8 Contaminação Processual Pela Mídia no Caso Eliza Samúdio · 2018-01-31 · expressou de forma...
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Contaminação Processual Pela Mídia no Caso Eliza
Samúdio
“Não poucas vezes, como sublinha frequentemente o Ministro Gilmar
Mendes, para fazer a justiça o juiz tem que decidir contra a vontade da maioria.
Mas como contrariar a maioria quando a telejustiça assume a lógica das
democracias populistas de opinião?”219.
Certo é que a mídia detém o papel/dever ético, moral e profissional de
informar o público, principalmente em acontecimentos de grande repercussão
social, ainda mais quando se fala em processo judicial criminal, o qual deve ser
público, para que a sociedade vigie a prestação judiciária estatal220.
Porém, tendo em vista o grande poder que exerce sobre as decisões e de
toda a vida da população, os Órgãos de Mídia devem tratar os fatos com a maior
isenção e imparcialidade possíveis, caso contrário podem macular a conduta dos
envolvidos e ainda privá-los de seus direitos, entre eles a liberdade e honra.
Conforme já aduzido no item 3 deste trabalho, a mídia é um instrumento
fortíssimo de aquisição e manutenção de poder, e assim já foi muitas vezes
utilizado. Por ser essa “arma letal”, deve ser manuseada de forma extremamente
cuidadosa, agindo apenas como um meio noticiador, de forma objetiva, jamais
exercendo subjetivações sobre certo fato ocorrido, e sem buscar explicações
espúrias ao fato.
A população receptora dessas notícias as internaliza, principalmente por
ser passada de forma inteligível e atraente, absorvem como próprias, repassam-nas
a outrem, e em grande escala formam uma opinião pública sobre determinado fato
do mundo real.
A problemática é que essa opinião pública tem interferido em quase todos
os fatores sociais muito sérios, como a exemplo o cometimento de um delito e
seus reflexos no poder judiciário.
219 (Luiz Flávio Gomes, 2013, p.16). 220 Princípio da publicidade dos atos processuais.
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A mídia e o judiciário utilizam de tempos e discursos diversos, muitas
vezes antagônicos. Enquanto os media se preocupando apenas com o espaço
temporal e lucros, criaram notícias em ritmos aceleradíssimos para alimentar o
mercado, o judiciário tem uma marcha morosa, com prazos a serem seguidos e
procedimentos tratados em lei, além de garantias asseguradas à pessoa acusada de
certa infração legal.
É certo que o fato em questão foi mais noticiado em duas fases, uma delas
é a de inquérito221, quando ainda se falava em “ardência do crime”, e que nem
mesmo existia o processo judicial, eis que a fase de inquérito policial é anterior à
processual, não havendo contraditório e ampla defesa, bens constitucionalmente
assegurados ao cidadão.
A outra fase bastante noticiada foi a do julgamento, em que a população
esperava a confirmação de um veredicto, já esboçado há tempos pelos meios de
comunicação em massa.
Quanto ao discurso, os jornalistas se empossaram autoridades morais,
utilizando a narrativa a fim de interpretar o real, traduzindo regras sociais e morais
que teriam sido lesadas, e reafirmando o que é benéfico ou não à população,
formando um verdadeiro mito.
No caso em testilha utilizou-se brutalmente de um estereótipo criado de
Bruno Fernandes das Dores de Souza, sua ascensão como jogador de Futebol,
traumas que tivera na infância, festas que frequentava, mulheres com que se
relacionava, o que a fama teria causado a seu psicológico para noticiar e justificar
o sumiço e provável homicídio de uma jovem.
Muito mais interessante do que o vagaroso caminhar processual, criou-se
uma estória de orgias sexuais, futebol, crueldade, poder, dinheiro, um crime, uma
morte a algo bastante intrigante, o paradeiro do corpo de Eliza Samúdio. Houve a
união dos três, que seriam os assuntos que prendem a atenção de grande parcela
popular: sexo, esporte e crime222.
Bruno foi visto como um homem frívolo, calculista, que não dava nenhum
valor às mulheres que passaram por sua vida, mas sim ao dinheiro, a fama e sua
carreira brilhante. E a narrativa das notícias já era no sentido de construir a
personalidade dele, esquecendo-se de toda a complexidade judicial do fato e de
221 Vide ponto 6.2. 222 Vide Ponto 4.2 (CASTRO, 205, p.208).
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direitos e garantias que a lei o “assegurava”. Edificando, assim, uma narrativa
moralizadora.
O processo judicial, em que Bruno figura como réu, tornou-se um
espetáculo. Antes como protagonista, herói, ovacionado pela torcida, exemplo a
ser seguido, agora como o ator principal de uma estória de terror, um monstro.
Neste sentido são os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes223:
A justiça telemidiatizada é composta de palavras e discurso (moralistas, duros, messiânicos) que a população adora ouvir. A Justiça está deixando de ser apenas um lugar onde as pessoas são julgadas (de acordo com suas culpabilidades) para se transformar num privilegiado palco que lembra os rituais religiosos bíblicos de expiação, onde são sacrificados ‘bodes expiatórios’ para a necessária purificação da alma de todos os pecadores. E claramente os media assistiram ao que plantaram ser colhido no dia do
julgamento. A população, sedenta pelo que acreditavam ser a justiça, foi à porta
do fórum de Contagem em todos dias dos julgamentos dos envolvidos,
principalmente no dia em que Bruno fora submetido ao tribunal do júri, com
cartazes, pregados em cruzes, pintados de vermelho, partidos políticos tinham
seus representantes presentes, centrais sindicais também se faziam presentes com
cartazes, verdadeiros acampamentos se espalhavam à porta da “Casa da
Justiça”224 para ver o fim do espetáculo travestido de resposta judicial.
A condenação de Bruno foi aplaudida pelas pessoas que se encontravam
nas ruas225, e ainda julgada leve por muitos, a mãe de Eliza era consolada,
abraçada e tida como uma vítima dos atos praticados pelo monstro.
A sentença proferida pela Juíza que presidia a sessão de julgamento
expressou de forma cabal a influência que os meios de comunicação em massa
exerceram no julgamento pelo judiciário:
Culpabilidade. A culpabilidade dos crimes é intensa e altamente reprovável. O crime contra a vida praticado nestes autos tomou grande repercussão não só pelo fato de ter entre seus réus um jogador de futebol famoso, mas também por toda a trama que o cerca e pela incógnita deixada pelos executores sobre onde estariam escondidos os restos mortais da vítima. Embora para esta indagação não se tenha uma resposta, certamente pela eficiência dos envolvidos, a sociedade de Contagem, que em outro julgamento já tinha reconhecido o assassinato da vítima, hoje reconheceu o envolvimento do mandante na trama diabólica. (...)
223 (2013, p. 20). 224 Expressão utilizada para Fórum. 225 Pessoas que se encontravam à frente do Fórum de Contagem.
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Indiscutível se torna registrar, que os crimes descritos nestes autos, causam extremo temor no seio da sociedade, não podendo o Poder Judiciário fechar os olhos a esta realidade, de modo que a paz social deve ser preservada, ainda que, para tal, seja sacrificada algumas garantias asseguradas constitucionalmente, dentre elas, a liberdade individual. Deixa-se claro que o Poder Judiciário dera uma resposta a uma sociedade
que clamava o que os media a passavam. Passando por cima, inclusive de
parâmetros incutidos ao direito do próprio cidadão.
