9 Atrito Negativo

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Cap.9 – Atrito Negativo 1 Prof. José Mário Doleys Soares ATRITO NEGATIVO 1. Generalidades Quando uma estaca atravessa uma camada de solo compressível, podem ocorrer esforços adicionais na mesma (que não constam do desenho do engenheiro de estruturas), tais como empuxos horizontais devido a cargas unilaterais nessa camada de solo e atrito negativo, que, no caso de estacas verticais, corresponde a um acréscimo na carga axial decorrente de um recalque da camadas compressível (Figura 1a). Se a estaca for inclinada existirá também um esforço de flexão decorrente desse recalque (Figura 1b). Figura 1- Esforços adicionais nas estacas devido ao adensamento de camadas compressíveis O recalque da camada compressível (e portanto, o atrito negativo) pode ser devido a várias causas, entre elas se destacam: a) amolgamento (perda de resistência) da camada compressível provocado pela cravação das estacas como mostra a Figura 2.

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Cap.9 – Atrito Negativo1

Prof. José Mário Doleys Soares

ATRITO NEGATIVO

1. GeneralidadesQuando uma estaca atravessa uma camada de solo compressível, podem

ocorrer esforços adicionais na mesma (que não constam do desenho do

engenheiro de estruturas), tais como empuxos horizontais devido a cargas

unilaterais nessa camada de solo e atrito negativo, que, no caso de estacas

verticais, corresponde a um acréscimo na carga axial decorrente de um

recalque da camadas compressível (Figura 1a). Se a estaca for inclinada

existirá também um esforço de flexão decorrente desse recalque (Figura 1b).

Figura 1- Esforços adicionais nas estacas devido ao adensamento de camadascompressíveis

O recalque da camada compressível (e portanto, o atrito negativo) pode

ser devido a várias causas, entre elas se destacam:

a) amolgamento (perda de resistência) da camada compressível

provocado pela cravação das estacas como mostra a Figura 2.

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Figura 2 - Atrito negativo causado por amolgamenío de camada compressível

b) Recalque da camada compressível causado por uma sobrecarga

devida ao lançamento de um aterro, ao estoque de materiais ou outra causa,

como mostra a Figura 3.

Figura 3 - Atrito negativo devido a sobrecarga

c) Solos subadensados que recalcam por efeito do peso próprio (Figura 4)

Figura 4- Atrito negativo provocado por solo subadensado

Existem ainda outras causas do atrito negativo nas estacas, entre elas o

adensamento regional provocado por um rebaixamento geral do lençol freático

devido à operação de poços artesianos. Também podem ocorrer recalques por

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carreamentos de partículas de solo provocados pela percolação da água ou por

ruptura de grandes vazios (cavernas), que ocorrem, por exemplo, em solos

calcários.

Neste capítulo, analisaremos apenas as duas primeiras causas, visto

que as outras são de análise mais complexa e fogem ao objetivo deste livro.

2. Atrito Negativo provocado por amolgamento da camada compressível.Quando uma estaca é cravada através de uma camada de argila mole

submersa tende a deslocar, lateralmente, parte dessa argila provocando

amolgamento (perda de resistência) da mesma. A região amolgada resultante

depende (além do diâmetro da estaca e do processo de execução) da

sensibilidade da argila.

O valor do atrito negativo, neste caso, é igual ao peso próprio da argila

amolgada (região hachurada na Figura 5), porém a extensão desse

amolgamento é um assunto muito controvertido, visto que algumas argilas

recuperam rapidamente uma parcela considerável de sua resistência poucos

dias após a cravação das estacas (fenómeno da "cicatrização", também

denominado set-up) como é o caso das argilas da Baixada Santista, que,

apesar de terem uma alta sensibilidade (aproximadamente 4), recuperam parte

considerável de sua resistência muito rapidamente. Por esta razão nas argilas

da Baixada Santista, não se considera qualquer parcela de atrito negativo

devido à cravação das estacas (a não ser que se executem aterros ou obras

que imponham cargas verticais na argila).

Figura 5 - Atrito negativo provocado por amolgamento da argila

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3 . Atrito Negativo provocado por sobrecargas.Para visualizar o mecanismo de desenvolvimento do atrito negativo

devido a sobrecargas será usa a Figura 6, na qual se representa uma estaca

que atravessa um aterro e uma camada compressível de espessura d.

