e-ISSN: PODIUM Sport, Leisure and Tourism Review Vol. 3, N ...
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5. A antropologia do turismo
Fotografia 6:Esta estrutura, vista na estrada entre Habarrana e Polonnaruwa (re-
giáo central-leste do Sri Lanka), foi construída por aldeóes ousados como uma es-
pécie de armadilha para turistas. Sua única fungáo é oferecer uma visáo curiosa que
capture a atenqáo dos turistas , fazendo-os parar. As famílias saem entáo de suas ca-
sas e pedem dinheiro em troca da permissáo para que os turistas tirem fotos do mo-numento. Um aldeáo chegou ¿r oferecer uma explicagáo alternativa, dizendo que a
estrutura era um local seguro para abrig¿lr as famílias, quando os elefantes passa-
vam em corrida furiosa. Náo tivc como verificar isso, mas as risadas dos outrr>s
membros da família pareciarn indicar clue isso era algo improvável. O trabalho tlccampo realizado por um antropólogo poderia revelar o "segredo" desta cstrrutlt¿t
inovagáo técnica e desvendar suas origens e quem se beneficia de sua existónciit.
TURISMO E ANTROPOLOGIA
VTSÁO GERAL, OBIETIVOS E RESULTADOS DA APRENDIZAGEM
Tendo examinado separadamente a antropologia, o turismo,os turistas e a cultura, este capítulo une-os e discute como uma an-
tropologia do turismo emergiu e quem sáo os autores e estudiosos
mais importantes da área. Este capítulo tem por objetivo:
descrever o desenvolvimento da antropologia do turismo;
identificar os principais estudiosos que contribuíram para a
antropologia do turismo; e
diferen ciar as principais abordagens da antropolo gia do tu-rismo.
Depois de ler o capítulo, vocé deverá ser capaz
. demonstrar um entendimento sobre o qu e é a antropologiado turismo;
. descrever o turismo sob várias perspectivas antropológicas,como ritos de passagem, encontros transculturais, inversáo
cultural; e
. conhecer as diversas contribuigóes dos especialistas para a an-
tropologia do turismo.
IxrnoDUQÁo
A antropologia e o turismo (como um campo do conhecimen-
to) apresentam uma sinergia óbvia. Ambos tentam identifi car e en-
tender a cultura e a dinámica humana. Umavez que o turismo é umconjunto global de atividades que crvza muitas culturas, precisa-
mos de um conhecimento mais profundo sobre as conseqüéncias
da int eragáo entre as sociedades que geram e que recebem turistas(Burns & Holden, 1995). Iniciamos este processo no Capítulo 2,
com o exame de vários sistemas turísticos. Levando adiante esta
análise, Smith indicou:
92
PETER M. BURNS
A antropologia tem importantes contribuigóes a ofere cet para o es-
tudo do turismo, especialmente através da (...) etnografiabásica (...)
e também pelo modelo de acultu raqáo e pela consciéncia de que o
turismo é apenas um elemento na mudan ga da cultura. ( 198l:475)
lJma interp retagáo possível seria a de que Smith está argumen-
tando que a inter aqáo human&, náo o comércio e o marketinS, é o
fator-chave nos muitos paradoxos do turismo. Se aceitamos isso, a
ligagáo entre antropolo gia e turismo torna-se ainda mais impor-
tante. Tomando os temas principais que fundamentam a antropo-
logia, podemos ver que esta é capaz de ttazet ao turismo:
. sua base comparativa característica (o estudo de uma varie-
dade de fenómenos em diferentes locais, com o intuito de
identifi car tendéncias comuns);
. ur¡ enfoque holístico (que leva em consid eragáo os fatores so-
ciais, ambientais e económicos e as ligagóes entre todos os
trés); e
. a busca de um nível mais profundo de análise (isto é, o que
causa o turismo).
Embora esses temas possam parecer óbvios áqueles jáligados
ao estudo e análise do turismo, a trilh a para estabelecer uma antro-
pologia do turismo náo esteve completamente livre de obstáculos.
Em um dos primeiros ensaios sobre o tema, por exemplo,' Nash
( 1931) fezvárias observagóes sobre a credibilidade do turismo co-
mo um tema "sério" pata o estudo antropológico. Essas observa-
góes sáo apresentadas em um esquema (Figura 5.1).
Nash (1931) observou também que os encontros entre as cul-
turas e as transagóes sociais conseqüentes "oferecem a chave para o
entendimento antropológico do turismo". Ele prossegue explican-
( 1) O ensaio, "Tourism as an Anthropological Subject'l foi publicado em um dos pe-
riódicos americanos de maior prestígio , Current Anthropology (v.22, nn 5, outubro dc
1981). Sua intengáo era examinar criticamente o pensamento "dos antropólogos" sobrc
este tema fascinante. O ensaio motivou várias respostas críticas, que merecem ser litlits.
9.1
TURISMO E ANTROPOLOGIA
ántfüpdlüSú:S.,.:c :6
trabálhadores de campointrépidos que náo devem
ser identificados de
nenhuma forma
com os turistas,'.¡ ¡:.,.., .¡
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',,..,'.eOnselén¿iiá: ::: | : ,:,t:a:,,,,, ,,
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iéortáir¿ó,:,turls ,á'- - ¿5
por visóes económicas,geográficas e de marketing
o turismo é vistocomo uma área frívola
da cultura (laier),a ser evitada porestudiosos sérios
Figura 5.1: A negagáo dos antropólogos!Fonte: De acordo com Nash, 1981.
do que este encontro terá muitas variagóes, dentre as quais o fatode um grupo (de turistas) estar alazer, enquanto outro grupo (em-pregados do setor turístico) estar trabalhando. Acrescentaríamosainda um grupo adicional, os residentes locais, eue poderiam ser
classificados como observadores ativos ou passivos. Tendo estabe-lecido uma espécie de suport e, asegáo seguinte lida com os prim ór-dios da antropologia do turismo.
As RAÍZES DA ANTRoPoLoGIA Do TURISMo:
IORNADA SAGRADA OU EXPLORAQÁO IMPERIALISTA?