A condenação foi vista como uma conquista social, Bruno, visto como um
inimigo ou desviado, como pessoa que deturpou a ordem social, teve o que a
população entendeu como justo.
Assim, o sofrimento desse inimigo foi a expressão de uma festa (alegria,
júbilo, satisfação), aproximou-se de uma vingança comunitária a este “inimigo”.
“O gozo e a satisfação gerados pelo sacrifício de um potente ‘bode expiatório’,
agora exposto ao moderno pelourinho dos telejulgamentos midiáticos, equivalem
às grandes conquistas patrióticas nacionais”226.
Ainda mais, quando se fala em delitos de competência de julgamento pelo
Tribunal do Júri, torna-se mais comum a interferência da mídia, pois, o Caso Eliza
Samúdio foi noticiado pela primeira vez em 26 de junho de 2010, quando a
notícia seria que Eliza Samúdio teria desaparecido quando iria se encontrar com
Bruno para resolver questões de ordem financeira e pessoal, o julgamento
aconteceu há dois anos, oito meses e doze dias após, com a ideia de que teria sido
ele o mandante do crudelíssimo assassinato de Eliza.
Sete pessoas do povo, juízes do fato, sem a necessidade de deter qualquer
conhecimento jurídico, que internalizaram como sua uma conclusão midiática de
que Bruno fora mesmo o mandante de um crime inacreditavelmente bárbaro,
exaltando uma personalidade desviada e maléfica, eis que ouviram a narrativa
moralizadora, latente e repetitiva por quase três anos, confirmaram nas urnas no
dia 08 de março de 2013, por maioria absoluta, 4 votos a 0227 que Eliza está
mesmo morta, que Bruno fora o mandante e deveria ser responsabilizado.
A Magistrada incumbida de dosar a pena cujo Conselho de Sentença já
condenara o Réu, somente descreveu na sentença o que ocorreu durante todo o 226 (GOMES, 2013, p. 21). 227 O Conselho de Sentença é composto por sete jurados. Porém, a Lei nº. 11.689/08 alterou a redação do artigo 489 do Código de Processo Penal para impor a contagem de votos por maioria simples. Assim, após chegar ao montante de 4 votos, não mais se conta os demais, a fim de resguardar o sigilo das votações (ponto 2.3.2).
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carrear processual, ou seja, o que a mídia incutira nas mentes dos membros da
sociedade brasileira como um todo e a justificativa pela sede de punição.
Reafirmando ainda sobre a personalidade de Bruno, que dias antes do
veredicto já tinha sido desenhada pela mídia, tratara a Juíza228: “ (...) demonstrou
ser pessoa fria, violenta e dissimulada. Sua personalidade é desvirtuada e foge dos
padrões mínimos de normalidade. O réu tem incutido em sua personalidade uma
total subversão dos valores.”
Sendo assim, a juíza deixou de lado o discurso formal e técnico jurídico,
requintando a sentença com conceito verdadeiramente aberto e subjetivo como
“padrões mínimos de normalidade”, “valores”, “personalidade desvirtuada”.
Ademais, trouxe isso ao processo sem nenhum auxílio de profissionais
capacitados a afirmar sobre a personalidade de Bruno. Certo é que o profissional
do Direito não é capacitado para tanto.
Ainda utilizando as palavras do Professor Luiz Flávio Gomes “As balizas
da justiça, quando deixadas sob o comando do povo ou da pura emoção, ficam
totalmente cegas (a história de Jesus Cristo que o diga). Quando a emoção fala
mais alto que a razão, tudo quanto satisfaz a ira das massas passa a ser ‘válido’ e
‘justo’.”229
Daí chega-se à conclusão de que possivelmente não houve a justiça no fato
em questão, pois, o veredicto resultante de todo esse processo judicial foi
embasado em uma estória mítica, construída pela mídia, mesmo que a intenção
midiática não tenha sido a condenação de Bruno, e sim os altíssimos lucros
decorrentes de uma elevada audiência de um fato que envolve e prende a atenção
do público em geral.
Outras curiosidades estranhíssimas ao operador do direito e principalmente
àquele que tem uma atuação em crimes dolosos contra a vida ocorreram no
processo em comento. Algumas destas serão analisadas nos pontos a seguir.
228 No texto da sentença. 229 (2013, p. 22).
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8.1
Materialidade Delitiva
Tem-se como materialidade delitiva uma prova de que certo fato
criminoso ocorreu. Essa materialidade deve ser provada em delitos que deixam
vestígios materiais (como o homicídio). O conjunto desses vestígios é chamado
tecnicamente de corpo de delito.
Existindo vestígios, sejam os rastros ou pistas deixados por alguém ou
alguma coisa, é obrigado que se tenha no caderno processual o exame de corpo de
delito, seja ele direto ou indireto, conforme artigo 158 do Código de Processo
Penal: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo
de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”
É uma prova imposta por determinação legal, ou seja, sua produção não é
discricionária. Caso haja a falta dessa, pode ocasionar a nulidade processual por
ordem do artigo 564, III, “b” do Código de Processo Penal.
Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci230:
Exame de Corpo de delito: é a verificação da prova como existência do crime, feita por peritos, diretamente, ou por intermédio de outras evidências, quando os vestígios ainda que materiais, desaparecem. O corpo de delito é a materialidade do crime, isto é, a prova da sua existência. O exame de corpo de delito direto é aquele que o perito analisa o próprio
corpo de delito, quando ele ainda existe e é palpável. Já o indireto é feito com a
“ajuda de meios acessórios, subsidiários, pois o corpo de delito não mais subsiste
para ser o objeto do exame”231, é o caso de fotos, filmagens, prontuários médicos
entre outros.
Ainda não havendo a possibilidade da feitura do auto de corpo de delito
direto ou indireto, a prova testemunhal pode atestar a materialidade delitiva,
porém a confissão não pode ser utilizada para esse fim, conforme o mesmo artigo
167.
Esses meios de prova assumem ordem preferencial, primeiro a tentativa de
fazer o exame direto, posteriormente o indireto e só na falta de ambos supre-se
pela prova testemunhal.
230 (2009, p. 362). 231 (TÁVORA e ALENCAR, 2013, p. 418).
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O exame direto exige a atuação de peritos para a elaboração, conforme
entendimento majoritário na doutrina. Essa corrente majoritária ainda entende que
o corpo de delito indireto engloba o suprido pela prova testemunhal, e assim
prescinde de feitura desse exame bastando o termo de declaração da
testemunha232.
Um processo pode começar sem a consubstancial prova de sua
materialidade, mas assim continuando não pode haver uma condenação, por ser
causa de nulidade conforme já tratado233.
Importante aqui ressaltar que se entende por prova testemunhal o termo da
oitiva de qualquer pessoa pelo juízo, compromissada e inquirida, nos termos do
artigo 203 e 206 do Código de Processo Penal.
Esclarece-se que o acusado não é testemunha, e não presta depoimento,
mas é interrogado e não tem o compromisso de dizer a verdade, podendo inclusive
quedar-se inerte, permanecendo calado234.
Também não pode ser ouvido como testemunha ascendente ou
descendente, o afim em linha reta, o cônjuge ou companheiro, ainda que
desquitado, o irmão, o pai, a mãe e filho adotivo do acusado, ou qualquer pessoa
que tenha interesse no resultado do processo judicial, eis que inexigível seria que
eles produzissem provas contra seu afeto235. E ainda os doentes e deficientes
mentais e os menores de quatorze anos, eles não prestarão o compromisso de dizer
a verdade e poderão ser ouvidos como informantes, exceto se tiverem capacidade
de interlocução236.