A parcela de atrito negativo transmitida pelo aterro depende da

geometria deste, mas para um dado estaqueamento não pode ser maior que o

peso do volume de aterro (somado à sobrecarga) sobre o plano que contém o

estaqueamento.

Na camada compressível o atrito negativo depende do deslocamento

relativo entre a estaca e o solo compressível, alcançando, no máximo, o valor

corresponde à resistência não-drenada da camada compressível. Supondo um

caso hipotético em que essa camada compressível repouse sobre um extrato

indeformável e apresente resistência crescente com a profundidade, a

distribuição das tensões do atrito negativo também aumentará com a

profundidade, mas depois de uma certa profundidade começará a diminuir,

caindo para zero no topo da camada indeformável (onde o deslocamento

relativo solo-estaca é nulo).

Figura 6 - Mecanismo do atrito negativo

Como a grande maioria dos casos a ponta das estacas não atinge o

extrato indeformável haverá um recalque de sua ponta e consequentemente o

ponto onde o atrito negativo é nulo se desloca para cima, obtendo-se, na

camada compressível, um certo trecho com atrito positivo (Figura 6c). A

mudança do atrito lateral de negativo para positivo ocorre na profundidade

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onde o recalque da camada compressível é igual ao recalque da estaca (ωa =

ωe). A este ponto dá-se o nome de ponto neutro.

4. Métodos para se estimar o atrito negativo

4.1- Método ConvencionalNo caso de estacas isoladas, a força devido ao atrito negativo pode ser

estimada por:

A.N = U l . rl

em que:

U = perímetro da estaca

l = trechos de solo com rl = constante

rl = adesão entre a estaca e o solo. Para as argilas moles, este valor pode ser

adotado igual à coesão dessas argilas. Na falta deste valor, ou quando a

estaca atravessa aterros, rl, pode ser adotado igual, em módulo, ao atrito lateral

fornecido pelos métodos de transferência de carga citados nas referências

bibliográficas do Cap. 1.

No caso de o atrito negativo ser devido unicamente ao efeito de

cravação (amolgamento), seu valor não deverá exceder o peso do volume de

solo amolgado, cuja extensão dependerá da sensibilidade da argila e das

características das estacas. Entretanto, o valor do atrito negativo, devido a esta

causa, poderá ser negligenciado quando a argila tiver uma rápida cicatrização,

como se comentou no item 2.

Se a argila não apresentar o fenómeno da cicatrização, a região

amolgada que será responsável pelo atrito negativo é de difícil avaliação.

Alguns estudiosos sugerem que seja considerada um área de um círculo com

1,5 vezes o diâmetro da estaca enquanto outros propõem que essa extensão

seja de 30 a 50 cm em torno do diâmetro a estaca.

4.2 - Método de De Beer & WallaysO cálculo é feito separadamente para o efeito da sobrecarga (que inclui

o aterro) e para o efeito da camada compressível, respectivamente, ANo e AN:

NA = AN0 + AN

em que:

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0

00.00

....1.

A

tgkdDepANA

A

tgkdD

A

tgkdDe

dANA....

....1

1'..0

0

.

4

. 2

0

dA

quando a estaca é isolada. No caso de estacas em grupo A0 é

calculado como mostra a .Figura 8.

Para16

. 2dA

(valem as mesmas considerações feitas para o termo A0.)

D = diâmetro da estaca

d = espessura da camada compressível

k0 tg (p = (l - sen ) tg= atrito solo-estaca

p0 = sobrecarga no topo da camada compressível

’ = peso específico efetivo da camada compressível

A profundidade z até onde se deve considerar a ação do atrito negativo

é obtido a partir da figura 7.

Figura 7 - Cálculo da espessura que contribui no atrito negativo

Cap.9 – Atrito Negativo7

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Quando as estacas fazem parte de um grupo, o procedimento é análogo

ao de estaca isolada alterando-se apenas os valores de Ao e A para:

A0 = A = a • b (estacas internas ao bloco)

4

)9,0).(9,0(0

dbdaAA

(estacas nos vértices do bloco)

abd

AA

229,00 ou b

ad

229,0 (estacas de periferia do bloco)

(Para aplicação, ver 1° e 2° Exercícios).