Antes do desenvolvimento de uma antropologia do turismoreconhecível como tal, elementos que agora a compóem foram ex-plorados pelos sociólogos e antropólogos em uma variedade de con-textos, como ilustrado na Figura 5.2.
94
expós a teoria da religiáocomo um fator na coesáo
social, estabelecendo a base
teórica para as idéias de VanGennep e (posteriormente)
Turner sobre o turismocomo ritual e para o uso da
anomia/alienagáopor MacCannell
Van Gennep
estudou e codificou rituais
e ritos de passagem,levando
(finalmente) á idéia de
Graburn sobre o turismo
como uma esPécie
formulou teorias sobre as
obrigagóes e reciprocidades
envolvendo o presentear e a
troca, abrindo o caminho Para
o reconhecimento do conflito
entre o turismo capitalista
e a reciprocidade
tradicional inii*asiiaffi á"*es.n+"l am
,
:, i,,@ si*üi$ta,'pára,dm,-'...,",
' 'i imp §é á'antroPblosia i'", ,
embora náo diretamente
ligado á análise moderna
do turismo, suas idéias de
classe, consumo, meios de
produgáo e alienagáo
afetaram profundamente
a ciéncia social
Simmel
desenvolveu a sociologia
do "estranho", criando assim
uma fundaqáo teórica para a
nogáo de rituais de hospitalidade
e deu nova dimensáo á idéia
de"lazer" como algo de
profunda importáncia
Malinowski
por meio de seu estudo
do Kula Ring (Ilhas Trobriand),
deu um significado profundo
aos aspectos ritualísticos
e de coesáo social
das viagens
PE,'f BIT M. BURNS
Figura 5.2: As raízes da ciéncia social do turismo
Desses primeiros cientistas sociais, Durkheim (1858- l9l7) foi
claramente o mais influente, no sentido de ter um impacto definitivo
sobre a anáIise do turismo, seguido takez por Van Gennep e Victor
T[rrner.
Durkheim é geralmente reconhecido como o estudioso que
concebeu e elaborou o arcabougo teórico a partir do quaL a socio-
logia foi cap az de operar como uma ciéncia. Ele considerou ques-
tóes sobre o relacionamento entre o indivíduo e a sociedade. Em
seu ensaio sobre The Elementary Forms of Religious Life (1915),
Durkheim menciona que "atualmente (...) a sociedade cria cons-
tantemente coisas sagradas a partir de outras, comuns" e fala sobre
"substituir o mundo real por um outro, diferente" e sobre "ideali-
zaqáo sistem ática" (Abraholrl, 197 3:17 9, 1 8 7 ) . Significativamente,
ao tentar explicar a "relig iáo", Durkheim concluiu que os rituais e a
religiáo servem á sociedade, produzindo maior solidariedade so-
cial. Ele definiu o sagrado nos seguintes termos:
95
TURISMO E ANTROPOLOGIA
Nossa definigáo do sagrado é que este é algo acrescentado ao real eque está acima deste; agora, o ideal responde a esta mesma definigáo
- náo podemos explicar um sem explicarmos o outro. Na verdade,
vimos que se a vida coletiva desperta o pensamento religioso ao atin-gir um certo nível de intensidade, é porque causa um estado de efer-
vescéncia que altera as condigóes da atividade psíquica. As energias
vitais sáo superexcitadas, as paixóes tornam-se mais ativas, as sensa-
góes mais poderosas; algumas chegam a ser pro duzidas apenas neste
momento. Um homem náo reconhece a si mesmo; ele sente-se trans-formado €, conseqüentemente, transforma o ambiente que o rodeia.(palavras de Durkheim, citadas em Abraham,1973:187)
Esta análise foi aplicada ao turismo por Nelson Graburn, que
escreveu sobre "as nogóes de Durkheim sobre o sagrado -
a expe-
riéncia náo-ordinária -
e o profano" (Graburn, 1989:24).
Em um tom similar, Van Gennep ( 1960, publicado pela pri-meira yez em 1908) teorizoü sobre a transigáo de entre categorias
sociais, durante o chamado ciclo de vida do indivíduo. Sua análise
dizia respeito aos ritos de passagem que promovem importantes esingulares eventos na vida de um indivíduo, como puberdade, in-gresso na idade adulta, casamento, geraqáo de filhos etc. Ele enun-
ciou a idéia de que tais ritos de passagem consistiam de trés elemen-
tos principais:
. separagño (a remogáo ritualística de uma pesso a da sociedade
e da "vida normal" como levada até entáo);
.liminaridade (um período de marginalidade ou isolamento pa-
raapessoa, após a separagáo e antes do estágio seguinte); e
. incorporagño (reagr egagáo da pessoa na sociedade com seu
noYo status).
Deve ser notada, aqui, a necessidade de distinguirmos entre ri-tos de passageffi, que podem ser definidos como a submissáo a umprocesso de elimin agáo visando á mudanga de categoria social (ti-picamente, e com o já antes observado, da infáncia para a idade adul-
ta, de solteiro para casado, de esposo paraviúvo) e ritos de intensi-
fi,cagáor eue derivam do ciclo anual de renovagáo e que reafirmam
96
(ou intensificam) a relaqáo de uma pessoa com a sociedade c ajtr-
dam a marcar as estagóes do ano para mudarem o ritmo da socie-
dade sem romper sua continuidade (como a mongáo anual, datas
comemorativas e aniversários, a esta qáo da colheita ou o início do
inverno).Os rituais que cercam uma cerimónia de casamento no estilo
ocidental,'o vestido branco, uma despedida de solteiro/solteira na
companhia de amigos do mesmo sexo, a cheg ada da noiva e do noi-
vo á igreja em horários ritualisticamente definidos e vindos de dife-
rentes lugares, a "proibigáo" ao noivo de ver a futura esposa (pelo me-
nos no dia do casamento) até que esta chegue pela porta da igreia
etc., sáo todos indicativos dos trés estágios de Van Gennep.'Dizemos
que esses rituais ajudam a refor gar o sentimento coletivo e a inte gragáo
social. Victor Turner elaborou as seguintes idéias sobre as transigóes:
Na situ agáo concreta de um ritual, com sua excitagáo social e estí-
mulos fisiológicos diretos, como cantos, dangas, álcool, incenso e ves-
tuário bizarro, tahez possamos dizer que o símbolo do ritual efetua
um intercámbio entre seus pólos de significado. Normas e valores,
por um lado, tornam-se saturados de emogáo, enquanto as emogóes
mais básicas e rústicas sáo enobrecidas pelo contato com os valores
sociais . (1967:30)
Em algumas sociedades, entáo, é"aceitável" que um homem se
torne incontrolavelmente emb riagado e chegue mesmo a demons-
trar um comportamento lascivo em um strip-club, sob a circuns-
táncia especial de sua despedida de solteiro! Tirrner refere-se a esses
períodos entre esferas "normais" da existéncia (isto é, a vida coti-
(2) Magnum Images, uma agéncia fotográfica cooperativa, publicou uma colegáo de
imagens fotográficas sob o título de Ritual (1990, London, André Deutsch), cujo ámbi-
to, como descreve, "vai do religioso ao profano, dos sagrados sacramentos ás celebra-
góes populares, carnavais e peregrinagóes, paradas e convengóes políticas, feiras e ex-
posiqóes permanentes e crianqas brincando". As imagens mostradas incluem urn frrrr'
mitzvahem NovaYork, uma circuncisáo entre os Masai, um festival de cerveja na lla-
vária, uma cerimónia do chá no )apáo etc.