8.1.1 Delito sem corpo
Um processo penal pode ter início sem prova concreta de materialidade,
mas nunca pode chegar a uma condenação sem ela, como já mencionado. No caso
Eliza Samúdio, os restos mortais da jovem não foram encontrados, apesar de
buscas incansáveis. E em casos como esse, conforme já explicado, pode haver o
232 Interpretação extensiva do artigo 328, paragrafo único do Código de Processo Penal Militar (TÁVORA e ALENCAR, 2013, p. 418). 233 Artigo 564, III, “b” do Código de Processo Penal, em crimes que deixam vestígios a obrigatoriedade do Auto de Corpo de Delito. 234 Princípio nemo tenetur se detegere. 235 Artigo 206 do Código de Processo Penal. 236 Artigo 208 do Código de Processo Penal.
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chamado exame de corpo de delito indireto, ou seja, a utilização de outros meios
não palpáveis, como o depoimento testemunhal.
Ocorre que, em um procedimento criminal de crimes dolosos contra a
vida, conforme item 2.3, deve haver o fim da primeira fase do procedimento, a
judicium accusationis, encerra com uma decisão de pronúncia237, caso o juiz tenha
se convencido da materialidade do fato e houver indícios suficientes de autoria ou
participação do acusado.
Sendo assim, a materialidade deve estar provada nessa fase, ou seja, deve
estar certa, com provas testemunhais ou auto de corpo de delito direto.
Na decisão de pronúncia que se encontra nos autos do processo em
comento, quando faz menção à materialidade do fato, a Magistrada expõe que será
feita indiretamente pelas provas orais, técnicas e documentais, em 17 de dezembro
de 2010.
Enumeram-se depoimentos e documentos de outro processo que tinha a
mesma vítima e Bruno como um dos autores dos crimes, quando teria ameaçado e
exigido que Eliza abortasse uma criança à qual lhe era atribuída a paternidade.
Processo esse que não possuía os mesmos advogados e que não tivera as provas
confirmadas no processo em questão238. Além disso, trouxe também um DVD que
teria sido veiculado pela “grande mídia”239, e perícia em computador da vítima.
Também enumerou perícia feita no GPS do carro de Bruno que teria
levado Eliza do hotel no qual se encontrava para a casa de Bruno no bairro
Recreio dos Bandeirantes/Rio de Janeiro e para o sítio em Minas Gerais, perícia
que encontrou sangue de Eliza no referido carro, declarações dos acusados
Fernanda e Bruno e do menor Jorge Luiz, que também fora envolvido no caso e
ainda respondia a um processo criminal na Vara da Infância e Adolescência da
mesma comarca, pelo que não poderia constar como testemunha, Bem como
Bruno e Fernanda.
237 Artigo 413 do Código de Processo Penal. 238 Ver sobre prova emprestada em: (TAVORA e ALENCAR, 2013, p. 403-404, e CAPEZ, 2013, p. 479-480) 239 Expressão utilizada pela Juíza.
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8.1.2
Expedição de Certidão de Óbito no Processo
Em 23 de novembro de 2012, houve o fim do julgamento de Luiz
Henrique Romão, o “Macarrão”, que ao ser interrogado afirmou que a jovem teria
sido morta a mando de Bruno, na forma em que a mídia veiculou, frise-se ser ele
envolvido, pelo que não foi ouvido como testemunha.
Em 16 de janeiro de 2013, a Magistrada mandou que fosse expedida a
certidão de óbito de Eliza Samúdio, constando como data da morte, dia 10 de
julho de 2010 e motivo “emprego de violência aplicada na forma de asfixia
mecânica (esganadura)”, tendo ainda como declarante “mandado judicial”.
Com isso, já havia tido como confirmada a materialidade do caso Eliza
Samúdio, por força judicial240, mesmo antes do conselho de sentença, no
julgamento de Bruno Fernandes, que somente teria início em 04 de março do
mesmo ano, afirmar a existência desse homicídio. A certidão de óbito foi datada
de 24 de janeiro de 2013.
Já na sentença condenatória, em 08 de março de 2013, aos jurados foi
apresentada a materialidade do fato já confirmada, principalmente pela certidão de
óbito que, mesmo sendo alvo de discussão jurídica241 e digna de não aceitação
pela defesa do processo, continuou integrando as provas desse, e foi utilizada em
sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri em pedido de condenação.
Ainda foi reafirmada a materialidade, explicando a feitura da certidão de
óbito pela sentença da Magistrada tratando assim:
Embora para esta indagação não se tenha uma resposta, certamente pela eficiência dos envolvidos, a sociedade de Contagem que em outro julgamento já tinha reconhecido o assassinato da vítima, hoje reconheceu o envolvimento do mandante na trama diabólica.242
240 Eis que a certidão de óbito é o documento que afirma a morte de certo cidadão, assim como a de nascimento atesta o nascimento e a de casamento atesta a união de duas pessoas. 241 Houve recurso contra a decisão que mandou expedir a certidão de óbito. 242 Trecho da sentença sobre a materialidade delitiva.
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8.2
Qualificadora da Asfixia
O artigo 121, §2º do Código Penal disciplina o homicídio na modalidade
qualificada.
Para esse tipo de delito estipulou uma pena mínima em dobro da do
homicídio simples, a pena aplicada àquele é entre doze a trinta anos, pois
entendeu o legislador tratar-se de forma mais reprovável de ceifar a vida de outra
pessoa.
Tendo como base ensinamentos de Rogério Greco, tais qualificadoras
podem ser classificadas como de motivos, meio, modos e fins243. As estabelecidas
nos incisos I e II desse parágrafo, em síntese a paga ou a promessa de
recompensa, ou outro motivo torpe , e o motivo fútil correspondem aos motivos.
As tratadas no inciso III, seja o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum,
apontam, assim, os meios. Já a exposta no inciso IV, seja a traição, emboscada,
dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do
ofendido, são classificadas como modo. Por último, a elencada no inciso V, para
assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime,
classificada como de fins.
A doutrina tem entendido que o homicídio qualificado é uma derivação do
tipo homicídio tratado no artigo 121, caput, do Código Penal, e por isso não é
elementar244 do delito, mas tão somente uma modalidade desse. Neste sentido o
entendimento de GRECO245:
É importante frisar, nesta oportunidade, que o § 2º do art. 121 do Código Penal prevê uma modalidade de tipo derivado qualificado. Isso significa que todas as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias, e não como elementares do tipo. Tal raciocínio se faz mister pelo fato de que o art. 30 do Código Penal determina: Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
243 (GRECO, Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vol. II. 2013, p.150-162). 244 Não integra os elementos do tipo. 245 Idem (p. 150-151).
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Bem, tudo isso quer dizer que se duas ou mais pessoas cometerem o delito
de homicídio, agindo em concurso de pessoas, pode um ter agido de forma
qualificada, como mediante paga, e o outro, de maneira privilegiada246, como o
relevante valor moral, se mandar matar o estuprador da própria filha.
