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Medicina (Ribeirão Preto) 2012;45(2): 197-207 Choque em crianças Choque em crianças Choque em crianças Choque em crianças Choque em crianças Shock in children Ana Paula de Carvalho Panzeri Carlotti RESUMO Este texto apresenta uma revisão da definição, classificação, fisiopatologia e tratamento inicial dos diversos tipos de choque na criança. O reconhecimento precoce e o tratamento agressivo do choque em tempo oportuno são essenciais à prevenção da parada cardiorrespiratória e à melhora do desfecho. Palavras-chave: Choque. Criança. Diagnóstico. Ressuscitação Hídrica. Suporte Hemodinâmico. Definição Definição Definição Definição Definição Choque é a situação clínica resultante do dese- quilíbrio entre a oferta de oxigênio e nutrientes e a demanda metabólica dos tecidos. 1-4 Fisiopatologia Fisiopatologia Fisiopatologia Fisiopatologia Fisiopatologia O choque se caracteriza por déficit agudo de oxigênio nas células, que resulta em metabolismo anaeróbico e acidose láctica. 1 Para compreensão ade- quada da fisiopatologia do choque e dos fundamentos Professora Associada do Departamento de Puericultura e Pedia- tria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo de seu tratamento é essencial que se conheça o con- ceito de transporte de oxigênio. O transporte de oxigênio (DO 2 ), ou seja, a quan- tidade de oxigênio transportado ao corpo por minuto, é o produto do conteúdo arterial de oxigênio pelo débi- to cardíaco (Equação 1). O conteúdo arterial de oxigênio (CaO 2 ), em mL de oxigênio por dL de sangue, é determinado pela con- centração de hemoglobina e sua saturação com oxi- gênio e, em menor proporção, pela quantidade de oxi- gênio dissolvido no plasma (Equação 2). O débito cardíaco é o produto da frequência cardíaca pelo volume sistólico (Equação 3). DO 2 = Conteúdo arterial de O 2 (CaO 2 ) x Débito cardíaco (Equação 1) Correspondência: Avenida dos Bandeirantes 3900 14049-900 / Ribeirão Preto - SP. [email protected] Artigo recebido em 11/04/2012 Aprovado para publicação em 20/06/2012 CaO 2 = Concentração de hemoglobina (g/dL) x 1,34 x Saturação arterial de O 2 (SaO 2 ) + (PaO 2 x 0,003) (Equação 2) Débito cardíaco = Frequência cardíaca x Volume sistólico (Equação 3) Simpósio: EMERGÊNCIAS PEDIÁTRICAS Capítulo IV

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Medicina (Ribeirão Preto) 2012;45(2): 197-207

Choque em criançasChoque em criançasChoque em criançasChoque em criançasChoque em criançasShock in children

Ana Paula de Carvalho Panzeri Carlotti

RESUMO

Este texto apresenta uma revisão da definição, classificação, fisiopatologia e tratamento inicial dosdiversos tipos de choque na criança. O reconhecimento precoce e o tratamento agressivo do choque emtempo oportuno são essenciais à prevenção da parada cardiorrespiratória e à melhora do desfecho.

Palavras-chave: Choque. Criança. Diagnóstico. Ressuscitação Hídrica. Suporte Hemodinâmico.

DefiniçãoDefiniçãoDefiniçãoDefiniçãoDefinição

Choque é a situação clínica resultante do dese-quilíbrio entre a oferta de oxigênio e nutrientes e ademanda metabólica dos tecidos.1-4

FisiopatologiaFisiopatologiaFisiopatologiaFisiopatologiaFisiopatologia

O choque se caracteriza por déficit agudo deoxigênio nas células, que resulta em metabolismoanaeróbico e acidose láctica.1 Para compreensão ade-quada da fisiopatologia do choque e dos fundamentos

Professora Associada do Departamento de Puericultura e Pedia-tria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidadede São Paulo

de seu tratamento é essencial que se conheça o con-ceito de transporte de oxigênio.

O transporte de oxigênio (DO2), ou seja, a quan-tidade de oxigênio transportado ao corpo por minuto,é o produto do conteúdo arterial de oxigênio pelo débi-to cardíaco (Equação 1).

O conteúdo arterial de oxigênio (CaO2), em mLde oxigênio por dL de sangue, é determinado pela con-centração de hemoglobina e sua saturação com oxi-gênio e, em menor proporção, pela quantidade de oxi-gênio dissolvido no plasma (Equação 2).

O débito cardíaco é o produto da frequênciacardíaca pelo volume sistólico (Equação 3).

DO2 = Conteúdo arterial de O2 (CaO2) x Débito cardíaco (Equação 1)

Correspondência:Avenida dos Bandeirantes 390014049-900 / Ribeirão Preto - SP.

[email protected]

Artigo recebido em 11/04/2012Aprovado para publicação em 20/06/2012

CaO2 = Concentração de hemoglobina (g/dL) x 1,34 x Saturação arterial de O2 (SaO2) + (PaO2 x 0,003)(Equação 2)

Débito cardíaco = Frequência cardíaca x Volume sistólico (Equação 3)

Simpósio: EMERGÊNCIAS PEDIÁTRICASCapítulo IV

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O volume sistólico é a quantidade de sangueejetado do coração a cada contração. É determinadopor três componentes: pré-carga, contratilidade e pós-carga. A pré-carga é a quantidade de estiramento dafibra muscular antes do início da contração, e se rela-ciona, principalmente, ao volume de enchimento dascâmaras cardíacas. O volume de enchimento é o vo-lume contido no ventrículo no final da diástole. O au-mento da pré-carga aumenta a contração muscularpelo mecanismo de Frank-Starling, ou seja, quantomaior o estiramento, maior o volume de ejeção. A con-tratilidade se refere à força e à eficiência da contra-ção muscular. A pós-carga é a soma das forças quese opõem à ejeção ventricular, determinada pela elas-ticidade do leito vascular e pela resistência ao fluxonas artérias e arteríolas. Clinicamente, a resistênciavascular sistêmica constitui a pós-carga do ventrículoesquerdo e a resistência vascular pulmonar, a pós-cargado ventrículo direito.1-4

