A Chernobyl brasileira
-
Upload
cristiane-g-santana -
Category
Documents
-
view
264 -
download
0
description
Transcript of A Chernobyl brasileira
A Chernobyl brasileira
Cristiane G. Sant´Ana
A Chernobyl
brasileira E-mail: [email protected] Blog: http://cristianegsantana.blogspot.com.br www.clubedeautores.com.br/book/127135--A_Chernobyl_brasileira
2012
Cristiane G. Sant՚Ana
2
Sumário
AGRADECIMENTOS
PRÓLOGO
A DESCOBERTA DO MINÉRIO
A POSSE DAS TERRAS
SANTO AMARO DA PURIFICAÇÃO
ESPINHOS
NOS DIAS ATUAIS
QUE PAÍS É ESSE?
A RESPOSTA
TUDO TEM UM PROPÓSITO
A CHERNOBYL BRASILEIRA
A VIAGEM
A CONTAMINAÇÃO DO RIO SUBAÉ
DOENÇA E MISÉRIA
PRIMEIRO LAUDO
O LITORAL
A AUDIÊNCIA
A PRIMEIRA SENTENÇA
O TRATAMENTO
LUZ NO FIM DO TÚNEL
O CASAMENTO
A DESPEDIDA DE UM AMIGO
O ADEUS
A Chernobyl brasileira
Agradecimentos
Primeiramente gostaria de agradecer a Deus que
tornou tudo isso possível, pois sem ele e sua aprovação, nada acontece!
A pessoa que me inspirou a escrever sobre toda essa catástrofe ambiental, pois sempre falou muito a respeito de tudo o que aconteceu e sofreu naquele lugar, Sr. Juarez Sant´Ana. Sogro, pai e avô maravilhoso, atencioso com as pessoas e suas dores, líder comunitário, um dos bravos guerreiros brasileiro, que por ser honesto, integro e incorruptível, acabou pagando um alto preço.
Ao ex-prefeito Eurípedes Bonfim, pois através de seu livro “Nem tudo está perdido”, tive a oportunidade de conhecer um pouco da sua história.
Ao meu esposo e a minha filha, que me ajudaram dando-me incentivo para que eu conseguisse escrever.
A minha mãe Dona Nildete, que sempre foi um instrumento nas mãos de Deus para me ajudar e socorrer nos momentos mais difíceis.
Minha amiga Gení de São Caetano do Sul, pelo incentivo e força para continuar escrevendo.
A Miriam que me ajudou a fazer uma breve revisão do texto, pois escrever um livro nunca foi uma missão solitária.
As pessoas de Santo Amaro da Purificação - Bahia, que Deus os abençoe. Que esse livro, possa mostrar a situação em que vivem. Que o mundo volte seus olhos para esse lugar, que a justiça seja feita. E as autoridades se mobilizem para fazer o que deveriam ter feito há muitos anos.
Cristiane G. Sant՚Ana
4
Prólogo
A vida é repleta de recordações. Algumas nos fazem
sorrir, enquanto outras nos fazem chorar. Mas essas
recordações nos fazem pensar e refletir sobre tudo o que
aconteceu, pois com cada uma delas sempre podemos
aprender alguma coisa.
Hoje, a paisagem a minha volta acabou trazendo-me
muitas recordações, que provocaram um saudosismo que
chegava a ser doloroso. Naquele momento, minha memória
era como se fosse um filme, onde buscava constantemente os
momentos inesquecíveis que vivi ao lado de um homem, que
marcou para sempre a minha existência.
Sempre me recordo com saudade do dia em que nos
casamos, pois apesar desse homem já estar doente, naquele
dia a doença o havia abandonado completamente, parecia
curado. Ele estava corado, saudável, havia recuperado seu
peso e seus olhos tinham a cor acinzentada e cheia de vida de
sempre.
Olhando para essa fotografia, vejo que ela conseguiu
captar a essência daquele momento, pois ainda posso sentir o
cheiro de orvalho daquela manhã, ouvir o som das pessoas
conversando e tudo misturado a um suave fundo musical.
Ainda me recordo do sorriso de nossos amigos e
parentes. Todos sabiam de nossa história e que o nosso amor,
teria seus dias contados, embora pense que a maioria
A Chernobyl brasileira
estivesse esperando por um milagre, assim como eu.
Nosso casamento aconteceu exatamente como sempre
havia sonhado, ao lado do homem certo e com todas as
pessoas que eram importantes para nós.
Essa foto sempre me trás sentimentos antagônicos,
tristeza e alegria. Tristeza, por aquele momento ter ficado no
passado e alegria por ter existido. Qualquer pessoa ao olhar
essa fotografia, verá que o amor e a felicidade estão
estampados no rosto de quem às compõem.
Como podem perceber, não consigo parar de buscar o
passado, pois nele encontrei a verdadeira felicidade. Já se
passaram mais de vinte anos e ainda posso dizer que, amo
esse homem com a mesma intensidade daquela época. Jamais
consegui me interessar por alguém durante todos esses anos.
Muitas pessoas não compreenderiam o que sinto,
também não seria fácil explicá-las, só sei dizer que, tem
pessoas que passam por nossas vidas e deixam marcas, boas
lembranças e até podemos sentir seu perfume no ar... Além
de uma imensa gratidão em nossos corações, por terem feito
parte de nossa história.
Acredito que todos já tivemos esse tipo de sentimento
em algum momento de nossas vidas.
Mas ainda existem pessoas que causam tristeza, dor,
desapontamento e destruição. Essas com certeza serão
lembradas com revolta, desprezo e ressentimento. São
pessoas que não nos trazem saudades, pelo contrário,
Cristiane G. Sant՚Ana
6
gostaríamos de nunca tê-las conhecido. Sentimo-nos assim,
por todos os que tiveram culpa, direta ou indiretamente, pela
catástrofe ocorrida em Santo Amaro da Purificação, estado da
Bahia.
As pessoas que causaram toda aquela catástrofe, penso
que vivem com a marca da culpa, pois mesmo que seus
valores e ética fossem diferentes, sua consciência os
condenaria, pois me recuso a acreditar que o ser humano
possa sentir-se vitorioso, sabendo ser culpado pelo
sofrimento e morte de tantas pessoas.
Às vezes pensamos que tudo o que fizemos no
passado, será esquecido com novos acontecimentos e assim
acabamos não dando a devida importância ao rastro que
fazemos durante nossa caminhada. Todos nós deixamos
rastros, não há os que não deixam. Não se engane quanto a
isso.
Todos deixamos nossas impressões no mundo, por
menores que sejam e as pessoas sempre serão lembradas
pelos sentimentos que despertam em nós.
E você, que tipo de impressão deixará nesse mundo?
Meu nome é Alexia e para que vocês entendam o que
estou dizendo, vou contar a história desde o início.
A Chernobyl brasileira
A descoberta do Minério
Em 1953 Padre Macário em suas andanças pelo
povoado de Boquira, notou em seu caminho algumas pedras
brilhantes. Isso o deixou intrigado por semanas.
Essas pedras não podem ser comuns, pois se parecem
demais com Chumbo. Se meu pensamento estiver certo, serei
um homem muito rico, pois essa área é cheia dessas pedras e
com certeza, deve haver muito mais delas no subsolo. Mas
como ter certeza de que realmente é Chumbo? Só há uma
pessoa nessa cidade capaz de me ajudar, pensou enquanto
caminhava por aquelas terras.
Dirigiu-se à farmácia do Sr. Antenor, pois era
considerado um dos homens mais inteligentes e cultos da
região naquela época.
Chegando à farmácia encontrou Antenor, homem de
meia idade e bem sucedido na vida. Ele falava ao telefone e
quando notou sua presença, fez um gesto para que ele o
aguardasse. Logo em seguida, desligou o telefone, voltou-se
para o padre e apertou sua mão com firmeza.
- Bom dia, padre. Em que posso ajudá-lo? – indagou o
farmacêutico.
- Bom dia, Antenor – cumprimentou. - Encontrei uma
pedra diferente no meio do caminho. Ela se parece com
Chumbo, mas não tenho certeza. Você saberia me dizer se
realmente é o minério? – perguntou ansioso.
Cristiane G. Sant՚Ana
8
- Você está com a pedra, Padre?
- Sim. – disse pegando a pedra e entregando ao
farmacêutico.
Após analisá-la com calma, o farmacêutico decidiu não
opinar a respeito, pois não tinha nenhum conhecimento a
respeito daquele assunto.
- Não sei identificá-la, mas conheço um laboratório no
Rio de Janeiro que poderá fazer a identificação - informou
Antenor.
- Não tenho outra saída, poderia me dar o endereço
do tal laboratório?
- O endereço está em minha casa. Faça o seguinte,
apareça aqui à tarde e lhe entrego endereço – disse
devolvendo-lhe a pedra.
O Padre concordou e saiu da farmácia, satisfeito.
Através do laboratório, finalmente teria condições de
confirmar ou não suas suspeitas. À tarde voltaria novamente
à farmácia.
Naquele dia, não conseguiu concentrar-se em
absolutamente nada do que fazia, pois seus pensamentos
estavam voltados à descoberta feita naquela manhã. Se
estivesse certo, sua vida mudaria da água para o vinho, pois
deixaria de ser um simples padre, para tornar-se um homem
poderoso e influente.
Sentiu seu corpo cansado, mas sua mente não parava
de pensar nas possibilidades que teria, caso sua suspeita fosse
A Chernobyl brasileira
confirmada.
Decidiu fazer uma boa faxina na paróquia, pois assim
o tempo passaria mais rápido. Ao concluir a limpeza, fez a
homilia que seria realizada naquela noite, mas não foi fácil,
pois não estava conseguindo focar sua atenção em
absolutamente nada, que não fosse aquelas benditas pedras.
Quando a fome apertou, decidiu procurar por alguma
coisa na velha geladeira. Tirou a faixa de pano que segurava a
porta e abriu. Notou que em seu interior, havia uma panela
com sobras de comida feita na noite anterior. Na geladeira,
não havia nada que pudesse usar como mistura. Decidiu
comer um pão adormecido que estava em seu armário.
Após se alimentar, decidiu dedicar-se novamente a
homilia daquela noite, pois ainda não estava satisfeito com a
que havia preparado. Isso durou toda à tarde, até que
finalmente olhando para o relógio, constatou que já estava na
hora de ir até a farmácia, a fim de pegar o endereço do tal
laboratório.
Na farmácia, Antenor entregou-lhe o endereço. Mas
Macário tinha consciência de que, não teria condições de
arcar com as despesas daquela grande empreitada. Então
decidiu propor ao farmacêutico uma sociedade.
- Antenor, gostaria de lhe fazer uma proposta. –
propôs olhando atentamente para o farmacêutico. - Se essa
pedra for chumbo acabo de descobrir uma mina, pois onde a
encontrei, existem milhares delas. Mas preciso de sua ajuda,
Cristiane G. Sant՚Ana
10
pois não tenho dinheiro suficiente para investir em
absolutamente nada. Gostaria de tornar-se meu sócio?
- O que preciso fazer? – indagou interessado.
- Pague as despesas necessárias, para que eu vá até o
Rio de Janeiro e descubra se a pedra que encontrei realmente
é chumbo.
Antenor mal podia acreditar naquela proposta, pois
não teria nada a perder. As despesas que o padre teria seriam
ínfimas, visto a possibilidade de tornar-se um homem
milionário do dia para a noite. Não sabia exatamente qual a
classificação daquela pedra, mas não era preciso ser muito
esperto ou mesmo um perito, para perceber que a pedra em
questão, não era comum.
- Está bem, todas as despesas ocorrerá por minha
conta, Padre Macário. Pedirei a um funcionário que compre
as passagens e entregue em sua casa. Eu farei as reservas do
hotel onde ficará hospedado – disse dirigindo-se ao caixa,
onde pegou uma grande quantia em dinheiro. – Pegue esse
dinheiro para pagar as despesas que terá no Rio de Janeiro.
Padre Macário saiu satisfeito daquela farmácia, pois
tudo estava acontecendo melhor do que havia planejado.
Amanhã iria até o Rio de Janeiro, com todas as despesas
pagas e com o endereço de um laboratório que esclareceria de
uma vez por todas, suas dúvidas.
Após a missa daquela noite, um rapaz que trabalhava
com Antenor, o procurou e entregou-lhe as passagens para o
A Chernobyl brasileira
Rio de Janeiro.
Sentindo-se cansado, o padre decidiu dormir cedo.
Tirou a batina e vestiu o velho pijama que estava sobre sua
cama e colocou o relógio para despertar às cinco horas da
manhã. Deitou-se na cama, mas o sono não chegou, pois
passou a noite inteira em claro, pensando sobre tudo o que
estava acontecendo em sua vida.
Na manhã seguinte, entrou no ônibus que o levaria até
a cidade Maravilhosa. A viagem foi tranquila, conseguiu até
dormir um pouco, já não fazia isso, desde a descoberta do
minério. A ansiedade era sufocante, pois cada minuto era
como se fosse um dia.
Na janela do ônibus, avistou aquela magnifica cidade.
Tudo no Rio de Janeiro era maravilhoso, parecia estar em
outro país. Aquilo tudo era tão diferente de Boquira, lugar
simples, onde todos se conheciam e o cheiro do progresso
ainda nem dera sinal de vida por ali.
Pegou um táxi e pediu que o levasse ao endereço que
estava no papel. Quando o táxi parou em frente ao hotel,
ficou deslumbrado e admirado com aquele arranha-céu. Em
Macaúbas e Boquira, não havia nada parecido com aquilo.
Chegando a recepção, disse seu nome como Antenor
o instruíra e imediatamente lhe deram a chave e o número de
seu quarto.
Ao entrar, viu uma cama de casal com lençóis limpos,
televisão e um telefone ao lado da cabeceira da cama. Aquilo
Cristiane G. Sant՚Ana
12
tudo era realmente um sonho, diferente da pobreza com que
estava acostumado.
Se essa pedra for chumbo, serei um homem
milionário, frequentarei hotéis tão bons como esse, ou
melhor, me hospedarei em hotéis até mais luxuosos do que
esse, pensou sorrindo.
À tarde, pegou um táxi e seguiu em direção ao
laboratório. Ao chegar ao endereço indicado pelo
farmacêutico, percebeu que aquilo iria custar uma pequena
fortuna, pois o lugar era muito luxuoso e com certeza, deveria
ter os melhores profissionais da cidade.
- Bom dia, eu sou Macário. Gostaria que vocês
fizessem a avaliação dessa pedra – disse entregando a pedra
ao rapaz. – Preciso que vocês descubram qual o nome desse
minério.
- Vejo que não é uma pedra comum – disse o perito
analisando o minério. – Amanhã à tarde, o relatório estará
pronto. Então saberá a que minério pertence sua pedra.
- Muito Obrigado. Amanhã pagarei pelo serviço –
disse abrindo a porta da saída.
Saiu daquele laboratório imensamente feliz, pois em
breve saberia o rumo que sua vida tomaria. No hotel ligaria
para Antenor e lhe diria que amanhã, finalmente saberiam a
que minério pertencia àquelas pedras.
Resolveu almoçar, pois já passava das três horas da
tarde e seu estômago estava começando a reclamar. Entrou
A Chernobyl brasileira
num grande restaurante e decidiu pedir uma lasanha, pois em
breve seria um homem muito rico e precisava melhorar seus
hábitos alimentares, concluiu sorrindo.
Decidiu conhecer o Rio de Janeiro e ficou encantado
com o progresso daquele lugar. Jamais pensou que um dia
poderia conhecer aquela cidade. Tudo ali era muito diferente
do que estava acostumado...
Cansado e ansioso para que chegasse o dia seguinte,
achou que seria melhor ligar para Antenor, quando estivesse
com o laudo técnico em suas mãos. Senão deixaria seu futuro
sócio, tão ansioso e desesperado quanto ele.
Naquela noite não conseguiu dormir novamente, pois
amanhã, finalmente teria a resposta que mudaria sua vida e de
toda aquela cidade. Amanhã descobriria qual seria o rumo de
sua vida, seria apenas um padre de uma cidadezinha pequena
e pacata, ou se tornaria o dono de uma mina de chumbo,
com poder de transformar aquela cidade e a vida de seus
moradores.
Sua Mineradora iria gerar muitos empregos e
consequentemente, o progresso para todos os habitantes dali.
Seria um dos homens mais ricos da Bahia e teria tudo o que
sempre desejou em sua vida.
Na manhã seguinte, andou pela praia e sorriu ao
imaginar que, nunca passaria por sua cabeça, colocar os pés
nas areias de uma das praias mais famosas do Rio de Janeiro.
Aquele lugar era tão bonito que merecia a fama de ser a
Cristiane G. Sant՚Ana
14
cidade maravilhosa.
Aquela bendita pedra precisava realmente ser chumbo.
Teria que desistir de seus votos de padre e no início haveria
muitos comentários negativos a seu respeito, mas isso logo
seria esquecido, quando surgisse outro fato mais relevante
naquela cidade.
Logo depois, dirigiu-se ao laboratório pedindo a Deus
que estivesse certo. Chegando, aguardou na recepção apenas
alguns instantes, até aparecer o técnico que o havia recebido
no dia anterior.
- Macário, fizemos os testes e temos o laudo técnico
da classificação de sua pedra.
- Então diga, por favor. Que pedra é essa?
- Esse minério é chumbo e tem altíssimo valor
comercial – disse entregando-lhe a pedra e o laudo técnico.
- O senhor tem certeza?
- Certeza absoluta. Sua pedra é Chumbo! – garantiu o
perito.
Pagou uma quantia considerável pelo serviço prestado
do perito. Mas aquela conta foi paga com enorme prazer,
pois a partir daquele momento, sua vida mudaria para
sempre.
Arrumou as malas, pagou a conta do hotel e partiu em
direção a rodoviária.
Entrou no ônibus feliz, pois ele o levaria novamente a
sua mina de chumbo. Daria a notícia ao sócio somente
A Chernobyl brasileira
quando chegasse a Macaúbas. Queria ver a cara de espanto e
alegria daquele farmacêutico.
Ao colocar os pés em Macaúbas, imediatamente foi ao
encontro de Antenor, que o aguardava ansioso.
- Como foi à viagem, Padre Macário? Deu tudo certo?
- Seremos milionários muito em breve, Antenor –
disse abraçando o sócio.
- Afinal, qual é o nome daquele minério?
- Eu tinha razão, Antenor. O laboratório só confirmou
minhas suspeitas, aquela pedra é chumbo. Segundo o técnico,
tem um valor comercial muito alto – informou com
satisfação.
Ele estava feliz por confirmar suas suspeitas. Mal
conseguia acreditar que havia descoberto uma mina de
chumbo, naquele fim de mundo.
A partir daquele momento Antenor seria o seu sócio,
porque precisaria de sua ajuda para tomar posse das terras
onde havia encontrado o minério, pois seus proprietários
eram pequenos lavradores.
Meses após a confirmação de o minério ser Chumbo,
já havia comunicado a Roma que deixaria de ser um vigário.
Celebrando sua última missa, disse aos fiéis da Igreja
que, a partir daquele dia não seria mais um padre, pois
decidiu largar a batina para trabalhar com mineração.
Não ficou surpreso ao notar que algumas pessoas
pareciam escandalizadas com a notícia, pois não era comum
Cristiane G. Sant՚Ana
16
um padre largar seu oficio naquela época.
Após a missa, precisava encontrar um lugar para
morar, pois estava livre de obrigações com a Igreja Católica
Apostólica Romana e vice-versa. Mas esse problema não era
o foco de seus pensamentos, precisava pensar numa maneira
de adquirir a posse das terras onde estava localizado o
chumbo. Esse seria o maior desafio, pois quando fosse dono
daquelas terras, tudo ficaria muito mais fácil.
Macário e o farmacêutico precisavam encontrar uma
maneira de por as mãos naquelas terras. Esse seria o maior
desafio daquela jornada, o resto seria somente uma questão
de tempo.
A Chernobyl brasileira
A posse das terras Tabelionato Civil e Tabelião de notas por lei, do
Distrito sede de Boquira Comarca de Macaúbas – BA.
Escritura Pública de cessão de Direitos de
propriedade para PESQUISA, que entre si em notas fazem, de um lado como cessionários, farmacêutico Antenor Alves da Silva e Padre Macário de Maia Freitas, como abaixo se declara:
Saibam quanto dessa escritura que no dia 25 de março de 1954, em meu Cartório, perante mim, Escrivã compareceu os Senhores: Joaquim de Almeida Rodrigues, Antônio Rodrigues dos Santos, Leão Santos, Joaquim Ângelo de Souza e sua mulher Herculana Cursino, Rosendo Xavier dos Santos e suas mulheres, todos eles lavradores, elas prendas domésticas, todos brasileiros, casados e domiciliados e residentes em Boquira.
““... Perante mim, foi dito serem possuidores, com posse mansa e pacífica, continuada, por mais de trinta anos de uma área de terras secas de cento e dez Hectares, com partes cercadas e partes em abertos, com denominação de “Morro Pelado” da extrema, situado da Vila de Boquira-BA.
Por este público instrumento, DE LIVRE E ESPONTANEA VONTADE, fazem Cessão plena e irrestrita, assim como sem condição, de todos seus direitos de proprietários de preferência para PESQUISA e LAVRA dentro das áreas descritas o que trata o artigo 153 da Constituição Federal.
Cristiane G. Sant՚Ana
18
Saíram do Cartório, felizes. Tudo havia acontecido da
maneira como haviam planejado. Olharam-se com um sorriso
vitorioso no rosto.
- Finalmente, conseguimos Antenor! – exclamou
Macário abraçando o sócio fora do Cartório.
- Sim, meu amigo. Agora precisamos pensar no
próximo passo, o alvará de funcionamento da Mineradora.
- Não se preocupe, não chegamos até aqui para
morrermos na praia – disse Macário animado. – Agora as
coisas serão mais fáceis, pois somos proprietários da terra
onde construiremos a mineradora de chumbo.
- Vamos para minha casa – disse Antenor abrindo a
porta do carro. - Está convidado para almoçar conosco hoje.
- Aceito seu convite meu grande amigo. Estou com
muita fome, pois ser proprietário de uma mina de chumbo
me abriu o apetite – revelou Macário sorrindo ao entrar no
carro de Antenor.
Finalmente consegui, pensou Macário. Não importa se
omitiu dos lavradores que suas terras poderiam valer milhões.
Mas o que aqueles pobres lavradores poderiam fazer? A
maioria mal sabia ler e escrever. Não poderiam fazer nada
para reaver a posse daquelas terras.
