"A Competitividade como motivadora do Sistema Espartano"

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Introdução à Hipótese No decorrer do presente trabalho, estaremos expondo e discutindo alguns aspectos culturais bastante peculiares a sociedade de Esparta percebidos após a leitura de “La Republica de los Lacedemonios1 , que concernem à problemática moral na condução das decisões e atitudes espartanas. No que toca a forma de educação recebida pelo futuro cidadão, as regras de comportamento social atribuídas à figura de Licurgo e as obrigações militares e políticas do igual, nos saltaram aos olhos o incentivo à competitividade, a valorização da honra e a observação da virtude da obediência. Diante disso, nos propomos a verificar os fatores que poderiam validar a hipótese na qual os espartanos se valeriam da: “Competitividade como estimuladora das virtudes morais”. Não deixaremos também de abordar os resultados que as leis presentes neste texto infligiram à conduta do espartano e seu relacionamento social. Competitividade, honra e obediência É importante notar que já no parágrafo inicial da obra fica clara a intenção do autor em expor suas considerações sobre o sucesso de Esparta no contexto contemporâneo a escrita. Se refletirmos a respeito, perceberemos inúmeras relações entre este momento de supremacia espartana e o apogeu de “políticas de sobrevivência” postas em prática de longo tempo. O próprio Xenofonte destaca a pequena população desta pólis 2 , que através de 1 edição e tradução espanhola de Maria Rico Gomez com original atribuído a Xenofonte. 2 “... siendo Esparta una de las ciudades menos pobladas, se haya, sin embargo, mostrado la más poderosa y renombrada en Grecia...” Xenofonte, cap. I.1.

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Trabalho realizado por Paulo Roberto Carneiro Pontes, Guilherme Babo Sedlaceck, Henrique Volaro; Silvio Siffert no IFCS UFRJ 2003 sobre a competitividade como perpetradora do sistema espartano (governo e exercito)

Transcript of "A Competitividade como motivadora do Sistema Espartano"

Introdução à Hipótese

No decorrer do presente trabalho, estaremos expondo e discutindo alguns

aspectos culturais bastante peculiares a sociedade de Esparta percebidos após a leitura

de “La Republica de los Lacedemonios”1, que concernem à problemática moral na

condução das decisões e atitudes espartanas. No que toca a forma de educação

recebida pelo futuro cidadão, as regras de comportamento social atribuídas à figura de

Licurgo e as obrigações militares e políticas do igual, nos saltaram aos olhos o incentivo

à competitividade, a valorização da honra e a observação da virtude da obediência.

Diante disso, nos propomos a verificar os fatores que poderiam validar a hipótese na

qual os espartanos se valeriam da: “Competitividade como estimuladora das virtudes

morais”. Não deixaremos também de abordar os resultados que as leis presentes neste

texto infligiram à conduta do espartano e seu relacionamento social.

Competitividade, honra e obediência

É importante notar que já no parágrafo inicial da obra fica clara a intenção do

autor em expor suas considerações sobre o sucesso de Esparta no contexto

contemporâneo a escrita. Se refletirmos a respeito, perceberemos inúmeras relações

entre este momento de supremacia espartana e o apogeu de “políticas de

sobrevivência” postas em prática de longo tempo. O próprio Xenofonte destaca a

pequena população desta pólis2, que através de um sistema militar altamente

desenvolvido e extremamente rígido conseguiu resistir à antiga superioridade Mecênica

na região e chegar a expandir seu domínio e conquistar simpatizantes3. E esse sistema

Xenofonte creditará ao legislador Licurgo, figura duvidosa e até mítica para alguns que

atribuem as leis lacônicas a diversos governantes e até mesmo à tradição consolidada4.