Ocorre choque quando o transporte de oxigê-nio é inadequado para suprir as necessidades metabó-licas dos tecidos. Em indivíduos saudáveis, a capta-ção de oxigênio é independente do suprimento de oxi-gênio. Assim, quando o transporte de oxigênio é agu-damente reduzido, a extração de oxigênio aumenta e,consequentemente, o consumo de oxigênio permane-ce constante. Somente quando o transporte de oxigê-nio cai abaixo de um ponto crítico, a capacidade deextração de oxigênio é superada e o consumo de oxi-gênio cai. A partir deste ponto, começa a haver meta-bolismo anaeróbico e acidose láctica.3,4

Em pacientescom choque, frequente-mente, há aumento dademanda de oxigênio ea capacidade dos teci-dos de extrair oxigênio está diminuída, em decorrên-cia de alterações das células e da microvasculatura.Além disso, o transporte de oxigênio está reduzido emvirtude de hipovolemia, disfunção miocárdica e alte-ração do conteúdo arterial de oxigênio (p.ex., hipóxia,anemia), o que pode resultar em uma dependência pa-tológica do consumo de oxigênio em relação ao trans-porte, mesmo quando o transporte de oxigênio não estáreduzido significativamente. Em modelos animais, aadministração de endotoxina resultou em valores crí-ticos de transporte de oxigênio mais elevados, obser-vando-se metabolismo anaeróbico com níveis de trans-porte considerados adequados para indivíduos saudá-veis, o que reforça a necessidade de intervenções te-

rapêuticas para aumentar o transporte de oxigênio nochoque.3,4

Os mecanismos compensatórios para manuten-ção do débito cardíaco incluem a taquicardia e o au-mento da contratilidade cardíaca e do tônus do siste-ma venoso. Entretanto, em crianças, as respostas car-diovasculares compensatórias diferem daquelas dosadultos. Em crianças pequenas, o débito cardíaco émais dependente da frequência cardíaca do que dovolume de ejeção, em decorrência de menor massamuscular do ventrículo. Assim, a criança compensa adiminuição do débito cardíaco pela taquicardia. Entre-tanto, como as crianças têm reserva de frequênciacardíaca limitada em comparação com os adultos, emvirtude da frequência cardíaca basal já elevada, quan-to mais jovem a criança, maior a probabilidade de queesta resposta seja inadequada. O aumento do tônusda musculatura das veias resulta em aumento do dé-bito cardíaco pelo aumento da pré-carga, pois maissangue se move do sistema venoso de alta capacitânciapara o coração. A falha dos mecanismos compensa-tórios para a manutenção do débito cardíaco e do trans-porte de oxigênio resulta em hipóxia tecidual,hipercapnia e acidose. A persistência da acidose e dotransporte inadequado de substratos contribui para adiminuição da função miocárdica, que na ausência deintervenções terapêuticas urgentes, pode evoluir parabradicardia e parada cardíaca.1,3

A pressão arterial sistêmica é o produto do dé-bito cardíaco pela resistência vascular sistêmica (Equa-ção 4).

Em situações de diminuição significante do dé-bito cardíaco, o aumento da resistência vascular sistê-mica mantém a pressão arterial normal. Além disso, avasoconstrição periférica leva à redistribuição do flu-xo sanguíneo dos leitos vasculares não essenciais (pele,musculatura esquelética, rins e esplâncnico) para osórgãos nobres (cérebro, coração, pulmões e adrenais).Esta regulação do tônus vascular pode normalizar apressão arterial, independentemente do débito cardía-co. É importante salientar que, em crianças, a hipo-tensão é um sinal tardio e súbito de descompensaçãocardiovascular. Portanto, a pressão arterial não é umbom indicador da homeostase cardiovascular em pa-cientes pediátricos.3

Pressão arterial = Débito cardíaco x Resistência vascular sistêmica (Equação 4)

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Carlotti APCP. Choque em crianças

DiagnósticoDiagnósticoDiagnósticoDiagnósticoDiagnóstico

O diagnóstico de choque requer um alto índicede suspeita e o conhecimento das condições predis-ponentes. A avaliação clínica cuidadosa é essencialao diagnóstico, devendo-se estar atento às alteraçõesda frequência cardíaca e da pressão arterial, e aossinais de hipoperfusão tecidual. A Tabela 1 mostra afrequência cardíaca normal nas diversas faixas etárias.Ressalta-se que a taquicardia sinusal é um sinal ines-pecífico de comprometimento circulatório, pois podeocorrer em várias situações de estresse (dor, ansieda-de e febre).1

A hipotensão arterial é definida pelos limites depressão arterial sistólica de acordo com a idade (Ta-bela 2).1,2

Ressalta-se que estes limites de pressão arteri-al se aproximam do percentil 5 da pressão arterialsistólica normal para a idade. Desta forma, estes va-lores se sobrepõem aos valores normais de 5% dascrianças saudáveis. Além disso, estes limites são va-lores de referência para crianças normais em repou-so. As crianças doentes e sob estresse apresentamfrequentemente aumento da pressão arterial. Portan-to, a pressão arterial no limite inferior da normalidadepode ser inapropriada para uma criança gravementedoente.1,2,3

