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    EXCELENTSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR GILMAR MENDES, DO

    SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    RECURSO EXTRAORDINRIO N 635659

    A instituio VIVA RIO, j devidamente qualificada nos

    autos do processo em epgrafe, tendo sido admitida na qualidade de amicus curiae, vem,

    respeitosamente, presena de Vossa Excelncia, apresentar suas contribuies com asseguintes informaes relevantes apreciao do feito.

    inado por ANA FERNANDA AYRES DELLOSSO:34757471890 em 19/02/2013 14:19:20.945 -0300

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    1.DO OBJETO DAS PRESENTES INFORMAES

    A questo jurdica para a qual a VIVA RIO traz sua

    contribuio diz respeito constitucionalidade do art.28 da Lei 11.323, de

    23 de agosto de 2006, sob a tica dos princpios da dignidade humana(CF,

    art.1, III) do pluralismo (CF, art.1, V), da intimidade (CF, art.5, X) e da

    isonomia(CF, art.5, caput), levantada incidentalmente nos autos do Recurso

    Extraordinrio 635659, apresentado pela Defensoria Pblica Geral do

    Estado de So Paulo, na defesa de Francisco Benedito de Souza.

    As bem lanadas argumentaes trazidas aos autos pela

    Comisso Brasileira Sobre Drogas e Democracia CBDD (fl. 179), a

    Associao Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos ABESUP

    (fl. 224), o Instituto Brasileiro de Cincias Criminais IBCCRIM (fl. 245);

    o Instituto de Defesa do Direito de Defesa IDDD (fl. 281); e a Conectas

    Direitos Humanos, juntamente com o Instituto Sou da Paz, Instituto Terra

    Trabalho e Cidadania - ITTC e Pastoral Carcerria (fls. 558 e 559) deixampouco espao para novas ilaes sobre a inconstitucionalidade do dispositivo

    mencionado, mas algumas ponderaes merecem ser destacadas, seja com

    inteno de realce, seja para acrescentar argumentos tese j exposta.

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    2.DO DISPOSITIVO LEGAL QUESTIONADO (ART.28DALEI 11.343/06)

    A Lei 11.343/06 que institui o Sistema Nacional de

    Polticas Pblicas sobre Drogas alterou o tratamento penal para oporte de

    drogas para consumo pessoal, substituindo a priso de 6 meses a 2 anos (e o

    pagamento de 20 a 50 dias-multa) prevista no art.16 da revogada Lei

    6.368/76, pelas penas de advertncia, prestao de servios comunidadeou medida

    educativa obrigatria, dispostas no art.28 da Lei 11.343/06.

    Ainda que o novo tipo penal abrandeas consequncias

    penais para os usurios de drogas, afastando em definitivo a pena privativa de

    liberdade, mantm o desvalor penaldo comportamento, no retira sua natureza

    delitiva, nem o carter estigmatizanteda incidncia da norma penal1.

    Vale destacar que a Lei em comento prev, dentre as

    sanes para o usurio de drogas, a prestao de servios comunidade, pena

    restritiva de direitos destinada a crimes com pena privativa de liberdade

    superior a seis meses (CP, art.46)2, fato que distancia o comportamento

    mesmo na seara material - de uma mera infrao administrativa, no que

    concerne s consequncias jurdicas do ato.

    1. Nesse sentido, KARAM, Maria Lucia. A Lei 11.343/06 e os repetidos danos do proibicionismo. Boletim

    Ibccrim, So Paulo, v.14, n.167, p.6-7, 2006.2. Embora a lei estabelea o prazo mximo de 5 meses de pena para os rus primrios, a meno Parte Geralse faz apenas para estabelecer parmetros de gravidade dentro de uma suposta sistematicidade doordenamento jurdico.

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    A natureza penal do porte de drogas para consumo

    mantm a chamada junkyzaodo usurio, uma caracterizao pejorativaque,

    ampliada pelos meios de comunicao produz uma intensa reao social

    informal sobre os consumidores de entorpecentes3, dificultando sua

    recuperao e submetendo-o a tratamentos degradantes por parte de

    autoridades policiais e pela prpria Justia4.

    Pelo exposto, resta claro que o art.28 da Lei 11.343/06,

    apesar de abrandaro tratamento penal para o usurio de drogas, no retira o

    carter delitivo do comportamento, razo pela qual o dispositivo merece

    uma anlise de sua compatibilidade com os preceitos constitucionais que

    pautam o uso do direito penalpelo Estado.

    3.DA INCOMPATIBILIDADE DO ART.28 DA LEI11.323/06 COM OS ARTS.1,III EV,5,CAPUTE

    X, TODOS DACONSTITUIO FEDERAL

    Ao criminalizar o porte de droga para uso pessoal, o

    dispositivo em discusso afronta no apenas a norma constitucional que

    protege a intimidade e a vida privada(art.5, X) tida como paradigma para oreconhecimento da repercusso geral do Recurso em tela , mas

    3. CARVALHO, Salo de. A politica criminal de drogas no Brasil (do discurso oficial s razes dedescriminalizao). Rio de Janeiro: Lumen, 1997, p.200.4. A iniciativa da Comisso Brasileira de Drogas e Democracia e da Associao Nacional de DefensoresPblico de criar o Banco de Injustias, um cadastro de relatos sobre injustias praticadas na seara docombate s drogas, em especial em relao aos usurios, demonstra a realidade do tratamento policial aoconsumidor de drogas, mesmo na vigncia da nova lei. Disponivel emhttp://www.bancodeinjusticas.org.br/categoria/oscasos, acessado em 24.01.2013.

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    primordialmente aquela que prev as bases sobre as quais se sustenta todo

    o modelo poltico e jurdico nacional: a dignidade da pessoa humana e a

    pluralidade(CF, art.1, III e V).

    Dignidade humanapode ser definida como a capacidade de

    autodeterminao do ser humano para o desenvolvimento de um mundo de

    vida autnomo, onde seja possvel a reciprocidade5. E pluralidade significa a

    tolerncia no mesmo corpo social de diferentes mundos de vida, estilos,

    ideologias e preferncias morais, respeitadas as fronteiras do mundo de vida

    dos outros.