Ficarei milionário com a extração de todo aquele
chumbo e a cidade ganhará muito com essa aquisição. Esse
empreendimento irá gerar muitos empregos e
A Chernobyl brasileira
consequentemente o progresso da cidade. Isso jamais
aconteceria se, aquelas terras continuassem nas mãos
daqueles simples lavradores.
Para surpresa de todos, aqueles pobres lavradores não
aceitaram pacificamente perder suas terras, pois lutaram para
consegui-las novamente. Alguns afirmam que jamais
colocaram os pés naquele cartório, cedendo suas terras a
quem quer que fosse.
Agora Macário e Antenor precisavam correr atrás da
autorização para o funcionamento da Mineração.
Parecia uma maratona, mal venciam um obstáculo e
logo aparecia outro. Mas seus esforços foram
recompensados, quando conseguiram a posse das terras do
minério.
Agora, precisavam da bendita autorização para o
funcionamento da Mineração Boquira Ltda.
Cristiane G. Sant՚Ana
20
Santo Amaro da Purificação
Macário mal podia acreditar naquele papel em suas
mãos, agora seria questão de tempo para o progresso chegar
naquele lugar e ele se tornar um homem muito rico.
Decreto nº 35.915, de 28 de Julho de 1954.
Concede à Mineração Boquira Ltda. autorização para
funcionar como empresa de mineração.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da
atribuição que lhe confere o art. 87, nº I, da Constituição e
nos termos do Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940
(Código de Minas),
DECRETA:
Artigo único. É concedida a Mineração Boquira Ltda.,
constituída por instrumento público de 27 de abril de 1954,
lavrado no cartório do 4º Ofício de Notas desta Capital, com
sede nesta cidade, autorização para funcionar como empresa
de mineração, ficando a mesma sociedade obrigada a cumprir
integralmente as leis e regulamentos em vigor ou que venham
a vigorar sobre o objeto da referida autorização. Rio de
Janeiro, 28 de julho de 1954; 133º da Independência e 66º da
República.
GETÚLIO VARGAS
Apolônio Sales
A Chernobyl brasileira
O coração de Macário batia forte. Olhou novamente
para aqueles papéis, como para certificar-se de que ele
realmente existia e não era apenas fruto de sua imaginação.
Agora era uma questão de tempo, paciência e
determinação, pois tudo estava dando certo.
Sabia que ao adquirir a posse daquelas terras não
ficaria rico, pensou sorrindo, mas seria um homem
milionário.
Foi correndo até a casa do farmacêutico e encontrou
sua filha, Yeda.
- Bom dia, Yeda – cumprimentou Macário.
- Bom dia Padre, ou melhor, Macário – disse com
timidez.
- Seu pai está?
- Sim, ele está – informou. - Entre, por favor.
Macário entrou e sorriu ao notar que Yeda era uma
moça muito bonita e educada. Ela seria a esposa perfeita,
além do mais, era filha de seu sócio, uma mulher em que ele
poderia confiar. Tornar-se-ia tão rica quanto ele, por que não
investir naquele relacionamento?
Ao entrar na sala, avistou o farmacêutico que sentado
confortavelmente numa poltrona, lia seu jornal. Ele sorriu ao
ver Macário adentrar a sala.
- Bom dia, sócio – cumprimentou estendendo a mão
para Antenor.
- Bom dia, amigo. Tem alguma novidade? – indagou
Cristiane G. Sant՚Ana
22
curioso. – Sente-se, por favor.
Macário sentou-se naquele confortável sofá, pois tudo
na casa de Antenor era de boa qualidade. Diferente dele, que
não tinha onde cair vivo, pois morto, se cai em qualquer
lugar, constatou com amargura.
- Se prepare, porque nosso trabalho irá aumentar em
gênero, número e grau – disse sorrindo.
- O que quer dizer com isso? – indagou confuso.
- Conseguimos a autorização de funcionamento da
mineração. Agora teremos que encontrar sócios com capital
para começar a mineração. Seu dinheiro não daria nem para o
começo, Antenor. Precisamos de um investidor com muito,
mais muito dinheiro mesmo.
- Tem ideia onde encontraremos alguém com tanto
dinheiro assim? – indagou preocupado.
- Sim, precisamos encontrar algumas multinacionais
que utilizam chumbo – constatou Macário convicto.
- Já fez alguma sondagem a respeito disso?
- Meu amigo, eu não durmo no ponto – informou
Macário. - Já tenho algumas pessoas que se forem
inteligentes, se juntarão a nós.
Macário saiu da casa de Antenor cheio de planos.
Pouco tempo depois, resolveu entrar em contato com uma
empresa americana, a Cia. Acumuladores Prest-O-Lite que
possuía sede em São Paulo.
A Prest-O-Lite iniciou sua sociedade abrindo galerias
A Chernobyl brasileira
nas terras de Macário, onde foi retirado no início: Galena,
Cerusita e Carbonato de Chumbo.
Em seguida, a Peñarroya Oxide S.A., empresa
francesa, também fez parte desta sociedade porque
conheciam bem a flotação, que na época, era uma operação
de altíssima tecnologia.
Com o tempo, foram saindo da sociedade da
Mineração Boquira Ltda. a Prest-O-Lite e depois Macário,
todos comprados pela poderosa Peñarroya, que criou a
subsidiaria COBRAC - Companhia Brasileira de Chumbo.
A COBRAC pertencia ao grupo francês Peñarroya e
decide em 1960 iniciar a fabricação de ligas de chumbo.
Então escolhe a Cidade de Santo Amaro da Purificação,
estado da Bahia.
A instalação da fábrica teria uma localização
privilegiada, pois seu acesso seria através da Avenida Rui
Barbosa, uma das principais vias de acesso ao Município de
Santo Amaro da Purificação. E paralela a Av. Rui Barbosa,
está o maravilhoso Rio Subaé.
Os habitantes da cidade estavam felizes com a nova
aquisição, pois a COBRAC no início trouxe inúmeras
vantagens, como empregos e pagamento de impostos, isso
fez gerar uma perspectiva de prosperidade ao povo
santamarense.
Mas aquela felicidade durou pouco, pois em 1961,
apenas um ano após a COBRAC iniciar suas atividades em
Cristiane G. Sant՚Ana
24
Santo Amaro da Purificação, estava estampada a manchete na
primeira capa do Jornal O Archote de 16 de dezembro de
1961 – “COBRAC: FÁBRICA DE CHUMBO E DE
MORTE”.
“Os pecuaristas locais, tendo como cabeça, o Sr. José
Andrade, preocupados com a grande mortandade de seu
gado, contrata Dr. Hans K. F. Dittmar para investigar a
causa.
O técnico aponta a COBRAC como emissora de gases
altamente venenosos. Esses gases seriam responsáveis pela
morte de 250 burros, 200 cabeças de gado, além de grande
quantidade de outros animais mortos. Consta ainda que
pessoas também têm sido vitimadas.
Tal fato foi denunciado pelo presidente da Câmara, Sr.
Viraldo de Senna, que apresentou ao plenário, o relatório do
engenheiro, tendo em vista, o perigo de vida que está
submetida à população local.”
Para remediar a situação, a COBRAC, “solucionou” o
problema com a aquisição de todas as terras dos pecuaristas
atingidos e os indenizou pelos animais mortos. Algumas
medidas foram tomadas para o controle da contaminação
atmosférica. Tudo parecia resolvido!
A Chernobyl brasileira
Espinhos
Na década de 60 havia um conjunto famoso em
Macaúbas, tendo como destaque os irmãos Sant´Ana. O
baterista era Juarez Sant´Ana e como saxofonista, José
Augusto Sant´Ana, mais conhecido como Chéu.
O grupo era conhecido como “Os Cometas”.
Costumavam tocar no Clube Social de Macaúbas,
aniversários, leilões, e nas festas realizadas por Antenor, o
farmacêutico. O grupo também tocou no casamento de
Macário e a filha de Antenor, Yeda.
Durante uma dessas apresentações, conheceram o
Engenheiro Helder, que trabalhava na Mineração em
Boquira.
Juarez Sant´Ana foi convidado por Helder a fazer
parte do quadro de funcionários da Mineração, assumindo o
cargo de auxiliar de escritório e procurador da mineração
junto ao I. A. P. E. T, hoje conhecido como INSS.
No dia 28 de dezembro de 1963, sábado, era mais um
dia tranquilo de trabalho na Mineração Boquira. De repente
apareceu Manoel Dutra Seixas, mais conhecido por
Nequinho, oferecendo aos funcionários do escritório, uma
arma Taurus de calibre trinta e oito.
Nequinho alegou precisar de dinheiro para comprar
remédios para esposa, que além de grávida estava muito
doente.
Cristiane G. Sant՚Ana
26
Juarez Sant´Ana e outros funcionários do escritório,
não demonstraram interesse em comprar o revólver, pois
naquela hora, estavam se preparando para ir embora porque
aos sábados, trabalhavam apenas meio-expediente.
Vendo que não havia interesse de ninguém por ali,
Nequinho se dirigiu a sala do gerente da Mineração, o
português Carlos França Martins, queria apenas oferecer-lhe
o revólver.
O gerente ficou extremamente irritado e aborrecido,
por Nequinho entrar em sua sala sem autorização e acabou
expulsando-o da sala aos chutes e empurrões.
Foi quando Nequinho, sentindo-se humilhado, sacou a
arma atirando em França. Infelizmente o tiro foi fatal e os
funcionários perplexos, acabaram chamando a polícia.
Nequinho foi preso e o levaram para a casa do
delegado, que ficou sob vigília de policiais.
Após dois dias, o corpo de França foi velado na Igreja
Nossa Senhora da Abadia, em Boquira. Naquele mesmo dia,
o delegado achou melhor levar o preso para a cadeia pública e
ao virar a rua da mineração, o Sr. Ladislau Kowalski, que
também era funcionário da Mineração, incitou os operários
que saiam do velório ao linchamento de Nequinho, uma cena
triste de ser vista até mesmo em filmes.
Com a morte de Carlos França, a mineração passou a
ser chefiada pelo francês André Prieto. E como gerente,
admirado por todos os operários, o Sr. Henry Granger
A Chernobyl brasileira
também francês, conhecido por ser um homem sincero e
preocupado com todos os empregados da mineração.
O que o senhor Henry Granger tinha de bom, o outro
francês tinha de maquiavélico, pois André Prieto era
implacável com as pessoas que não se submetiam aos seus
caprichos, costumava perseguir as pessoas com quem não
simpatizava. Era conhecido por demitir pessoas sem qualquer
motivo aparente. E esse foi o caso de Juarez Sant’Ana, no
ano de 1966.
Juarez Sant´Ana, ainda fazia parte do grupo musical
“Os Cometas”. Isso o tornou um homem conhecido em toda
a região. Por ser uma pessoa muito carismática e popular em
toda cidade, foi convidado pelo Partido do Movimento
Democrático Brasileiro, mais conhecido como PMDB, para
ser um dos candidatos a vereador de Boquira.
Naquela época a mineração obtinha todo o poder
político e econômico da Região. Na cidade haviam somente
dois partidos políticos: a Arena, dominada pela Mineração e o
PMDB, que fazia parte da oposição.
Dias antes da votação, bateram forte na porta da casa
do Sr. Juarez Sant´Ana. Ele ficou muito assustado, ao notar
que em seu relógio, marcava meia noite.
Só pode ser notícia ruim! Ninguém incomodaria uma
pessoa tão tarde, pensou Juarez.
Ao abrir a porta, ainda sonolento, levou um susto ao
ver Zezão e mais dois funcionários da Mineração.
Cristiane G. Sant՚Ana
28
- Boa noite, Juarez. – cumprimentou Zezão, homem
forte e conhecido por sua valentia.
- Aconteceu alguma coisa? – perguntou preocupado.
- Não aconteceu absolutamente nada, está tudo bem –
informou Zezão sorrindo. – Estamos aqui em nome da
Mineração, para lhe propor uma aliança que, será vantajosa
para ambas às partes.
- Que tipo de aliança tem a me propor? – perguntou
Juarez desconfiado.
- O que temos a lhe propor é muito simples. Você se
aliará a mineração em decisões políticas e em troca terá seu
emprego de volta – fez uma pequena pausa para avaliar a
reação de Juarez e depois continuou. – Se tornará o
Secretário da Arena e poderá até mesmo, chegar a Prefeitura
de Boquira. O que me diz dessa proposta, Juarez?
Juarez olhou incrédulo para aquele homem, que há
muito tempo conhecia e respondeu indignado:
- Eu me nego a participar dessas trocas de favores –
respondeu irritado. – Minha consciência não permitiria
melhorar minha situação financeira à custa da miséria desse
povo.
- Vamos lhe dar um tempo maior. Poderá refletir
sobre as vantagens dessa proposta – concluiu um deles. –
Não vejo em que, essa proposta poderia trazer miséria a esse
povo.
- Não tenho o que pensar – insistiu Juarez.
A Chernobyl brasileira
- Sabemos que tem uma família grande – comentou
Zezão. – Afinal, alimentar sete filhos não é uma tarefa nada
fácil.
- Meus filhos se alimentarão com o suor do meu
trabalho. Durante toda minha vida, o alimento servido a
minha mesa, foi e será de procedência limpa e honesta – disse
Juarez irritado.
Juarez notou que os mensageiros pareciam surpresos e
confusos com sua atitude.
- Diga a quem os enviou, que não alimento minha
família com a miséria alheia. Apesar de ser um homem de
poucos recursos, jamais me venderia a uma causa em que,
não acredito e condeno. Aprendi desde criança, que um
homem honrado possui as mãos e consciência limpa.
- É isso o que tem a nos dizer? – perguntou Zezão.
- Sim. Isso é tudo o que tenho a lhes dizer. Tenham
uma boa noite – disse fechando a porta de sua casa.
No dia das eleições, tudo ocorreu com tranquilidade.
Mas na hora da apuração dos votos, Juarez acabou perdendo
para o candidato da Arena. Novamente a cidade estava sob o
comando e domínio da poderosa mineração.
Chateado, resolveu procurar um velho amigo, para
desabafar e falar de sua decepção.
Professor Aroldo era um homem culto, inteligente e
perspicaz. Era uma das raras pessoas que, de tudo conhecia
um pouco.
Cristiane G. Sant՚Ana
30
Frente a sua casa, bateu palma e logo viu o rosto
sorridente daquele bom homem.
- Juarez? – perguntou olhando pela janela.
- Sim, sou eu mesmo.
Abriu a porta e pediu que entrasse.
- O que o trás aqui num momento tão importante? –
perguntou curioso.
- Perdi a eleição para um candidato da Mineração –
disse entrando na casa.
- Estou ciente do que ocorreu. Mas também soube que
você foi o candidato mais votado de seu partido.
- Do que isso adianta, se tudo vai permanecer como
sempre foi.
- Nem tudo está perdido – disse o professor Aroldo.
- O que quer dizer com isso, professor?
- Você foi eleito por voto em legenda.
- O que significa isso? – perguntou interessado,
sentando-se no sofá.
- O voto em legenda é aquele em que o eleitor não
indica um candidato para ocupar uma vaga, mas, sim,
manifesta o desejo de que qualquer candidato daquele partido
ou legenda possa exercer a função – sentou-se no sofá e
depois continuou. – Como você foi o candidato do PMDB
que mais obteve votos, então a cadeira é sua.
- Cadeira?
- Você tem direito a exercer o cargo de vereador, pois
A Chernobyl brasileira
tem uma cadeira garantida na câmara dos vereadores. – disse
sorrindo ao notar a alegria no rosto de Juarez.
- O senhor tem certeza?
- Claro que sim. Por isso estou confiante de que nem
tudo está perdido nesse lugar – disse encorajando-o.
Juarez agradeceu ao amigo e saiu para dar a notícia a
sua família.
No meio do caminho, encontrou o Juiz corrupto
daquela cidade, que sorria ao vê-lo se aproximar.
- Juarez, soube que perdeu a eleição. Sinto muito –
disse sorrindo com desdém.
- Excelentíssimo Senhor Juiz – disse com ironia. –
Não fique triste, pois acabo de ser informado que fui eleito
por voto em legenda. Já que sou o candidato mais votado do
meu partido, tenho o direito à cadeira na câmara dos
vereadores.
Aquele sorriso debochado sumiu do rosto daquele
homem, que apressadamente saiu sem se despedir.
Juarez decidiu fazer a justiça funcionar naquele lugar.
Iniciou sua empreitada tentando ajudar os lavradores que
foram donos da terra da mineração. Foi buscar ajuda através
de um advogado da região.
Dr. Cistenas Oliveira, homem negro, alto e bem
vestido, famoso por ser um excelente advogado em Caetité.
Apresentou-o aos lavradores e pediu que os ajudassem
a conseguirem ao menos os Royalties da Mineração em
Cristiane G. Sant՚Ana
32
Boquira.
Infelizmente, o advogado sumiu com parte do
dinheiro que os lavradores haviam adiantado a ele. Mais tarde
soube que outros advogados procederam da mesma forma,
uns até melhoraram de situação financeira do dia para a noite.
Após esse fato, a perseguição contra Juarez aumentou
a ponto de proibirem qualquer funcionário da Mineração em
Boquira, entrar em seu estabelecimento, sito a Rua Carlos
França Martins, nome do gerente da Mineração assassinado.
Ele recebia diariamente uma série de ameaças.
Sentindo-se coagido e com medo que fizessem mal a sua
família por causa dele, foi obrigado a fugir. Deixou a esposa e
sete filhos na casa de parentes até possuir condições de trazê-
los para São Paulo.
Outra vítima foi o prefeito Eurípides Bonfim, homem
que se recusou a submeter-se aos caprichos da tal mineração.
Foi um candidato indicado pela própria mineração,
porque fazia parte do quadro de funcionários. Como era uma
pessoa pacata, pensaram que poderiam manobrá-lo como
haviam feito com o antigo Prefeito, Dr. José Lins.
Eles cometeram um ledo engano...
Quando Eurípedes Bonfim se tornou Prefeito de
Boquira, trabalhava na parte da manhã na Prefeitura e a tarde,
na Mineração, como radiotelegrafista.
Nos dois anos de sua administração, conseguiu
trabalhar com tranquilidade, fez algumas obras muito
A Chernobyl brasileira
importantes como a construção de um ginásio na cidade e
várias escolas em municípios pequenos.
Ao chegar o ano de 1969, data do terceiro ano de sua
administração, os problemas começaram a aparecer quando o
Sr. Prieto da Mineração, mandou seu motorista até a
prefeitura, a fim de procurar o prefeito Bonfim.
- Bom dia, Prefeito – cumprimentou educadamente o
motorista.
- Bom dia. Em que posso ajudá-lo? – perguntou o
Prefeito.
- Eu vim porque o Sr. Prieto pediu que o procurasse,
para levar alguns documentos de registros de proprietários de
terras inscritos no IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma
Agrária).
- Diga ao senhor Prieto que tais documentos não
podem sair da Prefeitura – disse com firmeza. – Se ele
realmente precisa de alguma informação, diga a ele que
mande a informação que precisa, ou que me procure à tarde,
quando eu for trabalhar na Mineração.
O motorista saiu e logo em seguida estava de volta.
- Prefeito, o senhor Prieto, mandou dizer que precisa
mesmo é dos benditos documentos – disse constrangido o
motorista.
- Já lhe disse que os documentos não podem sair daqui
– disse calmamente.
- Mas o Prefeito José Lins, mandava esses registros
Cristiane G. Sant՚Ana
34
para ele sempre que fosse preciso.
- Certo. Isso pode ter acontecido em outra
administração. Mas na minha administração, esses
documentos segundo meu entender, pertencem aos legítimos
donos das terras, não posso tirá-los daqui. Eles somente
sairão da prefeitura, com autorização judicial ou com a
autorização dos legítimos donos.
Chegando a mineração, o prefeito procurou pelo Sr.
Prieto.
- Sr. Prieto, desculpa. Mas não posso entregar os
documentos.
Aquele homem ficou calado, não esboçou reação
nenhuma, permaneceu estático e imóvel. O prefeito pediu
licença e se retirou, pois não havia absolutamente mais nada a
ser dito.
Após esse dia, tudo ficou extremamente difícil para o
prefeito e sua administração.
O contador da prefeitura era o mesmo do antigo
prefeito, esse começou a atrasar a contabilidade, após o
ocorrido na mineração, sendo impossível continuar com seus
serviços.
O prefeito Bonfim decidiu contratar o Sr. Deslomar
Galvão, contador do Departamento das Municipalidades de
Salvador. No começo excelente profissional, mas depois,
assim como o antigo contador, começou a encontrar jeitos de
complicar as coisas. Como podem perceber tudo ficou
A Chernobyl brasileira
complicado.
Numa manhã, dois trabalhadores da Mineração,
apareceram na prefeitura.
- Prefeito Bonfim, viemos aqui para transmitir um
recado referente a uma reunião onde participarão o ex-
prefeito, o Sr. Prieto e dois vereadores. O senhor está
convidado a participar dessa reunião também, informo desde
já, que é de seu interesse participar dessa reunião.
- Qual é o assunto da reunião?
- O Sr. Prieto e Dr. José Lins (ex-prefeito) desejam
aconselhar o senhor a renunciar o cargo de Prefeito.
- Diga a eles que não participarei de nenhuma reunião,
se é que podemos chamar uma baderneira dessas, de reunião.
Não renunciarei ao meu cargo, pois nada tenho a temer.
Devido a esse fato somado a alguns outros, tomei
coragem e denuncie a Mineração e todos os corruptos
daquela cidade, denunciei também o juiz de direito. Foram
cinco ou seis folhas de papéis. Confiava plenamente no poder
das Forças Armadas, enviei ao Presidente da República, Mal.
Costa e Silva com cópias ao CSN “Conselho Nacional de
Segurança”, órgão criado na época para assessorar o
Presidente da República, ao SNI “Sistema Nacional de
Informações” e a Policia Federal em Salvador, cujo delegado
era o coronel Luiz Artur.
O excelente delegado de polícia da cidade pediu
demissão. Decidi ir até Salvador, para pedir ao Secretário de
Cristiane G. Sant՚Ana
36
Segurança pública, a nomeação de um novo delegado para
Boquira.
Retornando a Boquira, Dona Áurea tesoureira da
Prefeitura, veio até minha residência, tão logo soube da
minha chegada. Parecia afobada e muito preocupada quando
a olhei.
- Prefeito Bonfim, infelizmente a notícia que tenho a
lhe dar não é nada boa. – disse a tesoureira.
- Que notícia é essa? – perguntei desconfiado.
- O juiz requereu o livro caixa e levou para a
Mineração Boquira – disse sentando-se à cadeira a sua frente.
– Nos devolveu hoje, o livro completamente borrado.
