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ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR - INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS POLICIAIS E SEGURANÇA PÚBLICA DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO POLICIAL MILITAR E SEGURANÇA PÚBLICA (CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS CAO) RAFAEL FERNANDO DE CARVALHO A ATUAÇÃO, FORA DO SERVIÇO, DE POLICIAIS MILITARES DO ESPÍRITO SANTO EM OCORRÊNCIAS POLICIAIS, COM USO DE ARMA DE FOGO E MORTE DE CIVIS (2014-2016) CARIACICA 2017

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ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR - INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS POLICIAIS E SEGURANÇA PÚBLICA DA POLÍCIA

MILITAR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO POLICIAL MILITAR E

SEGURANÇA PÚBLICA (CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS – CAO)

RAFAEL FERNANDO DE CARVALHO

A ATUAÇÃO, FORA DO SERVIÇO, DE POLICIAIS MILITARES DO ESPÍRITO SANTO EM OCORRÊNCIAS

POLICIAIS, COM USO DE ARMA DE FOGO E MORTE DE CIVIS (2014-2016)

CARIACICA 2017

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RAFAEL FERNANDO DE CARVALHO

A ATUAÇÃO, FORA DO SERVIÇO, DE POLICIAIS MILITARES DO ESPÍRITO SANTO, EM OCORRÊNCIAS

POLICIAIS COM USO DE ARMA DE FOGO E MORTE DE CIVIS (2014-2016).

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Gestão Policial Militar e Segurança Pública (Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais – CAO) da Polícia Militar do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Gestão Policial Militar e Segurança Pública. Orientador: Prof. Esp. Marcelo Corrêa Muniz

CARIACICA 2017

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RAFAEL FERNANDO DE CARVALHO

A ATUAÇÃO, FORA DO SERVIÇO, DE POLICIAIS MILITARES DO ESPÍRITO SANTO, EM OCORRÊNCIAS POLICIAIS COM USO DE ARMA DE FOGO E MORTE DE CIVIS (2014-2016).

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Gestão Policial Militar e

Segurança Pública (Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais – CAO) da Polícia Militar

do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em

Gestão Policial Militar e Segurança Pública.

Aprovada em 25 de setembro de 2017.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________________

Prof. Esp. Marcelo Corrêa Muniz Polícia Militar do Espírito Santo Orientador Presidente

______________________________________________

Prof. Esp. Marsuel Botelho Riani Polícia Militar do Espírito Santo 1° Membro da Banca

______________________________________________

Prof. Esp. Esmeraldo Costa Leite Polícia Militar do Espírito Santo 2° Membro da Banca

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À Romilda, que me deu vida e

ensinamento.

À Renata e Davi, que viveram comigo

todas as dificuldades do CAO, dando

força e acolhimento para superá-las.

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Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. Bertold Brecht

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RESUMO

Analisa as intervenções realizadas por policiais militares de folga, que resultaram na

morte de civis, no período compreendido entre 2014 e 2016. O método é de

natureza descritiva e qualitativa, utilizando estudos bibliográficos, pesquisa

documental, coleta e análise de dados. Descreve a Cultura Organizacional da

Polícia Militar do Espírito Santo (PMES), com o reconhecimento de canções,

símbolos, ritos e outros elementos voltados para o ethos militar, fortemente

influenciado pelas Forças Armadas, em detrimento dos valores policiais. Analisa o

ensino na instituição dentro desse contexto cultural, discorrendo sobre a formação

policial (inicial e continuada) como mecanismo de manutenção e transformação

dessa cultura. Argumenta sobre a cultura do medo vivida na sociedade atual, com a

espetacularização da violência e difusão de políticas de segurança voltadas para o

enfrentamento e “combate ao crime”. Apresenta todos esses fatores como

elementos determinantes das ações policiais, inclusive aquelas perpetradas por

agentes fora de seu horário regular de serviço. O estudo sugere a necessidade de

atenção e cuidados da instituição para os casos de atuação de policiais de folga, a

fim de orientar e assegurar procedimentos precípuos, além de garantir o controle da

ação policial.

Palavras-Chave: Cultura Organizacional – Formação – Atuação Policial

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ABSTRACT

It analyzes interventions by military police officers that resulted in the death of

civilians in the period from 2014 and 2016. The method is descriptive and qualitative

in nature, using bibliographic studies, documentary research, data collection and

analysis. Describes the Organizational Culture of the Military Police of the Espírito

Santo (PMES), with the recognition of songs, symbols, rites and other elements

directed to the military ethos, strongly influenced by the Armed Forces, to the

detriment of the police values. It analyzes the teaching in the institution within this

cultural context, discussing police training (initial and continued) as a mechanism for

maintaining and transforming this culture. It argues about the culture of fear

experienced in today's society, with the spectacularization of violence and the

diffusion of security policies aimed at confronting and "combating crime". It presents

all these factors as determinants of police actions, including those perpetrated by

agents outside their regular hours of service. The study suggests the need for the

care and attention of the institution to the cases of police officers' absence, in order to

guide and ensure procedures, as well as to ensure control of police action.

Keywords: Organizational Culture - Training - Police Action

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Metáfora da Cebola na Cultura Organizacional ............................................. 21

Figura 2: Atributos da Cultura Organizacional ............................................................... 22

Figura 3: Dificuldade na Mudança da Cultura Organizacional ..................................... 23

Figura 4: Distintivos de Unidades e Grupos Especializados ........................................ 55

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- PMs e PCs Vítimas de Homicídio no Brasil – 2009 – 2015 ........................ 66

Gráfico 2 - Policiais Mortos em Serviço EUA e Brasil – 2009 – 2015.......................... 67

Gráfico 3 - Quantidade de Casos por Ano...................................................................... 73

Gráfico 4 - Comparativo do Número de Intervenções: Folga x Serviço ...................... 74

Gráfico 5 - Percentual do Número de Intervenções: Folga x Serviço (2014-2016) .... 75

Gráfico 6 - Quantidade de Casos por Município (2014-2016) ...................................... 76

Gráfico 7 - Tipo de Intervenção do Policial Militar (2014-2016) ................................... 77

Gráfico 8 - Percentual: Defesa/Proteção Pessoal x Dever de Ofício (2014-2016) ..... 77

Gráfico 9 - Armamento Utilizado pelo Policial Militar (2014-2016) ............................... 78

Gráfico 10 - Disparos Efetuados pelo Policial Militar (2014-2016) ............................... 79

Gráfico 11 - Vitimização do Oponente (2014-2016) ...................................................... 80

Gráfico 12 - Vitimização de Terceiros (2014-2016) ....................................................... 81

Gráfico 13 - Vitimização do Policial Militar (2014-2016)................................................ 82

Gráfico 14 - Local de Lotação do Policial Militar (2014-2016) ...................................... 83

Gráfico 15 - Tempo de Serviço do Policial Militar (2014-2016) .................................... 84

Gráfico 16 - Idade do Policial Militar (2014-2016) .......................................................... 85

Gráfico 17 - Sexo do Policial Militar (2014-2016) .......................................................... 86

Gráfico 18 - Instrumento Utilizado pelo Opositor (2014-2016) ..................................... 87

Gráfico 19 - Armas de Fogo Apreendidas (2014-2016) ................................................ 88

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LISTA DE SIGLAS

BPM – Batalhão de Polícia Militar

CAO – Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais

CF – Constituição Federal

CIMEsp – Companhia Independente de Missões Especiais

COTAM – Companhia de Operações Táticas Motorizadas

CP – Código Penal

CPM – Código Penal Militar

CPPM – Código de Processo Penal Militar

DATASUS – Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde

DEIP – Diretoria de Ensino, Instrução e Pesquisa

EB – Exército Brasileiro

FBI – Federal Bureau of Investigation

FFAA – Forças Armadas

FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública

GA – Grupo de Abordagem

GAO – Grupo de Apoio Operacional

GARRA - Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos

GEAC – Gerência de Estatística e Análise Criminal

GRI-9 - Grupo de Resposta Imediata do 9º BPM

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ISP – Instituto Superior de Polícia

PATAMO – Patrulhamento Tático Motorizado

PATRIA - Pelotão de Ações Táticas, Reação Imediata e Apoio

PM – Polícia Militar

PMES – Polícia Militar do Espírito Santo

POG – Policiamento Ostensivo Geral

POP – Procedimento Operacional Padrão

QCG – Quartel do Comando Geral

ROTAM – Ronda Ostensiva Tática Motorizada

SIM – Sistema de Informação sobre Mortalidade

SWAT - Special Weapons and Tactics

TFM – Treinamento Físico Militar

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12

1.1 PROBLEMATIZAÇÃO ............................................................................................ 14

1.2 OBJETIVOS ............................................................................................................ 14

1.2.1 Objetivo Geral ................................................................................................. 14

1.2.2 Objetivos Específicos ................................................................................... 15

1.3 JUSTIFICATIVA ...................................................................................................... 15

1.3.1 Importância Social ......................................................................................... 15

1.3.2 Importância para a PMES ............................................................................. 16

1.3.3 Viabilidade ....................................................................................................... 16

1.4 METODOLOGIA ..................................................................................................... 16

2 A INTERAÇÃO ENTRE CULTURA ORGANIZACIONAL, FORMAÇÃO POLICIAL E O ETHOS GUERREIRO NA POLÍCIA MILITAR ....................................................... 20

2.1 CULTURA ORGANIZACIONAL ............................................................................ 20

2.2 O ETHOS GUERREIRO ........................................................................................ 23

2.3 O ENSINO E INSTRUÇÃO NA PMES.................................................................. 34

3 USO DE ARMA DE FOGO PELO POLICIAL FORA DE SERVIÇO ........................ 42

3.1 O MEDO COLETIVO .............................................................................................. 42

3.2 POLÍCIA 24 HORAS ............................................................................................... 49

3.3 PRECEITOS LEGAIS ............................................................................................. 56

4 LETALIDADE DA AÇÃO POLICIAL ........................................................................... 61

4.1 USO MODERADO DA FORÇA ............................................................................. 61

4.2 PARÂMETROS E QUESTIONAMENTOS SOBRE O USO DA FORÇA LETAL ........................................................................................................................................ 63

5 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................ 72

5.1 QUANTIDADE DE CASOS POR ANO ................................................................. 72

5.2 COMPARATIVO DO NÚMERO DE INTERVENÇÕES: FOLGA X SERVIÇO .. 73

5.3 QUANTIDADE DE CASOS POR MUNICÍPIO ..................................................... 75

5.4 TIPO DE INTERVENÇÃO DO POLICIAL MILITAR ............................................ 76

5.5 ARMAMENTO UTILIZADO PELO POLICIAL MILITAR ...................................... 78

5.6 – DISPAROS EFETUADOS PELO POLICIAL MILITAR .................................... 78

5.7 VITIMIZAÇÃO DO OPONENTE ............................................................................ 79

5.8 VITIMIZAÇÃO DE TERCEIROS............................................................................ 80

5.9 VITIMIZAÇÃO DO POLICIAL MILITAR ................................................................ 81

5.10 LOCAL DE LOTAÇÃO DO POLICIAL MILITAR ................................................ 82

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5.11 TEMPO DE SERVIÇO DO POLICIAL MILITAR ................................................ 83

5.12 IDADE DO POLICIAL MILITAR ........................................................................... 84

5.13 SEXO DO POLICIAL MILITAR ............................................................................ 85

5.14 INSTRUMENTO UTILIZADO PELO OPOSITOR .............................................. 86

5.15 ARMAS DE FOGO APREENDIDAS ................................................................... 87

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 89

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1 INTRODUÇÃO

A Polícia Militar exerce na sociedade um papel fundamental de controle social

difuso, sendo o instrumento de aplicação do monopólio de uso legítimo da força que

o Estado possui. Desde a superação do suposto e controverso Estado de Natureza,

com o devido contrato social firmado, elencado por pensadores como os ingleses

Thomas Hobbes e John Locke, os indivíduos abriram mão do uso privado da força e

transferiram essa prerrogativa ao Estado (VANIN, 2015). As polícias surgem então

como garantidoras do exercício pleno das garantias e direitos individuais e coletivos,

da cidadania, das liberdades e de inúmeros outros elementos determinantes do

Estado Democrático de Direito.

Tornaram-se atividade indissociável do círculo social, obrigadas a sustentar a

ordem, livres de ingerências políticas, assenhoramento, apropriação privada e

satisfação de interesses particulares. Advindas do termo grego politeia, que em seu

sentido individual configura-se como qualidade e direitos dos cidadãos, assim devem

manter-se, a fim de servir aos indivíduos, que no atual Estado de Direito, assumem

papel simétrico de súditos e soberanos.

Em toda sociedade onde se busca o exercício da democracia plena, a manutenção

da harmonia pública garante a proteção dos direitos individuais e assegura o

exercício irrestrito da cidadania. Entretanto, por vezes ocorre a ruptura dessa ordem

pela prática de ilícitos penais, fragilizando o sentimento de segurança entre os

cidadãos. Quando isso acontece o cenário de desestabilização da ordem se agrava

se não houver a intervenção imediata dos agentes de segurança pública, gerando o

sentimento de inoperância do Estado e impunidade dos infratores.

O crime é considerado um fenômeno social, próprio do convívio em grupos. Para

muitos, em uma concepção Hobbesiana, o homem é mau por natureza (SILVA,

2013). Nesse sentido, a violência constitui fenômeno contíguo das relações

humanas, e para controlá-la o Estado assume papel determinante na regulação do

contrato social. Assim, os organismos de segurança justificam suas finalidades para

mitigar essa violência e não com o fito de potencializá-la. Espera-se que entidades

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responsáveis pelo controle de condutas humanas indesejáveis, pautem-se por

comportamentos razoáveis e desprovidos de arbitrariedade.

Ao longo dos anos, destacando-se aqui mais recentemente 2012, 2013 e 2014, o

Governo do Estado do Espírito Santo contratou através de concurso público, um

número expressivo de policiais militares para incremento da segurança pública

estadual e recompletamento das fileiras da Polícia Militar. Nesse período, milhares

de jovens concluíram um dos cursos de formação da instituição, seja o Curso de

Formação de Oficiais ou o Curso de Formação de Soldados. Com isso foram

agraciados com o direito e a responsabilidade de portarem arma de fogo, conforme

a legislação vigente, juntando-se aos demais membros da corporação e perfazendo

um total de 9.295 (nove mil duzentos e noventa e cinco)1 policiais militares no

serviço ativo.

O que se percebe é que o aumento do efetivo e certamente o aumento da

criminalidade, refletiram também na ampliação das intervenções de policiais militares

de folga, em ocorrências policiais. Estando eles no seio da sociedade, realizando

suas atividades diárias, se veem obrigados a intervir ou mesmo se defender, de

situações delituosas variadas.

O uso da força na atividade policial, e aqui se destaca a força potencialmente letal

perpetrada pela arma de fogo, não por exclusão das demais, mas a fim de guardar

relação íntima com o objeto da pesquisa, necessita obrigatoriamente estar pautado

nos critérios de legalidade e legitimidade. Esses critérios impelem o uso

transparente, oportuno e moderado, que concedem a confiança pública e

consentimento social2, assegurando assim a sustentação do mandato policial.

Os atendimentos assistenciais e as intervenções policiais em que o emprego da

força não ultrapassa o limite da simples presença policial, considerado como o nível

primeiro dentro dos critérios de uso diferenciado, permanecem despontando os

1 Efetivo da PMES em 12 de setembro de 2017, conforme levantamento feito junto à Diretoria de Recursos Humanos da Instituição. 2 A aprovação pública é um dos princípios elencados por Sr. Robert Peel, Ministro do Interior da Inglaterra, que em 1829 efetuou a reestruturação da Polícia Inglesa, tornando-se a matriz das instituições policias modernas (LIBORIO, 2016).

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chamados policiais. Ainda assim, quando necessário exercer o monopólio do uso da

força através de outros níveis, a Polícia Militar deve fazê-lo de maneira

rigorosamente técnica, mesmo quando aplicada contra aqueles que violem as regras

de convívio social ou atentem contra os agentes de segurança.

1.1 PROBLEMATIZAÇÃO

Nesse contexto introdutório é vital o conhecimento amplo por parte da instituição,

governo e sociedade, de todas as circunstâncias relacionadas aos fatos onde houve

emprego da força potencialmente letal pelos agentes da lei. Mesmo quando fora de

seu horário regular de serviço, a relevância do tema mantém-se inegável,

constituindo objeto de análise e avaliação constantes, como forma de melhoria da

qualidade do serviço prestado e controle da atividade policial.

Assim, torna-se imperioso esclarecer: Em que circunstâncias ocorreram, em

aspectos quantitativos e qualitativos, as atuações de policiais militares do Espírito

Santo, fora do serviço, em ocorrências policiais em que houve morte de civil, no

período de 2014 a 2016 e quais as consequências dessas atuações?

Estabeleceu-se como hipótese que os militares agiram em defesa da vida /

patrimônio, próprio ou de terceiros, com uso adequado da força.

A pesquisa distingue-se pela inexistência de estudo similar no âmbito da PMES, por

tratar exclusivamente de ações desencadeadas por policiais de folga. Foram

identificadas pesquisas que abordam a letalidade policial de modo amplo, voltando-

se de modo mais incisivo para atos praticados por agentes de serviço.

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo Geral

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Analisar e qualificar as atuações, fora do serviço, de Policiais Militares do Espírito

Santo em ocorrências policiais, com emprego de arma de fogo e morte de civis, nos

anos de 2014 a 2016.

1.2.2 Objetivos Específicos

Analisar aspectos qualitativos das atuações tais como: local do fato, quantidade de

disparos efetuados, idade do policial, tempo de serviço, local de lotação, materiais

apreendidos, vitimização de terceiros, dentre outros.

Identificar os crimes mais comuns contra os quais ocorreram as intervenções dos

policiais militares fora do serviço, bem como o município onde aconteceram.

Verificar se as intervenções desses policiais ocorreram em defesa da vida /

patrimônio próprios e/ou de terceiros.

1.3 JUSTIFICATIVA

1.3.1 Importância Social

A conjuntura social tem revelado um número considerável de acontecimentos

criminosos em nosso estado e uma necessidade óbvia de responsabilização e

punição de seus autores. Os policiais militares, ainda que fora de serviço, são

elementos determinantes nesse ambiente, para a preservação da ordem pública em

seus círculos de convivência. São profissionais treinados, que desfrutam de técnicas

e conhecimentos apurados, contribuindo sobremaneira para um convívio

harmonioso e prevenção de delitos diversos. Não são raros os casos em que, pela

peculiaridade de sua profissão, são demandados por amigos, parentes e vizinhos

para atuarem, de maneira direta ou indireta, em situações conflituosas ou crimes

variados. Ou ainda, enquanto cidadãos, são eles mesmos, vítimas das ações de

criminosos, sendo obrigados a intervir em defesa própria.

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1.3.2 Importância para a PMES

É imprescindível para a instituição policial militar diagnosticar de maneira precisa as

circunstâncias em que têm ocorrido as intercessões dos militares estaduais, quando

fora de seu horário de trabalho, por ocasião da eclosão de qualquer ilícito criminal da

qual tenha conhecimento ou mesmo envolvimento enquanto vítima.