Ainda nesse interim as lições de Damásio de Jesus247:
Circunstâncias são elementos acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena. Não interferem na qualidade do crime, mas sim afetam a sua gravidade (quantitas delicti). Podem ser: a) Objetivas (materiais ou reais) b) Subjetivas (ou pessoais) Circunstâncias objetivas são as que se relacionam com os meios e os modos de realização do crime, tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades da vítima. Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só dizem respeito à pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, com os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima ou com outros concorrentes. Principalmente por estar tratado em um parágrafo do artigo 121 do Código
Penal, o homicídio qualificado é um tipo derivado e não autônomo. Sendo assim,
sendo imputado a um dos réus a prática do homicídio qualificado, não
necessariamente se aplicará ao outro as mesmas iras. Ademais, caso se aplique a
todos os réus, deve ser devidamente individualizada e comprovada.
No caso em tela, os réus Bruno, “Macarrão”, Dayanne, Fernanda, Sérgio,
Elenílson, Wemerson, “Bola” e Flávio foram denunciados pelo homicídio de
Eliza Samúdio com a aplicação de três qualificadoras, sejam as tratadas no artigo
121, §2º, I, III e IV. Com a exceção do Marcos Aparecido (Bola) foram ainda
denunciados no sequestro e cárcere privado e a ocultação de cadáver, além da
corrupção de menor (Jorge).
O porquê da aplicação dessas qualificadoras ressalta da denúncia:
Dentro da casa, MARCOS APARECIDO “BOLA”, contando com a ajuda de “MACARRÃO”, asfixiou ELIZA até a morte. Pelas costas de ELIZA, “BOLA” passou seu braço pelo pescoço da vítima, em um golpe conhecido como “gravata”, e constringiu-lhe o pescoço, esganando-a. (...) (...) O torpe motivo do crime era o desejo de BRUNO de retaliar ELIZA, em face de sua postura de mãe obstinada na defesa dos direitos do seu filho.
246 Expressão utilizada para a causa de diminuição de pena trazida no artigo 121, §1º do Código Penal. 247 (1999, p.59-60).
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ELIZA, constantemente subjugada por múltiplos algozes, levada ao cativeiro e lá mantida por vários dias até a data de sua morte, não teve a mínima chance de defesa. Claramente se vê que a asfixia foi imputada a Marcos Aparecido e Luiz
Henrique (Macarrão), o motivo torpe apenas a Bruno, e o recurso que
impossibilitou a defesa do ofendido foi imputada a todos, mesmo que a todos eles
tenham sido imputada a prática do homicídio com as três qualificadoras.
Já em sede de decisão de pronúncia, onde, não poderiam essas
qualificadoras serem aplicadas de forma genérica e desordenada, segundo
entendimento legal e doutrina. Nesse sentido encontra-se sumulado248 pelo
Tribunal de Justiça de Minas Gerais249, Súmula nº. 64: “Deve-se deixar ao
Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar
qualificadoras na fase de pronúncia, salvo quando manifestamente
improcedentes.” (grifo nosso).
A decisão de pronúncia do processo estudado teceu a explicação de que a
qualificadora do motivo torpe não poderia ser estendida a Marcos Aparecido,
tendo então pronunciado: Bruno Fernandes, Luiz Henrique e Sérgio Rosa no
homicídio com as três qualificadoras (motivo torpe, uso de asfixia e recurso que
impossibilitou a defesa da ofendida), além do sequestro e cárcere privado e
ocultação de cadáver; Marcos Aparecido no homicídio duplamente qualificado
(pela utilização de asfixia e o recurso que impossibilitou a defesa da ofendida) e
ocultação de cadáver; Dayanne, Elenilson e Wemerson no sequestro e cárcere
privado da criança Bruno Samúdio; e Fernanda Gomes no sequestro e cárcere
privado de Bruno Samúdio e Eliza Samúdio. Para os demais acusados e demais
crimes houve a absolvição sumária250 e a impronúncia251.
Para não decotar252 as qualificadoras quanto a Bruno, Luiz Henrique e
Sérgio, a Magistrada invocou a Súmula do Tribunal de justiça de Minas Gerais
248 Decisões sobre casos assemelhados, na mesma forma, reiteradas vezes, faz com que se tenha um entendimento pacificado. 249 Onde fora processado o feito. 250 Todos os acusados quando ao delito de “corrupção de menores” (artigo 244-B, §2º, da Lei nº. 8.069/90). 251251 Os acusados Flávio, Dayanne, Fernanda, Elenilson e Wemerson quanto aos delitos de homicídio e ocultação de cadáver (artigos 121, §2º, I, III e IV; e 211 do Código Penal). Também Flávio quanto ao delito de sequestro e cárcere privado de Bruno Samúdio (artigo 148, §1º, IV do Código Penal). 252 Expressão utilizada no mundo jurídico que quer dizer retirar.
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sobredita, alegando não ser completamente descabida e encaminhando ao
Tribunal do Júri tal julgamento.
Em julgamento pelo Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença, por quatro
votos a um, reconheceu o motivo torpe, e por quarto votos a zero reconheceu
também a utilização de asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da ofendida
com relação a Bruno.
Intrigantemente, se a estória teria sido que Marcos Aparecido havia
matado Eliza a mando de Bruno e com a ajuda de “Macarrão”, não foi
diretamente Bruno que ceifou a vida da jovem, não podendo este responder pela
modus operandi em que se deu tal homicídio.
Tomando por base os entendimentos doutrinários e até o próprio texto
legislativo, é notório que tal qualificadora não poderia ser generalizada, a não ser
que comprovado fosse que Bruno mandou que Marcos Aparecido matasse Eliza
asfixiando-a, e tão somente dessa forma, o que não aconteceu.
Mais uma vez, por força da opinião pública gerada pelos meios midiáticos,
a indignação generalizada popular, o medo que foi plantado na sociedade e o
repúdio ao “monstro” elaborado pelas manchetes jornalísticas, houve a
condenação por uma pena maior do que a aceita em Direto.
Nesse sentido Luiz Flávio Gomes asseverou chamando esse fenômeno de
“populismo penal midiático”253:
Para além da midiatização do Judiciário, um outro tema de grande destaque no cenário criminológico atual reside, sem sombra de dúvida, na análise das opiniões públicas e publicada diante da punição, e isso em razão da crescente preocupação diante do populismo punitivo que vem se desenvolvendo em inúmeros países e que possui nos clamores punitivos dos cidadãos um pilar significativo para o delineamento de respostas mais severas à criminalidade. Explicando o “populismo penal midiático”, o autor assim traz254:
Dentre os possíveis agentes do discurso expansionista do populismo penal (opinião pública, policiais, políticos, legisladores, juízes, agentes penitenciários, universidades ou escolas, ONG’s, interpretes da lei, agências internacionais ou transnacionais etc.), sobressaem os meios de comunicação, que desenvolveram no campo penal e criminológico uma maneira muito peculiar de fazer jornalismo, que poderia ser chamada de populista (ou justiceira) (Díez Ripollés:2007, p. 529 e ss.; Frascaroli: 2004, p. 205 e ss). Trata-se da acumulação de uma experiência jornalística extremamente seletiva, que conta com implicações, multifacetadas nos campos criminológico, penal, penitenciário, sociológico, psicológico,
253 (2008, p. 22-23). 254 Idem (p. 98-99).
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político, social, ético, moral, econômico, cultural, securitário (segurança pública) etc. Ainda aí o autor ilustra que a técnica primordial utilizada pelos meios
midiáticos para deter o apoio popular é a exploração de forma abundante a “
(...)perversidade ou astúcia de algum criminoso totalmente excêntrico (que deve
ser punido com o mesmo rigor, de acordo com a proporcionalidade dos danos)
(...)”255, sendo que com base nesses dados, dão credibilidade aos seus discursos
pleiteando maior severidade penal, vigilância implacável e a criminalização dos
“seguimentos suspeitosos estereotipados”256, tudo como forma de aplacar a
violência e criminalidade.