Os cidadãos espartanos, entregues desde suas infâncias ao sistema educacional

de formação guerreira5, são incentivados a competir entre si, em troca de honras e

prêmios que os tornariam mais especiais e exaltados entre os seus semelhantes. Com

1 edição e tradução espanhola de Maria Rico Gomez com original atribuído a Xenofonte.2 “... siendo Esparta una de las ciudades menos pobladas, se haya, sin embargo, mostrado la más poderosa y renombrada en Grecia...” Xenofonte, cap. I.1. 3 Vale destacar o item 3 da introdução de Gomez, no qual é debatido o filolaconismo como fenômeno ao qual integravam filósofos desejosos da adoção do modelo de educação universal como também aristocratas que se beneficiariam de um regime oligárquico em substituição à decadente democracia.4 Para discussão aprofundada ver Origen de la constitución espartana, Gomez, M (pág. 15-17).5“ ...sometido al control del Estado desde los seis años, cuando llega a la treintena, la disciplina ha logrado ya de él todo lo que se proponía: formar un guerrero.” Gomez, M (pág. 25).

a regularidade dessa prática, poder-se-ia perceber o incentivo dado pelas instituições

do estado desde a vida infantil, para que o espartano fosse o melhore naquilo que ele

fizesse, e assim, tentando fazer dele um melhor cidadão e também mais assíduo e

virtuoso. Essa assiduidade e perseguição da meta de se destacar, visava gerar

cidadãos mais especializados em suas atividades, nas campanhas de guerra, nas

competições atléticas, e na prática da música e da dança, não só glorificando os mais

virtuosos como também desprezando os derrotados e os com piores performances.

Muitos serão os reflexos obtidos também na vida política, deste que poderíamos

chamar de “senso de concorrência pela obtenção da honra pura”. No capítulo IV da

Constituição, é mencionado que entre os éforos, há uma eleição dos três mais

aplicados, e cada um escolhe cem homens, pondo claro que preferem mais a uns e

repelem a outros. Fica claro a honra de ser eleito um preferido, gerando uma vontade

sempre de ser o melhor entre os cidadãos para que não seja misturado com os

desonrosos, e os menos capazes ao mesmo tempo em que eleitos e não eleitos vigiam

a conduta do outro6.

Por outro lado, esse mesmo incentivo à competição, gerou na sociedade

espartana, um espírito de cobiça e ambição. Entre os bem nascidos aristocratas

espartanos, essa competitividade às vezes se convertia na prática da corrupção; pois

alguns homens mais ricos, eventualmente utilizavam suas riquezas para defender seus

interesses pessoais em eleições. As chances de um aristocrata se destacar e ocupar

postos de honra junto ao rei se dava pela demonstração de sua capacidade e ambição.

Agravada pelo espírito de cobiça, a desigualdade social se fez crescente no estado

espartano. A ambição individual foi geradora de uma massa de pobres (que gerou na

sociedade um grito de igualdade, que depois fez surgir uma distribuição de terras). Esse

mesmo espírito percebe-se no Capítulo XIV de Xenofonte, único trecho em que se

estabelecem críticas a Esparta e fonte de controvérsias sobre uma possível adulteração

do texto7.

Mas, de qualquer forma, é presente na constituição dos Lacedemônios uma

condenação à cobiça e à acumulação de riquezas. É proibido no capítulo VII, o esbanjar

e a realização das práticas comerciais que não visando o bem da pólis, com fins

lucrativos. E estimulando a simplicidade que o espartano deveria demonstrar

menciona-se a repulsa pela ostentação de riquezas, não devendo haver gastos com 6 “Y los que han alcanzado el honor de la elección, disputan con los que han rechazado y con los que han sido a ellos preferidos, y andan unos de los otros en acecho, por si en algo descuidan las buenas costumbres.” Xenofonte, cap. IV.4.7 Gomez segue as opiniões de que Xenofonte teria escrito o capítulo posteriormente, após suas vivências da degradação de Esparta, mas Chrimes o considera proposital e conclusivo no discurso crítico de Xenofonte a respeito dos efeitos do regime lacônico – visão bastante refutada. (Cf. Gomez, M. pág.37-38)

roupas ou com companheiros8. As horas concedidas aos cidadãos que se destacavam

eram através de valores simbólicos à atitude do condecorado, e não com prêmios em

dinheiro.