Figura 8 - Áreas de influência para estacas em grupo

4.3 - Método de Johnson e KavanaghO método proposto por esses autores só se aplica ao caso de estacas

isoladas. Sua hipótese básica é que a carga proveniente do atrito negativo é

igual à que deveria ser aplicada pela estaca ao solo, no sentido de baixo para

cima, paa produzir na superfície um recalque, em módulo, igual ao que a

sobrecarga imporia ao solo, caso não existisse a estaca. (Figura 9).

Cap.9 – Atrito Negativo8

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Figura 9 - Hipótese de Johnson e Kavanagh

Para se executar o cálculo por este método, divide-se a camada

compressível em subcamadas de espessura constante e admite-se que as

pressões, de baixo para cima, solicitem essa camadas formando um ângulo =

30°. O cálculo é feito por tentativas até se obter um valor de f

(carga/comprimento de estaca). Para este cálculo, admite-se que fo varie

linearmente com a profundidade até se anular no fim da camada compressível,

como mostra a Figura 9.

Assim, conhecido o valor real de fo, obtém-se a carga proveniente do

atrito negativo por

Os passos de cálculo referentes a este método são apresentados no 4°

Exercício resolvido.

5. Procedimentos para se tentar reduzis o atrito negativo

Por ser a carga de atrito negativo um fator que encarece o

estaqueamento, há sempre interesse em se utilizar procedimentos que, mesmo

que não o eliminem totalmente, pelo menos o diminuam. Os procedimentos

citados na bibliografia sobre o assunto são:

a) Pré-carregamento da camada compressível antes da instalação antt

da instalação das estacas. Esse método, entretanto só pode ser

empregado quando o cronograma da obra o permite, visto que este pré-

carregamento deve ser mantido durante um certo tempo até que se

processem os recalques preestabelecidos. Por outro lado, os custos

envolvidos podem ser de tal ordem que, mesmo levando-se em conta

uma carga adicional no estaqueamento devido ao atrito negativo, ainda

assim este será mais vantajoso.

2. 0

dfNA

Cap.9 – Atrito Negativo9

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b) Eliminação do contato direto do solo com a estaca, instalando-se as

estacas após a cravação de tubos de maior diâmetro, limpando-se o solo

dentro dos mesmos e instalando-se as estacas a seguir. Este

procedimento não pode ser usado quando, além das cargas verticais,

atuam cargas horizontais.

c) Pintura da superfície externa da estaca com uma mistura

betuminosa especial. Esta pintura, porém, deve ser feita com uma

técnica que garanta uma espessura mínima de betume que não seja

removida durante a cravação pelo atrito com o solo. Na revista Gronnd

Engineering de novembro de 1972 são apresentadas algumas

características desse betume: penetração a 25°C de 35 a 70 com índice

de penetração + 20 e ponto de amolecimento (R & B) entre 57 e 63. O

betume deve ser aplicado até se obter uma superfície uniforme em volta

da estaca com espessura mínima de 1 cm. Para se garantir uma

aderência eficaz, o mesmo deve ser imprimido com pressão de 1 a 2

kN/m2. Durante a aplicação do betume a estaca deverá ser mantida na

horizontal devendo-se evitar temperaturas elevadas para que não

ocorram corrimentos.

d) Instalar as estacas de modo que possam recalcar da mesma ordem

de grandeza do recalque da camada compressível. Este método foi

proposto em 1967 por Zeevaert para as argilas da Cidade do México.

e) Utilização de estacas de pequeno diâmetro para reduzir a área de

contato com o solo.

f) Utilização de estacas troncocônicas com a menor seção voltada para

baixo, de modo que a camada compressível ao recalcar se descole do

fuste.

6. Carga Admissível

Conhecido o valor do atrito negativo, a carga admissível da estaca será,

segundo a NBR 6122,

2

ANPRP

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em que PR é a capacidade de carga da estaca, obtida como o menor dos dois

valores citados no item 1.1 do Cap. 1.