    Esta concepo liberal da Constituio no significa a

    aceitao de um Estado mnimo, pois a materializao da dignidade humana

    exige mais que a garantia da liberdade de cada indivduo. Exige odesenvolvimento de polticas sociais positivas de promoo de direitos e de

    cidadania. No por acaso, a Constituio indica diretrizes para a promoo

    de justia social (CF, art.193 e ss.), exigindo empenho do setor pblico (e

    privado) para assegurar desenvolvimento econmico e humano, sade, educao,

    cultura, previdnciae assistncia social, dentre outros direitos essenciais para a

    construo do espao de desenvolvimento de cada indivduo.

    No entanto, os princpios da dignidade e da pluralidade

    desenham limites ao uso do direito penal como instrumento de controle

    social ou de promoo de valores funcionais. Em sendo esta a faceta mais

    5. Nesse sentido, PAWLIK, Michael. La libertar institucionalizada. Estudios de filosofia jurdica y derechopenal. Madrid: marcial Pons, 2010 e GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexes apartir da deciso do Tribunal Constitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de possede droga com a finalidade de prprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez 2010.

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    grave e violentada manifestao estatal, sua incidncia se restringe punio

    de comportamentos que violem esta liberdade de autodeterminao do indivduo,

    que maculem este espao de criao do mundo de vida6.

    Nesse sentido, a definio do espao de legitimidade do

    direito penal exige do intrprete da Constituio o reconhecimento de que

    comportamentos praticados dentro do espao de autodeterminao do

    indivduo, sem repercusso para terceiros ou seja, que no afetem a

    dignidadede outros membros do corpo social no tm relevncia penal.

    Com base nessa assertiva, so estranhos ao direito

    penal comportamentos religiosos, sexuais, ideolgicos, nsitos liberdade

    individual, que possam ser praticados com reciprocidade, ou seja, cujo exerccio

    mtuo seja possvel por todos os demais membros da sociedade. Em suma,que no afetem a autodeterminao de outros componentes do corpo social.

    No por acaso, a criminalizao do homossexualismo, da opo religiosa, do

    incesto, so rechaadas pelo direito penal brasileiro, e duramente criticadas

    6. ROXIN, Claus. Derecho penal . Parte General. 2 ed., Thomson: Madrid, 2006, p. 51, SCHNEMANN,Bernd. O direito penal a ultima ratio de proteo de bens jurdicos! Sobre os limites inviolveis do direitopenal em um Estado de Direito liberal.Revista Brasileira de Cincias Criminais, So Paulo, ano 13, n. 53, p.18, mar-.abr. 2005. HASSEMER, Winfried. Histria das ideias penais na Alemanha do ps-gerra. RevistaBrasileira de Cincias Criminais, So Paulo, ano 2, n. 6, p. 52, abr.-jun. 1994 NESTLER, Cornelius. Elprincipio de proteccin de bienes juridicos y la punibilidade de la posesim de armas de fuego y desubstancias estupefacientes. In: ROMEO CASABONA, Carlos Maria. La insostenible situacin del derechopenal, Granada: Comares, 2000, p. 63, MIR PUIG, Santiago. La perspectiva ex ante em derecho penal,Anurio de Derecho Penal e Ciencias Penales, Madrid, vol. 36, fasc. 1, p. 9, jan.-abr. 1983 e Derecho penal.Parte General. 4 ed., Barcelona: Reppertor, 1996, p. 91, ZAFFARONI, Eugnio Ral; P IERANGELI, JosHenrique.Manual de direito penal brasileiro Parte geral, 3 ed., So Paulo: RT, 2001, p. 466, TOLEDO,Francisco de Assis. Princpios bsicos de direito penal, 5 ed., So Paulo: Saraiva, 1994, p. 14, SILVEIRA,Renato de Mello Jorge.Direito penal supra-individual: interesses difusos, So Paulo: RT, 2003, p. 35 e ss.

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    quando presentes nas legislaes estrangeiras7. Como ensina ROXIN, la

    proteccin de normas morales, religiosas o ideolgicas, cuya vulneracin no tenga

    repercusiones sociales, no pertenece em absoluto a los cometidos del Estado democrtico de

    Derecho, que por el contrario tambin debe proteger las concepciones discrepantes de las

    minorias y su puesta em prctica8.

    No foi outro o entendimento da Corte Interamericana

    de Direitos Humanos, ao julgar o conhecido caso Ximenes Lopes x Brasil -

    primeira condenao do pas na Corte:

    10. Desde luego, el

    desenvolvimiento del ser humano no queda sujeto a las iniciativas

    y cuidados del poder pblico. Bajo una perspectiva general, aqul

    posee, retiene y desarrolla, en trminos ms o menos amplios, lacapacidad de conducir su vida, resolver sobre la mejor forma de

    hacerlo, valerse de medios e instrumentos para este fin,

    seleccionados y utilizados con autonoma --que es prenda de

    madurez y condicin de libertad-- e incluso resistir o rechazar en

    forma legtima la injerencia indebida y las agresiones que se le

    dirigen. Esto exalta la idea de autonoma y desecha tentaciones

    opresoras, que pudieran ocultarse bajo un supuesto afn de

    beneficiar al sujeto, establecer su conveniencia y anticipar o

    7. Vide o intense debate sobre a constitucionalidade do crime de incesto na Alemanha, em GRECO, Luis.Tem futuro a teoria do bem jurdico? Reflexes a partir da deciso do Tribunal Constitucional Alemo arespeito do crime de incesto, RBCCrim 82, pp. 165-182.8. ROXIN, Claus.Derecho penal. Parte General. 2 ed., Thomson: Madrid, 2006, p.63.

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    iluminar sus decisiones.9

    Vlida aqui a lio de PAWLIK, professor da

    Universidade de Regensburg (Alemanha), para quem a funo do direito

    penal respetar y garantizar el deseo de que cada uno pueda conducir su vida de

    acuerdo con su prprio entendimento, sempre observando evidentemente uma

    condio de reciprocidadedos espaos de autodeterminao entre os membros da

    sociedade, em condies de igualdade10.

    To abrangente a liberdade de autodeterminao na

    construo da dogmtica brasileira que se admite, sem reservas, o

    consentimento como causa de excluso de antijuridicidade do comportamento

    tpico violador de bens disponveis11, defendendo alguns inclusive o carter

    atpico do ataque a estes bens praticados com a concordncia livre e conscientedeseu titular12. Nessa linha, as leses corporais (dentro de certos limites

    disponveis), a subtrao de patrimnio, a violao da honra, dentre outros

    atos, so atpicosou no antijurdicos quando acompanhados do consentimento

    da vtima.