(3) Incidentalmente, pense nas cerimónias de formatura das universidades; clrts st'
guem muito de perto essas características.
e7
TURISMO E ANTROPOLOGIA
diana) como estágios e categoria s liminares ou intermediárias. É re-lativamente fácilver por que as idéias de Gennep e Turner mostra-ram-se atraentes para aqueles em busca do "por que" do turismo.|ovens da Austrália e Nova Zelándia parecem submeter-se a umaespécie de rito de passagem quando reali zam suas longas viagens áEuropa. Este geralmente é um estágio entre a universidade e o co-mego da vida profissional ativa. Ele envolve a companhia de cole-gas que realizam uma viagem similar; é um período separado da vi-da normal, que geralmente abrange algum tipo de "cerimónia" de"boas-vindas" quando chegam de volta, prontos parajuntarem-seá sociedade "norm aI", para seguirem regras "normais" que náo raroincluem casar-se e "tomar um rumo na vida".
Uma pergunta fundamental que surge neste momento é que, se
o turismo é um ritual ou rito, assim como Van Genne p caracteriza-os, será que tem uma fungáo de refo rgar o sentimento coletivo e a in-tegraqáo social? Podemos ir um passo além e inda ga\ no contextodas principais áreas geradoras de turistas do mundo industrializadoe pós-industrial: "O que significa ser um turista t pata a sociedade?".
Uma das respostas pode ser gue, na tentativa de descobrir al-gum tipo especial de "sagrado" que diferencie o religioso do profa-no, o turista poderia ser visto como um totemn de liberdade (o slo-gan da us Travel and Tourism Administration para o turismo é:
"Viagem: a liberdade perfeita"). "Reverenciar" o turismo como umsímbolo de liberdade económica e social moderna, portanto, pode-ria ser interpretado como uma reveréncia á própria sociedades
-(4) A descrigáo antropológica tradicional de totens/totemismo é base ad,a,antes de
mais nada, nas sociedades (tais como as dos tipos cagadores/coletores) que vive m nanatuteza, em vez de contra a natureza.Em segundo lugar, este tipo de sociedade comfreqüéncia possui regras espirituais que definem relagóes sobrenaturais e a comunháocom plantas e animais. Os encontros rituais para a adoragáo de determinados itenseram parte da coesáo e solidariedade social.
(5) Embora nas sociedades chamadas pós-modernas o ritual em geral seja secular,em oPosigáo a "sagrado", ele deve confirmar todas as crengas verdadeiramente impor-tantes e que apresentem impacto emocional (por ex., o túmulo do vocalista do TheDoors, |im Morrison, no cemitério de Pére-Lachaise em Paris, ou os arcos dourados doMcDonald's).
9B
replicando exatamente o uso de totens pelos aborígenes australia-
nos, como descrito por Durkheim em sua pesquisa de campo ori-ginal.
Tendo examinado a idéia do turismo como um ritual e comojornada sagrada (especialmente o trabalho de Graburn), observare-
mos agora uma outra perspectiva: a do turismo como uma forma de
imperialismo. Turner e Ash, em seu tom polémico, indicaram:
O turismo moderno é uma forma de imperialismo cultural, umaperseguigáo interminável de diversáo, sol e sexo, pelas hordas dou-radas de adoradores do prazer que prejudicam as culturas locais e
poluem o mundo em suas buscas (...) O turismo é uma invasáo,
pelos centros metropolitanos altamente desenvolvidos, das perife-rias "náo -civllizadas". Ele destrói incompreensível e inadvertida-mente, já que náo podemos imputar más intengóes a milhóes de
pessoas ou mesmo a milhares de homens de negócios e empresá-rios. (197 5:129)
O trabalho de Nash nesta área baseou-se numa convic qáo
similar -
a de que o turista moderno, como ele colocou,"como o
negociante, o empregador, o conquistador, o governador, o edu-
cador ou o missionário, é visto como o agente de contato entre cul-
turas e, direta ou indiretamente, como a causa de mudangás, parti-cularmente nas regióes menos desenvolvidas do mundo" (1989:37).
