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A COMPETITIVIDADE DO TRIGO BRASILEIRO DIANTE DA CONCORRÊNCIA ARGENTINA AUTORES: Argemiro Luís Brum CPF: 279.295.580-53 E-mail: [email protected] Cláudia Regina Heck CPF: 951.809.071-87 E-mail: [email protected] Cleber Vinicios Kirchner da Silva CPF: 013.072.830-63 E-mail: [email protected] Cristiano da Luz Lemes CPF: 001.382.030-32 E-mail: [email protected] Patricia Kettenhuber Müller CPF: 004.158.260-80 E-mail: [email protected] Endereço: Rua do Comércio, 3000. Campus Universitário Cx. Postal 560 DECon/UNIJUI Campos UNIJUI 98700-000 Ijui/RS ÁREA TEMÁTICA N° 1 – COMERCIALIZAÇÃO, MERCADOS E PREÇOS AGRÍCOLAS. APRESENTAÇÃO COM PRESIDENTE DA SESSÃO E PRESENÇA DE UM DEBATEDOR.

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A COMPETITIVIDADE DO TRIGO BRASILEIRO DIANTE DA CONCORRÊNCIA ARGENTINA

AUTORES: Argemiro Luís Brum CPF: 279.295.580-53 E-mail: [email protected] Cláudia Regina Heck CPF: 951.809.071-87 E-mail: [email protected] Cleber Vinicios Kirchner da Silva CPF: 013.072.830-63 E-mail: [email protected] Cristiano da Luz Lemes CPF: 001.382.030-32 E-mail: [email protected] Patricia Kettenhuber Müller CPF: 004.158.260-80 E-mail: [email protected] Endereço: Rua do Comércio, 3000. Campus Universitário Cx. Postal 560 DECon/UNIJUI Campos UNIJUI 98700-000 Ijui/RS

ÁREA TEMÁTICA N° 1 – COMERCIALIZAÇÃO, MERCADOS E PREÇOS AGRÍCOLAS.

APRESENTAÇÃO COM PRESIDENTE DA SESSÃO E PRESENÇA DE UM DEBATEDOR.

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A COMPETITIVIDADE DO TRIGO BRASILEIRO DIANTE DA CONCORRÊNCIA ARGENTINA

RESUMO O artigo destaca a evolução histórica da produção de trigo no mundo e particularmente no Brasil e Argentina, com ênfase na economia do produto. Neste sentido, o mesmo analisa a evolução da área plantada, da produção, da produtividade, dos preços e faz um comparativo dos custos de produção entre a Argentina e dois Estados brasileiros (Paraná e Rio Grande do Sul), principais produtores do cereal. A análise procura detectar os porquês da forte participação argentina no fornecimento de trigo ao Brasil, particularmente a partir do advento do Mercosul. Sob este prisma, se detém no estudo da evolução das importações de trigo pelo Brasil, na evolução dos preços internacionais e nas três diferentes regiões produtoras citadas, e o papel da Argentina como fornecedor do cereal. PALAVRAS –CHAVE Trigo - Mercado - Competitividade INTRODUÇÃO A cultura do trigo, no sul do Brasil, se tornou uma atividade das mais importantes para o agronegócio regional. Sua presença se confunde, a partir dos anos de 1950, com o processo de modernização da agricultura gaúcha inicialmente e, posteriormente, catarinense e paranaense. A mesma se tornou uma importante alternativa econômica de inverno, complementada, dentro do processo de modernização, pela soja no verão. No entanto, a mesma somente pode se desenvolver graças ao apoio oficial, via subsídios e políticas agrícolas favoráveis. Uma realidade que se altera profundamente, a partir de 1990, quando o governo federal deixa de apoiar diretamente a cultura do trigo e, além disso, passa a desenvolver um processo de abertura comercial. Neste último caso, o advento do Mercosul, a partir de 1991, favorece ainda mais a entrada de trigo estrangeiro no país, na medida em que nunca fomos auto-suficientes neste cereal. Assim, a entrada cada vez mais importante de trigo argentino, favorecido pelos acordos junto ao bloco econômico regional, provoca uma profunda mudança na economia do trigo brasileiro. Esta realidade nos levou a desenvolver estudo em busca da melhor compreensão sobre o mercado sul-americano do trigo, com ênfase nas relações comerciais entre a Argentina e o Brasil, a partir da consolidação do Mercosul, visando situar a cadeia produtiva do trigo em nosso país. Este tema de estudo, que origina o presente artigo, tem por objetivos estudar o comportamento do mercado do trigo, especialmente nos 20 anos compreendidos entre 1981 e 2001, na Argentina e no Brasil (particularmente no Paraná e Rio Grande do Sul). Busca igualmente verificar a evolução do comércio internacional do cereal, no período considerado, com ênfase nas trocas comerciais entre Brasil e Argentina. Nesta lógica, visa analisar os impactos deste comércio na produção de trigo brasileira, especialmente nos dois principais Estados produtores (Paraná e Rio Grande do Sul), assim como relacionar a força deste impacto entre a realidade comercial, oriunda

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na construção do Mercosul, e a prática de políticas comerciais e econômicas nos diferentes países citados. Por fim, objetiva estudar os efeitos desta realidade sobre os agentes econômicos ligados à triticultura nos dois Estados citados, especialmente junto aos produtores rurais, suas cooperativas e os moinhos processadores do cereal. Na prática, os novos tempos econômicos porque passa o Brasil, em especial quanto a sua inserção num contexto de economia mundial mais aberta, exigem um estudo mais acurado para entendermos em quanto influiu a formação do Mercosul no mercado do trigo brasileiro. Isto deverá nos indicar a conveniência de se voltar a apoiar a triticultura nacional e em que nível este apoio deve ocorrer. Com isso, espera-se poder indicar um padrão viável de produção para o trigo nacional. Através do mesmo, poderemos definir até onde e a partir de que estágio econômico a produção de trigo brasileira se torna viável, considerando o novo contexto econômico nacional e internacional em que vivemos. Para tanto, desenvolveu-se a metodologia de, pelo lado bibliográfico, esgotar as principais fontes teóricas existentes sobre o assunto, com ênfase na experiência regional dos agentes econômicos envolvidos na cadeia produtiva do trigo. Uma recuperação histórica, inicial, se fez necessária, assim como um resgate das principais políticas agrícolas destinadas ao setor. Um segundo passo metodológico decisivo se concentra na construção e aplicação de um instrumento para a pesquisa de campo, a fim de verificar diretamente junto aos empresários do setor tritícola nacional (produtores rurais, cooperativas e moinhos) os reais impactos do novo processo econômico vivido pelo país, sobre a cadeia produtiva do trigo.

Este artigo retrata os primeiros resultados concretos do estudo que ainda está em andamento, agora em sua fase conclusiva. O mesmo está dividido em cinco partes. A primeira traça um breve histórico da produção de trigo no mundo, na América Latina e particularmente na Argentina e Brasil. A segunda parte se concentra na economia do trigo, com ênfase na produção e formação dos preços. A terceira parte destaca o comércio internacional do cereal e a real participação do Brasil e da Argentina neste campo. A quarta parte se detém a estudar os custos de produção, buscando identificar a origem da maior competitividade do trigo argentino em relação ao brasileiro. Enfim, o artigo destaca as importações de trigo pelo Brasil, o impacto dos preços internacionais e o papel da Argentina como principal país fornecedor do cereal ao nosso país.

