A Comissão de Remunerações

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A Comissão de Remunerações* DR. PAULO CÂMARA** SUMÁRIO: § 1.° Introdução: 1. Relevo no âmbito do governo das sociedades; terminologia; 2.A evolução regulatória recente. § 2.° Perfil funcional e estrutural: 3. Estrutura; modelos de comissões de remunerações; 4. Unicidade ou pluralidade; 5. Organização e deveres jurí- dicos dos membros. § 3.° O quadro geral de competências; 6. O regime de competência para fixação de remunerações societárias; 7. Âmbito de competências da comissão de remunera- ções; 8. Contratação de peritos; 9. A competência da comissão de vencimentos como compe- tência delegada; implicações; 10. A comissão de remunerações como órgão social. § 4.° As competências da comissão de remunerações ante a Lei n.° 28/2009; 11. Quadro geral; 12. Objecto do dever de apresentação de declaração sobre política remuneratória; 13. Con- teúdo e natureza da declaração sobre política de remunerações; 14.A natureza do dever de apresentação de declaração referente à política remuneratória; 15. Eficácia da rejeição da declaração sobre política de remunerações. § 5.° Composição: 16. Composição qualitativa; a independência; 17. Competência técnica; 18. Composição quantitativa. § 6.º Remuneração. § 7.º Cessação de funções da comissão de remunerações. § 1.° Introdução 1. Relevo no âmbito do governo das sociedades; terminologia I – É crescente o relevo reconhecido às comissões de remunerações (tam- bém designadas por comissões de vencimentos, compensation committees ou RDS III (2011), 1, 9-52 * O presente artigo é publicado ao abrigo da colaboração estabelecida entre a Revista de Direito das Sociedades e o Governance Lab, grupo de investigação jurídica dedicado ao governo das organizações (www.governancelab.org). ** Docente universitário (Instituto dos Valores Mobiliários, Faculdade de Direito da Universi- dade Católica Portuguesa e Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal),Advogado (Sér- vulo & Associados – Sociedade de Advogados) e Membro do Governance Lab.

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A Comissão de Remunerações*

DR. PAULO CÂMARA**

SUMÁRIO: § 1.° Introdução: 1. Relevo no âmbito do governo das sociedades; terminologia;2.A evolução regulatória recente. § 2.° Perfil funcional e estrutural: 3. Estrutura; modelosde comissões de remunerações; 4. Unicidade ou pluralidade; 5. Organização e deveres jurí-dicos dos membros. § 3.° O quadro geral de competências; 6. O regime de competência parafixação de remunerações societárias; 7. Âmbito de competências da comissão de remunera-ções; 8. Contratação de peritos; 9.A competência da comissão de vencimentos como compe-tência delegada; implicações; 10. A comissão de remunerações como órgão social. § 4.° Ascompetências da comissão de remunerações ante a Lei n.° 28/2009; 11. Quadro geral;12. Objecto do dever de apresentação de declaração sobre política remuneratória; 13. Con-teúdo e natureza da declaração sobre política de remunerações; 14.A natureza do dever deapresentação de declaração referente à política remuneratória; 15. Eficácia da rejeição dadeclaração sobre política de remunerações. § 5.° Composição: 16. Composição qualitativa; aindependência; 17. Competência técnica; 18. Composição quantitativa. § 6.º Remuneração.§ 7.º Cessação de funções da comissão de remunerações.

§ 1.° Introdução

1. Relevo no âmbito do governo das sociedades; terminologia

I – É crescente o relevo reconhecido às comissões de remunerações (tam-bém designadas por comissões de vencimentos, compensation committees ou

RDS III (2011), 1, 9-52

* O presente artigo é publicado ao abrigo da colaboração estabelecida entre a Revista de Direitodas Sociedades e o Governance Lab, grupo de investigação jurídica dedicado ao governo dasorganizações (www.governancelab.org).** Docente universitário (Instituto dos Valores Mobiliários, Faculdade de Direito da Universi-dade Católica Portuguesa e Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal),Advogado (Sér-vulo & Associados – Sociedade de Advogados) e Membro do Governance Lab.

remuneration committees), ante a evolução recente da literatura sobre o governodas sociedades anónimas e o intenso fluxo de medidas normativas e recomen-datórias adoptadas nas últimas duas décadas, recentemente intensificado emreacção à crise financeira internacional.

A constituição de comissões de remunerações insere-se no processo dereconhecimento da utilidade na criação de comissões especializadas no âmbitosocietário. Estas comissões favorecem uma divisão de tarefas entre os actoressocietários e, nesta matéria em particular, propiciam um tratamento mais pro-fissional e informado sobre temas complexos1.

Além disso, há atributos específicos da comissão de remunerações quemerecem igualmente ser mencionados. De um lado, esta contribui, em termosdecisivos, para a robustez e limpidez do processo de fixação de remunerações,ao pressupor uma separação de funções de gestão da função de fixação deremuneração, assim se facilitando uma resolução adequada de conflito de inte-resses2.

De outro lado, esta comissão pode convocar pessoas habilitadas a assegurarum tratamento mais especializado destes temas – representando, nessa medida,uma resposta à exigência crescente ante a sofisticação gradual das regras remu-neratórias e das estruturas remuneratórias.

Mostra-se, assim, justificado dedicar atenção ex professo à figura, o que se faznas páginas seguintes.

II – A redacção originária do artigo 399.° referia-se a esta estrutura como“comissão de accionistas”, o que a reforma societária de 2006 alterou, permi-tindo que seja constituída por não accionistas.Assim, actualmente, o Código dasSociedades Comerciais3 não estabelece designação directa para a comissãosocietária aqui tratada.

A Lei n.° 28/2009, bem como os textos regulamentares e recomendatóriosdas autoridades de supervisão financeiras (CMVM, Banco de Portugal e Insti-tuto de Seguros de Portugal) referem-se invariavelmente à comissão de remu-nerações; mas a literatura usualmente utiliza também a locução “comissão de

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1 Em geral: MARCUS LUTTER, Corporate governance aus deustcher Sicht, ZGR Symposium zum 60.Geburstag von Klaus Hopt (Mar.-2001) 229-232. Sobre a crescente profissionalização do trata-mento de temas remuneratórios, cf. nomeadamente MICHAEL KRAMASCH, Organvergütung, ZHR169 (2005), 112.2 RICHARD GREENBURY (coord.), Directors’ Remuneration [Greenbury Report] (1995), 4.3.3 As normas citadas sem indicação da respectiva fonte devem entender-se reportadas ao Códigodas Sociedades Comerciais, salvo se do contexto resultar fonte diversa.

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vencimentos” ou “comité de vencimentos”4. Deixando de lado esta últimalocução, reveladora de um escusado francesismo5, dada esta flutuação termino-lógica, nesta matéria, tomam-se aqui como equivalentes as expressões comissãode remunerações e comissões de vencimentos.

2. A evolução regulatória recente

I – A evolução do tratamento normativo das comissões de remuneraçõesreflecte a trajectória geral das fontes de governo das sociedades, sobretudo nasúltimas duas décadas. A um tempo, na conformação das comissões de venci-mentos assume notória influência a soft law, em particular os códigos degoverno societário6.A outro tempo, recentemente, tornou-se visível um endu-recimento dos textos que lidam com esta matéria: nos Estados Unidos e naEuropa, as comissões de remunerações eram inicialmente tidas como reco-mendadas – e são agora, de modo crescente, objecto de constituição obrigató-ria, por força de dispositivos legais e regulamentares.

Numa reconstituição genérica, duas sucessões de factos estão na origemdesta mudança de paradigma regulatório em torno das comissões de remune-ração. A primeira vaga de intervenções ocorreu nos anos 1990 e no início donovo milénio, ante a elevação progressiva dos níveis remuneratórios de admi-nistradores (particularmente nos EUA) e a revelação de casos controversos deremuneração excessiva [v.g. envolvendo dirigentes da Walt Disney Co. (1998) eda New York Stock Exchange (2003)]7. Somou-se o debate em torno da alte-

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4 A título de exemplo, cabe mencionar MENEZES CORDEIRO, SA: Assembleia geral e deliberaçõessociais, Coimbra (2007), 141-145; Id., Código das Sociedades Anotado, cit., 979 e ARMANDO TRIUN-FANTE, Código das Sociedades Comerciais Anotado (Anotações a todos os preceitos alterados), Coimbra(2007), 391. Socorrendo-se da designação “comité de remunerações”: COUTINHO DE ABREU,Governação das Sociedades Comerciais, Coimbra (2006), 103; e JOÃO SOUSA GIÃO, Conflitos de Inte-resses entre Administradores e Accionistas na Sociedade Anónima: os Negócios com a Sociedade e a Remu-neração dos Administradores, em Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro. Um Balanço apartir da Crise Financeira, Coimbra (2010), 268-291.5 A expressão comité de vencimentos tem a sua raiz na infeliz tradução oficial da Recomendação2005/162/CE, de 15 de Fevereiro de 2005, adiante tratada.6 PAULO CÂMARA, Códigos de Governo das Sociedades, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliáriosn.° 15 (Dezembro de 2002), 65-90.7 MICHAEL C. JENSEN/KEVIN MURPHY/ERIC WRUCK, Remuneration:Where We’ve Been, How WeGot to Here,What are the Problems, and How to Fix Them, ECGI – Finance Working Paper No.44/2004 (2004); LAWRENCE CUNNINGHAM, A New Legal Theory To Test Executive Pay: ContractualUnconscionability, Iowa Law Review, vol. 96 (2011) e http://ssrn.com/abstract=1762123.

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ração do preço de exercício de opções de aquisição de acções (repricing), quechegou a ser aplicada em algumas sociedades cotadas norte-americanas, sob apolémica alegação de que se tratava de um mera actualização das condiçõesremuneratórias ante desenvolvimentos imprevisíveis do mercado8. Os proble-mas colocados por esse acerto foram considerados de monta9, por se reconhe-cer que tal prática prejudicaria ou mesmo anularia a estrutura de incentivossubjacente aos stock option plans10. A segunda vaga de intervenções normativasrelacionadas com as comissões de remunerações foi desenhada como resposta àcrise financeira iniciada em 2007, em particular porque em diversas instituiçõesfinanceiras foram detectadas estruturas remuneratórias desajustadas, pela elevadaimportância conferida aos indicadores de desempenho de curto prazo, e indu-toras de risco excessivo11. Um ponto merece ser sublinhado: se a reacção aosescândalos de início do século XXI se traduziu sobretudo na necessidade dereforço dos órgãos de fiscalização (em qualquer dos modelos de governo), acrise financeira iniciada em 2007 trouxe para primeiro plano do debate sobregovernação societária a necessidade de aperfeiçoar o processo de fixação daremuneração. Por outro lado, ao passo que as intervenções do início de milé-nio se centraram nas sociedades cotadas, as respostas normativas tomaram comoprincipal (embora não exclusivo) ponto de referência as instituições financei-ras, como se procura demonstrar na exposição subsequente.

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8 CHARLES CORRADO/BRADFORD JORDAN/THOMAS MILLER JR/JOHN STANSFIELD, Repricingand Employee Stock Option Valuation, Journal of Banking and Finance 25 (2001), 1059-1082; MARY

ELLEN CARTER/LUANN LYNCH, An Examination of Executive Stock Repricing, Journal of FinancialEconomics 61 (2001), 207-225.9 O código alemão proíbe directamente a alteração retroactiva de critérios de determinação daremuneração. Cf.Art. 4.2.3. do Deutscher Corporate Governance Kodex. No mesmo sentido, ASSO-CIATION FRANÇAISE DE GESTION FINANCIÈRE, Recommandations Sur Le Gouvernement D’Entreprise(2004) Princípio 3.10 GUIDO FERRARINI/NIAMH MOLONEY, Executive Remuneration and Corporate Governance in theEU: Convergence, Divergence and Reform Perspectives, cit., 291.11 Reza uma das conclusões do relatório oficial norte-americano sobre as causas da crise : Com-pensation systems-designed in an environment of cheap money, intense competition, and light regulation-toooften rewarded the quick deal, the short-term gain-without proper consideration of long-term consequences.Often, those systems encouraged the big bet-where the payoff on the upside could be huge and the downsidelimited (COMMISSION ON THE CAUSES OF THE FINANCIAL AND ECONOMIC CRISIS IN THE UNI-TED STATES, The Financial Crisis Inquiry Report (2011), xix). Cf. SANJAI BHAGAT/ROBERTA

ROMANO, Reforming Executive Compensation – Simplicity,Transparency and Committing to the Long-Term, John M. Olin Center for Studies in Law, Economics, and Public Policy Research PaperNo. 393 (2009), 1-12.

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II – A revalorização da comissão de vencimentos tem vindo a ser muitoacentuada no contexto da evolução regulatória recente.

Nos Estados Unidos, após algumas intervenções de cariz recomendatório12,em 1992 a Securities and Exchange Commission impôs o dever de elaborar umrelatório sobre a estrutura remuneratória de sociedades cotadas, para que fosseprestada informação anual sobre o racional das remunerações pagas e a relaçãoentre estas e o desempenho societário13. O diploma fundou o reconhecimentonormativo das funções da comissão de remunerações, que tinham a competên-cia para elaborar o mencionado relatório, assinado por todos os respectivosmembros – embora a SEC admitisse que, na falta de comissão de remunera-ções, o documento fosse preparado pelo conselho de administração14.

O relevo destas comissões viria, em 2003, a ser reforçado pelas regras bol-sistas fixadas pela New York Stock Exchange, que impôs o directamente o deverde constituição de compensation committee composto por administradores inde-pendentes. Regime paralelo, embora mais mitigado, viria a ser adoptado pelasregras de admissão do NASDAQ.