Cabe lembrar que os métodos de transferência de carga devem ser

aplicados apenas na região em que existe atrito positivo, como indica a Figura

10.

Figura 10 - Carga admissível quando existe atrito negativo

7. Execícios Resolvidos

1° Exercício: Calcular a carga devida ao atrito negativo na estaca de concreto

com 40 cm de diâmetro, indicada na figura, usando-se o método convencional

e o método de De Beer-Wallavs.

a) Método convencional

NA = x 0,4 x 15 339kN

b) Método de De Beer-Wallays

22

0 2544

18.mA

22

6416

18.mA

k0.tg = (1-sen).tg = (1-se 10º) tg 10º 0,15

.D.d.k0.tg = .0,4 . 20 . 0,15 3,77

Cap.9 – Atrito Negativo11

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015,0....

0

0

A

tgkdD

AN0 = 254 x 20 (1-e-0,015) 76kN

13606,0

11.18).1014.(64.

06,0

eNA

AN = 76 x 136 = 212kN

profundidade máxima até onde atua o atrito negativo

2,0.

03,064).1014(

4,0.20

'..0

A

Dz

A

Dp (Figura 7)

z = 0,2 x 64/0,4 = 32m>18m e, portanto, toda camada compressível contribuirá

para o atrito negativo

2° Exercício: Calcular a carga devido ao atrito negativo atuante nas estacas de

25 cm de diâmetro solidarizadas por um bloco. O espaçamento entre as

estacas é de 1m nos dois sentidos e as mesmas atravessam uma camada

compressível de 10 m de espessura sobre a qual será lançado um aterro de

2m de altura, com peso específico de 18 kN/m3.

Adotar para a camada compressível os mesmos parâmetros geotécnicos

do exercício anterior.

Solução:

po=2x 18 = 36 kN/m2

k0 tg = 0,15

'= 14- 10 = 4 kN/m3

.D.d.k0.tg = .0,25 . 10 . 0,15 1,18

a) Estacas do interior do bloco

A0 - A = 1x 1 = 1m²

06,0.... 0

A

tgkdD

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18,1....

0

0

A

tgkdD

AN0 = 1 x 36 (1-e-1,18) =24,9kN

kNe

NA 5,1618,1

11.10.4.1.

18,1

AN = 41,1kN

b) Estacas do vértice

22

0 254

)10.9,01(mAA

047,0....

0

0

A

tgkdD

AN0 = 25 x 36 (1-e-0,047) =41,3kN

AN = 64,4kN

c) Estacas da periferia

20 51.

2

1

2

109,0 mAA

236,0....

0

0

A

tgkdD

AN0 = 5 x 36 (1-e-0,236) =37,8kN

18,1.... 0

A

tgkdD

047,0.... 0

A

tgkdD

kNe

NA 1,23047,0

11.10.4.25.

047,0

236,0.... 0

A

tgkdD

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AN = 37,8+21,8 = 59,6kN

3° Exercício: Calcular o atrito negativo atuante numa estaca de 50 cm de

diâmetro causado pelo

lançamento de um aterro

imediatamente após a cravação

da estaca, como indica a figura.

Usar o método de Johnson e

Kavanagh.

Dados

Aterro: h = 4 m

y= 18kN/m3

Camada compressível:

d=8m

= 10kN/m3

e0 = 1,9

Cc = 0,25

1° Passo: Cálculo do recalque, por adensamento, devido ao lançamento do

aterro, caso não houvesse a estaca:

01 e

Cdr c

log

0

0

p

pp

²/40102

80 mkNp

p = 4 x 18 = 72kN/m²

9,11

25,08

r log m3083,040

7240

kNe

NA 8,21236,0

11.10.4.5.

236,0

Cap.9 – Atrito Negativo14

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2° Passo: Cálculo da parcela de atrito (carga por unidade de comprimento) a

uma dada profundidade x contada do topo da camada compressível, em função

do valor de f0 atuante nesse topo e decrescendo linearmente até zero no final

da camada compressível, como mostra a figura acima.

d

xff x 10

Dividindo-se a camada compressível com 10 subcamadas de espessura

constante, tem-se:

mn

dx 80,0

10

8

Força total devido a uma subcamada

xxn

xfx

d

xffF xxx

.