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1 - Breve Histórico da Produção do Trigo O homem cultiva o triticum vulgare há, pelo menos, seis mil anos. No início, triturando-o entre pedras rústicas, para aproveitar a farinha. Foram encontrados grãos de trigo nos jazigos de múmias do Egito, nas ruínas das habitações lacustres da Suíça e nos tijolos da pirâmide de Dashur, cuja construção data de mais de três mil anos antes de Cristo (ABITRIGO, 2002). Nas Américas, a chegada do trigo aconteceu com a segunda viagem de Colombo, quando se registra a vinda de sementes de trigo e de cevada para serem cultivadas. Não existem informações se foi a partir desta primeira introdução que o cereal se propagou ao resto do Novo Mundo. O certo é que foi efetivamente semeado, em 1493, pelos espanhóis que aqui se estabeleceram. Na América do Sul, o trigo foi semeado pela primeira vez em 1527, quando o navegante italiano Sebastião Gaboto fundou o Forte Sancti Spiritus, na atual Província de Santa Fé, Argentina. Nas cidades fundadas previamente na costa norte do continente, dificilmente se tentou cultivar trigo, já que os colonos tinham a experiência negativa das ilhas tropicais do Caribe (ARIAS, 2003). 1.1 - O Cultivo do Trigo na Argentina e no Brasil Apesar do primeiro cultivo de trigo ocorrer na Argentina, em 1527, o verdadeiro desenvolvimento agrícola naquele país começou em 1870, quando foram plantados 70.000 hectares de trigo, superando um milhão de hectares em 1890. Em 1911, foram semeados seis milhões de hectares de cereais, dentre eles o trigo. As variedades cultivadas tinham sido trazidas pelos colonos de diversas procedências (ARIAS, 2003). Por sua vez, no Brasil a história do trigo teve início em 1534, quando as naus de Martim Afonso de Sousa trouxeram as primeiras sementes do cereal para serem lançadas às terras da Capitania de São Vicente, hoje São Paulo, de onde foram difundidas por todas as capitanias, invadindo até a Ilha de Marajó, cujas plantações se tornaram, mais tarde, famosas (ABITRIGO, 2002). Em 1737, alguns colonos dos Açores chegaram ao Rio Grande do Sul e se dedicaram à triticultura. Em 1780 foi colhido no Rio Grande do Sul 61.111 alqueires de trigo ou 2.000 toneladas e, em 1781, 62.879 alqueires (ABITRIGO, 2002). Entre 1840 e 1850 cultivava-se trigo no município pernambucano de Bonito, a 480 m de altitude; em Viçosa, Alagoas; na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, dentre outros locais do país (CUNHA BAYMA, 1960, p. 98-99). Eram culturas pioneiras que mostravam a possibilidade do Brasil produzir trigo não só nas regiões Sul e Leste, mas também no Nordeste e no Centro-Oeste, desde que se corrigisse a latitude com a altitude. Mas, por volta do primeiro quartel do século

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XX, e devido à ferrugem que se abateu sobre os trigais brasileiros já no século anterior, começou a decadência de nossa triticultura na sua primeira fase (ABITRIGO, 2002). Os imigrantes europeus sempre contribuíram para a difusão da cultura do trigo. Porém, não havia a preocupação em introduzir variedades resistentes às diversas ferrugens e capazes de se aclimatarem no Brasil. Assim, aos anos de êxito seguiam-se os de fracasso (ABITRIGO, 2002). Este processo irá se modificar a partir dos anos de 1950, quando o governo brasileiro passou a apoiar a triticultura nacional via políticas específicas. A produção de trigo no Brasil entra, portanto, em sua segunda fase. Nesta, o trigo abriu caminho à modernização da agricultura, tendo como referência geográfica o Rio Grande do Sul, principalmente associado à produção de soja, a qual ocupou as áreas de trigo cultivado nos meses de maio a novembro, e que ficavam ociosas durante o verão (novembro a abril) (TOMASINI, et al., 1998). 1.2 - O Cultivo do Trigo no Rio Grande do Sul

As primeiras medidas oficiais, objetivando uma produção tecnicamente avançada de trigo no Rio Grande do Sul, foram tomadas em 1928, por Getúlio Vargas, então presidente do Estado. Criou-se, na ocasião, estações fitossanitárias experimentais, onde técnicos brasileiros deram origem a variedades novas, melhor adaptadas ao meio. Depois de 1930, com Getúlio Vargas na Presidência da República, aumentaram as preocupações em relação à produção nacional de trigo, que se traduziram em várias medidas legais numa crescente intervenção do Estado neste setor (BRUM, 1988, p. 73-74).

A partir dos anos de 1950, o crédito fácil, a juros favorecidos, e a garantia de preço estável tiveram importante papel na expansão da triticultura gaúcha. O maior problema estava na comercialização, uma vez que o trigo estrangeiro, além de ser de melhor qualidade, era mais barato, o que deu origem aos abusos conhecidos como "trigo-papel", expediente utilizado pelos moinhos e outros interessados, com o objetivo de burlar as normas legais vigentes sobre o assunto e aumentar substancialmente seus ganhos. Várias fortunas se originaram por essa forma. Para coibir essa fraude, a partir de 1962 o governo instituiu a estatização da comercialização do trigo, estabelecendo o Banco do Brasil como o único comprador do cereal no país (BRUM, 1988, p. 74).

No início da década de 1970 esgotou-se a expansão da lavoura de trigo no Rio Grande do

Sul. De 1972 em diante ocorreu acentuado declínio desta cultura no Estado, motivado principalmente pela baixa produtividade e pelas freqüentes frustrações de safras. De fato, trata-se de lavoura extremamente delicada e insegura, muito frágil aos flagelos climáticos e às doenças e pragas. Seu rendimento em cada safra tem sido muito variável e incerto (BRUM, 1988, p. 162).

A produtividade era muito baixa. No decorrer de 37 anos (1950 - 1986), em apenas sete

deles o rendimento médio no Estado ultrapassou os 1.000 quilos por hectare, sendo que o índice mais elevado de produtividade foi de 1.376 quilos, em 1986 (BRUM, 1988, p. 162).