No Reino Unido, o tratamento conferido às comissões de remuneraçõescentrou-se, numa fase inicial, em indicações recomendatórias. O pioneiroRelatório Cadbury de 1992 já recomendava às sociedades cotadas a existênciade uma comissão de remunerações composta integralmente ou maioritaria-mente por administradores não executivos15. Maior desenvolvimento aos temasremuneratórios foi atingido através do Relatório Greenbury (1995), o qualretomou e aprofundou as indicações do Cadbury Report16. O documento foi o

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12 Como antecedente da intervenção da SEC cumpre salientar os Princípios da Business Roud-table, fixados em 1990, que já preconizavam a constituição de comissões de remunerações com-postos por administradores não-executivos (cf. JONATHAN CHARKHAM, Keeping Better Company.Corporate Governance Ten Years On2, Oxford (2005), 240-242). Merecem ainda referência os rela-tórios sobre remuneração preparados pela Blue Ribbon Commission (1993, revisto em 2000, e2003), o mais recente dos quais centrava maior atenção na função, princípios orientadores e fun-cionamento das comissões de remunerações (NATIONAL ASSOCIATION OF CORPORATE DIREC-TORS. BLUE RIBBON COMMISSION, Executive Compensation and the Role of the Compensation Com-mittee (2003)).13 Executive Compensation Disclosure, Exchange Act Release n.° 33-6962 (21 Out. 1992).Sobre este regime, veja-se nomeadamente MARTIN D. MOBLEY, Compensation Committee ReportsPost-Sarbanes-Oxley: Unimproved Disclosure of Executive Compensation Policies and Practices, Colum-bia Business Law Review (2005), 115-137.14 Exchange Act Release n.° 33-6962, 402 (k) (3).15 Financial Aspects of Corporate Governance, London (1992), 4.42.16 RICHARD GREENBURY (coord.), Directors’ Remuneration [Greenbury Report] (1995), disponívelem http://www.ecgi.org/codes/documents/greenbury_less_recommendations.pdf.

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produto de um grupo de trabalho exclusivamente concentrado nas questõesremuneratórias, e dedicava uma secção inteira às comissões de remunerações.Os aspectos mais relevantes a ser aditados prendem-se com o regulamentointerno da comissão, os requisitos dos seus membros e o apoio que deve serprestada para que esta funcione eficazmente. As recomendações provindas doRelatório Greenbury permanecem, na sua essência, ainda em vigor – tendosido integradas no Código de governação britânico, cuja última edição data de 2010.

A partir do exemplo britânico, a generalidade dos códigos de governosocietário passou a incorporar indicações recomendatórias sobre a comissão deremunerações.Assim sucedeu, nomeadamente, na Alemanha17, em França18, naBélgica19, em Itália20 e em Espanha21. O Código de Governo das Sociedadesportuguês não foge à regra, dedicando diversas prescrições às comissões deremunerações22.

III – No âmbito comunitário23, houve que esperar dez anos após o Rela-tório Greenbury para que a Recomendação 2005/162/CE, de 15 de Fevereirode 2005 sobre o papel dos administradores não executivos viesse a preconizara criação no âmbito do conselho de administração ou de supervisão um comité de remu-neração sempre que, por força da legislação nacional, esse comité desempenhar um papelno processo de fixação da remuneração dos administradores, quer tome ele próprio as deci-sões quer apresente propostas nesse sentido a um outro órgão da sociedade. A Reco-mendação explicitava adicionais indicações sobre a composição, função e meiosda comissão de remuneração. No figurino comunitário, esta comissão teria umamissão essencialmente recomendatória, cabendo-lhe essencialmente apresentar

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17 Deutsches Corporate Governance Kodex (2010), 5.3.4.18 ASSOCIATION FRANÇAISE DE LA GESTION FINANCIÈRE, Recommandations sur le Gouvernementd’Entreprise (2010), II.B 2-3 e II.C.1.19 Code Belge de Gouvernance d’Entreprise (2009), 5.4. e Apêndice E.20 BORSA ITALIANA S.P.A./COMITATO PER LA CORPORATE GOVERNANCE, Codice de Autodisci-plina (2006), 7.P.3.21 COMISÍON NACIONAL DE MERCADO DE VALORES, Codigo Unificado de Buen Gobierno, 44, 57-58.22 Cf. CMVM, Código do Governo das Sociedades (2010).Além das indicações gerais constantes daSecção II.1.5, em matéria remuneratória, vale considerar em particular as recomendações II.5.2.e II.5.3.23 Na base do maior interesse europeu pela comissão de remunerações, foi influente o Plano deAcção sobre Direito das Sociedades, que já anunciava a intenção de tratar, em termos recomen-datórios, estas comissões: EUROPEAN COMMISSION, Modernising Company Law and Enhancing Cor-porate Governance in the European Union – A Plan to Move Forward, COM (2003) 284 final, 15-16.

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recomendações ao conselho de administração ou de supervisão no que diz res-peito às questões de remuneração, relativamente às quais o órgão competentedeve decidir de acordo com o direito nacional das sociedades.

As indicações recomendatórias europeias sobre comissão de remuneraçõesviriam a ser desenvolvidas, já no rescaldo na crise financeira, através da Reco-mendação 2009/3159/CE, de 30 de Abril de 200924.Aqui se revela uma preo-cupação de encorajar uma maior preparação técnica na composição da comissão,ao recomendar que pelo menos um membro da comissão seja suficientementeespecializado no domínio das remunerações.A Recomendação de 2009 preco-niza ainda que os membros da comissão estejam presentes na assembleia geralna qual é discutida a declaração sobre as remunerações, para prestarem esclare-cimentos aos accionistas. Acrescenta-se também, com o propósito de mitigarsituações de conflito de interesses envolvendo consultores de remuneração, queos consultores que prestam assistência à comissão de remuneração não devemassessorar simultaneamente outros órgãos.

Um texto internacional de resposta à crise financeira que se revelou muitoinfluente no âmbito recomendatório foram os Princípios sobre Práticas Remu-neratórias do Financial Stability Board (2009)25, seguidos das Orientações relati-vas à sua aplicação: sobretudo neste último documento, surgem diversas orien-tações relativas à essencialidade do papel da comissão de remunerações nodesenho e na revisão da arquitectura retributiva26. O Comité de Basileia tam-bém se tem mostrado muito activo neste âmbito, tendo publicado uma meto-dologia de avaliação de políticas remuneratórias de instituições de crédito eoutros documentos complementares, reservando destaque particular às comis-sões de remunerações27.

Mais recentemente, no âmbito do sector financeiro, revelou-se um endure-cimento normativo do tratamento comunitário dos temas remuneratórios atra-

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24 Para um comentário a este Recomendação: JOÃO SOUSA GIÃO, Conflitos de Interesses entreAdministradores e Accionistas na Sociedade Anónima, cit., 274-291.25 FINANCIAL STABILITY FORUM, Principles for Sound Compensation Practices (Ab.-2009), disponí-vel em http://www.financialstabilityboard.org/publications/r_0904b.pdf.26 Cf. em particular os Princípios 1 e 15 de FINANCIAL STABILITY BOARD, Principles for SoundCompensation Practices – Implementation Standards (Set.-2009), disponível em http://www.finan-cialstabilityboard.org/publications/r_090925c.pdf.27 Considere-se em particular o Standard 1 do documento BASEL COMMITTEE ON BANKING

SUPERVISION, Compensation Principles and Standards Assessment Methodology (2010), disponível emhttp://www.bis.org/publ/bcbs166.htm; Id., Consultation Report on the Range of Methodologies forRisk and Performance Alignment of Remuneration (2010), available at http://www.bis.org/publ/bcbs178.pdf.

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vés da Directiva 2010/76/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24de Novembro de 2010. Entre diversas implicações – paralelamente desenvolvi-das num longo texto interpretativo preparado pelo Commmittee of EuropeanBanking Supervisors (CEBS) (antecessor da actual European Banking Authority(EBA))28 –, a Directiva obriga a que as instituições de crédito significativas emtermos de dimensão e organização interna e natureza, âmbito e complexidadede actividades constituam uma comissão de remunerações. Esta deve ser cons-tituída de forma que lhe permita formular juízos informados e independentessobre as políticas e práticas de remuneração e sobre os incentivos criados paraefeitos de gestão de riscos, de capital e de liquidez29.

Semelhante orientação foi estabelecida através da Directiva europeia sobregestão de fundos de investimento alternativos, quanto ao dever de constituiçãode uma comissão de remunerações para as entidades gestoras de fundos alter-nativos (incluindo fundos de capital de risco e hedge funds) significativas em ter-mos da sua dimensão, ou da dimensão dos fundos que gerem, ou da sua estru-tura interna e natureza ou da complexidade das suas actividades30. Prevê-se, porfim, que tal solução venha a ser estendida aos fundos de investimento mobiliá-rio harmonizados e às seguradoras, atento o teor das Directivas em preparaçãonessas áreas.

IV – Em Portugal, é igualmente visível o aumento do fluxo de interven-ções normativas e recomendatórias com incidência sobre comissões de remu-nerações.Além da previsão constante dos artigo 399.° e 429.° CSC, prevendoem geral a figura, a Lei n.° 28/2009, de 19 de Junho, passou a impor que acomissão de remunerações ou o órgão de administração submeta anualmenteum documento sobre política remuneratória à assembleia geral. Estes elemen-tos normativos serão apreciados mais adiante em detalhe31.

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28 CEBS, Guidelines on Remuneration Policies and Practices (2010), com indicações sobre a comis-são de remunerações pg. 31-33, disponível em http://www.eba.europa.eu/cebs/media/Publica-tions/Standards%20and%20Guidelines/2010/Remuneration/Guidelines.pdf.29 Anexo V da secção 11 da Directiva 2006/48/CE, na redacção dada pela Directiva2010/76/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, ponto 24.Este texto comunitário deve ser transposto para a ordem interna nacional até final de 2011.30 Anexo II, n.° 3, da Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre gestão de fundosde investimento alternativos.31 Quanto ao regime societário, cf. infra, 3. e 6.-10.; quanto à disciplina decorrente da Lei n.° 28/2009, de 19 de Junho, veja-se em particular os pontos 11.-15..

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No plano infra-legislativo, merecem especial referência o Regulamento n.° 1/2010 da CMVM, o Aviso n.° 1/2010 do Banco de Portugal e a NormaRegulamentar n.° 5/2010-R do Instituto de Seguros de Portugal – comple-mentadas, por seu turno, com um catálogo de recomendações em matériaremuneratória constante da versão de 2010 do Código de Governo das Socie-dades da CMVM, da Carta Circular n.° 2/10/DSBDR do Banco de Portugale da Circular n.° 6/2010 do ISP – com indicações sobre estas comissões diri-gidas respectivamente às sociedades cotadas, às instituições de crédito e socie-dades financeiras gestoras discricionárias de activos e às empresas de seguros ede resseguros e sociedades gestoras de fundos de pensões.

§ 2.° Perfil funcional e estrutural

3. Estrutura; modelos de comissões de remunerações

I – A comissão de remunerações não obedece a uma configuração únicaem termos comparatísticos. Em sistemas jurídicos de referência, detectam-setrês principais modelos, consoante a comissão de remunerações se configurecomo:

– comissões delegadas do conselho de administração;– comissões delegadas do órgão de fiscalização;– comissões delegadas da assembleia geral32.

Para uma compreensão das diferenças registadas entre si, cada um destesmodelos é, a traço grosso, percorrido de seguida.

II – Em termos comparatísticos, o modelo mais comum pressupõe a atri-buição de competências a uma comissão, nomeada pelo órgão de administra-

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32 O texto enuncia as principais tendências, em termos comparatísticos, do ponto de vista daresposta orgânica ao processo decisório em matéria retributiva. Frise-se existirem sistemas jurí-dicos que acolhem modelos mistos, como é caso do italiano, em que os estatutos ou a assembleiageral estabelecem a remuneração dos membros do órgão de administração em geral, ao passo queo conselho de administração fixa a remuneração dos membros da comissão executiva e dos admi-nistradores delegados (artigo 2389 Cod. Civ. It.). Cf. a propósito STEFANO CAPIELLO, La Remu-nerazione degli Amministratori. “Incentivi Azionari” e Creazione di Valore, Milano (2005), 146-190.

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ção, para lidar com assuntos relacionados com a remuneração dos seus titulares(remuneration committees)33.

Este modelo comporta, por seu turno, sub-modalidades importantesquanto à sua composição e às funções que lhe são assinaladas.

Quanto à primeira vertente, os membros destes remuneration committees sãoadministradores, consoantes as jurisdições, maioritariamente ou exclusivamenteindependentes34. Esta última é a opção tomada no Reino Unido35; nos EstadosUnidos, é habitual a inclusão de membros exclusivamente independentes36; emFrança, por seu turno, considera-se ser suficiente a presença maioritária demembros independentes37.

Igualmente relevante é apontar que estas comissões em alguns sistemas jurí-dicos assumem funções decisórias (é o caso do Reino Unido38), ao passo queoutros países preferem atribuir-lhes competências para a apresentação de pro-postas em matéria de remuneração, a ser decididas a final pelo órgão de admi-nistração.Assim sucede em França39 e em Itália40.

Este modelo de estruturação da comissão de remunerações encontra-se detal modo generalizado que, por vezes, os textos internacionais (v.g. europeus) ea literatura o tomam por único; o que, como abaixo se demonstra, é anglo-cên-trico e incorrecto.

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33 Em geral: GÉRARD HERTIG/JOSEPH MCCAHERY, On-Going Board Reforms: One-Size-Fits-Alland Regulatory Capture, ECGI Law Working Paper n.° 25/2005, http://ssrn.com/abs-tract=676417, 17-18. Sobre a experiência norte-americana, e em termos críticos, alegandoexcessiva interferência do CEO: LUCIAN BEBCHUK/JESSE FRIED/DAVID WALKER, ManagerialPower and Rent Extraction in the Design of Executive Compensation, cit., 13-28; MICHAEL JEN-SEN/KEVIN MURPHY, Remuneration:Where we’ve been, how to get there, what are the problems, and howto fix them, ECGI WP n.° 44 (2004).34 O tema da independência é adiante retomado. Cf. infra, 16.35 FINANCIAL REPORTING COUNCIL, Combined Code on Corporate Governance (2006), B.2.1.36 Esse um dos deveres imposto pelo Wall Street Reform and Consumer Protection Act de 2010.Sobre a prática antecedente: LUCIAN BEBCHUK/JESSE FRIED/DAVID WALKER, Managerial Powerand Rent Extraction in the Design of Executive Compensation, cit., 13-14.37 Tal o que decorre do regime francês: cf.AFEP/MEDEF, Le gouvernement d’entreprise des socié-tés cotées (2003), 13. e 15.1 e, a propósito, KLAUS HOPT/PATRICK LEYENS, Board Models in Europe.Recent Developments of Internal Corporate Governance Structures in Germany, the United States, France,and Italy, ECGI Law Working Paper n.° 18 (2004), 17.38 FINANCIAL REPORTING COUNCIL, Combined Code on Corporate Governance (2010), D.2.2.39 AFEP/MEDEF, Le gouvernement d’entreprise des sociétés cotées (2003), 15.3.40 COMITATO PER LA CORPORATE GOVERNANCE, Codice di Autodisciplina (2006), 1.C.1. d).

