do privado no pblico.

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    3.2 O MUNICPIO COMO PODER AUTNOMO

    Os Municpios, como instituio, surgem por volta ano 80 a .C., com as reformas de Sila. Com a invaso dos Brbaros, esfacela-se a instituio municipalis ta Romana. Durante a Idade Mdia, o que sobrou dos municpios foi absorvido pelos feudos. A partir do sc. XI, comeou ressurgir a idia municipalista.

    Portugal, nascido da rebelio entre herdeiros que disputavam o predomnio entre reinados espanhis, imps-se enfrentando Mouros e Espanhis, da sua caracterstica de possuir reis fortes e senhores feudais a servi-los. No h em Portugal o sistema feudal tradicional pelo qual passaram os demais Estados europeus onde os reis eram fracos e estavam a merc dos senhores feudais. Da o surgimento do municpio, antes do descobrimento do Brasil7, ter derivado de embates entre o Rei, procurando impor-se como poder absoluto nobreza e ao clero, detentores de amplas reas territoriais. Para tal desiderato o Rei, com base na antiga ordem romana, buscou sua supremacia atravs de acordos com o povo - cartas de forais - firmando seu predomnio sobre a terra. Com a criao dos 'concelhos ' , esses teriam a incumbncia de organizar as povoaes e as vilas, com obrigao de defesa externa. Com isso tinha, o rei, uma milcia gratuita. Aos nobres, o rei pagava o servio militar quando necessitasse. Percebendo seus fundadores que, sem unidade, seria impossvel a manuteno do pas recm- criado, alicera seu projeto poltico na centralizao do poder, caracterstica que7 FAORO, Raimundo.Op. Cit. p. 3 a 5.

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    o acompanhar pela histria e que influenciar, at os dias atuais, a histria brasi le ira.8

    Das escaramuas entre o Rei e a Aristocracia - clero e nobreza - pelas quais essa manteve alguns privilgios, especialmente no tocante ao pagamento de tributos, surge a configurao do novel Estado Portugus. Como o rei era proprietrio fundirio, na instalao do seu corpo burocrtico necessitava de patrimnio monetrio, solucionado por meio da concesso de cartas de forais, para a fundao de vilas e povoaes donde tirava seus tributos. Diante disso, verifica-se a afirmao que a monarquia portuguesa era uma monarquia agrria, pelo qual o estado era proprietrio de grande extenso territorial, a par de sua posterior imposio sobre os potentados aristocrticos, ressalvados os privilgios mantidos por estes.

    De sua propriedade territorial, resulta que os ofcios pb l icos so exercidos tambm sob concesso, o particular atuando por atribuio do Estado mediante o pagamento de uma renda. H uma expressa troca de interesses entre o Estado e o particular, o Estado em busca de sua supremacia sobre o territrio e conseqente cobrana de rendas e o particular, povo que foge ao domnio feudal do clero e da nobreza.

    8 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentrios Constituio do Brasil. So Paulo: Saraiva, 1988. v. 1. p. 57.

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    Situao similar surge no novo territrio portugus, no Brasil do sculo XVI, com extensas reas de terras despovoadas e com ameaa ao predomnio portugus, seja pelos espanhis, holandeses ou franceses.

    No Brasil, o municipalismo inicia-se com a instalao das cmaras municipais nas localidades que ostentavam a categoria de vila. Essas cmaras tinham atribuies legislativas, judicirias e executivas ou policiais e eram compostas por trs vereadores e um juiz, alm de outros funcionrios. Com respei to as suas atribuies, Leal9, citando as Ordenaes do Reino, afirma que: aos vereadores pertence ter carrego de todo o regimento da terra e das obras do Concelho, e de tudo o que pudessem saber, e entender, porque a terra e os moradores dela possam bem viver, e visto ho de trabalhar . Disso pode-se conhecer a grande autonomia do municpio nos primeiros tempos da Colnia, que nas palavras de Carvalho10, t inham funes muito mais importantes do que as das modernas municipalidades. [...] exerciam elas funes hoje a cargo do Ministr io Pblico, denunciando crimes e abusos aos juizes, desempenhavam funes de polcia rural e de inspeo pblica [...] Tinham, alm disso, as Cmaras o direito de nomear procuradores Corte [...]