A PMES precisa ter uma análise pormenorizada dessas interferências, mensurando

principalmente a qualidade e os resultados dessas atuações. Existe a máxima

dentro da caserna de que “você é policial 24 horas”. É preciso avaliar até que ponto

essa concepção ideológica incute nos policiais, principalmente um soldado recém-

formado, vulgarmente chamado de “recruta”, um pensamento heroico a ponto de

impelir-lhe comportamento precipitado, quando fora de sua jornada normal de

trabalho.

Ao policial militar em formação e durante sua especialização, é ensinado de maneira

peculiar como atuar durante sua rotina operacional de serviço. Talvez seria o caso

de abrir oportunidade para fornecer-lhe ensinamentos e procedimentos básicos,

para quando deparar-se com crimes durante seu horário de folga, a fim de que não

se omita, nem tão pouco se exponha, comprometendo a segurança pessoal e alheia.

1.3.3 Viabilidade

A pesquisa mostrou-se perfeitamente executável em virtude do material teórico

disponível, da ampla liberdade e acesso do pesquisador para coleta de dados na

Polícia Militar do Espírito Santo, bem como pela disponibilidade de orientador por

parte da instituição.

1.4 METODOLOGIA

O conteúdo teve como insumos as intervenções realizadas pelos policiais militares

do serviço ativo da PMES, fora de seu horário de trabalho, nos anos de 2014, 2015

e 2016, que foram materializadas através do devido registro, ou seja, aquelas em

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que foi elaborado o Boletim de Ocorrência Policial (BOP). Não houve entrave por

eventuais subnotificações, tendo em vista a gravidade e relevância do fato em si

(morte), que impele quase que imediatamente o acionamento dos órgãos de

segurança para providências cabíveis ao caso, consequentemente o registro

equivalente.

Com base na classificação de Ander-Egg (apud MARCONI; LAKATOS, 2002, p. 20),

o trabalho constitui-se em uma pesquisa aplicada, “pois caracteriza-se por seu

interesse prático, isto é, que os resultados sejam aplicados ou utilizados,

imediatamente, na solução de problemas que ocorrem na realidade”.

A pesquisa possuiu natureza descritiva, na medida em que buscou descrever e

analisar a conduta dos policiais militares que atuaram em ocorrências policiais fora

do horário de serviço (BEST, apud MARCONI; LAKATOS, 2002).

Para a realização das atividades o autor valeu-se de pesquisa teórica, através de

estudos bibliográficos, documental, coleta e análise de dados, com base em fontes

primárias (estatísticas, arquivos e registros oficiais) e secundárias (obras literárias).

Além da legislação e doutrina pertinentes, as principais fontes para a coleta de

dados foram:

O Banco de Dados da Gerência de Estatística e Análise Criminal (GEAC) da

Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo

(SESP-ES).

A GEAC configura-se como setor crucial para planejamento, controle e

implementação das ações de Segurança Pública no Espírito Santo e

especificamente da Polícia Militar. Os dados estatísticos minuciosamente

catalogados, permitem subsidiar o emprego técnico e qualitativo do policiamento.

Naquela gerência foram consultados os registros de mortes de civis cometidas por

policiais no período de 2014 a 2016. A partir daí, fez-se a análise individual de cada

registro, a fim de distinguir as ações em que as mortes foram cometidas por policiais

militares, do serviço ativo, no seu horário de folga.

Dados Catalogados na Diretoria de Inteligência (DINT) da PMES.

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Foram consultados os registros existentes sobre a letalidade contra civis, praticada

por policiais militares fora de serviço, além dos Boletins Diários de Informações

(BDIs) da referida Diretoria. Os Boletins Diários de Informações são documentos

produzidos pela DINT, que congregam ocorrências policiais e fatos expressivos

relacionados com a Segurança Pública. Assim sendo, registram as mortes de civis

cometidas por policiais militares, dada a relevância do fato.

Consulta ao Sistema e-COPS – Portal da Segurança / SESP-ES

Foram verificados todos os Boletins de Ocorrências Policiais (BOP), Boletins de

Chamados (BC), Boletins de Atendimentos (BA) e Boletins Unificados (BU), no

período de 2014 a 2016, em que houve registro de intervenção de policial militar fora

do serviço, com morte de civil. A informatização do registro de ocorrências policiais

configura um avanço extraordinário no sistema de segurança pública. O acesso

deste pesquisador, através de login e senha pessoais, permitiu um aprofundamento

irrestrito aos relatos dos documentos redigidos. O sistema encontra-se amplamente

interligado e difundido em nosso estado. Dessa forma, a maioria das ocorrências

policiais cuja natureza guardava relação direta com a pesquisa, foi localizada no

registro on-line. Algumas poucas, por motivos distintos, foram consignadas fora do

ambiente de rede (digital), conforme modelo anterior da instituição, sendo

pesquisadas diretamente nas unidades de origem, onde se encontravam arquivadas.

Consulta aos Relatórios de Inquéritos Policiais Militares (IPMs)

Pesquisou-se Inquéritos Policiais Militares instaurados no período de 2014 a 2016,

para apurar os fatos em que os policiais militares, fora de serviço, atuaram e houve

morte de civis. O objetivo foi acessar o maior número de informações possíveis

sobre os eventos ocorridos. Para tanto, a consulta realizou-se junto à Corregedoria

da Polícia Militar.

Diretoria de Recursos Humanos - DRH

As informações sobre cada policial militar envolvido nas intervenções foram

adquiridas junto à DRH, mediante ficha funcional dos mesmos. Foi avaliado o local

onde serviam à época dos fatos, idade, tempo de serviço, unidade em que serve

atualmente, dentre outros.

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Dessa maneira, o trabalho além do capítulo 1 (parte introdutória) e considerações

finais, apresenta quatro capítulos, que foram assim distribuídos:

No capítulo 2 foi discutida, com base em amplo referencial teórico, a cultura

organizacional das empresas, seus componentes, funções e influências. A partir daí,

apresentou-se a cultura organizacional da PMES. Quais são seus elementos e como

eles influenciam, a partir do recrutamento, o comportamento dos policiais militares. O

papel decisivo da formação policial nessa cultura assentada.

O terceiro capítulo trata do uso de arma de fogo por policiais militares fora de

serviço. Os aspectos legais e sociais que permitem e induzem esses agentes

encarregados de aplicação da lei a portarem arma de fogo, particular ou, na maioria

das vezes, da corporação, no momento de descanso e lazer.

O capítulo 4, debate tema recorrente na sociedade brasileira, abarcado por juristas,

antropólogos, sociólogos, profissionais de segurança, especialistas em segurança

pública e cidadãos: letalidade policial. Argumenta-se acerca do uso da força pelos

agentes encarregados pela aplicação da lei. Busca-se analisar os dados da violência

no Brasil e sua correlação com a violência policial. São apresentados parâmetros

balizadores, que se extrapolados, supõem índices elevados de letalidade policial.

No capítulo 5 é feita a análise detalhada de todos os dados concatenados pelo

pesquisador, possibilitando um aprofundamento dos casos em que houve a

intervenção dos policiais militares fora do serviço.

As considerações finais demonstram a necessidade de cuidado da PMES para com

os casos de intervenções fora do serviço, com o fito de zelar pela integridade física

do policial e demais pessoas, envolvidas ou não, no fato. O número razoável de

registros impõe a obrigação de cuidado institucional, medidas preventivas e

orientadoras.

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2 A INTERAÇÃO ENTRE CULTURA ORGANIZACIONAL, FORMAÇÃO POLICIAL

E O ETHOS GUERREIRO NA POLÍCIA MILITAR

2.1 CULTURA ORGANIZACIONAL

Em toda empresa, organização ou instituição, existe o que se chama cultura

organizacional, que segundo Chiavenato (2010, p. 173) nada mais é do que o

conjunto de elementos (crenças, valores, símbolos, hábitos, etc.) compartilhados

pelos integrantes da organização e que implicam em padronização de

comportamentos, diferenciando-a das demais. Trata-se de uma estrutura de

referência comum e partilhada por uma quantidade significativa de membros.

Schein (apud CURVELLO, 2012) assim define cultura organizacional:

É um conjunto de pressupostos básicos que um dado grupo inventou, descobriu ou desenvolveu no processo de aprender a lidar com os desafios da adaptação externa e da integração interna e que funcionaram suficientemente bem para serem considerados válidos e, portanto, para serem ensinados aos novos membros do grupo, como a forma correta de pensar, sentir e agir em relação a estes problemas (SCHEIN, apud CURVELLO, 2012 p. 30).

A importância da cultura organizacional neste estudo decorre da forte influência que

ela possui no comportamento dos indivíduos e também da necessidade premente de

mudança dessa cultura quando se pretende transformar uma organização.

Durante muito tempo acreditou-se que a mudança institucional guardava relação

exclusiva com alterações tecnológicas e estruturais. Atualmente sabe-se que a

mudança da instituição está intimamente ligada a alterações comportamentais que

decorrem dos elementos existentes em sua cultura.

Assim, é preciso atentar para duas vertentes da empresa, demonstradas na

chamada analogia do iceberg. Nessa comparação, o iceberg representa a

organização, sendo que a parte exposta corresponde ao atributo funcionalista, com

suas hierarquias, normas, métodos, procedimentos e estruturas. Trata-se dos

aspectos formais, visíveis e publicamente observáveis. No entanto, existe também a

parte “submersa” da instituição, a parte oculta, voltada para uma visão construtivista,

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onde reside a cultura, poder, sentimentos, crenças e expectativas. Trata-se dos

aspectos informais, invisíveis e não observáveis publicamente (ASSIS, 2013).

A cultura, elemento da visão construtivista da organização, possui vários níveis,

sendo alguns mais profundos e outros mais periféricos. Conforme a localização do

elemento dessa cultura, mais difícil a sua identificação e mudança (HOFSTED, apud

SANTOS; GONÇALVES, 2010). Analogicamente, para representar os estratos

culturais da organização, utiliza-se o modelo da cebola, em virtude das camadas que

o fruto apresenta (HOFSTED, 1997). Abaixo, nas figuras 1 e 2, segue a

representação desse modelo, com a descrição dos atributos nele inseridos.

Figura 1: Metáfora da Cebola na Cultura Organizacional

Fonte: Adaptado de Hofsted (1997).

Ao apresentar o modelo acima, Hofsted (1997) realiza a descrição de cada um

desses elementos constitutivos, inseridos de maneira mais superficial ou profunda

na cultura organizacional:

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Figura 2: Atributos da Cultura Organizacional

Fonte: Adaptado de Hofsted (1997).

A cultura organizacional é, portanto, um fenômeno holístico, determinado

historicamente e ligada a ritos e símbolos. Criada por interação social e constituída

por valores partilhados, prescreve o relacionamento entre os indivíduos e a

organização, descrevendo o que é comportamento legítimo e ilegítimo.

Essa cultura organizacional possui uma guardiã, que assegura sua manutenção e

preservação, garantindo o status quo, de modo benéfico ou prejudicial, conforme a

condição da instituição no mercado e a percepção de seus clientes. Essa defensora

consiste em uma teia, formada por mecanismos que cercam a cultura organizacional

e impedem a transposição do paradigma instituído. Estruturas, mecanismos de

controle e tipos de liderança são alguns exemplos dos elementos formadores dessa

teia.

Conforme a sua rigidez e força, e dependendo do quanto enraizados estiverem os

elementos de sua composição, maior ou menor será o tempo necessário para a

mudança da cultura organizacional. A figura 3 demonstra um gráfico representativo

da dificuldade de mudança e sua relação temporal.

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Figura 3: Dificuldade na Mudança da Cultura Organizacional

Fonte: GOMES (apud CAMPOS; RÉDUA; ALVARELI, 2011, p. 29).

A partir desse breve panorama, apresentaremos a cultura organizacional da Polícia

Militar do Espírito Santo (PMES), suas influências, mudanças e perspectivas. O

reflexo dessa cultura na atuação dos seus integrantes e a imprescindibilidade de

manter a evolução alcançada até aqui, como forma de adaptar-se às exigências do

mundo contemporâneo, atendendo satisfatoriamente os cidadãos capixabas.

2.2 O ETHOS GUERREIRO

Apoiado na pesquisa teórica e bibliográfica realizada ao longo deste estudo, notou-

se que a formação policial militar é elemento de amplo debate nos meios

acadêmicos e institucionais, a partir de monografias, artigos e teses, enquanto

condição sine qua non para a reformulação da organização, a fim de aproximá-la

cada vez mais das exigências civis e alicerces democráticos de nossa sociedade.

Isso se deve às obrigações e consequências legais de suas ações. Nesse sentido,

afirma Muniz (2001):

As polícias contemporâneas, talvez mais que qualquer outra agência de defesa e controle social difuso, tornaram-se extremamente permeáveis e sensíveis às constantes transformações do mercado da cidadania. Seu lugar na sustentação do estado de direito é direto e executivo. Até porque, os efeitos positivos e negativos de sua ação ou de sua inação são imediatamente sentidos pela população (MUNIZ, 2001, p. 3).

França e Gomes (2015) tratam de uma pedagogia militarista aplicada na formação

policial militar, que destaca o sofrimento como modo de conquista, e “ratifica uma

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condição de força a ser reproduzida na atividade exercida nas ruas, o que conforma

e reafirma o ethos guerreiro” (FRANÇA; GOMES, 2015, p. 155).

Os debates sobre a educação policial tendem quase sempre a esposar ideias que

repreendem os métodos e práticas adotados nos cursos de formação ou mesmo

especialização, que culminariam em intervenções abusivas e desrespeitosas por

parte dos membros da instituição, durante suas atividades profissionais cotidianas,

conforme ressalta Muniz (2001):

Note-se que, salvo raras exceções, as principais críticas da população e dos segmentos civis organizados, identificam as práticas correntes de brutalidade policial, de uso excessivo da força e demais empregos arbitrários do poder de polícia, como um dos efeitos perversos do “despreparo” e da “baixa qualificação profissional” dos policiais militares. Reportam-se, portanto, ao descompasso existente entre a destinação das polícias de “servir e proteger” o cidadão preservando uma ordem pública democrática e contemporânea, e os conhecimentos, técnicas e hábitos aprendidos pelos PMs, que ainda estariam refletindo as doutrinas e mentalidades herdadas do nosso passado autoritário (MUNIZ, 2001, p. 3).

Muniz (1999) destaca a mudança visível naqueles que ingressam na carreira policial

militar e passam a assumir o ethos peculiar:

A construção do ethos policial militar, ou melhor, a ressocialização no mundo da caserna imprime marcas simbólicas que são visíveis ao primeiro olhar, que se mostram evidentes logo no primeiro olhar. O espírito da corporação encontra-se cuidadosamente inscrito no gestual dos policiais, no modo como se expressam, na distribuição do recurso à palavra, na forma de ingressar socialmente nos lugares, no jeito mesmo de interagir com as pessoas [...] (MUNIZ, 1999, p. 285).

Freitas e Almeida (2006, p. 40) afirmam que “[...] o homem ao ingressar nas fileiras

das polícias militares vai deixando para trás as suas manias e vícios que o

identificavam como civil, ou mundo dos ‘mortais’, para se tornar um ‘super-herói’, até

com o risco da própria vida”.

Em meio a estratégia de modernização do ensino é preciso considerar que ao longo

de muito tempo a formação policial militar no Brasil sempre se voltou para uma

mentalidade guerreira, de enfrentamento e combate ao inimigo. Técnicas de

sobrevivência, antiguerrilha e canções de guerra, fizeram, em alguns casos ainda

fazem, parte da rotina diária das Academias de Polícia. Ainda que, Exército e

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Polícia Militar possuam atribuições constitucionais distintas, os treinamentos e

identidade profissional correlacionam-se, por serem carregados de elemento

beligerante. (LEITE, apud FRANCO; SILVA, 2017).

Quando se diz que ainda fazem parte, destaca-se aqui os conceitos amplamente

difundidos nos meios acadêmico e pedagógico, de currículo formal e currículo real,

que no ambiente de educação policial assumem relevância expressiva.

As disciplinas, conteúdos e ações educativas encontram-se previamente designadas

no currículo formal, oficialmente aceito e propagado de maneira institucional,

conforme padrões nacionais de formação policial, exercendo também o controle no

processo ensino-aprendizagem. Porém, junto a ele, atrela-se o currículo real,

materializado de forma explícita ou oculta. Nele inserem-se não somente o

direcionamento e a interpretação pessoal dada pelos professores aos conteúdos

previstos no modelo formalizado, mas também práticas diárias de tratamento

pessoal (superior x subordinado e vice-versa), rituais (formaturas e cerimônias),

simbolismos (marchas, continências, canções) e outros elementos da rotina escolar

e cultura organizacional.

A designação currículo oculto, apesar de ser uma terminologia técnica e específica

da área da educação, constituindo uma das faces do currículo real, é tão presente

em nossa instituição que se tornou de conhecimento amplo, principalmente por parte

daqueles que exercem atividade de instrução na Polícia Militar. Normalmente está

vinculada a aspectos pejorativos, sarcasmos e excessos. O currículo real possui

tamanha relevância que alguns estudiosos sobre o tema acreditam que ele possa

influenciar mais na socialização do estudante do que o próprio conteúdo prescrito.

Se, por um lado, os policiais se constroem no currículo real, na sua forma seja manifesta seja oculta, por outro lado, o currículo formal é inerte diante da força do vivido. Não há consonância entre as propostas do currículo prescrito e o currículo em ação. Enquanto o formal propões [sic] preceitos democráticos, de respeito e proteção aos cidadãos, assentados nos direitos humanos, as redes de relação construídas no cotidiano escolar, com base na rígida hierarquia, nas experiências arbitrárias, nas práticas autoritárias, sobrepõem-se e terminam por influir definitivamente na real formação dos policiais militares (ALVES, 2004, p. 6).

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As práticas educacionais desenvolvidas com base no currículo oculto e que nos

cursos de especialização de cunho eminentemente operacional3, revelam-se de

modo ainda mais evidente, possuem uma origem própria, decorrente da

militarização das polícias, configurando-se como uma herança nociva e temerária.

Storani (apud FRANÇA; GOMES, 2015, p.148) trata dos cursos de especialização

promovidos por tropas especializadas, naquilo que ele chama de “conversão dos já

convertidos”. Nesses cursos, evidencia-se de modo mais categórico a pedagogia do

sofrimento “nas quais a violência física contra os alunos e a pressão psicológica

aliada à capacidade de superação são os principais balizadores morais” (STORANI

apud FRANÇA; GOMES, 2015, p. 149).

Ao contrário do que ocorreu com outras instituições policiais internacionais,

principalmente aquelas do hemisfério norte-ocidental, as polícias brasileiras não

foram inicialmente concebidas para o exercício do policiamento ostensivo urbano,

assumindo, portanto, uma vertente demasiadamente militar, voltada para a defesa

do Estado, em sobreposição aos aspectos policiais e de Segurança Pública

(ALBUQUERQUE; MACHADO, 2006).