Pensei: “Quem tem Deus ao seu lado, não teme ao
Diabo”. Sabia que nada havia feito de errado, tudo em minha
administração era limpo e transparente. Estava com a
consciência livre de culpa, sendo assim, não tinha porque
temer.
Na noite seguinte, me dirigi a Salvador para saber o
que deveria fazer, me informei no Tribunal de Contas da
União e quando retornei a Boquira, um amigo correu em
minha direção.
- Prefeito, o senhor sabe o que aconteceu na
prefeitura?
- Não. Mas então, me diga o que aconteceu?
- Você não pode voltar lá, pois o Juiz e a Polícia
Federal arrombaram a prefeitura e o cofre. Estão lá te
A Chernobyl brasileira
esperando para prendê-lo.
Fui preso. Vi até sair no jornal local: “Ex-prefeito de
Boquira é preso, acusado por desvio de verbas da prefeitura
pelo Juiz da cidade”.
Agora perguntou a vocês:
Pediria o apoio do Presidente da República, ao
Conselho Nacional de Segurança, ao Sistema Nacional de
Informações e até mesmo, a Polícia Federal se houvesse
desviado verbas da Prefeitura?
O meu maior crime foi confiar na justiça dos homens.
Acreditei que não deveria temer por ser inocente,
infelizmente acreditei na honra das pessoas a quem enviei
minha denúncia.
Não me vendi aos caprichos da Mineração em
Boquira. Mesmo quando preso, não me senti envergonhado
ou estúpido por ter sido honesto e honrado meus princípios,
pois minha consciência não me acusa de absolutamente nada.
Mas tenho orgulho em ser um homem incorruptível e
honesto, mesmo pagando um preço altíssimo por isso.
Ao sair da prisão, percebi que havia necessidade de
abastecer o carro. Naquele dia estava junto com minha
família, parei num posto e minha surpresa foi grande ao notar
que, atrás do meu carro estava o juiz, a esposa, o filho e a
babá. Aquele mesmo juiz que havia me condenado porque o
denunciei.
Mil ideias passaram por minha cabeça. Fiquei parado
Cristiane G. Sant՚Ana
38
olhando para aquele homem que, de cabeça baixa olhava para
o volante de seu carro. Ele parecia triste, não posso dizer
com certeza se havia notado minha presença.
Naquele instante não senti ódio ou raiva, somente
pena, pois se eu fosse um bandido poderia matá-lo naquele
exato momento.
Soube tempos depois, que o tal juiz respondeu pela
denúncia que fiz aos federais e houve a cassação de uma
promoção a que teria direito. Não posso dizer com certeza se
isso realmente aconteceu, pois são apenas boatos.
"De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto."
Ruy Barbosa
A Chernobyl brasileira
Nos dias atuais
Alessandro estava completamente atônito com a
notícia que acabara de receber. Nunca imaginou que aquilo
poderia acontecer com ele.
Naquele momento não conseguia pensar e falar
absolutamente nada, apenas permaneceu estático sem esboçar
nenhuma reação frente a seu médico.
- A medicina está muito avançada. Se fizer o
tratamento corretamente, irá viver alguns anos, não dá para
dizer exatamente quanto tempo – disse o médico.
- Dr. Cláudio, se não é possível a retirada do tumor,
então, não terá muito que fazer. Quanto tempo de vida terei?
- Alessandro, como disse anteriormente a medicina
avançou muito nos últimos anos. Se esse quadro clínico fosse
há vinte anos, então seria um paciente com dias contados e
em fase terminal. Não tenho como dizer, quantos anos
poderá viver. Mas tudo irá depender de como seu corpo
reagirá ao tratamento.
- Que tipo de tratamento terá que fazer doutor?
- Como já sabe, não poderemos retirar esse tumor,
mas para diminuí-lo e evitar que se espalhe por todo o corpo,
teremos que fazer a quimioterapia.
- E quando iniciaremos o tratamento doutor?
- O mais rápido possível – disse o médico com
firmeza. - O ideal seria começarmos a partir de amanhã. Esse
Cristiane G. Sant՚Ana
40
tratamento não será fácil, pois você precisa cooperar para que
ele realmente funcione. E quanto mais rápido iniciarmos,
maior a chance de dar certo.
- E quais serão os efeitos colaterais?
- Os medicamentos inicialmente serão muito fortes.
Eles irão acabar completamente com seu paladar durante o
tratamento, ou seja, deixará de sentir completamente o sabor
dos alimentos. Os enjoos após as sessões de quimioterapia
serão intensos, mas tentaremos controlar com alguns
medicamentos – fez uma pequena pausa, olhou para
Alessandro e continuou. – Sua parte será não faltar às sessões
e se alimentar bem, só assim seu corpo responderá ao
tratamento.
Saiu daquele hospital sem saber o que deveria fazer,
pois sempre ouviu falar daquela doença, mas nunca pensou
que faria parte de sua vida algum dia.
Alessandro aumentou o volume do rádio, como se
aquele barulho, fosse capaz de desviar a atenção de seus
pensamentos.
O farol fechou e ele ficou pensando no que diria ao
pessoal do escritório, quando seu cabelo começasse a cair, ou
quando estivesse passando mal após as sessões de
quimioterapia.
De repente ouviu o barulho de buzina e notou que o
farol já estava aberto, então partiu.
Após chegar ao estacionamento do edifício, notou que
A Chernobyl brasileira
o manobrista que guardar seu carro, estava com o sorriso de
sempre no rosto.
- Bom dia, doutor – cumprimentou o manobrista.
- Bom dia – respondeu saindo do carro e dirigindo-se
ao elevador.
Será que ouviu direito ou aquele homem lhe
respondeu? Trabalhava há dez anos naquele lugar e aquele
homem nunca lhe dirigiu a palavra, nem mesmo para dizer
bom dia. Isso é um verdadeiro milagre, pensou o manobrista.
Alessandro entrou em seu escritório, cumprimentou a
secretária e entrou em sua sala.
Estava com a agenda lotada de compromissos, mas
não teria condições para atender ninguém. Por sorte não
havia nenhuma audiência marcada naquele dia.
Resolveu pedir à secretária que remarcasse seus
compromissos para outro dia, conforme a disponibilidade de
sua agenda.
Olhou para sua sala, ficou feliz ao notar que havia
conseguido alcançar sucesso em sua carreira profissional. Seu
escritório de advocacia era um dos melhores do Brasil. Ele se
tornou uma lenda, por defender e ganhar causas praticamente
perdidas.
Hoje era dono de um escritório que ocupava três
andares, num dos mais famosos endereços comerciais do
Brasil, a Avenida Paulista.
Ele pensou em tudo o que foi obrigado a abrir mão,
Cristiane G. Sant՚Ana
42
para conseguir o sucesso profissional que havia alcançado.
Assim que concluiu a faculdade, conseguiu uma vaga
como assistente de um dos melhores advogados de São
Paulo. No ano seguinte, conseguiu passar no exame da
Ordem dos Advogados do Brasil e pediu uma chance para
advogar em um dos diversos processos jurídicos daquele
escritório, desde então nunca mais parou.
Durante cinco anos, economizou todo o dinheiro que
ganhava para junto com um amigo de faculdade, montar seu
próprio escritório de advocacia.
No início era apenas um escritório pequeno, mas bem
localizado. Era somente uma espaçosa sala com um banheiro
na Av. Paulista, pois o pai de seu sócio era o proprietário do
imóvel e gentilmente cedeu aquele espaço, para ajudá-los a
iniciar aquele empreendimento.
Nos cinco anos seguintes, conseguiram juntar dinheiro
suficiente para comprar dois andares inteiros num dos
melhores edifícios da Avenida Paulista, nele havia até campo
de pouso para helicóptero.
O escritório de Advocacia Jordan & Marangoni, hoje
era conhecido em todo o Brasil. Mas para chegar a ter
sucesso, passou muitas noites sem dormir e finais de semana
estudando vários processos. Não saía para se divertir como as
outras pessoas, pois seu foco era a ascensão de sua carreira.
Atualmente era um homem com quarenta e dois anos,
com uma carreira profissional sólida e bem estruturada. Mas
A Chernobyl brasileira
era completamente sozinho, pois seus pais haviam falecido há
quinze anos, num acidente de carro.
Nos últimos meses pensava em construir sua própria
família, mas ao receber a notícia de sua doença, aquilo já não
seria mais possível. Não teria coragem de se envolver com
uma pessoa e fazê-la sofrer. Era um homem tão solitário que,
nem mesmo teria alguém para deixar seus bens.
Não gostaria que as pessoas se lembrassem dele como
um homem amargo, não permitiria que o sofrimento, o
levasse a se transformar numa pessoa revoltada e rancorosa.
Seu foco seria aproveitar cada instante de vida que
ainda lhe restava. Já não poderia se dar ao luxo do tempo,
precisava aprender a viver cada dia, como se fosse o último.
E agradeceria por cada minuto que Deus permitisse continuar
vivo.
Gostaria de fazer algo, que o fizesse sentir-se bem e
orgulhoso de si mesmo. Algo que diminuísse a culpa por ter
defendido, há anos o lado errado de muitas histórias, pois se
tornou uma lenda, fazendo exatamente isso, o culpado
tornar-se inocente.
Abriu seu notebook para ler os e-mails do dia. Mas
não havia nada de interessante, apenas respondeu os mais
importantes.
Precisava desabafar com alguém a respeito de sua
doença, talvez assim, conseguisse sentir-se aliviado por dividir
aquele problema com alguém.
Cristiane G. Sant՚Ana
44
Pensou em seu sócio, mas logo mudou de ideia,
quando lhe ocorreu que essa notícia o deixaria muito abalado.
César era seu grande e único amigo, sempre tiveram os
mesmos ideias e objetivos desde a época da faculdade. Após
tornarem-se sócios e conviverem dia a dia, tornaram-se como
verdadeiros irmãos.
Estava desligando o computador, quando ouviu seu
telefone tocar, atendeu e ouviu a voz de Maebi do outro lado
da linha.
- Dr. Alessandro, temos um grande problema,
precisamos tentar resolvê-lo.
- Qual é o grande problema que temos a resolver,
Maebi? – perguntou sorrindo ao lembrar-se da notícia que
havia recebido naquela manhã. Nada poderia ser pior do
aquilo, pensou.
- Rosana pediu demissão pela manhã, pois seu esposo
foi transferido para Inglaterra e ela irá com ele.
- Então precisaremos encontrar uma segunda
assistente. Procure alguns currículos enviados através do site
da empresa, selecione apenas oito currículos, para uma
entrevista amanhã.
Desligou o telefone e percebeu que já estava na hora
do almoço.
No elevador, apertou o botão do subsolo. Aguardou
até que o manobrista trouxesse o carro. Nesse instante,
percebeu que o sorriso habitual daquele homem havia
A Chernobyl brasileira
sumido de seu rosto, parecia preocupado e inquieto.
Suprimiu o desejo de lhe perguntar se havia acontecido
alguma. Não conseguia entender o que estava acontecendo,
não havia lógica estar preocupado com um simples
manobrista. A partir da descoberta de sua doença, notou que
tudo estava diferente em sua vida, começava a se importar
com as pessoas, até mesmo com homem.
Somente nesse momento, Alessandro percebeu que
infelizmente, para se proteger do mundo e das pessoas havia
criado uma barreira. Isso o ajudou a se proteger de coisas
ruins, mas só agora se deu conta de que também afastava de
si as coisas boas.
Lembrou-se do tempo em que sua mãe trabalhava
como cozinheira em boas escolas particulares. Ela fazia isso,
para que ele ganhasse bolsa integral de estudos, pois seus pais
jamais teriam condições de pagar uma escola. Trabalhando
como cozinheira, poderia dar ao seu único filho uma
educação de qualidade.
Infelizmente quando seus amigos descobriam que sua
mãe era a cozinheira da escola, começavam a ridicularizá-lo
na frente de todos.
Para se proteger das pessoas, ele escondeu que sua
mãe era a cozinheira da escola e não fez mais amizade com
ninguém, tornara-se uma pessoa solitária e aprendeu a não se
importar com ninguém a sua volta, desse modo evitava
sofrimento e decepção.
Cristiane G. Sant՚Ana
46
Nunca sentiu vergonha de sua mãe, pelo contrário,
sabia que ela era uma guerreira e poderia ter um emprego
melhor. Mas sacrificava-se numa cozinha, para que ele tivesse
condições de ter uma boa educação e consequentemente
maiores oportunidades na vida.
Ela costumava dizer que nada levávamos desse
mundo, a não ser o “saber”, pois o saber morria com seu
dono.
Ele sempre soube aproveitar o que sua mãe lhe
ofereceu. Sempre foi um aluno brilhante. Estudava muito
para conseguir alcançar as melhores notas e talvez
futuramente, conseguisse passar numa universidade federal.
E aconteceu exatamente como havia planejado. Passou
na melhor universidade federal de São Paulo.
Ainda conseguiu recompensar os pais que já estavam
aposentados. Deu-lhes uma belíssima chácara em Jundiaí. Sua
mãe realizou o sonho de construir uma horta orgânica, onde
durante algum tempo, conseguiu comer alimentos sem
agrotóxicos.
Mas Deus levou os dois num acidente estúpido, onde
um caminhoneiro dormiu ao volante batendo no carro deles,
que não conseguiu desviar a tempo da colisão.
Todos morreram naquele acidente. Meses depois,
processou a empresa culpada pelo acidente, que acabou com
a vida de três pessoas. Essa empresa obrigava os funcionários
a entregarem cargas num curto espaço de tempo, não dando
A Chernobyl brasileira
as horas adequadas, para que seus caminhoneiros dormissem
o suficiente, a fim de evitar acidentes como aquele.
Ganhou uma boa indenização. Parte desse dinheiro
conseguiu comprar trinta por cento da parte de seu sócio,
tornando-se assim, sócio majoritário do escritório. Comprou
também mais um andar naquele mesmo edifício.
Agora seu escritório de advocacia possuía três andares
e muitos advogados para conseguir cumprir os vários
processos que entravam todos os dias naquela empresa.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo
manobrista.
- Doutor, seu carro está aqui – disse o manobrista.
- Você parece preocupado, aconteceu alguma coisa? –
indagou preocupado.
- São as preocupações do dia a dia. Preciso aprender a
esconder minhas preocupações. Afinal, ninguém tem culpa
dos meus problemas.
- Posso ajudá-lo?
- Estou precisando entregar um trabalho na escola
sobre Chernobyl. Não consegui encontrar tempo para ir a
Lan House. Como estamos no final do mês, estou sem
dinheiro para mandar imprimir o bendito trabalho. Mas vou
dar um jeito nisso, sempre consigo. Deus sempre ajuda quem
se esforça para vencer na vida – disse sorrindo com
convicção.
- Qual é o horário de seu almoço?
Cristiane G. Sant՚Ana
48
- Às treze horas, doutor.
- É o tempo em que estarei de volta. Quando chegar,
subiremos até meu escritório para ver o que podemos fazer.
Dr. Alessandro notou que aquele homem parecia
aliviado, por saber que alguém o ajudaria.
- Obrigado, doutor. Nem sei como agradecê-lo. Às
vezes a ajuda vem de quem menos se espera.
Saiu daquela garagem feliz por estar ajudando aquele
pobre homem. Percebeu naquele instante, que se cada pessoa
se importasse com seu próximo, todos viveriam num mundo
mais acolhedor e justo. São pequenos atos do nosso cotidiano
que fazem uma diferença incrível no final. São com pequenos
gestos que podemos fazer uma grande diferença na vida das
pessoas.
Ao retornar do almoço, o manobrista guardou seu
carro e depois os dois subiram até o escritório.
Maebi parecia curiosa ao ver o manobrista entrar junto
com o Dr. Alessandro em sua sala.
- Você poderá usar aquele computador – disse
apontando para um computador que estava encostado no
canto da sala.
- Obrigado, doutor.
- Entre em algum site de buscas e escreva a palavra
Chernobyl, terá várias opções a escolher.
Depois de alguns minutos, aquele homem parecia
espantado com algo escrito na internet.
A Chernobyl brasileira
- Meu Deus! Há uma reportagem na internet com o
seguinte titulo: “A Chernobyl Brasileira: Santo Amaro da
Purificação - BA”. Já ouviu falar disso doutor?
- Está me dizendo que existe um lugar no Brasil, com
uma contaminação semelhante à de Chernobyl?
- Está escrito na internet – disse confirmando. – O
doutor já ouviu falar, que no Brasil tivemos uma
contaminação igual à de Chernobyl?
- Jamais ouvi falar a respeito dessa contaminação –
disse preocupado.
- Pois é doutor, também nunca ouvi falar a respeito
desse assunto, mas pelo que vejo isso aconteceu.
- Que tipo de contaminação houve nesse lugar?
- Pelo que estou lendo na reportagem, os funcionários
foram contaminados por chumbo e essa empresa foi
responsável pela morte de milhares de pessoas. Nela havia a
fabricação de lingotes de chumbo e foi fechada no ano de
1993, deixando a céu aberto toneladas de materiais tóxicos.
Esses materiais provocou a contaminação do Rio Subaé. Para
piorar a situação, esse rio abastece todo o município de Santo
Amaro da Purificação, Bahia. Aquelas águas foram
contaminadas por chumbo e cádmio, metais extremamente
nocivos à saúde humana.
- Nunca ouvi falar dessa história. Sempre ouvimos
falar de fatos ocorridos em outros países, mas não me
recordo dessa notícia. Provavelmente os noticiários não
Cristiane G. Sant՚Ana
50
deram muita ênfase no caso.
- Verdade. Estudamos sobre Chernobyl, mas nunca
ouvimos falar ou estudamos a contaminação que houve em
nosso próprio país. Às vezes pensamos que miséria como
essa, acontece somente em outros países.
Aquele homem terminou de imprimir seu trabalho
escolar, agradeceu por sua ajuda e saiu.
Sentia-se confuso, havia uma parte dentro de si muito
triste, por causa da notícia que recebera a respeito de sua
saúde. Mas a outra parte sentia-se satisfeita, porque ajudou
aquele pobre homem vencer mais um pequeno obstáculo de
sua vida.
Decidiu buscar na internet, mais dados sobre o caso da
contaminação por chumbo. Encontrou no portal G1 da
globo.com, uma notícia com a data de vinte e nove de abril
de dois mil e oito. Nessa reportagem, havia a informação do
número de vítimas feita pelo chumbo daquele caso que,
chegaram a duzentas e noventa e seis pessoas. A última morte
fora registrada no sábado, dia vinte e seis de abril de dois mil
e oito. Agora com certeza, deveria ter um número bem maior
de vítimas.
A Chernobyl brasileira
Que país é esse?
Encontrou vários vídeos na internet que falavam
sobre a contaminação, mas um deles tocou seu coração de
maneira especial.
A história do Sr. José Silvério Figueroa. Essa é uma
história muito parecida com a de muitos ex-funcionários
daquela mineradora.
“Durante vinte e cinco anos trabalhei duro naquele
lugar. Minha única recompensa foi adquirir uma doença
causada pela contaminação por chumbo no sangue,
conhecida como saturnismo.
Essa doença trouxe a perda do equilíbrio de meu
corpo, perdi também a visão do olho esquerdo, sou
hipertenso, tenho transtorno bipolar e por fim, a paralisia
toma conta de meu corpo lentamente.
Estou cansado de ver meus amigos morrerem,
deixando esposa e filhos desamparados. A morte para
muitos aqui, significava o término de anos de sofrimento.
Essa doença acaba com a saúde das pessoas, pouco
a pouco, dia a dia, lentamente.
Muitos acabam seus dias, com a mentalidade de
uma criança, usando fraldas, não sabem discernir o certo
Cristiane G. Sant՚Ana
52
do errado, não tem noção de quem são e já não
reconhecem as pessoas, enfim, vivem em seu próprio
mundo, pois não são capazes de compreender o que
acontece ao seu redor.
Nessa cidade, estamos entregues a justiça divina,
pois a justiça dos homens, há anos nos abandonou a nossa
própria sorte.
Promessas políticas, nunca se concretizam nesse
lugar.
Minha gente, um país bom para se viver é feito por
um governo justo, que luta em favor de seu povo e pelo
crescimento de seu país, nunca o contrário. O que temos é
um bando de covardes que usavam de discursos
inflamados de boas intenções, quando na verdade, em
seus corações só há o desejo de enganar seu povo com
falsas promessas.
E são esses covardes que nunca fiscalizaram as
atividades poluentes daquela empresa francesa, que
durante décadas lucrou milhões com o nosso minério e
como pagamento, deixou seus trabalhadores doentes e
montanhas de lixo tóxico, como chumbo e cádmio
expostos a seu aberto, ocasionando a contaminação do
solo e das águas do Rio Subaé, rio esse, que abastece as
casas de Santo Amaro da Purificação.
A Chernobyl brasileira
Aqui há sobreviventes de uma carnificina, causada
pela ambição de uma empresa francesa, que nunca
considerou seus funcionários, ou até mesmo o povo local,
como seres humanos. O pior de tudo foi o descaso do
governo brasileiro com seu povo, que nada fez para
impedir essa tragédia.
Eu sei que minha saúde acabou, mas preciso gritar,
para que o Brasil inteiro saiba: Existe um lugar onde
pessoas estão morrendo contaminadas, como em
Chernobyl. Essa contaminação é por chumbo e cádmio
metais extremamente perigosa à saúde humana.
Deixo a todos que estão assistindo essa
reportagem, uma pergunta, para que pensem e reflitam:
Que país é esse que, vendo seu povo morrer,
permanece de braços cruzados?
Aquele vídeo mudara completamente sua vida. A
reflexão deixada por aquele homem humilde mostrava que
todos nós temos uma pequena parcela de culpa, quando
ignoramos o que acontece ao nosso redor.
Decidiu ajudar aquele homem. Pegou o telefone e
ligou para a secretária.
- Maebi, preciso que me ajude a encontrar o telefone
de uma pessoa.
- Sim. Qual é o nome dessa pessoa, doutor?
Cristiane G. Sant՚Ana
54
- O nome dessa pessoa é José Silvério Figueroa, mora
na Bahia, numa cidade chamada Santo Amaro da Purificação.
- Não se preocupe, não será difícil encontrá-lo.
Ele desligou o telefone e pediu em oração, que Deus o
enviasse uma assistente competente que o ajudasse com
aquele caso, embora há muitos anos, não acreditasse mais em
Deus.
A Chernobyl brasileira
A resposta
Naquele mesmo dia, Alexia estava feliz por
conseguir pegar seu diploma do curso de direito, que
concluiu com muito sacrifício e determinação.