Outro fator que não pode deixar de ser mencionado como legitimador das leis

espartanas e do respectivo respeito e reverência que é conferido por parte dos

espartanos a ela, é o fato dessas leis terem sido validadas em uma consulta ao oráculo

de Delphos9. Logo, é perceptível o reconhecimento Divino da feitura das leis, o que

torna os cidadãos obedientes a elas por reverência aos deuses. A importância dessa

aprovação das leis pela Pythia, apenas pode ser avaliada pela influência do oráculo de

Delphos exercia sobre os helenos, e, principalmente sobre os espartanos. Assim se

assegurou o vigor dessas leis e a sua legitimidade. Os cidadãos que honravam aos

deuses deveriam honrar a lei espartana, cumprindo seus deveres de acordo com as

divinas leis. Isso aguçava seu senso de dever.

Não só em Esparta a eunomia (obediência às leis) era considerada ideal para o

desenvolvimento da cidade; Sólon, legislador ateniense, já escrevia no século VI sobre

a destruição da coisa pública pelos que passavam por sobre as leis, atendendo a

desejos pessoais. Mas foi na república lacedemônia que tal sentimento de obediência

teve sua máxima social, e aos olhos dos demais gregos, a eunomia se tornaria a maior

virtude dos espartanos.

Cotidiano social

Xenofonte apresenta em seu texto medidas tocantes a vida cotidiana dos

cidadãos, das quais desprendemos intenções de controle e condicionamento social.

Nessas regras se notam claros os incentivos a uma vida coletiva de que todos

participam e a que todos controlam, ratificando o senso de dever e a desonra de quem

fugisse à eunomia.

As mulheres tinham um papel que quase se resumia à procriação dos futuros

guerreiros e eram também, nas mais diversas atividades, incentivadas à

competitividade. Havia a ordenação de trabalharem seu físico assim como os homens,

tendo em vista serem as mais aptas a darem uma prole saudável. Numa certa “lei da 8“...pues no se adornan con la riqueza del vestido sino con la buena forma física de sus cuerpos. (...) juzgó más digno de aplauso servir a los amigos con el esfuerzo corporal que con dispendios...”. Xenofonte, cap. VII.3-4.9 “...no dio al pueblo las leyes, hasta que, habiendo ido a Delphos con los más poderosos, consultó al dios si sería mejor y más provechoso para Esparta obedecer a las que él había establecido; y una vez que el dios hubo afirmado que sería en todo mejor, entonces las dio...”. Xenofonte, cap. VIII.5.

selva”, se prezava muito pela robustez e agilidade, e as espartanas deveriam estar mais

condicionadas fisicamente à reprodução. Aspecto também notado na atitude de se

ordenar que os casamentos se sucedessem no auge do vigor físico, garantindo sempre

casamentos entre os mais saudáveis, gerando assim melhores cidadãos. O fato de um

homem ter filhos com outras mulheres que fossem consideradas mais saudáveis era

comum e não se considerava o adultério crime10.

Relativamente à reprodução, não só homens e mulheres tinham a obrigação de

prover filhos a Esparta e entregá-los a sua tutela, como as autoridades se reservavam o

direito de considerar crianças com formações anormais desnecessárias à nação e

descartá-las. A seletividade dos cidadãos se dava através da prática da “eugenia”, que

visava excluir os nascidos não sadios, pois separando os melhores, e educando-os pelo

regime espartano, seriam homens mais equilibrados e mais capazes de cumprir com

suas atribuições militares e sociais.

Seria também mais honrado aquele cidadão que se comportasse de maneira

mais fiel a costumes como realizar suas refeições coletivamente e sem brindes, assim

todos se saciariam de maneira comedida e só beberiam quando estivessem com sede,

evitando que criassem hábitos11 como dormir no local em que comem e obrigando-os a

voltar andando para suas residências – assim não ficariam bêbados nem enfastiados e

tinham que estar atentos, por lhes ser proibido o uso de luzes artificiais à noite.