As polícias brasileiras nasceram no ano de 1809, subordinadas concomitantemente

ao Ministério da Guerra e Ministério da Justiça portugueses, com estrutura e

funcionamento idênticos ao Exército Brasileiro (EB). Vale ressaltar que, até hoje

esse modelo de organização das Forças Armadas subsiste e ancora as instituições

policiais do nosso país, em virtude do chamado atravessamento sofrido pelas forças

públicas de segurança ostensiva:

Tomando as Forças Armadas como figura paterna identificatória, a PM adotou seu repertório simbólico para expressar seu papel de órgão que está mais voltado para a segurança do Estado do que para a segurança pública, dentro do que se poderia chamar de atravessamento de uma por outra instituição (Bayley, 1985; Waldman, 1996; Baremblitt, 1980). O atravessamento acontece quando o núcleo de uma instituição perpassa a essência da outra, modificando seus traços genéticos e as definições dos seus membros. É quando a corporação policial, atravessada, assim, pela lógica militar, toma o Exército como referencial para a construção da identidade profissional dos seus membros (ALBUQUERQUE; MACHADO, 2006, p. 9).

3 São assim conhecidos os cursos policiais pós-formação inicial, de conteúdo peculiar, destinados a fornecer conhecimentos, desenvolver competências e habilidades específicas em ações e operações policiais, normalmente vinculados às atividades desenvolvidas por unidades especializadas.

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Muniz (1999) acrescenta uma série de comparações implícitas feitas entre as

Polícias Militares e o Exército Brasileiro, em uma amálgama de signos, ideologias,

valores e atribuições:

Alegorias associadas à simbologia da guerra, como o “combate”, o “confronto”, o “inimigo”, etc., são empregadas tanto no senso comum quanto na mídia para descrever as ações da polícia e para cobrar iniciativas e formas de intervenção. Também são freqüentes [sic] as fabulações que vinculam a função de polícia a uma “guerra contra o crime” [...] (MUNIZ, 1999, p. 12).

Outro exemplo incontroverso deste atravessamento das Forças Armadas nas

Polícias Militares é o fato de que, ao longo de vários anos, com autorização legal

para tal, Oficiais das Forças Armadas (FFAA) comandaram Polícias Militares

Estaduais ou exerceram a função de Secretários Estaduais de Segurança Pública.

Esse influxo está adstrito ao próprio texto constitucional, que designa as polícias

ostensivas como “forças auxiliares e reserva do exército” 4. Dessa feita, o militarismo

das FFAA influenciou não somente a estrutura, composição e organização das

polícias militares, incluindo a PMES, mas também a sua formação.

Considerando o emprego voltado para o controle das fronteiras, guerras5 e conflitos

internos (motins e revoltas populares), sendo inclusive prevista a atividade primeira

de Segurança Nacional nas Constituições Federais anteriores a 19886, as polícias

assim foram treinadas.

Esse treinamento, cujo fim era específico e dissociado da necessidade da

sociedade, carreou embaraços e entraves para a evolução das polícias, conforme

dito por Muniz (2001):

4 Constituição Federal – “Art. 144 [...] § 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares,

forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” (BRASIL, 1988). 5 A Guerra do Paraguai foi um dos exemplos de utilização de Corpos de Polícia / Guarda Nacional em

batalhas militares. 6 A Constituição Cidadã de 1988 que primeiramente atribuiu enfoque particular aos assuntos policiais,

através do capítulo específico “Da Segurança Pública”, dissociado do contexto amplo da Segurança Nacional.

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Uma das maiores barreiras para as substantivas mudanças no processo formativo dos policiais provém, exatamente, de uma característica marcante da cultura institucional das PMs. Refiro-me, particularmente, ao legado pernicioso deixado pela Doutrina de Segurança Nacional que, segundo os próprios policiais, teria contribuído, de forma decisiva, para “um [longo] período de desvirtuamento” das instituições policiais militares. Como vimos o direcionamento e a mobilização dessas agências para o combate aos virtuais “inimigos do regime militar” - intervenções, é importante enfatizar, estranhas e contrárias às missões propriamente de polícia – comprometeram sensivelmente a necessária profissionalização das tarefas de policiamento estrito senso, atrasando, em décadas, o processo formativo dos policiais militares (MUNIZ, 2001, p. 10).

O mecanismo de formação profissional dos policiais militares inicia-se pela

interrupção abrupta com o mundo civil, onde o cidadão passa a ser designado pelos

milicianos, como paisano7, quase sempre de maneira pejorativa. Vidich e Stein

(apud CASTRO, 2004, p. 81) “veem o processo de tornar-se um soldado como uma

‘dissolução’ da identidade civil anterior e a aquisição de uma nova identidade militar”.

Nesse sentido, a fim de sedimentar o rito de passagem entre esses dois mundos,

(civil x militar), inicia-se o processo de docilização dos recrutas que, passando pelo

corte de cabelo, hinos, canções, trajes e linguajar, ganha corpo através das

instruções. Segundo Foucault (2005, p. 118) “é dócil um corpo que pode ser

submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”. Aliás,

é preciso destacar que os alunos eram formados através de instruções8 e

instrutores, e não por intermédio de aulas e professores, demonstrando o espólio da

estrutura das Forças Armadas.

A formação policial tradicionalmente centrada na concepção de “treinamento”, onde o policial é condicionado ao cumprimento de ordens e adstrito em seus atos à “cadeia de comando”, somente reforça a concepção hierárquica da sociedade para a existência e emprego do aparato policial, criando-se uma contradição com as exigências de que estes policiais estejam aptos a responder a situações dinâmicas, difusas e emergenciais (PEREIRA, 2002, p. 16).

O militarismo e a sua estrutura de formação têm como objetivo principal forjar o

futuro indivíduo, militarizado, hierarquizado e burocratizado, que reflete a

corporação. Castro (apud FREITAS; ALMEIDA, 2006), define isso como espírito

7 “Paisano” é o nome utilizado no jargão policial militar para definir os civis (não policiais).

8 Atualmente a designação Instrução é direcionada para a formação policial continuada, enquanto o

termo Ensino refere-se à formação inicial do policial militar, oriundo do meio civil. Porém, independente de ser formação inicial ou continuada, normalmente os docentes militares são chamados instrutores, enquanto os civis denominados professores (ALVES, 2004).

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militar, que passa a fazer parte da personalidade, condicionando o policial ao rígido

cumprimento de normas e regulamentos, deixando para trás a investidura civil.

No mesmo sentido afirma Pereira (2002):

Com base em suas características internas, seu histórico e suas missões específicas e exclusivas, há toda uma organização social militar própria, onde a “identidade militar”, segundo Leirner, é construída, em oposição ao “mundo civil”, sendo que o processo de formação social profissional estabelece-se através da construção de fronteiras simbólicas entre os “dois mundos”, iniciando-se nos Cursos de Formação este processo de construção da identidade própria, o “espírito militar” (PEREIRA, 2002, p. 23).

A reprodução do militarismo fez-se presente de forma imanente nos treinamentos

das polícias militares, com ênfase na violência, agressividade e força bruta,

alavancando um pensamento beligerante de matar ou morrer. Marchas, simulações

de sequestros, agressões gratuitas e submissão intensa a agentes lacrimogêneos,

são apenas alguns exemplos que confirmavam os abusos dos treinamentos militares

intensivos. França e Gomes (2015, p.146) abordam o assunto, esclarecendo que a

profissionalização dos alunos policiais militares ocorre através do sofrimento físico e

psíquico, “com o mote orientador da construção de uma vontade bélica de proteger a

sociedade, de acordo com a crença policial”.

Não foram raras as vezes que os excessos cometidos por instrutores

despreparados, algumas vezes com consequências fatais, foram largamente

noticiados na imprensa nacional. Somam-se a isso os vídeos (não institucionais)

disponíveis livremente na internet, onde são registradas algumas práticas acima

narradas, sem qualquer tipo de restrição, demonstrando convicção pessoal de

legitimidade das ações por aqueles que a conduzem.

Albuquerque e Machado (2006), ao descreverem uma das atividades de formação

na Polícia Militar da Bahia, afirmam que privações de comida, água e sono, além de

exercícios físicos, arbitrariedades, punições públicas, deboches e inúmeras formas

de supressão de direitos individuais, eram agregados aos roteiros de atividade,

sempre com o pretexto de forjar combatentes e desvincular os neófitos do mundo

civil. “É necessário lavar a alma dos restos que ficaram da velha condição civil. O

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sabão não há de ser outro senão a dor, o sacrifício” (ALBUQUERQUE; MACHADO,

2006, p. 14). Nesse ambiente hostil e desregrado, o policial é obrigado a despir-se

de seu “eu”, de suas individualidades e pessoalidades, passando a fazer parte de

um espírito gregário, uma confraria.

Ainda segundo os autores, quanto mais boçal e violenta a instrução, mais

reconhecida ela era. Nesse sentido, as marcas (lesões) por ela deixadas,

configuravam um diário, que registrava todas as atrocidades vividas no rito de

purificação e transmissão de identidade.

Somam-se a isso as tradicionais Charlie-Mike9 ou Canções de Guerra, que apesar

de refutadas pelos princípios democráticos e de cidadania, além de proibidas em

quase todos os quartéis policiais do Brasil, ainda fazem parte do cotidiano policial.

Prova disso foi a experiência pessoal vivida por este pesquisador, quando

presenciou algumas vezes, juntamente com colegas do Curso de Aperfeiçoamento

de Oficiais (CAO), a entoação irrestrita dessas canções por policiais que realizavam

treinamento de atualização profissional no Instituto Superior de Polícia (ISP) da

PMES. Como exemplo, segue abaixo uma das canções, entoada no dia 08 de maio

de 2017, durante o descolamento do grupo de instruendos, enquanto subiam a

alameda do Stand de Tiros da escola, em direção a uma das salas de aula. O fato

foi registrado em vídeo por um grupo de alunos do CAO e discutido durante

apresentação de seminário da Disciplina Teoria de Polícia e Cultura Policial:

Demônios camuflados surgem da escuridão Sentinelas ensanguentados no rastejo pelo chão Me pergunte de onde venho, venho da escuridão Trago a morte, o desespero e a total destruição Sangue frio em minhas veias congelou meu coração Nós gostamos de explosivos, nosso lema é vibração Quero ver o inimigo se arrastando pelo chão Com a perna amputada, implorando o meu perdão. (Disponível em: <http://bizudotfm.blogspot.com.br/p/comandos.html>. Acesso em: 13 de junho de 2017).

Refletindo sobre o tema, Alves (2004) sustenta:

9 Charlie-Mike refere-se às letras do alfabeto fonético (CM), que no caso específico, constituem a sigla informal de Canção Militar.

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Não há dúvida de que está consolidada a figura do mártir, que defende o território nacional em guerra, contra o inimigo estrangeiro. Mas não é atribuição da polícia fazer a defesa nacional, já que essa função é do Exército Brasileiro. Então, se a polícia não possui um inimigo estrangeiro, quem será o seu inimigo? Serão aquelas pessoas que andam à margem da sociedade? Aquelas pessoas cujo estereótipo já gera a suspeição da polícia (os pobres e negros)? Será o líder sindical, o militante dos partidos de esquerda, as pessoas envolvidas com o MST, o morador das favelas? Essa reflexão é pedra angular para a revisão do conteúdo das músicas que ecoam aos quatro ventos, todos os dias, no CFA. Aquelas que os alunos já entoam mecanicamente, cujas mensagens estão devidamente incorporadas no inconsciente de cada um deles (ALVES, 2004, p. 81).

Essas canções não oficiais criadas pelos próprios integrantes da tropa, têm como

objetivo, aspectos motivacionais, agregadores e são entoadas durante os

deslocamentos das frações militares, tanto no ambiente interno quanto externo.

Ocorre que, muitas delas possuem conteúdo demasiadamente violento, atrelado às

ações militares de morte, destruição e inimigo, em total desconformidade com a

profissão policial militar. Assim destaca Pereira (2002) ao tratar especificamente

dessa musicalidade combativa nas instituições policiais militares de nosso país:

Apesar de todo o “discurso oficial” adotado sobre as reais missões e formas de atuação do Agente de Segurança do Cidadão, o formando está sujeito em seu novo ambiente, na prática, a todo peso do ethos militar e à imagem subjetiva do “valor do combate ao inimigo” e, ao entoar diuturnamente Canções de Guerra destoantes da correta visão de sua missão policial (PEREIRA, 2002, p. 51).

A Canção do Soldado Capixaba, da Polícia Militar do Espírito Santo, assim como

inúmeros outros hinos e canções das demais forças públicas de segurança dos

entes federados e das Forças Armadas, reflete muito bem os valores e preceitos

exaltados:

Canção do Soldado Capixaba10 REFRÃO Sou soldado da terra de Ortiz Missão nobre me impõe o dever Defender com ardor meus país Pela Pátria vencer ou morrer. Na peleja sou bravo, sou forte Do inimigo não temo a metralha. E desdenho até mesmo a morte No entrechoque feroz da batalha. (bis)

10

Disponível em: <https://www.letras.mus.br/abdom-rodrigues-cavalcante/1071538/>. Acesso em 20 de maio de 2017 (grifo nosso).

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Camarada, marchemos avante, Desfraldando a Sagrada Bandeira Que na luta será triunfante A invencível nação brasileira! (bis) REFRÃO Sou soldado da terra de Ortiz Missão nobre me impõe o dever Defender com ardor meus país Pela Pátria vencer ou morrer. Na peleja sou bravo, sou forte Do inimigo não temo a metralha. E desdenho até mesmo a morte No entrechoque feroz da batalha. (bis) Sou herói destemido e valente Sei amar com fervor minha terra Vivo sempre feliz e contente Quer me encontre na paz ou na guerra Já se ouve o soar da corneta Camaradas avante, marchemos! Carregar e amar baioneta Pela Pátria querida lutemos Letra: Walfredo Rubim Música: Abdom Rodrigues Cavalcante

Leviano seria, deixar de considerar a forte influência que hinos e canções exercem

na formação e imaginário policial. Isso porque, sabe-se que a música é elemento

que desperta sentimento e emoções, bons ou ruins. “A música [...] como meio de

transmissão de mensagem enfatiza elementos subjetivos e intersubjetivos e,

enquanto maneira de se comunicar, desperta sentimentos, afeições e emoções,

segundo a visão subjetiva dos indivíduos” (ANDREO, 2014, p. 4). A autora destaca

ainda o papel da música com a edificação da identidade do indivíduo e dos grupos,

afirmando que: “A música possui funções sociais e psicológicas que contribuem na

expressão de valores, na cultura, na veiculação da história e da educação, na

formação da identidade comunitária e individual do homem [...]” (ANDREO, 2014, p.

4).

Ao debruçar-se sobre esse tema específico da influência musical no cotidiano do

aluno policial, Alves (2004) discorre:

[...] Os alunos recém-chegados à academia recebem um hinário de bolso que devem levar consigo por toda parte. Após o almoço, os mais antigos acompanham-nos à sala de aula para ensaiar todas as canções e para decorar as letras dos hinos. Nas formaturas matinais são observados seus desempenhos. Através dos hinos e canções militares o militarismo resiste

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ao tempo. São mensagens de combate, de guerra, de afronta ao inimigo, de um patriotismo viril. Um aglomerado de mensagens que contribuem para a construção do imaginário do policial bravo, forte e corajoso, ou seja, a imagem do guerreiro intrépido, do herói destemido. Um soldado que está pronto para matar ou morrer [...] (ALVES, 2004, p. 79).

Essa teatralidade de treinamentos, canções e outras práticas afins, demonstram um

oblívio com os preceitos democráticos e republicanos, além de antagonismo com o

discurso de boas-vindas e receptividade aos discentes, quando da aprovação no

concurso. A reprodução de tais práticas militares na formação dos policiais evidencia

total ausência de cultura própria das forças públicas de segurança estatal,

assumindo um espectro de exército, sendo treinado como tal, para enfrentar a

“guerra civil”.

Freitas e Almeida (2006) destacam a ineficiência de tais treinamentos na formação

policial:

A grande contradição dessa “roupagem” militarista é justamente no momento de prestar o serviço junto à sociedade, que é diferente do “combate ao inimigo”. Como no vocabulário do policial “na prática é outra coisa”, é nessa hora da verdade que a formação policial externa a sua fragilidade e inadequação com a prestação de serviços aos quais é destinado. (FREITAS; ALMEIDA, 2006, p. 40).

Discorrendo no mesmo sentido e corroborando com esses autores, Alves (2004),

também alerta sobre as consequências prejudiciais decorrentes do ensino ou

treinamento incompatíveis:

Essa situação de dura cobrança e de nenhum preparo, de nenhum acompanhamento individualizado incluído no currículo prescrito gera humilhação e revolta e pode estar se constituindo num dos fatores que contribuem para o crescimento do bolo de agressividade e de revolta que se vai criando entre os futuros profissionais. Essa verdadeira “panela de pressão” só vai estourar lá fora, na rua, onde ele vai “descontar” toda a pressão e humilhação sofridas na época de formação (ALVES, 2004, p. 79).

A partir desse cenário posto, examina-se a seguir a formação (inicial e continuada)

na Polícia Militar do Espírito Santo, enquanto elemento transformador da cultura

organizacional, apresentando os avanços alcançados até aqui e os entraves a

serem superados.

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2.3 O ENSINO E INSTRUÇÃO NA PMES

A Polícia Militar do Espírito Santo apresentou uma evolução acentuada em sua

formação e qualificação profissional, acompanhando o movimento de reforma das

instituições policiais brasileiras, mencionadas por Albuquerque e Machado (2006):

Iniciado no final da década de 80 e acelerado na década de noventa, o movimento de reforma das polícias brasileiras adotou o mesmo pressuposto da reforma dessas organizações nos países do hemisfério norte-ocidental (Hermer, 2001), o pressuposto de que o treinamento seria o fator chave para a efetivação de mudanças nas polícias (Post-Gary, 1992; Burger, 1998; Palmiotto, 2000) (ALBUQUERQUE; MACHADO, 2006, p. 2).

Tomando por referência a Matriz Curricular da Secretaria Nacional de Segurança

Pública11, do Ministério da Justiça, com suas diretrizes pedagógicas e áreas

temáticas, a formação policial militar no Espírito Santo evolui de maneira

interminável, como deve ser, a fim de se adequar a uma sociedade democrática e

participativa.

O alinhamento do ensino na PMES com a Matriz Curricular Nacional encontra-se

consignado de maneira expressa nas Normas para Planejamento e Conduta do

Ensino (NPCE), que têm por finalidade estabelecer preceitos para o planejamento e

conduta do ensino profissional na Corporação:

Art. 7º. O ensino profissional abrange os princípios pedagógicos e as áreas de conhecimento contidas na Matriz Curricular Nacional da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) (POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO, 2017, grifo nosso).

De modo similar, as Normas para Planejamento e Conduta da Instrução (NPCI), que

estabelecem critérios para o planejamento e conduta da instrução profissional na

Corporação, também guardam relação direta com a SENASP:

11

A Matriz Curricular Nacional consiste em parâmetro teórico-metodológico para s ações formativas - inicial e continuada - dos profissionais da área de segurança pública, independentemente do nível ou da modalidade de ensino que se espera atender. Seus eixos de articulação e áreas temáticas norteiam, inúmeras ações e projetos executados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. (BRASIL, Ministério da Justiça, 2014).