Muito precisamente explica tal fenômeno:
Mas por que a população continua acreditando nessas “soluções” mágicas e demagógicas? Spee (apud Zaffaroni: 2011, p. 366) atribuía a longevidade das caças às bruxas (na Idade Média) à ignorância do povo. Conclusão: é a desinformação assim como as crenças mágicas que se encontraram na base das “soluções” demagógicas do populismo penal.257 Diante de todo o exposto, o “populismo penal midiático” fez com que,
mesmo que a norma e os estudiosos do Direito dissessem em contrário, Bruno
fosse condenado a uma pena maior que se caberia.
8.3
Decisões e Sentenças Contraditórias
Outro fato bastante incomum, que também é um reflexo do “populismo
penal midiático”, é o que se traduz pelo quantum 258de pena aplicada a cada um
dos réus na medida de suas culpabilidades259. Acredita-se ter acontecido uma não-
observância os chamados princípios da proporcionalidade e da individualização
das penas.
255 Idem (p.201). 256 Idem. 257 Idem (p.203). 258 No sentido de quantidade e tamanho. 259 O artigo 29 do Código Penal preleciona que “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” Deste modo, a pena aplicada a cada réu deve ser proporcional ao mal praticado pelo mesmo, princípio penal da proporcionalidade.
139
O Princípio da proporcionalidade diz que o mal da pena deve ser
proporcional ao mal cometido. Dessa feita, deve ser aplicado tal princípio em três
momentos distintos, sejam: no momento em que o legislador estatuir pena mais
grave ao delito mais grave e pena menos grave ao delito menos grave; no
momento da aplicação da pena entre o mínimo e o máximo legal a depender da
gravidade delitiva; e no momento da execução da pena, quando o agente de fato
sofre a sanção estatal, quando se dá o caráter retributivo da pena, devolve ao
sentenciado o mal que ele praticou contra a sociedade.
Tendo em vista a inflação legislativa penal, acredita-se haver uma
dificuldade em aplicar uma severidade da pena proporcional à gravidade do delito.
Neste diapasão Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, apud GRECO260,
referindo-se ao Direito traz:
(...); o que ele não pode é admitir que a essa natureza irracional do exercício do poder punitivo se agregue um dado de máxima irracionalidade, por meio do qual sejam afetados bens jurídicos de uma pessoa em desproporção grosseira com a lesão que causou. Já com relação ao princípio da individualização da pena tem o seu
nascimento no artigo 5º, XLVI da Constituição Federal, quando aduz: “ A lei
regulará a individualização da pena (...)”.
Esse princípio, tal qual ao da proporcionalidade, tem a sua aplicação em
fases semelhantes, seja a da cominação, quando o legislador escolhe a conduta a
ser tipificada e a ela atribui pena individual a este crime, de acordo com a
relevância do bem tutelado; e na fase de aplicação da pena pelo Magistrado,
quando esta valora quanto será aplicada a cada um dos acusados da prática
daquele fato típico; e na fase de execução da pena.
No momento da aplicação da pena ao caso concreto, o julgador procede
conforme artigo 68 do Código Penal. Atendendo ao procedimento “trifásico” de
aplicação de pena:
A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do Art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. Sendo assim, primeiramente o juiz faz a aplicação de uma pena entre o
mínimo e o máximo cominada a certo delito, que será a base para os cálculos
260 (2013,vol.2, p.29).
140
seguintes, ou seja, a aplicação das atenuantes e agravantes e por último as causas
de aumento e diminuição de pena.
Circunstâncias agravantes e atenuantes são aquelas que respectivamente
aumentam ou diminuem a pena à medida que entender o aplicador, e que estão
dispostas genericamente no artigo 61 e 62, 65 e 66 do Código Penal, existindo
ainda espaças pela parte especial do mesmo Código.
As causas de aumento e diminuição de pena são frações estabelecidas pela
lei, para que haja uma majoração ou minoração de pena nas circunstâncias
elencadas, estão dispostas aleatoriamente no Código Penal.
O cálculo para a aplicação da pena base será feito da seguinte forma261:
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. Na fase de execução penal, os sentenciados “serão classificados, segundo
os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução
penal”262. Sendo assim, cada pessoa acusada da prática de uma infração penal, e
condenada, será submetida a uma pena individualizada e proporcional.
No processo ora analisado ocorreu uma desproporcionalidade da aplicação
da pena na medida das culpabilidades de cada um dos acusados, senão vejamos:
O primeiro julgamento com relação ao homicídio foi o de Luiz Henrique
Romão, “Macarrão”, em 23 de novembro de 2010, condenado a quinze anos de
prisão no regime inicial fechado, pelo homicídio com as três qualificadoras e o
sequestro e cárcere privado, tendo o conselho de sentença o absolvido da
ocultação de cadáver, com a seguinte aplicação:
A culpabilidade do crime contra a vida é intensa e altamente reprovável. Tempos antes, o réu, juntamente com outros agentes, já tinha sucumbido a vítima Eliza Samúdio, com o fim de exterminar a vida por ela carregada no ventre. Não conseguiu acabar com a vida que se iniciava, todavia, não desistiu das investidas contra Elisa, tanto que sequestrou no Rio de Janeiro e a trouxe cativa para o sítio em Esmeraldas, onde a deixou por quase uma semana esperando a