Diversos temas surgem do ensaio de Nash, que teve uma in-fluéncia poderosa sobre o trabalho de muitos que estudam o turis-mo sob uma perspectiva das ciéncias sociais. Esses temas sáo resu-
midos aqui:
. a análise do desenvolvimento turístico náo deveria ocorrersem uma referéncia aos centros produtores que geram i) su-
ficiente abundáncia para permitir o turismo (no sentido de
viagens de lazer) e ii) os próprios turistas;
. esta situagáo estabelece um grau de controle pela regiáo ge-
radora sobre a regtáo que recebe os turistas, e isto "transfilr-
99
TURISMO E ANTROPOLOGIA
ma um centro metropolitano em imperialista e o turismo nu-
ma forma de imperialismo";"
. esta relagáo é totalmente voltad a para suprir tudo o que o
turista deseje, incluindo aquilo que náo pode ser encontrado"naturalmente" ou "tradicionalmente", com o fast food, ar-
condicionado, piscinas e alimentos e bebidas importados. De-
senvolve-se, assim, uma infra-estrutura de apoio;
. transagóes com a populaqáo local sáo inerentemente desi-
guais e esta desigualdade permeia as relagóes entre "anfitrióes"
e "convidados";
. existem, com freqüéncia, disparidades económicas entre "an-
fitriOes" e "convidados" qr., como no colonialislno, podem
engen drar sentimentos de superioridade entre os que che-
gam."Pessoas que tratam outras como objetos estáo menos
propensas a ser controladas pelas restrigóes do envolvimento
pessoal e se sentiráo mais livres para agir de acordo com seus
próprios interesses"; e
. pode ocorrer o desenvolvimento de um sistema turístico (es-
pecialmente em países com uma base económica muito limi-tada) que reduza a economia geral a uma economia de servi-
gos, voltad a para a satis faqáo das necessidades de estranhos de
passagem que estejam a passeio e de seus financiadores.
Essas questóes podem ser resumidas como dependéncia (que é
abordada no Capítulo B) e aculturaqño (discutida no Capítulo 6).
Evidéncias de pesquisas empíricas em apoio a essas cogitagóes, con-
tudo, náo sáo particularmente vigorosas (ver também comentários
posteriores neste capítulo, envolvendo o trabalho de Boorstin). Sur-
preendentemente, Nash chama os povos nativos (expressáo dele)
que tomam a iniciativa de ajudar a desenvolver áreas turísticas de
(6) Há uma conexáo, aqui, entre esta e a interpretagáo de Jafari sobre as relagóes en-
tre centro e periferia, entre áreas geradoras e receptoras de turislno, ilustrada neste Ii-vro na Figura 5.3.Iafari, contudo, náo chega a chamá-la de imperialismo.
PETER M. BURNS
"colaboradores'1 A selegáo de lugares potencialmente turísticos ocor-
reu) de acordo com Nash:
com a colaboragáo de seus habitantes, [e] se deu em virtude de sua
compatibilidade [isto é,luz solar constante ou condigÓes para o es-
qui etc.] com os sonhos metropolitanos. Seu destino, dessa forma,
tornou-se ligado a forgas exógenas sobre as quais vieram a ter um
controle cada Yez Ínenor. ( 1989:42-3)
O trabalho posterior de Nash é muito menos crítico ao turis-
mo como uma atividade social, e em seu livro mais recente, publi-
cado em 1996 a pal ayra"imperialismo" náo aparece no índice re-
missivo. O que Nash e seus seguidores náo enfocaram em sua análise
foi a questáo das alternativas económicas. Tendo visto as condigÓes
sob as quais, por exemplo, mulheres jovens sáo empregadas em fá-
bricas de roupas nas Zonas de Desenvolvimento da Exportagáo em
Colombo, no Sri Lanka, onde cadamovimento é controlado e re-
gulado e os salários pagos sáo ínfimos, o indústria do vestuário ob-
viamente náo propicia muitas esp erangas. Neste contexto, o turis-
mo oferece um potencial muito mais realista.
Tr,l,¿eS FUNDAMENTAIS NA ANTROPOLOGIA DO TURISMO
No Capítulo 1, foram sugeridos cinco temas para a antropolo-
gia (cf. Figura 1.4): natur ezada cultura; cultura e sobrevivéncia; for-
magáo dos grupos; a busca pela ordem; e mudanga e o futuro. A for-
ma como esses temas gerais interligam-se com o turismo pode ser
explic ada através do trabalho atual de lafar lafari (editor principal
de Annals of Tourism Research), mostrado na Figura 5.3.
O que lafartestá sugerindo aqui, na Figura 5.3., é de grande in-
teresse paraos cientistas sociais que estudam o turismo. Seu modo
de observar o sistema turístico estabelece dois subsistemas, llffi pa-
ra as regióes geradoras, que apresentam um "derrame" de turistas, e
outro para as áreas receptoras, que apresentam um "influxo" inten-
so de turistas. Depois, ele coloca esses dois subsistemas dentr«l dtr
tol
TURISMO E ANTROPOLOGIA
o sistema gerador:um fluxo de turistasgerado internamente
.,'limites locais
viagens e fornecedores
.,Ci a áo:§,1l§¡*Unro§",qüe
precisam "éscápár" parasentir-se ievigorados
. necessidád¿ dé anexarlugares de ré-iéaqáolocalizados forá deseus territórios
:
. subsistema déintermediários de
interdef endéncia
. ,.§i§téffi.e.,qüe,¡gé,r.á,,.,os, ¡,. I
turistas precisá §arantír
....
d. .'b.éffi ,'$stáf,..-dd....,,,
srstema recépt0f;sáo essés "satélites
ttrecreatlvos'- que
p,sicolú.$.iiór a§:
regioes $eiáooras
Exige
envolvimento
,,,,,.,:1financeifo,além, o.§, .,
,.,,..,,§act §.,diretos p0 ' , .,,
turistas ou investimentos
por empresas.
contribuem para obé ¡".eSt[¡,:ga[f[[,..§,.