Lembrou-se o quanto foi difícil ter que trabalhar e
estudar. Durante o dia trabalhava com telemarketing. A noite
atravessa a cidade pegando ônibus e trem lotado, para
conseguir chegar à faculdade.
Além de tudo isso, tinha que fazer milagre com o
salário que recebia, pois com ele só conseguia pagar a
faculdade e o transporte.
Seu pai costumava ajudar com o dinheiro para
comprar as apostilas e os livros que não conseguia encontrar
na biblioteca da faculdade ou de seu bairro.
Durante cinco anos, não havia dinheiro para comprar
uma única peça de roupa ou sapato. Para dizer a verdade, não
havia dinheiro sobrando, nem mesmo para comprar uma
bala.
Estava muito emocionada ao conseguir pegar seu
diploma na secretaria da faculdade. Ficou um pouco chateada
por não ter dinheiro para participar do baile de formatura.
Mas já era uma grande vitória conseguir concluir aquele
curso, sem deixar nenhuma pendencia. Agora a meta era
passar no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, pois
só com ele, poderia advogar perante um juiz. Se não
Cristiane G. Sant՚Ana
56
conseguisse, teria que continuar trabalhando como assistente
até alcançar essa meta.
Ouvi o celular tocar e procurou por ele em sua bolsa.
Foi difícil encontrá-lo, pois sua bolsa sempre andava muito
de cheia e encontrar alguma coisa ali, era um verdadeiro
sacrifício. Até que finalmente encontrou.
- Filha, conseguiu pegar seu diploma? – ouviu a voz de
sua mãe do outro lado da linha.
- Sim. Ele está em minhas mãos nesse exato momento
– concluiu sorrindo, sem acreditar que finalmente, tinha
aquele diploma em suas mãos.
- Parabéns, Alexia! Mas não estou telefonando por esse
motivo. Nesse exato momento, tenho uma excelente notícia
para lhe dar.
- Diga logo mãe, pois estou curiosa. Qual é a notícia?
- É sobre aquele escritório grande que você enviou um
currículo. Uma mulher ligou e disse que terá uma entrevista
amanhã às oito horas. Informaram que a vaga é para segunda
assistente do Dr. Alessandro Jordan.
- Mãe, você consegue recordar qual é o nome do
escritório?
- Sim. O nome é Jordan & Marangoni.
- Tem certeza? – perguntou sem acreditar no que
acabara de ouvir.
- Claro. Eu até anotei o nome, pois não conseguiria
lembrar-me de um nome tão difícil como esse.
A Chernobyl brasileira
- Mãe, minha vida irá mudar muito a partir de agora –
disse animada.
- Parece um emprego muito bom.
- Sim. É o maior escritório de advocacia de São Paulo.
Minutos depois desligou o celular e caminhou até
chegar ao ponto de ônibus.
As coisas estavam começando a dar certo. Alexia havia
passado por muitas dificuldades e seus esforços estavam
sendo finalmente recompensados. Ela recordou de um dito
popular que sua mãe sempre dizia: “Ninguém vence na vida
comendo doce e para alcançar nossos objetivos, temos que
correr atrás deles”.
Ao chegar em casa, percebeu que sua mãe não estava
na cozinha, como era de costume.
- Mãe, onde você está? – perguntou em voz alta.
- Na lavanderia, estou estendendo algumas roupas no
varal – gritou a mãe.
- Nem acredito que finalmente consegui pegar o
diploma. E o melhor de tudo isso, é que amanhã tenho uma
entrevista num grande escritório de advocacia.
- As coisas estão começando a dar certo, Alexia. –
disse a mãe sorrindo. - Onde está seu diploma? Vá buscar
minha filha, pois quero vê-lo.
Nesse momento, foi até a sala e pegou o diploma.
Logo em seguida, entregou a mãe que já estava na cozinha
preparando o jantar.
Cristiane G. Sant՚Ana
58
- Tenho muito orgulho de você, sei que não foi fácil
conseguir concluir esse curso – disse abraçando Alexia. – Mas
nunca deixei de acreditar que você conseguiria.
- Obrigada, mãe. Sei que não teria conseguido sem a
ajuda de vocês – falou emocionada. - Preciso tomar uma
ducha para conseguir relaxar um pouco.
Foi ao banheiro e ficou meia hora debaixo do
chuveiro, deixando que aquela água quente escorresse por seu
corpo cansado. Sentiu que toda a tensão do dia estava indo
embora.
Agora era só saborear o apetitoso jantar que sua mãe
havia preparado. Ela já havia colocado a mesa do jantar
quando chegou à cozinha. Percebeu que sua mãe olhava para
o relógio, pareceria preocupada.
- Seu pai está demorando, foi ao mercado e ainda não
voltou.
- Hoje é o dia em que as pessoas costumam receber o
salário do mês, o supermercado provavelmente deve estar
lotado – informou Alexia encostada na geladeira.
Alexia ajudou sua mãe a preparar uma salada para o
jantar, quando seu pai finalmente chegou.
Ele parecia cansado com aquelas sacolas nas mãos.
Noel é era um homem com um coração maior do que a terra,
pois sempre procurava ajudar as pessoas que o procuravam.
Era capaz de dar a roupa que vestia se alguém precisasse. Sua
mãe às vezes precisa chamá-lo a razão, pois às vezes, as
A Chernobyl brasileira
pessoas acabavam se aproveitando dele.
Apesar de serem pobres em sua casa nunca faltou
absolutamente nada. Seu pai sempre foi um homem muito
trabalhador. Alexia não se recordava de vê-lo faltar um único
dia em seu trabalho.
- Boa noite, minhas meninas – cumprimentou
colocando as sacolas no chão da cozinha. - O supermercado
estava lotado. As filas estavam imensas, pensei que nunca
conseguiria sair daquele lugar – resmungou seu pai.
- Boa noite, Noel. Alexia tem novidades para lhe
contar.
- Diga minha filha, conseguiu pegar o bendito
diploma? – perguntou curioso.
- Sim, peguei meu diploma e amanhã terei uma
entrevista num escritório de advocacia.
- As coisas estão começando a dar resultado. Vemos
que valeu a pena tanto sacrifício! – concluiu.
Naquela noite, a comida estava deliciosa como sempre.
Alexia falou sobre suas metas durante todo o jantar,
conversaram animadamente sobre o Corinthians que jogaria
naquela noite. Seu pai e ela eram Corintianos, enquanto sua
mãe era Santista. Hoje haveria uma guerra dentro daquela
casa, pois o Santos jogaria contra o Corinthians, naquela
noite.
Após o jogo, decidiram parar de aborrecer sua mãe
pela vitória do Corinthians, pois estava começando a ficar
Cristiane G. Sant՚Ana
60
irritada com as piadinhas que seu pai dizia.
Alexia resolveu escovar os dentes e em seguida foi
para o seu quarto. Precisava escolher uma roupa adequada
para a entrevista de amanhã. Ao abrir o guarda-roupa,
observou que não havia muitas opções.
Pensou em recorrer à ajuda de sua mãe, pois usavam o
mesmo número de roupa e calçado. Eram muito parecidas:
cabelo preto, olhos azuis, corpo esbelto e a altura de ambas,
não eram muito comum em mulheres, mais de um metro e
oitenta.
- Mãe, você tem alguma roupa bonita para me
emprestar? Em meu guarda-roupa, não vejo nada que sirva
para colocar numa entrevista.
- Alexia, dê uma olhadinha em meu guarda-roupa e
escolha o que quiser.
- Mãe o que poderia vestir para esta entrevista? –
insistiu - Ajude-me, por favor! – disse em tom de súplica.
- Veja se encontra uma saia preta justa e a blusa de
seda branca. Acredito que irão ficar bem em você.
Gostou da sugestão de sua mãe, pois aquela roupa
ficou perfeita em seu corpo. Resolveu colocar um sapato
preto de salto que havia ganhado de uma amiga. Pronto, a
combinação ficou perfeita, pensou.
Agora que estava tudo separado para vestir amanhã,
dormiria mais tranquila, pois entraria em pânico se deixasse
tudo para última hora. Tudo em sua vida tinha que ser pré-
A Chernobyl brasileira
determinado, assim tudo ficava mais fácil e prático.
Na manhã seguinte, acordou assustada quando notou
o sol bater em sua janela. Estava atrasada para a entrevista,
não daria tempo de tomar uma única xícara de café.
Por sorte o ônibus não demorou a passar, apesar de
extremamente lotado a ponto de não conseguir tirar o pé do
lugar, caso o fizesse, teria que permanecer com somente um
pé no chão até chegar ao seu destino.
Subiu no elevador do suntuoso edifício da Av.
Paulista. Sentiu um pouco de tontura, pois aquela era uma
manhã quente e abafada, fazia dias que não chovia e a
sensação térmica na rua era infinitamente maior do que o
registrado nos termômetros espelhados por toda a cidade.
Na recepção, disse seu nome e uma mulher a levou até
uma espaçosa sala, ricamente mobiliada, com sete pessoas
que também aguardavam serem chamadas.
Quando Alexia entrou na sala, percebeu que chamou a
atenção dos demais candidatos. Possuía uma estatura
invejável, um metro e oitenta e cinco de altura, isso chamava
atenção por onde passava. Era dona de um corpo esguio, não
por ser adepta a malhação, mas por não ter facilidade em
engordar. Detestava fazer exercícios físicos, mas costumava
caminhar muito para economizar dinheiro, talvez isso a
ajudasse a manter seu belo corpo.
De repente uma porta se abriu e apareceu um homem
alto e muito atraente. Parecia ter aproximadamente um metro
Cristiane G. Sant՚Ana
62
e noventa e oito de altura e seu cabelo era preto, já começava
mostrar alguns fios brancos, olhos acinzentados e um
belíssimo corpo atlético.
Era uma figura que exala poder, pois a secretária
parecia pouco a vontade com sua presença.
- Maebi, providencie o telefone do deputado Valdemar
Kavinsky do estado da Ceará – disse de forma autoritária. –
Preciso disso para ontem, pois quero falar com esse homem
urgente a respeito de um dos processos que estou
trabalhando – disse fechando novamente a porta.
A secretária parecia perdida com o pedido feito por
aquele homem.
- Meu Deus, esse homem pensa que tenho bola de
cristal. – disse em voz alta. - Ele nunca falou com esse
bendito deputado na vida e eu tenho que dar conta desse
telefone – disse indignada.
Parecia nervosa e sem saber por onde começar.
– Ele pensa que é fácil conseguir o telefone particular
de um deputado – resmungou com indignação.
Naquele momento, Alexia saiu daquela sala e ligou
para um amigo que trabalhava na recepção da Câmara dos
Deputados. Pediu a ele que conseguisse o telefone do tal
deputado.
Minutos depois, seu amigo retornou a ligação com o
número do celular daquele homem.
Parece que Deus está do meu lado, pois talvez esse
A Chernobyl brasileira
fato me ajude a conseguir o emprego, pensou.
Minutos depois, a secretária chamou por seu nome,
passando-a na frente dos demais candidatos.
Entrou na belíssima sala do entrevistador e percebeu
que ele examinava seu currículo atentamente, até que
finalmente voltou sua atenção para ela.
- Soube que você conseguiu o telefone do deputado –
fez uma pausa e continuou. - Sempre é tão eficiente? –
perguntou com olhar examinador.
- Tenho um amigo que trabalha na Câmara dos
Deputados, resolvi pedir a ele o telefone. Parece que foi uma
excelente ideia, pois agora estou aqui na sua frente.
Aquele homem baixou os olhos para o papel que
estava a sua frente e parecia examiná-lo atenciosamente.
- Seu nome é Alexia – disse lendo o currículo. -
Acabou de concluir o curso universitário, trabalhou com
telemarketing e não possui experiência alguma nessa área –
olhou novamente ela. – Porque acha que a contraria para
trabalhar comigo, já que não possui experiência nenhuma
nessa área?
Engoliu em seco sem saber o que dizer naquele
instante, pois aquele homem a deixava sem ação, em sua
cabeça havia somente uma enorme tela branca, não conseguia
pensar em nada a dizer.
Veio-lhe a mente o conselho de seus amigos de
faculdade, ao desencorajá-la a enviar seu currículo para os
Cristiane G. Sant՚Ana
64
grandes escritórios de advocacia. Eles diziam que o melhor a
fazer, era começar com os pequenos escritórios para
conseguir um pouco de experiência.
- Então, me responda – insistiu aquele homem. -
Porque deveria contratá-la? – disse impaciente. – Você é uma
mulher extremamente bonita, talvez seu lugar não fosse num
escritório de advocacia e sim nas passarelas – concluiu com
descaso.
- Desculpe senhor, não estudei tanto tempo para andar
em passarelas. Tenho certeza absoluta, que ao me contratar
terá a melhor assistente que já passou por esse escritório. –
disse fingindo ter uma convicção longe de realmente existir.
Aqueles olhos pareciam querer intimidá-la, mas algo
fez com que se acalmasse e tentasse manter o equilíbrio.
- Posso não ter experiência, mas tenho alguns fatores a
meu favor. Aprendo com extrema facilidade, busco a
excelência em tudo o que faço – tirou a mecha de cabelo do
rosto e prosseguiu. - Sou uma pessoa com iniciativa,
detalhista e não costumo desistir das coisas facilmente.
Acredito que fatores como esses são importantes para o
cargo que tem vago.
- Porque devo contratar você e não o outro candidato?
- Além de tudo o que falei, darei o melhor de mim e
não cometerei erros, já que existem outros candidatos que
poderão me substituir, caso prove não ser merecedora de
pertencer a essa empresa.
A Chernobyl brasileira
Ele a olhou por um longo momento até que
finalmente decidiu falar.
- Parece ser uma mulher muito determinada, gosto
disso – baixou os olhos e parecia pensar enquanto olhava os
papéis sobre sua mesa.
Finalmente voltou a olhar para ela e sorriu de maneira
envolvente.
- Devo estar louco, mas lhe darei uma chance – disse
sorrindo mostrando dentes incrivelmente brancos. – Ao sair,
diga a secretária para dispensar os demais candidatos.
Aproveite e peça a lista de documentos que deverá trazer
para sua contratação.
Alexia suspirou aliviada, não conseguia acreditar que
havia conseguido aquela vaga.
- Muito obrigada, senhor... – ficou constrangida por
não saber o nome dele, afinal não haviam lhe informado o
nome do entrevistador.
- Eu sou o Dr. Alessandro Jordan. Irá ser minha nova
assistente a partir de amanhã – informou. – Agora vá e
amanhã compareça às oito horas em ponto, não suporto
atrasos – baixou os olhos novamente para os papéis em cima
de sua mesa.
Ao sair da sala, falou à secretária que o doutor havia
pedido que dispensasse os demais candidatos e solicitou a
lista de documentos que deveria trazer para a sua contratação.
- Ele a contratou? – perguntou. – Doutor Alessandro é
Cristiane G. Sant՚Ana
66
realmente uma caixinha de surpresas.
- Sim, ele me contratou. Porque está tão espantada
com a minha contratação?
- Simplesmente porque havia pessoas com mais
experiência que você. Seja bem-vinda, com certeza deve ser
muito eficiente, pois o Dr. Alessandro é muito criterioso na
escolha de seus assistentes.
A secretária a levou até o Departamento Pessoal, onde
preencheu a ficha de contratação e pegou a lista de
documentos que deveria trazer no dia seguinte.
Um rapaz simpático levou Alexia a outros andares, que
também pertenciam à advocacia. Ele a apresentou a todos
que ali trabalhavam.
Quando já havia resolvido tudo, o rapaz pediu que o
office-boy entregasse à ficha de admissão à secretária, para
que fosse assinada por doutor Alessandro.
Despediram-se e pediu que chegasse amanhã às oito
horas e antes do almoço desse uma passadinha ao
Departamento Pessoal, para entregar os documentos.
Alexia caminhou em direção ao elevador e avistou o
Dr. Alessandro que apertava o botão para chamá-lo com
impaciência.
Aquele homem se vestia com elegância e bom gosto,
sem dúvida era o homem mais cheiroso que já conheceu em
sua vida. Sua colônia cítrica possuía um aroma másculo que
combinava perfeitamente com o poder que representava
A Chernobyl brasileira
naquele escritório. Aquela colônia cítrica masculina era
simplesmente marcante.
O elevador chegou. Ele abriu a porta para que ela
entrasse, apertou o botão do subsolo e perguntou em que
andar ela desceria. Notou que não havia aliança alguma em
seu dedo, pelo jeito deveria ser um solteirão convicto, mas
não dava para ter certeza, pois grande parte dos homens de
hoje, não costumavam usar aliança.
No elevador havia um silêncio constrangedor até que
chegaram ao andar térreo, onde Alexia desceu e o doutor
prosseguiu até o subsolo.
Seu celular tocou. Ela procurou por ele
desesperadamente até que finalmente conseguiu encontrá-lo,
dentro daquela bolsa cheia. Era sua mãe querendo saber se
havia conseguido o emprego.
Saiu daquele edifício, conversando com ela pelo
celular. Quando de repente, ouviu um carro frear
bruscamente parando quase em cima dela. Nesse momento
sentiu sua visão escurecer e não enxergou mais nada.
Após alguns segundos, abriu os olhos que estavam
ligeiramente embaçados e notou que um homem muito alto
estava chamando uma ambulância, pelo jeito, deveria ter
desmaiado.
- Senhor, não haverá necessidade de chamar uma
ambulância, pois eu me sinto bem agora – disse levantando-
se do chão envergonhada ao notar o pequeno grupo de
Cristiane G. Sant՚Ana
68
pessoas a sua volta.
Seus olhos aos poucos voltaram ao normal. Notou que
o homem alto, era o doutor Alessandro, parecia visivelmente
aliviado ao vê-la levantar-se.
- Meu Deus, você está bem? – perguntou intrigado.
- Me desculpe doutor. O dia está muito abafado e
quente, talvez minha pressão tenha baixado – informou
constrangida.
- Você comeu alguma coisa hoje? – perguntou
preocupado.
Lembrou que não havia tomado o café naquela manhã,
pois havia acordado tarde.
- Não comi nada pela manhã, pois hoje acordei
atrasada.
- Vamos almoçar agora e depois a levarei ao hospital,
para ver se está tudo bem com você – pegou-a pelo braço e
abriu a porta de seu carro para que entrasse.
- Estou bem, não vejo necessidade de levar-me a
nenhum hospital.
Ele entrou no carro e deu a partida dispersando aquele
pequeno aglomeramento de pessoas.
- Quantos anos você tem? – perguntou visivelmente
irritado.
- Tenho vinte e seis anos – disse embaraçada.
- Com sua idade as pessoas já deveriam saber que não
pode andar por aí, sem olhar com atenção ao passar em
A Chernobyl brasileira
frente a uma garagem.
- Desculpe, eu estava falando com minha mãe no
celular e acabei me distraindo – ela não sabia o que dizer, pois
tudo o que dissesse, não justificaria sua atitude irresponsável
e infantil.
Olhou para as mãos que seguravam aquele volante,
eram grandes, bonitas e bronzeadas e suas pernas pareciam
musculosas sob o tecido da calça. Notou que seu nariz era
levemente arrebitado e ainda havia aqueles irresistíveis olhos
acinzentados. Dr. Alessandro era sem dúvida, um homem
muito bonito.
De repente ele virou o rosto em sua direção. Ela notou
que aqueles olhos acinzentados a olhavam com uma
expressão divertida, talvez tenham percebido que o estava
observando atentamente. Tentou disfarçar, pois ele conseguia
deixá-la totalmente embaraçada e insegura.
- Chegamos – informou o doutor.
Estava abrindo a porta do carro, quando ele a deteve
abruptamente.
- Espere – saiu do carro e em seguida abriu a porta
para que ela saísse.
Uma mulher simpática veio atendê-los na porta do
restaurante.
Ela os levou até uma mesa e informou que o garçom
os atenderia em alguns instantes. O garçom realmente não
demorou a aparecer trazendo o cardápio.
Cristiane G. Sant՚Ana
70
Os olhos de Alexia saltaram ao observar os preços
daquele lugar. O que faria? É muita miséria para um só dia.
Primeiro, havia perdido a hora e precisou sair correndo
porque estava atrasada. Depois, pegou aquele ônibus lotado,
em seguida quase foi atropelada e desmaiou caindo dura no
chão. Agora não tinha dinheiro para comprar absolutamente
nada daquele lugar, constatou Alexia.
Ele fechou o cardápio e olhou em sua direção,
aguardando que escolhesse algo.
- Vou ter que ir embora doutor, pois o dinheiro que
tenho em minha carteira, não daria para pedir a sopa deste
lugar – falou em voz baixa para que a pessoa ao lado, não
ouvisse.
Ele soltou uma gargalha espontânea e depois se
conteve, ao notar que as pessoas olhavam curiosas em sua
direção.
- Não se preocupe com os preços e escolha o que
desejar, pois hoje você é minha convidada – disse com um
sorriso perturbador.
A aparência da comida era maravilhosa, mas estava
nervosa demais para conseguir sentir o sabor de qualquer
coisa.
Conversaram durante todo o almoço. Desde o início a
conversa fluiu espontaneamente, parecia que se conheciam há
muito tempo. Dr. Alessandro confessou que não nasceu rico
como seu sócio, mas tudo o que conseguiu foi com muito
A Chernobyl brasileira
esforço, dedicação e muito trabalho.
Disse que havia perdido os pais num acidente há
quinze anos, mas ainda sentia muita falta deles. Confessou
que sua mãe havia trabalhado como cozinheira em escolas
particulares, para que tivesse direito a bolsa de estudos. Assim
estudou nos melhores colégios de São Paulo.
Ela ficou encantada e impressionada com a história
daquele homem. Comentou que as coisas para ela, também
nunca foram fáceis, principalmente concluir a faculdade.
Confessou que muitas vezes pensou em desistir. Sorriu ao
comentar que muitas vezes passou fome, por não ter dinheiro
para comprar um único lanche, só conseguia se alimentar
quando chegava meia-noite em sua casa.
- Minha mãe tem uma frase que sempre me ajuda na
hora de tomar uma decisão e manter-me firme nas horas
difíceis.
- Qual é a frase? – perguntou Dr. Alessandro.
- Na vida tudo tem um preço, nada é de graça.
Precisamos decidir se vale a pena pagar o preço ou não.
- Concordo com sua mãe, pois para conseguirmos
alguma coisa nessa vida, precisamos de empenho e
determinação. Precisamos estabelecer metas e nos
esforçarmos para atingi-las. Nenhum sucesso é alcançado se
não corrermos atrás daquilo que desejamos, pois as coisas
não caem do céu.