    Tal percepo no afasta a discusso sobre a

    necessidade de tutela penal em casos extremos de leso irreversvelde bens

    9. Sentencia de 4.06.06, disponvel em http://www.justica.sp.gov.br/novo_site/paginas/tabela_corte.htm10. PAWLIK, Michael.La libertar institucionalizada. Estudios de filosofia jurdica y derecho penal. Madrid:marcial Pons, 2010.11. FRAGOSO, Heleno Cludio. Lies de direito penal, 7 edio, Rio de Janeiro, Forense, 1985, p.194;NORONHA, Magalhes E. , Direito Penal, volume 1, 19 edio, So Paulo, Saraiva, 1981, p.213;MIRABETE, Jlio Fabbrini. Cdigo Penal Interpretado, 7 edio, So Paulo, Atlas, 2011, p.115; NUCCI,Guilherme de Souza, Cdigo Penal Comentado, 10 edio, So Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p.243.12. Mesmo nos casos em que o dissenso no seja elemento expresso no tipo penal ROXIN, Claus. Derechopenal. Parte General. 2 ed., Thomson: Madrid, 2006, p.517

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    jurdicos indisponveis, mesmo com consentimento de seu titular, como no caso

    da vidaou da integridade fsica(em casos graves). No entanto, mesmo nessas

    hipteses, o uso do direito penal no se afasta do preceito constitucional da

    dignidade. Ao contrrio, a represso usada para proteger a autodeterminao,

    impedindo a violao do substrato que permite seu exerccio.

    No entanto - e isso fundamental para a discusso em

    tela mesmo nesses extremos casos de afetao da vidaou da integridade

    fsicaem graus exagerados, a norma penal no incide sobre os titulares do bem

    jurdico, mas sobre terceiros que pratiquem ou colaborem com a leso.

    Ainda que se tutele a vida com a determinao da irrelevncia do consentimento

    nos casos de sua leso, o ato criminoso ser sempre o do terceiro causador da

    morte ou da tentativa e no do titular do bem jurdico. Pune-se o

    induzimento, a instigao ou o auxlio ao suicdio, mas no a tentativa do suicdio emsi13.

    Como ensina ROXIN:

    Impedir que as pessoas se despojem da

    prpria dignidade no problema do direito penal. Mesmo que se

    quisesse, por ex. considerar o suicdio um desprezo prpria

    dignidade o que eu no julgo correto este argumento no

    poderia ser trazido para fundamentar a punibilidade do suicdio

    tentado14.

    13. Nesse sentido, nosso As drogas e o direito penal na sociedade de risco. In drogas: aspectos penais ecriminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.81.14. ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Traduo de Luis Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P.40

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    Diante do exposto, que pode ser sintetizado na

    assertiva de que a Constituio Federal ao consagrar a dignidade humanae a

    pluralidade como vrtices do sistema jurdico limita materialmente a

    produo da lei penal queles comportamentos que afetem ou tenham

    potencial de afetar bens jurdicos relevantes para a autodeterminao do

    indivduo, e rechaa a criminalizao da autoleso ou da autocolocao em perigo15,

    voltemos questo central: a inconstitucionalidadeda criminalizao doporte de

    entorpecentes para consumo prprio.

    O uso do direito penal para inibir o uso de drogas

    somente seria legtimo do ponto de vista do sistema constitucional ptrio

    se justificado pela necessidade de proteger algum bem jurdico

    imprescindvel garantia da dignidade humana.

    Nessa seara, a defesa da constitucionalidade da norma

    em discusso costuma buscar sua legitimidade em trs pilares: (i) a

    incriminao do consumidor visa proteger a sade do usurio;(ii) estratgica

    para a inibio do trfico de drogas, garantindo a sade pblica16e (iii) contribui

    para a segurana pblica, uma vez que o usurio contumaz propenso

    prtica de crimes patrimoniais (ou outros) para financiar o consumo dedrogas. Em suma, indica-se que a criminalizao do consumo de drogas

    protege a (i) sade individual, a (ii) sade publicae (iii) o patrimnio, integridade

    fsica e vidade terceiros.

    15. O que no quer dizer que autorize ou legitime tais comportamentos.16. MEDICI, Srgio de Oliveira. Incriminao do porte de substncia entorpecente para uso prprio. . Indrogas: aspectos penais e criminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.157

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    i) DAPROTEO DASADE INDIVIDUAL

    No que concerne sade individual, no h duvidas de

    que impedir o acesso do usurio droga relevante para a preservao de

    sua integridade fsica e psquica, ou seja, para a preservao de seu espao de

    dignidade.

    No entanto, como j exposto, a proteo de um bem

    jurdico no pode passar pela criminalizao de seu prprio titular. A

    incidncia da sano penal sobre algum retira uma parcela de sua

    autodeterminao, em operao apenas autorizada para assegurar um patamar

    de dignidade de terceiros, afetado pelo crime. No parece fazer qualquersentido a subtrao da liberdadede algum com o objetivo de proteger esta

    mesma liberdadesob outro prisma.

    Por isso, o uso do direito penal contra o usurio de drogas

    com a justificativa de proteg-lo carece de legitimidade. No outro o

    entendimento de inmeros juristas que se dedicaram ao estudo do tema,

    como HASSEMER17, RIPOLLES18, REALE JR.19, NILO BATISTA20,

    17. HASSEMER, Winfried.Descriminalizao dos crimes de droga in Direito Penal.Fundamentos, estrutura,poltica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p.321.18. DIEZ RIPOLLES, Jose Luis. Alternativas a la actual legislacion sobre drogas. Cuadernos de PoliticaCriminal. Madrid. N.46, p.73-115, 1992.19. REALE JR. Miguel. Caminhos do direito penal brasileiro. Rbccrim 85, 2010, p.67.20. BATISTA, Nilo.Introduo crtica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990, p.91

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    LUIS GRECO21, SALO DE CARVALHO22, ABRAMOVAY23,

    SILVEIRA24, BOITEUX25, KARAM26, TORON27, CAVALIERE28,

    dentre muitos outros. No mesmo sentido, decises judiciais ptrias29 e de

    outros pases30 apontam a incompatibilidade entre o tipo penal em

    discusso e a dignidade humana.