261 Artigo 59 do Código Penal. 262 Artigo 5º da Lei de Execuções Penais, Lei nº. 7.210/84.
141
operacionalização de sua morte. A vítima Elisa foi agredida, sequestrada e, por fim, executada. O desenrolar do crime de homicídio conta com detalhes sórdidos e demonstração de absoluta impiedade. A culpabilidade é pelos mesmos motivos, igualmente acentuada em relação ao crime de sequestro tendo como vítima a criança Bruno Samúdio. Conforme se infere das folhas de Antecedentes Criminais de f. 9.527/9.530, 9.728 e 9.639, bem como Certidões de Antecedentes Criminais de f. 9.531/9.532, 9.687, 9.668, 9.659, 9.832, 13.111/13.115, 9.652 e 15.291 o réu embora tecnicamente primário já conta com condenação criminal, de modo que não pode ser tido como de bons antecedentes. A circunstância atinente à conduta social não lhe favorece, eis que há informações nos autos de que tinha envolvimento com o tráfico de drogas (f. 15.860/15865). Soma-se, ainda, que não obstante ter esposa e filhas, deixou a família para se deleitar das promiscuidades que a face obscura do mundo do futebol proporcionava-lhe. No tocante à personalidade tal circunstância, será interpretada em favor do acusado, uma vez que não revelada diversamente. Os motivos do crime já foram apreciados para efeito de reconhecimento da qualificadora. As circunstâncias não o favorecem uma vez que a vítima foi atraída para o Rio de Janeiro, onde permaneceu hospedada em hotel, às expensas de um dos réus, até o momento de seu sequestro no dia 04.06.2010, quando foi agredida e rendida com a concorrência do então adolescente Jorge Luiz e levada para a casa de um dos pronunciados , no condomínio, no Recreio dos Bandeirantes/RJ e de lá foi trazida para Minas Gerais, onde ficou igualmente cativa, juntamente com seu bebê e permaneceram sucumbidos até o dia em que Elisa foi levada para as mãos de seu executor. Tais circunstâncias demonstram a firme disposição para a prática do homicídio que, ao que tudo indica, teve a sua execução meticulosamente arquitetada. As circunstâncias do sequestro do bebê são pelos mesmos fundamentos desfavoráveis. As consequências do homicídio foram graves, eis que a jovem Elisa teve a sua vida ceifada de modo brutal, deixando órfã uma criança que só por quatro meses de vida teve o privilégio dos afagos de sua mãe biológica. As consequências quanto ao crime de seqüestro da criança são igualmente desfavoráveis, eis que, no primeiro dia do crime ficou, inclusive, privada da companhia de sua mãe e na perpetuação do delito pelos dias seguintes, passou pelas mãos de diversas pessoas igualmente estranhas. No tocante ao comportamento das vítimas, não constam nos autos provas de que tenha havido por parte delas qualquer contribuição. De salientar que o fato de a vítima Elisa estar cobrando o reconhecimento do filho e respectiva pensão não eram motivos para serem alvos de tão bárbaros delitos. Com tal diagnóstico, na 1ª. fase, em relação ao crime do art. 121, 2°, I, III e IV, do CPB com preponderância das circunstâncias desfavoráveis e reconhecidas as qualificadoras do motivo torpe, emprego de asfixia e recurso que dificultou a defesa da vítima, fixo a pena base em 20 (vinte) anos de reclusão. Na 2ª fase, há a atenuante da confissão. No caso em apreço, embora a confissão do réu seja parcial, ela encontra especial valor. Após análise de todo o contexto probatório coletado na fase do inquérito policial e em juízo, com alicerce na prova testemunhal, documental e pericial, por ocasião da sentença de pronúncia, externei o meu convencimento de que a materialidade do crime estava comprovada pela prova indireta e que Elisa Samúdio, de fato, havia sido brutalmente assassinada. No entanto, alguns dos Advogados dos corréus, no seu regular exercício da defesa, semearam de forma exitosa a dúvida na mente de milhares de pessoas que, por longos dois anos e cinco meses, questionavam e se perguntavam se Elisa Samúdio estava realmente morta. Portanto, tenho que a admissão pelo réu Luiz Henrique de que realmente levou Elisa Samúdio para o encontro com a morte foi
142
de extrema relevância para tirar o Conselho de Sentença qualquer dúvida sobre a materialidade do crime de homicídio porventura ainda existente. Dessarte, não obstante a grande reprovabilidade da conduta do réu, prestigio a sua confissão em Plenário para reduzir a pena base aplicada para o mínimo legal, ficando, pois, fixada em 12 (doze) anos de reclusão, concretizando-se neste patamar eis que inexistem circunstâncias agravantes ou causas especiais de oscilação. No tocante ao crime do art. 148, § 1º, IV, do CP, já analisadas as circunstâncias judiciais desfavoráveis, na sua maioria, preponderam, na 1ª. fase, fixo a pena base em 3 (três) anos de reclusão. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes ou agravantes e na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda, neste patamar concretizada. A pena será cumprida em regime aberto. Ficam, pois, as penas totalizadas em 15 (quinze) anos de reclusão, nos termos do art. 69 do CPB.
Em resumo, mesmo tendo entendido ser Luiz Henrique Romão,
“Macarrão”, a pessoa que levou Eliza Samúdio para a sua morte, conforme se
expressa a Magistrada, aplicou-lhe a pena mínima cominada ao crime de
homicídio qualificado, alegando ter ele confessado a autoria delitiva, mesmo que
parcialmente, ajudando a confirmar a materialidade do fato. Ou seja, mesmo
condenado no homicídio triplamente qualificado, teve a pena de 12 anos de
reclusão, pena que seria aplicada a um delito com apenas uma qualificadora.
Frise-se que “Macarrão” não era o alvo central na mídia, sendo Bruno, o jogador
famoso de Futebol, conforme já tratado neste trabalho.
Bruno foi o segundo a ser julgado pelo Tribunal do Júri pela prática desse
homicídio. Em 08 de março de 2013, teve a pena de vinte e dois anos e três meses
de reclusão pela prática dos crimes de homicídio triplamente qualificado,
sequestro e cárcere privado de Bruno Samúdio, e ocultação de cadáver. Como a
abaixo justificação:
Culpabilidade. A culpabilidade dos crimes é intensa e altamente reprovável. O crime contra a vida praticado nestes autos tomou grande repercussão não só pelo fato de ter entre seus réus um jogador de futebol famoso, mas também por toda a trama que o cerca e pela incógnita deixada pelos executores sobre onde estariam escondidos os restos mortais da vítima. Embora para esta indagação não se tenha uma resposta, certamente pela eficiência dos envolvidos, a sociedade de Contagem que em outro julgamento já tinha reconhecido o assassinato da vítima, hoje reconheceu o envolvimento do mandante na trama diabólica. A investida do réu contra a vítima não foi a primeira vez, mas certamente foi a última. Ficou cristalino o interesse do réu em suprimir a vida de Elisa Samúdio. Agiu sempre de forma dissimulada da sua real intenção. Assim Elisa foi sequestrada no Rio de Janeiro e trazida cativa para o sítio em
143
Esmeraldas, onde ficou por quase uma semana esperando a operacionalização de sua morte. O desenrolar do crime de homicídio conta com detalhes sórdidos e demonstração de absoluta impiedade. A culpabilidade é pelos mesmos motivos, igualmente acentuada em relação ao crime de sequestro tendo como vítima a criança Bruno Samúdio, sendo igualmente intensa e reprovável em relação ao crime de ocultação de cadáver. O réu Bruno Fernandes acreditou que, consumindo com o corpo, a impunidade seria certa. Conforme se infere das folhas de Antecedentes Criminais de f. 9.519/9.523, 9.724/9.727 e 9.638 bem como Certidões de Antecedentes Criminais de f. 9.524/9.525, 9.686, 9.667, 9.654/9.655, 9.8361, 13.106/13.110, 9.653 e 15.228 o réu embora tecnicamente primário já conta com condenação criminal, de modo que não pode ser tido como de bons antecedentes. A circunstância atinente à conduta social não lhe favorece, eis que há informações nos autos de que tinha envolvimento com o tráfico de drogas (f. 15865/15870). A conduta social é igualmente desfavorável considerando o comprovado envolvimento do réu Bruno Fernandes na face obscura do mundo do futebol. No tocante à personalidade tal circunstância, igualmente não favorece ao acusado, uma vez que demonstrou ser pessoa fria, violenta e dissimulada. Sua personalidade é desvirtuada e foge dos padrões mínimos de normalidade. O réu tem incutido na sua personalidade uma total subversão dos valores. Os motivos do crime de homicídio já foram apreciados para efeito de reconhecimento da qualificadora do motivo torpe. Os motivos dos crimes de sequestro da vítima Bruno Samúdio e do crime de ocultação de cadáver, não serão interpretados desfavoravelmente, tendo em vista que a motivação exsurgida, no caso em apreço, foi inerente aos tipos penais. As circunstâncias não o favorecem uma vez que a vítima foi atraída para o Rio de Janeiro, onde permaneceu hospedada em hotel, às expensas do réu, até o momento de seu sequestro no dia 04.06.2010, quando foi agredida e rendida com a concorrência do corréu Luiz Henrique Ferreira Romão e do então adolescente Jorge Luiz. Foi levada para a casa do acusado Bruno Fernandes, no Recreio dos Bandeirantes/RJ e de lá foi trazida para Minas Gerais, onde ficou igualmente cativa, juntamente com seu bebê e permaneceram sucumbidos até o dia em que Elisa foi levada para as mãos de seus executores. Tais circunstâncias demonstram a firme disposição para a prática do homicídio que teve a sua execução meticulosamente arquitetada. As circunstâncias do sequestro do bebê, são pelos mesmos fundamentos desfavoráveis. Também não lhe favorecem as circunstâncias da ocultação de cadáver. A supressão de um corpo humano é a derradeira violência que se faz com a matéria, num ato de desprezo e vilipêndio. As conseqüências do homicídio foram graves, eis que a vítima deixou órfã uma criança de apenas quatro meses de vida. As consequências quanto ao crime de seqüestro da criança são igualmente desfavoráveis, eis que, no primeiro dia do crime ficou, inclusive privada da companhia de sua mãe que tinha sido agredida na cabeça. Foi, ainda, privada de sua liberdade do decorrer dos dias seguintes e depois da execução de sua mãe, passou pelas mãos de diversas pessoas igualmente estranhas. As circunstâncias do crime de ocultação de cadáver, não serão interpretadas em seu desfavor, uma vez que não foram reveladas. No tocante ao comportamento das vítimas, não constam nos autos provas de que tenha havido por parte delas qualquer contribuição. Registro que o fato de a vítima Elisa estar cobrando o reconhecimento do filho e respectiva pensão não eram motivos para serem alvos de tão bárbaros delitos. Com tal diagnóstico, na 1ª. fase, em relação ao crime do art. 121, 2°, I, III e IV, do CPB com preponderância das circunstâncias desfavoráveis e reconhecidas as qualificadoras do motivo torpe, do emprego de asfixia e recurso que dificultou a defesa da vítima, fixo a pena base em 20 (vinte) anos de reclusão.