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Art. 8º. A instrução profissional abrange as seguintes áreas de conhecimento, conforme diretrizes da Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP: I – Sistemas, Instituições e Gestão Integrada em Segurança Pública; II – Violências, Crime e Controle Social; III – Cultura e Conhecimento Jurídico; IV – Modalidades de Gestão de Conflitos e Eventos Críticos; V – Valorização Profissional e Saúde do Trabalhador; VI – Comunicação, Informação e Tecnologias em Segurança Pública; VII – Cotidiano e Prática Policial Reflexiva; VIII – Funções, Técnicas e Procedimentos em Segurança Pública (POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO, 2009, grifo nosso).

Assim como sustenta Alves (2004), os dispositivos normativos acima mencionados

trazem em seus conteúdos a diferenciação existente entre Ensino (atividade de

formação inicial) e Instrução (atividade de formação continuada), demonstrando de

maneira inequívoca a importância complementar e igualmente relevante de tais

processos na capacitação profissional.

A iniciativa do governo federal, a partir da Matriz Curricular Nacional, visa referenciar

e orientar uma malha curricular de conteúdos mínimos para aqueles que atuam na

área da Segurança Pública, chamando para si a responsabilidade de elaboração e

tentativa de padronização dos currículos e da formação desses profissionais em

âmbito nacional.

Assim, ainda em conformidade com o parâmetro nacional, encontram-se regrados

no artigo 6º da NPCE, quais os objetivos do ensino na PMES:

Art. 6º. Os objetivos do ensino são: I – proporcionar formação técnico-profissional aos integrantes da Corporação, habilitando-os para o exercício das diversas funções e desenvolver-lhes o senso de respeito às leis, as convicções democráticas, a responsabilidade e a cidadania; II – proporcionar condições para uma perfeita compreensão das transformações sociais, bem como do papel das instituições policiais no Estado Democrático de Direito; III – despertar valores essenciais para o convívio social, como centro de excelência no desenvolvimento humano dos profissionais de segurança pública e defesa social; IV – desenvolver o comprometimento com os princípios éticos de valorização e promoção dos direitos humanos, a polícia comunitário-interativa e com as orientações da Política Nacional de Segurança Pública; V – estimular o espírito de corpo, a devoção à carreira e a profissionalização dos integrantes da Corporação; VI – garantir uma formação e qualificação permanente baseada na constante atualização tecnológica (POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO, 2017).

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De maneira similar, o art. 7º da NPCI estabelece:

Art. 7º. Os objetivos da instrução profissional são: I – proporcionar atualização técnico-profissional ao integrante da Corporação, habilitando-o para o exercício das diversas funções e desenvolvendo-lhe o senso de respeito às leis, as convicções democráticas, a responsabilidade e a comunitarização; II – proporcionar condições para uma perfeita compreensão das transformações sociais bem como o papel das instituições policiais no estado democrático de direito; III – despertar valores essenciais para o convívio social, como centro de excelência no desenvolvimento humano dos profissionais de segurança pública e defesa social; IV – desenvolver o comprometimento com os princípios éticos de valorização e promoção dos direitos humanos e com as orientações do Programa Nacional de Segurança Pública; V – estimular o espírito de corpo, a devoção à carreira e a profissionalização dos integrantes da Corporação; VI – desenvolver capacidades para absorção de mudanças tecnológicas; VII - Desenvolver o processo de disseminação de doutrina policial padronizada com base em constante atualização de técnicas, métodos e processos de intervenção policial, visando prover os policiais militares no exercício de suas funções de habilidades exigidas pela dinâmica das demandas sociais, ampliando e sedimentando conhecimentos adquiridos em cursos anteriores; VIII - Desenvolver e gerenciar pesquisas, sistemas e programas de capacitação na área policial, bem como a avaliação de conhecimento profissional sistemática do militar quanto a sua APTIDÃO para o exercício da função policial; IX - Fortalecer e incentivar a pesquisa e estudos relativos ao aprimoramento da atividade de instrução profissional na Corporação. (POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO, 2009).

A Diretoria de Ensino, Instrução e Pesquisa (DEIP)12 da instituição, mostra-se

atuante e com uma visão de vanguarda nesse aspecto, implementando e gerindo

cursos da corporação, com base em Projetos Político-Pedagógicos (PPP) e

Programas de Ensino e Aprendizagem por Competências (PEAC), baseados em

critérios específicos de Conhecimentos, Habilidades e Atitudes (CHA). O resultado

esperado é uma polícia cidadã, serviço de excelência e reduzido número de

denúncias e reclamações perante o órgão correcional da instituição.

O esforço e dedicação da Polícia Militar do Espírito Santo, mais precisamente dos

integrantes da DEIP, na melhoria e aperfeiçoamento do ensino e instrução na

corporação, foram reconhecidos e coroados no ano de 2016, quando o Centro de

12

A Diretoria de Ensino e Instrução e Pesquisa é responsável pela gestão da formação inicial e continuada da PMES. Exerce atividades do sistema de ensino, instrução, pesquisa e extensão relacionadas com a formação, habilitação, aperfeiçoamento e atualização profissional dos militares estaduais (Disponível em: <http://www.pm.es.gov.br/ome/diretorias.aspx>. Acesso em 14 de abril de 2017).

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Formação e Aperfeiçoamento – CFA, foi transformado em Instituto Superior de

Ciências Policiais e Segurança Pública da Polícia Militar do Espírito Santo

(ISP/PMES), adquirindo competência para ofertar cursos de graduação e pós-

graduação lato sensu.

Trata-se de Unidade Escola, que tem o mister de formar, no sentido positivo e

construtivo da palavra, os valorosos guardiões da sociedade capixaba, que além do

vasto conhecimento para atuação ilibada na preservação da ordem, devem carregar

consigo os atributos benignos do militarismo, que os fazem distintos da sociedade

civil, por valores de camaradagem, coragem, rigidez, garbo e outros. Essa distinção,

no entanto, relacionada ao ethos do policial militar, não pode em hipótese alguma

confundir-se com separação e afastamento. O policial militar deve ter em si,

indubitavelmente, o sentimento de pertencimento social, de inclusão, desenvolvendo

assim sua atividade de servir e proteger baseada nos preceitos de legalidade,

cidadania, Direitos Humanos e outros.

Contudo, apesar do enorme progresso alcançado até aqui, graças aos esforços por

todos aqueles que labutam direta e indiretamente no processo de ensino-

aprendizagem da PMES, muito ainda há que se fazer. A instituição introduziu, já na

década de 90, em seu conteúdo de formação e aperfeiçoamento, a disciplina

Direitos Humanos, demonstrando claramente seu compromisso e visão de futuro.

Porém, mais de duas décadas depois, ainda presenciamos práticas que não

dialogam com os preceitos humanitários.

Uma mistura indistinta e de difícil separação entre cultura organizacional e currículo

informal, moldam condutas muitas vezes desviantes por parte de professores,

instrutores e coordenadores de cursos. As práticas e rituais narrados no tópico

anterior fazem parte de um currículo nem tão oculto assim. Em determinados cursos,

principalmente de grupos ou unidades especializadas, através do exercício da

formação continuada, apresentam-se como práticas corriqueiras, reproduzindo

padrões desvirtuados e despertando um imaginário nebuloso entre os futuros

candidatos.

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Faz-se imperioso distinguir aquilo que é necessário do que é executado por mera

satisfação pessoal daqueles que comandam. Em certos casos, com propósitos bem

definidos, atividades de submissão a agentes lacrimogêneos, privações de sono,

restrição de comida e exercícios extenuantes, guardam relação direta com situações

e qualidades que se espera desenvolver nos discentes. Em outros, porém,

extrapolam o limite da razoabilidade e comprometem a segurança dos envolvidos.

Algumas práticas mostram-se desnecessárias e infundadas, com o fito exclusivo de

sugar13 os alunos e atribuir ao treinamento o nível máximo de dificuldade, sem

guardar qualquer relação com a utilização prática. Aliás, quanto maior o nível de

dificuldade do curso, mais reconhecido ele é na corporação. Não são raros os casos

em que os concludentes ostentam através de tatuagens, camisas, bonés e adesivos,

os símbolos representativos dos distintivos dos cursos que finalizaram.

Como exemplo, relata-se que este pesquisador já identificou ao longo dos anos,

militares com tatuagens de brevês do Curso de Ações Táticas Especiais, Curso de

Controle de Distúrbios Civis, Curso de Operações Especiais e outros. Além disso,

constata-se por simples observação, um enorme número de motos e veículos

particulares marcados com adesivos contendo os mesmos brevês, de forma a

ostentar e identificar o policial como um dos seletos concludentes do curso.

Os rituais são similares em quase todos eles, podendo esse pesquisador comentar

com certa propriedade, já que concluiu, coordenou ou atuou como instrutor em

alguns. Presenciou atos que, em um primeiro momento, a olhos desinformados,

poderiam ser considerados inapropriados. Somente o transcorrer do tempo

desvendaria os motivos daquilo que era feito. Tais atos relacionavam-se com

conhecimentos, habilidades e aptidões policiais, atreladas à operações de

segurança pública. Por outro lado, não se pode negar também, que algumas

condutas e práticas eram descartáveis e pejorativas, sem qualquer caráter

pedagógico, em nada acrescentando aos conhecimentos dos alunos.

13

Gíria militar, amplamente utilizada para designar exigências intensas direcionadas a subordinados.

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Ao tratar da ritualística e conteúdo de alguns cursos na PMES, Alves (2004), afirma

que:

Os conteúdos veiculados nesse curso são fortes. Agem diretamente sobre o inconsciente e o comportamento dos jovens alunos em formação, bem como dos policiais já formados e vão de encontro os conteúdos e à ideologia passados por meio da disciplina DDHH. Palavras como inimigo, guerra, luto, morte, combate não complementam a proposta de DDHH de proteção à vida, do controle da criminalidade, da extinção da violência, ou seja, dos ideais humanitários proclamados pelos pactos internacionais. Ao contrário, solidificam a visão guerreira herdada dos ideais do Exército Brasileiro, que influenciou, por décadas, a formação das polícias militares completamente destinadas ao preparo para a participação em conflitos armados e à defesa do território nacional (ALVES, 2004, p. 125).

São os grupos especializados e seus cursos que despertam, em um primeiro

momento, o desejo da maioria dos policiais que ingressam na PMES. Armamentos,

equipamentos, fardas e viaturas diferenciados, instigam os novatos a uma atração

calorosa, que se fortalece na medida em que passam a ter maiores contatos com os

integrantes dessas equipes. A vontade de atuar na repressão e enfrentamento é

nítida, pelo menos através do Radiopatrulhamento. Demais processos de

policiamento, tais como: Policiamento Ostensivo a Pé, Ciclopatrulhamento,

Motopatrulhameto e outros, ainda são vistos de modo pejorativo por muitos policiais.

Entre os discentes, são enaltecidos dentro próprio grupo, aqueles vistos como

operacionais, em virtude da eventual desenvoltura em disciplinas práticas de Defesa

Pessoal, Armamento / Equipamento, Tiro Policial, Operações Policiais e

Treinamento Físico Militar (TFM). Outros, porém, são estereotipados como muxiba14,

por faltar-lhe essa facilidade ou pelo simples fato de não possuírem afinidade com

unidades especializadas e atividades com elas relacionadas.

Aliás, são essas disciplinas acima mencionadas, e algumas outras do módulo

técnico-policial, que saltam aos olhos e geram expectativas na maioria dos alunos

dos cursos de formação, causando uma enorme ansiedade, euforia e entusiasmo,

antes, durante e após os seus conteúdos. Alves (2004), ressalta a importância

dispensada pela própria escola, a essas disciplinas, em detrimento de outras:

14

Gíria utilizada na caserna, atribuída ao policial preguiçoso, relapso e desleixado.

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Não é relevante saber, por exemplo, qual o conteúdo e metodologia estão sendo adotados pelos professores de Psicologia e de Sociologia. É importante saber o que está sendo abordado pelos professores de Tiro Policial, de Policiamento Ostensivo, de Operações Policiais. Esses conteúdos são controlados e privilegiados pela escola, já que eles é que têm influência na formação dos policiais (ALVES, 2004, p. 69).

A fim de evitar licenciosidade em suas intervenções, inclusive quando necessárias

fora do seu horário de serviço, o policial deve estar preparado para atuar, guiado por

sua técnica e discricionariedade “do que fazer e como fazer”. Essa preparação

decorre certamente de sua formação, qualificação e aperfeiçoamento, que deverão

estar direcionados para a real Missão15 da instituição. Nesse sentido assevera

Pereira (2002):

Para estas novas funções, o agente policial deverá receber em sua formação conhecimentos específicos para a aplicação da discricionariedade em sua atuação cotidiana, estando sempre regulado pelos condicionantes legais, surgindo então uma nova interpretação na aplicação da estrutura hierárquica das Instituições policiais em prol de sua missão. Com a conscientização do agente policial de sua real missão, inclusive sofrendo sua avaliação profissional sob esta nova visão, mudar-se-á sua forma de relacionamento com a sociedade e desta para com ele, podendo daí surgir o embrião dos novos valores a serem adotados por todos indistintamente (PEREIRA, 2002, p. 38).

Desse ponto decorre a relevância crucial da formação profissional do policial militar,

que solidificará ensinamentos que formarão uma cultura organizacional sustentada

por valores de cidadania, civilidade e uso devido da força.

A cultura organizacional, enquanto elemento determinante das organizações

policiais militares merece especial atenção e tratamento. Os aspectos positivos e

que corroboram com os preceitos democráticos vigentes, devem ser enaltecidos e

fortalecidos. Por outro lado, as ferramentas nocivas dessa cultura precisam ser

remediadas, sob o risco de comprometerem a solidez da instituição e a qualidade do

serviço prestado por seus agentes.

Vale ressaltar ainda que, certos valores, crenças e concepções dessa cultura

organizacional são tão robustos, que permeiam o imaginário e comportamento do

15

A Missão da PMES instituída no Plano Estratégico 2016-2019 da instituição é promover, em parceria com a comunidade capixaba, o policiamento ostensivo e preservação da ordem pública no Estado do Espírito Santo. (POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO, 2017).

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policial militar, ainda que fora da instituição. Não consegue ele despojar-se desse

emaranhado de elementos, mesmo estando de folga, férias, licença ou qualquer

outro afastamento. A peculiaridade da profissão e o nível de interiorização da

cultura é tão grande que, despir-se da farda não o liberta desses elementos. Dessa

forma, sua maneira de pensar e agir (ou mesmo intervir), durante suas atividades

rotineiras, enquanto cidadão da comunidade na qual se insere, são vigorosamente

influídas por tudo aquilo que ouviu, aprendeu e compartilhou na sua atividade de

polícia, desde seu recrutamento.

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3 USO DE ARMA DE FOGO PELO POLICIAL FORA DE SERVIÇO

3.1 O MEDO COLETIVO

A Polícia Militar do Espírito Santo, juntamente com os demais órgãos de Segurança

Pública do estado, tem atuado de modo incessante e incisivo no enfrentamento à

violência. Ações sociais, preventivas e repressivas do governo estão à frente desse

propósito, visando evitar a eclosão de uma miríade de eventos criminosos possíveis

e assegurar a desejada sensação de segurança.

Ocorre que as adversidades são incontáveis e o trabalho se mostra árduo, nem

sempre sendo possível essa percepção tão subjetiva de segurança, principalmente

em virtude da velocidade estarrecedora de circulação de informações nas mídias e

redes sociais, com ampla divulgação de ações violentas.

A violência, delimitada aqui no sentido estrito, como aquela praticada por alguém

que causa dano físico, moral ou material a outra pessoa, ecoa largamente nos meios

de comunicação, principalmente diante da disseminação em tempo real das notícias

no mundo globalizado. Esse derramamento extrapola o limite de bem informar,

ocasionando a chamada cultura do medo, no imaginário popular (MARCHI, 2015).

Cruz (2010) questiona a ausência de estudos em nosso país acerca da influência

sobre as pessoas, do conteúdo violento presente nos meios de comunicação:

No Brasil, ao contrário de outros países e em especial nos Estados Unidos, por exemplo, pouco se discute a respeito da influência dos programas de conteúdo violento sobre os telespectadores, e há pouca pesquisa para se desvendar os efeitos mais propriamente psicológicos da veiculação da violência pela mídia. Sem que alguns setores releguem totalmente a questão da influência da veiculação da programação violenta sobre sua prática, o que a televisão e os jornais mostram e expõem ao conhecimento e ao debate não é propriamente a violência dos filmes ou dos programas ficcionais, mas aquela real das ruas, mostradas nos telejornais, a que estão sujeitas as grandes cidades brasileiras (CRUZ, 2010, p. 90).

Bauman (apud MARCHI, 2015), trata do medo derivado, conceituando-o como:

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[...] uma estrutura mental estável que pode ser mais bem descrita como sentimento de ser suscetível ao perigo; uma sensação de insegurança (o mundo está cheio de perigos que podem se abater sobre nós a qualquer momento com algum ou nenhum aviso) e vulnerabilidade (no caso de o perigo se concretizar, haverá pouca ou nenhuma chance de fugir ou de se defender com sucesso; o pressuposto da vulnerabilidade aos perigos depende mais da falta de confiança nas defesas disponíveis do que do volume ou da natureza das ameaças reais). Uma pessoa que tenha interiorizado uma visão de mundo que inclua a insegurança e a vulnerabilidade recorrerá rotineiramente, mesmo na ausência de ameaça genuína, às reações adequadas a um encontro imediato com o perigo; o “medo derivado” adquire a capacidade de autopropulsão (BAUMAN, apud MARCHI, 2015, p. 3).

A partir desse imaginário temerário, Teixeira e Porto (1998) continuam a descrição e

consequências que dele decorrem:

Paradoxalmente, o imaginário do medo permite ao Estado medidas cada vez mais autoritárias, leis cada vez mais punitivas, legitimadas por demandas sociais de proteções reais e imaginárias, principalmente de alguns setores da sociedade, em especial, a classe média. Além disso, justifica atitudes como a legalização do porte de armas, a criação de empresas de segurança e o apoio à privatização da polícia. Cria, ainda, uma indústria de segurança - grades, seguros, alarmes - que, na maior parte das vezes, fornece mais proteção simbólica que real. Por fim, legitima discursos oficiais de políticos, da mídia, de chefes religiosos, de “personalidades” diversas, sobre o aumento da violência e da criminalidade como resultado de uma sociedade em decadência moral (TEIXEIRA; PORTO, 1998, p. 5).

Dessa forma, o que ocorre é uma interiorização e identificação de cada indivíduo

com as vítimas dessa violência, acarretando uma solidariedade que o coloca na

condição de possível sacrificado subsequente.

Tratando desse sentimento generalizado do medo, Marchi (2015) afirma que essa

insegurança não decorre somente do exercício e condição de violência diária, mas

também por aquilo que chama de estado de violência, seja ostensivo ou oculto, que

é incorporado à cultura e imaginário individual ou social, ocasionando inúmeras

transformações nas relações entre indivíduos e outras práticas cotidianas.