',. defit.fo.de seu§: prépfio:$limites, faailitá o "Lazer"
I .i ..
g'. .cornp,6rtáméntOs...náo
i hábituais
,l i.,,,,i':,;il:,idültufá.do.§ .páÍ$é$
,: sbrá 0.re§. ir(.rÉsiduil¡..x65,
turistas), a cultuiá geral
,. i d iiias e.,.a.cülinra
cotidianl locál unem*se
r.. :,pá[ft , criár, Uma.cUltüfá
o sistema receptorque acolhe um influxo
intenso de turistas
Figura 5.3: Uma visáo antropológica de um sistema turísticoFonte: De acordo com lafari (ftz Witt & Moutinho, 1995).
contexto de um terceir o: as zonas de interdependéncia mútua.lafarifaz uma conexáo entre oferta e demanda que vai bem além da eco-
nomia ou do marketing. O ponto ressaltado por ele é que os países
industrializados (ou pós-industrializados) dependem das áreas re-
creativas satélites para ajudar a revigorar os cidadáos exaustos. Esta
posigáo é bastante diferente daquela de cientistas políticos, que sa-
lientam o fracasso económico do turism o para"gerar produtos eco-
nómicos" para os países em desenvolvimento. Entretanto, se os des-
tinos existentes fracassam na "geragáo de bens recreacionais", o que
resta é o poder económico dos países geradores para mudar sua
atengáo e negócios para outros locais. IrIa terminologia delafari, es-
ses países criariam mais satélites recreatiyos. A segáo seguinte trazdetalhes sobre o trabalho de alguns escritores influentes da antro-pologia do turismo.
LO2
o turisrno envolve: contato entre culturas
' e subculturas(cf.utritutaqáo
e desen*olvimento)
o turi§mo é:
iidir***ln¿¿o
ná sociedááe
hu*u*u * é
iaÉuiffiiá+¿i,e#todos os,rnffiir§
da cbrnph#dnde
o turi§mo ,
répiásenta urná
oportunidaáá ,
pára se exptorár
viagéns náo- ,
instiumántais
,r o turinmo vieto como Parte de um.t
processo social geral, em um contexto
complexo e interconectadu, gue revela
a natureza dos sistemas de valores
subjacentes ao mundo moderno
o turismo contribuip*u u ttuntiormagao: do mundo
pré-industriatr
PETER M. BURNS
Figura 5.4: Por que os antropólogos devem estudar o turismo
Fonte: De acordo com Nash, 1981.
PNIXCIPAIS AUTORES DA ANTROPOLOGIA DO TURISMO
A descrigáo anterior) sobre o desenvolvimento de uma antro-
pologia do turismo e sob re a perspectiva sagaz de lafari, preparou
o terreno para uma discussáo mais detalh ada a respeito do traba-
tho de diversos estudiosos que contribuem para a antropologia do
turismo. Ela também é útil porque permite-nos refletir sobre os mo-
tivos pelos quais os antropólogos devem estudar o turismo. Usan-
do os argumentos de Nash, isto é apresentado na Figura 5.4.
Considerando sua duragáo relativamente curta, é bastante fá-
cil identificar diversos colaboradores importantes e influentes para
a antropologia do turismo.
Náo incluí lafar Jafart e Valene Smith na Tábela 5.1 porque, de
certo modo) seu trabalho na antropologia do turismo vai além de
uma contribuigáo para a teoria sobre o tema. Cada qual a seu mo-
do, eles colocaram obstinadamente o turismo no mapa académic«l
como um tema legítimo de estudo -Iafari,
pela criagáo e trabalhtr
lo]
Tqbela5.I: Principais autores da antropologia do turismo
+Autor \ D efinigño / descrigño / p o sigño declarada Comentário
Graburn (1977) uma forma especial de diversáo envolvendo viagens ou "fuga de '
tudo" (trabalho e casa), permitindo relaxamento das tensóes e, para
alguns, a oportunidade de se tornar temporariamente uma"náo-entidade", distante do toque dos telefones
turismo como uma forma de escapismo
ou como a busca do prazer
Fl
az
[ 1.]
zH
FÚ
liNash ( 1981 ) resultante da intersegáo das histórias de duas ou mais culturas
e subculturas (...) Ele torna-se um processo que envolve a geragáo
de turistas, suas viagens e seus encontros subseqüentes com pessoas
em alguma sociedade anfitriá. Tál encontro implica transagóes entre
turistas, seus agentes e anfitrióes, que afetam as pessoas
e culturas envolvidas
considera aspectos resultantes das
relagóes entre oferta e demanda. Conclui
sua cuidadosa definigáo com a idéia
simples de que turismo é "atividade de
lazer que requer uma viagem"
Selwyn (1994) pede que a antropologia se mova de suas generalizagóes
insustentáveis sobre "mercantllizaqáo" e "autenticidade" para ser
mais rigorosamente etnográfica e mais teórica. Vé o turismo como
conjuntos de relacionamentos nos contextos económico, político,
social e cultural mais amplos possíveis
isto permite que o distanciamento,
interpretagáo da história, autenticidade
da memória e economia política da
cultura sejam examinados como parte do
debate mais abrangente sobre o turismo
Urry (1990) tiga o turismo como uma prática cultural ao pós-modernismo e á
relagáo entre aqueles que servem e aqueles (principalmente a classe
média) que consomem bens gue, em alguns sentidos, sáo
"desnecessários". O turismo como um contraste com a vida cotidiana
permite um estudo sistemático da
motivagáo do turista sob uma perspectiva
da ciéncia social, mas náo aborda o
paradoxo dos muitos turistas que buscam
deliberadamente o mesmo (alimentos,
companheiros e lugares familiares)
enquanto estáo em férias
Tabela 5. I: continuagáo
Autor * D efinigño / descrigño / p o sigño declarada Comentário
MacCannell ( 1992) "o turismo é o terreno principal para a produgáo de novas formas
culturais em uma base global. Em nome do turismo, capital e pessoas
modernizadas tém sido enviados para as regióes mais remotas do
mundo, mais além do que qualquer exército jamais foi enviado (...)