Quando saíram do restaurante, Alexia agradeceu o
Cristiane G. Sant՚Ana
72
almoço e perguntou se havia alguma estação de metrô por
perto.
- Entre em meu carro. Eu a deixarei em frente a uma
estação metrô.
Após deixá-la na estação, Alexia resolveu passar na
casa de uma amiga de faculdade.
Gení era uma de suas melhores amigas, costumavam
fazer todos os trabalhos de faculdade no mesmo grupo. Ela
sempre a incentivava a não desistir de seus objetivos.
- Alexia, sempre soube que você conseguiria um
emprego como esses, pois você é persistente em tudo o que
faz. Esse escritório com certeza fez uma excelente contração.
A Chernobyl brasileira
Tudo tem um propósito
Ao chegar à sua casa, Alexia sentiu um delicioso
aroma no ar. Sua mãe já havia preparado o jantar daquela
noite.
- Alexia, é você? – gritou sua mãe da cozinha.
- Sim – respondeu. – Estou muito feliz por ter
conseguido aquele emprego, mãe – sentou numa das cadeiras
e olhou para sua mãe que parecia preocupada. – O que
aconteceu, parece que está preocupada?
- Seu pai ainda não chegou e não avisou que chegaria
tarde hoje. Será que aconteceu alguma coisa?
- Sabe que às vezes, não consegue avisá-la de que irá
fazer hora extra - argumentou tentando acalmá-la. – Não tem
porque se preocupar. Logo estará em casa.
- Eu não consigo me acostumar com essa mania que,
vocês têm de não avisar que irão chegar tarde – disse nervosa.
– Você também tem essa mania, sabe que fico preocupada e
não avisa.
Alexia achou melhor mudar de assunto, pois sabia que
acabaria ouvindo o mesmo sermão de sempre.
- Hoje definitivamente foi o dia do mico – olhou para
a mãe que parecia interessada no que tinha a dizer. – Você
não pode imaginar o que aconteceu hoje.
Alexia descreveu em detalhes, tudo o que havia
ocorrido naquele dia. Sua mãe parecia cada vez mais
Cristiane G. Sant՚Ana
74
pensativa, não sabia se estava analisando o que falava, ou se
estava preocupada por seu pai não haver chegado.
Ela era uma mulher diferente, tinha um sexto sentido
aguçado. Conseguia prever algumas situações, mas nunca deu
muita importância para aquilo, costumava dizer que analisava
as coisas através do bom senso.
Certa vez, alertou Alexia sobre uma amiga. Mas Alexia,
não quis acreditar no que dizia sua mãe. Aborrecida, acusou-a
de rogar praga em tudo o que fazia, porque tudo acontecia
exatamente como havia previsto.
Naquela época, sua mãe ficou extremamente magoada
não lhe dirigindo a palavra, por uma semana. Pouco tempo
depois, sofreu uma das maiores decepções de sua vida, pois
essa amiga fez exatamente o que sua mãe havia previsto.
Hoje costumava dar atenção ao que ela dizia, pois não
sabia se realmente conseguia prever as coisas, ou se possuía
bom senso ao analisar um fato.
- Filha, sabe que as coisas não acontecem por acaso.
Tudo na vida tem um propósito, nenhuma folha cai do céu,
sem que Deus tenha um propósito para aquilo.
- O que quer dizer com isso? – perguntou confusa.
- Que este homem entrou em sua vida de modo
diferente. Preste atenção, vocês tem uma ligação muito forte.
- Mãe, a senhora sempre me assusta.
Ela sorriu mudando de assunto.
Conversaram sobre diversas banalidades até que
A Chernobyl brasileira
finalmente seu pai chegou.
- Boa noite, minhas princesas, antes que brigue
comigo, – disse olhando para sua mãe - não consegui ligar
porque meu celular está totalmente descarregado – disse
pegando da mochila o celular completamente sem bateria.
- Onde estava? – perguntou sua mãe aborrecida.
- Estava fazendo hora extra, faltou uma pessoa e
acabou atrasando todo o serviço. Então pediram para que eu
ficasse até mais tarde.
Noel olhou para Alexia e sentou-se a seu lado.
- Filha, conseguiu o emprego?
- Sim e já começarei amanhã.
- Sinceramente, não estou surpreso. Você mandou
tantos currículos que, com certeza alguém a chamaria. Alexia,
quando corremos atrás daquilo que desejamos, o céu conspira
a nosso favor. Andou a segunda milha, então os resultados
serão maiores.
Alexia lembrou-se que sua mãe costumava dizer que,
era necessário andar a segunda milha porque enquanto as
pessoas faziam apenas o convencional, os que andavam a
segunda milha, faziam além do que era exigido, então
obtinham resultados maiores, do que as pessoas que ficavam
esperando as coisas caírem do céu. Costumava dizer que, ter
fé em Deus é muito importante, mas depois de uma oração
cheia de fé, você precisa: levantar, ir e fazer.
Cristiane G. Sant՚Ana
76
A Chernobyl brasileira
Hoje foi o dia mais importante da vida de Alexia, pois
iria começar a trabalhar na área de sua formação.
Pegou uma das poucas peças novas que havia em seu
guarda-roupa. Era um vestido preto de malha, que ganhara de
sua mãe, quando fizera aniversário no ano anterior. Nunca
tivera a oportunidade de vesti-lo. Pegou também um
conjunto de bijuterias douradas para dar sofisticação a roupa.
Decidiu usar um sapato de salto para quebrar a informalidade
do vestido e optou por uma maquiagem leve em seu rosto.
Estava feliz ao olhar-se no espelho, mas ficou
preocupada com o que usaria amanhã, pois havia
pouquíssimas roupas adequadas para usar em seu trabalho.
Saiu do quarto, foi até a cozinha onde estava sua mãe.
- Preciso do seu cartão de crédito para comprar umas
roupas, não tenho o que vestir amanhã – pediu à mãe que
estava lavando a louça da noite anterior.
- Sim, estava pensando exatamente nisso ontem à noite
– saiu da cozinha e voltou com o cartão de crédito. – Compre
peças básicas que combinem com tudo.
- Preciso ir embora, senão chegarei atrasada. Dr.
Alessandro disse que não suporta atrasos.
- Acha mesmo que um homem com todo aquele
dinheiro chegará ao escritório às oito horas em ponto? –
indagou sorrindo.
A Chernobyl brasileira
- Não faço a menor ideia, mas não quero dar chance
ao azar – pegou um pedaço de bolo e saiu em direção à porta.
Mal chegou ao escritório e doutor Alessandro mandou
chamá-la.
Ao entrar em sua sala, notou que ele a olhou com
admiração.
- Gostaria que me ajudasse a montar um processo
importante, teremos muito trabalho pela frente. O processo é
sobre a Chernobyl brasileira já ouviu falar? – olhou para
Alexia que, parecia tão surpresa quanto ele ao ouvir aquela
notícia. – Estou falando da contaminação por chumbo de
uma Mineração que contaminou a cidade de Santo Amaro no
estado da Bahia.
- Está me dizendo que existe um lugar na Bahia, onde
pessoas foram expostas a contaminação? – indagou Alexia.
- Sim. Existe a contaminação do solo e da água por
chumbo e cádmio em níveis endêmicos além de outros
metais.
- Há quanto tempo existe essa mineradora poluindo a
água dessa cidade? Nunca ouvi falar sobre isso.
- Tudo começou em 1953, onde um Padre chamado
Macário Maia de Freitas, encontrou um mineral diferente em
Boquira. Desconfiado que aquele material brilhante fosse
chumbo e o fizesse um homem rico, enviou a pedra para
analise num laboratório do Rio de Janeiro e lá ficou provado
que realmente era chumbo.
Cristiane G. Sant՚Ana
78
O telefone tocou e Dr. Alessandro levantou-se para
atender. Minutos depois, sentou-se novamente a seu lado,
para explicar-lhe melhor aquela história.
- Padre Macário e um farmacêutico, chamado Antenor
Alves da Silva, compraram por uma bagatela as terras do
minério que pertenciam a lavradores, embora alguns desses
lavradores, afirmem nunca terem aberto mão de suas terras.
- Que história estranha, um padre que larga a batina
para se tornar dono de uma mina, parece até filme de
Hollywood – disse sorrindo.
- Quando terminar de contar a história verá que, não
se parece um filme, mas um conto de terror – ironizou o
doutor.
Ele olhou para ela sorrindo e continuou.
- Esse homem largou a batina e se tornou o primeiro
proprietário da mina. Conseguiu a posse das terras
juntamente com o farmacêutico que, mais tarde se tornou seu
sogro.
- Doutor Alessandro, esse tal Macário é um homem
muito esperto, mas não parece ter dinheiro suficiente para
colocar uma mineradora em funcionamento – olhou para ele,
que aparentemente parecia compenetrado nos papéis a sua
frente.
– Estou contando como tudo ocorreu, para que você
consiga entender todo o processo.
- Sim, precisamos conhecer a história para entender
A Chernobyl brasileira
como tudo ocorreu.
- A usucapião que cedia direitos ao Vigário e ao sogro,
foi comprovada no dia 25 de março de 1954 no Cartório e
Tab. de Macaúbas e o Oficial Efetivo era o Sr. Bernardino
Borges dos Santos e está no Livro de nº. Três fls. 46 a 49.
- O que continua me intrigando nessa história é o fato
de que, ele e seu sogro não possuíam dinheiro para fazer
funcionar essa mineradora – insistiu nesse detalhe. - Onde
eles conseguiram o dinheiro?
- Exatamente. Eles não possuíam dinheiro –
continuou Dr. Alessandro. – Ofereceram sociedade a
multinacionais que faziam uso do minério. Primeiro a se
juntar a eles foi a Cia de acumuladores Prest-O-Lite, depois a
Peñarroya Oxide S/A. Essa última empresa acabou
comprando toda a mina de chumbo. A Peñarroya fazia parte
do poderoso Grupo Rothschild.
Nesse momento ouviram o telefone tocar e ele
levantou-se para atender, parecia bastante contrariado. Após
a ligação, pediu à secretária, que não o interrompesse com
nenhuma outra ligação naquele dia. Em seguida olhou em sua
direção e disse:
- Você gostaria de tomar uma xícara de café ou chá?
- Não, obrigado doutor. Estou curiosa para saber o
que aconteceu – disse pegando um bloco para anotar as
informações.
Ele a olhou demoradamente e voltou a sentar-se a seu
Cristiane G. Sant՚Ana
80
lado.
Meu Deus! Como gostaria de tê-la conhecido alguns
anos antes, pois Alexia era a mulher que ele sempre havia
procurado. Era simples, inteligente e autêntica, pensou com
tristeza.
Precisava se concentrar no que estava fazendo, olhou
para ela com um sorriso triste e continuou.
- A história realmente começa quando a Mineradora
Boquira foi vendida a empresa francesa Peñarroya Oxide
S/A. – disse o doutor. – Essa empresa faz parte do poderoso
Grupo Rothschild que atualmente é líder mundial na
produção de óxidos de chumbo. A Peñarroya, desde 1994,
faz parte do Grupo METALEUROP que, atualmente, detém
60% do mercado europeu e 25% do mercado mundial em seu
segmento de atividades.
Ele parou por um momento, olhou para Alexia e
sorriu. Será que realmente era a pessoa certa para ajudá-lo
naquele caso? Precisa de alguém que se interessasse por
aquele caso, tanto quanto ele. Teria que ser uma pessoa com
sede de justiça, para ganhar aquele caso.
Resolveu continuar relatando o que ele e Carla haviam
descoberto dias antes.
- Essa Peñarroya criou em 1958, para atuar no Brasil, a
subsidiária COBRAC - Companhia Brasileira de Chumbo.
A COBRAC operou em Santo Amaro-Bahia, no ano
de 1960. Era uma fábrica que produzia lingotes de chumbo –
A Chernobyl brasileira
interrompeu a leitura e virou-se para ver quem havia aberto a
porta do escritório, sem ao menos bater.
Alexia olhou em direção a porta e viu entrar uma linda
mulher. Ela parecia aborrecida ao notar sua presença naquela
sala.
- Alessandro, precisamos conversar a respeito do
processo da Mineração, pois descobri algo novo – disse
olhando para Alexia.
- Bom dia Carla – falou num tom irônico.
Aquela mulher lhe lançou um olhar de ódio e desprezo
que a fez engolir em seco.
- Bom dia Alessandro. Quem é essa mulher? –
perguntou com desdém.
- Seu nome é Alexia – respondeu. – Ela será minha
segunda assistente.
- Seja bem-vinda, Alexia. Sou a primeira assistente do
Dr. Alessandro. Meu nome é Carla Tamaris.
- Obrigada, Carla. Será um grande prazer trabalhar
com você.
- Então, como estava dizendo, descobri algo
interessante sobre a mineração – disse Carla.
- Deve ser algo muito importante mesmo, pela
maneira como entrou em meu escritório. – observou o
doutor aborrecido.
- Desculpe estava um pouco ansiosa, mas posso
esperar até que você acabe o que está fazendo, depois
Cristiane G. Sant՚Ana
82
falaremos sobre o assunto.
- Decidi colocar Alexia como assistente nesse
processo, pois você não demonstrou interesse desde o
princípio. Você irá me auxiliar no processo de Goiás a partir
de hoje.
- Sinceramente, penso que esse processo não irá trazer
lucro algum a esse escritório. Mas já que está tão interessado,
resolvi buscar mais dados para terminarmos o mais rápido
possível com esse processo.
- Como já disse, Alexia irá me auxiliar no processo –
afirmou com firmeza, para que não houvesse dúvidas a
respeito de sua decisão.
- Você é quem sabe – dirigiu-se a porta batendo com
força ao fechá-la.
Ele reparou que Alexia parecia constrangida com a
situação.
- Carla é uma excelente assistente, mas tem um
temperamento extremamente difícil – disse tentando
amenizar a situação. – Infelizmente nem tudo é perfeito -
disse balançando os ombros.
Ela olhou para o relógio e percebeu que eram duas
horas da tarde e estava começando a sentir fome.
Ele observou que Alexia olhava para o relógio e sorriu.
- O tempo passou tão rápido que acabei me
esquecendo de sua hora de almoço. Peço desculpas, pois já
são duas horas da tarde. – olhou para ela por um breve
A Chernobyl brasileira
instante e levantou-se.
- Precisamos almoçar, pois não a quero ver
desmaiando pelo escritório – disse em tom de brincadeira.
- Eu estou bem e se quiser podemos continuar durante
o almoço.
- Está bem, vamos almoçar e discutiremos sobre o
processo durante o almoço.
- Eu não tenho dinheiro para almoçar, mas trouxe uma
fruta de casa para comer.
- Você tem direito a vale alimentação, não lhe
entregaram? – perguntou preocupado.
- Não. O rapaz do Departamento Pessoal, pediu que
fosse antes do almoço falar com ele, talvez esse fosse o
motivo.
- Vá pegar o seu vale alimentação e podemos pedir
algo para comermos aqui no escritório. Tem certeza que
deseja continuar falando sobre o processo durante o almoço?
- Claro que sim. Estou curiosa para saber o final de
toda essa história.
Alexia saiu da sala e dirigiu-se ao Departamento
Pessoal. Lá lhe entregaram o bilhete único e o vale
alimentação.
Foi até a sala de Maebi, pois precisava do telefone
onde pudesse pedir um lanche.
- Preciso de sua ajuda, Maebi – informou sorrindo. -
Você teria o telefone de alguma lanchonete que faça entregas
Cristiane G. Sant՚Ana
84
de lanches por aqui?
- Doutor Alessandro, mandou que fizesse o pedido
dos lanches para vocês. Liguei em sua sala, mas não a
encontrei – disse parecendo constrangida. – Pedi um x-salada
e um suco de laranja para você, tudo bem?
- Claro Maebi, nem sei como agradecê-la.
- Doutor Alessandro está na sala esperando por você.
Alexia bateu na porta e entrou.
- Maebi fez o pedido dos lanches. Eles deverão chegar
em quinze minutos – disse sorrindo.
Ela olhou para aquele homem e percebeu que ele
estava muito pálido.
- Está cansado? Está um pouco abatido. – indagou
olhando para o doutor que aparentava não estar bem.
- Estou precisando tirar férias, mas temos tanto
serviço por aqui, que isso parece até um sonho – informou
sorrindo.
O doutor começou a organizar a papelada que estava
em cima da mesa e Alexia estava curiosa para saber mais
detalhes sobre aquele processo.
- Vamos continuar enquanto o lanche não chega? –
perguntou Alexia, impaciente.
Ele sorriu satisfeito ao perceber seu interesse no
processo.
Ele levantou-se e foi até sua mesa, pegou um papel e
entregou a ela.
A Chernobyl brasileira
- Esse papel conta a história da contaminação que
nosso cliente sofreu, devido à falta de equipamentos de
segurança, enquanto trabalhava na empresa.
Alexia leu o papel e pareceu ficar bastante comovida
com o depoimento que ele deu na entrevista.
- Ele parece bastante consciente da omissão das
autoridades nesse caso.
- Sim. Ele é um homem muito inteligente e tem
esperança que as pessoas se mobilizem, ao tomar
conhecimento da situação em que foram obrigados a viver
durante anos.
- Vamos continuar com a história, pois estou
interessada em saber, como ocorreu tamanha contaminação.
- Paramos na parte em que a COBRAC iniciou suas
atividades no ano de 1960, correto? – perguntou o doutor.
Ela balançou a cabeça confirmando.
- A mina de chumbo ficava em Boquira, enquanto a
fábrica foi instada em Santo Amaro, Bahia – disse o doutor.
Ouviram bater na porta e ele levantou-se para atender.
Era o lanche que havia acabado de chegar. Ele pagou os
lanches e voltou a sentar-se a seu lado.
- Podemos continuar depois que comermos - entregou
o lanche de Alexia e continuou lendo o processo, enquanto
tentava abrir sua embalagem sem sucesso.
- Como conseguiram o fechamento dessa bendita
fábrica? – indagou Alexia.
Cristiane G. Sant՚Ana
86
- Só conseguiram o fechamento dessa fábrica, quando
um pesquisador da Faculdade de Química da Universidade
Federal da Bahia, de nome Oscar Nogueira, foi testar o uso
de um instrumento chamado “Espectrofotômetro de
absorvição atômica”. Com aquele aparelho, percebeu que
havia contaminação não só por chumbo, mas também por
cádmio nas águas do Rio Subaé.
- Seria muito importante, tentarmos falar com esse
homem, pois sempre existem fatos que às vezes foram
esquecidos ou não foram relatados – propôs Alexia.
- Você tem razão Alexia – ele olhou-a de maneira tão
carinhosa que fez seu coração acelerar. – Vamos pensar a
respeito disso mais tarde.
Terminaram de comer o lanche e Alexia recolheu da
mesa as embalagens vazias, jogando-as no lixo.
- Você fará uma viagem comigo a Bahia, ficaremos
num hotel modesto, pois este caso pode não dar certo, afinal
estamos mexendo com figurões do primeiro mundo.
- Sabe doutor, parece que estamos voltando à época
do descobrimento do Brasil. Onde já se passaram mais de
quinhentos anos e a história continua se repetindo. O
primeiro mundo continua extraindo as riquezas do Brasil e
lucrando com o que é nosso.
- Sim, passaram-se mais de quinhentos anos e ainda
não aprendemos a defender o que é nosso.
- Quando iremos à Bahia? - perguntou curiosa
A Chernobyl brasileira
- Amanhã. – respondeu pegando o telefone.
No telefone, pediu a Maebi que fizesse reservas para
amanhã. Precisaria de duas passagens aéreas para Salvador e
reservas para um bom hotel em Boquira ou Macaúbas.
Ao desligar, sentou-se ao seu lado novamente.
- Acho melhor você ir embora, pois precisa arrumar
sua mala para a viagem. Iremos ficar por lá três ou quatro
dias – informou. – Acredito que será tempo suficiente para
levantarmos dados importantes para o processo.
- Você tem o telefone desse pesquisador?
- Ele trabalha na Universidade Federal da Bahia,
acredito que não será difícil encontrá-lo.
Alessandro olhou para a mesa e organizou os papéis
dentro de uma pasta.
- Antes de sair, peça a Maebi para tirar as fotocópias
desse processo e leve para sua casa. Gostaria que estudasse o
processo com calma.
Ouviram o telefone tocar e Dr. Alessandro atendeu,
era Maebi passando informações sobre a viagem. Após
desligar o telefone ele informou:
- O voo sairá às nove horas da manhã. Em Salvador
teremos que pegar um avião particular até Boquira, pois
existe um campo de pouso por lá. Assim não perderemos
tempo – disse o doutor entregando-lhe a pasta do processo,
para que as cópias fossem tiradas.
- Aguarde até que as fotocópias do processo fiquem
Cristiane G. Sant՚Ana
88
prontas e depois vá para sua casa, pois precisa se organizar
para a viagem.
- Em qual aeroporto devo me dirigir amanhã?
- Aeroporto de Cumbica. Não se atrase, compareça
meia hora antes.
- Até amanhã, doutor Alessandro.
Saiu de sua sala e notou que Maebi parecia aborrecida.
Seus olhos pareciam marejados de lágrimas.
- Aconteceu alguma coisa, Maebi? – perguntou a
secretária.
- Ninguém consegue ficar feliz, com os ataques de
mau-humor de Carla – comentou pegando o lenço para
enxugar suas lágrimas.
- Posso ajudá-la?
- Não. Estou bem, mas muito obrigada por tentar
ajudar-me. – olhou para ela com simpatia e suspirou dizendo:
- Tome cuidado, pois aquela mulher, quando está com ciúmes
do doutor Alessandro, parece uma víbora pronta a atacar -
virou-se para atender ao telefone que estava tocando.
Saiu da sala sem entender o que havia acontecido. Mas
ao chegar a sua sala, Carla aguardava por ela sentada em sua
cadeira.
- Você irá com Alessandro para Bahia? – perguntou
séria.
- Sim, decidimos conversar com algumas pessoas para
entender melhor o que aconteceu naquele lugar – informou
A Chernobyl brasileira
sentando em uma cadeira. – Gostaríamos de juntar mais fatos
importantes para o processo, talvez isso nos ajude
futuramente.
- Sério? – perguntou com desdém. – Todo o material
que existe naquele processo, consegui por telefone e
pesquisas na internet.
- Excelente trabalho! – abaixei a cabeça sem saber o
que dizer. – Acredito que podemos juntar provas
importantes, se visitarmos algumas pessoas afetadas pela
contaminação.
- Esse processo pode não trazer um mísero centavo a
este escritório. Esses fatos ocorreram a mais de vinte anos
atrás, estamos mexendo com pessoas poderosas do primeiro
mundo – informou com rispidez.