Obviamente seria extremamente desonroso ser pego por qualquer um comportando-se

de maneira mal vista e acarretaria um preço social muitas vezes caro.

Outros costumes espartanos relacionados à alimentação e à convivência pública

que Xenofonte observa são creditados ao Legislador. Ao racionamento da comida se

acostumavam desde suas infâncias; não lhes faltava o necessário a subsistência nem

tão pouco chegavam a experimentar a fartura. E isso não se dá por escassez – o vale

do Eurotes era altamente fértil – e sim por pensar que desta maneira não só se

alimentariam da melhor forma a desenvolverem corpos sãos como porque assim não

desenvolveriam vaidades pessoais de fartura e estariam prontos a obedecerem seus

líderes em possíveis ocasiões de necessidade.

10 Somente nos casos de sexo sem fins reprodutivos, pois em vez disto deveriam estar preocupados em prover a pólis de novos cidadãos. Quanto aos filhos de relações externas ao casamento, como interessavam ao desenvolvimento de Esparta, Xenofonte procura justificar o consentimento de Licurgo ao dizer que: “...las mujeres quieren ser dueñas em dos hogares, y por su parte los hombres gustan de dar hermanos a sus hijos, que participen em su estirpe y poder, mas no rivalicen com ellos em la herencia.” Xenofonte, cap. I.9. Quanto a esta passagem se tecem críticas inclusive sobre a impossibilidade legal da questão das heranças.11 “Licurgo encontró a su llegada que los espartanos, como los demás griegos, hacían la vida en sus casas; y dádose cuenta que, en estas condiciones, muchísimas cosas eran hechas descuidamente...”. Xenofonte, cap. V.2.

Seguindo a mesma lógica de privações a luxos como maneira de enobrecer a

moral, os bens materiais também são limitados e socializados. A acumulação de

riquezas – como ouro e prata – é proibida e o lucro também. Criados, cães de caça e

cavalos alheios que estivessem ociosos poderiam ser tomados por empréstimo em

caso de necessidade mesmo que não se pudesse avisar o dono, sendo necessária

apenas a devolução em perfeito estado. Da mesma forma, se um não pudesse caçar

por motivos justos, os que tivessem obtido bastante alimento deveriam repartir seus

frutos com aquele12. A esses aspectos rege a lógica de acordo com a qual todos

deveriam viver sob condições iguais a fim de destacarem-se somente pelo valor de

suas honras.

Educação e formação de Iguais

A educação não visava ser agradável, mas digna, tendo por objetivo a formação

do caráter e assim assegurar o triunfo da virtude de todo o povo. Como Wenny nos

mostra: “A educação espartana era estóica: ensinava que não se deve buscar a

felicidade na alegria que é efêmera, mas no domínio de si mesmo, que é duradouro.”13A

preocupação não era formar filósofos capazes de criticar todos os aspectos do mundo e

do cotidiano social, opostamente considera-se perda de tempo tentar explicar o que

explica-se por si só. O estoicismo espartano visava sobretudo à formação de um caráter

de obediência, dever para com todos e honra, legando à cultura apenas um papel

secundário14.

Desde sua infância, e no decorrer dos anos seguintes à juventude, eles são

educados à obediência tanto às leis como aos seus superiores em hierarquia e idade.

Essa preocupação com o respeito e a reverência prestada pelos mais novos, torna o

jovem espartano mais reverenciador aos homens experientes e de grande honra e gera

um senso de obediência nos futuros cidadãos. Heródoto é um a nos exemplificar tal

hierarquia etária ao dizer que “... quando um jovem se encontra com um velho, cede-lhe

o passo e desvia-se do caminho; quando um velho surge num lugar onde se acha um

jovem, este se ergue”.15 Este senso de obediência aos mais velhos é reforçado pelo

estabelecimento da elegibilidade à gerusia somente na ancianidade da vida do cidadão.