Em resumo, o turismo náo é apenas um agregado de atividades
meramente comerciais; ele é também um conjunto ideológico
de história, naturezae tradigáo, um conjunto que tem o poder de
dar nova forma á cultura e natuÍeza de acordo com suas próprias
necessidades" (1992:l)
embora MacCannell tenha acrescentado
muito á teoria do turismo, é difícilacreditar em sua tese central de que todos
os turistas estáo procurando experiéncias
auténticas que thes sáo negadas em casa,
em seu mundo industrial/pós-industrial
Boissevain ( 1996) "Como, entáo, os indivíduos e comunidades dependentes da presenga
de turistas lidam com a mercantilizagáo de sua cultura e com a
constante atengáo do forasteiro?" ( L996:1). Propóe uma série de
comportamentos dos residentes ou "estratégias de enfrentamento"
suas idéias e generalizagóes baseiam-se em
um estudo de longa duragáo acerca das
mudangas ocorridas em Malta em razáo do
turismo, durante um período de 35 anos
Cohen ( 1988) a contribuigáo mais importante foi a criagáo da primeira tipologia
dos turistas, que exigiu a diferenciagáo entre vários tipos de turistas,
concluindo que "os indivíduos mais intelectuais e mais afastados da
cultura de massa se eng ajaráo em uma busca mais séria por
autenticidade do que os cidadáos comuns" (L9SS:376)
este aspecto de seu trabalho está baseado
na realidade das experiéncias turísticas;
como outras tipologias de várias espécies,
esta foi criticada por ser um tanto
determinística
JI
Dann (1997)
' \em todos esses autores sáo antropólogos. Sociólogos, como MacCannell, Dann e Urr¡ também prestaram contribuigóes significativas
: 3-.: ¿sta razáo sáo incluÍdos.
a "língua" do turismo (incluindo suas imagens); "as pesquisas
turísticas sem a teoria já nascem mortas'l "Tiabalhando isoladamente,
teóricos e profissionais tornam-se vítimas de seus própriosmonólogos [separados] "
propóe que a teoria e as pesquisas
académicas devem ser alimentadas pela
indústria do turismo como um benefício
prático e como uma contribuigáo para
a sua sustentaqáo
PETER M. IttIIiNSTURISMO E ANTROPOLOGIA
contínuo como editor de Annals of Tourism Research, eValene Smith,
por seu trabalho com a American Anthropological Association. A
criagáo de uma lista implica, necessariamente, algumas exclusóes;
deve-se ter em mente que a finalidade da lista é estimular o Pensa-mento sobre a antropologia do turismo entre estudantes, e náo ofe-
recer um registro definitivo. Poderíamos argumentar, por exemplo,
que outros personagens importantes sáo Linda Richter ( 1989) e seu
trabalho sob re a política do turismo; Philip Pearce ( l9B2) com sua
contribuigáo para a psicologia social do turismo; e o ensaio de Ro-
land Barthes ( 1 984) sobre a Torre Eiffel, no qual ele convida o ob-
servador casual a interpretar a paisagem de Paris dali avistada (o
Bourse , o Sena, Sacré Coeur, os Palácios Reais etc. ) como parte de
uma mitologia qu e faz da cidade um todo. A lista é longa!
As DIFERENTES ABORDAGENS
Se relacionamos a Figura 1.4, que traz temas fundamentais da
antropologia cultural, ás figuras 5.3,5.4 e até certo ponto á Tábela
5.1., vemos a emergéncia de quatro importantes temas no estudo
antropológico do turismo: o parado*o de ser local em um mundo-
§toUut; turismo e ritual; turismo como aventura mitológic a; e tü-iirn o e mud anqasocial. Existem outros temas, é claro (como Selwyn,.lgg¿,nos
recorda), como aqueles propostos pelas consideragóes fei-
tas por Malcolm Crick sobre as trés correntes de investigaqáo que
informam a antropologia do turismo:
. semiologia,'o estudo do significado e relagóes entre uma ima-
gem ou símbolo (o significante) e o conceito associado com
(7) Semiologia e semiótica sáo mais ou menos a mesma coisa. Saussure criou o pri-meiro termo (que é usado, portanto, pelos europeus) e Pierce criou o segundo (usado
pelos americanos). A questáo toda é um campo minado lingüístico/cultural, no qual
eu reluto em entrar. MacCannell define uma atragáo turística como "uma relagáo em-
pírica entre um turistA,uma paisagem e um marcador (alguma informagáo sobre uma
paisagem) (...) o marcador pode assumir muitas formas: guias de viagens, informagóes
esparsas, slides,diários de viagens, lembrancinhas de viagens etc." (1976:41). Para umquadro mais claro das relagóes entre semiótica e turismo, vale a pena ler o Capítulo 2
de MacCannell, sobre "sightseeing and Social Structure".
ro6
ele (o significado), que é formado pela denotaqáo e conota-qáo de determinada imagem pela sociedade (o ensaio de Bar-
thes sobre a Torre Eiffel, mencionado acim z, é um exemploclássico). Os turistas ocupam o espago cultural durante suas
visitas e, como parte de sua busca pelo auténtico, atribuemum significado especial ás coisas, "marcando-as" para serem
especiais, mesmo se esses locais ou paisagens náo possuem
algo de muito especial em si mesmos;'
. economia política, questóes de poder e controle e as forgas que*
moldam o desenvolvimento turístico em determinado desti-
no. Ela une os domínios económico e político, de modo a per-
mitir uma compreensáo mais profunda sobre as implicagóes
políticas do desenvolvimento e da economia; e
. rnudanga social e cultural, tanto dentro das áreas de geragáo. .1. \
quanto das de recepgáo; em particular a merc antilizagáo dolocal e cultura, as conseqüéncias culturais da visita e o turis-
I mo como uma busca pela autenticidade.'
E,sta busca pela autenticidade pode ser explicada como umaespécie de processo compensatório pelo qual "o trabalhador alie-nado busca uma existéncia menos alienada e mais auténtica duran-te um período de férias no exterior" (Nash ,1996:66). Esta visáo fun-da-se no trabalho de MacCannell gue, por sua vez, baseava-se emuma rejeigáo da tese de Boorstin (1964), de que o turista moderno
(B) Pense em expressóes como: "Este é o lugar onde ocorreu...(etc.)" enquanto o guiaturístico aponta para determinado prédio ou pedago do trajeto. O "Grassy Knoll",* dis-cutido em relaqáo ao assassinato do presidente Kennedy, é um exemplo. Existem mui-tos outros. [* Grassy Knoll, cujo sentido literal é "colina gramada", era, na época do as-
sassinato do presidente Kenned¡ um dos supostos locais de onde teriam partido os tirosque o atingiram. Ao longo do tempo, o termo veio a ser sinónimo de "compló para as-
sassinato" ou "trama secreta para assassinato". N. da T.l(9) Curiosamente, apenas a última categoria tem sido realmente trabalhada pelos
antropólogos. Barthes, effi geral, e MacCannell e Urr¡ em particular, ainda sáo as auto-ridades em semiótica e turismo, enquanto o artigo de importáncia fundamental clc
Britton (L952) sobre a economia política do turismo náo foi até entáo refutado, al)csilr'de Raoul Bianchi ter investigado (embora ainda náo publicado) isto por mcio tle st,u
trabalho de campo para seu doutorado.