- Mas ainda existe a possibilidade de encontrarmos
algo novo, que dê força a esse processo – disse com firmeza.
– Ainda podemos fazer algo para ajudar nosso cliente que foi
exposto a toda aquela contaminação e fazer com que a justiça
prevaleça. Eles precisam pagar tudo o devem a ele, pois não
tem mais saúde para trabalhar.
- Minha querida, aqui não é uma instituição de
caridade – saiu de sua sala batendo a porta.
Estava feliz demais para deixar-se aborrecer com
alguém naquele dia. Ao chegar a sua casa, contou a sua mãe
sobre a viagem e sobre a contaminação.
Ela ficou perplexa ao saber que pessoas haviam sido
Cristiane G. Sant՚Ana
90
contaminadas por metais perigosos a saúde e nada havia sido
feito durante anos.
- Filha, tome cuidado com a água daquele lugar. Não
deve bebê-la nem sob tortura.
- Mãe, nós ficaremos em Boquira e não em Santo
Amaro, onde ocorreu o grande foco de contaminação –
sorriu dando-lhe um beijo no rosto para acalmá-la. – Não
fique preocupada, ficarei bem.
- Por favor, me ligue dando notícias. Você sabe que eu
morreria se acontecesse algo a você.
- Eu te amo, mãe. Não saberia viver sem o seu amor e
cuidado. Mas não precisa se preocupar, não tomarei nenhum
gole daquela água – disse dando-lhe um beijo no rosto.
Entrou em seu quarto e começou a arrumar a mala.
Decidiu levar somente roupas leves e confortáveis.
Sua mãe apareceu em seu quarto e sorriu ao notar sua
indecisão diante do guarda-roupa.
- Filha, vai precisar de algo emprestado?
- Não mãe, pois naquele lugar é aconselhável usar
roupas mais simples e confortáveis. Estou devolvendo seu
cartão, não deu tempo para comprar absolutamente nada.
Mais tarde fez uma rápida revisão daquele processo e
depois acabou dormindo.
Acordou com sua mãe chamando para jantar. Seus
olhos estavam pesados, pois estava com muito sono e
extremamente cansada. Decidiu tomar apenas um copo de
A Chernobyl brasileira
leite e foi dormir.
Cristiane G. Sant՚Ana
92
A viagem
Minha mãe levou-me até ao aeroporto naquela
manhã.
- Mãe pelo amor de Deus, presta atenção no que está
fazendo! – olhou assustada para o carro que acabara de
buzinar, pois sua mãe quase entrou na contramão.
- Eu não vi que era contramão – disse nervosa.
Quando Alexia chegou ao aeroporto, respirou aliviada.
Sua mãe definitivamente não nasceu para dirigir, pois
ninguém naquele planeta conseguia dirigir pior do que ela.
Até seu pai que aceitava tudo com tranquilidade, recusava-se
terminantemente a andar com ela dirigindo o carro.
- Lembre-se de me ligar quando chegar – cobrou sua
mãe, dando-lhe um beijo no rosto. Esperou que saísse do
carro e partiu em seguida.
No aeroporto, percebeu que havia chegado uma hora
antes do combinado. Resolveu ir até o banheiro para retocar
a maquiagem.
Olhou-se no espelho e constatou que estava pálida e
assustada. Recordou-se de sua mãe ao volante e não pode
deixar de sorrir. Jamais conhecera alguém que dirigisse como
ela, pensou sorrindo.
A imagem do espelho refletia uma mulher bonita e
bem vestida. Naquela manhã estava usando uma calça preta
social e uma blusa lilás com um belo decote “V” que
A Chernobyl brasileira
valorizava seus seios. Ela admitiu naquele momento, que o
motivo de seus olhos estarem tão brilhantes naquela manhã,
era o fato de que em breve, se encontraria com o doutor.
Ele era o homem com quem sonhou a vida inteira,
mas infelizmente não teria a menor chance. Aquele homem
jamais se interessaria por uma mulher como ela. Ele era um
homem bonito e importante, enquanto ela era apenas uma
pobre moça do subúrbio sem experiência nenhuma de vida.
Ao se preparar para sair do banheiro, notou que sua
mala havia sumido do lugar onde havia deixado, entrou em
desespero ao perceber que havia sido roubada. Saiu do
banheiro na esperança de encontrar alguém carregando sua
mala, mas não encontrou ninguém. Provavelmente a pessoa
que lhe havia roubado, ficaria frustrada, pois mão encontraria
nada de valor.
Logo avistou Dr. Alessandro, que naquela manhã,
usava uma calça jeans preta e uma camisa branca, parecia
bem mais jovem, com aquela roupa menos conservadora.
- Você chegou no horário – elogiou. – Onde estão
suas bagagens?
- Fui ao banheiro para retocar a maquiagem, quando
fui pegar minha bagagem, percebi que havia sido roubada –
disse com lágrimas nos olhos.
- Acalme-se. – pegou o lenço do bolso e ofereceu a ela.
– Havia alguma coisa de valor?
- Não, somente minhas roupas – respondeu tentando
Cristiane G. Sant՚Ana
94
se controlar. – Não trouxe cartão de crédito e minha mãe não
conseguiria chegar a tempo de trazer outras roupas – disse
desesperada.
- Fique tranquila – disse tentando tranquilizá-la. –
Infelizmente nos aeroportos esses roubos se tornaram
constantes. Quando chegarmos à Bahia, você poderá
comprar algo para vestir.
- Mas não trouxe dinheiro suficiente para comprar
roupas.
- Eu pagarei, depois posso descontar de seu salário em
várias prestações – disse piscando com sorriso encantador.
- Desde que o conheci, não faço outra coisa a não ser
lhe dar trabalho - falou olhando para ele, que parecia estar se
divertindo com o comentário.
- Sim, não consigo esquecer o dia em que quase a
atropelei – comentou sorrindo. – A situação atual é menos
preocupante, pois naquele dia, pensei que tivesse se
machucado.
Entraram no avião e acabaram sentando-se em lugares
diferentes, pois Maebi havia conseguido sua passagem,
somente após a desistência de uma pessoa.
Alexia ficou satisfeita por sentar-se na janela, assim
poderia apreciar a bela paisagem. O dia estava com uma
temperatura agradável, quase não havia nuvens naquele céu,
extremamente azul. A aeromoça deu as instruções habituais e
após algum tempo, foi servido alguns petiscos.
A Chernobyl brasileira
A viagem foi tranquila e sem nenhuma turbulência,
conseguiram chegar às onze e meia da manhã.
Ao saírem do aeroporto, doutor Alessandro resolveu
dar uma volta pela redondeza.
- Teremos tempo suficiente para comprarmos algumas
roupas para você, pois conseguimos fretar um helicóptero
para daqui a duas horas.
Foram em algumas lojas próximas ao aeroporto e
conseguiram comprar algumas roupas para Alexia. Ele era um
homem paciente e discreto, pois na hora em que escolhia
alguns lingeries, ele se manteve a distância, observando
outros produtos na loja. Escolheu também alguns calçados e
ainda sobrou tempo para que comessem alguma coisa.
O helicóptero chegou e embarcaram para Santo
Amaro – BA. Ela estava com tanto medo, que nem conseguia
apreciar a bela paisagem.
Dr. Alessandro percebendo que Alexia estava tensa
sorriu de maneira encantadora e segurou sua mão
carinhosamente.
Tudo aconteceu de forma inesperada, ela sentiu um
calor estranho ao sentir o toque de suas mãos. Já não sabia se
era o medo, ou se aquele homem mexia com sua estrutura,
através de um simples toque.
Ela estava começando a se apaixonar por ele. Sabia
que não deveria se apaixonar por um homem como aquele,
mesmo porque, jamais conseguiria despertar seu interesse.
Cristiane G. Sant՚Ana
96
Apaixonar-se por Dr. Alessandro não era algo lógico, aliás,
aquilo não tinha a menor lógica. Quem disse que, existe
alguma lógica no amor? Seus pensamentos estavam confusos
e desordenados naquela manhã.
Seus olhares se encontraram naquele momento, parece
que aquele homem conseguiu ler seus pensamentos. Havia
paixão em seu olhar, quando sentiu os lábios dele tocarem os
seus num beijo macio, suave e inocente. Quando seus lábios
se afastaram percebeu que estava perdida, pois jamais
conseguiria esquecer-se daquele beijo.
- Me perdoe, não acontecerá novamente – disse ele
afastando-se visivelmente intrigado.
Eu quero muito que aconteça novamente, pensou
Alexia, mas não tinha coragem de dizer aquilo. Simplesmente
concordou em silêncio.
Ao descerem do helicóptero, já havia um táxi os
esperando para levá-los até um hotel em Boquira.
O hotel era pequeno e simples, mas tudo parecia
limpo e organizado. Ela ficaria no quarto ao lado do Dr.
Alessandro.
Pegaram o elevador, que os levaria até o quarto.
- Eu sei que deve estar cansada, mas precisamos
encontrar o pesquisador. Pedirei a recepcionista que faça a
ligação para a Universidade Federal da Bahia e com sorte,
encontraremos o pesquisador por lá.
- Dr. Alessandro, levarei minhas bagagens até meu
A Chernobyl brasileira
quarto e em seguida irei até o seu, para fazermos a ligação –
disse Alexia saindo do elevador.
Ao entrar em seu quarto, observou que tudo ali era
simples e organizado. Havia um pequeno banheiro, um
guarda-roupa, uma mesa com um computador e uma
televisão antiga.
Apesar de não possuir requinte algum, aquele lugar era
muito limpo e acolhedor. Olhou para sua cama e os lençóis
estavam bem esticados e extremamente brancos. Aquele lugar
não deixava dúvidas, quanto a sua higiene.
Abriu a porta e foi até o quarto do Dr. Alessandro.
Bateu duas vezes na porta e por fim ele abriu.
- Desculpe, estava fazendo a barba – disse apontando
para que entrasse - A recepcionista não conseguiu falar com o
pesquisador, pois informaram que ele havia acabado de sair
da faculdade.
- E agora, o que faremos? – disse sentando-me numa
cadeira em frente ao computador.
- Podemos entrar no site da companhia de telefonia
do estado da Bahia e tentarmos conseguir o telefone de sua
residência através de seu nome.
Ela ligou imediatamente o computador e entrou no
site de telefonia, lá encontrou o número do telefone e o
endereço do tal pesquisador.
Dr. Alessandro pegou o número, que Alexia havia
encontrado e discou imediatamente.
Cristiane G. Sant՚Ana
98
- Boa tarde, poderia falar com Dr. Oscar Nogueira?
Diga a ele que é um advogado de São Paulo, Dr. Alessandro
Jordan.
- Pois não, sou eu mesmo. Em que posso ajudá-lo?
- Boa tarde, Dr. Oscar. Sou Alessandro Jordan, do
escritório de advocacia Jordan & Marangoni de São Paulo –
disse apresentando-se. - Tenho um caso contra a Mineração e
gostaria de saber se, o senhor foi o pesquisador da Faculdade
de Química da Universidade Federal da Bahia que usou o
Espectrofotômetro para medir a quantidade de chumbo do
rio Subaé?
- Sim. Em que posso ajudá-lo?
- Preciso saber o que exatamente descobriu em relação
à contaminação por chumbo no Rio Subaé.
- Claro, quando quiser é só marcar o dia e a hora para
falarmos sobre o assunto.
- Não ficarei muito tempo por aqui, por isso tenho
urgência em falar com o senhor.
- Se quiser falar comigo agora, estarei disponível.
- Claro, onde podemos nos encontrar?
Dr. Alessandro pegou o papel, anotou o endereço. Em
seguida agradeceu e desligou.
- Estamos com muita sorte, Alexia. – disse sorrindo.
- Conseguiu falar com pesquisador? – indagou curiosa.
- Sim, vamos nos encontrar daqui à uma hora em sua
casa, pois não fica longe daqui.
A Chernobyl brasileira
Pediram na recepção do hotel um táxi, pegaram a
pasta do processo e saíram.
Pouco tempo depois, o táxi parou em frente a um
edifício de vidro muito bonito.
Dr. Alessandro apertou o interfone para falar com o
porteiro. Após identificar-se, o porteiro informou que, o
doutor Oscar os aguardava em seu apartamento.
Subiram de elevador e se olharam felizes por
conseguirem encontrar aquele homem.
Ele apertou a campainha e uma senhora veio atendê-
los.
- Boa tarde, o Dr. Oscar os aguarda em seu escritório
– disse a senhora.
O pesquisador era um homem de sessenta e poucos
anos, magro, cabelo branco, estava sentado em uma cadeira
frente a uma enorme mesa de vidro.
- Boa tarde – cumprimentou-os.
- Boa tarde, Dr. Oscar. É um grande prazer conhecê-
lo – disse Alessandro
- Em que posso ajudá-los? – disse apontando para que
sentassem junto a ele.
- Temos um cliente que é uma das vítimas da
Mineração. Precisamos de ajuda a fim de juntarmos fatos
para montar o processo, gostaríamos de saber o que
exatamente descobriu em sua pesquisa em relação ao Rio
Subaé – disse sentando-se.
Cristiane G. Sant՚Ana
100
- Isso faz tanto tempo... Fui testar o uso de um
instrumento chamado Espectrofotômetro de absorção
Atômica. Precisava da água de onde se suspeitava que
houvesse presença de chumbo em suspensão. Usei a água do
Subaé – informou o pesquisador. - Coletei, como termo de
referência ou comparação, água do mar de Guaimbim, em
Valença, na época totalmente despoluída. Quando eu
colocava a água do Subaé no aparelho que media a
concentração de chumbo, o medidor do Espectrofotômetro
dava um verdadeiro pico.
- Isso porque havia uma enorme concentração de
Chumbo? – perguntou Alessandro.
- Não poderia ser chumbo para dar um pico tão
elevado, pensei que havia algo mais pesado do que chumbo –
disse pegando uma pasta dentro de sua gaveta.
Ele olhou atenciosamente para os papéis da pasta e
sorriu ao encontrar algo.
- Fiquei intrigado e fui consultar a biógrafa química,
Tânia Tavares. Seu conhecimento acumulado a nível
internacional indicou que, em casos como aquele, não havia
presença de chumbo, mas sim, de cádmio, um metal pesado e
extremamente perigoso para o ser humano e principalmente
para as pessoas que viviam nas margens do rio.
- E o governo foi notificado dessa descoberta? –
perguntou Dr. Alessandro.
- Meu amigo, isso foi uma verdadeira bomba. A
A Chernobyl brasileira
imprensa divulgou isso a quatro ventos.
- Pelo que sabemos a mineradora foi fechada porque
se esgotaram os recursos naturais.
- Isso é o que dizem, mas a primeira consequência do
escândalo foi o fechamento da Mineradora, determinada pelo
Governo do Estado.
- Então a mineradora foi fechada quando descobriram
o alto nível de cádmio nas águas do Rio Subaé? – perguntou
Dr. Alessandro, anotando cada palavra daquele pesquisador.
- Sim. As pessoas que usavam das águas do rio Subaé
estavam adoecendo, sem falar das pessoas que trabalhavam
naquela fábrica – respirou fundo e concluiu. – Se quiser saber
o que realmente aconteceu naquele lugar, converse com os
moradores da cidade, vai encontrar muito mais, do que eu
estou lhe informando agora.
- Obrigado. O senhor não pode imaginar como essa
conversa nos ajudou. – apertou a mão daquele homem e saiu.
Ao saírem da casa do Dr. Oscar, decidiram seguir seu
conselho. Amanhã iriam procurar as pessoas que residiam
próximas ao Rio Subaé.
Alexia estava muito cansada de toda aquela viagem e
seu corpo só pedia cama. Dr. Alessandro também parecia
visivelmente cansado ao chegarem ao hotel.
Entraram no elevador e Dr. Alessandro olhando para
Alexia, disse que, já passava das seis horas da tarde.
Precisavam tomar um banho e em seguida poderiam jantar
Cristiane G. Sant՚Ana
102
em algum lugar. Ela aceitou o convite e entrou em seu
quarto.
Pegou o celular para carregar e notou que havia várias
ligações de sua mãe.
Acabou esquecendo-se de ligar para ela. Pegou o
celular e discou o número de sua casa
- Mãe?
- Alexia, você quer me matar de susto? – perguntou
preocupada.
- Desculpe mãe, mas cheguei aqui e não parei um
minuto – disse sentando-se na cama do quarto. – Ainda nem
desarrumei as malas.
- Você está bem minha filha? – perguntou
preocupada. – Já visitou aquele lugar que tem a água
contaminada? Não beba daquela água, pelo amor de Deus!
- Mãe, ainda não fui até aquele lugar, mas amanhã
estarei lá, bem cedo.
- Preste atenção filha, não beba aquela água.
- Fique tranquila, mamãe.
- Boa noite, filha.
Desligou o telefone e correu para tomar um bom e
demorado banho. Pensou em como as coisas estavam dando
certo em sua vida. Alguns meses atrás, jamais poderia
imaginar que, um dia estaria trabalhando num dos melhores
escritórios de advocacia do Brasil, principalmente com o
famoso Dr. Alessandro Jordan e investigando fatos de um
A Chernobyl brasileira
processo como aquele.
Após o banho, resolveu organizar suas roupas no
guarda-roupa e em seguida passou um bom hidratante em seu
corpo. Vestiu uma calça jeans de lycra preta e uma blusinha
decotada nas costas. Olhou-se no pequeno espelho do
banheiro e notou que parecia uma menina de dezoito anos,
com o cabelo preso num rabo de cavalo. Calçou uma
rasteirinha e gostou do resultado, por fim, passou um famoso
perfume feminino e saiu em direção à recepção do hotel.
Decidiu sentar-se num sofá e ler uma das diversas
revistas que estavam sobre a mesa, enquanto esperava pelo
doutor.
Instantes depois sentiu uma deliciosa fragrância
sofisticada masculina que impregnava todo o ambiente,
virou-se e percebeu que Dr. Alessandro estava se
aproximando.
Boa noite, Alexia – cumprimentou. – Descobri um
pequeno restaurante a duas quadras do hotel, a comida
pareceu-me boa, além de possuir também em seu cardápio, a
comida típica baiana.
- Meus pais são baianos e adoro a comida típica desse
lugar.
- Tem preferência por algum prato?
- Na verdade, adoro acarajé.
- Acarajé? – perguntou sorrindo.
- Sim. É uma comida afro-brasileira feita de massa de
Cristiane G. Sant՚Ana
104
feijão-fradinho, cebola e sal. Eles costumam fritar em azeite-
de-dendê e como recheio tem vatapá, com camarões.
- Parece muito bom – disse sorrindo.
Saíram do hotel e resolveram ir caminhando, pois o
restaurante ficava a duas quadras de lá.
- Que noite agradável! Em São Paulo a rua estaria
cheia de gente, principalmente numa noite como essa – olhou
para as poucas pessoas que andavam na rua.
- Sim, apesar de o povo viver numa correria
desenfreada durante o dia, sempre encontram tempo para sair
à noite com os amigos.
- Você costuma sair muito com seus amigos, Alexia? –
perguntou interessado.
- Não, pra dizer a verdade, eu nem tenho tantos
amigos – lembrou-se que a maioria de suas amigas já eram
casadas e algumas já possuíam até filhos. - Nesses últimos
anos, foquei todas as minhas energias na faculdade e quase
não saia de casa nos finais de semana.
- Então é do tipo de pessoa caseira? – perguntou.
- Sim, mesmo quando não estava fazendo faculdade,
nunca gostei de muita badalação, som alto e pessoas
bebendo.
- E o namorado concorda em viver assim?
- Eu não tenho namorado, aliás, faz um bom tempo
que não tenho um namorado.
- Parece difícil acreditar, – comentou ceticamente -
A Chernobyl brasileira
visto que é uma mulher lindíssima. – disse olhando
maliciosamente para seu corpo.
Olhou para ele e pensou em como seria a vida de um
advogado famoso, jovem, bonito e rico. Recordou do leve
beijo que ele havia lhe dado no helicóptero e sentiu um leve
arrepio.
- Me fale de você. É um homem bem sucedido,
inteligente e rico. Acredito que deve ter muitos amigos e
namorada para curtir a noite de São Paulo.
- Eu sou parecido com você, Alexia. Nunca tive
muitas amizades e no momento não tenho nenhuma
namorada – disse sorrindo. – Não conheço nenhuma mulher
que aceitaria ficar ao lado de um homem que, viaja muito e
quando está em casa, tem pilhas de processos para estudar –
parou por um instante e voltou a falar novamente. –
Mulheres gostam de homens que as papariquem e as bajulem,
não tenho tempo para essas coisas.
- Você já foi casado, doutor?
- Não encontrei ninguém que aceitasse o meu estilo de
vida.
- Eu não encontrei ninguém que gostasse das mesmas
coisas que eu, adoro curtir um bom filme em casa, ir ao
cinema ou jantar em algum lugar calmo. A maioria das
pessoas quer sair todo fim de semana para as baladas, gostam
de barulho e lugares onde não dá para conversar – confessou.
- Somos parecidos – falou sorrindo.
Cristiane G. Sant՚Ana
106
Chegaram ao restaurante. Dr. Alessandro perguntou
se eles faziam acarajé, o garçom sorriu, confirmando.
O Acarajé estava uma delícia. Dr. Alessandro
estranhou quando perguntaram se desejava o acarajé quente.
A resposta parecia obvia, fez um gesto afirmativo com a
cabeça e ao dar a primeira mordida, quase tomou toda a água
daquele lugar.
Logo depois, descobriu que a palavra “quente”
significava apimentada. Teve que pedir um segundo acarajé,
dessa vez sem pimenta, para conseguir comê-lo.
- Aproveite cada mordida, em São Paulo não
encontrará nada parecido com esse – disse saboreando seu
delicioso acarajé.
Alexia comentou sobre a primeira vez que
experimentou acarajé, foi paixão a primeira mordida. Sempre
que sua mãe viajava para a Bahia, trazia pelo menos uns três
acarajés, pois em São Paulo até conseguia encontrar, mas
nunca era tão saboroso como o acarajé feito na Bahia.
Comentou que sua mãe nascera em Ilhéus, lugar que
ficou muito conhecido através das obras de Jorge Amado,
que divulgou e imortalizou aquela cidade.
- Em minha última viagem visitei a antiga residência de
Jorge Amado – informou. - A casa foi construída pelo pai do
escritor. É um palacete que ocupa uma extensa área, com
piso de jacarandá e azulejos ingleses na varanda. Hoje aquele
lugar é conhecido como Casa de Cultura Jorge Amado.