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III – O modelo de governo dualista, que combina a existência de um con-selho de administração executivo e de um conselho geral e de supervisão41, pornorma confia neste órgão de fiscalização, ou em comissão composta por algunsdos seus titulares, a competência para a fixação da remuneração de administra-dores. Podem encontrar-se ilustrações desta arrumação organizativa na Alema-nha e em Itália42.

Em Portugal, dada a intensa plasticidade deste modelo de governação, essaeventualidade é directamente prevista na lei, embora se admita igualmente queos estatutos designem como competente a assembleia geral ou comissão devencimentos por esta nomeada (artigo 429.° CSC).

IV – Em derradeiro lugar, autonomiza-se o modelo que pressupõe a atri-buição de competências em matéria de remuneração dos administradores àassembleia geral ou a comissão por esta delegada.

À partida, trata-se de um modelo que se caracteriza por afastar os adminis-tradores da decisão sobre remunerações, dado o risco de parcialidade43, e que,nessa medida, se acomoda facilmente à intervenção de titulares de outrosórgãos sociais ou de investidores institucionais no processo decisório referenteà remuneração dos titulares do órgão de administração.

Pese embora esteja hoje relativamente isolado em termos comparatísticos44,este é o modelo com raízes mais profundas no processo histórico de formaçãodas sociedades anónimas45. Adiantando uma apreciação deste modelo, dir-se-á

A Comissão de Remunerações 19

41 Para desenvolvimentos: PAULO CÂMARA, O Governo das Sociedades e a Reforma do Código dasSociedades Comerciais, em O Código das Sociedades Comerciais e o Governo das Sociedades, Coimbra(2008), 110-119.42 Cf., na Alemanha, o Art. 4.2.2. do Deutscher Corporate Governance Kodex e, em Itália, o artigo2409-terdecies, n.° 1 a) Cod. Civ..43 STEFAN WINTER, Management- und Aufsichratsvergütung unter besonderer Berücksichtigung vonStock Options – Lösung eines Problems oder zu lösendes Problem? em PETER HOMMELHOFF/KLAUS

HOPT/AXEL V.WERDER, Handbuch Corporate Governance, cit., 337-339; NIGEL MAW et al., Mawon Corporate Governance, Dartmouth,Aldershot (1994), 17.44 Em Espanha, o artigo 130 da LSA exige adicionalmente que a remuneração conste dos esta-tutos – o que não sucede, reitere-se, no sistema jurídico português. Sobre a interpretação destasolução castelhana e em crítica ao seu tratamento jurisprudencial (no sentido da imposição deuma discriminação quantitativa da remuneração no pacto social), são incontornáveis os excelen-tes escritos de CÁNDIDO PAZ-ARES, El enigma de la retribución de los consejeros ejecutivos, InDret Vol. 1 (2008) e em RMV n.° 2 (2008), 15-88; Id, Ad imposibilia nemo tenetur (o por qué recelar dela novísima jurisprudencia sobre retribución de administradores), InDret Vol. 2 (2009).45 ELI HECKSCHER, The Mercantilism, trad. inglesa da versão alemã, 2 Vols., Garland Publishing:New York/London (tradução editada em 1983 do original de 1935), 360-372; HENK DEN HEI-

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que assenta na distinção entre a competência para gestão e a competência parao estabelecimento da remuneração; em contrapartida, pode implicar uma com-posição do órgão com um perfil menos técnico por não pressupor qualifica-ções prévias aos respectivos titulares, salvo as respeitantes à recomendada inde-pendência46.

VI – Este último é o sistema que vigora em Portugal no tocante aos mode-los clássico e anglo-saxónico de governo. No sistema jurídico português,quanto à competência societária, rege o artigo 399.° do Código das Socieda-des Comerciais, segundo o qual compete à assembleia geral de accionistas ou auma comissão por aquela nomeada fixar as remunerações de cada um dosadministradores, tendo em conta as funções desempenhadas e a situação eco-nómica da sociedade (n.° 1). O mesmo preceito acrescenta que a remuneraçãopode ser certa ou consistir parcialmente numa percentagem dos lucros de exer-cício, mas a percentagem máxima destinada aos administradores deve ser auto-rizada por cláusula do contrato de sociedade (n.° 2). Lembra-se, por fim, queaquela percentagem não pode incidir sobre distribuições de reservas nem sobrequalquer parte do lucro do exercício que não pudesse, por lei, ser distribuídaaos accionistas (n.° 3).

Em relação ao modelo dualista, é competente o conselho geral e de super-visão ou comissão por este nomeada ou, nos casos em que o contrato de socie-dade assim o determine, à assembleia geral ou a comissão por esta nomeada. Nomais, o artigo 429.° remete para o disposto no artigo 399.°, ambos do CSC.

VII – É importante frisar que igualmente o sistema jurídico português sesingulariza por permitir a constituição de comissão de remunerações em qual-quer sociedade anónima, independentemente da sua actividade, dimensão,estrutura accionista ou cotação bolsista.Tal marca uma diferença assinalável emrelação a outros ordenamentos jurídicos, que apenas cuidam da comissão deremunerações a propósito de sociedades cotadas ou de instituições de crédito.

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JER, De VOC en de Beurs/The VOC and the Exchange, Amsterdam (2002), 20-26; FRANKLIN

GEVURTZ, The Historical and Political Origins of the Corporate Board of Directors, University of thePacific – McGeorge School of Law (2004), 22-23; ARIBERTO MIGNOLI, Idee e problemi nell’evolu-zione della “company” inglese, Rivista delle Società (1960), 639.46 O texto enuncia uma característica tendencial, sendo certo que a recente permissão de desig-nação de não-sócios (artigo 399.° CSC) pode incrementar a especialização da comissão de ven-cimentos.Tudo depende, claro está, da composição que em concreto for estabelecida para estacomissão.

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4. Unicidade ou pluralidade

A lei não proíbe que a sociedade promova a constituição de mais do queuma comissão de vencimentos e, na prática, algumas sociedades nacionais demaior dimensão têm-no feito. Esta permissão é particularmente relevantequando a sociedade pretenda constituir uma comissão de remunerações sepa-rada para lidar com a remuneração dos administradores e outra para cuidar daremuneração dos restantes titulares de órgãos sociais. De igual modo, nomodelo dualista, pode coexistir uma comissão de vencimentos delegada doconselho geral e de supervisão, que fixa as remunerações dos titulares do con-selho de administração executivo, e uma comissão de vencimentos delegada daassembleia geral, à qual compita fixar a remuneração dos membros dos restan-tes órgãos sociais.

Apresenta-se, assim, como clara a admissibilidade jurídica de uma estruturadual de comissões de remunerações. Questão bem diferente é a de saber se, noplano funcional, se justifica esta bipartição de estruturas decisórias em matériaremuneratória. Como vantagens de um desdobramento pode apontar-se a cres-cente diferenciação entre o tratamento remuneratório de administradores comfunções executivas, de um lado, e o dos restantes titulares de órgãos sociais, deoutro. Porém, a unicidade de comissão de remunerações propicia, por seuturno, uma visão mais integrada e coerente das decisões societárias nos temasremuneratórios47.

5. Organização e deveres jurídicos dos membros

I – A lei não estabelece regras quanto à organização destas comissões.Como em qualquer estrutura societária, é usualmente recomendável a existên-cia de regulamentos internos, periodicamente revistos, e de actas das reuniões,para assegurar a sua efectividade48.

A comissão de remunerações pode não ter consagração estatutária. Comefeito, no modelo clássico e anglo-saxónico, a lei admite como suficiente umadeliberação de nomeação (artigo 399.°). Pelo contrário, a consagração estatutá-ria é imposta no caso do modelo dualista quanto à remuneração dos adminis-

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47 Com possível alargamento do objecto de análise, em termos recomendatórios, aos dirigentessocietários de topo, como adiante tratado. Cf. infra, 7.48 JANE K. STORERO/YELENA BARICHEV, The Expanding Role of the Compensation Committee,Legal Intelligencer (2007).

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tradores, quando tal competência seja atribuída a uma comissão designada pelaassembleia geral (artigo 429.°).

Todavia – e sem embargo da utilidade dos regulamentos internos destascomissões –, atento o relevo dos temas remuneratórios, considera-se comofazendo parte das boas práticas societárias que a existência da comissões de remu-nerações seja, em qualquer modelo de governo, reflectida no texto dos estatutos.

II – A partir da sua designação, os membros da comissão sujeitam-se a deve-res jurídicos decorrentes das funções desempenhadas. Incluem-se aqui, em pri-meira linha: o dever de fixar as remunerações dos membros dos órgãos sociais;o dever de estabelecer a política remuneratória e de proceder periodicamenteà sua revisão; o dever de acompanhar a informação prestada pela sociedadesobre remuneração; e o dever de prestar informação – ao órgão de fiscalizaçãoe, quando necessário, à assembleia geral – sobre as actividades por si desenvol-vidas49.

Pese embora não seja expressamente declarado ex lege, os membros dacomissão de remunerações sujeitam-se a deveres gerais de cuidado e lealdade.A propósito dos deveres de lealdade, importa notar que a recente Directiva n.°2010/76/UE, de 24 de Novembro de 2010, dirigida às instituições de créditoe empresas de investimento, dispõe que a comissão de remunerações deve terem conta os interesses de longo prazo dos accionistas, dos investidores e deoutros interessados na instituição de crédito50.

Como corolário do dever de cuidado, cabe indicar nomeadamente o deverque impende sobre os membros da comissão de remunerações de recolha deinformação, em articulação com as estruturas societárias, os demais órgãos e ascomissões societárias existentes. Em causa está o dever de aquisição do conhe-cimento suficiente sobre a actividade da sociedade e sobre todos os elementosrelevantes para efeitos do desenho da estrutura remuneratória e sua execução51.

Como decorrência do conteúdo das suas funções, entende-se que os mem-bros da comissão de remunerações devem ainda recolher informação sobre aspráticas remuneratórias do sector, de modo a poder verificar o ajustamento dosníveis remuneratórios praticados52.

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49 O ponto é tratado, a propósito do sector financeiro, pelo CEBS, Guidelines on RemunerationPolicies and Practices, cit., 28.50 Anexo I, 24. 2.° parágrafo da Directiva n.° 2010/76/UE, de 24 de Novembro de 2010.51 CEBS, Guidelines on Remuneration Policies and Practices, cit., 28.52 Daqui decorre a importância do recurso a relatórios periciais preparados por consultores nestaárea de especialidade. Para uma discussão do problema, veja-se infra, 8.

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O conteúdo e a intensidade de tais deveres gerais de cuidado e de lealdademerecem, todavia, adaptação de acordo com princípio de adequação (artigo64.°, n.° 1), sobretudo quanto ao dever de disponibilidade. Com efeito, não seexige que membros das comissões de remunerações ocupem o seu posto atítulo exclusivo, podendo acumular outros postos, desde que tal não lese deve-res de lealdade.

III – Mostra-se igualmente significativa a recomendação de comparênciade pelo menos um representante da comissão de remunerações na assembleiageral. A CMVM inscreve esta recomendação no seu Código de Governo dasSociedades (II.1.5.6.), embora não distinguindo consoante se aplique apenas àassembleia geral anual ou a todas as assembleias gerais53. Atenta a finalidadedesta indicação, afigura-se mais correcto considerar que vale apenas para asassembleias gerais em que os temas remuneratórios são objecto de discussão oude deliberação.Tal, aliás, o sentido da Recomendação europeia 2009/3159/CE54.

§ 3.° O quadro geral de competências

6. O regime de competência para fixação de remunerações societárias

I – No que concerne à competência societária relacionada com a fixaçãode remuneração de administradores, rege em geral o artigo 399.° do Códigodas Sociedades Comerciais, segundo o qual compete à assembleia geral deaccionistas ou a uma comissão por aquela nomeada fixar as remunerações decada um dos administradores, tendo em conta as funções desempenhadas e asituação económica da sociedade (n.° 1). O mesmo preceito acrescenta que aremuneração pode ser certa ou consistir parcialmente numa percentagem doslucros de exercício, mas a percentagem máxima destinada aos administradoresdeve ser autorizada por cláusula do contrato de sociedade (n.° 2). Lembra-se,por fim, que aquela percentagem não pode incidir sobre distribuições de reser-vas nem sobre qualquer parte do lucro do exercício que não pudesse, por lei,ser distribuída aos accionistas (n.° 3). Este é o regime directamente aplicável aosmodelos de governo latino (clássico) e anglo-saxónico55.

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53 Trata-se de uma evolução registada a partir da versão de 2009 do Código de Governo dasSociedades.54 Cf. supra, 2.55 MENEZES CORDEIRO, Anotação ao artigo 399.°, em MENEZES CORDEIRO (org.), Código dasSociedades Comerciais Anotado, Coimbra (2009), 978-979.

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Em relação ao modelo de governo dualista56, segundo o artigo 429.° CSC,quanto à remuneração dos administradores é competente o conselho geral e desupervisão ou comissão por este nomeada ou, nos casos em que o contrato desociedade assim o determine, à assembleia geral ou a comissão por estanomeada. No mais, o artigo 429.° remete para o disposto no artigo 399.°.

II – O artigo 399.° do Código das Sociedades Comerciais corresponde aoartigo 405.° do Projecto de 198357. O preceito sofreu uma alteração em 2006,o que acarretou duas implicações. A um tempo, veio pôr cobro a uma desar-monia, antes patente, entre o regime do modelo clássico e o modelo dualista degovernação. O primeiro impunha que a cláusula estatutária autorizativa fixassea percentagem global dos lucros destinados aos administradores, ao passo que osegundo modelo de governação fazia menção à percentagem máxima doslucros: foi esta a solução que prevaleceu, passando agora a ficar alinhados os arti-gos 399.°, n.° 2 e 429.° do Código58.