.1.1.. 00

Admitindo-se que a força total Fx de cada subcamada solicite o solo

formando um ângulo =30°, então a variação média de pressão p, na

profundidade x causada pela força Fx, será:

2

0

.2

.

.1

.2

.

Rtgx

xxn

xf

Rtgx

Fp x

em que

R = D/2 é o raio da estaca.

Como x=i.x-x/2=(2i-1)x/2, em que i é o número da subcamada em

estudo, então:

)²)².12²().12(8²16(.

)122(..8 0

tgixtgixRRn

inxfp

²)577,0)².12²(8,0577,0).12.(8,0.25,0.8²25,0.16(10.

)21.2.(80,0..8 0

ii

ifp

0.)²12.(213,0577,0).12.(923,01

)21.2.(204,0f

ii

ip

Pressão efetiva inicial devido à camada compressível, acima da

profundidade x.

Cap.9 – Atrito Negativo15

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)12.(42

.2

10

ixx

xip

)12.(2)12.(8,4

100 iip

Recalque da camada compressível devido à força Fx agindo na

subcamada da profundidade x.

01 e

Cxr c

x log

0

0

p

pp

como x = i. x / 2, então

012.

e

Cx

xxir c

i

log

0

0

p

pp

em que ri é o recalque da camada compressível devido à força de atrito na

subcamada i.

Substituindo-se os valores de x, Cc, e0, p0 e p ficaremos com a

expressão ri expressa apenas em função de i e f0. Assim, o problema fica

resumido a se arbitrar valores para f0 até que a soma das parcelas ri, fazendo-

se i = 1,2 .... 10, seja igual ao recalque r calculado no 1° Passo.

Para este cálculo, foi elaborada a tabela a seguir:

f0 (kN/m)ri

30 40 50

r1 0,050 0,054 0,057r2 0,063 0,073 0,081r3 0,046 0,056 0,065r4 0,029 0,037 0,044rs 0,018 0,023 0,028r6 0,011 0,014 0,018r7 0,006 0,009 0,011r8 0,004 0,005 0,006r9 0,002 0,002 0,003r10 0,000 0,001 0,001

Soma 2.229 0,274 0,315

45 kN/m (valor intermediário entre 40 e 50 kN/m).

A força total de atrito negativo será, então:

Cap.9 – Atrito Negativo16

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kNd

fAN 1802

845

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ENSAIO DE CARREGAMENTO DINÂMICO: EXEMPLO DE APLICAÇÃO NADUPLICAÇÃO DA BR 101/SC

Luiz Antoniutti Neto e Luís Fernando Debas

In Situ Geotecnia S/C Ltda, Curitiba, PR

Luiz Russo Neto

Pontifícia Universidade Católica do Paraná / In Situ Geotecnia S/C Ltda, Curitiba, PR

Alessander C. M. Konnann

Laboratório de Materiais e Estruturas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR

RESUMOO presente trabalho tem por objetivo divulgar a utilização do ensaio de

carregamento dinâmico. Uma breve descrição dessa ferramenta é efetuada.

Como exemplo de sua utilização, é apresentada uma prova de carga dinâmica

executada nas fundações de um viaduto da duplicação da BR 101, em Santa

Catarina. Os resultados do ensaio dinâmico são discutidos com base em uma

curva resistência mobilizada versus deslocamentos acumulados.

1 INTRODUÇÃOEm nosso país, os projetos de fundações são correntemente elaborados

com base no conceito de capacidade de carga. É usual a estimativa da carga

de ruptura de sapatas, tubulões e estacas através de métodos empíricos ou

semi-empíricos, baseados principalmente no ensaio SPT. No intuito de evitar

Cap.9 – Atrito Negativo17

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que recalques ou deformações excessivas das fundações venham a

comprometer a funcionalidade da obra durante sua vida útil, as cargas de

ruptura são minoradas através de um fator de segurança, de modo a se

estabelecer uma carga de trabalho. Assim, uma das questões que envolvem a

segurança das edificações diz respeito à necessidade das fundações estarem

aptas a receber os carregamentos previstos em projeto.