    Esse grau de autonomia e poder continuou at meados do sculo XVlI, mas comeou a decair em virtude do aumento do comrcio, e conseqente aumento da populao urbana, a expulso dos Holandeses e o fim do jugo Espanhol e o

    9 LEAL, Victor Nunes. Op. Cit. p. 82.10CARVALHO MOURO, Joo Martins de. Apud LEAL, Victor Nunes. Op. Cit. p. 82.

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    aumento do aparelhamento administrativo que possibilitou uma maior presena da Coroa, conforme Leal11. Nessa poca, inaugurou-se o regime administrativo das regies aurferas, por meio da organizao das Intendncias, as quais possuam atribuies judicirias, administrativas e fiscais e s prestavam contas Metrpole. Nesse processo de retomada do poder sobre os assuntos locais, a Coroa recua nas concesses e lana mo dos expedientes legais, especialmente as Ordenaes Filipinas. J

    Com a instalao da Coroa no Brasil, em 1808, h uma imposio muito maior do poder Real sobre o aparato administrativo e sobre a influncia do poder privado, aumentando ainda mais com a constitucionalizao do pas. Esse fato levou integrao do poder pblico com o pas, refletindo em sua composio jus tamente as foras polt icas de nossa terra.

    A Constituio de 1824 previa a eletividade das Cmaras Municipais, porm sob essa mesma Constituio que essas Cmaras caram na dependncia dos Conselhos Gerais das Provncias (Art.167 e 169, da constituio de 1824). Conforme Leal12, as Cmaras Municipais teriam sido tambm instrumentos de defesa dos interesses nacionais em contraposio aos interesses Portugueses, ou seja, focos de resistncia e movimentao poltica prxima da populao. Com o objetivo de cercear essa autonomia municipal, as Cmaras so declaradas como meras corporaes administrativas, afastando as atribuies ju r isdic ionais , Art.

    11 LEAL, Victor Nunes. Op. Cit. p. 8712LEAL, Victor Nunes. Op. Cit. p. 93.

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    24 da Lei de Organizao Municipal de I o de Outubro de 1828, As Cmaras so corporaes meramente administrativas, e no exercero jurisdico alguma contenciosa . Tambm foram submetidas a um rgido controle pelos Conselhos Gerais, Presidentes das Provncias e pelo Governo Geral. A essa situao denominou-se doutrina da Tutela, pela qual as Cmaras eram consideradas relativamente capazes. Seus atos deveriam ser referendados pelos tutores - os Conselhos Gerais, Presidentes ou Governo Geral, conforme se verifica nos artigos 42 e seguintes do referido diploma legal. Segundo Faoro: 13

    Em lugar de uma clula viva, diretamente nascida dasociedade, associao superior lei, conseqncia

    vnormal da vizinhana, do contato da mtua dependncia dos gozos e perigos comuns do complexo de suas numerosas relaes socia is, como pretendia o comentarista maior da constituio, saiu um municpio tutelado.

    O artigo 3o da Constituio de 1824, previa que as Provncias seriam administradas por um Presidente nomeado pelo Imperador. At ai verifica-se uma forte centralizao polt ica na relao Governo Central x Provncias, pois os Presidentes nada mais so que os longa manus do Imperador. Os Municpios, por

    13FAORO, Raimundo. Op. Cit. 306

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    sua vez, tambm so subjugados diretamente pelas provncias e indiretamente pelo Governo Central.

    Perodo fecundo em discusses sobre a forma de organizao do Estado, deu-se especialmente aps o 7 de abril de 1831, at 1834, com a promulgao do Ato Adicional. Nesse perodo, segundo Faoro14, tudo foi reclamado: a federao, a liberdade religiosa, a justia eletiva, a extino do poder moderador e do Conselho de Estado, a repblica depois do governo de D. Pedro II, o senado temporrio a diviso das despesas pblicas entre as provncias.