Além disso, a partir da reforma de 2006 do Código das Sociedades Comer-ciais passou a admitir-se que a comissão de vencimentos seja composta por nãosócios59, o que visou um alinhamento com as recomendações em matéria deindependência dos membros da comissão de vencimentos entretanto aprovadas,abaixo consideradas.

III – A regra vigente para as remunerações é aplicável, por via de um con-junto de normas remissivas, quanto à remuneração dos restantes membros dosórgãos sociais.

24 Paulo Câmara

56 Em geral, sobre o regime do modelo dualista com a configuração dada pelo Decreto-Lei n.° 76-A/2006: PAULO CÂMARA, Modelos de Governo das Sociedades Anónimas, em Jornadas emHomenagem ao Professor Doutor Raul Ventura.A Reforma do Código das Sociedades Comerciais (2007),197-258 (237-245); MENEZES CORDEIRO, Código das Sociedades Comerciais Anotado (2009), 1030--1052; ARMANDO TRIUNFANTE, Código das Sociedades Comerciais Anotado (2007) 454-473.57 Código das Sociedades (Projecto), BMJ n.° 327 (1983), 283-284.58 A anterior opção consagrada no n.° 2 do artigo 399.° CSC foi tida, no documento de con-sulta sobre a matéria, como “claramente mais restritiva e desajustada”, em comparação com a vigenteno modelo dualista. Cf. CMVM, Governo das Sociedades Anónimas – Propostas de Alteração ao Códigodas Sociedades Comerciais (2006), disponível em http://www.cmvm.pt/NR/rdonlyres/9A6DF665-B529-426E-B266-75E08A225352/5654/proposta_alter_csc.pdf, 43; PAULO CÂMARA,O Governo das Sociedades e a Reforma do Código das Sociedades Comerciais, cit., 82.59 Sobre o ponto, já admitindo comissões de vencimentos sem serem compostas por sócios, seaprovadas com base em deliberação unânime, embora em frontal desrespeito do regime pre-gresso: Acórdão da Relação de Lisboa (SALAZAR CASANOVA) de 18 de Dez. 2002, em CJ V(2002), 106-111.

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Assim, quanto ao conselho geral e de supervisão, prevê-se solução seme-lhante à do artigo 399.° (artigo 440.°, n.° 2). O mesmo acontece com o presi-dente da mesa da assembleia geral (artigo 374.°-A, n.° 3) e quanto ao conselhofiscal, no caso do modelo clássico (artigo 422.°-A, n.° 2).

Em complemento, vale dizer que o Código (recomendatório) de Governodas Sociedades, adiante tratado, corrobora esta linha do regime legislativo. NoPonto II.1.5.2 deste documento, abrange-se na política de remunerações a sub-meter pela comissão de remunerações, não apenas a remuneração dos membrosdo órgão de administração, mas também dos membros dos órgãos de fiscali-zação60.

IV – Apesar desta alternatividade de soluções quanto à competência paraestabelecer remunerações dos membros de órgãos sociais, o certo é que emsociedades cotadas a designação de comissão de vencimentos é, na experiênciaprática, a solução geral. O Livro Branco sobre Corporate Governance documentava,em 2006, que todas as sociedades cotadas analisadas haviam constituído comis-sões de vencimentos61. E não se crê que o panorama tenha sofrido algumamodificação desde então.

V – No plano da governação societária, a intenção legislativa por detrás dadesignação da comissão de vencimentos como órgão delegado com compe-tências remuneratórias estriba-se em diversos fundamentos.

Procura-se, de um lado, designar uma estrutura mais ágil e operacional doque a assembleia geral. Em sociedades de alguma dimensão, a reunião da assem-bleia geral não se revela o fórum adequado para uma análise das condiçõesremuneratórias, que apresentam crescente complexidade. Por outro lado, porser matéria sensível, a remuneração dos administradores pressupõe, em algunscasos, uma discussão negocial com os titulares dos órgãos sociais62. A acrescer,os problemas relacionados com a fixação de remuneração podem colocar-secom frequência, não podendo a sua resolução ficar dependente do momentoda realização de assembleias gerais.

A Comissão de Remunerações 25

60 Caso especial é o da remuneração do auditor, cuja especificidade se liga às atribuições doórgão de fiscalização – no caso vertente, da comissão de auditoria. Neste aspecto, a competênciapara apresentar a proposta de remuneração pertence ao órgão de fiscalização.61 INSTITUTO PORTUGUÊS DE CORPORATE GOVERNANCE, Livro Branco sobre Corporate Gover-nance em Portugal (2006), 114.62 MENEZES CORDEIRO, SA:Assembleia geral e deliberações sociais, cit., 142.

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De outro lado, essa competência não foi deferida ao órgão de administraçãopara evitar uma situação de conflito de interesses. Fica assim o administradorimpedido de ser juiz em causa própria, o que sucederia se estabelecesse ele pró-prio o quantum remuneratório que lhe cabe pelo exercício das suas funções63.

VI – Uma das opções de fundo do sistema jurídico nacional em matéria deremuneração tem sido a de preservar, no essencial, a estabilidade das soluçõeslegislativas, mas ao mesmo tempo procurar um aprimoramento do regime atra-vés de indicações recomendatórias. Actualmente, as recomendações sobre amatéria constam do Código do Governo das Sociedades revisto pela CMVMem 201064, que dedica uma secção à matéria da remuneração dos administra-dores (II.1.5).

As recomendações não incidem sobre a distribuição de competências intra-societária, dado que esta é tratada através de dispositivos legais, atrás citados.Para o que ora nos ocupa, particularmente relevante é o ponto II.1.5.6,segundo o qual pelo menos um representante da comissão de remuneraçõesdeve estar presente nas assembleias gerais de accionistas.Além disso, são estabe-lecidas recomendações de independência dos membros da comissão de remu-nerações (II.5.2 e II.5.3).

VII – O desenho de competências da comissão de vencimentos insere-se,com plena legitimidade, no sistema jurídico-societário. Assim, no âmbito dassuas competências, as deliberações da comissão de vencimentos vinculam asociedade, devendo ser acatadas por todos os seus órgãos.

Ainda que a execução das suas deliberações possa pressupor a intervençãodo órgão de administração, este actua no cumprimento das instruções daquela,não lhe sendo possível suster ou reverter o sentido deliberativo manifestado.

Neste contexto, e a partir do exposto, deve realizar-se uma interpretaçãoextensiva do n.° 1 do artigo 405.° CSC. A partir deste preceito, e em atençãoao elemento sistemático que o condiciona, deve concluir-se que o conselho deadministração está subordinado não apenas às deliberações da assembleia geral

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63 Cf. o Considerando 9 da Recomendação da Comissão Europeia n.° 2004/913/CE, de 14 deDezembro de 2004; PAULO CÂMARA, O Governo das Sociedades e a Reforma do Código das Socieda-des Comerciais, cit., 95. Quanto à relação do modelo de competências remuneratórias e a preven-ção de conflito de interesses: PAULO CÂMARA (org.), Conflito de Interesses no Direito Societário eFinanceiro (2010), 42-55, 268-279.64 O texto encontra-se disponível em http://www.cmvm.pt/CMVM/Recomendacao/Reco-mendacoes/Documents/CodigodeGovernodasSociedadesCMVM2010.pdf.

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e do órgão de fiscalização, mas também às deliberações da comissão de venci-mentos.

VIII – Resta acrescentar que as indicações legislativas sobre competênciapara a fixação de remuneração são injuntivas – isto é: não podem ser afastadaspor cláusula estatutária ou deliberação social. Em consequência, a deliberaçãoda assembleia geral ou do órgão de administração que contrarie a distribuiçãolegal de competências em matéria de remuneração resulta, sem margem paradúvidas, viciada de nulidade [artigos 56.°, n.° 1 d) e 411.°, n.° 1 c)]65.

7. Âmbito de competências da comissão de remunerações

I – Ao delimitar o âmbito das competências atribuídas à comissão de ven-cimentos, a lei sentencia apenas que se reconduzem à fixação das remunerações decada um dos administradores (n.° 1 do artigo 399.°, aplicável ao modelo dualistaex vi do artigo 429.° CSC). Expressão equivalente (a remuneração é fixada...) éutilizada no artigo 440.°, n.° 2, a propósito da remuneração do conselho gerale de supervisão.

Não se esclarece directamente o conceito de remuneração subjacenteàquela atribuição de competências. É, assim, necessário um esforço interpreta-tivo de modo a determinar o alcance do que é incluído no perímetro de maté-rias a cargo da assembleia geral ou, por delegação desta, da comissão de venci-mentos.

Neste quadro, impõe-se reconhecer que as questões remuneratórias assu-mem actualmente notória complexidade e heterogeneidade.Tal deve-se à cres-cente concorrência do mercado de trabalho e às práticas internacionais, quelevam a que o pacote remuneratório tenha diferentes componentes. De outromodo dito, as empresas que estabeleçam métodos de remuneração antiquadoscorrem o risco de não conseguir atrair ou fidelizar os profissionais mais talen-tosos. Ora, o enunciado do artigo 399.° CSC resulta, na sua essência66, elabo-rado em inícios dos anos oitenta, e por isso distanciado temporalmente dadiversidade de esquemas remuneratórios hoje praticados. Impõem-se, assim,adicionais cautelas interpretativas.

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65 No mesmo sentido: COUTINHO DE ABREU, Governação das Sociedades Comerciais, cit., 82.66 Quanto às alterações ao artigo 399.° CSC introduzidas em 2006, cf. supra, 2.1.

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Na delimitação do âmbito decisório da comissão de vencimentos, importaafastar preliminarmente algumas matérias que lhe estão subtraídas.

Assim, a remuneração dos trabalhadores e demais colaboradores da socie-dade está excluída do âmbito de competência da comissão de remunerações,dado ser matéria de gestão, que incumbe por natureza ao órgão de administra-ção (artigos 405.° e 406.° CSC).

Não pode ainda perder-se de vista que a atribuição de planos de aquisiçãode acções, quando envolve a aquisição ou alienação de acções próprias, deve serdeliberada pela assembleia geral (artigo 319.°, n.° 1 e 320.°, n.° 1 CSC)67.

Do conceito de retribuição do Direito laboral68 não se extrai um critériodelimitador apto a ser utilizado na tarefa que nos ocupa. Com efeito, o con-ceito decorrente do Código do Trabalho não apenas é mais restrito69 comosobretudo não é vinculativo para efeitos da demarcação das competências dacomissão de vencimentos, dado que a relação de administração não configuraum contrato de trabalho70.

Assim sendo, um dos elementos de Direito positivo que pode ser utilizadopara documentar a pluralidade de técnicas remuneratórias hoje vigentesdecorre do Anexo ao Regulamento n.° 1/2010 da CMVM, que fixa o con-teúdo da informação a prestar anualmente relativamente a remunerações desociedades cotadas71. Este Regulamento parte de uma acepção ampla de remune-ração, incluindo nomeadamente componentes variáveis e fixas da remuneração,opções, prémios, indemnizações pagas ou devidas a ex-administradores execu-tivos relativamente à cessação das suas funções durante o exercício e quaisqueroutros benefícios não pecuniários (II.33).

II – Para atingirmos uma síntese, podemos afirmar que o conceito deremuneração a considerar para efeitos da delimitação da competência delibera-tiva societária envolve qualquer vantagem individualizável de natureza patrimonial

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67 COUTINHO DE ABREU, Governação das Sociedades Comerciais, cit., 87-88.68 Artigos 249.°-265.° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 99/2003, de 27 de Agosto.69 A retribuição laboral não cobre, de princípio, a participação nos lucros (artigo 262.° doCódigo do Trabalho) que é tida pela lei societária (artigo 399.°, n.° 2 CSC) como uma compo-nente natural na remuneração dos administradores.70 Cf. o n.° 1 do artigo 398.°. Na doutrina, por todos: MENEZES CORDEIRO, Da ResponsabilidadeCivil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lisboa (1997), 335-ss e passim.71 Ponto II.20. O texto regulamentar encontra-se disponível em http://www.cmvm.pt/NR/rdonlyres/1DB06F29-4271-4725-9D98-EC7C873805A5/8594/Regulamento12007Governo-dasSociedadesCotadas.pdf.

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atribuída ao administrador pela sociedade, ainda que em momento diferido ou de natu-reza condicional, e por esta suportada, directa ou indirectamente.

III – É patente uma tendência em diversos códigos recomendatórios nosentido de que o âmbito destas comissões se alargue à remuneração de quadrosdirigentes e altos quadros do staff societário. Como ilustração, o Código britâ-nico recomenda-o72. Em adição, o regime das instituições financeiras e segura-doras, mesmo em Portugal, não deixa de incluir no âmbito subjectivo da polí-tica de remunerações os colaboradores que auferem remuneração variável eexercem a sua actividade profissional no âmbito de funções de controlo ou deoutra que possa ter impacto material no perfil de risco da instituição73.

Tal concepção resulta, muitas vezes, de se partir do modelo de comissão deremunerações constituída a partir do órgão de administração, o que já vimosser um modelo diferente do que vigora em Portugal74. Entre nós, a remunera-ção dos trabalhadores constitui matéria de gestão, que compete ao órgão deadministração (artigos 405.° e 406.°).Aqui cabe igualmente a remuneração dosdirigentes societários, como o demonstra a recomendação II.1.5.2. do Códigodo Governo das Sociedades75.

Apesar destas diferenças entre o modelo nacional e o encontrado em outrossistemas jurídicos, poderia, ainda assim, ser desejável que a comissão assumisseuma visão mais integrada das pessoas mais influentes nas empresas e abrangessealgumas recomendações dirigidas aos directores de topo. Nesse âmbito, porém,o sentido da intervenção da comissão de remunerações seria recomendatório enão poderia assumir natureza decisória.

IV – Cabe ainda na competência da comissão de remunerações a aprova-ção de regimes complementares de pensões ou de reforma antecipada.