    Vale destacar, dentre os ltimos, a Colmbia, onde a

    Corte Constitucional afastou a constitucionalidade da criminalizao do uso

    de drogas, com o seguinte fundamento:

    Si a la persona se le reconece esa

    autonomia (esfera de liberdade individual) no puede

    limitrse sino en la medida en que entra en conflito com la

    autonomia ajena. El considerar a la persona como autnomatiene sus consecuencias inevitables e inexorables, y la primera y

    21. GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexes a partir da deciso do TribunalConstitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com a finalidade deprprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez 2010.22. A politica criminal de drogas no Brasil (do discurso oficial s razes de descriminalizao). Rio deJaneiro: Lumen, 1997.23. ABRAMOVAY, Pedro, A poltica de drogas e a marcha da insensatez, diponivel emhttp://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo16.php?artigo=16,artigo_09.htm, acessado em 22.01.2013.24. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge, Drogas e politica criminal: entre o direito penal do inimigo e odireito penal racional. In drogas: aspectos penais e criminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro:Forense, 2005, p.41.25. BOITEUX, Luciana.Breves consideraes sobre a politica de drogas brasileira atual e as possibilidadesde descriminalizao. Boletim Ibccrim, So Paulo, v.18, n.217, dez, 2010.26. KARAM, Maria Lucia. A Lei 11.343/06 e os repetidos danos do proibicionismo. Boletim Ibccrim, SoPaulo, v.14, n.167, p.6-7, 2006.27. TORON, Alberto Zacarias. A proteo constitucional da intimidade e o artigo 16 da Lei de Txicos.Fascculos de Cincias Penais. Porto Alegre, v.4, n.3,passim,jul/set 1991.28. Antonio. Il controlo del traffico di droghe tra politica criminale e dogmtica: lesperienza italiana.Rbccrim 99, nov.dez. 2012, 155-169.29. 6 Cmara Criminal do TJ-SP Apelao 01113563.3/0-000-00, Relator Jos Henrique Rodrigues Torres, j.03/08/2010.30. Item 06 infra.

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    ms importante de todas consiste em que los assuntos que slo a

    la persona ataen, slo por ella deben ser decididos. Decidir por

    ella es arrebatarle brutalmente su condicin tica, reducirla a la

    condicin de objeto, cosificarla, convertirla em mdio para los fines

    que por fuera de ella se eligen. Cuando el Estado resuelve

    reconocer la autonoma de la persona, lo que ha decidido, no ms

    ni menos, es constatar el mbito que le corresponde como sujeto

    tico: dejarla que decida sobre lo ms radicalmente humano, sobre

    lo bueno y lo malo, sobre el sentido de su existencia 31.

    Opaternalismo penal, caracterizado pela criminalizao de

    comportamentos inerentes ao espao de autonomiado indivduo32 incompatvel

    com um sistema pautado pela dignidade humana, elemento que como dito

    norteia a aplicao do direito penal e fundamenta os princpios da intervenomnima, da subsidiariedade e da fragmentariedade, que indicam seu uso apenas

    em situaes intolerveis de agresso a bens jurdicos que no possam ser

    inibidos por meios menos gravosos33.

    A supracitada Corte Constitucional colombiana, em

    interessante passagem, aproxima o Estado paternalistado Estado totalitrio,

    apontando que o primeiro, ao tentarproteger o cidado de si mesmo pela via dodireito penal, chega ao mesmo resultado do segundo, qual seja: la negacin

    31. Sentena C-221/94 da Corte Constitucional Colombiana, de 05 de maio de 1994.32. FEINBERG, Harm to self, Nova Iorque/Oxford, 1986, p.09, apud, GRECO, Luis. Posse de droga,privacidade, autonomia: reflexes a partir da deciso do Tribunal Constitucional argentino sobre ainconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com a finalidade de prprio consumo. Rbccrim, SoPaulo, v.18, n.87, nov/dez 2010, p.9433. FRANCO, Alberto Silva. Cdigo Penal e sua interpretao doutrina e jurisprudncia, 8 ed., 2007, SoPaulo: RT,p.48, REALE JR., Miguel.Instituies de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2005, P.25

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    de la liberdad individual, en aquel mbito que no interfiera con esfera de la liberdad

    ajena34.

    Mas no s.

    A proteo dignidade humanae ao pluralismo irradia-se

    pela Constituio e se manifesta em outros preceitos, como no art.5, X,

    que protege a intimidadee a vida privadado indivduo, tambm afetado pelo

    dispositivo legal em discusso.

    TRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. diferencia intimidade

    da vida privada, indicando o primeiro como o mbito do exclusivo que algum

    reserva para si, sem nenhuma repercusso social e o segundo como formas

    exclusivas de convivncia (...) em que a comunicao inevitvel35. Parece-nos que oconsumo de drogas, enquanto comportamento exclusivo do indivduo, sem

    afetao de terceiros, encontra-se no campo da intimidade, daquilo que

    exclusivo, que passa pelas opes pessoais, afetadas pela subjetividade do indivduo e

    que no guiada nem por normas nem por padres objetivos. Por isso, esse espao

    indevassvel. Assegurar esse campo de intimidade , nas palavras de

    HANNAH ARENDT, garantir ao indivduo a sua identidade diante dos riscos

    proporcionados pela niveladora presso social e pela incontrastvel impositividade do

    34. Corte Constitucional da Colombia, Sala Plena, sentena C-221/94, Bogot, 05 de maio de 1994, PonenteCarlos Gaviria Diaz, p.14.35. FERRAZ JR. Trcio Sampaio Ferraz. Sigilo de dados: o direito privacidade e os limites funofiscalizadora do estado. Cadernos de Direito Tributrio e Finanas Pblicas, n 1, So Paulo: RT, 1992, pp.141-154.

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    O consumo de drogas encontra-se nesse crculo ntimo do

    indivduo, protegido contra a ingerncia do Estado, ao menos no que se

    refere represso criminal.