    Com o Ato Adicional de 12 de Agosto de 1834, resultado do embate pol t ico entre foras liberais que tencionavam fortalecer as Provncias, e foras conservadoras, que defendiam o Poder Central, saem-se fortalecidas as Assemblias Provinciais, as quais recebem um leque de atribuies, em detr imento dos Presidentes. Os conselhos gerais das provncias se elevam a assemblias legislativas provinciais. As provncias, embora desprovidas de autogoverno, ganham o poder legislativo emancipado, com largas interferncias e geral tutela sobre os municpios.15 mantida a nomeao dos presidentes. Leis provinciais sobre assuntos municipais no necessitavam de sano presidencial conferindo, assim, influncia das correntes majoritrias nas assemblias provinciais.

    14 FAORO, Raimundo. Op. Cit. P. 308/309.15 FAORO, Raimundo. Op. Cit. p. 308.

  • 58

    O Cdigo de Processo Penal, de 29 de novembro de 1832, foi mais uma obra descentralizadora, dividindo a circunscrio judiciria de primeira instncia em distrito, termo e comarca. O Distrito foi entregue ao Juiz de Paz, com atribuies judicirias e autoridade eletiva, Inspetores de Quarteiro, nomeados pelas Cmaras. O Juiz de Paz exerceu funes de destaque nos municpios e, no raro, estabeleceu um forte poder em torno de si, ultrapassando os limites legais, o centro do sistema estava no juiz de paz, armado com a truculncia de seus servidores* os inspetores de quarteiro, [...] era talvez a 3a autoridade depois da regncia e dos ministros.16

    Essa descentralizao, em relao ao Imprio e a Centralizao em relao aos Municp ios, no dizer de FAORO17, um esquema que visa desmontar, pela descentra lizao, quase federativa, mas adversa a federao, o central ismo bragantino, ao tempo que foge da fragmentao municipal. Mais adiante, o mesmo autor afirma:

    O provincialismo, nos moldes consagrados pelo Ato Adicional, afasta das decises o centro e os municpios. As provncias jugulam as cmaras municipais e amesquinham as atribuies do presidente, criatura do centro, preso s leis editadas pela assemblia, que lhes prescreve o modo, as condies e forma das nom eaes .18

    16 FAORO, Raimundo. Op. Cit. p.306.17 FAORO, Raimundo. Op. Cit. p. 307.18 FAORO, Raimundo. Op. Cit. p. 316/317.

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    No obstante, os Presidentes continuam sendo figuras predominantes no cenrio polt ico, sendo os responsveis por garantir a vitria eleitoral aos candidatos do governo, especialmente aps a lei de 12 de maio de 1840, que deu interpretao restrit iva s prerrogativas das Assemblias. Leal19, citando Hermes Lima, diz que a centralizao no Imprio deve-se a fatores do regime servil, que num pas geograficamente extenso poderia levar a sua supresso em algumas provncias, o que seria intolervel para a manuteno do regime como um todo.

    O processo de reao centralizadora passa tambm pela antecipao da maioridade do Imperador, pela reconstituio do Conselho de Estado que tem como funo resguardar o Poder Moderador, servindo como anteparo poltico, pela Lei de Interpretao de 1840 e a reforma do Cdigo de Processo Penal de 3/12/1841, esse tendo atribudo ao poder central a faculdade de nomear os chefes de polcia nas provncias. Esses chefes pol t icos passam a incorporar as funes policiais e judicirias.

    Criou, no municpio da corte e em cada provncia, um chefe de polcia, com delegados e subdelegados a ele subordinados, nomeados pelo imperador e pelos presidentes. O ju iz de paz despe-se da majestade rural, jugulado pela autoridade policial, que assume funes policiais e judicirias. Os juizes municipais e os

    19LEAL, Victor Nunes. Op. Cit.. p. 96/97.