É certo que determina o artigo 402.°, n.° 4 do CSC que o regulamento deexecução destes regimes seja aprovado em assembleia geral76.

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72 FINANCIAL REPORTING COUNCIL, Combined Code on Corporate Governance (2006), D.2.2. – nalinha, aliás, do que era já indicado no Relatório Greenbury, 4.6.73 Com variações, entre si, nas fórmulas empregues, reenvia-se para os artigos V.8 da Carta Cir-cular n.° 2/10/DSBDR do Banco de Portugal e artigos V.8-V.9. da Circular n.° 6/2010 do ISP.74 Cf. supra, 3.75 Esta Recomendação incumbe ao conselho de administração a apresentação da política deremunerações dos dirigentes.76 Porventura impressionado por este preceito, o ponto I.18 do anexo I ao RegulamentoCMVM n.° 1/2010 faz referência à “intervenção da assembleia geral na aprovação das principaiscaracterísticas dos sistema de benefícios de reforma de que beneficiem os membros dos órgãosde administração e de fiscalização”.

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Não sofre contestação, porém, que os regimes complementares de pensõesou de reforma se traduzem em prestações patrimoniais que se integram naretribuição dos membros de órgãos sociais. Mais concretamente, constituemparte importante dos incentivos de longo prazo (LTI – long term incentives) e,como tal, não podem deixar de se incluir no escopo decisório das comissões deremunerações.

Em termos sistemáticos, o artigo 402.° deve, assim, ser interpretado emconjugação com o artigo 399.°, de que decorre a possibilidade de delegaçãodestas matérias na comissão de remunerações.

V – Nos Estados Unidos, no âmbito das sociedades cotadas, atribui-se aocompensation comittee o dever de elaborar um Compensation Discussion and Analy-sis, relatório que procede a uma descrição e análise da política remuneratóriaseguida77. Em alguns códigos recomendatórios, tem também sido encorajada asugestão de um relatório anual da comissão de remunerações (v.g. na Bél-gica78).

Em Portugal, quanto a este ponto, revelou-se deficiente a solução consa-grada quanto à legitimidade para apresentar um documento anual sobre polí-tica remuneratória na Lei n.° 28/2009. Embora no desenho originário doCódigo das Sociedades Comerciais, como instrumento preventivo de conflitode interesses, o órgão de administração tenha sido arredado da competênciadeliberativa na fixação da sua remuneração, a Lei n.° 28/2009, de 19 de Junho,vem abrir a possibilidade de, em alternativa à comissão de remunerações, ser oconselho de administração a apresentar a declaração obrigatória sobre a políticade remunerações, para aprovação pelo colégio de accionistas79.

Este quadro levanta problemas aplicativos de monta, cuja resolução passapor uma leitura mais restrita sobre o âmbito e conteúdo do documento refe-

30 Paulo Câmara

77 Consulte-se o regulamento competente da SEC em http://www.sec.gov/rules/final/2006/33-8732a.pdf. Uma convincente defesa deste relatório encontra-se em JEFFREY N. GORDON,Executive Compensation:What’s the Problem,What’s the Remedy? The Case for Compensation Discus-sion and Analysis, J. Corp. L. 30 (2005), 695-ss.78 Code Belge de Gouvernance d’Entreprise (2009), 5.4.4.79 A crítica a esta solução foi já por mim exposta em publicações anteriores: PAULO CÂMARA,El Say on Pay Portugués, Revista de Derecho de Mercado de Valores n.° 6 (2010), 93-94; Id, Con-flito de Interesses no Direito Societário e Financeiro (2010), 53-55; Id., Say on Pay: O dever de aprecia-ção da política remuneratória pela assembleia geral, Revista de Concorrência e Regulação n.° 2 (2010),335-337; Id., Crise Financeira e Regulação, Revista da Ordem dos Advogados (2009), 720-721; Id.,Medidas Regulatórias Adoptadas em Resposta à Crise Financeira: Um Exame Crítico, Direito dos ValoresMobiliários,Vol. IX (2009), 95-97.

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rente à política de remunerações80. Deste ponto de vista, a Lei n.° 28/2009constituiu uma oportunidade perdida para confirmar a centralidade do relató-rio sobre política de remunerações, contribuindo ao invés para a diluição doseu peso e influência.

8. Contratação de peritos

I – Contrariamente ao que sucede com os órgãos de fiscalização [artigos421.°, n.° 3. 423.°-F p) e 441.° p)], o Código das Sociedades Comerciais nãoreconhece à comissão de remunerações o poder de contratação de peritos.A acrescer, nem a assembleia geral pode, por sua autónoma iniciativa, contratarperitos81.

Deste ponto de vista, e patente a diferença em relação ao modelo quevigora nos EUA, em que o compensation committe tem o poder de contratar edestituir consultores82.

II – À luz do Direito interno, caso, ainda assim, se revele necessário o apoiode consultores, esta comissão encontra-se dependente da decisão de contrata-ção assumida pelo órgão de administração ou pelo órgão de fiscalização.

O balanço feito a este propósito permanece em aberto. Não falta quemreclame uma futura reformulação do regime nacional sobre a comissão deremunerações, em prol de maior autonomia e de um reforço de meios desteórgão83. Na área financeira, as Orientações do CEBS (actualmente EBA) iden-ticamente apontam para que a comissão de remunerações deve ter acesso aapoio, interno e externo, independente do órgão de administração – incluindopor parte de consultores84.

A Comissão de Remunerações 31

80 É claro que não se levantam problemas aplicativos se a política de remunerações for apresen-tada pela comissão de remunerações, o que é admitido na Lei n.° 28/2009, porquanto tal solu-ção coincide com a regra de competência deliberativa enunciada nos artigos 399.° e 429.°.81 Trata-se, é bom lembrar, de uma limitação que pode não afectar sociedades com modelo dua-lista, no qual há uma coexistência supletiva entre o órgão de fixação de remunerações e o órgãofiscalizador. Cf. PAULO CÂMARA, O Governo das Sociedades e a Reforma do Código das SociedadesComerciais, em PAULO CÂMARA et al., Código das Sociedades Comerciais e o Governo das Sociedades,Coimbra (2008), 48, 62, 67, 82.82 MATS ISAKSSON/ROLF SKOG, The Future of Corporate Governance, Stockholm (2004), 14.83 MENEZES CORDEIRO, SA:Assembleia geral e deliberações sociais, cit., 145; Id., Código das Socieda-des Anotado, cit., 979.84 CEBS, Guidelines on Remuneration Policies and Practices, cit., 32.

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Porém, não pode defender-se uma multiplicação à outrance de centros autó-nomos de despesas societárias. Como linha de fundo, há que relacionar estetema, de um lado, como as exigências formuladas em matéria de independên-cia dos membros da comissão de remunerações.Actualmente, a independênciaé apenas tratada em termos recomendatórios – e faz sentido que assim se man-tenha. Uma indicação de atribuição de faculdade autónoma de contratação porparte da comissão de remunerações, só é concebível, de lege ferenda, em termosrecomendatórios e com limitação adequada dos montantes envolvidos. Deoutro lado, a dimensão da sociedade também assume relevo decisivo. Para socie-dades de pequena e média dimensão, o alargamento dos custos relacionadoscom a fixação da remuneração pode revelar-se puramente impraticável.

9. A competência da comissão de vencimentos como competência delegada;implicações

I – A caracterização da competência da comissão de vencimentos comodelegada revela-se essencial para a compreensão da sua relação com o órgão(assembleia geral ou, no modelo dualista, conselho geral e de supervisão) queprocede à sua nomeação.

De outro modo dito, sendo a comissão de vencimentos em causa nomeadacom o objectivo de estabelecer a remuneração dos membros dos órgãos sociais,que não os administradores do Conselho de Administração Executivo, e esta-belecendo a lei, como notado, que esta matéria é da competência da AssembleiaGeral ou de comissão por esta nomeada, será fundamental, para determinar osefeitos que a não aprovação da declaração referente à política de remuneraçãoproduz sobre as deliberações tomadas pela comissão de vencimento, analisar osexactos contornos da competência atribuída a esta.

A competência da comissão de vencimentos assume a natureza de umacompetência delegada (recorde-se o artigo 399.°)85. O conceito de competên-cia delegada centra-se, tradicionalmente, em duas ideias basilares: correspondea uma competência atribuída a um órgão delegado por um órgão deleganteatravés de um acto de delegação de poderes; constitui uma forma de atribuiçãoderivada de poderes onde a lei intervém de forma mediata86. A competência

32 Paulo Câmara

85 Em sentido aparentemente próximo, ao referir-se à comissão de vencimentos como “emana-ção da assembleia geral”: MENEZES CORDEIRO, SA:Assembleia geral e deliberações sociais, cit., 145;Id., Código das Sociedades Anotado, cit., 979.86 PAULO OTERO, A Competência Delegada no Direito Administrativo Português, AAFDL, Lisboa(1987), 27.

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delegada assume-se, de acordo com esta caracterização, como consequênciadirecta da existência de delegação de poderes.

Frise-se que o acto de delegação de poderes na comissão de vencimentospode assentar numa cláusula estatutária ou numa deliberação da assembleiageral. Esta conclusão apresenta consequências, adiante expostas a propósito dacessação de funções da comissão de vencimentos87.

O conceito de delegação de poderes é, na literatura nacional, exploradoquer pelo Direito administrativo quer pelo Direito societário88. No caso con-creto, interessa reter apenas o essencial da discussão dogmática, com vista acaracterizar a figura em exame. Da caracterização legal da competência dacomissão de vencimentos como delegada decorrem plúrimas consequências,abaixo consideradas, ao nível do regime.

II – O primeiro traço do regime a assinalar respeita ao âmbito das compe-tências da comissão de vencimentos. A assembleia geral apenas pode delegarpara a comissão de vencimentos os poderes que aquela detenha originaria-mente (nemo plus juris ad alienum transfere potest, quam ispe habent).Assim, aquelacomissão não pode exceder os limites da delegação, estando-lhe vedada a prá-tica de actos que exorbitem o tema remuneratório.

A delegação de poderes ligados à fixação de remunerações postula conse-quências, também ao nível do escrutínio das deliberações da comissão de ven-cimentos. Com efeito, as deliberações da comissão de vencimentos são sindicá-veis judicialmente nos termos em que o são as deliberações sociais89.

10. A comissão de remunerações como órgão social

O alargado leque de competências e a crescente autonomização da comis-são de remunerações, atrás analisados, mostram implicações quanto à sua natu-

A Comissão de Remunerações 33

87 Cf. infra, § 7.°.88 Neste contexto, a delegação de poderes encontra-se regulada nos artigos 35.° a 41.° doCódigo de Procedimento Administrativo. No Direito das sociedades, recolhem-se importantessubsídios para o tema em PEDRO MAIA, Função e Funcionamento do Conselho de Administração daSociedade Anónima (2002), 247-265; ISABEL MOUZINHO DE FIGUEIREDO, O administrador delegado(A delegação de poderes de gestão no Direito das sociedades), O Direito (2005), 547-549; ALEXANDRE

SOVERAL MARTINS, Os poderes de representação dos administradores de sociedades anónimas (1988),343-392.89 Também nesse sentido se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto 15-Mar.-2004 (MAR-QUES PEREIRA), CJ II (2004), 164-169.

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reza. Como foi mencionado, a estrutura da comissão de remunerações não éuniforme, se analisada em termos comparatísticos90. Porém, o certo é que, à luzdo direito português, a comissão assume funções decisórias, e não meramenteconsultivas, e as deliberações adoptadas por esta comissão são vinculativas,perante todos os órgãos sociais.

Assim, a comissão de remunerações constitui um centro autónomo deimputação da vontade da sociedade em relação às matérias que se situam den-tro da sua competência.

Nestes termos, deve ser reconhecido, sem embaraços, que face à ordemjurídica nacional a comissão de remunerações representa um órgão social –pese embora a facultatividade da sua constituição91.

§ 4.° As competências da comissão de remunerações ante a Lei n.º 28/2009

11. Quadro geral

I – Cabe agora direccionar o exercício analítico para a interferência quepossa mostrar a Lei n.° 28/2009, quanto aos poderes da comissão de venci-mentos.

A Lei n.° 28/2009, de 19 de Junho impôs, entre nós, um dever de apre-sentação à assembleia geral de uma declaração sobre política de remuneração(“say on pay”)92 dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização deentidades de interesse público93.

34 Paulo Câmara

90 Cf. supra, 3.91 Sobre a distinção entre órgãos sociais obrigatórios e facultativos, cf. PAULO OLAVO CUNHA,Direito das Sociedades Comerciais (2010), 511-512.92 Esta fórmula cobre genericamente todas as normas jurídicas que permitam, promovam ouobriguem a política de remunerações societária, ou uma declaração a esta relativa, a ser subme-tida a um voto expresso em assembleia geral, com uma periodicidade pré-determinada, em regraanual: PAULO CÂMARA, Say on Pay: O dever de apreciação da política remuneratória pela assembleia geral,Revista de Concorrência e Regulação n.° 2 (2010), 322.93 Sobre este diploma, reenvia-se para PAULO CÂMARA, El Say on Pay Portugués, Revista deDerecho de Mercado de Valores n.° 6 (2010), 83-96; Id, Conflito de Interesses no Direito Societárioe Financeiro (2010); Id., Say on Pay: O dever de apreciação da política remuneratória pela assembleia geral,Revista de Concorrência e Regulação n.° 2 (2010), 321-344; Id., Crise Financeira e Regulação, Revistada Ordem dos Advogados (2009), 720-721; RITA GOMES PINHEIRO, A Política de Remuneração dosAdministradores nas Sociedades Anónimas, dissertação de mestrado, Lisboa, UCP (2010), passim.

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O diploma foi complementado através de regulamentos das autoridades desupervisão financeiras – Aviso n.° 1/2010 do Banco de Portugal, para institui-ções de crédito, Regulamento da CMVM n.° 1/2010, no âmbito das socieda-des emitentes de acções negociadas em mercado regulamentado, e NormaRegulamentar n.° 2/2010, para a área seguradora –, com adicionais prescriçõesinformativas.