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Na história recente do País, mudanças na política interna brasileira e a decisão de realizar a abertura comercial abalaram a triticultura. O início do processo se deu em 1990, com a saída da atuação do Estado do complexo agroindustrial de trigo - Lei 8.096 de 21 de novembro de 1990. Novamente, preços subsidiados no mercado internacional, taxas de juros e prazos de pagamento diferenciados, pegaram o produtor brasileiro sem capacidade de competição. E assim, o Brasil, apesar de ter terras, clima relativamente adequado, tecnologia e produtores experientes, tornou-se um dos principais países importadores de trigo. Neste contexto, soma-se a construção do Mercosul, a partir de 1991, na medida em que a Argentina continuou sendo um forte produtor e exportador do cereal. Nos últimos anos, a cultura de trigo, embora muito aquém das potencialidades brasileiras, voltou a ser incrementada no país. Para isso, contribuíram as contingências do mercado internacional de trigo e algumas políticas levadas a cabo pelo governo brasileiro, tais como a securitização de dívidas de produtores e o zoneamento agrícola, aliadas à disponibilidade de crédito e ao Prêmio para Escoamento de Produto (PEP), entre outras (CUNHA, 1999, p. 112). A abertura de mercado e o setor produtivo despreparado para a competição, além do clima, não permitiram, até o final do século XX, uma retomada consistente da produção, com a mesma ficando longe da auto-suficiência. 1.3 - A Política Brasileira em Apoio ao Trigo – Breves Comentários Pode-se caracterizar a triticultura brasileira pela forte intervenção estatal, a partir de 1930, e até 1990, via subsídios. Neste período, investimentos estatais vultosos foram feitos, visando dotar o país de uma estrutura competitiva para a produção de trigo. Entre esses, cita-se a contratação de especialistas estrangeiros, a formação de pessoal e de centros de pesquisas específicos para a triticultura, além da disponibilização de recursos, via políticas agrícolas, para o setor de produção e de transformação. A área científica fez e continua fazendo a sua parte. Dotou o país de cultivares e tecnologias para a produção de trigo, que nada ficam a dever, quando comparadas às existentes nos principais países exportadores desse cereal. Também é evidente que essa passagem do grupo dos principais países hoje importadores de trigo no mundo para o grupo dos auto-suficientes não é do dia para noite. Não pode ser uma meta de curto prazo. Há necessidade de um plano para isso, que priorize o aumento gradual e estável da produção interna, onde haja o comprometimento de todos os segmentos atuantes na cadeia de produção de trigo no país e não apenas esperar passivamente pela esfera estatal (CUNHA, 1999, p. 96).

Ao iniciar o século XXI o Brasil possuía três regiões tritícolas distintas: região Sul, compreendida pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná; região de São Paulo e Mato Grosso do Sul; e finalmente a região compreendida por áreas nos Estados de Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal e Bahia (BOMBARDIERI, 2001, p.10). 2 - A Economia do Trigo A análise da economia do trigo busca situar a atividade desenvolvida no Brasil, em relação ao mundo em geral e a Argentina em particular. Para tanto, o trabalho se detém em estudar, num período aproximado de 40 anos, a evolução da área plantada, o comportamento da produção, o rendimento médio obtido nos diferentes países e regiões, e o comportamento dos preços nos diferentes mercados.

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2.1 - Evolução da Área Plantada A área plantada com trigo no mundo, nos últimos 40 anos, evoluiu relativamente pouco. Em 1961 a mesma correspondia a 204,2 milhões de hectares. Deste total, a China ocupava a maior superfície semeada, com 12,5%. Em segundo lugar encontram-se os EUA com 10,2%, seguido da União Européia (considerando os 15 países membros anteriores à ampliação realizada em 01/05/2004) com 8,7%. Na América do Sul, a Argentina liderava a produção, com 4,4 milhões de hectares ou 2,1% do total mundial. Já o Brasil plantava apenas 1,02 milhão de hectares ou 0,5% da área mundial.

Em termos mundiais, esta área de trigo aumentou gradativamente até 1981, quando alcançou 239,2 milhões de hectares. Naquela oportunidade os EUA já ocupavam uma área maior, superando a China, ao registrar 32,6 milhões de hectares contra 28,3 milhões no país asiático. Isto significava respectivamente 13,6% e 11,8% da área total mundial. Ao mesmo tempo, a Austrália praticamente dobrou sua área cultivada com trigo, chegando a 11,8 milhões de hectares, enquanto a União Européia perdeu espaço, ao registrar 16,2 milhões de hectares ou 7,1% do total mundial. Já a Argentina, que havia chegado a 5,97 milhões de hectares em 1981, alcançou, no ano seguinte, a sua área máxima nestes 40 anos estudados, quando semeou 7,36 milhões de hectares. Por sua vez, o Brasil, que já havia atingido 3,8 milhões de hectares em 1979, assiste a um recuo de 50% nesta área em 1981. Na verdade, neste período de 40 anos, a área plantada com o cereal em nosso país sempre foi muito instável, variando ao sabor das políticas agrícolas anuais colocadas em prática pelo governo. A partir de 1981, a área mundial apresenta um relativo recuo, perdendo muito espaço a contar do início da década de 1990, quando registra um total de 231,2 milhões de hectares, os quais jamais serão recuperados a posteriori. A tal ponto, que em 1999 a área mundial chegou a 213,3 milhões de hectares, caindo ainda mais em 2002 ao registrar 210,6 milhões. Neste contexto, os EUA perdem novamente a liderança do plantio, sendo superados pela China que, em 2002, semeava 23,5 milhões de hectares de trigo contra 18,5 milhões dos EUA. Nos dois casos, áreas menores do que as semeadas 40 anos atrás. Em contrapartida, os demais países produtores e exportadores aumentaram ou conservaram suas áreas registradas em 1981. É o caso da Austrália, que registra 11,03 milhões de hectares em 2002 e a União Européia que passa a 18 milhões. Já o Canadá e a Argentina assistem a um recuo em suas áreas de trigo, com respectivamente 8,9 milhões e 5,9 milhões de hectares em 2002, após momentos mais interessantes em anos logo anteriores. O Brasil chega, no ano de 2002, com 2,04 milhões de hectares semeados, após manter-se durante os 10 anos anteriores na faixa média de 1,5 milhão de hectares. No caso brasileiro, a situação do trigo é bastante particular. Após alcançar a quase auto-suficiência em meados dos anos de 1980, o país diminui consideravelmente o entusiasmo pela triticultura, especialmente a partir de 1990 quando o governo passa a não mais comprar o produto, deixando o mercado balizar os preços. Vale ainda destacar que China e EUA, os dois maiores países produtores em termos de área, perdem espaço nestes últimos 40 anos, ao terem sua participação somada, em relação a área mundial total, recuando de 22,7% em 1961 para 20% em 2002. O Brasil, por sua vez, embora tenha melhorado sua performance, a partir de 1961, chega ao início do século XXI com uma área semeada em trigo 56% menor do que a registrada no auge de sua produção, em 1986. Desta

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forma, os dois principais produtores de trigo no Mercosul (Argentina e Brasil) representavam, em 2002, apenas 3,7% da área semeada no mundo. Em 1961 esta participação era de apenas 2,7%, tendo chegado a 4,4% em 1976 (melhor participação dos dois países na área mundial semeada em trigo nos 40 anos aqui analisados). Em 1982 esta realidade praticamente se repetiu pela última vez, com a região Argentina-Brasil chegando a 4,27% do total mundial.

Em relação à área plantada brasileira, os Estados do Rio Grande do Sul e do Paraná são responsáveis por mais de 90% do total, sendo que ao primeiro correspondia um percentual, em 2002, de 38,6% e ao segundo 51,6%. Observa-se uma clara inversão na área plantada dos dois Estados no período de 1962 a 2002, pois o Rio Grande do Sul, nos primeiros 20 anos, liderou o plantio de trigo, sendo posteriormente substituído pelo Paraná. 2.2 - Evolução da Produção A produção mundial de trigo quase triplica entre 1961 e 2002, passando de 222,3 milhões para 572,9 milhões de toneladas no período. O auge desta produção ocorreu em 1997 quando o volume mundial alcançou 613,3 milhões de toneladas. Ou seja, houve um claro ganho de produtividade média das lavouras mundiais já que o aumento na área plantada, no período considerado, foi pequeno.