A mídia assume papel de protagonista na criação desse imaginário. Ao abordar o

assunto, tratando de sua interferência na sociedade do Rio de Janeiro, Pereira

(2002) relaciona-a com a influência sobre atuação da polícia militar carioca,

principalmente sobre os jovens policiais daquela corporação:

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O clima de guerra que campeia já a [sic] alguns anos e vem contaminando a sociedade fluminense, principalmente face ao papel formador de opinião desempenhado pela mídia, faz parte do subconsciente do formando da Polícia Militar pois, o mesmo quando de sua formação básica como indivíduo, é influenciado pelo meio que o cerca, conhecendo e adquirindo a importância que se dá a todos os signos fálicos estereotipados do “macho latino” e, face à camada social que normalmente “abastece” de efetivo os quadros da Polícia Militar, principalmente no âmbito dos Praças, já possui uma experiência prática da atuação “combativa” tradicionalmente adotada pela Corporação (PEREIRA, 2002, p. 51).

A imprensa propaga atos criminosos, sobretudo aqueles mais violentos ou que

atinjam as camadas sociais mais favorecidas, aceitando passivamente a premissa

apócrifa do suposto envolvimento de vítimas fatais com a criminalidade,

especialmente o tráfico de drogas. De modo simplório, assim como a sociedade em

geral, reduz o problema da segurança à (in) eficiência da polícia e ao sistema

punitivo, sem analisá-lo sob um prisma ampliado e contextualizado (FRANCO;

SILVA, 2017).

A criação desse imaginário do medo ganha subsídios sólidos com base nos

números da violência, conforme se extrai também do Anuário Brasileiro de

Segurança Pública de 2016. O documento esclarece, dentre inúmeros dados, que:

a) o Brasil registrou mais vítimas de mortes violentas intencionais (ou pessoas

assassinadas) em 5 anos, do que a Guerra na Síria no mesmo período; b) foram

registrados, 45.460 estupros no país, no ano de 2015; c) mais de um milhão de

carros foram roubados/furtados em dois anos; d) no ano de 2015, a cada 9 minutos,

uma pessoa foi morta violentamente no Brasil; e) 76% dos brasileiros tem medo de

morrer assassinado (FBSP, 2016).

Esse medo da violência, resultante do volume colossal de notícias brutais e dos

números insuportáveis de criminalidade, acarreta também uma intolerância, um agir

e pensar intransigentes, que passam a permear os cidadãos. Assim, o Anuário

também traz um dado que afirma que 57% da população acredita na expressão

popular que “bandido bom é bandido morto” (FBSP, 2016, p. 7).

O estado de beligerância reproduzido no ambiente social recebe enorme aliado

quando difundido e reforçado pelas próprias autoridades públicas. De modo

subliminar e quase imperceptível, os discursos e reportagens são carreados com

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uma profusão de termos e jargões típicos do militarismo, que fomentam a rivalidade

e o combate aos criminosos. Expressões como “exército do tráfico”, “armas de

guerra”, “soldado do tráfico”, “invasões”, “ocupação de território” e outras, permeiam

as entrevistas, coletivas e manchetes jornalísticas. Assim afirma Pereira (2002):

A presença constante desta figura de retórica, legitimando-a perante a sociedade, de onde o criminoso não pode ser excluído ou alienado, transmite a sensação de uma guerra fratricida entre as forças antagônicas que gera – por concepção dos opositores envolvidos no embate e na própria expectativa da sociedade – o confronto permanente, com os dois lados “eliminando seus inimigos”, onde tudo vale para a “eliminação destes inimigos”. O foco da Polícia brasileira está no criminoso, com tudo se justificando, inclusive o alto risco para pessoas inocentes, em busca da “caçada aos criminosos”, conforme o ethos militar. O foco na sociedade, na prevenção, na vítima, requer formas democráticas, igualitárias de agir, requerendo novas concepções, nova cultura social e corporativa (PEREIRA, 2002, p. 20).

Karam (2015) discorre sobre a guerra às drogas e trata da militarização ideológica

da segurança pública. Para tanto, menciona as ocupações realizadas em complexos

e aglomerados, onde ocorrem, de maneira contraditória, pretensas pacificações

fundamentadas em guerra. Assim, a autora menciona a utilização de fuzileiros

navais, militares do exército, tanques de guerra, carros anfíbios, lançadores de

granada e helicópteros militares em ações de segurança pública, corroborando com

o estado de guerra pronunciado até aqui. Continuando ela afirma que: “A guerra às

drogas não é propriamente uma guerra contra as drogas. Não se trata de uma

guerra contra coisas. Como quaisquer outras guerras, dirige-se sim contra pessoas

– os produtores, comerciantes e consumidores das substâncias proibidas (KARAM,

2015, p. 44).

Franco e Silva (2017), também afirmam que essa guerra que o Estado declara ao

crime, especialmente o tráfico de drogas, através de suas ações e discursos

inflamados, trata-se na verdade de uma luta contra pessoas (criminosos), pautada

por um viés de gênero, raça e classe. O embate contra os subversivos do regime

militar, em nome da segurança nacional, atualmente volta-se contra os traficantes.

Assim, o discurso de ordem, muitas vezes irá aquiescer e legitimar repressões

violentas, absolutamente fora dos marcos legais.

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O que ocorre é a massificação do sentimento do medo, do estado de guerra civil,

fruto de uma realidade produzida pela mídia, através da repetição incessante de

fatos de ruptura social, descritos e avaliados por “peritos e especialistas”, com quem

guardam relações e interesses peculiares, e que modelarão o pensamento popular.

Essa cultura do medo contribui de maneira decisiva para a proliferação da

criminalidade (SILVEIRA, 2013).

O autor acima afirma ainda que o jornalismo, com vistas quase sempre no lucro,

volta-se para assuntos considerados excepcionais, extraordinários, demonstrando

notável interesse pelo sensacionalismo, fazendo da imprensa um instrumento de

criação de realidade e não de registro. A formação da mentalidade e opinião pública

se mostram intimamente dependentes da mídia.

Corroborando com tal pensamento, assim afirmam Zanotelli e Medina (2007):

Outro aspecto dessa redundância das notícias é a perda do sentido da informação. A mídia não informa mais, mas cria um espetáculo dos acontecimentos, a saturação desmobiliza, pois colocam os atores sociais diante de um fluxo tal de notícias que eles não conseguem mais processá-las, ao mesmo tempo em que são colonizados pela repetição à exaustão dos mesmos clichês. É importante ressaltar que o poder de influência da mídia na forma de se ver o mundo hoje é inquestionável. Cria-se, dessa maneira, um mundo auto-referenciado [sic]. Uma simples notícia jornalística, sob a aparência de neutralidade, tem sempre alguma intenção subjacente, manifestando uma visão do seu produtor, refletindo, assim, os interesses de determinadas categorias sociais (ZANOTELLI; MEDINA, 2007).

Durante pesquisa realizada sobre o conteúdo jornalístico dos três principais jornais

impressos do Espírito Santo, esses mesmos autores observaram a ausência de

imparcialidade desses meios de comunicação, posicionando-se de maneira direta ou

indireta em favor das classes dominantes e subjugando as classes dominadas,

banalizando a criminalidade e delinquência:

Há uma teatralização do horror, onde o sofrimento do Outro [sic] é colocado em cena. Para homologar a dramatização das notícias, as fotografias são instrumentos indispensáveis para a espetacularização da violência. Elas criam um efeito de verdade incontestável. A fotografia passa emoção, dor, culpa, desespero, indignação e revolta. Chama o leitor a investir e potencializar o inominável, o indigno, a morte do Outro [sic] (ZANOTELLI; MEDINA, 2007, p. 5).

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Kahn (2017) afirma acerca da importância de se haver certo grau de insegurança na

sociedade, de forma que os indivíduos mantenham precauções mínimas em suas

rotinas diárias, tais como trancar o carro, observar as imediações quando da

utilização de agências bancárias, manter iluminação acesa quando sair de casa,

entre outras. Segundo ele, esses comportamentos ajudam a reduzir os índices de

criminalidade, na medida em que criam mecanismos dificultadores aos infratores.

No entanto, guardando relação direta com a cultura do medo, o autor assevera que

o excesso de insegurança é danoso, fazendo com que as pessoas deixem de

frequentar certos lugares, empresas deixem de se instalar, haja depreciação no

valor de imóveis, cidades se verticalizem e inúmeras outras consequências sociais e

econômicas. Para ele, tanto a ausência quanto presença exacerbada do medo,

causam custos elevados para os indivíduos e sociedade. Não se trata de eliminar o

medo das pessoas, mas há necessidade imperiosa de se manter congruência entre

a percepção da violência e os níveis reais de criminalidade (KAHN, 2017).

Segundo Otamedi (apud KAHN, 2017), inúmeras pesquisas apontam uma hipótese

plausível de que a sensação de segurança não guarda relação direta com eventual

experiência pessoal como vítima da criminalidade, mas sim da maneira como essas

pessoas se informam acerca dos crimes, especialmente aqueles de maior

repercussão. Os meios de comunicação possuem papel determinante no processo

de redução desse hiato existente entre a criminalidade real e a percebida,

apresentando os casos concretos, porém de maneira contextualizada e imparcial.

Esse universo temerário e angustiante orquestrado e no qual os cidadãos são

mergulhados, torna-os reféns do pânico e insegurança, em virtude de uma guerra

civil à porta de cada um, influenciando assim seus comportamentos. Desse modo,

enquanto produto desse meio hostil, é possível que o policial militar também seja

induzido a certas atitudes, tanto no viés das medidas de segurança pessoal quanto

nas suas intervenções propriamente ditas, enquanto autoridade. Loche (2010)

explora o conteúdo, mencionando a inquietude permanente entre a preservação da

ordem e uso da força. Para ele, o uso mais incisivo da violência legítima (ou não)

pode relacionar-se com a necessidade de um controle social mais intenso, diante do

recrudescimento da violência.

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Nesse “combate” diário, alimentado pela mídia, sociedade e instituições, onde

supostamente impera a “lei da sobrevivência”, o policial militar, de serviço ou mesmo

de folga, se vê impelido em manter-se em completo estado de alerta e tensão.

Diante deste cenário real ou muitas vezes construído por interesses escusos, o

policial assume o papel de guardião e purificador, intervindo de forma imediata. O

impulso que o move quando de serviço, nem sempre é sopesado quando fora de

suas atividades, fazendo-o agir com o mesmo ímpeto e compromisso, mormente por

convicções pessoais e influências sociais.

Confirmam essa afirmação, as palavras de Pereira (2002):

Por não se ter uma visão clara, e não lhe ser ensinado nas escolas da Polícia Militar, do que seja Segurança Pública, o Policial Militar formando entra em conflito entre os discursos oficiais e as imagens mentais que já traz em sua bagagem anterior de vida, pois ao ingressar na Corporação com a idade mínima de dezoito anos incompletos, podendo até ser com vinte e oito anos, todo o meio que o cercou, influenciado pela função semiótica que o conduz, é reforçado pela produção maciça de subjetividades que lhe induzem à imagem de “guerra” por que passa a sociedade, gerando uma visão distorcida de sua real missão policial (PEREIRA, 2002, p. 39).

A sensação de insegurança que aflige o cidadão pode acometer o policial militar, até

mesmo pela convivência diária com criminosos e ações violentas que a profissão lhe

impõe. Dessa maneira, de forma preemptiva, ele utiliza também no seu horário de

folga o principal instrumento de força e coação profissional - a arma de fogo - sob

um mantra de segurança e proteção.

Hanashiro (2016), valida as afirmações acima no que diz respeito ao estado

temerário dos policiais, garantindo que não somente a população sofre com o medo

cotidiano. A autora menciona a pesquisa de vitimização e percepção de risco entre

profissionais do sistema de segurança pública16, que afirma que 61,8% dos policiais

evitam usar transporte coletivo e 44,3% escondem a farda ou distintivo no trajeto

entre a casa e o trabalho.

16

Pesquisa de vitimização e percepção de risco entre profissionais do sistema de segurança pública, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Núcleo de Estudos de Organizações e Pessoas da EASP-FGV e SENASP-MJ, entre junho e julho de 2015 (FBSP, 2015).

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Outro aspecto social relevante e que não se pode deixar de considerar, é a

localidade em que os policiais residem, que muitas vezes correspondem a áreas de

risco, com altos índices criminais e históricos de violência. São nesses bairros que

os agentes de segurança circulam e realizam seus afazeres diários como cidadãos

de direitos e obrigações. Para tanto, não abrem mão de terem consigo o seu

instrumento de trabalho, como forma de garantia de sobrevivência, já que sua

atividade profissional quase sempre é de conhecimento entre os comerciantes e

moradores.

3.2 POLÍCIA 24 HORAS

A obrigação policial de servir e proteger ininterruptamente, subsiste na concepção

popular, causando uma cobrança indireta de parentes, amigos e vizinhos do policial,

sobre sua pessoa, mesmo quando de folga. Isso pode dar-se de duas maneiras: a

primeira, quando o crime ocorre na presença do agente e lançam-se sobre ele

olhares de indagação e exigência imediatas, requerendo-lhe intervenção contígua; a

segunda, quando, mesmo em casa ou afastado do fato típico e antijurídico em curso,

é chamado para intervir, ainda que fora de sua jornada.

Não se pretende aqui estimular o descaso do agente da lei frente às ações

criminosas que ocorrem diante dele, quando se encontra em seu momento de lazer,

junto à família e amigos. Trata-se apenas de mitigar essa máxima e considerar todas

as nuances do evento.

Pereira (2012), traz algumas peculiaridades desse agir:

(...) Não basta existir o “dever de agir”, mas é preciso que o policial de folga, por exemplo, possa concretamente agir, pois não se pode exigir-lhe conduta “suicida”. O enfrentamento do perigo é inerente à função desses profissionais (mesmo em períodos de folga, licença e férias), porém não devemos esquecer que é preciso ser possível, em cada caso concreto, enfrentar o perigo, pois, do contrário, não será exigível a atuação desses profissionais (PEREIRA, 2012, p. 1, grifo nosso).

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É preciso avaliar ainda, quanto ao suposto cometimento de Crime de Omissão

previsto no art. 29, § 2º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código

Penal Militar – CPM (BRASIL, 1969):

Art. 29. O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. [...] § 2º A omissão é relevante como causa quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; a quem, de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; e a quem, com seu comportamento anterior, criou o risco de sua superveniência.

Regramento similar existe no art. 13, §2º do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro

de 1940 – Código Penal – CP (BRASIL, 1940):

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. [...] § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

Assim, comete omissão quem, podendo, não adota nenhuma medida para intervir.

O que se espera então de um policial militar é que, diante de um crime em

andamento, quando de folga, adote dentro de suas possibilidades, medidas para

fazer cessar a ação delituosa ou prender o infrator. Isso pode dar-se através da ação

direta, se o caso assim permitir ou através do acionamento de efetivo policial de

serviço, repassando todas as informações relacionadas com o ocorrido.

Essa obrigatoriedade em discernir, decidir e intervir, confere ao indivíduo uma

idiossincrasia imediata, que o faz atuar em frações de segundos, da maneira para a

qual normalmente foi treinado. A diferença é estar fora de serviço, desprovido de

apoio, obrigado a atuar sozinho, algo tido como extremamente perigoso nos

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ensinamento e técnicas policiais, conforme inclusive, indicações bíblicas17. Encontra-

se ainda, despojado de equipamentos e da própria farda, que se sabe ter o impacto

psicológico e dissuasivo inquestionável dentro dos aspectos do uso diferenciado da

força. É o que confirma Medeiros (2012):

[...] o uso do uniforme garante a inclusão do policial em um grupo coeso e relativamente equipado, aspectos que amplificam e favorecem o uso da arma de fogo. Todas essas variáveis desaparecem para quem se utiliza da arma fora de serviço, onde a atitude e a visibilidade da "força estatal" são indispensáveis. A lei não obriga o policial a atuar na abordagem e captura do infrator quando fora do serviço, apenas exige que ele reaja de forma diferenciada de um civil, devendo vigiar a ação em andamento, acionando imediatamente a força pública de serviço. O infrator, em regra, se torna mais agressivo e violento contra um adversário em trajes civis que esteja portando arma de fogo (MEDEIROS, 2012, p. 2, grifo nosso).

Certo é que a atuação do agente, mesmo fora de serviço, deverá ocorrer com

exatidão, pois enquanto policial militar, obriga-se a servir e proteger, mesmo com o

risco da própria vida, dentro de aspectos legais, éticos e morais. Não poderia o

agente ultrapassar “os limites do que seriam os contornos do seu mandato público,

em termos do que se aspira como legal, legítimo, politicamente autorizado,

tecnicamente válido e aceito coletivamente” (MUNIZ; SILVA, 2010, p. 443).

Não estará infenso aos rigores da opinião pública, órgãos julgadores e corretivos,

em virtude das dificuldades e limitações impostas pelo fato de estar de folga. A

exigência pela conduta adequada sempre existirá:

A expectativa social que se tem em relação ao decisionismo policial corresponde ao desafio e à complexidade do lugar de polícia. Particularmente nas sociedades de democracia emergente como a brasileira, em que a produção de obediências consentidas, com o recurso potencial e concreto de força, sob império da lei, segue, ainda, como um “cheque em branco” ou uma “procuração em aberto”, tem-se tanto a subestimação quanto a superestimação do decidir e agir policiais (MUNIZ; SILVA, 2010, p. 469).

Ao tratar desse arbítrio policial, Freitas e Almeida (2006) destacam sua

complexidade e assim afirmam:

17

Eclesiastes 4: 9-10,12: 9. Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho.10. Porque se um cair, o outro levanta o seu companheiro: mas ai do que estiver só; pois caindo, não haverá outro que o levante. 12. E, se alguém quiser prevalecer contra um, os dois resistirão (Bíblia Sagrada, 2009, p. 1065).

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Justamente porque o trabalho policial não se compõe apenas da estrita execução da lei, mas também requer o manejo de inúmeras e diversas situações com as quais o policial se defronta, as políticas e procedimentos não podem descrever todas as situações possíveis que o policial encontra e, por conseguinte, é impossível desenvolver regras e procedimentos para prescrever a ação que ele desempenhará em um encontro com o seu público usuário, deixando, invariavelmente, o policial apenas com o seu bom senso para o guiar (FREITAS; ALMEIDA, 2006, p. 64).

Pareado com a sensação de insegurança que muitas vezes permeia o psicológico

do policial e a cobrança velada por providências imediatas, mesmo quando de folga,

está o pensamento militante engendrado na caserna e que encontra terreno fértil na

ideologia dos mais novos, de que realmente “você é policial 24h”.

Trata-se de um raciocínio que muitas vezes impõe ao agente da lei, através do

círculo de convivência profissional, ou seja, do ethos institucional apresentado no

capítulo anterior, a obrigação de estar armado, não somente para proteção pessoal,

mas para eventualmente intervir, mesmo que de folga. Aliás, a intervenção fora de

seu horário regular de trabalho possui enorme reconhecimento e aceitação pelos

seus colegas de farda, sendo muitas vezes motivo de exaltação e reconhecimento

entre os companheiros. Seria o exemplo crasso do que se chama de “operacional”18.