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    promotores perdem o vnculo com as cmaras. ... As autoridades locais no desaparecem, seno que se atrelamao poder central, isto , ao partido que ocupa o

    . - 20 m inis tr io .

    Lei de reforma do Cdigo de Processo Criminal (centralizao da Polcia e da Justia). Lei n. 261 (3 dez. 1841). [...]Art, 4. Aos chefes de polcia em toda a provncia e na Corte, e aos Seus delegados nos respectivos distritos, compete: [...] 5. Examinar se as cmaras municipais tm providenciado sobre os objetos de polcia, que por lei se acham a seu cargo, representando-lhes com civilidade as medidas que entenderem convenientes, para que se convertam em posturas e usando do recurso do art. 73 daLei de 1. de outubro de 1828, quando no forem

    21atendidos.

    O que se verifica um constante processo de centralizao e descentralizao fluindo irremediavelmente em direo ao centro, isto , um constante processo contraditrio pelo qual o fluxo e o refluxo do poder vai

    20FAORO, Raimundo. Op. Cit. p. 333.21 BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Robeito. Textos Polticos da Histria do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1996.

    9 v . : il. Disponvel em: http:/Avww.cebela.org.br/txtpolit/socio/fr sumar. Acesso em: 8 dez. 2000.

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    constantemente sendo atribudo ao poder central e s provncias. Esse o resultado dos embates polt icos entre liberais e conservadores, que predominantemente buscam impor seus pontos de vista ao Imprio.

    No Brasil os liberais expandem a doutrina num sent ido popular e descentralizador, mais federal que popular, no sentido de assegurar aos ncleos locais - o municpio e, sobretudo, a provncia - o poder de eleger e nomear a representao. Em lado oposto, os conservadores, ao dominarem o Senado e o Conselho de Estado, armam sua estrutura de domnio com o controle da Cmara dos Deputados, chave de confiana ao ministrio, e, por via da organizao da cpula, fazem e desfazem as eleies. Esse mecanismo, montado desde 1836 e que culmina a Conciliao (1853), ser a substncia da ordem imperial, da qual, no poder se beneficiam os liberais, com o arrefecimento per idico de suas reivindicaes histricas.22

    O municpio, que de incio possua uma vasta autonomia, no popular por certo, vai pouco a pouco perdendo essa prerrogativa.

    22 FAORO, Raimundo.Op. Cit.. p.346.

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    No segundo reinado, a partir da dcada de 60, h uma clara manifestao pelo fim do Imprio. Numa primeira fase, surge o Manifesto Republicano, a questo religiosa, a questo militar e a questo eleitoral (Lei Saraiva, que permitia a elegibilidade de no catlicos). A questo federal passa a ser objeto de discusso e proposta nos partidos polticos. Na rea econmica o desenvolvimento das atividades comerciais e a cafeicultura vo substi tu indo gradativamente a mo-de-obra escrava pela assalariada. A lavoura cafeeira, especialmente de So Paulo, busca por intermdio da descentralizao do poder polt ico consolidar sua hegemonia local. O veto do primeiro-ministro Visconde de Rio Branco bula SYLLABUS, de 1864, que previa a expulso dos maons das irmandades catlicas, as quais eram ligadas ao Estado, tendo incumbnciasburocrt icas diversas - registros de nascimentos, casamentos, etc. - fez com que

    f

    o Imprio perdesse o apoio da Igreja. Em relao questo militar pode-se dizer que a segurana nacional era exercida pela Guarda Nacional. O Exrcito, dentro das fronteiras brasileiras era visto como insignificante, sua condio era subalterna, sendo constatada a importncia, somente aps a Guerra do Paraguai. Dentro do Exrcito surgiram alguns positivistas que pregavam a supremacia de uma Repblica autoritria e reformista. Atiados pelo descontentamento com a situao subalterna em que se encontravam, agravada com o rumor de um boato

    23de que o Exrcito seria afastado do Rio de Janeiro, os militares se rebelaram . Por outro lado, pode-se dizer que houve uma dissoluo dos laos tradicionais entre a elite e a liderana do exrcito, pois esse, atravs da oficialidade mais jovem, propugna pelo abolicionismo e antinepotismo.23 LOPES, Luiz Roberto. Uma Histria do Brasil. So Paulo: Contexto, 1997. p. 13.