A palpação dos pulsos dá informações sobre ofluxo sanguíneo e a resistência vascular sistêmica. Ospulsos centrais (femorais, carotídeos e axilares) e pe-riféricos (braquiais, radiais, tibiais posteriores e pedio-sos) são facilmente palpáveis em crianças saudáveis,com exceção dos pulsos carotídeos em recém-nasci-dos e lactentes, em decorrência do menor tamanho dopescoço. Os pulsos centrais são, normalmente, maisfortes do que os pulsos perifé ricos, porque possuemmaior calibre e estão mais próximos do coração. Avasoconstrição associada ao choque causa aumentoda diferença de volume (ou força) entre os pulsoscentrais e periféricos. A diminuição da perfusão sistê-mica se inicia nas extremidades, com diminuição edesaparecimento dos pulsos periféricos, e progride emdireção ao tronco, com enfraquecimento dos pulsoscentrais. A pressão de pulso é a diferença entre a pres-são arterial sistólica e a diastólica. O aumento da re-sistência vascular sistêmica em resposta à diminuiçãodo débito cardíaco leva ao estreitamento da pressãode pulso, enquanto que em situações de choque combaixa resistência vascular sistêmica, observa-se alar-gamento da pressão de pulso. O desaparecimento dospulsos centrais é um sinal pré-mórbido que indica anecessidade de intervenção muito rápida para evitarparada cardíaca.1-4

A diminuição da perfusão cutânea é um sinalprecoce de choque. Normalmente, as mãos e os pésencontram-se aquecidos e corados. Quando o débitocardíaco cai, a pele se torna fria, inicialmente nas ex-tremidades e, subsequentemente, no tronco. Lividezreticular, palidez, cianose de extremidades e prolon-gamento do tempo de enchimento capilar (> 2 segun-dos) também indicam perfusão cutânea diminuída. Emrecém-nascidos, a vasoconstrição intensa produz co-loração acinzentada na pele, enquanto que em crian-ças mais velhas, observa-se palidez acentuada. Ossinais de hipoperfusão cerebral incluem alteração donível de consciência (irritabilidade, agitação, letargia,

Tabela 1Valores de frequência cardíaca normal em batimen-tos por minuto (bpm) de acordo com a idade (média ±2 desvios-padrão)

Frequência cardíaca (bpm)Idade (média ± 2 desvios-padrão)

Recém-nascido 140 ± 50

1 – 6 meses 130 ± 50

6 – 12 meses 115 ± 40

1 – 2 anos 110 ± 40

2 – 6 anos 105 ± 35

6 – 10 anos 95 ± 30

> 10 anos 85 ± 30

Fonte: Adaptado de Pediatric Advanced Life Support ProviderManual, 2002.

Tabela 2Definição de hipotensão pelos limites de pressão arte-rial sistólica (mm Hg) de acordo com a idade

Pressão arterialIdade sistólica (mm Hg)

Recém-nascidos a termo(0-28 dias) < 60

Lactentes (1-12 meses) < 70

Crianças 1-10 anos < 70 + (2 x idade em anos)

> 10 anos < 90

Fonte: Pediatric Advanced Life Support Provider Manual, 2002.

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coma), hipotonia, crises convulsivas e alteraçõespupilares. Para avaliação rápida das funções corticaiscerebrais recomenda-se o uso da Escala de RespostaPediátrica "AVDN": A = alerta; V = responsivo à voz;D = responsivo à dor; N = não responsivo. Outrossinais de má perfusão orgânica incluem a diminuiçãodo débito urinário (< 1 mL/kg/h, em recém-nascidos elactentes ou < 12 mL/m2/h, em crianças maiores eadolescentes) e acidose láctica.1-4

ClassificaçãoClassificaçãoClassificaçãoClassificaçãoClassificação

Segundo o estado fisiológico

O choque é classificado como compensado oudescompensado, de acordo com seu efeito na pressãoarterial. O choque é definido como compensado quandoos mecanismos compensatórios são capazes de man-ter a pressão arterial normal, ou seja, o paciente apre-senta sinais e sintomas de perfusão tecidual inade-quada (acidose láctica, oligúria, alteração do nível deconsciência), mas a pressão arterial sistólica é nor-mal. O choque é classificado como descompensadoquando os sinais de choque se associam com hipoten-são sistólica.1

O choque é classificado segundo o débito car-díaco em hipodinâmico ou frio e hiperdinâmico ou quen-te. O choque hipodinâmico ou frio se associa a baixodébito cardíaco e ocorre em crianças com choque hipo-volêmico, séptico e cardiogênico. Os mecanismos com-pensatórios causam aumento da resistência vascularsistêmica, observando-se pele fria e marmórea, pul-sos finos e perfusão periférica diminuída (tempo deenchimento capilar > 2 segundos). O choque hiperdi-nâmico ou quente se associa a alto débito cardíaco ebaixa resistência vascular sistêmica e ocorre no cho-que anafilático e em algumas crianças com choqueséptico. Caracteriza-se por extremidades quentes,avermelhadas, com alargamento da pressão de pulsoe perfusão periférica rápida. Nestas situações, ocorrechoque a despeito do débito cardíaco elevado, porqueo fluxo sanguíneo é distribuído inadequadamente. Al-guns tecidos recebem fluxo sanguíneo insuficiente(p.ex., a circulação esplâncnica), enquanto outros(p.ex., pele e músculos) recebem fluxo sanguíneo ex-cessivo em relação às suas demandas metabólicas.1, 2

Segundo a etiologia

O choque é classificado segundo a etiologia emhipovolêmico, cardiogênico, distributivo, obstrutivo e

séptico. Entretanto, esta classificação representa umasimplificação, porque as etiologias frequentemente sesobrepõem.1-4

Choque hipovolêmico

Caracteriza-se por volume intravascular inade-quado relativo ao espaço vascular. A hipovolemia é aprincipal causa de choque em crianças, resultante dedesidratação, hemorragia e perdas para o terceiro es-paço, decorrentes do aumento da permeabilidade ca-pilar (p.ex., sepse, queimaduras). A hipovolemia rela-tiva ocorre em situações de vasodilatação sistêmicacom aumento da capacidade vascular, como sepse eanafilaxia.