As instituições policiais militares, incluindo a PMES, enaltecem regularmente seus

membros por intermédio de Elogios, Certificados de Destaque Operacional19,

Promoção por Bravura20 e outros mecanismos, pelas ações meritosas

desempenhadas durante o exercício regular de suas atividades profissionais,

especialmente aquelas atreladas à atividade fim. Muniz (1999, p. 32) destaca que

“[...] não basta que o PM seja apenas um obediente soldado burocrata, ele deve

ainda mostrar serviço contribuindo para a contabilidade das ocorrências, o que, na

prática, tende a significar prisões e flagrantes”.

18

No meio policial militar o termo “operacional” é comumente utilizado para designar os policiais militares que apresentam bons resultados diante da participação em ocorrências com prisões e apreensões expressivas. 19

É imperativo acentuar aqui que a Portaria nº 563-R, que institui e regulamenta o Destaque Operacional na PMES, alterada pela Portaria nº 653-R, trata do policial militar que se sobressair “através de atuações de caráter preventivo, repressivo ou assistencial”. Por certo, ações com prisões e apreensões são mais facilmente mensuráveis, além de desencadearem repercussões midiáticas positivas. 20

A Promoção por Ato de Bravura, foi inicialmente instituída na PMES através da Portaria nº 218-N de 30 de dezembro de 1998.

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As estatísticas policiais são baseadas não somente na redução dos índices criminais

alcançados, mas também no aumento do número de apreensões (armas, munições,

substâncias entorpecentes, materiais ilícitos, etc.), prisões de infratores e em alguns

casos, de maneira dissimulada, pelo número de “baixa” nos “inimigos”. Esse

engrandecimento ocorre repetidamente em sobreposição às ações simples e

rotineiras, que na verdade constituem a essência da atividade policial:

Com base no ethos militar, onde os sacrifícios e triunfos frente ao inimigo são falicamente enaltecidos e até recompensados, as ações policiais junto à sociedade, menos ruidosas e mais cotidianas, não merecem o mesmo tratamento, até mesmo pela própria Polícia Militar, gerando assim uma dependência aos valores militares, e não policiais, influenciando sobremaneira na atitude do Policial Militar [...] (PEREIRA, 2002, p. 24).

No exercício da atividade fim dos órgãos de segurança pública proliferam-se em

números significativos os grupos especializados, voltados para ações e operações

contundentes e repressão qualificada, termo que por si só causa questionamento já

que sugere assim a existência de uma repressão desqualificada por parte dos

órgãos de segurança pública. A disseminação dessas equipes no contexto geral da

Segurança Pública, ocorre tanto na Polícia Civil quanto nas Instituições Policiais

Militares.

Atraem incontáveis candidatos que manifestam pleno interesse em pertencer a

essas frações, fascinados por toda a mística que as envolve. Quase sempre, quanto

mais baixas aos opositores elas causam maior o reconhecimento e admiração entre

os membros da corporação, e por que não, da sociedade, com base na máxima de

que “bandido bom é bandido morto”, mencionada previamente.

Na PMES presenciou-se a coexistência de inúmeros grupos de atuação

diferenciada, no nível de Instituição, Batalhão é até mesmo Companhia. Iniciava-se

de modo distinto pela quantidade de integrantes em uma mesma viatura, fardamento

peculiar, escala diferenciada, indisponibilidade regular para atendimento de

ocorrências, treinamento rotineiro e outros. Ao longo de seus 182 anos, a Polícia

Militar do Espírito Santo possuiu em suas fileiras alguns grupos com essas

características: PATAMO (Patrulhamento Tático Motorizado), GA (Grupo de

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Abordagem), GRI-9 (Grupo de Resposta Imediata do 9º BPM), GAO (Grupo de

Apoio Operacional), COTAM (Companhia de Operações Táticas Motorizadas),

ROTAM (Ronda Ostensiva Tática Motorizada) e a recém-criada Força Tática.

Algumas dessas frações existiram até recentemente, sendo que a Força Tática é o

organismo institucional regulamentar nos dias atuais, conforme Diretriz de Serviço

N° 003/2017, de 15 de março de 2017 (POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO,

2017).

Normalmente a criação desses grupos atrela-se a uma infinidade de simbolismos,

inaugurados pelas próprias siglas que os definem, que recebem muitas vezes mais

importância que o nome propriamente, em virtude do marketing e impacto causados.

A composição dos nomes de grupos especializados deve impelir uma sigla vistosa e

sugestiva, muitas vezes com mensagens subliminares. O mais famoso grupo

especial do mundo, pertencente à polícia de Los Angeles, demonstra muito bem

isso. Trata-se da Special Weapons and Tactics (SWAT). Não por acaso, a palavra

inglesa swat, significa golpe, tapa. Na PMES, existiu, no 6º BPM, o grupo

denominado P.A.T.R.I.A. (Pelotão de Ações Táticas, Reação Imediata e Apoio). Na

Polícia Civil do estado de São Paulo, também encontramos uma nomenclatura

interessante: GARRA (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos).

É preciso destacar ainda, dentro do contexto do simbolismo, as imagens utilizadas

para designar essas unidades distintas. Normalmente carregam em si figuras

emblemáticas e representativas, carreadas de mensagens ocultas e impactantes.

Em alguns casos de maneira institucional, com a heráldica correspondente. Em

outros, prevalece a criatividade de seus membros, quase sempre objetivando a

intimidação e o medo dos infratores. A seguir, seguem alguns símbolos

exemplificativos de grupos especializados, de dentro e fora de nosso estado:

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Figura 4: Distintivos de Unidades e Grupos Especializados

Fonte: Capturados separadamente na internet e concatenados pelo autor

Importante salientar que este pesquisador não tem o propósito de criticar ou repudiar

as ações dessas frações, reconhecendo inclusive, de modo inequívoco, o serviço

fundamental por elas prestado. O que se pretende é ressaltar e engrandecer as

atividades policiais rotineiras: o Policiamento Ostensivo Geral, em seus diversos

processos. Reconhecer e valorizar a atividade basilar da corporação, qual seja, o

policiamento preventivo e comunitário, com efeitos potenciais na harmonia social.

Conforme o 9º Princípio elencado por Robert Peel (apud LIBORIO, 2016), é preciso

reconhecer sempre que o teste da eficiência e de eficácia da polícia será a ausência

do crime e da desordem, e não a evidência visível da ação policial.

É preciso que todos aqueles que atuem no processo ensino-instrução, destaquem a

importância de se incutir no policial, desde o início de sua carreira, a essencialidade

do policiamento ordinário, do contato com a comunidade, da prevenção em

sobreposição à repressão, do infrator em vez de inimigo, da legalidade sobre o

enfrentamento e de servir e proteger a sociedade, em detrimento da punição ao

meliante.

Assim, conforme apresentado até aqui, tanto o ambiente social quanto o

institucional, impulsionam o policial militar a circular diuturnamente portando sua

arma de fogo. Trata-se de uma combinação siamesa entre homem e equipamento,

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que confere ao sujeito a sensação de segurança e poder. Aliás, talvez esse último

elemento seja outro fator determinante para que os policiais militares levem consigo,

quase sempre, a arma de fogo. Ela confere ao seu possuidor um status distinto de

mando e superioridade, que muitas vezes entorpece o homem, vaidoso por

natureza.

3.3 PRECEITOS LEGAIS

Não existe em nosso ordenamento jurídico pátrio, direito absoluto. O próprio direito à

vida pode ser relativizado em circunstâncias excepcionais. Assim, o direito ao porte

de arma dos policiais atrela-se à sua prerrogativa funcional, sujeitando-se a algumas

imposições, conforme condições e circunstâncias consignadas nos dispositivos

reguladores.

A atividade policial militar possui características exclusivas e relevância incondicional

dentro do contexto social, principalmente por atuar diariamente com direitos

fundamentais do cidadão, como direito à vida, à liberdade e ao patrimônio. Essa

atribuição e autoridade vêm carreadas com uma elevada responsabilidade, balizada

por inúmeros regramentos que não alcançam os cidadãos civis, tais como Portarias,

Regulamentos Disciplinares e mais especificamente o Decreto-Lei nº 1.001, de 21

de outubro de 1969 - Código Penal Militar (CPM) e o Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de

outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar (CPPM). Esses dispositivos

visam não somente garantir e preservar os direitos narrados acima, mas também

assegurar o funcionamento regular das instituições militares (CORREA, 2008).

Dessa forma, os policiais militares possuem sobre si uma malha jurídica que norteia

rigorosamente suas ações e que visa assegurar a atuação legítima e legal desses

profissionais de segurança pública. Muitos desses dispositivos cercam inclusive as

ações fora do serviço desses agentes, impondo-lhes obrigações e restrições

inflexíveis, que devem ser severamente observadas, pela função pública que lhe foi

atribuída, evitando eventual licensiosidade.

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Partindo assim do geral ao específico, a Constituição da República Federativa do

Brasil (BRASIL, 1988), em seu Capítulo III – DA SEGURANÇA PÚBLICA - traz em

seu conteúdo, um artigo bem conhecido dos agentes de segurança pública:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Destaca-se em seguida o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de

Processo Penal Brasileiro - CPP (BRASIL, 1941) que estabelece:

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Analisando o texto legal, o professor e jurista Fernando Capez (2005) nos explica:

O policial desempenha função de permanente vigilância e combate à criminalidade, tendo, nos termos do art. 301 do CPP, o dever de efetuar prisões, a qualquer momento do dia ou da noite, de quem quer que seja encontrado em flagrante delito (flagrante compulsório), ainda que não estando em horário de serviço, já que a lei processual não estabelece horários. Sua função, portanto, é exercida em período integral. Deve também ser considerado que, em razão dos conflitos inerentes ao exercício da atividade, os policiais civis e militares ficam expostos a situações que exigem armas para a sua defesa pessoal. Assim a autorização funcional é contínua, inexistindo porte ilegal de arma de fogo (Capez, 2005, p. 27, grifo nosso).

Inicialmente é preciso ficar evidente que o referido dispositivo, quando trata das

autoridades policiais e seus agentes, não faz qualquer distinção entre estarem ou

não de serviço no momento do ilícito. No entanto, este estudo tentará analisá-lo de

maneira razoável e proporcional, ao tratar dos policias militares de folga. É preciso,

obviamente, avaliar as condições de intervenção, principalmente sob aspectos de

exequibilidade e segurança.

A Lei n° 10.826, de 22 de dezembro de 2003 – popularmente designada de Estatuto

do Desarmamento - regulamentada pelo Decreto n° 5.123, de 01 de julho de 2004,

Decreto nº 6.146 de 03 de julho de 2007 e Decreto nº 6.715, de 29 de dezembro de

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2008 e posteriormente alterada pela Lei nº 11.706 de 19 de junho de 2008,

estabelece em seu art. 6°, inciso II, § 1º o seguinte:

Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional,

salvo para os casos previstos em legislação própria e para: [...] II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal; § 1º As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI. (BRASIL, 2003, grifo nosso).

Dessa forma, o Estatuto do Desarmamento concedeu aos integrantes dos órgãos de

segurança pública, incluindo-se aqui os policiais militares, o direito de, mesmo fora

do serviço, portarem arma de fogo, exigindo através do Decreto nº 6.146 de 03 de

julho de 2007, a regulamentação interna dos órgãos a que se submetem os agentes,

conforme se vê:

Art. 34. Os órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, estabelecerão, em normativos internos, os procedimentos relativos às condições para a utilização das armas de fogo de sua propriedade, ainda que fora do serviço (BRASIL, 2007).

Tendo como orientação a exigência elencada no decreto acima, o Comando Geral

da Polícia Militar do Espírito Santo publicou algumas portarias acerca do conteúdo,

estando atualmente em vigor a Portaria nº 639-R, de 17 de dezembro de 2014 que

estabelece dentre seus artigos, o seguinte:

Art. 21 – A condução da arma particular pelo ME, e da arma institucional fora de serviço não poderá ser ostensiva, isto é, não poderá ser facilmente percebida a sua presença, a fim de não gerar desconforto social. Também o policiamento do local deverá ser cientificado, se possível, visando evitar qualquer fato desagradável que possa advir. [...] Art. 23 – Os ME terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular em todo território nacional, mediante apresentação do documento de identidade funcional e do Certificado de Registro de Arma de Fogo – CRAF, ambos de porte obrigatório [...]

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Art. 34 – O militar estadual, para adentrar ou permanecer armado em locais de festas em ambientes fechados, ginásios, boates, clubes e similares, onde haja aglomeração de pessoas, em virtude de eventos de qualquer natureza, deverá registrar no estabelecimento seus dados pessoais e da arma, bem como data e hora da permanência do local (POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO, 2014).

Vale destacar, porém, que imediatamente após a publicação do Estatuto do

Desarmamento, questionou-se a possibilidade de policiais militares portarem arma

de fogo fora do serviço, em locais com grande aglomeração de pessoas. A hipótese

motivou uma discussão amiúde, que teve como catalisador o próprio lapso temporal

entre a publicação da lei e sua regulamentação, proporcionando uma hermenêutica

jurídica extremista e equivocada.

Isso ocorreu porque a lei trazia consigo essa vedação, porém destinada ao particular

que excepcionalmente possuísse o porte. O dispositivo foi interpretado de maneira

desacertada, gerando uma clivagem de opiniões. Inclusive, já existiu na PMES,

norma proibitiva (Portaria nº 432-R de 30 de novembro de 2006) do uso de arma de

fogo pelos policiais militares, em locais de festas, ginásios, boates e similares.

Atualmente, após discussão e regulamentação, a questão encontra-se pacificada,

inclusive no âmbito da instituição.

A partir de todos os ordenamentos acima apresentados, restou claro que o policial

militar, de maneira inequívoca, possui o direito de portar arma de fogo, particular ou

da corporação, quando fora de serviço.

Em anos anteriores a utilização de armamento da corporação pelos policiais

militares de serviço ocorria através da cautela diária. Dessa forma cada policial

cautelava na reserva de armas da unidade em que servia, armamento e munições

no início do serviço. Ao término de seu turno os materiais eram devolvidos para que

fossem repassados aos outros policiais escalados para a jornada subsequente. Esta

realidade foi pessoalmente vivida por este pesquisador, quando recém-chegado ao

1º Batalhão de Polícia Militar, no município de Vitória, no ano 2000.

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Com a incrementação da logística institucional e aquisição de armamentos e

equipamentos em quantidades suficientes, praticamente todos os policiais formados

passaram a receber armamento e munições individuais, através de cautela

permanente, com validade de 01 (um) ano, para emprego na atividade de

policiamento ostensivo, podendo utilizá-los também no horário de folga, conforme o

art. 23, § 2º da Portaria nº 639-R, de 17 de dezembro de 2014 (POLÍCIA MILITAR

DO ESPÍRITO SANTO, 2014):

§ 2º – A cautela é o meio comprobatório que garante ao militar portar a arma de fogo institucional mesmo que fora do serviço, respeitando o disposto no Art. 20, e desde que acompanhada da identidade funcional.

Esse benefício proporcionou não somente a individualização dos armamentos,

assegurando um aprimoramento no controle, como também ampliou enormemente a

quantidade de policiais militares armados, fora do serviço, tendo em vista a atual

disponibilidade do armamento, anteriormente limitada.

Consequentemente, alargou-se também o número de intervenções realizadas por

policiais militares de folga, com emprego efetivo de arma de fogo. No capítulo 5

deste trabalho serão apresentados dados que comprovam essa afirmação, com a

ressalva de que a maioria esmagadora dos casos ocorreu com a utilização de

armamento da corporação, que o policial possuía sob sua cautela.

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4 LETALIDADE DA AÇÃO POLICIAL

4.1 USO MODERADO DA FORÇA

A argumentação neste capítulo acerca da letalidade policial decorre do objeto

próprio deste estudo, uma vez que os questionamentos, insinuações e conclusões,

nem sempre racionais, sobre as ações policiais e consequente uso da força, recaem

não somente sobre os agentes uniformizados, mas também sobre aqueles que o

fazem fora do serviço, muitas vezes em favor da sociedade a qual serve.

Segundo as palavras de Loche (2010), as instituições policiais, dentre elas as

Polícias Militares, constituem órgãos do Estado responsáveis pelo controle da

criminalidade. A fim de cumprir tais atribuições é facultado a eles o uso legítimo da

violência, dentro dos parâmetros legais, com base nos direitos dos cidadãos. Dessa

forma, a possibilidade do uso da força deixa de ser exclusivamente um elemento

adstrito à atividade policial, tornando-se ainda um componente que a difere das

demais profissões.

Para o estudo deste capítulo, utilizaremos o conceito de Força da Secretaria

Nacional de Segurança Pública – SENASP, que a considera como a intervenção

compulsória que reduz ou exclui a capacidade de autodecisão (SENASP, 2010).

Nas palavras de Fernandes Junior (2013), para utilizar a força durante sua atuação,

o policial deve possuir conhecimento técnico e legal, mantendo-se isento de

preconceito e parcialidade, direcionado pelos preceitos éticos e morais que norteiam

sua atuação, caracterizada por elevada complexidade e discricionariedade.

Lima (apud FERNANDES JUNIOR, 2013), coaduna com o pensamento que sugere

essa multiplicidade da atividade policial, reiterando que a profissão não concebe a

utilização de soluções mecanizadas na mediação dos conflitos sociais, ocorridos

rotineiramente. Requer astúcia e elevada capacidade de compreensão,

discernimento e resolutividade, atribuindo recurso específico para cada tipo de

contenda.

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Dessa forma, a SENASP (2010) elencou princípios básicos sobre o uso da força,

tendo como referência, os documentos internacionais denominados de Código de

Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei21 e Princípios

Básicos Sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis

pela Aplicação da Lei22:

Princípio da Legalidade: é a observância das normas legais vigentes do estado. O policial deve amparar legalmente sua ação, devendo ter conhecimento da lei; Princípio da Necessidade: verifica-se se o uso da força foi feito de forma imperiosa, ou seja, se não havia outra forma menos danosa para atingir o objetivo desejado; Princípio da Proporcionalidade: é a utilização da força na medida exigida para o cumprimento do seu dever; Princípio da Conveniência: diz respeito ao momento e ao local da intervenção policial. Por exemplo, não seria conveniente reagir a uma agressão de arma de fogo se você tivesse em um local de grande movimentação de pessoas, tendo em vista o risco que sua reação causaria. (SENASP, Apostila do Uso Progressivo da Força, 2010, p. 18).

A utilização da força pautada nos princípios acima, assegura-lhe o aspecto de

coerção não negociável, assim chamadas as ações policiais onde o uso da força

processa-se dentro dos limites aceitos e impostos, garantindo a concordância

pública e licitude da atividade (BITTNER, apud LOCHE, 2010).

O uso da força policial está diretamente relacionado com o grau de cooperação ou

resistência que o indivíduo / infrator impõe ao agente de segurança. Diante dessa

premissa, inúmeros modelos representativos de uso da força foram criados, sendo

que atualmente encontra-se amplamente aceito, o modelo abaixo, da Secretaria

Nacional de Segurança Pública.