12“Pues, en efecto, haciéndose así mutuamente partícipes, hasta los que poco tienen, tienen parte en todo cuato hay en el país, cuando de algo necesitan.” Xenofonte, cap. VI.5.13 Wenny, Walter. “História da civilização espartana”, pág.108.14 “E isso, não só porque o caráter, comparado com a cultura, vale menos que ela, como também porque a cultura, a serviço do homem sem caráter, acaba, caso queira ou não queira, por desservir a si mesma.” Wenny, W. pág. 123.15 Heródoto. História, II.LXXX in Wenny, pág. 114.

Assim, segundo Xenofonte, Licurgo visava assegurar a preocupação com a

kalokagathía durante toda a vida e colocar as virtudes da ancianidade acima do vigor da

juventude16.

Diretamente relacionado a esse aspecto hierárquico de Esparta está o único

caso excepcional ao sistema de educação coletiva e universal: “[os príncipes herdeiros]

eram educados separadamente, para não haver uma familiaridade excessiva entre os

indivíduos que iriam ser comandantes supremos do exército e supremos sacerdotes, e

aqueles que iriam ser seus súditos e seus discípulos, na religião”.17 Vemos aí uma

preocupação marcante com a garantia de uma obediência necessária à estruturação

básica da sociedade. Ainda podemos perceber a instituição desse distanciamento às

figuras de autoridade na referência que Xenofonte faz à proibição do relacionamento

amoroso entre tutores e pupilos ou homens com crianças e jovens18, indo de encontro

ao que se percebia nas demais póleis gregas.

A dura disciplina, aplicada ainda mais veemente às crianças no primeiro estágio

da educação, também ajudava na formação do senso de dever dos espartanos, pois

sendo duramente avaliados, estavam sendo condicionados a se preocupar em cometer

menos erros e a transgredir menos. Os paidonomói eram magistrados especiais que,

perante o Estado, eram exclusivamente dedicados a educação, e juntamente com os

jovens mais velhos e mais destacados eram os supervisores dos educandos19. Mas não

somente esses eram responsáveis por corrigir as crianças, nos capítulos II ao IV do

texto, há menções à rigidez dos castigos aos desobedientes e negligentes aos

princípios da educação, e, à prática da correção e punição dada pelos mais velhos20.

Adotando essa cobrança pelos mais velhos, mesmo que não tenham laços

familiares com os jovens indisciplinados, gerava-se na formação intelectual dos jovens

um senso de dever mais aguçado, pois estavam sujeitos à correção e açoites a

qualquer momento que transgredissem às leis e não possuíssem conduta adequada.

Os espartanos tinham o objetivo de serem corretos e eficientes, pois a qualquer deslize,

16 “... al hacer a los ancianos árbitros en los procesos capitales, conseguió que fuese la ancianidad más estimada que la fuerza juvenil.” Xenofonte, cap. X.2.17 Wenny, W. pág. 109.18“Pero, en cambio, tuvo por suma torpeza el denotar apetencia de la belleza de un joven y así ordenó que en Lacedemonia los enamorados se abstuvieran de tratar con los niños, del mismo modo que se abstienen los padres de los hijos o los hermenos entre sí en los placers amorosos”. Xenofonte, cap. II.13.19 “Asignóle también a unos jóvenes en calidad de mastigóforos, para que castigasen a los niños cuando fuera preciso...” Xenofonte, cap. II.2.20 “Y para que, ni cuando se ausente el paidónomo, queden los niños faltos de jefe, dispuso que cualquier ciudadano que se hallara presente tuviera autoridad para ordenar a los niños lo que juzgara conveniente, y para castigarlos si cometían alguna falta. (...) Y para que, ni aun en el caso de que no se allara presente ningun ciudadano, ni siquiera entonces estuviesen los niños privados de jefe, ordenó Licurgo que en tal caso tuviera el mando en cada sección el más enérgico de los irenes.” Xenofonte, cap. II.10-11.

em qualquer lugar, estariam sujeitos a correção. Seu senso de dever era, então,

obrigatório.