A diminuição do volume intravascular leva àdiminuição do retorno venoso e da pré-carga, e, con-sequentemente, do volume sistólico e do débito cardí-aco. A ativação dos barorreceptores periféricos e cen-trais produz a liberação de catecolaminas, resultandoem aumento da frequência cardíaca e da resistênciavascular sistêmica, que constituem os mecanismoscompensatórios para a manutenção da pressão arteri-al. A hipotensão é um achado tardio. Em crianças comhemorragia, a hipotensão geralmente ocorre com per-da aguda de mais de 25% a 30% do volume sanguí-neo circulante (Figura 1).1

Os sinais clínicos do choque hipovolêmico são:Taquicardia, pressão arterial normal (choque compen-sado) ou diminuída (choque descompensado), diminui-

Figura 1: Evolução da resistência vascular sistêmica (RVS), dapressão arterial média (PAM) e do débito cardíaco (DC) de acordocom a porcentagem de volume sanguíneo circulante perdido.Fonte: Adaptado de Pediatric Advanced Life Support - ProviderManual, 2002.

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ção da pressão de pulso, pulsos finos, tempo de enchi-mento capilar prolongado (> 2 segundos), pele fria,pálida ou marmórea, diaforese, alteração do estadomental e oligúria.

Choque cardiogênico

Resulta de disfunção miocárdica. As causasincluem as cardiomiopatias, os distúrbios do ritmo, ascardiopatias congênitas e as lesões traumáticas docoração (Tabela 3).1-4

O choque cardiogênico se caracteriza por bai-xo débito cardíaco e alta resistência vascular sistêmi-ca. A diminuição do débito cardíaco leva à liberaçãode mediadores neurohumorais, que resulta em aumentoda resistência vascular sistêmica e da pós-carga doventrículo esquerdo. Desta forma, os mecanismos

compensatórios do choque cardiogênico podem terefeitos deletérios, porque o aumento da pós-carga doventrículo esquerdo pode deteriorar ainda mais a fun-ção miocárdica.1-4

O reconhecimento do choque cardiogênico seinicia pela história cuidadosa. Relatos típicos incluemaumento do esforço respiratório, dificuldades de ali-mentação, dispneia às mamadas, sudorese excessiva,baixo ganho pôndero-estatural e infecções respirató-rias frequentes (em crianças com cardiopatias congê-nitas com hiperfluxo pulmonar). Ao exame físico, pode-se observar taquicardia, ritmo de galope, taquipneia,extremidades frias, pulsos finos, cianose, diaforese,estertores crepitantes, sibilos (pelo edema pulmonar -"asma cardíaca"), hepatomegalia, estase jugular (emcrianças maiores) e edema periférico (manifestaçãotardia de insuficiência cardíaca em crianças). Em re-cém-nascidos, as obstruções congênitas da via de saí-da do ventrículo esquerdo se manifestam por choquecardiogênico nas duas primeiras semanas de vida, porocasião do fechamento do canal arterial. Em criançascom coarctação de aorta grave ou interrupção do arcoaórtico, além dos sinais de choque, observa-se dife-rencial importante de pressão arterial e de intensidadedos pulsos entre os membros superiores e os inferio-res (pressão arterial mais baixa nos membros inferio-res que nos membros superiores e diminuição da am-plitude ou ausência dos pulsos femorais). Como osmecanismos compensatórios do choque cardiogênicopodem deteriorar ainda mais a função miocárdica, afase compensada do choque cardiogênico pode nãoser observada; geralmente, o paciente apresenta-sehipotenso.1,2

O diagnóstico clínico deve ser suplementado pelaradiografia de tórax, cujos achados típicos são cardio-megalia e congestão vascular pulmonar, além do ele-trocardiograma e da ecocardiografia, que dão o diag-nóstico da causa do choque. Recentemente, marca-dores bioquímicos de lesão celular e disfunção mio-cárdica têm sido utilizados, como a troponina I cardía-ca e o peptídeo natriurético tipo B (BNP), para o di-agnóstico e a monitoração de pacientes com choquecardiogênico.5

Choque distributivo

Caracteriza-se pela distribuição inadequada desangue aos tecidos que resulta em má perfusão teci-dual, geralmente secundária a alterações do tônusvasomotor. As causas de choque distributivo incluemanafilaxia, anestesia espinhal ou epidural, secção de

Tabela 3Causas de choque cardiogênico em crianças

Cardiomiopatias

• Eventos hipóxico-isquêmicos- Parada cardiocirculatória, pós-circulação extracorpórea,

anomalia de artérias coronárias

• Infecciosas- Miocardite viral, sepse

• Metabólicas- Acidose, hipocalcemia, doenças de depósito

• Doenças do tecido conjuntivo- Lúpus eritematoso sistêmico, doença de Kawasaki, fe-

bre reumática

Distúrbios do ritmo

• Taquicardia supraventricular

• Taquicardia ventricular

• Bloqueio atrioventricular

Cardiopatias congênitas

• Obstruções da via de saída do ventrículo esquerdo- Interrupção do arco aórtico, coarctação da aorta,

estenose aórtica crítica, síndrome do coração esquerdohipoplásico

Trauma

• Contusão miocárdica

• Aneurismas

• Ruptura valvar

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medula, disfunção grave do cérebro e do tronco cere-bral e uso inapropriado de vasodilatador.1,2