21

Adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 17 de Dezembro de 1979, através da Resolução nº 34/169. 22

Adotados por consenso em 7 de setembro de 1990, por ocasião do Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes.

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Figura 5 – Modelo de Uso Progressivo da Força

Fonte: SENASP (2010).

Assim sendo, diante da figura e conforme o entendimento de Fernandes Junior

(2013), é irrefutável que a polícia pode e deve, em casos excepcionais e justificados,

fazer uso da força letal, quando necessário, a fim de assegurar o cumprimento da

lei. O autor repudia a demonização das ações policiais profanadas por certos

setores da sociedade e assegura que aquelas que utilizam da força letal, não são,

por si só, ilegítimas.

4.2 PARÂMETROS E QUESTIONAMENTOS SOBRE O USO DA FORÇA LETAL

A letalidade da ação policial consiste em um tema marcado pela pervasividade,

quase sempre arguindo ações policiais violentas e arbitrárias, que culminaram em

violações de direitos e mortes de civis. A afirmação se comprova através das últimas

edições, de dois dos principais documentos na área de segurança pública no Brasil,

que trazem farto conteúdo acerca das ações policiais no país: o Anuário Brasileiro

de Segurança Pública 2016 (FBSP, 2016) e o Atlas da Violência 2017 (IPEA; FBSP,

2017). Edições anteriores dessas publicações também se debruçaram sobre o

assunto, sendo recorrente sua análise por autores diversos.

Ao questionar a discussão do tema, Bittner (apud LOCHE, 2010), posiciona-se no

sentido de que os debates sobre o uso legal da força pela polícia, pouco contribuem

para o avanço do tema. A querela que se alvoroça diante do impasse, quase sempre

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se torna impotente, tendo em vista a linha tênue existente entre a violência

necessária e a arbitrária.

Para Karam (2015), o questionamento acerca da violência praticada pelos agentes

do Estado, dentre elas a letalidade, em geral se direciona para os policiais, e de

maneira ainda mais específica, os policiais militares. Eventuais desvios cometidos

pelos demais agentes, dentre eles, integrantes do Judiciário, Ministério Público,

governantes, legisladores, além de mídia e sociedade em geral, passam ao largo.

Anos se passaram desde o fim do Regime Militar, mas as instituições policiais

carregam tatuadas em si a marca indelével desse período, sinalado por atos de

torturas e agressões, em um cenário de subversão e terrorismo.

As polícias militares evoluíram segundo os princípios democráticos, os Direitos

Humanos e a Constituição Cidadã, investindo enormemente em equipamentos,

inteligência, planejamento e formação profissional. O nível intelectual de seus

integrantes progride na mesma direção, graças a disseminação indistinta do

conhecimento e qualificação, resultado do mundo globalizado. Hoje, o policial atua

nas ruas como gestor local dos conflitos, transpondo os limites da mera execução.

Cabe a ele agir com discricionariedade, diagnosticando problemas e identificando

prioridades (SOARES, 2015).

Ainda assim, mesmo diante desse avanço, as forças públicas de segurança são

diariamente acusadas, de modo inquisitorial, de condutas desviantes, contrárias aos

anseios da sociedade contemporânea. O uso abusivo da força letal e execuções

sumárias são imputações corriqueiras dispensadas aos agentes encarregados de

aplicação da lei. Ao que parece, aos olhos da opinião pública, estão ainda bem

distantes da excelência profissional que deles se espera.

A legalidade e legitimidade do uso da força são conceitos de difícil esclarecimento,

porém de fundamental relevância:

O exercício ilegal e ilegítimo do uso da força pela polícia, vulgarmente conhecido como violência policial, é um conceito de difícil definição, que abrange muitas nuances do trabalho policial e não há um consenso sobre

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como defini-lo de forma inequívoca, pois não existe uma violência policial, mas diversas formas que devem ser compreendidas em seus contextos e situações particulares (LOCHE, 2010, p. 43).

Muito se questiona quanto à discrepância acintosa de dados referentes às ações

policiais. Normalmente as análises baseiam-se em uma confrontação de registros

das Secretarias Estaduais de Segurança Pública e do Sistema Integrado de

Mortalidade do Ministério da Saúde. Quase sempre as informações são díspares,

sugerindo a leviandade dos órgãos de segurança. No mesmo contexto, menciona-se

um suposto número acentuado de subnotificações dos fatos, com o intuito

deliberado de ocultar dados que depõem contra os entes federativos (SOUZA;

MINAYO, 2013).

Quase toda pesquisa que trata da violência no Brasil abre espaço generoso para

tratar daquela praticada pelas polícias. O Atlas da Violência 2017 (IPEA; FBSP,

2017), ao abordar a evolução da violência e homicídios no Brasil, traz um capítulo

próprio sobre a violência policial. O documento critica as políticas públicas de

segurança, voltadas para o combate e enfrentamento, conforme se vê:

A letalidade policial e a vitimização policial que a ela se associa são produtos de um modelo de enfrentamento à violência e criminalidade que permanece insulado em sua concepção belicista, que pouco dialoga com a sociedade ou com outros setores da administração pública (IPEA; FBSP, 2017, p. 22).

O mesmo documento critica de modo incisivo a força letal utilizada pelas polícias,

afirmando que as práticas letais dos agentes de segurança não configuram desvio

individual de conduta, mas um padrão institucional de uso da força.

Um dado alarmante, indica 3.320 vítimas fatais de intervenção policial no ano de

2015. Vale ressaltar, porém, que no mesmo ano, pelo menos 358 policiais (civis e

militares) foram mortos no Brasil, vítimas de homicídio. Desses, 91 encontravam-se

de serviço, enquanto os outros 267 estavam de folga. Os policiais no Brasil, morrem

quase três vezes mais de folga, do que quando de serviço (FBSP, 2016).

O crescente número de civis mortos, bem como a vitimização fatal de policiais, em

serviço ou fora dele, conduz a uma constatação de que as políticas de segurança

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pública não têm sido suficientes para reduzir as agruras sociais, promover a

pacificação e proteger a vida dos cidadãos e agentes da lei (BUENO; CERQUEIRA;

LIMA, 2013).

Os números de policiais mortos encontram-se representados no gráfico 1, extraído

do Anuário (FBSP, 2016), apresentando o recorte temporal 2009 – 2015. A

informação torna-se relevante no sentido de contrapor o número de civis mortos por

policiais, apresentando assim outra faceta do conflito social vigente. Não se

pretende, em hipótese alguma, justificar a letalidade da ação policial.

Gráfico 1- PMs e PCs Vítimas de Homicídio no Brasil – 2009 – 2015

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2016).

Comparativamente, o número de policiais brasileiros mortos entre os anos de 2009 e

2015, é 113% maior do que o número de mortes contra policiais americanos,

conforme percebe-se no gráfico 2:

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Gráfico 2 - Policiais Mortos em Serviço EUA e Brasil – 2009 – 2015

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2016).

Discorrendo sobre essa mortalidade, tanto de agentes de segurança quanto de

cidadãos em geral, Lotin (2016) afirma que atualmente vive-se em uma guerra civil

não declarada, que vitimiza policiais e populares. Para ele, o Estado ao invés de

fomentar políticas públicas visando a redução dos enfrentamentos, tende a estimulá-

los, resultando em ações letais:

Em outras palavras, na medida em que o Estado abre mão de políticas educacionais, ou se omite na questão dos direitos sociais e utiliza as forças de segurança como forma de contenção social dos “excluídos”, ele incentiva confrontos que tornam policiais e população potenciais vítimas, e, no caso dos policiais, vítimas dúplices, visto que quando confrontado, o Estado não raras vezes culpa o policial, seja por ter agido ou por ter morrido (LOTIN, 2016, p. 29).

Segundo Bueno (2016) os dados demonstram que o Estado Brasileiro desponta

como uma nação que apresenta os maiores índices de homicídio do planeta, com

17.688 pessoas mortas em atuações das polícias, nos últimos sete anos. Do mesmo

modo, assume papel protagonista no ranking dos países cuja polícia mais morre em

seu cotidiano de trabalho.

Coadunando com pensamento até aqui exposto, a autora também afiança que a

estratégia do enfrentamento que legitima a morte do criminoso, está longe de

resolver o problema da criminalidade, além de colocar os policias em situação de

extrema vulnerabilidade (BUENO, 2016).

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Ponto divergente reside na ausência de critérios sólidos e norteadores que

possibilitem mensurar e afirmar se o uso da força pelo agente público foi ou não

adequado naquela situação, dificultando, por conseguinte, definir o que é excessivo

e o que se configura legal, no exercício da atividade (BUENO; CERQUEIRA; LIMA,

2013). Vale destacar que tal dificuldade também acompanha de modo indissolúvel a

avaliação das intervenções realizadas por policiais fora do serviço. Desse modo,

mostra-se complexo apreciar se o policial de folga, quando fez uso da força,

especialmente a força letal, o fez de modo legal e legítimo.

Com base em alguns padrões, os autores acima mencionam três parâmetros

utilizados para aferir a letalidade policial:

A relação entre civis mortos e policiais mortos – Segundo esse critério, há

indicação de uso excessivo da força pela polícia quando o número de civis mortos é

muito maior que o número de policiais. O Federal Bureau of Investigation (FBI) por

exemplo, trabalha com a proporção de 12 civis mortos para cada PM.

A razão entre civis feridos e civis mortos pela polícia – Em situações de

normalidade, espera-se que o número de civis feridos em decorrência de

intervenção policial seja superior ao número de mortos.

A proporção de civis mortos pela polícia em relação ao total de homicídios

dolosos – Quando o número de civis mortos pela ação policial corresponde a um

percentual elevado do número total de homicídios dolosos, sugere-se que os

agentes estejam utilizando excessivamente a força letal.

Cubas, Natal e Castelo Branco (2015), ao debaterem a letalidade policial e suas

dinâmicas, apresentam quatro linhas principais de interpretações que não se

excluem e quase sempre se complementam:

Abordagens históricas e socioculturais – Relacionam a violência policial com o

histórico de formação e atuação das polícias brasileiras. Destacam o uso político da

polícia, instrumento de manutenção dos interesses da classe dominante, que no

Regime Militar outorgou um legado de ilegalidade e uso abusivo da força. No

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Regime Democrático, o aumento da criminalidade fez com que o uso da força

demonstrasse eficiência policial.

Análises situacionais - Ao tratarem da letalidade policial, levam em consideração o

tipo de crime enfrentado pela polícia (violento, praticado com emprego de arma de

fogo), o horário e local de cometimento, perfil da vítima e do criminoso, outros. Tais

elementos justificariam a concepção de que crimes violentos em locais violentos,

são reprimidos com violência (policial).

Abordagens Institucionais e Organizacionais – Voltam-se para a cultura

organizacional, perfis dos governos e gerentes da segurança pública. As políticas de

segurança são demasiadamente persuadidas pelo posicionamento político dos

gestores.

Análises Individuais – Trata-se de concepção muito utilizada nos discursos oficiais,

que transferem o problema da letalidade policial para o agente e não para o órgão.

Analisam as características individuais dos agentes de segurança envolvidos em

ações violentas, avaliando nível de escolaridade, cultural, estresse e treinamento.

Os eixos acima descritos tendem a fagocitar uma variedade de elementos que

buscam explicar a violência policial, sob várias perspectivas, possibilitando uma

convergência de ações para a solução (redução) do problema. Vale ressaltar que os

elementos contidos nas análises acima, entrelaçam-se estreitamente, de maneira

complementar, e assim merecem ser lenificados (FRANCO; SILVA, 2017).

Os autores, ao tratarem da letalidade policial, não se furtam a discorrer acerca de

toda problemática vivida no desempenho dessa atividade tão essencial, complexa e

às vezes, frustrante:

É próprio da profissão do Policial Militar um elevado nível de estresse, uma vez que está frequentemente exposto ao perigo, sujeito até mesmo à morte, dentro de um contexto de baixa remuneração, de desprestígio junto a seus superiores e à sociedade em geral, e de descrença em relação ao sistema jurídico punitivo, que consideram leniente. Não raro há entrevistas de policiais que afirmam terem a sensação de “enxugar gelo” pois os criminosos que prendem são soltos por ordem da justiça em cumprimento às leis processuais penais que restringem medidas restritivas de liberdade (FRANCO; SILVA, 2017, p. 181).

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Ao discorrer sobre o amplo contexto da violência brasileira, Mena (2015) refuta o

protagonismo e exclusividade das ações policiais, destacando aspectos que

comprometem as instituições de segurança pública, como salários insuficientes,

capacitação inadequada e criminosos audaciosos, que não hesitam em atentar

contra os policiais. Para a autora, “o embrutecimento dessa polícia é também o da

sociedade brasileira, um país em que se banalizaram o assassinato, o racismo, o

desrespeito às leis e a corrupção” (MENA, 2015, p. 21).

Gomes (2015), demonstra uma inegável relação existente entre a sensação de

medo, sentimento de insegurança que orbita na sociedade, com a atuação policial.

Os episódios de violência, que ocupam amplo espaço nos meios de comunicação,

amplificam e disseminam esse temor, fazendo a população clamar por mais polícia e

uma postura mais enérgica por parte dela. Assim afirma:

Independentemente de estatísticas, dados e mapas acerca da criminalidade levantados por especialistas em violência urbana, os episódios em “páginas policiais” de jornais impressos e programas de televisão e rádio que exploram comercialmente a criminalidade praticada pelos pobres (re)configuram um imaginário popular em que sempre se está na expectativa de crescimento descontrolado da violência e, por isso, numa permanente tolerância em relação à violência policial e na demanda por mais policiamento – e não por políticas públicas que incidam sobre as raízes da criminalidade urbana (GOMES, 2015, p. 61).

É preciso, portanto, que haja um aprimoramento das políticas de segurança pública

voltadas para aspectos preventivos e de inteligência policial, em sobreposição ao

enfrentamento que impera nos dias atuais. O modelo bélico vigente não tem

alcançado os objetivos para os quais se propõe, mostrando-se inócuo, vitimando

cada vez mais agentes do Estado, infratores e membros da comunidade. Países da

Europa e EUA já identificaram essa necessidade e estão alterando gradativamente

as medidas de enfrentamento, encarceramento e criminalização, anteriormente

utilizadas contra os problemas de segurança pública (LOTIN, 2016).

Ocorre que, muitas vezes, a letalidade aqui examinada é vista como afeita

exclusivamente à operacionalidade e ações de polícia, sendo, portanto, de

competência exclusiva das organizações policiais, sua discussão. Deixa assim de

ser tratada em um ambiente macro, no âmbito político e estratégico de governo

(BUENO; CERQUEIRA; LIMA, 2013).

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Peres (2013) afirma que os gastos com Segurança Pública no Brasil aproximam-se

de valores aplicados em países europeus, porém, os indicadores de criminalidade e

violência são muito mais elevados. A constatação questiona assim a eficácia e

eficiência das ações, subsidiadas e implementadas para a melhoria da segurança da

população.

Assim, não se trata de endurecimento das ações policiais e ampliação do caráter

repressor do Estado para solução da criminalidade. Os esforços devem convergir

primeiramente para a justiça e inclusão social, com políticas públicas não somente

de segurança, mas também de moradia, infraestrutura, educação, geração de

emprego, dentre outras. Passa ainda por uma polícia bem remunerada, preparada

para lidar com a complexidade das relações sociais, assegurando a dignidade dos

cidadãos (WYLLYS, 2015).

No nível institucional, a mentalidade de preservação da vida precisa ecoar em todas

as direções, a fim de não mais obnubilar quaisquer pensamentos desviantes.

Conforme Loche (2010), cabe à polícia reduzir a possibilidade de morte, de quem

quer que seja. Sempre que necessário fará cessar a resistência, nem sempre sendo

inexorável para tal, eliminar quem resiste. A este cabe o devido processo legal e as

responsabilidades peculiares.

Quanto à sociedade, cabe a ela conceder legitimidade para as ações policiais

apropriadas e íntegras, ao contrário de repudiá-las e condená-las inadvertidamente,

visto que a segurança pública afeta diretamente a qualidade de vida dos cidadãos.

Assim, a apreciação popular e de órgãos de controle, das intervenções policiais,

precisam ocorrer de maneira imparcial, isentas de influências políticas, midiáticas e

sensacionalistas.

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5 ANÁLISE DOS DADOS

Nas palavras de Marconi e Lakatos (2002, p. 34), “uma vez manipulados os dados e

obtidos os resultados, o passo seguinte é a análise e interpretação destes,

constituindo-se ambas no núcleo central da pesquisa”. Dessa forma, conforme

assinalado nas considerações iniciais, o presente estudo analisou todas as

ocorrências em que policiais militares do serviço ativo da PMES, quando de folga,

envolveram-se de alguma maneira em ocorrência policial, fazendo uso de arma de

fogo e vitimando fatalmente civis. O período analisado compreende os anos de

2014, 2015 e 2016. Foram identificados, ao longo da pesquisa, um pequeno número

de intervenções realizadas por policiais militares da reserva remunerada, que não

foram consideradas para esta monografia, em virtude de não mais ser atribuída a

eles a condição de serviço x folga.

5.1 QUANTIDADE DE CASOS POR ANO

A partir do recorte delimitado, foram identificados 33 (trinta e três) registros dessa

natureza, nos três anos analisados. Conforme se extrai do gráfico 3, foram

registradas 10 (dez) ocorrências com vitimização de civis por policiais de folga no

ano de 2014; 07 (sete) ocorrências no ano de 2015 e um total de 16 (dezesseis)

registros no ano de 2016. Ressalta-se que o dado se refere ao número de registros

e não ao número de vítimas, que será detalhado nas análises que se seguem.

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73

Gráfico 3 - Quantidade de Casos por Ano

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.2 COMPARATIVO DO NÚMERO DE INTERVENÇÕES: FOLGA X SERVIÇO

Apenas para fins de comparação, foi pesquisado também o número de intervenções

realizadas por policiais em serviço, em que houve vitimização de civis fruto dessas

ações. A base de dados para a mensuração do registro de ações em serviço foi a

Gerência de Estatística e Análise Criminal - GEAC da SESP. Os dados foram

materializados no gráfico 4, comparando-os com os números das intervenções de

folga. Nota-se que no período de 2014 – 2016 foram identificadas 59 (cinquenta e

nove) intervenções realizadas por policiais militares de serviço, em que houve a

morte de civis.

10

7

16

33

0

5

10

15

20

25

30

35

2014 2015 2016 Total

Qu

anti

dad

e d

e C

aso

s

Quantidade de Casos por Ano

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74

Gráfico 4 - Comparativo do Número de Intervenções: Folga x Serviço

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

Somando-se o número de intervenções de policiais de folga, com aquelas realizadas

por policiais de serviço, foram apurados 92 (noventa e dois) casos no período

analisado. Desses, conforme mencionado no tópico anterior, 33 (trinta e três)

ocorreram com a intercessão de militares fora do serviço, o que corresponde a

35,87% de todas as ações com mortes de civis.