    H quem diga que a intimidade no absoluta40. A

    necessidade de resguardar terceiros de riscos ou leses decorrentes de

    crimes permite em casos previstos expressamente na Constituio o

    afastamento temporrio e limitado do direito. Trata-se de um conflito de

    princpiosque admite a limitao recprocae aponderao 41.

    bem verdade que em situaes limite possvel

    relativizar uma parcela do espao privado do indivduo. Mas no esse o

    caso do consumo de drogas, porque o ato se limita esfera individual, ao j

    indicado mbito de autonomiado usurio. Pode-se considerar a intimidadepeloaspecto positivo, como um comportamento cuja prtica no excluique outros

    indivduos tambm o pratiquem42 ou pelo aspecto negativo, como ato de

    exerccio de liberdade individual incapaz de afetar bens jurdicos alheios43.

    Use-se a primeira ou a segunda definio e o resultado, para os fins

    almejados na presente discusso, ser o mesmo: o consumo individual de

    drogas integra-se no crculo de privacidade do indivduo, intangvel pelo ius

    puniendi a no ser que se entenda que o comportamento incentiva o trfico

    ou outros crimes, argumento enfrentado a seguir.

    40. Embora outros atestem que a relatividade diz respeito apenas vida privada, preservando a intimidade dequalquer interveno.41. Sobre o tema, BARROSO, Lus Roberto. Curso de Direito constitucional,So Paulo: Saraiva, 2009, p.33542. GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexes a partir da deciso do TribunalConstitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com a finalidade deprprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez 2010, p.9143. Corte Suprema de Justicia de la Nacin. Recurso de Hecho A. 891. XLIV (25.08.09) (doc.1).

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    Merece transcrio trecho do voto do e. Ministro

    ENRIQUE SANTIAGO PETRACCHI, da Corte Constitucional

    argentina, por ocasio da prolao da sentena no Recurso de Hecho A. 891.

    XLIV (25.08.09) (doc.1), que declarou inconstitucional a criminalizao do

    porte de drogas para consumo pessoalcom base dentre outros argumentos no

    princpio da intimidade(art.19 da Constituio argentina):

    En este cometido, corresponde reiterar

    que el artculo 19 de la Constitucin Nacional ha ordenado la

    convivencia humana sobre la base de atribuir al individuo una

    esfera de seoro sujeta a su voluntad y esta facultad de obrar

    vlidamente libre de impedimentos, conlleva la de reaccionar u

    oponerse a todo propsito de enervar los lmites de aquella. Eneste contexto vital, puede afirmarse que en una sociedad

    horizontal de hombres verticales, en la que la dignidad es un

    valor entendido para todo individuo por su sola condicin de tal,

    est vedada toda medida que menoscabe aquella prerrogativa

    (artculo 19 de la Constitucin Nacional)44. (doc.1).

    Pode-se atacar o raciocnio exposto apontando que legtimo ao Estado tambm afastar a intimidadequando o bem jurdico do

    prprio titular deste direito est exposto a risco de leso. Seria o caso da

    invaso de domiclio para salvar a vida de algum que tenta o suicdio,

    autorizado pelo art.5, XI, da Constituio Federal.

    44. Corte Suprema de Justicia de la Nacin. Recurso de Hecho A. 891. XLIV (25.08.09), p.284 (doc.1).

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    No entanto, retornamos ao raciocnio anterior. A

    violao da intimidade representa uma afetao da dignidade, possvel de ser

    usada diante de casos extremos de autoleses vidaou integridade fsicaem

    determinados nveis. Assim, possvel a interveno na intimidadediante do

    uso de drogas em situaes de risco de morte ou de leso corporal grave. E,

    evidentemente, que tal atuao do Estado pode se dar pela violao do

    domiclio (por ex. para salvar algum em overdose) ou por outras condutas

    similares, mas jamais atravs da imposio de sano criminal quele que se

    exps ao risco pelo uso da droga.

    Assim, fica afastada a legitimidade do uso do direito

    penalpara inibir o consumo de drogas, pela perspectiva da sade individual, pela

    violao ao art.1, III e V e do art.5, X. Isso no significa autorizar oentorpecente ou legalizarsua posse. funo do Poder Pblico desenvolver

    programas para proteger a sadedos cidados, alertando-os para o risco do

    uso de drogas, criminalizando do trfico de drogas (CF, art.5, XLIII),

    promovendo atividades pedaggicas, oferecendo estruturas de tratamento45

    e mesmo adotando medidas de proteo diante dos efeitos colaterais do

    consumo de entorpecentes para a sade, como a distribuio de seringas

    descartveis para usurios de drogas injetveis, com o escopo de reduzircontaminaes por HIV.

    45. Sobre a justia teraputica, ver SILVEIRA, Renato de Mello Jorge, Drogas e politica criminal: entre odireito penal do inimigo e o direito penal racional. In drogas: aspectos penais e criminolgicos. Corrd.Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.41.

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    Em suma, a descriminalizao do uso de drogas pode e

    deve ser substituda por uma poltica de reduo de danos, defendida por

    especialistas em sade pblica como mais eficaz e til na proteo da sade

    do usurio46.

    Assim, por mais clara que seja a afetao da sade

    produzida pelo consumo de drogas, e por mais legtima que seja a

    utilizao de politicas pblicas para reduzir sua difuso, inclusive por meio

    do direito penal, parece evidente que os princpios constitucionais

    apontados impedem a represso criminal do consumidor.

    ii)DAINIBIO AO TRFICO DE DROGAS

    O argumento de que a criminalizao do consumo protege a

    sade pblicaporque se trata de estratgia de inibio do trfico de drogaspeca

    pela ilegitimidadee pela indemonstrabilidade.

    No que concerne ilegitimidade, preciso notar que o

    pragmatismo da eficcia no pode levar restrio da liberdade do cidado

    para combater comportamentos de outros, sobre os quais ele no tem

    46. RIBEIRO, Maurides de Melo. A reduo de danos e a legislao penal. In NIEL, Marcelo; DASILVEIRA, Dartiu Xavier. Drogas e Reduo de Danos: uma cartilha para profissionais de sade. So Paulo,2008. Programa de Orientao e Atendimento a Dependentes (PROAD). Universidade Federal de So Paulo(UNIFESP). Ministrio da Sade, p.53-58. Vale anotar que a OMS e a UNAIDS recomendam o modelo dereduo de danos como politica mais adequada para a proteo da sade do usurio de drogas, emBOITEUX, Luciana; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; VARGAS, Beatriz; BATISTA, VanessaOliveira; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Trfico de Drogas e Constituio. Pensando o Direito.Ministrio da Justia. Brasilia, n.1, 2009, p.23.