No choque anafilático, há vasodilatação sistê-mica, aumento da permeabilidade capilar com hipovo-lemia relativa e vasoconstricção pulmonar. Os sinaise sintomas incluem agitação, náuseas e vômitos, urti-cária, angioedema, desconforto respiratório com es-tridor ou sibilos, hipotensão e taquicardia.1,2

No choque neurogênico, a perda da inervaçãosimpática da musculatura lisa da parede vascular re-sulta em vasodilatação. O paciente apresenta hipo-tensão com alargamento da pressão de pulso, sem ta-quicardia compensatória, porque a inervação simpáti-ca do coração também está comprometida.1,2,3

Choque obstrutivo

Caracteriza-se por débito cardíaco adequado navigência de volume intravascular e função miocárdicanormais em decorrência de obstrução mecânica àentrada e/ou saída de sangue do coração. As causasde choque obstrutivo são pneumotórax hipertensivo,tamponamento cardíaco e embolia pulmonar maciça.1,2

No tamponamento cardíaco, a compressão docoração secundária ao aumento da pressão intraperi-cárdica impede o retorno venoso sistêmico e pulmo-nar e reduz o enchimento ventricular. Consequente-mente, o débito cardíaco cai. Em crianças, geralmen-te, ocorre tamponamento cardíaco após trauma pene-trante ou cirurgia cardíaca. As manifestações clínicassão abafamento das bulhas cardíacas, pulso parado-xal (diminuição da pressão sistólica mais de 10 mmHg durante a inspiração) e distensão das veias do pes-coço. O eletrocardiograma mostra complexos QRSde baixa amplitude e o diagnóstico definitivo é feitopelo ecocardiograma. Na ausência de tratamento, otamponamento cardíaco resulta em parada cardíacacaracterizada por atividade elétrica sem pulso.1

No pneumotórax hipertensivo, a compressão dopulmão causa falência respiratória, e a compressãodas estruturas mediastinais (coração e grandes va-sos) leva à diminuição do retorno venoso e do débitocardíaco. Deve-se suspeitar de pneumotórax hiper-tensivo em vítimas de trauma torácico ou em pacien-tes intubados que deterioram subitamente durante aventilação com pressão positiva (bolsa-valva-másca-ra ou ventilação mecânica). Os sinais clínicos são hi-perressonância à percussão com diminuição do mur-múrio vesicular no lado afetado, distensão das veiasdo pescoço, desvio da traqueia para o lado contralate-ral, deterioração rápida da perfusão e taquicardia, com

evolução rápida para bradicardia e parada cardíaca(atividade elétrica sem pulso).1,2

A embolia pulmonar é relativamente rara emcrianças, sendo mais frequentemente observada emadolescentes e adultos. Resulta em desequilíbrio ven-tilação-perfusão, hipóxia e aumento da resistênciavascular pulmonar que leva à insuficiência cardíacadireita e diminuição do débito cardíaco.1

Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS),sepse e choque séptico

A SRIS caracteriza a resposta inflamatória in-dependente da causa. É definida pela presença de duasou mais das seguintes condições, uma das quais deveser alteração da temperatura ou da contagem de leu-cócitos:• Febre ou hipotermia• Taquicardia• Taquipneia• Hemograma com leucocitose, leucopenia ou desvio

à esquerda.Sepse é a SRIS na presença de infecção (sus-

peita ou confirmada). Choque séptico é definido pelasepse associada a alterações da perfusão sistêmica:Alteração do nível de consciência (irritabilidade, so-nolência), oligúria (diurese < 1mL/kg/h ou < 12 mL/m2/h) e acidose láctica. O choque séptico pode serhipodinâmico ou frio (com baixo débito cardíaco), ca-racterizado por extremidades frias, tempo de enchi-mento capilar > 2 segundos e diminuição da pressãode pulso, ou hiperdinâmico ou quente (com alto débitocardíaco e baixa resistência vascular sistêmica), ca-racterizado por extremidades quentes, avermelhadase alargamento da pressão de pulso. A hipotensão nãoé necessária para o diagnóstico clínico de choque sép-tico em crianças; entretanto, em crianças com suspei-ta clínica de infecção sua presença é confirmatória(choque séptico descompensado).1-4,6

O choque séptico pode ser considerado umacombinação de vários tipos de choque, incluindo o hi-povolêmico, o cardiogênico e o distributivo. A hipovo-lemia é resultante de lesão endotelial e do aumento dapermeabilidade capilar causados pela resposta infla-matória sistêmica. Além disso, muitas crianças comchoque séptico têm história de diminuição da ingestãoe aumento das perdas (p.ex., diarreia, vômitos), e po-dem também apresentar hipovolemia relativa causa-da por vasodilatação. A disfunção miocárdica é co-mum em crianças com choque séptico, em decorrên-cia da lesão inflamatória ou tóxica causada por me-

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diadores inflamatórios, como o fator de necrosetumoral-alfa (TNF-α) a presença de fatores depres-sores do miocárdio circulantes (TNF-α, óxido nítricoe interleucina-1) e down-regulação dos receptores β-adrenérgicos. A alteração do tônus vascular causadapelos mediadores inflamatórios envolve dilatação econstrição da microvasculatura, que resultam emdesrregulação do fluxo sanguíneo vascular, hipóxia efalência orgânica.1-4,6 Ao contrário do que ocorre namaioria dos adultos, que apresenta choque hiperdinâ-mico (com alto débito cardíaco e baixa resistênciavascular sistêmica), aproximadamente 80% das crian-ças com choque séptico têm baixo débito cardíaco.7