10 7

16

33

16 15

28

59

0

10

20

30

40

50

60

70

2014 2015 2016 Total

Qu

anti

dad

e d

e C

aso

s

Folga

Serviço

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75

Gráfico 5 - Percentual do Número de Intervenções: Folga x Serviço (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.3 QUANTIDADE DE CASOS POR MUNICÍPIO

Retornando para a análise exclusiva das condutas praticadas por policiais de folga,

temática deste estudo, analisa-se a seguir a distribuição espacial dos registros. O

gráfico 6 demonstra a quantidade de casos e os municípios onde eles ocorreram.

Nota-se que o município em que houve o maior número de acontecimentos foi

Cariacica, com 13 (treze) registros, seguido de Vila Velha, 6 (seis) e Serra com 4

(quatro). A Região Metropolitana da Grande Vitória concentrou 81,82% dos casos

analisados.

35,87%

64,13%

Folga

Serviço

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76

Gráfico 6 - Quantidade de Casos por Município (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.4 TIPO DE INTERVENÇÃO DO POLICIAL MILITAR

A seguir, explora-se a forma através da qual se iniciou a intervenção e envolvimento

do policial militar de folga, no fato que culminou na vitimização do indivíduo. O

gráfico 7 apresenta esses dados. Nele é possível perceber, que na grande maioria

dos casos, 25 (vinte e cinco) registros, o policial foi diretamente vítima da ação

criminosa. Em outras 07 (sete) ocorrências, ele agiu diante de um roubo em

andamento (pessoa, comércio e coletivo). Por fim, em um único caso, dois policiais

militares de folga, tentaram realizar a abordagem a um grupo de indivíduos, que em

seguida atentaram contra a vida dos agentes, sendo necessário o revide, que

vitimou um dos acusados. O fato ocorreu no dia 12 de maio de 2014, no bairro

Maracanã, município de Cariacica.

1 1 1

13

2 1

4

1

6

3

0

2

4

6

8

10

12

14

Qu

anti

dad

e d

e C

aso

s

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77

Gráfico 7 - Tipo de Intervenção do Policial Militar (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

Fazendo a análise percentual dos dados acima, nota-se que em 75,76% dos casos

assinalados, os policiais atuaram para autoproteção e em 24,26%, agiram em favor

de terceiros/coletividade (gráfico 8).

Gráfico 8 - Percentual: Defesa/Proteção Pessoal x Dever de Ofício (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

1

25

3 1

3

0

5

10

15

20

25

30

Abordagem Policial Vítima Roubo acomércio

Roubo acoletivo

Roubo àPessoa

Qu

anti

dad

e d

e C

aso

s

75,76%

24,24%

Defesa/Proteção Pessoal

Dever de Ofício

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78

5.5 ARMAMENTO UTILIZADO PELO POLICIAL MILITAR

Conforme discorrido no capítulo 2 deste estudo, os policiais militares da PMES

possuem cada um, a cautela permanente da arma de fogo com a qual trabalha,

podendo levá-la consigo também nos horários de folga. Assim sendo, em 29 (vinte e

nove) casos, o policial militar utilizou a arma da corporação para atuar, o que

representa 87,88% do total. Foram identificados 03 (três) registros de utilização de

arma particular. Há registro de 01 (um) caso peculiar, ocorrido no dia 06 de janeiro

de 2014, no município de Vila Velha, em que houve luta corporal entre o agente e

infrator, sendo este atingido pelo policial com a arma utilizada pelo criminoso. Os

números encontram-se explicitados no gráfico 9.

Gráfico 9 - Armamento Utilizado pelo Policial Militar (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.6 – DISPAROS EFETUADOS PELO POLICIAL MILITAR

Foram analisados quantos disparos o policial militar efetuou por ocasião da

intervenção. Ressalta-se que em um mesmo caso, houve a atuação de 02 (dois)

policiais militares, de forma que, para efeito de tabulação, foram somados os

disparos realizados por ambos, o que totalizou 20 (vinte) disparos. Dessa forma,

3

29

1

0

5

10

15

20

25

30

35

PARTICULAR PMES DO INFRATOR

Qu

anti

dad

e d

e C

aso

s

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79

conforme gráfico 10, na maioria dos casos, sendo 15 (quinze) ocorrências, foram

efetuados menos de 05 (cinco) disparos pelo policial. Em outros 14 (quatorze)

registros, o número de disparos permaneceu entre 05 (cinco) e 10 (dez) disparos.

Por fim, foram identificados 04 (quatro) casos em que foram realizados mais de 10

(dez) disparos de arma de fogo pelo agente público.

Gráfico 10 - Disparos Efetuados pelo Policial Militar (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.7 VITIMIZAÇÃO DO OPONENTE

Nesse tópico foi identificado o tipo de vitimização sofrida pelo opositor do policial

militar (fatal ou parcial), bem como a quantidade de vítimas em cada caso. Ao

analisarmos o gráfico 11, foram consignados 25 (vinte e cinco) registros com uma

vítima fatal; 06 (seis) fatos com uma vítima fatal e uma vítima parcial; 01 (um)

registro em que o policial militar vitimou fatalmente dois indivíduos e 01 (um) caso

em que o opositor foi vitimado parcialmente, sem óbito. Tal caso foi contabilizado no

estudo, mesmo o opositor tendo sido vítima parcial, porque nesse mesmo fato houve

o registro de um civil morto (terceiro), conforme será apresentado.

15 14

4

0

2

4

6

8

10

12

14

16

(-) 05 disparos 05 - 10 disparos (+) 10 disparos

Qu

anti

dad

e d

e C

aso

s

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80

Gráfico 11 - Vitimização do Oponente (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.8 VITIMIZAÇÃO DE TERCEIROS

A avaliação do gráfico 12 permite extrair que, de todos os casos de intervenção de

policiais militares de folga, em um único registro houve a vitimização de terceiros. O

fato ocorreu no dia 02 de novembro de 2016, durante um assalto a coletivo no bairro

Jardim Camburi, município de Vitória. Naquela ocasião, durante a reação de um

policial militar que estava no interior do ônibus, dois passageiros foram atingidos,

sendo uma vítima fatal e outra parcial. O infrator foi atingido parcialmente. Com ele

foi apreendido um simulacro, utilizado para praticar o crime.

1

6

25

1

0

5

10

15

20

25

30

02 Fatais 01 Fatal + 01Parcial

01 Fatal 01 Parcial

Qu

an

tid

ade

de

Cas

os

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81

Gráfico 12 - Vitimização de Terceiros (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.9 VITIMIZAÇÃO DO POLICIAL MILITAR

Conforme gráfico 13, em 32 (trinta e dois) casos não houve lesão ou morte do

policial militar que atuou na ocorrência, sendo assegurada a sua integridade física.

Foi identificado 01 (um) fato, ocorrido no dia 05 de outubro de 2016, no município de

Cachoeiro de Itapemirim, onde o policial militar, durante uma intervenção em um

roubo a estabelecimento comercial, foi atingido com quatro disparos de arma de

fogo, sendo socorrido e infelizmente constatado seu óbito. O policial possuía vinte e

cinco anos de idade e estava a dois anos na corporação. Na ocasião, um dos

infratores também foi atingido, falecendo em seguida. Foram apreendidos dois

revólveres calibre .38, utilizados para a prática do crime.

32

1

0

5

10

15

20

25

30

35

Não Houve 01 Fatal + 01 Parcial

Qu

anti

dad

e d

e C

aso

s

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Gráfico 13 - Vitimização do Policial Militar (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.10 LOCAL DE LOTAÇÃO DO POLICIAL MILITAR

De acordo com a análise espacial dos locais dos fatos, foi possível identificar,

conforme já descrito, que o município com o maior número de registros foi a cidade

Cariacica, na Região Metropolitana da Grande Vitória. Assim, 9 (nove) policiais

militares que atuaram de folga nas ocorrências analisadas, eram lotados no 7º

Batalhão de Polícia Militar, unidade responsável pelo policiamento na região de

Cariacica. Em seguida foram identificados 04 (quatro) policiais do Quartel do

Comando Geral – QCG e 04 (quatro) policiais do Batalhão Ronda Ostensiva Tática

Motorizada – ROTAM. Demais policiais serviam em diversas unidade da PMES. Os

dados encontram-se catalogados no gráfico 14. O somatório do número de policias

ultrapassa o número de casos registrados, pelo fato de que, em um dos casos,

houve a intervenção de dois policiais militares.

32

1

0

5

10

15

20

25

30

35

Não Houve Sim (fatal)

Qu

anti

dad

e d

e C

aso

s

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83

Gráfico 14 - Local de Lotação do Policial Militar (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES / DRH. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.11 TEMPO DE SERVIÇO DO POLICIAL MILITAR

A fim de avaliar a experiência profissional dos policiais militares envolvidos nos

acontecimentos pesquisados, foi verificado junto à Diretoria de Recursos Humanos –

DRH da PMES, a data de incorporação de cada um deles. Assim, foram somados os

anos completos de serviço ativo, desconsideradas as frações mensais. Dessa forma,

constatou-se, conforme gráfico 15, que 18 (dezoito) policiais envolvidos possuíam

menos de cinco anos de serviço na corporação, na data do fato, sendo que dentre

esses, um deles possuía 10 meses de serviço e um outro, apenas 6 meses. O

número representa 52,94% do total de policiais envolvidos. Dentro do período entre

05 e 10 anos de serviço, foram contabilizados 10 (dez) policiais militares,

representando 29,41% da quantidade total de policiais. Por fim, 06 (seis) agentes

possuíam mais de dez anos de serviço. Somando-se os dois primeiros grupos

avaliados, percebe-se que 82,35% dos policiais envolvidos, possuíam menos de dez

anos de serviço policial. O somatório do número de policias ultrapassa o número de

casos registrados, pelo fato de que, em um dos casos, houve a intervenção de dois

policiais militares.

1

3

1

2

9

2

1

2

1 1 1 1 1

4 4

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Qu

anti

dad

e d

e M

ilita

res

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84

Gráfico 15 - Tempo de Serviço do Policial Militar (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES / DRH. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.12 IDADE DO POLICIAL MILITAR

Foi avaliado também nesse estudo, a idade de cada policial militar participante, na

data do ocorrido. As informações também foram adquiridas junto à Diretoria de

Recursos Humanos – DRH da PMES. No universo mensurado, registraram-se 23

(vinte e três) policiais militares com menos de trinta anos de idade, o que representa

67,65% dos policias militares envolvidos; 05 (cinco) policias com idade entre trinta e

quarenta anos e outros 06 (seis) militares com mais de trinta anos de idade. Os

números foram tabulados no gráfico 16. De igual modo, o somatório do número de

policias ultrapassa o número de casos registrados, pelo fato de que, em um dos

casos, houve a intervenção de dois policiais militares.

18

10

6

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

(-) 05 anos 05 - 10 anos (+) 10 anos

Qu

anti

dad

e d

e M

ilita

res

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85

Gráfico 16 - Idade do Policial Militar (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES / DRH. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.13 SEXO DO POLICIAL MILITAR

De acordo com o gráfico 17, no agrupamento de trinta e quatro policiais militares, foi

identificada uma única ocorrência, no dia 23 de outubro de 2015, município de São

Mateus, com a participação de uma policial do sexo feminino. A policial revidou uma

tentativa de assalto contra sua pessoa, vitimando fatalmente o acusado, com quem

foi apreendido um revólver calibre .32.

23

5 6

0

5

10

15

20

25

(-) 30 anos 30 - 40 anos (+) 40 anos

Qu

anti

dad

e d

e M

ilita

res

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86

Gráfico 17 - Sexo do Policial Militar (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.14 INSTRUMENTO UTILIZADO PELO OPOSITOR

Neste tópico buscou-se identificar o tipo de recurso utilizado pelo civil vitimado, para

atentar contra a integridade do policial militar. A partir daí constatou-se que em 19

(dezenove) registros, o que representa 57,57% dos fatos, foi apreendida arma de

fogo, utilizada na ação criminosa. Foram somados 07 (sete) feitos em que se

apreendeu simulacro de arma de fogo. Em 06 (seis) casos não houve apreensão de

qualquer instrumento. Vale destacar ainda, que o somatório desses dois últimos

grupos, representa um percentual elevado de 39,40% dos eventos, em que nada foi

apreendido ou apenas simulacro. Em 01 (um) registro, foi apreendida uma arma

branca (faca). Os dados apresentados foram registrados no gráfico 18.

33

1

0

5

10

15

20

25

30

35

Masculino Feminino

Qu

anti

dad

e d

e M

ilita

res

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87

Gráfico 18 - Instrumento Utilizado pelo Opositor (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

5.15 ARMAS DE FOGO APREENDIDAS

De acordo com o tópico anterior, foram identificados dezenove casos em que

ocorreu a apreensão de arma de fogo após a intervenção dos policiais. No entanto,

considerando que em alguns casos foi arrecadado mais de um armamento,

totalizaram-se 23 (vinte e três) armas apreendidas. Dessas, destaca-se a apreensão

de 14 (quatorze) revólveres calibre .38 e outros 05 (cinco) revólveres calibre .32, que

juntos representaram 82,61% das armas apreendidas, representado no gráfico 19.

6

1

19

7

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

Sem Instrumento Arma Branca Arma de Fogo Simulacro

Qu

anti

dad

e d

e C

aso

s

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88

Gráfico 19 - Armas de Fogo Apreendidas (2014-2016)

Fonte: GEAC-SESP / DINT / Corregedoria / e-COPS / Portal SESP-ES. Nota: Dados trabalhados pelo Autor.

1

5

1

14

1 1

23

0

5

10

15

20

25

GarruchaCal . 32

RevólverCal . 32

CarabinaCal .44

RevólverCal . 38

Pistola Cal.40

CarabinaCal .38

Total

Qu

anti

dad

e d

e a

rmas

Armas de Fogo Apreendidas

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89

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho desnudou para a corporação como ocorreram as intervenções

de policiais militares fora de seus horários regulamentares de serviço. A maneira

como se deram os fatos, todas as suas peculiaridades, bem como as consequências

que deles sobrevieram.

A colaboração do estudo manifesta-se ainda no fato de ter conseguido concatenar

informações que se encontravam pulverizadas, assegurando a possibilidade de

diagnóstico da situação.

Revelou que a criminalidade mostra-se audaciosa, com ações brutais e violentas

desferidas contra o cidadão. O medo assola o indivíduo e orbita no seu imaginário

impulsionado por uma mídia sensacionalista e capitalista. A retórica de combate

permeia as ações de segurança pública e o clima de guerra instaura-se de modo

imperceptível e quase sempre institucional.

Tais circunstâncias incrementam o ethos guerreiro e o espírito operacional, já

intrincados no ambiente institucional por intermédio da formação policial (inicial e

continuada), da propagação de grupos especializados, dos símbolos, canções, ritos

e inúmeros outros elementos da cultura organizacional.

O pensamento beligerante e a valoração avivada de prisões, apreensões e baixas

ao inimigo, não estão adstritos à farda do policial, mas sim à sua pessoa,

acompanhando-o mesmo quando vem a despir-se de seu uniforme.

Ainda é evidente no ambiente da caserna o propósito combatente, a majoração da

repressão sobre a prevenção, enaltecendo o combate ao mundo do crime. Esse

ímpeto impulsiona o trabalho de preservação da ordem pública, ora de modo salutar,

outras vezes de maneira perniciosa, mormente sobre aqueles menos experientes, a

quem é preciso dispor maior atenção, cuidado e acompanhamento. Estes podem

agir de maneira desmedida com propósito de autoafirmação e aceitação no grupo.

Page 91: A ATUAÇÃO, FORA DO SERVIÇO, DE POLICIAIS ......RAFAEL FERNANDO DE CARVALHO A ATUAÇÃO, FORA DO SERVIÇO, DE POLICIAIS MILITARES DO ESPÍRITO SANTO, EM OCORRÊNCIAS POLICIAIS COM

90

A partir daí, nota-se um recrudescimento das ações policiais frente a criminosos

contumazes e impetuosos, em uma luta diária pela sobrevivência. O contexto

contagia e extrapola os limites do exercício funcional ordinário, decorrente do serviço

para o qual o policial encontra-se escalado. Seguindo além, conduz ações

efetivadas também por policiais militares de folga.

Os dados apreciados sinalizaram um número considerável de ocorrências em que

houve vitimização de civis por intervenção de policiais militares de folga,

principalmente se comparado com o número de pessoas mortas por policiais de

serviço. O último ano (2016) demonstrou um aumento acentuado em relação aos

dois anos anteriores (2014 e 2015), o que aponta a necessidade de intervenção por

parte da corporação, a fim de assegurar o controle e medidas preventivas.

Foi possível constatar o emprego frequente do armamento da corporação por parte

dos militares de folga, enquanto instrumento não somente de trabalho, mas também

de proteção pessoal. Sua posse e utilização implicam cuidados excepcionalíssimos,

exigindo do profissional, habilidade, serenidade e discernimento, em virtude das

consequências gravosas que delas decorrem.

Sem qualquer julgamento, mas apenas como constatação acadêmica, é preciso

registrar que foram identificadas na pesquisa, reações policiais com a vitimização de

opositores que portavam simulacro ou mesmo sem qualquer instrumento ofensivo, o

que no ambiente jurisdicional pode acarretar ilações variadas e desfavoráveis ao

agente público. A preocupação com os efeitos jurídicos também deve ser uma

obrigatoriedade institucional, no sentido de preservar seu recurso humano.

É preciso manter inegável aos policias militares, principalmente aqueles mais jovens,

a obrigatoriedade de uma avaliação de oportunidade e conveniência, quando da

intervenção ou não, em ações delituosas, durante seu horário de folga. Muitas vezes

a intervenção indireta pode ser a melhor hipótese aplicada ao caso concreto, sem,

no entanto, abdicar de procedimentos possíveis e seguros. Ações precipitadas

podem ocasionar danos irreversíveis e responsabilidade pungentes.

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O dever de agir do policial não implica em atos ilógicos, insensatos, que

comprometam a sua segurança ou de terceiros. Ao contrário, tal obrigatoriedade

comporta muitas vezes, ações afluentes, que a propósito de preservarem vidas,

contribuem diretamente para ações policiais ostensivas. A coleta de informações e

acionamento de efetivo de serviço através dos meios disponíveis, são exemplos de

procedimentos contundentes a serem adotados por policiais militares de folga.

Por outro lado, pode ser que a intervenção e emprego sejam indeclináveis, diante do

estado de flagrância e risco iminente. Para isso, é preciso que haja por parte da

instituição a difusão de técnicas e ensinamentos ao policial militar para: porte

dissimulado do armamento (de folga), saque emergencial, condução e uso em

veículos particulares, Procedimento Operacional Padrão (POP) para os casos de

intervenção e emprego da arma de fogo fora do horário de serviço e outras medidas

afins. A arma tornou-se instrumento contíguo do policial militar e seu emprego

precisa ser treinado nas mais variadas circunstâncias e possibilidades.

Finalizando, acredita-se que todos os objetivos propostos foram alcançados ao

longo da pesquisa. A hipótese inicial sugerida foi comprovada, na medida em que os

policiais, na maioria dos casos, agiram sim, em defesa da vida / patrimônio próprios

ou de terceiros, com uso moderado da força.

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