Para verificar se as fundações executadas em uma dada obra

efetivamente suportarão as cargas para as quais foram concebidas, uma

técnica que pode ser empregada consiste no Ensaio de Carregamento

Dinâmico. Essa ferramenta - que no Brasil vem sendo utilizada desde a década

de 1980 - consiste na instrumentação de estacas e análises com o Método da

Equação da Onda (Smith, 1960).

No presente trabalho, é efetuada uma rápida descrição do ensaio de

carregamento dinâmico, baseada no trabalho de Konnann et al. (1999). No

intuito de ilustrar sua utilização, são apresentados dados de ensaios

executados nas fundações de um viaduto da duplicação da BR 101, em Santa

Catarina

2 O ENSAIO DE CARREGAMENTO DINÂMICOQuando uma estaca recebe um golpe de martelo, o impacto provoca

uma onda de compressão. A onda decorrente do choque do martelo, que

inicialmente comprime a cabeça da estaca em frações de segundo se propaga

até a ponta, retomando em seguida ao topo e assim sucessivamente. Em

estacas de concreto armado, essas ondas viajam com velocidades da ordem

de 3500 m/s.

À medida que as ondas se deslocam do topo até a ponta da estaca, a

sua intensidade tende a se modificar. Para que a estaca supere a resistência

oferecida pelo solo e penetre no terreno, a energia transferida pelo martelo é

consumida gradualmente. Durante esse processo, a onda produz reflexões

compressivas sempre que encontra "barreiras" em seu caminho, tais como

atrito lateral e resistência de ponta Por outro lado, caso a onda do impacto

encontre regiões de pouco atrito lateral, resistência de ponta reduzida ou até

mesmo danos na estaca, uma resposta distinta ocorre. Nessas situações, as

reflexões consistirão em ondas de tração.

Cap.9 – Atrito Negativo18

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Utilizando-se uma instrumentação adequada, é possível medir a

intensidade das ondas de impacto do martelo, e as alterações que as mesmas

sofrem à medida que encontram as resistências do solo. Para tanto,

transdutores de deformação e acelerômetros são posicionados próximo ao topo

da estaca, mediante o uso de chumbadores. Esses dispositivos - que são

instalados sempre em pares diametralmente opostos - podem observados na

Figura 11.

Figura 11 - Detalhe da instrumentação - ensaio de carregamento dinâmico.

Para monitorar os dados de deformação e aceleração que a

instrumentação fornece, é necessário o uso de um equipamento específico. Na

Figura 12 pode-se observar a unidade conhecida como Pile Driving Analyzer®

(PDA), modelo P AL (PDI, 1997), juntamente com um notebook. O PDA

condiciona e processa as informações da instrumentação, fornecendo sinais

que representam a variação da intensidade de força e velocidade na estaca, ao

longo do tempo.

Cap.9 – Atrito Negativo19

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Durante a cravação da estaca, a monitoração pode fornecer uma série

de informações, tais como:

- avaliação da capacidade de carga, através do método CASE (Rausche et al,

1971);

- força máxima do impacto;

- energia do golpe, que é utilizada para calcular a eficiência do sistema de

cravação;

- tensões máximas, cujo controle reduz o risco de quebra da estaca durante a

cravação;

- danos estruturais e sua localização.

Figura 12 - Pile Driving Analyzer ® (PDA) - modelo P AL (PDI, 1997).

De modo a se obter uma estimativa mais precisa da capacidade de

carga da estaca, os sinais de força e velocidade podem posteriormente ser

processados com o método CAPWAP®. Essa técnica é um processo iterativo,

em que um sinal calculado numericamente é ajustado de modo a reproduzir, da

melhor forma possível, o sinal medido em campo. Quando essa condição é

Cap.9 – Atrito Negativo20

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atendida, uma série de parâmetros que descrevem o comportamento do

sistema estaca-solo é inferida Dentre essas informações, tem-se a capacidade

de carga mobilizada pelo golpe do martelo.

Apesar do ensaio de carregamento dinâmico ter sido originalmente

concebido para uso em estacas cravadas, essa ferramenta vem encontrando

aplicação crescente em tubulões e estacas moldadas in loco. Para tanto, basta

que se disponha de um sistema que permita aplicar golpes na fundação.