A Chernobyl brasileira
Dr. Alessandro disse que sempre tivera o desejo de
conhecer a Bahia. Gostaria de participar um dia, do carnaval
baiano, pois era muito comentado por causa de seus famosos
trios elétricos. Conhecia algumas praias paradisíacas em
revistas, mas infelizmente nunca tivera a oportunidade de
viajar à Bahia.
Alexia estava muito feliz ao lado dele, gostaria que
aquela noite nunca acabasse. Ele era simples e não havia nada
de arrogante em seu modo de agir ou falar.
- Poderíamos voltar aqui com mais tempo. O que
acha? – indagou Alessandro observando a reação de Alexia.
- Sim. Eu poderia levá-lo aos lugares que já visitei. A
Bahia tem muita história, pois foi aqui que tudo começou –
disse lembrando-se da época do descobrimento.
- Tenho que agradecer a dica, Alexia – pegou a conta e
entregou o dinheiro ao garçom – Jamais comi algo tão
delicioso e diferente em toda minha vida. Essa comida é tão
diferente que, chega a ser exótica! – disse sorrindo.
- Eu adoro acarajé. Depois que você experimenta o
verdadeiro acarajé baiano, nunca mais esquecerá.
Voltaram conversando e em poucos minutos,
chegaram ao hotel.
Assim que entraram, a recepcionista os chamou.
- Dr. Alessandro, o senhor recebeu uma ligação de São
Paulo – disse pausadamente pegando sua anotação. – A Sra.
Carla ligou e pediu que retornasse sua ligação.
Cristiane G. Sant՚Ana
108
- Muito Obrigado.
Mal entrou no elevador e o celular dele tocou.
Antes de atender, ele observou o número no visor e
sorriu.
- Boa noite, Carla. Acabo de chegar do restaurante e
me disseram que você ligou a minha procura.
- Como está, chegou bem? – perguntou Carla
preocupada.
- Fique tranquila, pois eu e Alexia estamos muito bem.
Acabamos de chegar de um restaurante e acabo de saborear
um prato típico da Bahia.
- Só liguei para saber se chegaram bem. Se precisar de
qualquer coisa é só ligar.
- Obrigada, Carla.
- Boa noite.
Instantes depois desligou o celular e desceram do
elevador. Ele perguntou se gostaria de tomar alguma coisa,
pois a noite estava muito quente. Resolvi tomar um
refrigerante, pois não gostava de bebida alcoólica. Entraram
no quarto e aguardou, enquanto ele fazia o pedido por
telefone. Sentaram-se num pequeno sofá para conversarem
sobre o que exatamente fariam amanhã.
- Estou tão cansada que se, não colocar o celular para
despertar, não conseguirei acordar amanhã cedo – olhou para
ele, notou que estava abatido. – A propósito, qual é o horário
que pretende sair do hotel amanhã, doutor?
A Chernobyl brasileira
- Pretendo sair no máximo às oito horas da manhã,
assim poderemos encontrar pessoas na rua. Ouvi dizer que o
povo daqui não costuma madrugar como em São Paulo.
Ouviram bater na porta e Dr. Alessandro foi atender.
O rapaz do hotel viera entregar os pedidos.
Dr. Alexandre ligou a televisão e tomou seu uísque
calmamente, quando de repente, Alexia se engasgou com o
refrigerante. Mas logo em seguida, conseguiu recuperar o
fôlego.
- Você está bem? – perguntou preocupado.
- Estou bem, obrigada. Eu acho melhor ir dormir, pois
amanhã precisamos acordar cedo – disse abrindo a porta do
quarto. – Como é servido o café nesse hotel?
- O café não será cobrado se for servido no
restaurante até às nove e meia da manhã. Disseram-me que o
café do hotel é excelente, pois tem várias opções que vão
desde as mais diferentes frutas até os mais deliciosos pães e
patês.
- Amanhã precisaremos de um café bem reforçado,
pois não saberemos quando teremos tempo para almoçar –
olhou para aqueles lindos olhos acinzentados e sorriu. –
Gostaria que o chamasse para tomarmos café juntos? Assim
poderemos pensar no que exatamente faremos amanhã.
- Seria perfeito.
Entrou em seu quarto e lembrou-se da situação
vexatória que acabou de passar na frente daquele homem.
Cristiane G. Sant՚Ana
110
Dificilmente se engasgava e justamente na frente dele, isso foi
acontecer.
Se continuasse desmaiando em frente de seu carro e
engasgando com um simples refrigerante, ele pensaria que era
uma retardada, pensou sorrindo.
Em seu quarto, Alessandro pensava em como havia
sido produtivo ter vindo à Bahia. Precisava esclarecer alguns
detalhes sobre o processo que ainda pareciam obscuros.
Havia acertado na contratação de Alexia, pois além de
inteligente era extremamente competente e humilde. Alexia
era uma linda mulher, capaz de deixar qualquer cidadão de
boca aberta.
Ele sempre soubera que reconheceria sua esposa,
assim que ela surgisse em sua vida. Finalmente ela apareceu,
agora precisava conquistá-la. Conquistá-la? Não poderia fazer
isso com ela. Não conseguia esquecer-se de seu impulso, ao
beijá-la naquele helicóptero, ainda podia sentir o doce gosto
daquele beijo e o calor de seus lábios.
Havia se envolvido com Carla, sua primeira assistente.
Era muito competente, mas não tinha o carisma e a
humildade de Alexia. Carla era uma pessoa muito orgulhosa e
sua arrogância às vezes incomodava não só a ele, mas todo o
pessoal do escritório. Seu relacionamento com Carla durou
apenas um mês e foi muito difícil fazê-la entender que havia
acabado.
Tanta coisa havia acontecido em sua vida! Pensou no
A Chernobyl brasileira
dia em que pegou seu diploma. Estava com muita vontade de
trabalhar na área jurídica e fez exatamente como Alexia
arriscou enviando seu currículo a um escritório conceituado.
Por sorte, começou como assistente de um advogado muito
competente, com quem aprendeu tudo o que sabia.
Agora era um advogado conceituado de prestígio
nacional. Alexia era como ele, sagaz, sem medo de arriscar e
determinada em alcançar seus objetivos. Gostaria de tê-la
conhecido em outras circunstâncias, pois com certeza, se
casaria com ela e construiriam uma bela família.
Cristiane G. Sant՚Ana
112
A contaminação do Rio Subaé
Naquele dia levantou-se bem cedo, vestiu uma
calça jeans confortável, camiseta e tênis. Prendeu seu cabelo
num rabo de cavalo e passou apenas um batom claro, para
manter os lábios hidratados.
Bateu na porta do quarto do doutor Alessandro e
aguardou até que ele abrisse. Sentiu seu coração disparar ao
vê-lo. Ele vestia um roupão de banho escuro que mostrava
seu tórax forte, seus cabelos estavam molhados e aquele
cheiro de perfume masculino maravilhoso, pairava pelo ar.
- Bom dia, Alexia – cumprimentou sorrindo. – Eu
acabei me atrasando um pouco, mas pode descer que, em
instantes estarei com você no restaurante do hotel.
- Sem problema, estarei esperando pelo doutor no
restaurante.
Desceu ao restaurante e ficou satisfeita ao ver uma
mesa gigantesca, contendo todos os tipos de pães, patês e
bolos. Era um Self Service onde você pegava o que deseja e
depois podia sentar-se numa das diversas mesas espalhadas
pelo ambiente.
Escolheu uma mesa e aguardou o doutor Alessandro,
para que tomassem café juntos. Após alguns minutos ele
desceu e deliciaram-se com a enorme variedade de alimentos
que estavam sobre a mesa.
Antes de saírem do hotel, o doutor conversou sobre o
A Chernobyl brasileira
processo contra a Mineração com o gerente. Perguntou se ele
podia indicar alguém que os acompanhassem até a fábrica.
Por sorte, o gerente do hotel indicou um amigo que
era ex-empregado da Mineração.
Tão logo o gerente solicitou a ajuda desse amigo, o
mesmo aceitou prontamente a guiá-los até a fábrica
abandonada.
- Doutor o que realmente pensa em fazer? – disse
dentro do táxi.
- Precisamos encontrar pessoas que estejam dispostas
a falar o que sabem, esse será nosso maior desafio.
- Entendo, acredito que o maior desafio é fazer com
que alguém deponha caso necessário.
- Seria muito bom, mas acho que a maioria das
pessoas deve ter medo de depor. Estamos mexendo com
figurões do primeiro mundo.
Ao chegarem a Santo Amaro, esse senhor os esperava
com um grande sorriso no rosto.
Seu nome era Marcos, trabalhou na Mineração por três
anos. Felizmente trabalhou na parte do escritório e o nível de
contaminação foi menor.
Ele nos levou até a entrada da fábrica que fica no
“Beco da Plumbum”, localizada na Avenida Rua Rui Barbosa,
que é uma das principais vias de acesso ao município de
Santo Amaro.
Encontraram uma extensa área abandonada, que em
Cristiane G. Sant՚Ana
114
sua grande parte era cercada por arame. Dentro da vasta
propriedade havia a antiga fábrica da Mineração.
A fábrica estava abandonada, praticamente em ruinas,
os maquinários estavam completamente enferrujados, grande
parte da estrutura física daquele lugar, estava visivelmente
condenada.
O que mais chamou atenção foi à facilidade com que
conseguiram entrar, pois apesar de ser uma área restrita às
pessoas autorizadas, não havia nada, que os impedissem de
entrar naquele local.
Ao saírem da fábrica, Marcos os levou até uma
enorme montanha de lixo perigoso, pois havia milhares de
toneladas de escória (resíduos industriais tóxicos) que a
Plumbum havia abandonado a céu aberto.
- Vocês estão vendo essa escória? – disse Marcos
apontando para uma montanha de pó escura, onde parte
estava encoberta por vegetação. - Quando chove esse
material é levado para o Rio Subaé, que abastece a cidade,
que por fim, arrasta esses metais tóxicos para a Baia de Todos
os Santos.
- Vi uma reportagem na internet realizada pelo
fantástico, acredito que foi no ano de dois mil e sete. O
repórter revela que esse pó venenoso foi examinado por
técnicos que constataram a existência de chumbo, cádmio e
prata, além de outros metais nocivos a saúde – disse doutor
Alessandro.
A Chernobyl brasileira
- Agora vemos que a contaminação não só prejudicou
as pessoas que trabalhavam na usina, mas também, as pessoas
que fazem uso da água do rio Subaé, na cidade. – comentou
Alexia, incrédula.
- Sim, muitas famílias foram e continuam sendo
contaminadas por esse material venenoso e nocivo à saúde.
Dr. Alessandro agradeceu a ajuda de Marcos, ex-
funcionário da Mineração e solicitou que os ajudassem mais
uma vez. Pediu que os apresentassem as pessoas que sofrem
devido à contaminação da Mineração e das águas do Rio
Subaé.
Marcos aceitou ajudá-los mais uma vez. Combinaram
de retornar na manhã seguinte para ver se havia convencido
algumas das vítimas, falarem sobre os efeitos que a
contaminação, havia causado em suas vidas.
Retornaram ao hotel e ficaram satisfeitos com as
informações coletadas naquele dia. Agradeceram ao gerente
do hotel e resolveram subir para o quarto.
No elevador doutor Alessandro quebrou o silêncio.
- O tempo passou tão rápido que nem almoçamos –
disse sorrindo. – Já são cinco horas da tarde e nem
percebemos. Sempre nos esquecemos de almoçar quando
estamos trabalhando.
- Sim, isso tem acontecido com bastante frequência,
mas estamos tão atentos no que estamos fazendo, que nem
vemos o tempo passar. O que realmente importa, é que
Cristiane G. Sant՚Ana
116
estamos encontrando fatos importantes para o processo.
- Está feliz com as informações que conseguimos?
- Estou muito feliz por conseguirmos avançar com o
processo. Mas devo confessar que preciso de uma boa ducha
para tirar aquela poeira do meu corpo.
- Podemos nos encontrar para jantar mais tarde. O que
acha de sairmos a sete horas da noite?
- Então, nos encontraremos na recepção às sete horas
em ponto. – disse Alexia entrando em seu quarto.
Alexia sentiu-se aliviada quando tirou aquela roupa,
decidiu mandá-la para lavanderia do hotel.
Após o banho resolveu ligar o computador do quarto
para ver se conseguia encontrar mais detalhes sobre a
mineração.
Encontrou três reportagens muito importantes. A
primeira continha um depoimento da Professora Tânia
Tavares e depois encontrou uma entrevista com o doutor
Fernandes Martins de Carvalho. Essas pessoas trabalharam
junto com o Prof. Oscar Nogueira, quando descobriu o
Cádmio no Rio Subaé, e todos trabalhavam na Universidade
Federal da Bahia.
Decidiu ir até o quarto do doutor Alessandro, para
revelar sua descoberta. Bateu na porta e logo em seguida ele
abriu.
- Doutor, descobri vídeos postados na internet, onde
dois professores que trabalharam com o Doutor Oscar
A Chernobyl brasileira
Nogueira, descreveram fatos ocorridos referentes à
contaminação do Rio Subaé.
- Você está me saindo melhor que a encomenda –
disse sorrindo. – Entre no quarto para conversarmos melhor.
- Disse que não se arrependeria por me contratar –
comentou satisfeita com o que acabara de ouvir e entrou no
quarto.
- Agora me conte o que descobriu – solicitou
sentando-se no pequeno sofá.
- O primeiro vídeo que encontrei é de Tânia Tavares,
professora do Instituto de Química da Universidade Federal
da Bahia. – disse olhando para o rosto do doutor que parecia
pálido e muito cansado. – Você está bem?
- Sim, estou me sentindo bem. Só estou um pouco
cansado.
- Tem certeza? – insistiu.
- Claro. Estou muito tempo sem me alimentar deve ser
isso.
- Então vamos jantar, podemos conversar no
restaurante.
- O que acha de pedirmos alguma coisa para
comermos aqui no quarto, pois não estou me sentindo bem
essa noite – constatou o doutor visivelmente abalado.
- Não há problema algum, em jantarmos no quarto –
disse. - Vou ligar para fazer os pedidos – olhou para ele e
ficou preocupada. – Você não parece sentir-se bem hoje,
Cristiane G. Sant՚Ana
118
gostaria que o levasse até um hospital?
- Fique tranquila, eu nunca me dei bem com esse clima
quente e abafado. Também pode ser o fato de que, me
alimentei na hora do café e até agora não tomei um copo de
água – disse sorrindo.
Alexia sentiu que alguma coisa estava errada, em
relação saúde do doutor, pois aquela palidez constante não
poderia ser somente, problema de adaptação com o clima, ou
até mesmo falta de alimentação. Algo dentro dela, dizia que
era algo mais sério.
O jantar chegou e eles sentaram-se numa pequena
mesa, que havia no quarto do doutor Alessandro.
- Por favor, não me deixe curioso. O que encontrou na
internet?
- Encontrei uma reportagem feita por um jornal local
onde Tânia Tavares, professora do Instituto de química da
Universidade Federal da Bahia, revelou que a escória da
usina, era distribuída livremente para a população. – parou ao
notar a indignação no rosto dele, prosseguiu. – Essa escória
era doada para a população e a prefeitura. Existe escória nos
quintais, jardins, chácaras, pátios escolares, embaixo de ruas,
estradas e até serviu de lastro para o asfalto da cidade.
- Meu Deus, isso é um ato criminoso. Como técnicos
que trabalhavam nessa fábrica, permitiram que isso fosse
acontecer! – levou às mãos a cabeça sem acreditar no que
acabara de ouvir. – Isso é imperdoável, muitas pessoas
A Chernobyl brasileira
sabiam da periculosidade desses metais e permitiram que
fosse doada a prefeitura e as pessoas. Que tipos de seres são
esses?
- Isso ainda não é tudo, pior foi saber que o governo
fez uso desse material doado, para fazer obras na cidade.
- Quanto mais eu conheço o ser humano, mais eu
gosto dos animais – disse cortando um pedaço de seu bife.
- Já o segundo vídeo, é do Doutor da Universidade
Federal da Bahia, Fernando Martins Carvalho – disse com
calma. – Ele revela na reportagem que o Chumbo e o Cádmio
são metais pesados, que tem longa permanência no meio
ambiente. Ele enfatiza que essa longa permanência é de
séculos e milênios para que haja a decomposição desses
metais.
- Séculos e milênios para se decompor? – indagou o
doutor.
- Na entrevista ele insiste que o Chumbo não degrada,
não degenera e não dissipa e que o Cádmio ainda é mais
resistente e eficiente.
Ele ouvia tudo aquilo atônito, apenas esboçava tristeza
e desprezo ao saber de tanta sujeira.
Ele parecia melhor após o jantar, talvez não estivesse
bem, por não ter se alimentado durante o dia, pensou Alexia.
Aquela história era tão sórdida que, quanto mais
mexíamos, mais descobríamos irregularidades.
- O doutor Fernando Martins declarou que após trinta
Cristiane G. Sant՚Ana
120
e três anos de funcionamento da fundição, essa gerou um
passivo ambiental que remonta mais de quinhentas mil
toneladas de escória de produto industrial deixado pela
COBRAC.
- Na entrevista, ele revela qual a quantidade de
chumbo e Cádmio daquela escória?
- Das quinhentas mil toneladas de escória, dois ou três
por cento é de Chumbo e mais de quinhentas toneladas é de
Cádmio puro. Esses metais são extremamente perigosos.
- Sabe o que mais me revolta? – indagou perplexo. –
Essas pessoas estão jogadas a deriva, pois não tem o menor
respaldo das autoridades competentes. Isso me deixa nervoso
e indignado. Posso não ganhar um mísero centavo, como
costuma dizer Carla. Mas chega de ver tanta impunidade.
Agora, precisamos acabar com a falta de respeito com o povo
brasileiro é tratado. Vou jogar toda essa merda no ventilador
e quero ver o cheiro impregnar por todo o Brasil. Só assim,
alguém tomará alguma providência.
- Aqui no Brasil, as coisas se resolvem somente
quando há escândalos, doutor.
- O que me enoja nessa história toda é que, a
COBRAC e a Plumbum obtiveram altos lucros com o
minério brasileiro e como presente nos deixou um rastro de
destruição ambiental e acabou com a saúde de um município
inteiro. Agora fica a pergunta: Quem vai pagar por isso?
A Chernobyl brasileira
Doença e miséria
No dia seguinte, às oito horas da manhã saímos do
hotel.
Ao chegarem a Santo Amaro da Purificação,
encontraram Marcos, ex-funcionário da Mineração com o
semblante triste.
- Bom dia, Marcos. Você não parece feliz essa manhã.
Aconteceu alguma coisa? – perguntou doutor Alessandro.
- Bom dia, doutor. Um ex-trabalhador da COBRAC
faleceu ontem à noite. – informou com tristeza. – Era mais
um que sofria com a contaminação, adquirida na Mineração.
- Sinto muito – disse Dr. Alessandro – Existe alguma
coisa que podemos fazer para ajudar?
- A família é muito pobre e estão com dificuldade em
conseguir um caixão da prefeitura.
- Nos leve a uma funerária e ligue para a viúva dizendo
que não se preocupe com o caixão.
Ao chegarem à funerária escolheram um caixão
simples e o doutor pediu que, entregassem no hospital em
que estava o corpo.
- Não sei como agradecer, mas o senhor não tinha a
menor obrigação de fazer o que fez – disse com admiração.
- Eu sei disso, mas alguém tinha que fazer alguma
coisa – disse doutor Alessandro.
Ele olhou para Marcos e sorriu por Deus tê-lo
Cristiane G. Sant՚Ana
122
colocado em seu caminho. Marcos dispôs de seu tempo, para
mostrar a injustiça, em viviam bravos guerreiros brasileiros.
- Doutor, o levarei até a casa de três ex-empregados
da Mineração.
Seguiram Marcos até chegarem a uma casa bem
humilde. A casa pertencia a um ex-forneiro da Mineração, seu
nome é Gerson Baraúna.
Entraram em sua casa e foram recebidos por sua
esposa, a Sra. Gilda da Paixão. Uma senhora humilde, que
sofria há anos com a doença do marido, esse não melhorava,
pelo contrário, sua situação piorava dia a dia.
Viram em seus olhos o sofrimento, pois não é fácil,
ver a pessoa a quem amamos morrer naquele estado
lastimável.
Apesar da situação em que se encontrava o marido,
Dona Gilda era uma pessoa doce e o sofrimento não fez dela
uma pessoa amarga, pelo contrário, era uma mulher que
aprendeu suportar as dificuldades com bravura e dignidade,
enfim, estava diante de uma heroína, que lutava bravamente
com os poucos recursos que tinha disponível.
Levou-nos até o quarto em que ficava o marido, que se
encontrava numa cama, usando fraldas descartáveis e estava
visivelmente magro, abatido, pois aquela doença o matava dia
a dia, enfim, acredito que ele já não entendia o que se passava
ao seu redor, parecia ter perdido a lucidez.
Em seguida, nos mostrou um extrato bancário, com
A Chernobyl brasileira
data de dois mil e sete, onde constatamos que na época, ele
recebia a aposentaria por auxílio doença, no valor irrisório de
trezentos reais.
Disse que com o dinheiro daquele benefício, conseguia
comprar remédios, fraldas e pagar uma fisioterapeuta, que
recebia sete reais por duas visitas semanais. Viviam da ajuda
de filhos e amigos.
- Meu marido sempre trabalhou quando tinha saúde e
nunca faltou um dia em seu emprego. Agora está jogado
numa cama, doente, vivendo da ajuda de amigos e parentes.
O salário que recebe é tão pouco, que com ele, não dá para
comprar o que comer.
- Quantos anos ele tem? – perguntou Dr. Alessandro,
comovido pelas condições em que se encontrava aquele
homem.
- Ele é um homem moderno – disse sua esposa. – Ele
só tem cinquenta e cinco anos, embora pareça que tem mais.
É muito difícil ver ele em cima dessa cama, sem poder fazer
nada, pois não temos condições.
- Há quanto tempo está de cama?
- Há mais de três anos – disse limpando as lágrimas
com a palma da mãe. – Quem trabalhou naquela fábrica de
chumbo, a maioria morreu e os que não morreram, estão
sofrendo. E acabarão morrendo por causa da contaminação.
E não foram somente ex-funcionários que se contaminaram,
mas todo o povo de Santo Amaro está contaminado com
Cristiane G. Sant՚Ana
124
chumbo no sangue.
Saíram da casa do Sr. Gerson Baraúna, inconformados
com a situação daquele pobre homem e de sua esposa. Por
não haver a fiscalização daquela empresa, agora muitos
sofriam devido à omissão do governo brasileiro.