Do total mundial produzido, temos a União Européia como o maior produtor, saindo de 35,1 milhões de toneladas (15,8% do total mundial da época) para 104,8 milhões de toneladas em 2002 (18,2% do total mundial de então). Em segundo lugar, esteve o EUA até 1978, quando perdeu temporariamente esta posição para a China. No entanto, a partir de 1983 a China desbanca os EUA como segundo produtor mundial de trigo, realidade que permanecia até 2002/03. Desta forma, em 2002, a produção da China era de 91,3 milhões de toneladas enquanto a dos EUA chegava a 44 milhões. O auge da produção na China se deu em 1997 com 123,3 milhões de toneladas. Já nos EUA o melhor ano foi em 1981 com 75,8 milhões de toneladas.

Em 1961, a região que hoje corresponde ao Mercosul produzia 6,6 milhões de toneladas do cereal (cerca de 3% do total mundial), sendo que a Argentina representava 86,1% deste total e o Brasil apenas 8,2%. O restante (5,7%) era dividido entre o Uruguai e o Paraguai. Nesta época, o Canadá produzia 7,7 milhões de toneladas e a Austrália 6,7 milhões de toneladas. Em 2002, o bloco sul-americano chegou a uma produção total de 16,05 milhões de toneladas ou 2,8% do total mundial. Ou seja, a produção dos demais países produtores de trigo cresceu mais rapidamente do que a do Mercosul. O melhor momento do bloco sul-americano, nestes 42 anos analisados, foi em 1982 quando o total produzido nos quatro países do hoje Mercosul chegou a 3,65% do volume mundial daquele ano. Esta situação praticamente se repetiu em 1996, quando o bloco alcançou 3,5% do total mundial produzido.

Vale destacar igualmente que Canadá e Austrália continuaram aumentando suas

produções, tendo chegado a 2002 com, respectivamente, 15,7 milhões e 9,4 milhões de toneladas. No entanto, a safra normal destes dois países gira ao redor de 24 milhões de toneladas (em 2002 houve forte frustração climática junto aos mesmos). Neste contexto, pela ordem, o século XXI inicia com a União Européia liderando a produção de trigo, seguida da China e em terceiro lugar os EUA. Longe deste trio vem, pela ordem, o Canadá e a Austrália. Num terceiro bloco,

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encontramos a Argentina, seguida de longe pelo Brasil. De todos estes países, o Brasil é o único grande importador do cereal, tendo se constituído no maior comprador mundial de trigo no final dos anos de 1990. A produção brasileira está concentrada, nos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul. Entre 1962 e 1979, acompanhando a evolução da área semeada, a produção gaúcha de trigo superava, normalmente, a paranaense. A partir de 1979, o Paraná assistiu a um significativo crescimento em sua produção, superando largamente o Estado gaúcho. Isto ocorre especialmente até 1998. Após esta data, em função de comportamentos climáticos e, notadamente, graças a uma melhoria na produtividade média, a produção do Rio Grande do Sul voltou a se aproximar da paranaense. Assim, o Paraná produziu, em 2002, um total de 1,06 milhão de toneladas de trigo, após enfrentar problemas climáticos, enquanto o Rio Grande do Sul chegava a 1,11 milhão de toneladas. 2.3 - Evolução da Produtividade A produtividade foi a maior responsável pelo aumento da produção mundial nestes 42 anos estudados. De tal forma, que a mesma, em termos médios mundiais, passa de 1.089 quilos/hectare em 1961 para 2.720 quilos/hectare em 2002, o que corresponde a um crescimento de aproximadamente 150% no período.

Neste contexto, a maior produtividade média é encontrada na União Européia. A mesma, que era de 1.960 quilos/hectare em 1961 chega a um máximo de 6.014 quilos/hectare em 1998, declinando para 5.820 quilos/hectare em 2002. Nesta região, alguns países, como a França, chegam a superar 10.000 quilos/hectare. O crescimento da produtividade média européia, ponta a ponta, ficou em 197% entre 1961 e 2002. Em segundo lugar, encontramos a China, com um extraordinário crescimento de produtividade nos 42 anos analisados. O mesmo atinge a 595% entre 1961 e 2002. O rendimento, que era de 559 quilos/hectare em 1961, chega ao auge em 1997, com 4.102 quilos/hectare, recuando para 3.885 quilos em 2002. Em terceiro lugar, encontram-se os EUA. Este país tinha uma produtividade média de 1.607 quilos/hectare em 1961, atingindo a 2.373 quilos em 2002. O melhor ano alcançado pelos estadunidenses foi em 1998, com 2.903 quilos/hectare. Em 42 anos os EUA registram um crescimento de apenas 47% na produtividade. Ou seja, a produção deste país cresce muito mais em razão da área do que propriamente do aporte tecnológico.

No que diz respeito aos demais países produtores, tem-se a Argentina na seqüência, com uma produtividade média de 2.119 quilos/hectare em 2002, após um máximo de 2.609 quilos em 1997 e um total de 1.295 quilos em 1961. Os vizinhos argentinos conseguiram uma evolução de 63,6% em sua produtividade comparando-se 1961 a 2002. Ou seja, dada a qualidade de suas terras, o crescimento não é tão significativo como poderia se esperar. Acredita-se que um salto nos rendimentos virá na medida em que os produtores argentinos começarem efetivamente a utilizarem adubos químicos em escala comercial. Após, encontra-se o Canadá, seguido de perto pela Austrália. No Brasil, a produtividade cresce graças ao melhor comportamento da mesma junto aos seus dois principais produtores: Paraná e Rio Grande do Sul. Nestes dois Estados a evolução mostra que o Rio Grande do Sul, desde 1962, jamais obteve uma produtividade média superior à

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paranaense, salvo em anos esporádicos, quando as lavouras do Paraná foram atingidas por intempéries. Isto significa dizer que, entre 1962 e 1979, a maior produção gaúcha se deu em função de maior área plantada e não em razão da produtividade registrada. Ou seja, as terras, e mesmo o clima, geralmente responderam melhor à produção de trigo no Paraná. 2.4 - Evolução dos Preços Os preços do trigo no mercado mundial, tomando-se por base as cotações FOB Golfo EUA, apresentam um comportamento interessante. Entre 1992 e 1996, o preço internacional do trigo girou em média ao redor de US$ 210,80/tonelada, ou seja, largamente superior aos preços praticados pela Argentina e Brasil. Entre 1997 e 2002 houve um forte recuo no preço médio mundial, com o mesmo caindo para US$ 123,17/tonelada. Os preços da Argentina e do Brasil passam, a partir de 1996, a níveis próximos dos praticados no mercado mundial. A partir desta data, este conjunto de preços recua, puxado pelo aumento na oferta internacional, a qual consolida estoques finais elevados. Os preços sul-americanos passam a ter uma correlação direta com o preço mundial. A partir de 1999 o preço mundial se situa abaixo dos registrados nos dois países sul-americanos. Esta oscilação dos preços mundiais se deve a um re-ordenamento efetuado pelos países desenvolvidos, no sentido de reduzir os subsídios existentes nas exportações do cereal e, particularmente, à mudanças na oferta internacional. Efetivamente, na América do Sul estes preços tiveram um comportamento muito próprio nos 11 anos estudados (1992 a 2002). Ou seja, os mesmos estiveram em torno de uma média de US$ 125,90/tonelada na Argentina (FOB portos de exportação) e US$ 124,51/tonelada no Brasil (CIF portos de importação), exceção feita ao período de 1995 a 1997 quando as cotações subiram para níveis máximos ao redor de US$ 218,42/tonelada na Argentina e US$ 227,90/tonelada no Brasil. Ou seja, em condições normais de safra e oferta os preços giram ao redor de US$ 125,00/tonelada nos dois principais países sul-americanos. Paralelamente, os preços pagos ao produtor de trigo no Brasil giraram em torno de uma média de US$ 119,80/tonelada no período de 1992 a 2002.1 Isto significa um preço médio de US$ 7,19/saco. Ao câmbio de R$ 2,90 em setembro de 2003, o mesmo representava um valor de R$ 20,85/saco pago ao produtor brasileiro. Se verificarmos o comportamento dos preços nos 11 anos anteriores (1980 a 1991), a média nacional chega a US$ 151,10/tonelada.2 Ou seja, nos anos de 1980 o produtor nacional de trigo recebia 20,7% a mais do que passou a receber no período posterior. Isto significa que os preços do trigo no Brasil, pagos ao produtor, entraram num patamar bem mais baixo a partir do momento em que o governo deixou de garantir as compras do produto.