A metodologia descrita está normatizada pela NBR 13208 - Ensaio de

Carregamento Dinâmico (ABNT, 1994). Quando a capacidade de carga de um

estaqueamento é verificada com provas de carga estáticas ou com o ensaio de

carregamento dinâmico, a norma NBR 6122 - Projeto e execução de fundações

(ABNT, 1996) fixa critérios que permitem otimizar o coeficiente de segurança

do projeto. Uma vez que a determinação experimental do comportamento das

estacas minimiza as incertezas comuns em projetos geotécnicos, coeficientes

de segurança inferiores aos usuais poderão ser empregados. Caso 1% das

estacas da obra sejam ensaiadas estaticamente, ou 3% dinamicamente, o

coeficiente de segurança global pode ser reduzido até o valor de 1,6.

3 CASO DE OBRA: BR 101/SC

3.1 Dados da obra

Para o presente trabalho, foi selecionado como exemplo o caso de um

viaduto da duplicação da BR 101/SC. Na Figura 13, pode-se observar dados

representativos de sondagens SPT, bem como um perfil geotécnico do local do

ensaio dinâmico, que será descrito adiante.

O terreno está associado a um perfil de solo residual. Inicialmente, tem-

se a presença de um aterro, com espessura aproximada de 2,0 m. Em seguida,

ocorre uma camada de argila arenosa cinza escura, muito mole a mole, com

cerca de 6,0 m de espessura. Subjacente a esse material, aparece um silte

argiloso rijo a duro, que se estende até o limite de sondagem.

As estacas da obra em questão são do tipo hélice contínua, com 70 cm

de diâmetro. Dentre os diversos elementos ensaiados nas fundações do

Cap.9 – Atrito Negativo21

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viaduto, será descrita a prova de carga de uma estaca com comprimento útil

igual a 11,30 m, com uma carga de trabalho de 1700 kN.

Figura 13 - Perfil geotécnico representativo

3.2 Prova de carga dinâmica

P ara a execução do ensaio de carregamento dinâmico foi utilizado um

martelo do tipo queda livre, com pilão de 51 kN. O sistema amortecedor

consistiu em capacete, cepo e coxim de madeira. O topo da estaca foi

preparado previamente, com a concretagem de um bloco armado. Esse reforço

possuía uma seção circular de 72 cm e comprimento de 190 cm. A

instrumentação foi posicionada a cerca de 55 cm do topo da estaca (2,45 m

abaixo do topo do reforço). O ensaio foi executado com alturas de queda

crescentes do martelo (e.g. Aoki, 1989). Tal procedimento é correntemente

designado como prova de carga dinâmica.

Com o objetivo de mobilizar tanto quanto possível as resistências do

sistema estaca-solo, as alturas de queda receberam incrementos graduais. As

tensões compressivas foram controladas, de modo a se evitar danos

estruturais à estaca Os golpes do martelo foram monitorados com o PDA,

tendo-se medido também as negas correspondentes com lápis e papel.

Cap.9 – Atrito Negativo22

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A Tabela 1 resume dados do ensaio. A prova de carga dinâmica

compreendeu 8 golpes, com alturas de queda variando entre 100 e 450 cm. As

tensões de tração máximas abaixo dos sensores (TSX) apresentaram uma

intensidade reduzida. A máxima tensão compressiva (CSX) do último golpe -

que envolveu uma altura de queda considerável - atingiu 24,0 Mpa. A Figura 14

apresenta os sinais de força (linha cheia) e de velocidade x impedância (linha

tracejada) correspondentes a esse golpe. Ambos os sinais crescem

continuamente dentro do intervalo 2L/c, o que sugere uma interferência do

martelo. Em torno de 3L/c, o sinal de força passa a se situar sensivelmente

abaixo do sinal de velocidade x impedância Esse comportamento está

associado à maior magnitude dos deslocamentos obtidos com o último golpe. A

interpretação dos sinais monitorados permitiu definir uma velocidade de

propagação de onda igual a 3550 m/s.

Tabela 1 - Dados da prova de carga dinâmica.