O âmbito de aplicação deste regime do dever de apresentação de declara-ção sobre política remuneratória foi desenhado em termos bastante amplos –gozando de aplicação não apenas às sociedades cotadas, mas também a todas asentidades de interesse público (Decreto-Lei n.° 225/2008, de 20 de Novembro).

Além disso, estão ainda cobertas pelo say on pay português as sociedadesfinanceiras e as sociedades gestoras de fundos de capital de risco e de fundos depensões94.

II – O pendor maximalista do regime português é revelado através do factode estarem cobertos, não apenas os membros de órgãos de administração, mastambém os membros de órgãos de fiscalização.

Em todo o caso, em termos legislativos não se obriga que o documentosobre política remuneratória incida sobre os directores de topo (v.g. directorfinanceiro e director comercial) ou sobre outros elementos do staff societário,tal como o secretário da sociedade95.

12. Objecto do dever de apresentação de declaração sobre política remuneratória

I – A caracterização do dever de apresentação de declaração sobre políticade remunerações é auxiliada através de uma indicação cuidadosa do respectivoobjecto.

A Lei n.° 28/2009 – note-se – consagrou um dever de apresentação de umadeclaração sobre política de remunerações e não um dever de aprovação da mesma.

Adiante analisam-se as consequências desta conclusão, perante a apreciaçãoda deliberação da comissão de vencimentos adoptada após a emissão de umvoto negativo relativamente à declaração referente à política de remunera-ções96.

A Comissão de Remunerações 35

94 Art. 2.°, n.° 2 da Lei n.° 28/2009, de 19 de Junho.95 Sobre estes, cf. supra, 7.96 Cf. infra, 14.

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Merece também chamar atenção para o facto de o objecto do dever ser umadeclaração sobre a política de remunerações e não a política de remunerações em si mesma.Elementos confidenciais relativamente à política de remunerações (que envol-vam nomeadamente segredos comerciais ou industriais) podem, assim, serexpurgados de tal documento.

II – Em síntese sobre os resultados até aqui obtidos, importa assentar emque a assembleia geral não se pronuncia, ex vi da Lei n.° 28/2009, sobre o quan-titativo das remunerações dos titulares dos órgãos sociais97. Nem tão-pouco ocolégio de accionista delibera sobre a política de remunerações; pronuncia-sesobre uma declaração a esta referente, o que – como assinalado – apresenta dife-renças significativas.

Mais à frente recuperam-se estes dados, nomeadamente a propósito do tra-tamento da natureza do dever de apresentação da declaração sobre políticaremuneratória98.

13. Conteúdo e natureza da declaração sobre política de remunerações

I – Como decorre da exposição antecedente, o objecto da deliberação daassembleia geral é uma declaração sobre a política de remunerações e não apolítica de remunerações em si mesma. Interessa, neste passo, fornecer elemen-tos adicionais sobre o seu conteúdo e natureza.

A declaração sobre política de remunerações deve conter informação sobre:os mecanismos que permitam o alinhamento dos interesses dos membros doórgão de administração com os interesses da sociedade; os critérios de defini-ção da componente variável da remuneração; a existência de planos de atribui-ção de acções ou de opções de aquisição de acções por parte de membros dosórgãos de administração e de fiscalização; a possibilidade de o pagamento dacomponente variável da remuneração, se existir, ter lugar, no todo ou em parte,após o apuramento das contas de exercício correspondentes a todo o mandato;os mecanismos de limitação da remuneração variável, no caso de os resultadosevidenciarem uma deterioração relevante do desempenho da empresa no últimoexercício apurado ou quando esta seja expectável no exercício em curso99.

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97 Cf. infra, 15.98 Cf. infra, 14.99 Art. 2.°, n.° 3 da Lei n.° 28/2009.

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Estas indicações informativas obrigam as sociedades a tomar posição sobreos temas elementares no âmbito remuneratório. A autonomia societária nas esco-lhas a perfilhar quanto à remuneração, porém, mantém-se intocada. Não há, por outraspalavras, além da exigência informativa de completude, qualquer interferênciamaterial no conteúdo da declaração sobre política de remunerações.

A extensão de informação incluída neste documento serve de base pararetirar conclusões quanto à respectiva natureza.

No seu todo, trata-se de uma lista mais contida do que a patente no ponto3 da Recomendação da Comissão Europeia n.° 2004/913/CE, de 14 deDezembro de 2004.

A partir daqui, parece seguro entender que a política de remunerações seconfina ao enunciado dos objectivos das prestações remuneratórias e à explici-tação da sua estrutura, em particular na sua componente variável e na relaçãoentre esta e o desempenho da gestão, sem contudo interferir na concreta fixa-ção da prestação remuneratória.

II – Em Direito, o conceito de política (policy) societária é polissémico. Porvezes, aquela é entendida como um acervo descritivo de práticas e procedi-mentos auto-impostos para atingir um objectivo pré-determinado: assimsucede, inter alia, quanto à política de conflito de interesses100. Noutras ocasiões,a política condensa um conjunto de deveres jurídicos, contratualmente assumi-dos – é o que acontece com a política de investimentos no regime dos fundosde investimento ou com a política de execução nas melhores condições (bestexecution), no âmbito da disciplina das ordens de intermediação financeira101.

A política de remunerações, bem como a declaração que se lhe refira, assu-mem natureza diversa. Não se trata de um documento descritivo, embora possatambém incluir uma componente retrospectiva, mas contém sobretudo umenunciado de intenções e de orientações, para aplicação futura.

Na Alemanha, tornou-se explícito que a deliberação accionista não é fun-dadora de direitos nem de obrigações102. Crê-se que, neste preciso ponto, o

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100 PAULO CÂMARA (coord.), Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro (2010), passim.101 PAULO CÂMARA, Manual de Direito dos Valores Mobiliários (2009), 430-432, 835.102 Reenvia-se para o § 120 (4) AktG, que igualmente negou a impugnabilidade da deliberaçãoaccionista sobre política de remunerações (cf. a propósito MATTHIAS DÖLL, Say on Pay: Ein Blickins Ausland und auf die neue deutsche Regelung, ILF 107 (2009)). Próxima – embora mais extensa –é, a este propósito, a formulação do recente norte-americano Wall Street Reform and ConsumerProtection Act de 2010, que reza o seguinte: The shareholder vote shall not be binding on the issuer orthe board of directors and shall not be construed as overruling a decision by such board, nor to create or imply

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mesmo regime vale, em substância, para o Direito português, que concebe o sayon pay, como notado, como um instrumento de fomento de informação e dediscussão entre accionistas, sem que sujeite a política remuneratória a umaaprovação necessária. Por esse motivo, também aqui a política de remuneraçõesnão assume natureza contratual, quedando-se os respectivos efeitos limitados àesfera interna da sociedade, ao servir de orientação à concreta fixação da pres-tação remuneratória, pelo órgão competente.

14. A natureza do dever de apresentação de declaração referente à política remu-neratória

I – A propósito da questão colocada, reitera-se que a Lei n.° 28/2009, de19 de Junho, estabelece um verdadeiro e próprio dever de apresentação dedocumento sobre política de remunerações, em sentido técnico. Este dever,aliás, é reforçado através de um severo sistema contra-ordenacional, fixado noartigo 4.° do diploma em referência. O seu incumprimento desencadeará asconsequências contra-ordenacionais previstas em cada diploma sectorial, con-soante a natureza da sociedade em causa – Regime Geral bancário, Código dosValores Mobiliários, Lei dos Seguros ou Estatuto do Gestor Público.

Cabe notar que o acolhimento da Recomendação comunitária n.°2004/913/CE não obrigava a ir tão longe, já que admitia que os Estados Mem-bros estipulassem a emissão de votos accionistas sobre a política remuneratóriaapenas quando solicitado por 25% dos votos presentes ou representados emassembleia103. Como ilustração, na Alemanha, o esquema foi concebido, nãocomo um dever, mas como uma faculdade consignada à assembleia geral104.

II – Apesar do exposto, convém reter que a lei portuguesa consagrou umdever de apresentação de uma declaração sobre política de remunerações e não umdever de aprovação da mesma105.

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any additional fiduciary duty by such board, nor shall such vote be construed to restrict or limit the abilityof shareholders to make proposals for inclusion in such proxy materials related to executive compensation(Secção 2002, 1. i)).103 Artigo 4.° n.° 2 II da Recomendação 2004/913/CE, de 14 de Dezembro de 2004.104 § 120 (4) AktG. Em geral, em tom crítico ao say on pay obrigatório, reenvia-se para JEFFREY

GORDON, “Say on Pay”: Cautionary Notes on the UK Experience and the Case for Shareholder Opt-In,Harvard Journal on LegislationVol. 46 (2009), 323-367, em especial 357-360.105 Cf. supra, 12.

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O dever, enunciado no artigo 2.° da Lei n.° 28/2009, tem como conteúdoa submissão à aprovação, sendo punida ao abrigo do artigo 4.° do mesmodiploma a não submissão – e não, evidentemente, a não aprovação.Assim, a nãoaprovação da declaração da política de remunerações, deliberada em assembleiageral, não é geradora, em si, de qualquer ilicitude.

Convém deixar claro que a conclusão apresentada não é posta em crisecom o facto de o artigo 3.° da Lei n.° 28/2009 impor a divulgação da políticade remuneração dos titulares dos órgãos sociais, aprovada nos termos do artigoanterior. Este trecho da lei remete para a situação mais “normal” do ponto devista estatístico106 – a de ter sido reunido um quórum deliberativo maioritáriona aprovação da declaração sobre política remuneratória –, mas não impõe, porsi, um dever de aprovação da política de remuneração.

De novo, a articulação do artigo 2.° com o artigo 4.° da Lei n.° 28/2009revela-se decisiva para iluminar o conteúdo preceptivo em causa. A naturezacontra-ordenacional do artigo 4.° veda, em obediência ao princípio de legali-dade, que se deduza um dever não contido no enunciado no artigo 2.° domesmo diploma.Também por este motivo, é de afastar liminarmente a hipótesede considerar ilícita e sujeita a sanção contra-ordenacional a não aprovação dadeclaração tempestiva e regularmente submetida à assembleia geral.

III – Em lado algum, porém, na lei se esclarece que consequência terá umvoto negativo relativamente à política de remunerações. Tal significa que oregime assenta na lógica de normal funcionamento dos órgãos societários, den-tro das competências previamente fixadas, para dar seguimento ao tema.

A partir daqui, a primeira conclusão a extrair é a de que inexiste um deverde submeter nova declaração à assembleia, reunida de forma extraordinária parao efeito. Embora o órgão proponente107 possa ao longo do ano submeter outrotexto à apreciação do colégio dos sócios, não pode concluir-se que esteja dealgum modo obrigado a fazê-lo.

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106 Sobre o predomínio estatístico de votos positivos na discussão accionista sobre política deremuneração: JEFFREY GORDON, ’Say on Pay’: Cautionary Notes on the UK Experience and the Casefor Shareholder Opt-In”, Harvard Journal on Legislation,Vol. 46 (2009) 323-367.107 Sobre a solução estabelecida na Lei n.° 28/2009 quanto à legitimidade para apresentar pro-postas à assembleia geral: PAULO CÂMARA, Say on Pay: O dever de apreciação da política remunerató-ria pela assembleia geral, cit., 335-337.

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15. Eficácia da rejeição da declaração sobre política de remunerações

I – O principal efeito da não aprovação da declaração sobre política deremunerações é o de implicar uma devolução do tratamento da matéria para o órgãocompetente na fixação de prestações remuneratórias: a comissão de vencimentos.

Impõe-se que este corpo social delibere sobre as consequências da nãoaprovação do documento pelo colégio de sócios, e deve fazê-lo em um de doissentidos: ou mantendo a política anteriormente fixada, ou procedendo a modi-ficações à política retributiva em curso.

II – O desenho internacional da figura serve, em termos de elemento sis-temático, de critério adicional na interpretação das normas constantes da Lein.° 28/2009.

Ora, a conclusão de que o dever de apresentação de uma declaração sobrepolítica remuneratória não estabelece uma vinculação directa perante a comis-são de vencimentos não deve causar estranheza e é coerente com o facto de osay on pay, também ao nível internacional, se revelar sobretudo como instru-mento de transparência em relação às linhas mestras da política de remunera-ção e como veículo de comunicação entre os órgãos sociais competentes e osaccionistas quanto à estratégia e estrutura da política retributiva em vigor emcada sociedade108.

Esta constatação pode estar causalmente relacionada com o escasso impactodo say on pay, documentado através de estudos empíricos recentes109. O pontoprincipal a sublinhar é a teleologia do say on pay, visando sobretudo a amplia-ção da informação, o envolvimento accionista e a discussão das matérias remu-

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108 JIM CHRISTIE/IAN BENNIE, Say-on-Pay:What will be Its Impact? Canadian Center for Corpo-rate Policy and Governance, disponível em: http://www.cica.ca/service-and-products/members-servi-ces/members-in-industry/roi/roi_0912/item33661.pdf; KEITH L. JOHNSON/DANIEL SUMMERFIELD,Shareholder Say on Pay – Ten Points of Confusion, Harvard Law School (2008), 3; STEPHEN DAVIS,Does Say on Pay Work? Lessons on Making CEO Compensation Accountable (2007), passim.109 MARTIN CONYON/GRAHAM J. SADLER, Shareholder Voting and Directors’ Remuneration ReportLegislation: Say on Pay in the UK (2010), disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1457921; FERRI/MABER, Say on Pay Votes and CEO Compensation: Evidence from theUK (Harvard Bus. Sch.Working Paper, 2009), disponível em: http://efmaefm.org/0EFMSYM-POSIUM/CGC%202009/papers/Ferri.pdf.; WALID ALISSA, Boards’ Response to Shareholders’ Dis-satisfaction: The Case of Shareholders’ Say on Pay in the UK, 2009, disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1412880; ROBERT GOX/F. KUNZ/ALEXIS IMHOF, ‘Say onPay’ and its Repercussion on CEO Investment Incentives, Compensation and Firm Profit, 2010, dispo-nível em: http://ssrn.com/abstract=1588682

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neratórias. A consequência do voto negativo da assembleia geral, neste caso,situa-se ao nível da influência accionista informal e da moral suasion110.