Tratamento do choque

O reconhecimento precoce e o tratamentoagressivo dos vários tipos de choque podem melhoraro desfecho. Portanto, a velocidade da intervenção écrucial. Faz toda a diferença ter o conhecimento e ashabilidades necessárias para atender a criança grave-mente doente no início do quadro, pois quanto maior ointervalo de tempo entre o evento precipitante e o iní-cio da ressuscitação, pior o desfecho.1

O objetivo do tratamento do choque é o resta-belecimento eficaz da perfusão e da oxigenação teci-dual, evidenciado por:• Tempo de enchimento capilar menor ou igual a 2

segundos• Pulsos normais• Extremidades aquecidas• Diurese > 1 mL/kg/h ou > 12 mL/m2/h• Nível de consciência normal• Pressão arterial normal para a idade• Saturação venosa central de oxigênio maior ou igual

a 70%

O manejo inicial do choque consiste nos princí-pios básicos de ressuscitação: manutenção das viasaéreas, ventilação e oxigenação. Após o posiciona-mento adequado da cabeça e a aspiração das viasaéreas, deve-se administrar oxigênio por meio de dis-positivos de alto fluxo (máscara não-reinalante) a to-das as crianças com choque. A intubação traqueal deveser precoce, com o objetivo de diminuir o consumo deoxigênio pelos músculos respiratórios, sendo indicadanas seguintes situações: aumento do trabalho respira-tório, hipoventilação, diminuição do nível de consciên-cia e instabilidade hemodinâmica grave.1-4,6

O acesso vascular deve ser estabelecido rapi-damente. A primeira escolha é a punção de veia peri-

férica - de preferência, duas veias calibrosas, utilizan-do cateteres curtos e grossos (tipo cateter sobre agu-lha). Caso o acesso venoso periférico não seja obtidoprontamente em poucos minutos, a via intraóssea deveser estabelecida, lembrando que ela pode ser obtidarapidamente em pacientes de todas as idades (inclusi-ve em adultos).1,2

Imediatamente após a obtenção do acesso vas-cular, inicia-se a ressuscitação hídrica, cujo objetivo éadequar a volemia e restaurar a perfusão tecidual. Empacientes com choque hipovolêmico, distributivo ouséptico, deve-se, inicialmente, administrar bolus decristaloide (soro fisiológico a 0,9%), 20 mL/kg em 5 a20 minutos. Durante a ressuscitação hídrica, a crian-ça deve ser reavaliada continuamente, observando-sea frequência cardíaca, a pressão arterial, os pulsos, otempo de enchimento capilar, o estado mental, o débi-to urinário e a presença de sinais de sobrecarga devolume (estertores à ausculta pulmonar, ritmo de ga-lope e hepatomegalia). Enquanto se procede à res-suscitação hídrica, deve-se puncionar um acesso ve-noso central, para monitorização da pressão venosacentral e posterior infusão de drogas vasoativas, senecessário. Na ausência de sinais de sobrecarga hí-drica, deve-se prosseguir com expansões de volume,até a adequação da volemia (pressão venosa centralmaior ou igual a 8 a 12 mm Hg).6,8

As crianças com choque séptico usualmentenecessitam de 40 a 60 mL/kg de ressuscitação hídricana primeira hora.9 Em pacientes com cetoacidose di-abética que se apresentam com choque hipovolêmico,a ressuscitação hídrica deve ser realizada mais lenta-mente (10 a 20 mL/kg de soro fisiológico a 0,9% em 1hora), pelo risco de edema cerebral associado à admi-nistração rápida de fluido. Em pacientes com choquecardiogênico, deve-se realizar a ressuscitação hídricacuidadosamente, com soro fisiológico a 0,9% 5 a 10mL/kg em 15 a 20 minutos, com o objetivo de melho-rar o débito cardíaco pela otimização da pré-carga.1,2,3

Com relação ao tipo de fluido a ser administra-do durante a ressuscitação hídrica, se cristaloide oucoloide, algumas considerações devem ser feitas. Asvantagens das soluções cristaloides são o baixo custo,a ausência de exposição a produtos do sangue e aampla disponibilidade; entretanto, como apenas 25%do volume administrado permanecem no intravascu-lar, podem ser necessários grandes volumes pararessuscitação, o que aumenta o risco de edema. Poroutro lado, as soluções coloides permitem melhor ex-pansão com menores volumes, pois suas moléculas

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são relativamente impermeáveis à membrana capilar,e, consequentemente, há menor extravasamento. En-tretanto, em situações com lesão endotelial, como nasepse, pode haver extravasamento de 15% a 20% dovolume administrado, resultando em aumento da pres-são oncótica no espaço intersticial e piora do edematissular. Além disso, as soluções coloides são de altocusto.1,2,3 Uma meta-análise recente concluiu que,atualmente, não há evidências de que a ressuscitaçãohídrica com coloides reduza o risco de morte quandocomparados com cristaloides.10 Na prática, no Hospi-tal das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribei-rão Preto da Universidade de São Paulo, utiliza-sesolução de albumina 5% 10 a 20 mL/kg, caso a crian-ça persista com sinais de choque após ter recebido 60mL/kg de cristaloide e ainda necessite de fluido adici-onal para a adequação da volemia.8

Recomenda-se transfusão de concentrado dehemácias (10-15 mL/kg) para pacientes pediátricosvítimas de trauma com choque hemorrágico, quandohouver persistência dos sinais de choque ou instabili-dade hemodinâmica após a administração de 40 a 60mL/kg de cristaloide. Além disso, com o objetivo deotimizar o transporte de oxigênio, deve-se administrarconcentrado de hemácias se a concentração de he-moglobina estiver abaixo de 10 g/dL em crianças comqualquer tipo de choque.1,2

O tratamento com drogas vasoativas deve seriniciado se o paciente ainda tiver sinais de choque,mesmo após a adequação da volemia, (Tabela 4).1,8