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    domnio. Tratar-se-ia de uma afronta clara e evidente ao princpio da

    culpabilidade, pelo qual s punvel o comportamento controlvelpelo autor,

    e da admisso de uma espcie de responsabilidade objetiva na aplicao da

    norma penal47. Como ensina RUDOLPHI, a pena slo es apropiada para

    evitar o propiciar aquellas acciones corporales que le son posibles al autor individual,

    sobre la base de su capacidad de conducir su comportamiento externo48.

    Ora, o usurio de drogas no tem qualquer controle

    sobre o comportamento do traficante. E, ainda que se admita a

    possibilidade do usurio evitar o consumo de drogas o que no

    verdadeiro em inmeros casos impossvel atribuir a ele o controle ou a

    conduo do comportamento doloso do comerciante de drogas. A aplicao

    da pena com essa motivao seria punir algum pelo ato do outro. Uma

    punio fundada na incapacidade do Estado de controlar o verdadeirocomportamento danoso. Em suma, aplica-se a sano no usurio diante da

    dificuldade de encontrar, investigar e condenar o verdadeiro culpado no

    sentido dogmtico pela violao sade pblica: o comerciante de

    produtos ilcitos.

    A Constituio Federal, ao determinar ao legislador o

    combate ao trfico de drogas(CF, art.5, XLIII), no conferiu carta brancaparao uso de qualquer estratgia de poltica criminal, mas apenas aquelas que

    no conflitem com outros princpios do mesmo texto legal. A definio

    47. MARONNA, Cristiano vila.Drogas e consumo pessoal: a ilegitimidade da interveno penal. BoletimIbccrim, So Paulo, v.20, p.4-6. Out.2012.48. RUDOLPHI, Hans Joachin. El fin del derecho penal del Estado y las formas de imputacion juridico-penal. P.95. In SCHUNEMANN. Bernd (coord.). El sistema moderno del derecho penal. 2 ed. BuenosAires: IB de F, 2012.

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    dos instrumentos para inibio do trfico de drogas deve se pautar pelo

    respeito aos preceitos constitucionais, dentre os quais a j exposta dignidade

    humana, e a culpabilidade, que vedam a penalizao de algum pelo ato de

    outro, que no dominaou controla.

    Como ensina MARIA FERNANDA PALMA, Juza do

    Tribunal Constitucional e Professora da Faculdade de Direito de Lisboa, a

    justificao da punio em questo inaceitvel porque corresponderia a

    justificar o tratamento penal do consumidor como exclusivo meio de preveno geral,

    utilizando a punio do consumo como forma de atingir as consequncias potenciais e

    indirectas do mesmo. Tratar o consumidor como fonte de perigo e no como sujeito de

    decises lesivas de bens jurdicos inadmissvel em face do art.1 da Constituio

    portuguesa, que consagra o princpio da dignidade humana 49.

    Aqui cabe a crtica de KANT ao utilitarismo penal, para

    quem o indivduo no pode ser utilizado como meio para as intenes de outrem, nem

    misturado com os objetos do direito das coisas, contra o que o protege sua personalidade

    natural 50. Nesse sentido, completa ROXIN, mesmo quando seja eficaz a

    intimidao, difcil compreender que possa ser justo que se imponha um mal a algum

    para que outros omitam cometer um mal51.

    49. PALMA, Maria Fernanda. Consumo e trfico de estupefacientes e Constituio: absoro do DireitoPenal de Justiapelo direito penal secundrio? Revista do Ministrio Pblico de Lisboa. Lisboa, v.24, n.96,p.25, out/dez, 2003.50. KANT, Metaphysik der Sitten, 49, EI, Studienausgabe, p.453, apud, ROXIN, Claus. Problemasfundamentais de direito penal. 2 ed.Lisboa: Univ. Direito e cincia jurdica, 1993.p.24.51. ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 2 ed.Lisboa: Univ. Direito e cincia jurdica,1993.p.24.

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    Por outro lado, ainda que se afastasse a questo tica

    inerente argumentao exposta, permaneceria o problema da demonstrao

    da eficciada diretriz poltico criminal. No existem estudos suficientes ou

    incontroversos que revelem ser a represso ao consumo o instrumento mais

    eficiente para o combate ao trfico de drogas. Corroboram tal assertiva os

    nmeros referentes ao aumento do trfico de drogas e do crime organizado

    a ele ligado no mundo nos anos recentes, nos quais a tnica legislativa foi a

    criminalizao do consumo de entorpecentes52. Apenas para exemplificar, o

    consumo de opiceosno mundo aumentou em 35% entre os anos de 1998 a

    2008. No mesmo perodo o consumo de cocana foi incrementado em

    27%53 (doc.2).Nos Estados Unidos segundo ARAUJO o uso corrente

    de drogas ilcitas entre pessoas maiores de 12 anos aumentou 46% entre

    1998 e 200754.

    Estudos demonstram que a poltica proibicionista fracassou

    aos fins que se props, alm de no ter conseguido proteger a sade pblica, ainda

    serviu de agravante na pandemia da AIDS e outras doenas, alm de ter agravado a

    situao social dos pases perifricos55. Em suma, a criminalizao falhou na

    proteo da sade pblica e contribuiu para intensificar o dano sade

    individual, uma vez que impede o desenvolvimento das j mencionadas

    52.Drogas e democracia: rumo a uma mudana de paradigma. Declarao da Comisso Latino Americanasobre drogas e democracia (doc.2). Sobre o tema, ver MAGALHES, Mariangela. Notas sobre ainidoneidade constitucional da criminalizao do porte e do comrcio de drogas . In drogas: aspectos penaise criminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.98, fls.4.53. War on drugs. Repport of the global commision on drug policy,junho, 2011.54. ARAUJO, Tarso,Almanaque das drogas. So Paulo: Leya, 2012, p.232.55. BOITEUX, Luciana; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; VARGAS, Beatriz; BATISTA, VanessaOliveira; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Trfico de Drogas e Constituio. Pensando o Direito.Ministrio da Justia. Brasilia, n.1, 2009, p.25

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    polticas de reduo de danos, como a distribuio de seringas descartveis e o

    aparelhamento de um sistema de sade atrativo para o usurio.