III – Neste percurso deliberativo, pergunta-se se e em que casos a comis-são de vencimentos deve atender ao sentido da deliberação expressa pelosaccionistas na assembleia geral.

A resposta depende de três variáveis distintas, adiante consideradas: i) doórgão delegante; ii) da univocidade das declarações de voto expressas em assem-bleia geral; e iii) da consagração, estatutária ou extra-estatutária, dos poderes dacomissão de vencimentos.

IV – Quanto à primeira variável, representando a comissão de remunera-ções um órgão delegado cujo órgão delegante é o conselho geral e de super-visão, inexiste uma relação directa entre aquela comissão e a assembleia geral.Nestes casos, deve entender-se que o exercício dos poderes deste órgão nãopode ser directamente condicionado por deliberações da assembleia geral.Observar-se-á, é certo, que a assembleia geral designa os membros do conselhogeral e de supervisão, e pratica diversos actos autorizativos estabelecidos por lei(artigos 434.°, n.° 5 e 438.°, n.° 2 CSC). Ainda assim, na falta de uma relaçãoestrita de delegação, em caso de uma eventual não aprovação pela assembleiageral da declaração sobre política de remuneração dos membros dos órgãossociais não se poderá retirar qualquer indicação dotada de vinculatividade jurí-dica no sentido da alteração da política em questão.

Frise-se, a propósito da segunda variável, que as políticas de remuneração nãoconcretizam escolhas em termos bipolares, em que a rejeição de uma alternativaimplique necessariamente, por inferência hermenêutica, a escolha da hipótesecontrária.A complexidade das políticas remuneratórias, a par da usual extensãodos documentos que se lhe referem, servem de fundamento desta asserção.

Assim, mesmo quando a comissão de remunerações seja órgão delegado daassembleia geral, o voto negativo emitido em relação à declaração sobre polí-tica de remuneração não faculta, por mera inferência lógica, a detecção daorientação remuneratória preferida pela assembleia geral. Por esse motivo, podenão se retirar do voto negativo um sentido juridicamente preciso e, nesse sen-tido, eficazmente condicionador da actuação daquele órgão com competênciadecisória.Assim sucederá, aliás, na esmagadora maioria de situações111.

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110 DEL GUERCIO/WALLIS/WOIDTKE, Do Boards Pay Attention When Institutional Investor Activists“Just Vote No”? Journal of Financial Economics 90 (2008), 84-103.111 PAULO CÂMARA, Say on Pay: O dever de apreciação da política remuneratória pela assembleia geral,cit., 335.

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Por fim, se a comissão de remunerações assentar a sua existência e compe-tências nos estatutos da sociedade, apenas através de alteração estatutária podemtais competências ser afectadas.

§ 5.° Composição

16. Composição qualitativa; a independência

I – A atribuição, por via delegada, de competências decisórias em matériade remuneração à comissão de vencimentos é acompanhada pela recomenda-ção de que os membros desta – no caso de sociedades cotadas – sejam inde-pendentes. Segundo o II.5.2 do CGS: Os membros da comissão de remunerações ouequivalente devem ser independentes relativamente aos membros do órgão de administra-ção e incluir pelo menos um membro com conhecimentos e experiência em matérias depolítica de remuneração.

O conceito de independência é retomado no ponto II.5.3. do mesmoCódigo recomendatório, o qual dispõe que não deve ser contratada para apoiar aComissão de Remunerações no desempenho das suas funções qualquer pessoa singularou colectiva que preste ou tenha prestado, nos últimos três anos, serviços a qualquer estru-tura na dependência do Conselho de Administração, ao próprio Conselho de Adminis-tração da sociedade ou que tenha relação actual com consultora da empresa. Esta reco-mendação é aplicável igualmente a qualquer pessoa singular ou colectiva que com aquelasse encontre relacionada por contrato de trabalho ou prestação de serviços.

O tema da independência é relevante, nomeadamente porque, segundo umrelatório recente produzido pela OCDE, esta constitui uma das maiores fragi-lidades do sistema nacional de governo societário112.

II – O conceito de independência dos membros da comissão de remune-rações é diverso do utilizado no Código das Sociedades Comerciais a propó-sito dos membros dos órgãos de fiscalização (artigo 414.°, n.° 5), bastando nocaso da comissão de vencimentos que os seus titulares sejam independentes emrelação aos membros do órgão de administração.

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112 Tal relatório constata que a proporção de administradores independentes não é generica-mente elevada e em média não cumpre as recomendações da CMVM: OECD/CORPORATEGOVERNANCE COMMITTEE, Peer Review. Board practices: Incentives and governing risks(2011), 74.

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Tenha-se ainda presente a composição da comissão de vencimentos. Emborana versão originária do Código das Sociedades Comerciais devesse ser com-posta por accionistas, actualmente, a comissão de vencimentos pode ser com-posta, no todo ou em parte, por não accionistas – o que, embora abrindo aporta a titulares conhecedores da matéria, coloca paralelamente o risco deserem tais cargos preenchidos por pessoas sem o conhecimento indispensávelda actividade da sociedade.

Como identicamente se pressente, as dificuldades são exponencialmenteampliadas em sociedades com uma estrutura accionista difusa.Aliás, são estas assituações nas quais o modelo de fixação da remuneração por designação accio-nista pode implicar maiores adversidades funcionais.

Coloca-se assim, naturalmente, a questão de saber como pode neste qua-dro, em termos funcionais, desempenhar a assembleia geral ou a comissão devencimentos as tarefas que lhe estão cometidas.

III – O único meio de assegurar um funcionamento adequado deste órgão éo de proporcionar uma adequada coadjuvação funcional do mesmo na sociedade.

A coadjuvação funcional aqui referida não posterga nem deprime as com-petências da comissão de vencimentos. Esta colaboração é essencial em duasfases essenciais: na preparação das decisões da comissão de vencimentos; e narespectiva execução. Em ambas as vertentes a colaboração inter-empresarial édevida para o adequado funcionamento daquela comissão.

Em suma, parece seguro inferir que da independência da comissão de ven-cimentos não resulta a sua pretensa auto-suficiência em matérias remunerató-rias113. Pelo contrário: a independência e a composição da comissão implicamuma dependência funcional em relação a outras estruturas. Ponto é que o apoioem outras estruturas não resulte, claro está, na diminuição de competências dacomissão de vencimentos – resultado que a lei não admite.

IV – A disciplina legislativa societária admite que uma parte da remunera-ção dos administradores seja uma percentagem dos lucros de exercício (artigo399.°, n.° 2). Além disso, obriga a que a percentagem máxima dos lucros deexercício a utilizar para o efeito seja determinada no contrato de sociedade.

No mais, a lei deixa por esclarecer como se articulam, de um lado, a remu-neração dos administradores e, de outro lado, a avaliação do desempenho.

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113 Cf. ainda infra, § 6.°, 11.

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Para o que ora nos interessa, não se cura de saber se a mencionada insufi-ciência legislativa é, ou não, indesejável no plano da política legislativa – ou seja,se o ponto que a lei não prevê deveria ter sido acautelado legislativamente ouse, ao invés, deve ser missão de indicações recomendatórias114. Recorde-se,aliás, que o Código do Governo das Sociedades directamente dispõe que aremuneração dos administradores que exerçam funções executivas deve integrar uma com-ponente baseada no desempenho, devendo tomar por isso em consideração a avaliação dedesempenho realizada periodicamente pelo órgão ou comissão competentes115.

Importante é sublinhar que o ponto não é periférico, já que uma das prin-cipais funções da remuneração dos administradores é precisamente a de pro-porcionar incentivos adequados a favorecer a optimização do desempenho dosadministradores executivos116. A dinâmica proporcionada pela remuneraçãodependente dos resultados (pay-for-performance) pode aliás constituir um pode-roso instrumento de governação, ao robustecer o alinhamento de interesses entreadministrador executivo117 e a sociedade, potenciando a criação de valor118.

A acrescer, em termos quantitativos, a componente variável da remunera-ção dos administradores é usualmente importante. Segundo dados de 2006, acomponente variável correspondia, em média a 47,4% da remuneração totaldas sociedades cotadas119.

Para o esclarecimento das questões envolvidas na atribuição de uma remu-neração variável, não é suficiente sentenciar genericamente, como faz a lei por-tuguesa120, que uma parte dos lucros de exercício pode ser destinada a remu-nerar os administradores.

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114 Um importante libelo em detrimento de intervenções legislativas na área da remuneração,salvo no que concerne à divulgação de informação, pode encontrar-se em GUIDO FERRA-RINI/NIAMH MOLONEY, Executive Remuneration in the EU: the Context for Reform, ECGI WP n.°32 (2005).115 II.1.5.1.116 GUIDO FERRARINI/NIAMH MOLONEY, Executive Remuneration and Corporate Governance in theEU: Convergence, Divergence and Reform Perspectives, cit., 270, 273. Cf. ainda supra, § 2.°, 2.117 No caso dos titulares dos órgãos de fiscalização e dos membros da mesa da assembleia geral,as regras são diversas, já que por lei apenas podem ser remunerados através de quantia fixa (artigo422.°-A, artigo 423.°-D, artigo 440.°, n.° 3 e 374.°-A, n.° 3).118 REINIER KRAAKMAN/PAUL DAVIES/HENRY HANSMANN/GÉRARD HERTIG/KLAUS HOPT/ /HIDEKI KANDA/EDWARD ROCK, The Anatomy of Corporate Law. A Comparative and FunctionalApproach, cit., 51-52, 67-68.119 INSTITUTO PORTUGUÊS DE CORPORATE GOVERNANCE, Livro Branco sobre Corporate Gover-nance em Portugal, cit., 118.120 Art. 399.°, n.° 2 CSC.

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Para uma ilustração, há problemas densos por detrás da selecção dos indi-cadores de desempenho121 ou, no caso das stock options, da sua estrutura122 ouda determinação do respectivo preço de exercício123. Do mesmo modo, omodo de afectação do prémio variável pelos diversos membros do órgão deadministração supõe algum conhecimento sobre a vida societária interna queusualmente escapa às comissões de vencimentos. O desenho adequado daremuneração variável deve contrariar, de igual modo, o risco de aproveitamentoilícito de informação privilegiada e de indução numa visão de curso prazo(short-termism) pela administração124.

À luz do Direito positivo português, julga-se que esta questão confirma emtermos irrefutáveis, de novo, a necessidade de colaboração da comissão de ven-cimentos com outras estruturas da sociedade125.

De facto, não pode pretender-se que um órgão delegado, que se recomendaseja constituído por pessoas independentes da administração, seja apto, por si, adescortinar os critérios de afectação do montante global.

Uma solução para este problema seria a de preconizar uma alteração àsrecomendações vigentes, de modo a que a comissão de remunerações possaincluir um membro não independente.

As recomendações nacionais seguem o modelo britânico, em que se pre-coniza a inclusão de membros exclusivamente independentes. Em diversos tex-tos recomendatórios, porém, é considerado suficiente que a comissão de remu-nerações seja composta por uma maioria de membros que sejam independentes(por exemplo em Espanha126 e nas Guidelines do CEBS127).

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121 INSTITUTO PORTUGUÊS DE CORPORATE GOVERNANCE, Livro Branco sobre Corporate Gover-nance em Portugal, cit., 27-28; GUIDO FERRARINI/NIAMH MOLONEY, Executive Remuneration andCorporate Governance in the EU: Convergence, Divergence and Reform Perspectives, cit., 281-284.122 WILLIAM KLEIN/JOHN COFFE JR., Business Organization and Finance. Legal and Economic Prin-ciples9, New York (2004), 182; STEFAN WINTER, Management- und Aufsichratsvergütung unter besonde-rer Berücksichtigung von Stock Options – Lösung eines Problems oder zu lösendes Problem?, cit., 339-349.123 GUIDO FERRARINI/NIAMH MOLONEY, Executive Remuneration and Corporate Governance in theEU: Convergence, Divergence and Reform Perspectives, cit., 289.124 STEFANO CAPIELLO, La Remunerazione degli Amministratori. “Incentivi Azionari” e Creazione diValore, cit., 52-58.125 Cf. supra, § 4.°, 8.126 Quanto ao ordenamento espanhol: MANUEL ANTONIO DOMÍNGUEZ GARCIA, Retribucíon delos administradores de las sociedades cotizadas. La Comisión de Retribuiciones, em Derecho de SociedadesAnónimas Cotizadas (dir. RODRIGUEZ ARTIGAS et al.), II, Navarra (2006), 1082-1083.127 CEBS, Guidelines on Remuneration Policies and Practices (2010), 32. Recorde-se, porém, queeste texto complementa a Directiva, que obriga a que a comissão de remunerações seja cons-

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Neste quadro, mostrar-se-ia nomeadamente adequada a inclusão de umadministrador não executivo na comissão de remunerações – solução que acau-tela uma suficiente, mas não excessiva, ligação à gestão executiva.

V – Cabe ainda analisar um dos obstáculos práticos à independência de jul-gamento dos membros das comissões de vencimentos: a coincidência temporalentre o seu mandato e o dos restantes órgãos sociais.

Não é pouco usual que a apresentação de listas de titulares de órgãos sociaisà assembleia geral electiva seja precedida de negociações com os candidatos. Poresse motivo, em algumas situações, a coincidência temporal entre a designaçãode novos titulares de órgãos sociais e o mandato dos membros da comissão deremunerações pode, em termos práticos, deprimir o tempo de ponderaçãodecisória e o espaço efectivo de influência desta comissão.

É claro que, no plano jurídico, à comissão de remunerações assiste o poderde confirmar ou alterar condições remuneratórias antes ajustadas128. Não seesqueça a linha do regime, aliás confirmada pela jurisprudência do Supremo, deque a remuneração não fixada pelos órgãos societários competentes é invá-lida129. Porém, o tema é aqui colocado num prisma puramente funcional –tendo presente a recomendação de Michael Jensen de que remuneration commit-tees must take full control of the remuneration process, policies, and practices130. Consi-dera-se, neste contexto, muito empobrecedor da vocação da comissão de remu-nerações o papel de órgão ratificador de decisões tomadas por terceiros.