Nos dirigimos à Av. Rui Barbosa, próximo à fábrica
da Mineração, onde o Sr. Augusto Machado, ex-funcionário
da Mineração, nos esperava num pequeno estabelecimento
comercial.
Aquele homem tinha consciência do abandono em que
vivia a cidade contaminada pelo chumbo. Estava indignado
pela irresponsabilidade com que o governo tratava aquele
caso.
- Há quanto tempo foi funcionário da Mineração?
- Trabalhei naquela empresa por vinte anos.
- Você também está contaminado pelo chumbo?
- Me diga uma pessoa, que não tenha trabalhado
naquele lugar, que não tenha chumbo no corpo? Fui
internado várias vezes ao longo desses vinte anos. Até já fui
afastado, por ter neuropatia com deformidade facial em
consequência da intoxicação por chumbo.
- Você saiu da empresa por causa da doença?
- Não, eu fui demitido. Porque comecei ver as coisas
erradas e decidi alertar o pessoal, acabei sendo demitido.
- O senhor ainda tem chumbo no corpo?
- Sim. Hoje não consigo emprego em lugar nenhum,
A Chernobyl brasileira
pois quando as pessoas percebem que fui funcionário da
Mineração, já sabem que sou uma pessoa contaminada por
chumbo, sou doente. Ninguém me contrata, não arrumo
trabalho em lugar nenhum. A gente só pode contar com a
justiça divina, pois a justiça dos homens nos desamparou até
socialmente.
Despediram-se daquele homem que estava revoltado
com a situação de abandono, tanto pela política brasileira
como pela sociedade em geral.
O próximo compromisso era com Adailson Moura,
Presidente da Associação de Vítimas (AVICCA).
- Trabalhei na Mineração por sete meses e com
noventa dias já estava contaminado pelo chumbo. Meu corpo
parecia levar choque de 220 volts, tão forte foi o efeito do
chumbo em meu corpo.
- Descreva para nós o que você chegou a presenciar
naquela fábrica.
- Doutor, os funcionários da fábrica eram obrigados a
usar medicamentos que, nem faziam ideia para que serviam.
Quando a contaminação era alta, eles sentiam cólicas tão
fortes, que eram levados imediatamente ao ambulatório e
acabavam ficando de quarentena, tomando injeções na
barriga. As cólicas eram tão fortes, que muitas vezes
presenciei muitos caindo no chão da fábrica passando mal.
Tinha que usar os medicamentos, caso contrário, era
demitido.
Cristiane G. Sant՚Ana
126
- Criei uma associação onde procuro defender a causa
dos cidadãos contaminados pela escória de chumbo, que
impregna a cidade de Santo. Chega de tanta impunidade!
Ao saírem, Dr. Alessandro parecia abalado com a
situação em que aquelas pessoas foram e eram obrigadas a
viver.
Marcos nos levou a casa de uma viúva, pois ela havia
perdido o marido e mais quatro filhos, contaminados pelo
chumbo.
- Boa tarde, Dona Marinalva.
- Boa tarde, entrem, por favor.
Entraram numa casa muito humilde, e sentaram-se em
algumas cadeiras, que estavam dispostas na sala.
- Dona Marinalva, fale para o doutor o que aconteceu
com a senhora e sua família – pediu Marcos.
- Moço, não só perdi meu marido por causa daquela
fábrica. Eu perdi quatro filhos também.
- Quatro filhos? – indagou Dr. Alessandro.
- Sim, perdi meus quatro filhos. Agora a coisa piorou,
descobri que também estou doente, pois contraí problemas
respiratórios por causa do chumbo.
Dr. Alessandro parecia penalizado ao ouvir o desabafo
daquela mulher.
- Como a senhora foi contaminada?
- Nunca trabalhei naquele lugar, mas fui contaminada
por lavar os uniformes do meu marido e filhos. Aqueles
A Chernobyl brasileira
uniformes chegavam cobertos por um pó escuro.
Ela tentava limpar as lágrimas, com a blusa que vestia.
- Hoje sou uma mulher doente, não tenho mais meu
marido e ainda perdi meus quatro filhos. – disse com lágrimas
nos olhos. – Os donos daquela fábrica, continuam com sua
família, todos saudáveis. Eles têm saúde para esbanjar todo
dinheiro que ganharam aqui. Nós de Santo Amaro, perdemos
a saúde, perdemos nossos familiares, sem falar dos que estão
vivos e muito doentes. Pergunto ao senhor, isso é justo?
Não tínhamos o que dizer, pois a justiça estava longe
daquele lugar. Saímos daquela casa, pensando melhor na
responsabilidade individual de cada cidadão, ao se deparar
com uma situação como aquela.
Marcos disse que gostaria de nos mostrar um vídeo
que tinha em sua casa, onde a bioquímica da Mineração deu
uma entrevista a um jornal local, perguntou se gostaríamos de
assistir.
Caminhamos até sua humilde casa e ele nos serviu um
suco. Demos uma desculpa qualquer, para não tomarmos
aquele suco. Confesso que ficamos assustados, pois a água
daquele lugar não era só contaminada por chumbo, mas
também por Cádmio, esse último, estava comprovado ser
cancerígeno.
O nome da tal Biomédica da Mineração é Maria
Conceição dos Reis.
Ela revela através do vídeo que os funcionários tinham
Cristiane G. Sant՚Ana
128
níveis altíssimos de contaminação, principalmente onde
começava a trituração. A Matéria prima eram pedras de
chumbo tiradas do solo. Depois essas pedras passavam por
uma trituração. Nessa fase os funcionários eram
contaminados por aquela poeira muito fina. Mas se
assustavam mesmo, é nas paradas de manutenção, pois os
funcionários que faziam essa manutenção, ou seja, limpavam
onde havia sido feita a trituração do minério, eram obrigados
a fazer exame, para saberem o grau de contaminação que eles
haviam adquirido.
Marcos ofereceu a eles um livro que havia ganhado de
um ex-prefeito chamado Eurípedes Bonfim, cujo título era:
“Nem tudo está perdido”.
- Gostaria que vocês ficassem com o livro, pois nele
poderão encontrar mais irregularidades da mineradora.
Poderão ver que as coisas não chegaram até esse ponto se
não houvesse muita coisa errada por debaixo do pano.
Alexia pegou o livro e colocou em sua bolsa,
agradeceu aquele bom homem e voltaram para o hotel.
Estavam revoltados com toda aquela situação. Era
uma vergonha o que tinha acontecido naquele lugar.
Dr. Alessandro estava pensando naquela maldita
Multinacional Francesa que, em trinta e três anos de
funcionamento, faturou naquele lugar, cerca de quatrocentos
e cinquenta milhões de dólares, produziu e comercializou
novecentas mil toneladas de liga de Chumbo. Agora o povo
A Chernobyl brasileira
de santamarense sofria por causa de sua ganância e
imprudência, pois nunca deu a seus funcionários
equipamentos de segurança, para se protegerem da
contaminação a que eram expostos.
Lembrou-se do sofrimento de seu cliente mostrado
naquele vídeo que encontrou na internet. Gostaria de
conhecê-lo pessoalmente, pois conversaram somente através
do telefone.
Decidiu que amanhã iria até a casa dele. Alexia
precisava voltar para São Paulo, pois ela teria que começar a
montar o processo com as informações que haviam
conseguido.
No dia seguinte, Alexia partiu. Ele ligou para seu
cliente, dizendo que estava na Bahia, juntando fatos para
montar seu processo.
- Doutor, seria um grande prazer recebê-lo em minha
casa – disse o Sr. José. – Só não repare, porque a casa é de
pobre.
- Eu também já fui pobre um dia, isso não é problema
para mim – disse sorrindo.
Ao chegar ao endereço, ficou encantando com a
simpatia com que foi recebido por sua família.
Chamaram o Sr. José e ficou emocionado ao vê-lo a
sua frente. Aquele homem lhe ensinou muito com seu
depoimento.
Era um homem simples, que caminhava com muita
Cristiane G. Sant՚Ana
130
dificuldade, não tinha equilíbrio nenhum ao caminhar. Sua
filha o segurava pelo braço para ajudá-lo a manter o
equilíbrio.
- Bom dia doutor. – disse sentando-se. – Fico muito
feliz em tê-lo em minha casa.
- Eu é que me sinto feliz por ter a honra de conhecê-
lo.
- Honra em me conhecer? – disse sorrindo. – Quem
deve sentir-se honrado aqui, sou eu. Minhas meninas ficaram
desconfiadas quando disse a elas que, um advogado de São
Paulo iria me ajudar contra a Mineração. Elas foram à casa de
uma amiga que tem computador, lá descobriram que o
senhor é um dos melhores advogados do Brasil.
- Eu descobri muita coisa em relação aquela
Mineradora. Quero que o senhor saiba, não será fácil, mas
preciso que confie em mim e peça a Deus que nos ajude a
derrubar as barreiras que iremos encontrar pelo caminho.
- Doutor, o senhor não apareceu em minha vida por
acaso. Deus o colocou em meu caminho. Agora eu sinto que
posso ver a justiça ser feita.
- Falei com seu antigo advogado, ele me disse que o
senhor fez um exame pericial e teremos que apresentá-lo na
audiência. Vamos aguardar para ver o que a perita descreve
nesse exame.
- Ela não poderá negar que sou um homem
contaminado, pois estou tranquilo quanto a isso.
A Chernobyl brasileira
Primeiro laudo
Alexia estava em sua sala analisando o processo da
mineração, quando ouviu o telefone tocar.
- Bom dia, Alexia – ouviu a voz de Maebi no telefone.
– Acabou de chegar o laudo pericial do Cliente da mineração.
- Que notícia maravilhosa – disse empolgada. – Dr.
Alessandro já chegou?
- Sim, pediu que viesse até a sala dele.
- Por favor, diga-lhe que estou terminando de fazer as
reservas do hotel na Bahia e em seguida estarei na sala dele.
Ao terminar de fazer as reservas do hotel dirigiu-se até
o elevador que estava demorando a chegar. Resolveu subir os
dois lances de escadas, para chegar mais rápido.
Chegando a sala do doutor, percebi que naquela
manhã, ele estava ainda mais pálido e abatido.
- Bom dia, Alexia – apontou para a mesa de reunião
pedindo que sentasse.
- Você está sentindo-se bem? – perguntou preocupada.
- Sim. Só estou cansado de tanto trabalhar, pois não
tiro férias a mais de dez anos.
- Você precisa parar um pouco, senão acabará
adoecendo.
- Estou pensando em ir ao litoral, nesse fim de semana
– olhou para ela por um momento, depois dirigiu o olhar
para os papéis a sua frente - Gostaria de vir comigo?
Cristiane G. Sant՚Ana
132
Aquele convite a deixou surpresa, em sua mente, havia
de novo, aquela enorme tela em branco, não conseguia
pensar em uma única resposta.
- Entendo – disse sorrindo. – Já tem outros planos.
- Não tenho nenhum plano, só fiquei surpresa com seu
convite – admitiu.
- Pode me dar a resposta amanhã – disse Alessandro. –
Vamos abrir logo esse laudo?
Pegou o laudo e entregou a Alexia para que abrisse.
Peguei aquele laudo com as mãos trêmulas e abri com
certa dificuldade, pois aquele simples pedaço de papel poderia
comprovar, de uma vez por todas, que seu cliente era mais
uma vítima da Mineração, pensou.
Alexia sorriu satisfeita, com o que havia lido nas
primeiras linhas do laudo pericial.
- Por favor, leia esse laudo de uma vez – disse
impaciente.
- A doutora detectou níveis altos de Chumbo no
sangue de nosso cliente.
- Então isso tudo encerra o caso, agora temos a prova
cabal, para que a justiça seja feita – constatou animado. –
Essa é uma prova definitiva, não terão como escapar dela.
- Se eu fosse você, não ficaria tão animado – disse
olhando para o laudo em suas mãos.
- Pelo amor de Deus, leia tudo, Alexia – disse nervoso.
- A doutora revela que nesse exame pericial não deu
A Chernobyl brasileira
para saber quando o cliente foi contaminado pelo Chumbo.
- Devo estar ficando louco – disse consternado. – Se
uma perita não pode dizer quando ocorreu à contaminação,
então, quem pode fazer isso?
- Precisa ter calma – levantou-se em direção a uma
jarra com água.
- Como posso ter calma com uma besteira dessas? –
disse fora de controle.
- Tome esse copo com água, você não parece sentir-se
bem.
- Por que é tão difícil às pessoas conseguirem ver a
justiça ser feita nesse país? – irado sentou-se na cadeira. – Já a
injustiça impera com extrema facilidade por aqui.
- Doutor, confie em Deus. Se trabalharmos com
paciência e determinação a verdade irá aparecer, cedo ou
tarde.
- Gostaria de ter um pouco da sua fé – disse cético.
- Muitas pessoas se esquecem de que existe um Deus
em cima de nossas cabeças. Um Deus que tudo vê um Deus
honesto, justo e com poder para fazer a justiça aparecer.
- Essas pessoas não acreditam em Deus, Alexia –
afirmou Alessandro. – São pessoas que nem mesmo
acreditam na justiça dos homens, pois se acreditassem nessa
justiça, não teriam tanta facilidade em contaminar
praticamente uma cidade inteira e continuar impune por
tanto tempo.
Cristiane G. Sant՚Ana
134
- Você tem razão não acreditam em nada, a não ser no
poder de seu próprio dinheiro. Nunca conseguiremos
entendê-los, porque nossos valores éticos e morais são
diferentes dos deles.
- Sim. Mas não consigo imaginar, como tiveram
coragem de doar material altamente perigoso à prefeitura para
fazer obras por toda a cidade – disse chateado. – Como
pessoas com conhecimento técnico e cientifico, permitiram
que doassem aquele material perigoso? Isso chega a ser
imoral!
- Acredito que foi a forma mais prática e barata para se
livrarem daquele material tóxico. Doutor, como essas pessoas
conseguem se olhar no espelho ou até mesmo dormir? Será
que tem paz?
- Já tivemos um ser pior do que eles, Adolf Hitler. –
disse sorrindo.
Ele parou por um momento, parecia estar pensando
em algo.
- Essa história mudou tudo o que pensava meses atrás.
Aquelas pessoas são verdadeiros heróis e heroínas que, apesar
de toda miséria a que são submetidas, ainda conseguem
acreditar na justiça dos homens, pois existe mais de mil e
duzentas ações contra a mineração. Muitas ações estão a mais
de treze anos aguardando uma solução – desabafou
Alessandro.
Parou por um breve instante e olhou para Alexia.
A Chernobyl brasileira
- Está gostando do seu trabalho?
- Às vezes me sinto como um grão de areia perdido no
meio do deserto – falou pensativa. – Mas estou adorando
trabalhar aqui, pois tenho aprendido muito com o doutor.
- Também estou aprendendo muito com você – disse
com um sorrido irresistível.
- O que poderia aprender comigo?- indagou surpresa. -
Sou tão inexperiente.
- A ter fé na justiça de Deus.
- Minha mãe sempre diz: Ore como se tudo
dependesse de Deus e trabalhe como se tudo dependesse de
você. Posso dizer que sempre funciona.
Ele balançou a cabeça concordando.
- Minha casa no litoral é excelente para descansar.
Gostaria que fosse comigo, Alexia.
Aquele homem a deixava totalmente sem ação. Estava
na frente dele sem saber novamente o que dizer.
- Aceito seu convite, afinal estamos precisando de um
bom descanso. Semana que vem teremos aquela audiência
onde fica difícil prever o que irá acontecer.
- Precisamos descansar e nos prepararmos para o que
irá acontecer. Essas audiências sempre são desgastantes.
- Sim, precisamos recarregar as energias, nos
prepararmos para o que aquela juíza irá decidir.
Naquela noite, Alexia não conseguia parar de pensar
Cristiane G. Sant՚Ana
136
no doutor Alessandro. Porque ele a convidou para passar o
fim de semana com ele? Talvez desejasse falar mais sobre o
processo e estivesse envergonhado em pedir para fazerem
isso no fim de semana.
A semana havia passado com uma rapidez assustadora,
finalmente chegara sexta-feira.
- Alexia, está levando tudo o que precisa? – perguntou
sua mãe preocupada.
- Sim. Quando chegarmos litoral, darei notícias, não
quero que fique preocupada.
- Boa viagem, filha – disse abraçando Alexia.
Mal entrou no escritório e seu telefone tocou.
- Alexia, o doutor Alessandro precisa falar com você,
pode vir à sala dele agora? – perguntou Maebi ao telefone.
- Sim, obrigada.
Minutos depois estava na sala do doutor.
- Bom dia, Alexia.
- Bom dia, doutor.
Notou que usava uma calça jeans e uma camisa de
manga curta branca que o deixava bem mais jovem e
saudável.
- Sairemos do escritório às duas horas da tarde, assim
não pegaremos trânsito. O que acha?
- Perfeito. Levarei o processo para analisarmos melhor.
- Não levaremos trabalho nenhum. Iremos descansar,
pois na próxima semana, teremos uma viagem desgastante e
A Chernobyl brasileira
uma audiência mais desgastante ainda.
- Tem razão, doutor – disse sentando-se numa cadeira.
- Você me havia dito que adorava filmes, estou
levando alguns filmes para assistirmos.
- Adoro filmes, se soubesse de seus planos teria trazido
alguns filmes também – disse sorrindo animada.
- Somos muito parecidos, Alexia – fitou-a por um
momento e depois pareceu desistir do que ia falar.
- Em que somos parecidos?
- Sou um homem caseiro, adoro filmes, gosto de ler e
não tenho muitos amigos.
- Nunca imaginei que gostasse das mesmas coisas.
Somos de mundos tão diferentes.
- Não. Vivemos no planeta terra – disse sorrindo.
- Sabe o que quero dizer.
- Não sei.
- Quero dizer que o doutor é um homem com uma
carreira solida, experiente e dono de um dos melhores
escritórios de advocacia do Brasil – olhei para ele e continuei.
– Estou começando minha carreira, não tenho onde cair
morta, e não possuo experiência alguma nessa vida.
Ele parecia surpreso com a imagem que fazia a
respeito dele. Permaneceu calado.
Quando percebeu que estava ficando vermelha, diante
do olhar examinador do doutor, pediu licença e saiu da sala.
Porque aquele homem sempre a deixava sem palavras?
Cristiane G. Sant՚Ana
138
Eu não posso me apaixonar por ele, pensei. Se isso acontecer
não poderei continuar trabalhando nesse lugar.
Ao chegar a sua sala ouviu o telefone tocar e atendeu.
- Posso ir até sua sala agora? – ouviu a voz de Carla do
outro lado da linha.
- Sim, pode vir. – disse desligando o telefone.
Carla acabara de chegar de Goiás, pois estava
levantando dados para um caso milionário envolvendo um
político famoso.
- Bom dia, Carla – disse ao vê-la entrando.
- Bom dia, Alexia. Estou cansadíssima da viagem.
- Poderia ter ido direto para sua casa.
- Alguma novidade, enquanto estive fora?
- Nenhuma novidade. Como foi sua viagem, conseguiu
o que desejava?
- Sim, sempre consigo o que desejo. Mas devo
confessar que não foi nada fácil. – disse olhando em direção
as suas bagagens. - Percebi que sua sala está cheia de
bagagens. Irá viajar?
- Não é propriamente uma viagem, apenas irei ao
litoral para descansar um pouco.
- Com Alessandro? – indagou Carla.
- Sim, precisamos estudar melhor o processo da Bahia,
pois semana que vem teremos uma audiência.
- Vou fingir que acredito – disse piscando.
- Não é o que está pensando – retruquei.
A Chernobyl brasileira
- Não estou pensando em absolutamente nada, Alexia.
Tenho que fazer algumas ligações – falou saindo de sua sala.
Alexia ficou totalmente atordoada. Será que ela havia
percebido que estava gostando do doutor? Morreria de
vergonha se aquele homem soubesse que estava apaixonada
por ele. Aquele homem não pertencia a seu mundo, era algo
que jamais daria certo. O melhor a fazer era tentar esquecê-lo,
pois ele jamais prestaria atenção, numa pobre coitada como
ela, pensou.
Fez algumas ligações e arquivou alguns papéis que
pertenciam aos processos, que estava auxiliando doutor
Alessandro. De repente, Carla entrou em sua sala novamente.
- Alexia, vai almoçar aonde hoje?
- Vou pedir um lanche, pois preciso organizar esse
arquivo. Quero deixá-lo em ordem, pois se precisarmos de
algum dado do processo da Mineração, tem que ficar fácil
para que alguém encontre.
- Então pedirei lanche para nós duas, assim podemos
conversar um pouco. Detesto comer sozinha – disse pegando
o telefone.
- Eduardo? – indagou. – É Carla do Escritório de
Advocacia Jordan & Marangoni. – disse devagar – Quero um
sanduiche de picanha bem caprichado e um suco de laranja
bem gelado.
Olhou para Alexia e perguntou:
- O que vai querer?
Cristiane G. Sant՚Ana
140
- Peça o mesmo para mim, por favor.
- Eduardo, dois lanches de picanha bem caprichados e
dois sucos de laranja bem gelados – disse desligando o
telefone.
- Como está o caso a mineração?
- O exame pericial acusou alto nível de Chumbo no
sangue do cliente, mas a perita arguiu, que nesse exame não
foi possível detectar a quanto tempo, ocorreu à
contaminação.
- Com certeza, Alessandro irá pedir novo exame
pericial, para comprovar a época em que isso ocorreu.
- Carla, fiquei horrorizada ao ver o descaso com que
aquela cidade foi tratada durante todos esses anos.
- Vá se acostumando com o descaso com que, as
pessoas menos favorecidas são tratadas pela sociedade em
geral, pois essa profissão nos mostra isso a todo instante.
- Me recuso a me acostumar com esse cenário, por isso
escolhi essa profissão, para combater a injustiça.
- Alexia, não seja inocente. – sorria com descaso. –
Nessa profissão, somos obrigadas a defender o cliente, seja
ele certo ou errado.
- Infelizmente isso realmente acontece, mas nesse
exato momento posso me sentir bem, pois estou defendendo
uma causa justa.
- Você e Alessandro estão se envolvendo demais com
esse caso.
A Chernobyl brasileira
- Você não foi a Bahia, para ver a situação em que se
encontram os ex-trabalhadores daquela carnificina, estaria
envolvida com a situação daquelas pessoas – disse com
tristeza. – O pior é que as autoridades competentes não
fazem absolutamente nada, para diminuir o risco de novas
pessoas se contaminarem com o chumbo e o cádmio, que
invadem o Rio Subaé, através daquelas montanhas de lixo
tóxico.
Terminaram o lanche e Carla retornou a sua sala.