    Da mesma forma que argumentos sobre a ineficcia da

    criminalizao do uso de drogas para o combate ao trfico no importam

    diretamente nas consideraes sobre a constitucionalidadedas normas penais,

    argumentos sobre a utilidadeda descriminalizao no parecem aptas a pautar

    a decisojurdicadesta e. Corte56.

    Como alerta KINDHAUSER: La expectativa de que las

    normas sean obedecidas no puede concebirse como una mera prognosis de sucesos futuros,

    sino que implica tambin el sentido normativo, sentimentalmente arraigado, de ser

    justa57. Ou seja, a justificao da norma no se pauta pela sua eficcia, mas

    por suajustia, pautada pelos princpios constitucionais de uma determinadasociedade.

    No entanto, do ponto de vista da legitimao poltica da

    deciso, que no substitui as razes jurdicas, mas tem a capacidade de

    corrobor-la, merecem consideraes alguns dados sobre a experincia de

    Portugal com a descriminalizao do uso de drogas.

    A poltica desse pas resultou ao contrrio do que

    muitos temiam na reduo do nmero de usurios. Como concluiu

    56. Nesse sentido, GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexes a partir da deciso doTribunal Constitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com afinalidade de prprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez 2010.57. KINDHAUSER, Urs.La fidelidad al derecho como categoria de la culpabilidade. Rbccrim 72, 2008, p.06e ss.

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    GREENWALD, aps uma anlise estatstica publicada em Drug

    decriminalization in Portugal: Lessons for creating fair and successful drugs policies:

    Nenhum dos medos propalados pelos

    oponentes da descriminalizao portuguesa revelou-se real, ao

    passo que muitos dos benefcios previstos pelos especialistas

    defensores da descriminalizao ocorreram. Enquanto a

    drogadio e as patologias a ela associadas continuaram a subir

    nos pases da Unio Europeia, esses problemas foram ou contidos

    ou enfrentados com resultados em Portugal desde 2001. Em

    alguns segmentos demogrficos chave, o uso de drogas caiu em

    termos absolutos no quadro discriminatrio, mesmo enquanto o

    uso na Unio Europeia continuou a aumentar, inclusive naqueles

    pases que continuam a adotar a linha mais dura nacriminalizao da posse e do uso de drogas58.

    As mesmas concluses so expostas na publicao

    Poltica da droga em Portugal: os benefcios da descriminalizao do consumo das

    drogas (doc.3), onde em prefcio o ex-Presidente Fernando Henrique

    Cardoso define com preciso a politica mais racional para o enfrentamento

    58. None of the fears promulgated by opponents of Portuguese decriminalization has come to fruition,thereas many of the benefits predicted by drug policymakers from instituting a decriminalization regime havebeen realized. While drug addiction, usage, and associated pathologies continue to skyrocket in many EUstates, those problemsin virtually every relevant categoryhave been either contained or measurablyimproved within Portugal since 2001. In certain key demographic segments, drug usage has decreased inabsolute terms in the decriminalization framework, even as usage across the EU continues to increase,including in those states that continue to take the hardest line in criminalizing drug possession and usage..GREENWALD, Glenn. Drug decriminalization in Portugal: Lessons for creating fair and successful drugspolicies. Washington: Cato Institute, 2009.

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    do problema: pessoas que usam drogas mas no causam dano a outros no so

    criminosos a encarcerar, mas pacientes a tratar59.

    Isso no significa que o reconhecimento da

    inconstitucionalidade da norma ter o condo de automaticamente diminuir

    o consumo ou o trfico de drogas, uma vez que tais resultados dependem do

    desenvolvimento de polticas alternativas de orientao e tratamento dos

    cidados usurios.

    No entanto, tais dados demonstram a inadequao

    emprica de legitimar a poltica repressiva em uma suposta preveno ao

    comrcio de entorpecentes custa da liberdade de suas principais vtimas:

    os usurios.

    iii) DAPREVENO DE OUTROS CRIMES

    O argumento de que a criminalizao do porte para uso

    prprio de entorpecentes protege a segurana pblica e bens jurdicos

    individuais como o patrimnio e a vida, em razo da periculosidade do

    viciado e sua potencialidade de cometimento de delitos em razo da droga seja para obter recursos para sua aquisio, seja em razo da incapacidade

    de autocontrole decorrente de seu uso tambm no procede em um

    modelo penal de culpabilidade, baseado no princpio da ofensividade.

    59. DOMOSTAWSKI, Artur. Trad. Nuno Portugal Capaz. Junho de 2011. Global Drug Policy Program. OpenSociety Foundations, p.4. (doc.3).

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    Da mesma forma que o consumidor no tem

    culpabilidadeem relao ao traficante, tambm no a possui em referncia aos

    seus prprios atos futuros, ao menos no momento em que porta ou usa o

    entorpecente.

    No se pode presumir que o usurio cometer um

    delito para obter a droga ou em razo de seu consumo. Tratar-se-ia de um

    exerccio de futurologia, de uma presuno iure et de jure, inadmissvel em

    direito penal. No parece possvel considerar o uso de drogas um ato

    preparatrio punvel relacionado ao cometimento de delitos dolosos

    posteriores, porque no existe uma linha causal necessria e constante, que

    permita a antecipao da punio.

    Vale destacar, sobre o tema, importante passagem da jmencionada deciso da Corte Suprema argentina:

    Que la jurisprudencia internacional

    tambin se ha manifestado en contra del ejercicio del poder

    punitivo del estado en base a la consideracin de la mera

    peligrosidad de las personas. Al respecto se ha sealado que La

    valoracin de la peligrosidad del agente implica la apreciacin del

    juzgador acerca de las probabilidades de que el imputado cometa

    hechos delictuosos en el futuro, es decir, agrega a la imputacin

    por los hechos realizados, la previsin de hechos futuros que

    probablemente ocurrirn... Sobre ponderar las implicaciones que

    son evidentes, de este retorno al pasado, absolutamente inaceptable

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    desde la perspectiva de los derechos humanos... (CIDH, Serie C,

    n.126, caso Fermn Ramirez vvs. Guatemala, sentencia del 20

    de junio de 2005)60

    Poder-se-ia fundamentar a punio do uso de drogasem

    um suposto desvalor do comportamento do usurio em se tornar

    voluntariamente incapaz de autocontrole (espcie de actio libera in causa), em

    situao propensa ao cometimento de crimes futuros.