De um lado, a chave poderia residir num nexo de continuidade entre acomposição da nova comissão de remunerações e a sua predecessora, através damanutenção em funções de pelo menos um membro da comissão.Todavia, estaé uma comissão designada pela assembleia geral e a imposição de um membropode não revelar-se exequível (sobretudo em situações de transição de domí-nio). Pior hipótese seria, todavia, a de criar um desfasamento de mandato entre

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tituída de modo a permitir o exercício de juízos competentes e independentes sobre políticasremuneratórias (Anexo V da secção 11 da Directiva 2006/48/CE, na redacção dada pelaDirectiva 2010/76/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010,ponto 24.).128 MENEZES CORDEIRO, SA: Assembleia geral e deliberações sociais, Coimbra (2007), 143; Id.,Código das Sociedades Anotado, cit., 979.129 Acórdão STJ 27-Jun.-2002 (MOITINHO DE ALMEIDA).130 MICHAEL C. JENSEN/KEVIN MURPHY/ERIC WRUCK, Remuneration:Where We’ve Been, HowWe Got to Here,What are the Problems, and How to Fix Them, cit., 51-52.

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cada membro da comissão – dados os inconvenientes genericamente apontadosaos staggered boards131.

Mostra-se vantajoso, deste ponto de vista, um desfasamento entre o iníciode funções da comissão de vencimentos e do órgão de administração.Tal refor-çaria o papel da comissão de remunerações na preparação dos novos pacotesremuneratórios dos futuros titulares dos órgãos sociais, e ampliaria a sua inde-pendência de facto .

Assim encarado, o desfasamento temporal entre o mandato dos membrosdas comissões de remunerações e o mandato dos titulares do órgão de admi-nistração ampliaria sensivelmente as condições de eficiente funcionamento dacomissão de remunerações.

17. Competência técnica

Detectam-se pontos de contacto entre a trajectória evolutiva, à luz dodireito nacional, do conselho fiscal, de um lado, e da comissão de remunera-ções, de outro lado – no sentido de que, em ambos os casos, se trata de órgãosque percorrem três estádios fundamentais de evolução: composição exclusivapor accionistas; composição com permissão de inclusão de não accionistas; ecomposição com recomendação de inclusão de especialistas132.

Com efeito, a gradual centralidade das comissões de remunerações tem sidoacompanhada por uma tendência de crescente profissionalização dos seusmembros. A evolução das indicações recomendatórias tem contribuído paraeste quadro. Nesta linha, segundo o II.5.2 do Código de Governo das Socie-dades, os membros da comissão de remunerações ou equivalente devem incluirpelo menos um membro com conhecimentos e experiência em matérias de política deremuneração. Recomendações homólogas a esta foram estabelecidas para a áreabancária e seguradora133.

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131 Por último: LUCIAN BEBCHUK/ALMA COHEN/CHARLES C.Y.WANG, Staggered Boards and theWealth of Shareholders: Evidence from a Natural Experiment (2010), disponível em http://ssrn.com/abstract=1706806.132 Esta comparação aproximativa não obsta à existência de especificidades na evolução do con-selho fiscal, que não importa considerar aqui: cf. sobre estas PAULO CÂMARA, Modelos de Governodas Sociedades Anónimas, cit., 213.217.133 Art. III.2 da Carta Circular 2/10/DSBDR do Banco de Portugal e artigo III.2 da Circularn.° 6/2010 do Instituto de Seguros de Portugal.

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No caso de integrarem consultores em matérias remuneratórias, devem serconsultores sem relações significativas com a gestão da sociedade, para acaute-lar a sua independência (recorde-se a recomendação II.5.3.134).

18. Composição quantitativa

Em geral, considera-se desaconselhável que a comissão de remuneraçõesseja unipessoal – unipessoalidade esta, aliás, que o nosso Direito, através doartigo 399.°, (ao referir-se a uma comissão) parece não admitir. Recorde-se, aliás,que apenas nos casos previstos na lei se admitem órgãos sociais unipessoais(artigo 278.°, n.° 2).

Como reconstituição do fundamento desta solução, os óbices aos órgãos deremunerações unipessoais prendem-se com a maior vulnerabilidade a impedi-mentos por motivos de natureza pessoal; a maior probabilidade de diminuiçãode independência no exercício das suas funções; e o não aproveitamento depessoas com valências diversas na composição do órgão.

No mais, não são estabelecidas regras quanto à composição quantitativa dacomissão de remunerações. Porém, no plano da eficiência, não se vê vantagemem que a sua composição numérica seja muito alargada. A tendência maisusual, detectada em Portugal e na generalidade das jurisdições, é a de estascomissões operarem com três membros135.

§ 6.º Remuneração

O regime legislativo não cura de precisar a disciplina sobre a remuneraçãodos membros da comissão de remunerações.

Na falta de indicação legal – ou sequer recomendatória –, devem ser osestatutos a designar o órgão competente para estabelecer as remunerações dos

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134 Cf. supra, 16.135 Referindo-se à experiência norte-americana: BARRY REITER, The role of compensation com-mittees, FindLaw (2004). O britânico Institute of Chartered Accountants também recomendavacomissões de remunerações compostas por três membros, salvo em empresas de grande dimen-são (para os padrões britânicos, note-se): INSTITUTE OF CHARTERED ACCOUNTANTS, Terms ofReference: Remuneration Comittees (1998). Hoje, o Código recomendatório britânico indica que ascomissões de remunerações devem ter três membros no mínimo – salvo nas sociedades depequena dimensão, em que se admitem comissões de dois membros (D.2.1.).

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membros desta comissão. A competência para fixar a remuneração podenomeadamente pertencer à assembleia geral, ao órgão de fiscalização, ou à outracomissão de remunerações societária, em caso de estrutura dual136.

O conteúdo da remuneração pode consistir no pagamento de senhas depresença (meeting fees) ou de uma prestação fixa mensal.

Embora não exista uma proibição directa, afigura-se desaconselhável aremuneração variável em função do desempenho da sociedade, por ser suscep-tível de erodir a independência dos membros da comissão de remunerações.Não se vislumbra, todavia, interditada a possibilidade de fixação de remunera-ção variável em função do desempenho dos próprios membros da comissão,avaliado de acordo com critérios objectivos.

§ 7.º Cessação de funções da comissão de remunerações

I – A natureza delegada da competência da comissão de vencimentos cobrarelevância quanto aos modos de cessação de funções desta pela assembleia geral.

A delegação opera, como referido, uma desconcentração derivada de pode-res ligados à determinação da estrutura e do quantum remuneratório dos titu-lares dos órgãos sociais. Assim, a par dos modos de cessação de funções dosmembros da comissão de vencimentos, cabe igualmente analisar os modos decessação de funções da própria comissão, dado que a atribuição de poderesdelegados pode ser revertida em benefício da assembleia geral ou, no modelodualista, do conselho geral e de supervisão.

II – Apesar de a lei não o referir directamente, a cessação de funções dosmembros da comissão de vencimentos pode fundar-se em renúncia, caducidadee incapacidade. A cessação de funções dos titulares da comissão de vencimen-tos pode ainda operar por destituição, deliberada pela assembleia geral, havendojusta causa. Esta possibilidade extrai-se por analogia, a partir dos dados gerais(v.g. artigo 419.°).

III – No tocante à cessação de funções da comissão de remunerações emsi, não se admite aqui uma transposição acrítica dos tipos de cessação de efei-tos da delegação próprios do Direito público137. Duas singularidades do caso

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136 Cf. supra, 5.137 MENEZES CORDEIRO refere-se à possibilidade de cessação de funções dos membros dacomissão de vencimentos através da revogação do seu mandato: SA:Assembleia geral e deliberaçõessociais, 142.

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presente obrigam a adaptações.A um tempo, a relação entre a assembleia gerale a comissão de vencimentos consubstancia uma relação privada, inter-orgânicae não hierárquica. A outro tempo, a operatividade da reversão da delegaçãodepende da existência, ou não, de cláusula estatutária que determine as com-petências da comissão de vencimentos.

Quanto a este último ponto, cabe relembrar que a atribuição estatutária decompetências à comissão de vencimentos pode não ocorrer no modelo latino,que se basta com uma deliberação de nomeação (artigo 399.°), mas acontecenecessariamente no caso do modelo dualista quanto à remuneração dos admi-nistradores, como vimos (artigo 429.°).

Caso haja uma fonte estatutária,não assiste à assembleia geral o poder de pro-ceder à revogação e à avocação dos poderes relacionados com a determinaçãoda remuneração dos titulares dos órgãos sociais. Se não observar, tal deliberaçãonão se reputa como admissível, por existir uma contrariedade com os estatutos.

Irreleva, para o efeito desta conclusão, o n.° 3 do artigo 440.° CSC, queestabelece que a assembleia geral pode, a qualquer tempo, reduzir ou aumentara remuneração dos membros do conselho geral e de supervisão. Este disposi-tivo não cura da repartição de competências, mas esclarece apenas a regra daalterabilidade da prestação remuneratória – e vale não apenas para a assembleia geralmas também para a comissão de vencimentos se em concreto for constituída.

IV – Cuidar-se-á de seguida de apurar qual o desvalor que afecte uma deli-beração social que interfira com a determinação da remuneração de titulares deórgãos sociais sem proceder a uma alteração estatutária em sede da competên-cia da comissão de vencimentos.

A este propósito, observa-se que nem todas as deliberações sociais que mos-trem uma incompatibilidade com os estatutos devem merecer o mesmo trata-mento jurídico. Aproveitando a análise germânica, podemos considerar a dis-tinção entre a alteração formal dos estatutos (Satzungsänderung), a lesão dosestatutos (Satzungsdurchbrechung) e a violação dos estatutos (Satzungsverletzung).

O primeiro caso seria o da normal alteração contratual, em respeito doquórum deliberativo e formalidades adjacentes; o último caso configuraria ahipótese de deliberação anulável por violação do contrato de sociedade, combase no artigo 58.°, n.° 1 a) CSC. Admite-se, nesta apresentação, uma figuraintermédia – a mera lesão dos estatutos (Satzungsdurchbrechung)138 –, que ocorre

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138 O termo é de difícil tradução: “lesão” do contrato de sociedade figura como sinónimo de“quebra” ou “ultrapassagem” dos estatutos; o vocábulo desconsideração parece desaconselhável,

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em relação à deliberação tomada em contrariedade aos estatutos que nãoassuma idênticos efeitos jurídicos da comum violação estatutária139.

Todavia, no caso da deliberação social que, fora do processo de alteraçãoestatutária, procure interferir na determinação da remuneração de titulares deórgãos sociais, dada a essencialidade da matéria em termos da estratégia egovernação da sociedade, parece incontornável a conclusão da sua invalidade,fundada na alínea a) do n.° 1 do artigo 58.° CSC.

V – Resulta, assim, seguro concluir que a avocação e a revogação das deli-berações da comissão de vencimentos apenas podem realizar-se nos casos emque as competências sejam fixadas por deliberação de nomeação, sem consa-gração estatutária.

Importa, neste contexto, relembrar os conceitos em presença. A avocaçãoimplica a chamada ao delegante da prática do poder confiado ao órgão dele-gado, para um caso concreto. O poder do delegante em avocar casos concretosintegrados no âmbito da delegação, preclude a possibilidade da comissão devencimentos exercer esse poder num determinado caso, sendo exercida ex ante.Ao invés, a revogação do acto é realizada ex post, após deliberação da comissãode vencimentos140. Desta se distingue a revogação dos poderes delegados –através de alteração estatutária –, que retira, em absoluto, os poderes da esferada comissão de vencimentos141.

VI – Se os poderes delegados da comissão de remunerações resultarem decláusula estatutária, que é tendencialmente estável em termos temporais (artigo15.° CSC), não parece de princípio admissível a extinção dos poderes dacomissão de vencimentos por caducidade. Ressalva-se, naturalmente, o caso de

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por poder gerar equívocos com a Durchgriff. RAÚL VENTURA fala da “alteração para o caso con-creto” (RAÚL VENTURA, Alterações ao Contrato de Sociedade2, cit., 26-27), mas não podemos con-siderar uma total sinonímia entre essa realidade e a Satzungdurchbrechung.139 H.-J. PRIESTER, Satzungsänderung und Satzungsdurchbrechung, in ZHR n.° 151 (1987), 40-ss.;H. P.WESTERMANN, Das Verhältnis von Satzung und Nebenordnungen in der Kapitalgesellschaft, cit.,52-ss; M. HABERSACK, Unwirksamkeit “zustandsbegründender” Durchbrechungen der GmbH-Satzungsowie darauf gerichteter schuldrechtlicher Nebenabreden, cit., 354-ss.140 Sobre esta terminologia: MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO GONÇALVES/PACHECO DE

AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado2 (1997), 230-232; ROBIN DE

ANDRADE, A Revogação dos Actos Administrativos2 (1985), 300-348.141 O artigo 39, n.° 2 do Código de Procedimento Administrativo acolhe a posição de que odelegante tem o poder de avocar, bem como o poder de revogar os actos praticados pelo dele-gado ao abrigo da delegação.

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a cláusula estatutária fixar um período de validade para a atribuição de poderesà comissão de vencimentos.

Em todo o caso, seja a revogação, seja a avocação de actos delegados nacomissão de vencimentos concretizam-se através de actos deliberativos, que sedevem revelar expressamente ou através de declarações tácitas, reveladas através de com-portamentos concludentes142.Tal apenas sucederá se a assembleia geral intervier naesfera de competências directa da comissão de vencimentos, privando a possi-bilidade de actuação desta.

Maior exigência há-de reconhecer-se à destituição de titulares da comissãode vencimentos e à revogação dos poderes delegados, esta a operar através demodificação estatutária. Estas vicissitudes manifestam-se apenas através de actosdeliberativos expressos.

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142 Em geral, a monografia de referência permanece sendo de PAULO MOTA PINTO, DeclaraçãoTácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico (1995), 760-ss. Sobre os requisitos da revo-gação tácita (possibilidade de exercício de poderes, delegação singular, coincidência do objectode delegação e observância de forma): PAULO OTERO, A competência delegada no Direito adminis-trativo português (1987), 214-215.

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