Golpe Altura de Queda(cm)

Nega (mm) TSX (MPa) CSX (MPa) EMX(kN.m)

1 100 0,0 0,3 6,3 9,4

2 120 0,0 0,6 7,3 13,2

3 160 1,5 0,5 9,4 20,0

4 200 1,0 0,5 11,4 27,3

5 250 1,0 0,5 13,2 34,6

6 300 3,0 0,3 15,2 43,7

7 350 3,0 0,3 16,8 52,5

8 450 6,5 0,8 24,0 85,1

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Figura 14 - Sinais de força e velocidade x impedância do golpe 8.

3.3 Resultados e interpretação

No intuito de se obter parâmetros para a avaliação das resistências

mobilizadas no ensaio, o golpe número 5, correspondente à altura de queda de

250 cm, foi analisado pelo programa CAPWAP. Os resultados mostraram uma

resistência mobilizada de 2796 kN, sendo 56 % da mesma correspondente a

atrito lateral. A interpretação dessa análise, em conjunto como dados de outras

estacas da obra, sugeriu o uso um fator de amortecimento do Método Case (Jc)

igual a 0,25. Com base nesse valor de amortecimento, foram avaliadas as

resistências mobilizadas golpe a golpe (Tab. 2). Estão incluídos também na

Tabela 2 os deslocamentos máximos (DMX) e permanentes (DFN) de cada

golpe. Esses dados são calculados, envolvendo-se integrações dos sinais

monitorados.

Os dados da Tabela 2 podem ser utilizados para a simulação de uma

curva carga versus recalque. Conforme discutido por Kormann et al. (2000a,

2000b), que analisaram tanto provas de carga estáticas como dinâmicas em

estacas hélice contínua, a interpretação dos ensaios pode ser efetuada

considerando-se os mesmos como uma sucessão de ciclos de carregamento

(e.g. Seitz 1984, Niyama e Aoki 1991). Para tanto, deve-se acumular os

deslocamentos permanentes resultantes de cada golpe. Esse conceito está

ilustrado na Figura 5. O deslocamento acumulado consiste no somatório dos

deslocamentos permanentes dos golpes anteriores, acrescidos do

deslocamento máximo (DMX) do golpe em questão. Para o traçado da curva,

foram utilizadas as negas calculadas (DFN) e as medições efetuadas com lápis

e papel.

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Tabela 2 - Resistências e deslocamentos mobilizados nos golpes.

Golpe Altura de Queda* (cm) DMX (mm) DFN (mm) RMX(kN)1 100 5 - 17552 120 7 0 20143 160 9 1 22154 200 10 2 23265 250 12 3 24306 300 14 4 26657 350 16 5 28588 450 20 6 3325

A carga máxima que pôde ser mobilizada com o martelo disponível, igual

a 3325 kN, mostrou-se segura em relação à carga de trabalho da estaca (1700

kN). Deve-se observar que para estacas do tipo escavadas, como as aqui

descritas, o conceito de ruptura física não é diretamente aplicável. Nesse tipo

de fundação — em que uma contribuição de ponta reduzida está associada a

pequenos deslocamentos — a mobilização de resistências tende a aumentar

continuamente com os recalques. A forma da curva carga x recalque da Figura

15 sugere que resistências mais altas poderiam ser alcançadas caso maiores

deslocamentos fossem obtidos no ensaio.

Figura 15 - Curva deslocamento acumulado versus resistência mobilizada (RMX).

4 CONCLUSÕES

Cap.9 – Atrito Negativo25

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No presente trabalho, procurou-se abordar conceitos básicos do ensaio

de carregamento dinâmico. O caso de obra apresentado - o de uma prova de

carga dinâmica de um viaduto da duplicação da BR 101/SC - ilustra o potencial

dessa técnica como ferramenta de controle de qualidade.

A estaca hélice contínua executada em um perfil de solo residual, com

70 cm de diâmetro e 11,3 m de comprimento, mostrou uma resistência

mobilizada de 3325 kN, a qual foi considerada satisfatória Apesar do martelo

da prova de carga dinâmica possuir um peso de 51 kN e de se ter alcançado

uma altura de queda de 450 cm, a estaca suportou adequadamente as tensões

compressivas máximas do ensaio (24 MPa).

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PROVA DE CARGA DINÂMICA

Cap.9 – Atrito Negativo27

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