Em crianças com choque séptico, a droga deescolha é a dopamina. Se não houver melhora comdopamina, deve-se iniciar epinefrina em crianças comchoque frio ou norepinefrina em crianças com choquequente.6,8 Ressalta-se a importância da antibioticote-

rapia específica, que deve ser iniciada na primeira horade tratamento,11 além da correção dos distúrbios me-tabólicos, especialmente a acidose, a hipoglicemia e ahipocalcemia, que contribuem para a disfunção mio-cárdica.6 A administração de corticosteroides está in-dicada em crianças com risco de insuficiência adrenal(púrpura fulminante, uso crônico de corticosteroides,doença do sistema nervoso central) com choque re-fratário às catecolaminas.6,8 Utiliza-se a hidrocortisonaem dose de estresse (ataque 50 mg em lactentes, 100a 150 mg em crianças maiores e adolescentes; manu-tenção 100 mg/m2/dia, 6/6 horas).8

Em crianças com choque cardiogênico, o trata-mento farmacológico consiste no uso de inotrópicos evasodilatadores. A milrinona ou a dobutamina são asdrogas de escolha, pois ambas têm propriedades ino-trópicas e vasodilatadoras. O uso de diurético (furo-semida) está indicado em pacientes com edema pul-monar ou congestão venosa sistêmica; porém, o diuré-tico deve ser administrado apenas após a restauraçãoda perfusão sistêmica e a normalização da pressãoarterial. No manejo do choque cardiogênico, as medi-das que visam minimizar as demandas de oxigênio sãofundamentais, incluindo o suporte ventilatório preco-ce, o uso de sedativos e analgésicos e a manutençãoda temperatura corpórea normal. Salienta-se tambéma importância de manter a homeostase metabólica (pH,glicose, cálcio e magnésio), corrigir a anemia e trataras arritmias.1-4

O suporte farmacológico do choque anafiláticoinclui o uso de epinefrina, anti-histamínicos (bloqueadorH1 e H2) e corticosteroides. O tratamento do choqueobstrutivo consiste no manejo da causa específica(p.ex., drenagem pericárdica em crianças com tam-ponamento cardíaco, descompressão do pneumotórax

Tabela 4Drogas vasoativas

Droga Dose Efeitos

Dopamina 5-15 µg/kg/min Inotrópico (5-10 µg/kg/min)Vasoconstrictor (> 10 µg/kg/min)

Epinefrina 0,01-1 µg/kg/min Inotrópico (0,01-0,3 µg/kg/min)Vasoconstritor (> 0,3 µg/kg/min)

Norepinefrina 0,01-1 µg/kg/min Inotrópico (0,01-0,2 µg/kg/min)Vasoconstrictor (> 0,2 µg/kg/min)

Dobutamina 5-20 µg/kg/min Inotrópico e vasodilatador sistêmico e pulmonar

Milrinona 0,2-1 µg/kg/min Inotrópico e vasodilatador sistêmico e pulmonar

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com agulha seguida de colocação de dreno pleural empacientes com pneumotórax hipertensivo e uso detrombolíticos em crianças com embolia pulmonar ma-ciça).1,2

Casos clínicosCasos clínicosCasos clínicosCasos clínicosCasos clínicos

Caso 1

Pré-escolar de 2 anos, 12 kg, tem história defebre alta (40º C) há 12 horas e apatia; há 2 horas, acriança ficou mais sonolenta e a mãe notou surgimen-to de manchas avermelhadas pelo corpo. Ao examefísico, a criança encontra-se em mau estado geral,agitada e confusa. Pele com sufusões hemorrágicasem tronco e membros. Frequência respiratória 42 ipm,frequência cardíaca 150 bpm, pressão arterial 60/ 30mm Hg, pulsos centrais e periféricos finos, extremi-dades frias, tempo de enchimento capilar 4 segundos.

Pergunta-se:

1. Quais são os diagnósticos?

Resposta: Choque séptico frio descompensado emeningococcemia.

Comentário: A criança apresenta sepse (síndro-me da resposta inflamatória sistêmica caracteriza-da por febre, taquicardia e taquipneia, e suspeita deinfecção pela presença de febre com deterioraçãorápida e aparecimento de sufusões hemorrágicaspelo corpo, sugestivos de meningococcemia). Hásinais de comprometimento da perfusão sistêmica:alteração do nível de consciência (agitada, confu-sa), pulsos finos, extremidades frias, tempo de en-chimento capilar maior que 2 segundos. Portanto, oquadro é compatível com choque séptico hipodinâ-mico ou frio. A pressão arterial sistólica mínima paraa idade é de 70 + (2 x idade em anos) = 74 mm Hg;desta forma, como a criança encontra-se hipotensa,o choque séptico é classificado como descompen-sado.

2. Qual é o tratamento inicial?

Resposta: Abertura das vias aéreas, oxigênio pormáscara não-reinalante, acesso vascular periféricoou intraósseo, expansão com soro fisiológico 0,9%240 mL (20 mL/kg) em 5-20 minutos.

3. Após ter realizado 3 expansões com soro fisiológi-co 0,9%, total 720 mL (60 mL/kg) em 1 hora, a

criança persiste com sinais de choque. Foi puncio-nada veia central e a pressão venosa central é de12 mm Hg. O que deve ser feito agora?

Resposta: Iniciar dopamina 5 microgramas/kg/min.