Nota-se igualmente que o produto nacional tem uma correlação com o preço CIF Brasil do trigo importado. Na maior parte do tempo, no período de 1992 a 2002, o preço CIF esteve acima do preço recebido pelo produtor brasileiro para o trigo nacional (na média do período, o

1 Não estão computados nesta média os preços de pico ocorridos entre 1995 e 1997, os quais ficaram, respectivamente, em US$ 154,57; US$ 188,37 e US$ 139,12/tonelada. 2 Nesta média não estão computados os preços de pico, ocorridos em 1982 (US$ 283,22/tonelada); 1985 (US$ 219,85/tonelada) e 1986 (US$ 236,63/tonelada).

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produto CIF portos brasileiros vale US$ 124,51/tonelada enquanto o preço pago ao produtor nacional, pelo trigo produzido no Brasil, esteve em US$ 119,80/tonelada). Especificamente em relação aos preços praticados junto aos produtores de trigo do Paraná e do Rio Grande do Sul, num amplo período (1967 a 2002), confirma-se à correlação entre os mesmos. No entanto, nota-se que o preço ao produtor paranaense é, historicamente, mais elevado do que o recebido pelo produtor gaúcho. Isto se deve a dois fatores: o Paraná colhe mais cedo (setembro), entrando no mercado no momento em que não há muito trigo disponível; o produto paranaense seguidamente alcança uma qualidade superior ao trigo gaúcho. No período de 36 anos aqui considerado, a média de preço no Rio Grande do Sul ficou em US$ 129,32/tonelada e no Paraná em US$ 133,00/tonelada.3

3 - O Comércio Internacional de Trigo

A produção mundial de trigo, no ano 2003/04, chegou a 550,5 milhões de toneladas, conforme o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). Somando-se os estoques iniciais, resultantes do ano anterior, a oferta total do produto, neste ano, foi de 717,6 milhões de toneladas. Deste total, foram comercializadas no mercado externo cerca de 106 milhões de toneladas. Desta forma, o comércio internacional de trigo, em sua totalidade, representou 19,2% da produção mundial e 14,8% da oferta mundial. Em outras palavras, estamos diante de um produto que tem uma forte característica de consumo interno junto aos principais países produtores. Deste total, a Argentina participou com exportações de 7,5 milhões de toneladas, a Austrália com 17,5 milhões de toneladas, a União Européia (com 12 países) com 9,8 milhões de toneladas e os EUA com 31,4 milhões de toneladas. Dentre os maiores importadores, encontramos o Egito, com volumes que variam entre 5,5 e 6,0 milhões de toneladas anuais, e o Brasil com volumes entre 5,0 e 5,5 milhões de toneladas. A União Européia igualmente importa, tendo chegado a 6,0 milhões de toneladas em 2003/04.

Percebe-se que a Argentina tem uma pequena participação no comércio mundial exportador de trigo, atingindo a 7,1% do total mundial. No entanto, tais vendas externas representam 55% da produção total do país. Ou seja, a Argentina exporta mais da metade do que produz anualmente. Tal realidade é apenas superada pela Austrália, que comercializou o equivalente a 70,3% do total produzido em 2003/04. Já os EUA venderam ao exterior, neste mesmo ano, o equivalente a 49,4% de sua produção. Os demais países pouco representam no mercado internacional do trigo, pelo lado da oferta. Neste contexto, o Brasil, como forte país importador de trigo, vem dando preferência ao produto argentino. Isto se acentuou a partir do lançamento do Mercosul (1991) e particularmente a partir da consolidação do Mercosul, como zona de livre-comércio (1995). Na verdade, apenas os EUA e o Canadá rivalizam com a Argentina na oferta de trigo para o Brasil, e isto especialmente entre meados dos anos de 1960 e o início dos anos de 1990. Assim, em 1965, o

3 Não foram computados nestas médias os anos de 1978, 1979 (exclusivamente para o Rio Grande do Sul), 1981, 1982, 1985, 1986 e 1996, pois os mesmos registraram preços muito elevados, fato que distorce o resultado.

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Brasil importou 1,9 milhão de toneladas de trigo, a um preço médio de apenas US$ 59,64/tonelada FOB. Deste total, a Argentina participou com 68% do total, sendo o restante dividido em 27% dos EUA e 5% do Uruguai. Já em 1975, as importações brasileiras totais, em trigo, haviam crescido para 3,07 milhões de toneladas, sendo que a participação argentina chegava a apenas 7,8%. O maior volume era comprado dos EUA (64,5%) e do Canadá (26%). O preço médio pago pelo Brasil, no conjunto, foi de US$ 155,35/tonelada FOB, ou seja, quase o triplo do preço pago 10 anos antes. Em 1980, o Brasil importou 4,6 milhões de toneladas, sendo 60,8% dos EUA e 39,2% do Canadá. Naquele ano, nada foi importado da Argentina. A participação do vizinho país, em compras externas de trigo, foi melhorar apenas a partir de 1987. Nesta época, além do Brasil ter chegado a uma quase auto-suficiência, cai drasticamente as vendas dos EUA para o Brasil. Desta forma, das 2,5 milhões de toneladas importadas, a um preço médio de US$ 93,98/tonelada FOB, 43,5% vieram da Argentina, 30,5% do Canadá e apenas 4% dos EUA. Os restantes 22% foram oriundos de diversos outros mercados. Em 1988, o Brasil importou o seu menor volume de trigo desde 1965, registrando apenas 952.580 toneladas, em sua totalidade procedente da Argentina. A partir de então, o vizinho país passou a ser o nosso fornecedor privilegiado, com os volumes em constante crescimento. O Canadá passa a perder força nesta corrida, especialmente a partir de 1995, exatamente no ano em que a zona de livre-comércio no Mercosul é posta em prática. A tal ponto que em 2000 o Brasil alcança o seu maior volume de importações, nestes 39 anos aqui analisados (1965-2003), chegando a 7,5 milhões de toneladas, sendo que 95,8% foram procedentes da Argentina. Neste meio-tempo, além do Uruguai, igualmente o Paraguai surge como fornecedor de trigo ao Brasil, porém, em escala diminuta. Efetivamente, o Brasil passa a comprar trigo do Paraguai a partir de 1994, com os volumes variando, desde então, entre 50.000 a 250.000 toneladas anuais (apenas em 1999 as compras brasileiras deste vizinho ficaram muito abaixo deste patamar, registrando 865 toneladas).