144
Na 2ª fase, registro que durante todo o processo o réu negou qualquer envolvimento no crime, inclusive por ocasião do seu interrogatório ocorrido na data de ontem. Naquele depoimento, prestou esclarecimentos, identificando o executor do homicídio. Hoje, o réu, pediu para ser novamente ouvido, oportunidade em que reconheceu que sabia que a vítima Elisa Samúdio iria morrer. Não quis mais responder às perguntas. Data vênia, mas essa lacônica confissão não merece a mesma redução concedida ao corréu Luiz Henrique Ferreira Romão, no julgamento passado como quer a defesa. Naquela ocasião consignei que a admissão do réu Luiz Henrique de que realmente tinha levado Elisa Samúdio para ser executada, ao afirmar que a levou ao encontro com a morte, colocou uma pá de cal na discussão criada desde o início pela defesa dos acusados que sempre afirmou que Elisa estava viva. Dessarte, dou à confissão do réu Bruno Fernandes hoje no Plenário valoração que permite a redução pela atenuante em 03 (três) anos, ficando, pois, fixada em 17 (dezessete) anos de reclusão. Reconheço a agravante do art. 62, I, CPB, eis que sustentado no Plenário pela acusação que o réu agiu na qualidade de mandante da execução da vítima, fato este comprovado nos autos pela prova oral, mormente pela delação do corréu Luiz Henrique às f. 15898/15.909, de modo que majoro a pena de 06 (seis meses). A pena final, portanto, perfaz 17 (dezessete) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Na 3º fase, registro que não há causas especiais de oscilação. A pena será cumprida em regime inicialmente fechado. No tocante ao crime do art. 148, § 1º, IV, do CP, já analisadas as circunstâncias judiciais, na sua maioria desfavoráveis, na 1ª. fase, fixo a pena base em 3 (três) anos de reclusão. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes, havendo a agravante do art. 61, II, “e”, do CPB, eis que o crime foi praticado contra descendente, motivo pelo qual, majoro a pena de 03(três) meses. Na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda, concretizada em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão. A pena será cumprida em regime aberto. No tocante ao crime do art. 211 do CP, já analisadas as circunstâncias judiciais, na sua maioria desfavoráveis, na 1ª. fase, fixo a pena base em 1 (um) ano e 06 meses de reclusão. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes ou agravantes. Na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda, concretizada em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão. A pena será cumprida em regime aberto. Ficam, pois, as penas totalizadas em 22 (vinte e dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, nos termos do art. 69 do CPB. Ressalte-se que, por ter sido Bruno o alvo da mídia, a sua pena foi aplicada
maior que a de Luiz Henrique, mesmo com a aplicação da atenuante da confissão
espontânea, alegando que a confissão daquele não foi satisfatória como a deste.
Ademais, apenas nesta última dosimetria da pena foi destacada a
repercussão pública do caso, sendo que nem mesmo na que veremos abaixo tal
assunto mereceu menção.
145
Outra indagação é de ser ressaltada, porque Luiz Henrique foi absolvido
do delito de ocultação de cadáver, se foi ele que levou a vítima para morrer e
estava presente no momento do homicídio, sendo que Bruno, que em tese fora o
mandante do homicídio, fora condenado? A única explicação que se vê é o
“populismo penal midiático”, conforme tratado acima.
Sérgio Rosa Sales, não foi julgado pelo Tribunal do Júri, pois falecera
antes mesmo de ter sido designado.
O último a ser julgado pelo homicídio foi o dito executor, Marcos
Aparecido dos Santos, “Bola”, que foi condenado a vinte e dois anos de reclusão
pelo homicídio com as três qualificadoras e a ocultação de cadáver. Por sua vez a
Meritíssima justificou da seguinte forma:
A culpabilidade é grave. A censurabilidade à conduta do acusado é acentuada, Marcos Aparecido dos Santos foi aluno de Escola preparatória para o ingresso na carreira Militar no estado de São Paulo e, ainda que por pouco tempo, figurou nos quadros do funcionalismo público deste Estado como policial Civil. Tinha plena consciência da gravidade de seu ato, mas agiu, amparado na certeza da impunidade, típica conduta de quem despreza a atuação Estatal. A culpabilidade do agente é, ainda, dotada de excepcional reprovabilidade, pois, o desenrolar do crime conta com demonstração de total desprezo e impiedade à vida humana, tendo em vista que o delito foi cometido com atos preparatórios ardilmente articulados. A jovem Elisa Samúdio foi trazida para este Estado com o único objetivo de ser entregue ao seu executor, pessoa especialmente selecionada para tal desiderato. Em relação ao crime de ocultação de cadáver a culpabilidade é pelos mesmos motivos, igualmente acentuada. Anota-se que com o fito de fazer crer que Elisa Samúdio não havia perecido, Marcos Aparecido dos Santos, tratou de ocultar muito bem o seu corpo, ou os restos dele, sendo certo que diligências diversas foram realizadas pela Polícia Judiciária com o objetivo de encontrá-lo, todavia, todas sem êxito. Insta dizer que, ao suprimir o corpo da vítima, o acusado privou à família desta, a possibilidade proporcioná-la um sepultamento digno, bem como, de ter um local apropriado para preservar a sua memória. Conforme se infere das folhas de Antecedentes Criminais de f. 9.534/9.540, 9.729 e 9.640 bem como Certidões de Antecedentes Criminais de f. 9.541, 9.651, 9.668/9.669, 9.658, 9.833, 13.116/13.119 e 15.289, o réu embora tecnicamente primário, responde pela prática de outros delitos, praticados antes deste crime, dentre eles, homicídios qualificados e tortura nas comarcas de Esmeraldas e, também crime contra a vida na comarca de Belo Horizonte. Considero-lhe, pois, de maus antecedentes. A circunstância atinente à conduta social não lhe favorece, eis que segundo prova oral e documental dos autos, mesmo sem ser agente público incumbido da segurança do Estado, o réu utilizava as habilidades com treinamentos destinados à Policiais, para instalar o medo e a repressão por onde passava. Utilizava de forma oficial, farda oficiosa, como instrumento de poder. No tocante à personalidade, revelou personalidade desviada, já que vivia mergulhado no frustrado sonho de voltar a ser policial e desenvolvia à margem de tal sonho uma vida cercada de irregularidades. O modo como executou a vítima e o temor a ele demonstrado pelos corréus e pelo informante Jorge Luiz, é cristalina evidência de que de fato é uma pessoa agressiva e impiedosa. Os
146