Para consolidar ainda mais a legalidade dessa prática de correção dos jovens,

Xenofonte menciona que: “E se acaso uma criança, porque recebeu açoites de outro

homem reclama dele com seu pai está mal visto que o pai não proporcione ao filho

novos golpes”.21 Assim o pai mostra ao filho que essa obrigação da correção é

incontestável assim como as leis que jamais poderiam ser transgredidas. Com essa

prática, podemos ver o quanto o jovem se acostuma a respeitar as leis, mas também é

mostrado como os cidadãos adultos prezavam muito por cumprir o seu papel de

educador sobre todos os jovens, algo prezado pelo Estado espartano que queria estar

sempre controlando a integridade dos cidadãos.

Também devemos levar em consideração o respeito e a veneração aos deuses,

que eram os legitimadores das legislações e do poder conferido às autoridades. Esse

fator é essencial para a compreensão da valorização da disciplina espartana. E é esse

complexo e requintado modelo educacional com tendências totalizantes – o máximo

que considerava estável – que permite adaptar todos os cidadãos ao modelo idealizado:

o Igual.

O ambiente militar

Parte do cumprimento do dever do espartano também deve ser atribuído à sua

valentia. A boa fama acompanha o valor. É mais desejada a morte honrosa do que a

vida sem honra. Dizer a verdade e não fugir do perigo é demonstração de valentia e é

reconhecida a apreciação por parte dos semelhantes. Aos covardes, na Lacedemônia,

eram apenas conferidos a desonra e os postos mais desonrosos. 22

Nota-se, inclusive no ambiente militar, a disseminação da competitividade no

espírito do espartano, quando medidas preventivas eram tomadas no intuito de

preservar a integridade física do soldado. A desconfiança característica aos espartanos,

fomentada por essa competitividade intrínseca à educação dos mesmos, repercutia

também no ambiente militar. Medidas eram tomadas no intuito de evitar que armas

sumissem nos acampamentos23.

21 Xenofonte, cap. VI.2.22 “... en Lacedemônia, cualquiera se avergonzaría de admitir a un cobarde como compañero de mesa, o como contrincante en los ejercicios de lucha. (...) y en las calles tiene que dar el paso, y se esta sentado tiene que dar el asiento, incluso a los más jóvenes; (...) y ha de ver su hogar privado de esposa, y pagar encima impuesto por ello; y no podrá vagar alegremente ni imitar tampoco a los intachables, so pena de ser golpeado por los más valientes”. Xenofonte, cap. IX.4-5.23 “Y estableció centinelas diurnos que vigilasem las armas en el interior del campemento, pues no por causa de los enemigos, sino por causa de los amigos se establecen estas guardias”. Xenofonte, cap.

No ambiente militar, tudo o que foi ensinado ao jovem espartano é colocado à

prova. E a confiança que toda a tropa credita ao indivíduo em situação de guerra não

pode ser ignorada, pois a formação em fileiras típica dos hoplitas depende muito dos

ideais de coragem e honra ensinados ao indivíduo. Cada fileira deve ser compacta, e

cabe ao exército adversário “perfurar” essas fileiras. Cada hoplita protege o

companheiro imediatamente à sua direita, com seu próprio escudo, e é protegido pelo

escudo do seu companheiro à esquerda. Isso gera um sentimento de companheirismo

na tropa, pois os hoplitas confiam suas próprias vidas uns aos outros. Caso um único

indivíduo se atemorize frente ao inimigo, toda a fileira cai.