A questão é verificar se a opção pela Argentina, nestes últimos anos, se deve ao acordo do Mercosul e, na lógica das vantagens comparativas e da especialização, se o produto argentino é mais competitivo do que o brasileiro e os originários de outros países. 4 – Os Sistemas e os Custos de Produção: Razão Pela Opção Argentina (?) Os sistemas de produção aplicados tanto na Argentina como no Brasil são de duas naturezas: plantio convencional e plantio direto. Este último ganhando espaço significativo a partir do início da década de 1990. Sabe-se que o plantio direto representa uma redução de custos da ordem de 20% em relação ao convencional, conforme a realidade do Noroeste gaúcho4. No entanto, o mesmo não se verifica na Argentina, onde o plantio convencional apresenta um custo da ordem de 15% a 17% menor do que o direto, em função do menor uso de herbicidas e fertilizantes químicos.

4 Cf. estudos de campo realizados pelo Departamento Técnico da Cotrijuí.

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De forma geral, o custo de produção argentino é mais baixo do que o registrado nos dois principais Estados produtores do Brasil. Assim, enquanto os custos médios na Argentina variaram entre US$ 6,00 e US$ 8,00/saco5, no período de 1994 a 2003, o referido custo no Rio Grande do Sul variou entre US$ 5,87 e US$ 13,38/saco. Já no Paraná, o custo ficou entre US$ 9,19 e US$ 22,20/saco. Gráfico 1: Custo Total de Produção do Paraná, Rio Grande do Sul e Argentina

0,002,004,006,008,00

10,0012,0014,0016,0018,0020,0022,0024,00

1994

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2001

2002

2003

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ano

US

$/sa

co 6

0 qu

ilos

PR RS AR Fonte: SEAB/DERAL, SAGPyA Em outras palavras, verificamos que, em termos médios, o custo do trigo no Rio Grande do Sul chega a US$ 9,34/saco nos 10 anos aqui considerados, contra US$ 13,36/saco no Paraná e apenas cerca de US$ 7,00/saco na Argentina. A diferença de custos entre o Paraná e o Rio Grande do Sul se dá especialmente pela maior prática do plantio direto no Estado gaúcho assim como a menor utilização de insumos, fato que compromete seguidamente a produtividade das lavouras. Dados completos, obtidos para o ano de 1996, nos mostram que o custo total no Brasil era de US$ 409,21/hectare, contra US$ 345,98 na Argentina e US$ 411,77/hectare nos EUA. A margem bruta era de respectivamente US$ 16,79; US$ 198,49 e US$ 45,06/hectare. Nestas condições, a competitividade do trigo argentino é muito superior, fato que explica o interesse do Mercosul, e particularmente da Argentina, na liberalização dos mercados agrícolas quando da constituição dos acordos da ALCA e da União Européia-Mercosul. De tal forma, que o preço de equilíbrio, para a Argentina, chega a US$ 105,24/tonelada enquanto no Brasil o mesmo era de US$ 170,50 e nos EUA de US$ 235,30/tonelada. Vale destacar ainda que o custo total na 5 Importante se faz destacar que não nos foi possível obter as informações sobre o custo de produção na Argentina, dentro da série completa dos 10 anos compreendidos entre 1994 e 2003. Apenas em três anos se obteve registros, a saber: US$ 6,31/saco em 1996; US$ 7,82/saco em 2003; e US$ 6,82/saco em 2004, ano que desconsideramos em nosso trabalho. Neste sentido, as informações foram complementadas com entrevistas realizadas junto a organismos técnicos brasileiros e argentinos.

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Argentina, em 2003, havia recuado para US$ 265,02/tonelada contra US$ 358,56/tonelada no Rio Grande do Sul. Ou seja, os custos no Estado gaúcho superavam os da Argentina em US$ 93,54/hectare ou 35,3%. Quadro 1: Comparativo entre Brasil, Argentina e Estados Unidos Paises Brasil Argentina Estados Unidos Custo Total (US$/ha) 409,21 345,98 411,77 1996 Margem Bruta (US$/ha) 16,79 198,49 45,06 Preço Equilíbrio (US$/ton) 170,50 105,24 235,30 2003 Custo Total (US$/ton) 358,56* 265,02 ND ND = Não disponível * Valor referente ao RS Fonte: INTA, IAPAR, EMBRAPA Especificamente no que tange ao uso de fertilizantes, dados da segunda metade dos anos de 1990 indicam que o custo médio no Brasil chegava a US$ 107,07/hectare, enquanto nos EUA o mesmo era de US$ 38,39/hectare. Já na Argentina, o uso deste insumo é praticamente nulo, existindo gastos com adubação de cobertura em algumas regiões, com um custo de US$ 24,30/hectare. Nestas condições, a Argentina suporta mais facilmente o recuo dos preços internacionais, podendo vender seu trigo bem mais barato, levando o Brasil, dentro dos acordos do Mercosul, a privilegiar o cereal do vizinho país em detrimento de investimentos na produção local. Isto não significa que a produção brasileira desapareça. No entanto, significa que em condições normais de oferta e demanda mundial, e particularmente no interior do Mercosul, o produto argentino estará sempre em melhor posição do que o produto nacional, fato que impede o Brasil de alcançar a auto-suficiência. Entre 2000 e 2003 o país conseguiu, no máximo, produzir 50% de suas necessidades e, assim mesmo, seguidamente com produto de baixa qualidade, muitas vezes próprio apenas para ração animal. Desta forma, torna-se evidente que a busca pelo trigo argentino se viabiliza pelo seu preço competitivo, fato que passou a ser realçado a partir da conclusão dos acordos que definiram o Mercosul. Esta realidade se comprova com a observação do fluxo comercial do Brasil com seus diferentes parceiros comerciais junto ao comércio do trigo. 5 – As Importações de Trigo Brasileiras, a Evolução dos Preços Internacionais do Cereal e o Papel da Argentina como Fornecedor.

Em 1965, o Brasil importou 1,9 milhão de toneladas de trigo. Deste total, 1,29 milhão veio da Argentina, o que representa cerca de 68% do total. Por sua vez, as vendas argentinas ao exterior, naquele ano, somaram 6,66 milhões de toneladas. Ou seja, o mercado brasileiro representava 19,4% do total das vendas de trigo por parte do vizinho país. Dez anos depois, mais precisamente em 1975, esta relação havia se alterado substancialmente. Naquele ano, o Brasil importou 3,07 milhões de toneladas, porém, apenas 240.000 toneladas foram procedentes da Argentina. Paralelamente, o vizinho país exportou bem menos volume em trigo, chegando a apenas 1,76 milhão de toneladas, após problemas em sua produção. Entre 1990 e 2000, as

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compras externas de trigo, por parte do Brasil, foram multiplicadas por cerca de quatro vezes, passando de 1,9 milhão de toneladas para 7,6 milhões de toneladas. Destes totais, a Argentina participou com 94% e 95%, respectivamente, da oferta destinada ao Brasil. Ao mesmo tempo, as compras do Brasil junto ao mercado argentino representaram respectivamente 31% e 67% do total exportado pelo vizinho país. Ou seja, ao mesmo tempo em que o Brasil passou a privilegiar o produto argentino, em função dos acordos do Mercosul e por encontrar uma oferta abundante, de qualidade e mais barata, as importações brasileiras passaram a ocupar um lugar de destaque nas vendas de trigo por parte da Argentina.