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    Todos esses acontecimentos so mostras de que os fatores reais de poder, no dizer de Lassale24, no encontram correspondncia na organizao poltico- institucional, ou seja, o Imprio foi privado do apoio das novas e dinmicas classes dominantes que logo seriam hegemnicas.

    Com a instaurao da Repblica e a implantao do Federalismo - 1889-, e a esperada descentralizao do poder polt ico, o ambiente tornava-se favorvel maior autonomia poltico-administrativa dos municpios e das antigas provncias.

    At 1891, houve o governo provisrio de Deodoro da Fonseca. A primeira const itu io republicana separou a Igreja do Estado, criando sistema Presidencialis ta e o Federalismo. O povo mais uma vez ficou subordinado s leis que beneficiavam as elites. A Poltica do Encilhamento, a qual consistia em emprestar dinheiro de fora para investir na rea industrial nacional, no obteve xito, eis que a inflao obteve ndices exorbitantes, face ao aumento do meio circulante. Os preos subiram 300% e os salrios 100%. Passou-se a emitir mais moeda para pagar os salrios da mo-de-obra assalariada. Em razo disso, inmeras revoltas e greves assolaram o Rio de Janeiro.

    Do ponto de vista constitucional, a Constituio Federal de 1891 no especificou os poderes e o grau de autonomia dos municpios, deixando ao24 LASSALE, Ferdinand. O Que uma Constituio. So PauloiGlobal Editora, 1987. p.34

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    encargo dos Estados-membros a fixao desses poderes, tendo sido lacnica em sua disposio conforme Art. 68. Os Estados organizar-se-ho de frma que fique assegurada a autonomia dos municpios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.

    Alm disso, no restou definido o que seria peculiar interesse , modo pelo qual ficaria ao embate polt ico-econmico o estabelecimento da almejada autonomia municipal. Modo pelo qual prospera o chamado Coronelismo , pelo qual os Governadores passam a atribuir maior ou menor autonomia poltica conforme as lideranas locais, nos Municpios, conforme sejam seus partidrios ou no.

    No mbito federal, surge a polt ica com e para os governadores, durante o governo, Campos Sales (1898-1902), o qual optou por vrias medidas impopulares: diminuir expressivamente os salrios, queimar o dinheiro excedente para valorizar o mil-ris, procurar fazer o Estado gastar o mnimo possvel, obter moratria para a dvida externa, oferecendo garantias (funding- loan).

    Para conseguir o seu intento buscou o apoio das oligarquias regionais que controlavam suas populaes em um ambiente calmo. As eleies presidenciais eram totalmente mandadas pelos latifundirios. Nessas vigorava o princpio da a lternncia no poder, do Estado de So Paulo (produtor de caf) e o estado de Minas Gerais (produtor de gado leiteiro), o candidato eleito era resultado de um

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    consenso desses dois Estados, chamando-se, por conseqncia, de Pol t ica do Caf-com-Leite.

    A Constituio de 1891, atribuiu aos Estados-membros a competncia para fixarem a autonomia municipal. A Emenda de 1926 procurou restabelecer a autonomia municipal. Foi, porm, com a constituio de 1934, que a competncia municipal foi expressamente fixada, especialmente para tratar dos assuntos de seu peculiar in teresse , alm de impor aos Estados-membros a observncia da autonomia municipal. Foi tambm estabelecida a competncia para instituir certos tributos e admitindo certo controle sobre a sua administrao.