It7
TURISMO E ANTROPOLOGIA
108
busca, inadvertidamente, experiéncias náo-auténticas, os chamados
pseudo-eyentos,'o como parte de um estilo de vid a geralmente arti-
ficial em sua própria casa. MacCannell prossegue, afirmando que'paraBoorstin
"existe algo na própria condigáo do turista que náo é
intelectualmente satisfatório" (MacCannell, 197 6:103). A posigáo
de MacCannell sobre os pseudo-eventos de Boorstin é que os turis-
tas náo causam os pseudo-eventbs, como este insiste (isto é, que o
turismo tornou-se artificial porque os próprios turistas sáo super-
ficiais), mas que as atitudes esnobes de Boorstin sobre a distingáo
entre turistas e viajantes sáo "parte do problema do turismo de mas-
sa, náo uma reflexáo analítica sobre ele" (MacCannell ,1976:104).
Urry (1990:11) amplia este debate sobre as motivagóes mais
profundas dos turistas referindo-se a "nogóes gerais de liminarida-
de e invers áo".A liminaridade, neste sentido, é usada do modo pre-
tendido por Van Gennep, como uma "libera qáo da estrutura social
rotine ira" (Nash , 1996:4L). Entretanto, Urry possui uma visáo dife-
rente das de Boorstin e Nash. Ele rejeita a idéiada busca pela auten-
ticidade como o fator motivador fundamentalpara os turistas (em-
bora reconh eqa que ela possa ser importante). Ele continua com um
comentário adicional sobre a base para a organizagáo do turismo:"uma característica essencial pareceria ser a existéncia de uma dife-
renga entre o local habitual de residéncialtrabalho do indivíduo e
Ia experiéncia do turismo] (...) porque existe, de certo modo, um
contraste com as experiéncias cotidianas" ( 1990: 1 1 ).
Aqui, a questáo da liminaridade é novamente mencionada. Es-
(10) Boorstin diz: "Essas atragóes oferecem uma experiéncia indireta cuidadosamen-
te plane jada, um produto artificial a ser consumido nos próprios lugares onde a coisa
real é táo gratuita quanto o ar. Essas sáo formas de fazer com que o viajante permaneqa
afastado do contato com pessoas estranhas no próprio ato de'vé-las de passagem'. Elas
mantém os nativos de quarentena, enquanto os turistas, no conforto do ar condiciona-
do, véem tudo por uma janela panorámica. Elas sáo as miragens culturais encontradas
atualmente nos oásis turísticos espalhados por todos os cantos" (L964:L14, citado em
MacCannell, 1976). O que MacCannell tem adizer sobre isso é que Boorstin afirma que
as demandas de mercado pelos turistas de massa fazem com que a indústria do turis-
mo responda de maneiras que sempre apresentam um evento ou cenário "preparado"
ou náo auténtico, desinfetado e limpo.
ta ince rteza sobre a motivagáo do turista salienta o que foi estabc-
lecido no Capítulo 3: náo existe um tipo único de turista. As expe-
riéncias que eles buscam seráo diferentes. Ao discorrer sobre a aná-
lise de Cohen ace Íca dos turistas, Nash coloca a questáo da seguinte
maneira: "essas pessoas podem buscar mais ou menos autenticida-
de em seu turismo, de acordo com seu grau de alie nagáo em relagáo
ás condigóes sociais nas quais vivem" ( 1 996:66). Ele continuá, em
uma linha similar de pensamento: "Existem, na verdade, outros ti-pos de turistas (e, poderíamos acrescentar, de anfitrióes) para os
quais a questáo da autenticidade simplesmente inexiste" (Nash,
1996:82). Sobre isso, l)rry cita Feifer, que nos garanle que o turis-
ta" náo é "um viajante do tempo quando vai a um local histórico;
náo é um bom selvagem instantáneo," quando permanece em uma
praia tropical (...) Resolutamente'realista', ele náo pode fugir á sua
condigáo de forasteiro" ( 1990: 100- 1, itálicos acrescidos).
Selwyn amarra esses fios um tanto soltos, lembrando-nos que
esta idéia de ser um forasteiro náo está de forma nenhuma conec-
tada com a busca um pouco eurocéntrica , para usarmos o termo de
Maslow,t' por "auto- realizagáo":
Os antropólogos do turism o já aceitam amplamente que grande par-
te do turismo contemporáneo está baseado na "Busca pelo Outro"(...) pressionando em diregóes opostas, a busca pelo "Outro auténti-
co" e pelo "Eu auténtico" constitui a "tensáo que informa todo o tu-
rismo". (1996:21)
(1 1) Neste caso, Feifer está discutindo o "pós-turista", "q.r. quase se delicia com a
falta de autenticidade da experiéncia do turista normal" (Urr¡ 1990:1 1).
(12) Note a referéncia irÓníca a Rousseau, aqui.