Em 2000 as compras feitas na Argentina, representavam 95% do total, recuando para 87% na projeção para 2004. Assim, embora a Argentina permaneça como o grande fornecedor nacional de trigo, o Brasil reduziu um pouco mais suas compras oriundas deste país em relação ao restante do mercado mundial. Na prática, aqui também é encontrada uma certa correlação direta entre o aumento da produção de trigo no Brasil e a redução da participação relativa da Argentina nas vendas de trigo ao nosso país, fato que não é observado junto aos demais fornecedores como EUA e Canadá. 5.1 – A Evolução dos Preços

Os preços médios do trigo na Bolsa de Chicago, entre 1985 e 2004 (primeiros nove meses), evoluíram entre um mínimo de US$ 2,57/bushel6, registrado em 2000, e um máximo de US$ 4,80/bushel, registrado em 1996. Na verdade, nos 20 anos aqui analisados, o período de pior preço médio se deu entre julho de 1998 e setembro de 2001 quando o mercado ficou ao redor de US$ 2,63/bushel. Este período deu seqüência a um longo espaço de tempo em que os preços estiveram muito bons. O mesmo iniciou em agosto de 1991 e durou até março de 1998. Nos 80 meses estudados, a média ficou em US$ 3,72/bushel, com pico de até US$ 6,13/bushel, registrado na média de maio de 1996. O mais interessante neste contexto é que a reação da produção brasileira se dará exatamente no momento em que os preços internacionais recuam, ou seja, a partir de 2000. Parte da explicação está no fato de que particularmente na Argentina, a partir de meados de 2002, seus preços internos sobem de forma relativamente importante.

De fato, a realidade de preços internacionais provocou um movimento de redução nos preços FOB da Argentina num primeiro momento. Os mesmos, que haviam chegado a US$ 10,67/saco de 60 quilos na média de 1995 e US$ 13,11/saco em 1996, recuam fortemente nos anos seguintes. A tal ponto que em 1999 a Argentina exportou seu trigo a um preço médio de US$ 6,87/saco. Ou seja, em três anos o produto argentino perdeu 47,6% de seu valor, puxado pelo comportamento negativo de Chicago e pelas boas safras locais. Efetivamente, o trigo na Argentina tem seu preço balizado por Chicago, na mesma lógica que encontramos o comportamento da soja no Brasil, por exemplo. Importante se faz lembrar que até esta data a Argentina não havia desvalorizado sua moeda, fato que irá ocorrer no final de 2001. A partir de junho de 2002 os preços internos no vizinho país confirmam seu movimento de alta, o qual irá durar dois anos, ou seja, até junho de 2004. Na oportunidade a média de preços FOB portos argentinos ficou em US$ 9,56/saco. Assim, os preços no Brasil respondem à elevação dos preços na importação, particularmente do produto oriundo da Argentina, por significar o maior volume. 6 Um bushel de trigo equivale a 27,21 quilos.

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Ao mesmo tempo, o clima positivo, associado a uma redução na oferta local, estimulam os produtores a semearem o cereal. Isto recebe igualmente um certo apoio do Estado, através de financiamentos a juros menores do que os praticados no mercado. Um terceiro aspecto que irá influenciar tal decisão é a retomada da produção de soja, estimulada por menores custos graças a transgenia, associada a um período de preços elevados para a oleaginosa em Chicago. Por um breve momento, o Sul do Brasil viu se fortalecer novamente o tradicional binômio trigo-soja, fato que comprometeu novamente os projetos de diversificação (leite, suínos, gado de corte, frutas e legumes) existentes.

Neste contexto, os preços do trigo no Rio Grande do Sul, que chegaram a US$ 9,94/saco ao produtor, na média de 1996, após US$ 8,43 um ano antes, recuam para US$ 6,29 em 1999. Posteriormente, ocorre uma paulatina recuperação (com exceção do ano de 2001), com os mesmos fechando a média de 2003 em US$ 8,58/saco, isto é, o melhor ano em termos de preço médio desde 19967. Por sua vez, os preços do trigo no Paraná, seguem a mesma lógica, porém, com valores mais elevados. Isto se dá pelo fato do produto paranaense normalmente acusar uma qualidade superior, além de entrar no mercado mais cedo (setembro). De fato, entre 1995 e 2004, em apenas um ano (2002), o preço ao produtor gaúcho foi superior em 10% ao preço pago ao produtor paranaense. Nos demais anos, os preços do trigo no Paraná foram mais elevados, variando entre 4% e 12%, sendo que em 2004 (primeiros nove meses do ano) o preço médio no Paraná superou o gaúcho em 23%.

Gráfico 2: Preços Médios do Trigo no Paraná e Rio Grande do Sul.

4

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Fonte: SEAB/DERAL, IBRE/FGV, SAFRAS & MERCADO, EMATER, CEEMA

7 Em 2004, a média de preços voltou a recuar, tendo registrado, nos nove primeiros meses, o valor de 7,96/saco, com tendência de um recuo ainda mais expressivo nos quatro meses restantes (outubro a dezembro).

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6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Diversas lições podemos tirar com o presente trabalho. Em primeiro lugar, o volume de produção argentino, apesar de sua posição histórica na economia mundial do trigo, não lhe é suficiente para que a Argentina seja mais do que um tomador de preços no mercado internacional. Em outras palavras, com exceção dos países limítrofes, como o Brasil, em relação aos demais a Argentina não consegue fazer sua produção influir sobre os preços.

Em segundo lugar, verificou-se que no Brasil, apesar do plantio iniciar na mesma época

que na Argentina, o trigo acabou se tornando uma cultura complementar à soja, especialmente após o advento da ferrugem e a saída do Estado como elemento motor da atividade. O interessante a registrar é que o Brasil, até 1811, era exportador de trigo. Esta primeira fase da triticultura brasileira foi abruptamente interrompida pela ferrugem, doença que foi fulminante para o grão.

A segunda fase do trigo no Brasil ocorre a partir de 1950, através da modernização

agrícola. A idéia era alcançar a auto-suficiência novamente, porém, desde então a mesma jamais foi atingida. Neste contexto, o Estado do Rio Grande do Sul foi o primeiro a se beneficiar do crédito oficial facilitado em favor da produção de trigo nesta segunda fase, corroborando uma posição histórica em relação à cultura. Isto porque o Estado gaúcho foi um dos pioneiros na produção de trigo. A partir de 1950, no bojo da modernização da agricultura, surgiram as cooperativas tritícolas modernas, em geral absorvendo as cooperativas mistas que funcionavam até então. Ao mesmo tempo, as compras estatais de trigo estimularam consideravelmente o plantio do cereal, associadas a fortes subsídios aos produtores e a preços mínimos de garantia geralmente compensadores.