    A Carta Constitucional de 1937 reduziu drasticamente a autonomia municipal e, inclusive, nem mencionou em seu texto a autonomia. Alm disso, a Const ituio de 1937, no tocante ao princpio eletivo, no entrou em vigor, tendo sido utilizado para tal o Decreto-Lei 1.202, de 1939, que dispunha sobre a administrao dos Estados e Municpios. Esse Decreto-Lei suprimiu os rgos representativos e a administrao municipal ficou sujeita a um sistema rgido de controle prvio e posterior. O Prefeito e o Governador do Estado eram de livre nomeao e demisso (Art. 3o) cabendo ao Prefeito exercer suas funes executivas em colaborao com o Departamento Administrativo, criado pelo Governo Central para referendar a maioria dos atos dos Governos Estaduais e Municipais, Art. 17:

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    Compete ao Departamento Administrativo:a)aprovar os projetos dos decretos-leis que devam ser baixados pelo Interventor, ou Governador, ou pelo Prefeito;b)aprovar os projetos de oramento do Estado e dos Municpios [...]c)fiscalizar a execuo oramentria no Estado e nos Municpios, [...]d) [...]e)proceder ao estudo dos servios, departamentos, reparties e estabelecimentos do Estado e dos Municpios, com o fim de propor, do ponto de vista da economia e eficincia, as modificaes que devam ser feitas ns mesmos, sua extino, distribuio e agrupamento, dotaes oramentrias, condies e

    25processos de trabalho; [...]

    Com a Constituio de 1946, os municpios tiveram assegurado no texto consti tucional sua autonomia com a previso estabelecida no Art. 28, a qual previa a eleio do prefeito e dos vereadores e a administrao prpria, no que concernia aos seus interesses peculiares. Tambm foi garantida sua autonomia financeira, com a possibi lidade de arrecadar os seguintes tributos: predial e territorial urbano; de licena; de indstrias e profisses, sobre diverses25 CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituies. So Paulo: Atlas, 1999. p. 636/637.

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    pblicas; sobre atos de sua economia ou assuntos de sua competncia, alm de outras transferncias, especialmente a prevista no seu Art. 20.

    Com a Constituio de 1967, a autonomia poltica dos municpios voltou a ser cerceada, especialmente no tocante a eleio do chefe do execut ivo municipal. O Art. 16, I o, disps textualmente que os prefeitos de capitais e das reas de segurana nacional e dos das estncias hidrominerais seriam nomeados pelo Presidente da Repblica. O que determinou o fim da autonomia organizativa da maioria dos municpios brasileiro

    3.3 DAS CAPITANIAS AO ESTADO-MEMBRO

    O primeiro esboo de Estado-membro, surgido na terra brasilis, a instituio das Capitanias Hereditrias durante o perodo Colonial Brasileiro. Essas foram institudas por D. Joo III, a partir de 1534, subdividiu o territrio brasileiro em 12 ( doze ) espaos geogrficos, os quais foram doados a doze capites-mor. A terra foi dividida em sesmarias e sua propriedade era plena. At 1780, a nica obrigao do donatrio era a util izao dentro de prazo estipulado. Houve um verdadeiro regime de enfeudao, pelo qual as capitanias const itu am a superestrutura polt ico-social; as sesmarias a infraestrutura.26

    26 PAUPRIO, A. Machado. Organizao do Estado Brasileiro. Revista de Cincia Poltica, n. 3. v. 27. set./dez. 1984. p. 72/73.

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    Esse sistema descentralizado, que o Estado Portugus instituiu, com o objetivo de colonizar o novo territrio, no trouxe os resultados esperados razo pela qual foi abandonado e institudo o sistema de Governos-Gerais.

    Aps 1548, embora mantidas as Capitanias Hereditrias, foi institudo o sis tema de Governos Gerais, que em algumas pocas foram divididos em dois, um para o Sul, com sede no Rio de Janeiro, e outro para o Norte, com sede na Bahia. Esse Sistema perdurou at 1720, quando foram definitivamente subst itudos por Vice-Reis, com sede na Bahia. Em 1765, o Rio de Janeiro passou a ser a nica Capital da Colnia. Tendo continuado assim at a chegada de D. Joo VI, em 1808, Rei de Portugal, ao Brasil.