motivos dos crimes são desfavoráveis. O réu executou e ocultou o corpo de Elisa Samúdio, porque foi contratado para isso, certamente mediante paga. As circunstâncias dos crimes não o favorecem e evidenciam a intensa conduta dolosa com que agiu. O crime de homicídio foi premeditado e a vítima ardilosamente atraída para este Estado, onde foi consumado o desfecho desta barbárie. Elisa Samúdio foi executada por asfixia e com vistas a tentar assegurar a impunidade, o acusado ocultou seu corpo, deste modo, resta claro o desvio de caráter que pauta a vida do réu. Não se pode perder de vista que as circunstâncias de sua execução indicam que a vítima foi brutalmente assassinada, com detalhes sórdidos e requinte de crueldade. As consequências do homicídio foram graves, eis que a jovem Elisa teve sua vida ceifada de modo brutal, aos 25 (vinte e cinco) anos, deixando órfã uma criança que só por quatro meses de vida teve o privilégio dos afagos de sua mãe biológica. As consequências do delito de ocultação de cadáver, neste caso concreto, são amplamente desfavoráveis ao réu. Ele praticou o crime perfeito, pois, a ocultação se perpetua até os dias de hoje e poderá perpetuar-se para sempre, incentivando tal prática, como instrumento para garantir pretensa impunidade em crimes contra a pessoa. No tocante ao comportamento da vítima, não consta nos autos prova de que tenha havido por parte dela qualquer contribuição. Com tal diagnóstico, na 1ª. fase, em relação ao crime do artigo 121, 2°, III e IV, do CPB com todas as circunstâncias desfavoráveis e reconhecidas as qualificadoras do emprego de asfixia e recurso que dificultou a defesa da vítima, fixo a pena base em 19 (dezenove) anos de reclusão. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes ou agravantes e na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda concretizada em 19 (dezenove) anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado. No tocante ao crime do artigo 211, do CP, já analisadas as circunstâncias judiciais, todas desfavoráveis, na 1ª fase, fixo a pena base em 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 360 (trezentos e sessenta) dias multa. Na 2ª fase, registro que não há atenuantes ou agravantes e na 3ª fase, não há causas especiais de oscilação, motivo pelo qual, fica a reprimenda, concretizada em 3 (três) anos de reclusão e pagamento de 360 (trezentos e sessenta) dias multa, a ser cumprida em regime aberto. Levando-se em conta a situação financeira do réu, que não foi revelada favoravelmente, fixo cada dia multa no mínimo legal, ou seja, à razão de 1/30 avos do salário mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido quando da execução. Ficam, pois, as penas totalizadas em 22 (vinte e dois) anos de reclusão e pagamento de 360 (trezentos e sessenta) dias multa, nos termos do art. 69 do CPB, a serem cumpridas em regime fechado. Agora, extrai-se que a pena base aplicada a quem se teve como “executor”
do crime, ou seja, quem teria “sujado as suas mãos” e sido frio a ponto de fazê-lo
diretamente, foi aplicada em dezenove anos, enquanto a pena do “mandante” do
delito foi aplicada em vinte anos. Ressalte-se que também esse não fora veiculado
pela mídia tal qual o julgamento de Bruno Fernandes, eis que também não era o
seu alvo central.
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Dessa feita, a conclusão é que não houve uma correta individualização das
penas aplicadas aos três acusados da prática do delito de homicídio com três ou
duas qualificadoras que foram julgados e condenados.
Sem qualquer dúvida, a pena aplicada a Bruno Fernandes das Dores de
Souza foi bem mais cruel, rigorosa e endurecida que a aplicada aos demais
responsabilizados pelo caso Eliza Samúdio. Isso leva-se a concluir que Bruno foi
vítima do “populismo penal midiático” e, no caso em questão, a mídia interferiu
em um julgamento pelo Tribunal do Júri, ou seja, a mídia ditou a atitude que o
Poder Judiciário deveria tomar acerca dos fatos. Incutiu-se na população uma
ideia mítica, pronta, de que o homicídio ocorrera a mando de Bruno Fernandes, e
que ele deveria ser responsabilizado de forma contundente e rigorosa pelo que
supostamente acontecera com Eliza Samúdio.
Isso porque, até a data de hoje, mesmo já tendo havido processo judicial,
produção de provas, condenação penal e mais de três anos após o fato, muitos
ainda se perguntam: Será que Eliza morreu mesmo?
Não se pretende aqui depreciar a Instituição do Tribunal do Júri, ao
contrário, defende-se. A intenção é demonstrar que a plenitude de defesa,
incomunicabilidade dos jurados, inúmeras outras garantias constitucionais já
tratadas neste trabalho e a própria democracia está sendo mitigada por meios
profanos e irresponsáveis, resultando uma fábrica de injustiças.
O Tribunal do Júri é uma das mais expressivas formas de exercício de
democracia, a única forma que o povo (demos) possui de participar ativamente do
Poder Judiciário. Nas palavras de Evandro Lins e Silva, “Tribunal do Júri, ponto
de partida, escola de democracia, o povo na Justiça, onde aprendi que o direito
deve servir à vida”263.
Ainda é imperioso tratar neste trabalho palavras de Marcelo Garcia
Brazal264, contando as palavras de Evaristo de Moraes em caso bem semelhante
ao tratado neste trabalho:
O discurso de Evaristo de Moraes, ao defender o aspirante Dilermando, que havia matado em legítima defesa Euclides da Cunha já traduzia isso, afinal, o Alferes já entrara no plenário condenado; ao iniciar a defesa, o tribuno conclamou: “ponham para fora esta prostituta, ela que infesta este plenário, a
263 (SILVA, 1980, p. 11). 264 Ver mais em: http://atualidadesdodireito.com.br/marcelobarazal/2013/06/26/questoes-polemicas-no-tribunal-do-juri/.
148
opinião pública que já condenou meu cliente e que é a mesma que também condenou a cruz nosso Cristo”. É certo, portanto, as inúmeras dificuldades que vivem os Criminalistas no cotidiano nos plenários. O brilhante defensor do Tribunal do Júri, em seu artigo, “Questões
Polêmicas do Tribunal do Júri”, bem demonstrou o malefício ocasionado pela
opinião pública formada pelos meios midiáticos tem ocasionado à Justiça.
Pretende-se muito menos afirmar que a mídia teve a intenção direta de
cometer tais fatos. Para a Imprensa o crime é simplesmente um fato de grande
valor noticioso e, por isso, antes mesmo que se pense quais podem ser os
resultados jurídicos desse fato, os jornalistas preocupam-se em elaborar uma
estória midiática, mítica, em cenário melodramático. E assim, para que os
personagens sejam criados, ela imputa, acusa e julga, violando os direitos dos
cidadãos, abusando de um poder lhes garantido.