Apesar de todas estas condições, a tecnologia deixou a desejar, fato que se evidenciou na baixa produtividade média do período. Além disso, o clima seguidamente prejudicava as lavouras de trigo, especialmente as gaúchas. No Paraná, a cultura se mostrava mais propícia. Tal situação se reverte a partir de 1987, após um grande esforço dos diferentes centros de pesquisa nacionais e locais.

No momento em que tal reversão se consolidava, nasce o Mercosul, pelo qual o Brasil abre sua economia para as importações de bens primários junto aos demais países membros. Neste aspecto, um dos produtos mais favorecidos passa a ser o trigo argentino, o qual se torna um elemento de troca essencial no contexto da nova zona comercial. Através do Mercosul, o trigo argentino praticamente cativa o mercado brasileiro, infringindo enormes dificuldades de competitividade ao produto então produzido no Paraná e no Rio Grande do Sul. Assim, na primeira metade da década de 1990 a produção de trigo no Brasil diminui consideravelmente. Desta forma, enquanto o mundo consolidava uma área de trigo entre 204 e 240 milhões de hectares, entre 1961 e 2001, no Brasil a área semeada com o cereal, neste período, sempre foi instável, variando muito mais ao sabor das políticas agrícolas postas em prática pelos governos.

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Será a partir de 1990, com a saída do Estado do negócio do trigo, que as relações de mercado passam a influir na decisão dos produtores. Outra lição importante está na confirmação de que os Estados do Paraná e do Rio Grande do Sul continuam concentrando a produção de trigo no Brasil, representando, no início do século XXI, cerca de 90% do total nacional. No entanto, uma produção com potencial de desenvolvimento está iniciando no Centro-Oeste e particularmente no Mato Grosso. Este avanço do trigo para outras regiões do país, e a sua consolidação no Paraná, tende a deixar o Rio Grande do Sul, aos poucos, à margem do processo produtivo. Na verdade, enquanto a produção mundial crescia pela produtividade (150% em 42 anos), no Estado gaúcho geralmente foi a área (crescimento horizontal) que permitia maior produção. Inclusive em relação ao Paraná. Uma terceira grande lição encontramos junto aos preços do trigo. No mundo, os mesmos entram num patamar mais baixo no final do século XX, passando a US$ 123,17/tonelada contra US$ 210,80 ainda entre 1992 e 1996. O preço médio na região do Mercosul se estabelece em US$ 125,00/tonelada enquanto no Brasil houve um recuo importante, com o mesmo caindo de US$ 151,00/tonelada entre 1980 e 1991 para US$ 119,80/tonelada entre 1992 e 2002. Neste contexto, destaca-se que o Paraná sempre (ou quase sempre) paga melhor os seus produtores. Em 36 anos, a média naquele Estado ficou em US$ 133,00/tonelada contra US$ 129,32 no Rio Grande do Sul. A explicação encontrada está no fato do produto paranaense entrar primeiro no mercado nacional (em setembro geralmente), ao mesmo tempo em que sua qualidade, por motivos climáticos e de solo, tem sido superior em termos médios.

Uma quarta grande lição está na relação comercial específica do Brasil com a Argentina. Notamos que o vizinho país se constituiu no maior fornecedor do cereal para o Brasil, particularmente a partir da liberalização do mercado nacional, em 1990, quando o governo federal deixou de comprar o produto. Esta posição se consolidou quando o Mercosul foi definido, em 1991. Paralelamente, o Brasil se constitui num importante comprador do trigo argentino, estabelecendo uma certa relação de dependência entre os dois países. A participação da Argentina na oferta externa de trigo ao Brasil se dá especialmente pelos seus ganhos em competitividade. Ou seja, o cereal argentino é mais barato em sua produção. Além disso, com uma certa constância, tem apresentado muito boa qualidade. Isto significa dizer que a Argentina suporta preços mais baixos para o trigo no mercado internacional. Este fato, fragiliza o Brasil, pois seu custo de produção e produtividade, embora em ascensão, não consegue competir a partir de preços abaixo de US$ 140,00 a US$ 150,00/tonelada, salvo exceções. É o caso neste final de 2004, quando assistimos a protestos do produtor de trigo em função do baixo preço interno praticado (US$ 115,00/tonelada), puxado para baixo pelo forte recuo nos preços do produto na Argentina. Estes, que chegaram a superar US$ 170,00/tonelada FOB no primeiro semestre de 2004, recuaram para algo entre US$ 120,00 e US$ 130,00/tonelada FOB em outubro do mesmo ano. Assim, confirma-se que existe uma correlação direta entre o aumento dos preços na Bolsa de Chicago e a melhoria dos preços internos aos produtores brasileiros, mesmo o cereal não

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sendo um produto de exportação por parte do Brasil8. Ou seja, o aumento das cotações do trigo em Chicago eleva os preços do trigo no interior da Argentina e nos seus portos. Esta elevação, dependendo do momento cambial brasileiro, torna cara as importações brasileiras. Quando as mesmas ultrapassam o limite dos US$ 140,00/tonelada aproximadamente, o produtor brasileiro se vê estimulado a plantar mais do cereal (em não havendo interferência das políticas públicas em favor do cereal). Por outro lado, interessante se faz destacar que o aumento na produção brasileira, a ponto de provocar redução nos volumes importados, provoca um recuo relativo mais expressivo nas compras oriundas da Argentina do que nos outros fornecedores tradicionais como os EUA e o Canadá. Enfim, a produção de trigo no país não se resolve somente pela capacitação em competitividade do setor produtivo. Ela deve ser inserida em um contexto macroeconômico, no qual há de se avaliar a conveniência ou não de proteger a sua produção. Ou seja, sem uma certa proteção à produção tritícola nacional, dificilmente a mesma se mantém de maneira a chegarmos a ofertar metade de nossas necessidades. Isto revela que, no atual quadro de mercado mundial e regional, o Brasil será sempre um importador líquido de trigo, com tendência a aumentar sua dependência na medida em que o consumo interno crescer, puxado pelo aumento da população e de seu poder aquisitivo. 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABITRIGO. A História do Trigo. Associação Brasileira da Indústria do Trigo. Disponível em <http://www.abitrigo.com.br/port/histor.htm>. Acesso em 11 dez. 2002. AGRIANUAL. Anuário da Agricultura Brasileira. 2004. FNP – Consultorias e AgroInformativos. AGROANALYSIS. A Revista de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro/RJ. 2004. ARIAS, G. Trigo na América do Sul. Passo Fundo: Embrapa Trigo. Disponível em <http://www.cntp.embrapa.br/agromet/b_50011.html>. Acesso em 06 mar. 2003. BAGGIO, M. I. Genética e Nova Biotecnologia no Melhoramento de Trigo. Passo Fundo: Embrapa Trigo. Disponível em <http://www.cnpt.embrapa.br/agromet/ b_500.html >. Acesso em 15 jun. 2003.

8 Esta característica de país essencialmente importador de trigo (um dos maiores do mundo) foi rompida em 2003/04 pelo Brasil, pela primeira vez após 200 anos, quando exportou mais de um milhão de toneladas do cereal. O mercado tende a forçar o Brasil, contraditoriamente, a ser exportador toda a vez que a produção interna for importante e os preços mundiais na importação forem baixos. Esta sistemática tende a parar a partir do momento em que os produtores reduzirem novamente sua produção, visando um equilíbrio entre os custos de produção e a receita recebida em função da produtividade e os preços oferecidos ao seu produto.

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