Aliás, o moral da tropa é sempre levado em consideração pelos espartanos, tanto

o do próprio exército como o do adversário. Aos espartanos, Licurgo recomenda que

trajem vermelho, para se discernir das mulheres e para esconder manchas de sangue,

o que dá a impressão de que são algo além de humanos. É também recomendado que

preservem seus cabelos longos, para que pareçam mais bestiais frente o adversário. É

recomendado que pratiquem seus exercícios ginásticos, mesmo em acampamento, de

forma que estejam sempre fortes e resistentes, e assim não só chegarão a sentir-se

mais seguros de si, como também parecerão mais nobres, frente aos outros24. É pelo

mesmo motivo que mantinham os escudos sempre bem polidos e as lanças bem

afiadas.

Percebemos que é nas campanhas militares que os espartanos, frutos de um

sistema de treinamento à defesa dos interesses de seu grupo por via das armas, vão

valorizar mais ainda a obediência. Assim era possível demonstrar praticamente o

resultado que a formação recebida do Estado havia gerado em seus caracteres: seguir

ordens e ser glorificado por tal lealdade perante seus iguais.

Conclusão

Terminamos este trabalho de reflexão cultural a respeito da sociedade

lacedemônia confiantes de termos explicitado e desenvolvido de maneira satisfatória a

XII.2.24 “Despues de los ejercicios gimnásticos, el primer polemaco da orden de sentarse: esto viene a ser a modo de revista”. Xenofonte, cap. XII.6.

hipótese proposta, dentro das infinitas possibilidades que se podem desenvolver a partir

da riquíssima obra de Xenofonte com auxílio da vasta historiografia de Esparta. Vale

ratificar a importância do estímulo à competitividade em todos os aspectos da vida

espartana a fim de que se torne inteligível o objetivo do autor ao conduzir sua

Lakedaimônion Politeia: obter nos costumes e leis atribuídos à legislação de Licurgo as

razões do desenvolvimento e prosperidade de Esparta no princípio do século IV a.C.

A partir deste trabalho, observamos a manutenção da ordem social como um

ponto de suma importância na exposição do autor, vendo em muitos elementos do

código de conduta social descrito tal fator como garantidor dos contínuos aprimorar e

desenvolvimento almejados à Esparta. A competitividade encontra-se estimulada neste

contexto no fato de, nivelados tanto economicamente quanto socialmente e na

educação desde suas infâncias, os espartanos só conquistariam valor perante seu

grupo pelo valor de suas aptidões desenvolvidas para disputas e da honra adquirida

através de suas ações em prol do bem coletivo. A querela estabelecida entre os

membros do grupo pelo desejo de ter a honra mais imaculada é fomentada pelas regras

de auto-regulação social e “limpeza” do sistema.

Assim, também ganham importância as medidas visando compensar ou controlar

os possíveis efeitos prejudiciais derivados desta nutrição do espírito de concorrência

pelo destaque social. Dentre estas estão a punição aos jovens que não controlam seus

impulsos e, acima de tudo, colocação da experiência e do valor honroso dos anciãos,

lentamente adquiridos, numa posição hierarquicamente superior e digna de se prestar

reverência pelos que ainda têm nas virtudes físicas seus maiores méritos – ou ainda, o

distanciamento estabelecido entre os que têm autoridade sobre os outros. E do senso

de obediência que, conforme exposto, incrusta-se na sociedade pelas vias legais,

divinas e, principalmente, tradicionais; deste, até mesmo os reis e os mais poderosos

politicamente comungam, sendo clara sua submissão ao eforado. Xenofonte discursa

sobre tal reverência como uma escolha dos que legislam de também obedecerem à lei

e ao sistema político-social, mas não deixa de ser claro um poder moderador

interveniente a fim de reforçar os alicerces da Esparta.

Referências bibliográficas

XENOFONTE. La republica de los Lacedemônios (edição contendo original em grego,

introdução e tradução espanhola por Maria Rico Gomez). Madrid, 1989.

WENNY, Walter. A História da Civilização Espartana. Santos, 1970.

MOURA, José Francisco de. Imagens de Esparta – Xenofonte e a ideologia oligárquica.

Senai: Rio de Janeiro, 2000.