A Casa Esquecida

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A casa esquecida. A casa jazia em meio ao nada. Nenhum som se atrevia a vir de dentro ou de fora. Isolação. O tempo que nunca morre, o tempo que sempre se regenera, o tempo que sempre se deixa levar por si mesmo, o tempo que já é por si só perdido: é a casa. As janelas rangiam, porém era um barulho surdo e constante: ali o tempo não era um inimigo nem um aliado, ele só era. Ao redor o mato crescia, mas não havia vida nele, nenhuma criatura queria morar ali, nenhuma. Uma casa de madeira bem polida, um sobrado inanimado, que parecia viver, pulsar, sentir a indiferença solitária da natureza morta a sua volta, a casa não pertencia àquele lugar e nem a si mesma. Sua irremediável indiferença não era quista por nada fora dela mesma. Fatigada, mas resistente, ali ela acontecia. Talvez remoesse histórias que nunca foram contadas, sentimentos nunca expressados, mortes nunca reveladas; fins, começos e recomeços; morte e vida. Parecia muda e esquecida; contudo um certo orgulho remanescia. As fundações estavam impecáveis, o assoalho não havia se tornado habitat de ratos e as cortinas embora abatidas, ainda mantinham do intenso vermelho aveludado o sangue iluminado. O corrimão que lida à parte de cima educadamente trabalhado, talhado, detalhado, em fina madeira em prata; fadada e envelhecida. Em sua magnitude nenhuma outra casa se atrevia a ser vizinha de suas portas, especular suas janelas ou intrometer-se em seu jardim. Conviver consigo mesmo voltar e se estabilizar, dedicando- se apenas em existir. Não é assim que as pirâmides fazem? Os mais antigos monumentos da civilização ainda coexistiam com a modernidade e era isso que ela queria talvez. E ali não havia. E ali ela existia. Porém, contra o próprio Tempo - o próprio Cronos – abandonada em seu interior uma muda resistia. Muda e resistente no assoalho perto da lareira gelada e atemporal. As portas ignorantes à sua existência deixavam labaredas do vento quente do verão, as rajadas secas do inverno com as bufadas do frio imponente.

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Conto de autoria de Maylah L. G. Menezes Esteves, publicado em fevereiro de 2015, na revista online LITERATURABR.com.br

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A casa esquecida.

A casa jazia em meio ao nada.Nenhum som se atrevia a vir de dentro ou de fora.Isolao.O tempo que nunca morre, o tempo que sempre se regenera, o tempo que sempre se deixa levar por si mesmo, o tempo que j por si s perdido: a casa.As janelas rangiam, porm era um barulho surdo e constante: ali o tempo no era um inimigo nem um aliado, ele s era.Ao redor o mato crescia, mas no havia vida nele, nenhuma criatura queria morar ali, nenhuma.Uma casa de madeira bem polida, um sobrado inanimado, que parecia viver, pulsar, sentir a indiferena solitria da natureza morta a sua volta, a casa no pertencia quele lugar e nem a si mesma. Sua irremedivel indiferena no era quista por nada fora dela mesma.Fatigada, mas resistente, ali ela acontecia. Talvez remoesse histrias que nunca foram contadas, sentimentos nunca expressados, mortes nunca reveladas; fins, comeos e recomeos; morte e vida.Parecia muda e esquecida; contudo um certo orgulho remanescia. As fundaes estavam impecveis, o assoalho no havia se tornado habitat de ratos e as cortinas embora abatidas, ainda mantinham do intenso vermelho aveludado o sangue iluminado.O corrimo que lida parte de cima educadamente trabalhado, talhado, detalhado, em fina madeira em prata; fadada e envelhecida.Em sua magnitude nenhuma outra casa se atrevia a ser vizinha de suas portas, especular suas janelas ou intrometer-se em seu jardim.Conviver consigo mesmo voltar e se estabilizar, dedicando-se apenas em existir.No assim que as pirmides fazem? Os mais antigos monumentos da civilizao ainda coexistiam com a modernidade e era isso que ela queria talvez.E ali no havia.E ali ela existia.Porm, contra o prprio Tempo - o prprio Cronos abandonada em seu interior uma muda resistia. Muda e resistente no assoalho perto da lareira gelada e atemporal.As portas ignorantes sua existncia deixavam labaredas do vento quente do vero, as rajadas secas do inverno com as bufadas do frio imponente.Mesmo assim, entortava o assoalho, lutando por sua prpria existncia, procurando a luz bruxuleante da primavera, que as cortinas resistiam em deixar passar.Bebia da pouca gua de uma goteira outonal se esgueirando pela telha trincada.Um embrio de vida, num ventre ressecado, ressentido e relutante luz; a pequena muda se acostumou a crescer e a lidar com a no existncia do tempo: no conhecia a existncia humana acelerada, frentica, comandada pelo relgio: um metr, um beb nascendo, uma criana morrendo, animais se amando ou casais se divorciando.No.Ali era seu canto, seu universo, seu relento.Ali ela ficou.Ali ela remanesceu.