(13) Maslow conquistou renome com sua teoria da "hierarquia das necessidades",
que enuncia a idéia de que, durante a vida, somos todos guiados por um conjunto hie-
rárquico de necessidades, comegando com a necessidade básica de alimento e abrigo,
aprovagáo por camaradas etc. até o estágio final: "auto-re alizagáo", quando o quebra-
cabega da vida é montado para proporcionar um estado equilibrado de bem-estar. Enr-
bora a princípio seja atraente em razáo de sua simplicidade, esta é claramente uma teo-
ria espe cificada cultura gerada pelo capitalismo e pelo american way of ltfe. Ela nño sc
transfere para sociedades nas quais as pessoas valorizam mais a comunidade c os ()tl
tros do que a si mesmas.
t( )()
TURISMO E ANTROPOLOGIA PETER M. BURNS
Esta idéia de tensóes lembra-nos a nogáo de Lévi-Strauss deestados opostos do ser e os dualismos simbólicos de Malinowski(como notado no Capítulo I deste livro). Para o turismo, essas ten-sóes podem ser mais exploradas.Há ainda, contudo, 3 necessidadede explicar por que modos turísticos específicos estáo vinculadoscom determinados grupos sociais em um determinado período his-tórico. As questóes sem resposta sáo: Por que determinados com-portamentos? Por que determinados grupos? O mais próximo quechegamos de uma resposta é através do trabalho de Passariello( 1983), eue estudou o turismo da classe média mexic ana em bal-neários. Trés fatores interligados foram sugeridos, oferecendo tantouma explicaqáo para o surgimento dos padróes encontrados quan-to um auxílio para a previsáo de padróes futuros. Esses sáo (comquestóes acrescentadas por mim):
1. Rendimentos moderados restringem a escolha de estilo, dis-táncia e dura qáo da viagem. Mas será que ter dinheiro d von-tade é uma explica7ño suficiente?
2. Autoconfianga cultural, experiéncias da infrncia e educacio-nais. Mas será que podemos ligar a puj anga da classe médiacom a autoconfianga cultural? Ou será que isto presume queas coisas que compreendem uma educagño de classe média (li-teratura, mitologia grega, artes etc.) sño os únicos componen-tes válidos da cultura?
3. Inversóes culturais, com significados e regras de compo rta-mento habitual suspensas ou viradas pelo avesso . Mas será
que isto serve como desculpa para a prostituigao infantil, a em-briaguez e a indoléncia?
O trabalho de Passariello é importante, ainda que um tanto in-completo, porque a análise baseia-se em pesquisas empíricas, emYez de na reflexáo.A Figura 5.5 mostra suas idéias em um esquema.
No caso particular do trabalho de Passariello, podemos ver quea escolha do estilo turístico deriva da cultura local e situa gáo dosmexicanos. Contudo, se geralmente concordamos com a nogáo de
Figura 5.5: Motivagáo social e consumo do turismo
Fonte: Passariello, I 983.
inversáo e comportamento nos turistas, como as pessoas definem
tais mudangas? Será que esta é simplesmente uma escolha daqueles
elementos que náo sáo cap azes de mudar em suas vidas normais
(dentro das limitagóes de rendimentos escassos e autoconfianga)?
Uma yez que a inversáo é um tema contínuo na antropologia, vale
a pena examinarmos a questáo em maiores detalhes, até onde rela-
ciona-se ao turismo. Algumas dessas mudangas sáo mostradas na
Tabela 5.2. Observe que as inversóes podem ocorrer em qualquer
diregáo; as polaridades apresentam uma relagáo recíproca. Os tu-ristas geralmente buscam mais do que uma inversáo, de modo que
mudam apenas parte de seu repertório comportamental.
Deve ser salientado que, embora o trabalho de Passariello seja
útil, ele apresenta falhas que ainda precisam ser abordadas - por
exemplo, como a confianga cultural pode ser definida? Que papel a
indústria do turismo exerce em termos de influenciar as decisóes?
Por que algumas pessoas com "autoconfianga cultural" optam por
nño se tornar turistas?
TURISMO E ANTROPOLOGIA
Thb ela 5. 2: Inversóes sociais/culturais
Dimensño Continuum
ambiente lnverno*veráo
isolamento-multidóes
classe/estilo de vida simplicidade-afl uéncia
parcimónia-auto - satisfaqáo
civilizagáo" natureza-urbano
lento-rápido
seguranga-risco
formalidade nudez-indumen tária formalrestrigáo sexual-licenciosidade sexual
saúde e tensáo tranqüilidade-estresse
indoléncia-exercício
envelh ecim ento-rej uven escimento
IȃIAS PRINCIPAIS
'Antropólogos e outros cientistas sociais argumentam que pes-soas, em Yez de comércio, estáo no ámago da necessidade deuma análise do turismo;
' a antropologia oferece uma possibilidade de análise crítica doturismo, por meio de sua base comparativa, de sua capacida-de para unir o local e o global pelo reconhecimento da inter-ligagáo de domínios económico, ambiental e social;
' houve uma cisáo entre antropólogos que viam o turismo co-mo um ritual (por eX., Nelson Graburn) e aqueles que o con-sideravam como uma forma de imperialismo (por ex., Den-nison Nash). O pensamento antropológico atual é que oturismo possui muitas motivagóes e é demasiadamente com-plexo para ser classificado desta maneira; (contudo)
' uma classifi caqáo prática das formas de estudo do turismopor antropólogos foi desenvolvida por Crick, que propós co-
PETER M. BURNS
mo as linhas mais eficientes de investiga qáo a semiologia, a
economia política e a mudanga social/cultural;
uma grande parcela dos trabalhos antropológicos sobre o tu-rismo náo apresenta base empírica (isto é, pesquisas) e po-dem refletir as óticas branca e de classe média dos autores,
em Yez de evidéncias científicas; e
Sewlyn e outros estáo convencidos de que a busca do Outro(um "lá fora" auténtico e ainda náo corrompido) e a busca do"elr" auténtico (no sentido de aceitar com tranqüilidade a vi-da em uma sociedade pós-moderna) é o que criaa tensáo sub-
jacente á abordagem da ciéncia social na análise do turismo.
QursróES
1. Que evidéncias nós temos de que tipos específicos de turis-tas sáo atraidos para determinados grupos sociais em umdeterminado momento?
Z.Por que algumas pessoas dotadas dos meios e de rendimen-tos moderados náo desejam ser turistas? Será que podería-mos argumentar que aquelas que alcangaram o estado de
"auto- realizagáo" de Maslow náo precisam do turismo?
3. Até que ponto a anáIise científica social do turismo é umaforma de auto-satisfaqáo e uma forma de rir "de forma legí-
tima" do consumo do lazer pela classe trabalhadora?
4. Que papel a curiosidade, o
lidade e a suscetibilidade á
anseio por viajar?
5. O turismo é uma forma de
6. O turismo é uma forma de
desejo pela novidade, a persona-
mídia exercem na motivagáo do
imperialismo?
religiáo?