    Em 1815, com a elevao do Brasil a categoria de Reino, foram criadas as Provncias, em nmero de 20. Essas Provncias que mais tarde, em 1891, iro se transformar em Estados-membros.

    Em 7 de setembro de 1822, o Brasil torna-se uma nao independente, ou seja, um Estado unitrio, com um governo central governado por um imperador.

    O Brasil, com a independncia, adquiriu o status de Estado livre e soberano. A forma de Estado adotada foi o monrquico constitucional unitrio, ou seja, o Estado era um todo dividido em provncias, que poderiam ser subdivididas a seu critrio. A primeira Carta Poltica, outorgada por D. Pedro I, assim dispunha:

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    Art. 1. O IMPRIO do Brazil a associao Poltica de todos os Cidados Brazileiros. Elles formam uma Nao livre, e independente, que no admitte com qualquer outra lao algum de unio, ou federao, que se opponha sua Independencia.Art. 2. O seu territorio dividido em Provncias na frma em que actualmente se acha, as quaes podero ser subdividas, como pedir o bem do Estado.27

    Pela forma adotada havia um s Estado, o Imprio do Brazil , que se subdividia, administrativamente em provncias administradas por um presidente nomeado pelo Imperador. O poder polt ico e o centro de decises administrativas estavam centrados na figura do Imperador (art. 3).

    Segundo Paulo Bonavides28, o Brasil, portanto, foi inquestionavelmente Estado unitrio durante todo o Imprio, apenas com um certo grau de descentralizao de que resultou a rbita do legislativo provincial. Essa descentralizao pode ser detectada especialmente durante o perodo da Regncia (1831 a 1841).

    27 CAM PANHOLE, Adriano.O p. Cit. p .813.28 BONAVIDES, Paulo. O Federalismo e a Reviso da Forma de Estado. Revista de Informao Legislativa do Senado Federal. Braslia: Senado Federal, jan/mar. 1973. v. 10. n. 37. p. 22.

  • 70

    3 .4 0 FEDERALISMO NO BRASIL

    Com o Decreto n 1, de 15 de novembro de 1889, foi proclamada provisoriamente a forma republicana de governo e federativa de Estado, nos termos do seu artigo I o Fica proclamada provisoriamente e decretada como a frmula de governo da nao brazileira - a Repblica Federativa.29

    Os Estados-membros, criados aps a instaurao da Repblica (1889),so considerados pessoas jurdicas de direito pblico interno e oficialmentecomporo a federao brasileira. E o federalismo por segregao oriundo do antigo Estado monrquico unitrio.

    3.4.1 A Questo Federal nas Diversas C onstituies

    A Federao, no Brasil foi adotada com o advento da Repblica (Decreto n 1, de 15/11/89). Ao contrrio da Federao Americana, o Estado Brasileiro, antes da Repblica era um Estado Unitrio, com descentralizaes administrativas para melhor administrar os negcios pblicos. Em decorrncia disso, e das inmeras revoltas regionais - Revoluo Farroupilha, Balaiada, Canudos, Confederao do Equador, etc., - que de uma forma ou de outra se insurgiram contra o poder central, foi adotado a federao - com a proclamao

    29CAMPANHOLE, A driano. Op. Cit. p. 783.

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    da Repblica. No se firmou um pacto federativo, pelo qual as partes acrdo em ceder parte de sua soberania em benefcio de um ente que os represente, concedeu-se autonomia polt ica e administrativa s Provncias, as quais passam a se denominar Estados.

    Com o advento da Constituio de 24 de Fevereiro de 1891, foi adotado o Estado Federal sob a forma Republicana.

    Art. I o - A Nao Brazileira adopta como frma de governo, sob o regimem representativo, a Republica Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitue-se, por unio perpetua e indissolvel das suas antigas provncias, em Estados Unidos do Brazil.Art. 2o - Cada uma das antigas provncias formar um Estado, [,..]30

    No caso da Federao Norte