Caso 2

Lactente de 1 ano, 10 kg, tem história de febrealta (39º C) há 3 dias e desconforto respiratório, compiora progressiva. Mãe relata diminuição da diuresehá 1 dia e dificuldade de alimentação, com piora dadispneia às mamadas e vômitos ocasionais. Negadiarreia. Ao exame físico, a criança encontra-se emmau estado geral, pálida, sonolenta, com saliva escas-sa. Frequência respiratória 80 ipm. Saturação de O289% em ar ambiente. Murmúrio vesicular diminuídoglobalmente, com sibilos expiratórios disseminados eestertores bolhosos ocasionais, bilateralmente. Tira-gem intercostal e subcostal. Batimento de asas do nariz.Respira com a boca aberta. Ritmo cardíaco regularem 2 tempos, bulhas hipofonéticas, sem sopros. Fre-quência cardíaca 180 bpm. Pressão arterial 80/ 50 mmHg. Pulsos centrais e periféricos finos. Pele fria erendilhada. Tempo de enchimento capilar 5 segundos.Abdome: Fígado a 5 cm do RCD, endurecido. A radi-ografia simples de tórax evidencia aumento da áreacardíaca e velamento pulmonar difuso. A concentra-ção plasmática da fração amino terminal do peptídeonatriurético do tipo B (NT-pró-BNP) é de 5000 pg/mL (normal até 125 pg/mL).

Pergunta-se:

1. Quais são os diagnósticos?

Resposta: Choque cardiogênico compensado se-cundário à provável miocardite viral.Comentário: A história de desconforto respirató-rio, dificuldade de alimentação e piora da dispneiaàs mamadas e o exame físico que mostra sinais decongestão venosa pulmonar (taquipneia, sibilos eestertores) e sistêmica (hepatomegalia), associadosaos sinais de má perfusão tecidual (sonolência, di-minuição da diurese, pulsos finos, tempo de enchi-mento capilar > 2 segundos) são compatíveis com odiagnóstico de choque cardiogênico. Como a pres-são arterial está normal, o choque é compensado.O aumento da área cardíaca, os sinais de edemapulmonar na radiografia de tórax e a concentraçãoplasmática aumentada do NT-pró-BNP confirmama suspeita clínica. O diagnóstico etiológico deve ser

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confirmado pelo eletrocardiograma e pela ecocar-diografia.

2. Qual é o tratamento inicial?

Resposta: Abertura das vias aéreas, oxigênio pormáscara não-reinalante, acesso vascular periféricoou intraósseo, expansão com soro fisiológico 0,9%50 mL (5 mL/kg) em 15-20 minutos.

3. Após a expansão, a criança persiste com sinais dechoque e há piora do desconforto respiratório, comsibilos e estertoração pulmonar difusa e aumentodo fígado (palpável a 7 cm do RCD). O que deveser feito agora?

Resposta: Iniciar dobutamina 5 microgramas/kg/minou milrinona 0,375 microgramas/kg/min e, após anormalização da perfusão tecidual (pulsos centraise periféricos amplos, tempo de enchimento capilarmenor ou igual a 2 segundos, extremidades aqueci-das), administrar diurético (furosemida 1 mg/kg).

Caso 3

Pré-escolar de 3 anos, 14 kg, vítima de atrope-lamento por automóvel há 1 hora, chegou à unidadebásica de saúde 15 minutos após o acidente, consci-ente (Escala de Coma de Glasgow 15), com ferimentoextenso em couro cabeludo e exposição da calota cra-niana. Realizado curativo compressivo e a criança foiencaminhada à sala de trauma de hospital de referên-cia após 30 minutos. Ao exame físico de entrada nasala de trauma, a criança encontra-se em mau estadogeral, descorada ++/4+, com frequência respiratóriade 60 ipm, frequência cardíaca 180 bpm, pressão ar-terial 60/ 30 mm Hg, Escala de Coma de Glasgow 10.Pulsos centrais e periféricos finos, tempo de enchi-mento capilar 6 segundos. O abdome apresenta ten-são aumentada, é doloroso à palpação, e os ruídos

hidroaéreos estão diminuídos. O curativo no segmen-to cefálico está bastante molhado com sangue.

Pergunta-se:

1. Quais são os diagnósticos?

Resposta: Choque hipovolêmico (hemorrágico)descompensado secundário a lesão do couro cabe-ludo e trauma abdominal fechado.Comentário: A criança politraumatizada apresen-ta-se descorada, com hemorragia visível (ferimentoem couro cabeludo) e há sinais de má perfusão teci-dual (pulsos finos, tempo de enchimento capilar > 2segundos, diminuição do nível de consciência - Es-cala de Coma de Glasgow 10); portanto, o quadro écompatível com choque hipovolêmico (hemorrágico).A pressão sistólica mínima para a idade é de 70 +(2 x idade em anos) = 76 mm Hg; deste modo, ochoque é classificado como descompensado. Além dahemorragia em couro cabeludo, há provável sangra-mento intra-abdominal, pois o abdome está tenso,doloroso e os ruídos hidroaéreos estão diminuídos.

2. Qual é o tratamento inicial?

Resposta: Abertura das vias aéreas, oxigênio pormáscara não-reinalante, acesso vascular periféricoou intraósseo, expansão com soro fisiológico 0,9%280 mL (20 mL/kg) em 5-10 minutos.

3. Após duas expansões (total 560 mL de soro fisioló-gico 0,9% (40 mL/kg) em 20 minutos), a criançapersiste com sinais de choque. O que deve ser fei-to agora?

Resposta: Transfusão de concentrado de hemá-cias 10-15 mL/kg e controle do sangramento (sutu-ra do ferimento em couro cabeludo e laparotomiaexploradora).

ABSTRACT

This paper presents a review of the definition, classification, pathophysiology and initial management ofthe different types of shock in children. Early recognition and aggressive treatment of shock in a timelymanner are essential to the prevention of cardiopulmonary arrest and outcome improvement.

Keywords: Shock. Child. Diagnosis. Fluid Resuscitation. Hemodynamic Support.

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