    Porm, ainda que o direito penal admita a punio

    daquele que voluntariamente se tornou inimputvel (CP, art.28, II), isso

    apenas ocorre quando praticado efetivamente um ato criminoso posterior.

    Assim, se algum se embriaga e pratica um crime posterior como leses

    corporais ser punido por este, independente de sua capacidade deautocontrole no momento do ato. Mas no haver sano criminal pelo ato

    de se embriagar. Da mesma forma, no se justifica a punio do uso de drogas

    pela possvel prtica de crimes posteriores, o que no impede a punio por

    estes ltimos, se cometidos, independente da imputabilidadedo agente.

    Ademais, se admitidas tais razes para a criminalizao

    do consumo de drogas, imperiosa seria sua extenso para o uso de outrassubstancias tambm (ou mais) associadas leso de bens jurdicos, como o

    de lcool, uma vez que as estatsticas revelam sua ntima ligao com

    60. Recurso de Hecho A. 891. XLIV. Deciso de 25.08.09. p.248 (doc.1).

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    crimes dolosos e culposos (ex. 65% dos acidentes de trnsito so causados

    por motoristas que dirigem sob efeito do lcool)61.

    Por fim, poder-se-ia discutir, nesse contexto, a

    legitimidade de lanar mo do direito penal nos casos de uso pblico das

    substncias em discusso. Nesse caso, a liberdade de ao estaria limitada pela

    necessidade de proteo diante da limitao do comportamento, em especial

    por parte de crianas e adolescentes62. Mas tal uso do direito penal

    enfrentaria um problema de justificao, diante do princpio da igualdade

    (CF, art.5, caput), uma vez que o uso de substncias/prtica de

    comportamentos to ou mais prejudiciais sade como o lcool, o

    tabaco, ou mesmo a prtica de esportes perigosos no tem relevncia

    penal63.

    Tal assertiva no significa autorizar o uso de

    entorpecentes em pblico. Pode o estado proibir no mbito administrativo o

    consumo de entorpecentes fora do espao de intimidade do indivduo, ou

    restringi-lo a/em determinados lugares, cominando pena de multa ou

    sanes no penais ao descumprimento de tais regras, como ocorre em

    Portugal ou na Espanha. Mas a criminalizao, mesmo do uso em locais

    pblicos, afeta a isonomia, como j mencionado, e a subsidiariedade, pois a

    61. Fonte: http://www.antidrogas.com.br/mostraartigo.php?c=897(consultado em 24/01/2013. Nesse sentido,SILVEIRA, Renato de Mello Jorge,Drogas e politica criminal: entre o direito penal do inimigo e o direitopenal racional. In drogas: aspectos penais e criminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro:Forense, 2005, p.41.62. SANGUIN, Odone. inconstitucional a incriminao do porte de txicos para uso pessoal? Fasciculosde Cincias Penais, Porto Slegre, v.1, n.3, p.64, maio 1988.63 Nesse sentido, PEREIRA, Rui.A descriminao do consumo de drogas. In: ANDRADE: Manuel da Costa.Librer discipulorum para Jorge de Figueredo Dias. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p.1164.

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    inibio ao consumo pode ser alcanada por meio de polticas menos

    gravosas j mencionadas, como o combate ao trfico, aes educativas,

    vedao de propaganda e proibio administrativa do consumo em locais

    pblicos.

    4.MUTAO CONSTITUCIONAL

    Por todo o exposto, a norma constitucional em questo

    padece do vcio da inconstitucionalidade, pela afronta aos arts.1, III e V,

    5, capute X da Constituio Federal.

    Ainda que esta e. Corte tenha admitido em algum

    momento pretrito a constitucionalidade do uso do direito penal para inibiro consumo de drogas, tais precedentes no vinculam o entendimento do

    colegiado, a uma porque no tm carter vinculante muito menos para o

    prprio rgo formador da orientao jurisprudencial e a duas porque o

    fenmeno da mutao constitucional autoriza o reconhecimento de distintas

    abrangncias da norma constitucional diante da transformao do contexto

    social e dos valores culturais vigentes.

    Como ensinam MENDES64, BARROSO65 e

    ZAVASKI66, dentre outros, as alteraes dos valores e dos discursos de

    uma determinada sociedade podem conferir contornos distintos

    64. MENDES, Gilmar Ferreira.Jurisdio constitucional. So Paulo: Saraiva, 1999, p.299.65. BARROSO, Lus Roberto. Curso de Direito constitucional,So Paulo: Saraiva, 2009, p.13766. ZAVASKI, Teori Albino. Eficcia das sentenas na jurisdio constitucional. So Paulo: RT, 2001,p.115.

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    abrangncia e interpretao das normas constitucionais em momentos

    histricos diferentes. Como ensina BARROSO: a mutao constitucional em

    razo de uma nova percepo do Direito ocorrer quando se alterarem os valores de

    determinada sociedade. A ideia do bem, do justo, do tico, varia com o tempo (...). O que

    era antes legtimo pode deixar de ser, e vice-versa67.Trata-se, nas palavras do ex-

    Ministro EROS GRAU, da resoluo de uma incongruncia existente entre as

    normas constitucionais e a realidade constitucional, entre a constituio formal e a

    constituio material68.

    Assim, possvel reconhecer contedo material distinto

    ao texto constitucional, revisitando os conceitos ora em discusso, de

    dignidade, pluralidade e intimidade, sem afetar a correo ou a legitimidade

    histrica de decises anteriores em sentido contrrio. Vale lembrar que

    semelhante questo foi apresentada Corte Constitucional argentina porocasio da declarao da inconstitucionalidade da criminalizao do uso de

    drogas, uma vez que aquele rgo apontara a adequao constitucional do

    mesmo dispositivo anos antes69. E a soluo foi justamente o recurso ao

    reconhecimento da mutao constitucional:

    En tal sentido esta Corte admiti que

    ciertas normas susceptibles de ser consideradas legitimas en su

    origen, pudieron haberse tornado indefendibles desde el punto de

    vista constitucional con el transcurso del tempo y el cambio de

    67. BARROSO, Lus Roberto. Curso de Direito constitucional,So Paulo: Saraiva, 2009, p.13768. GRAU, Eros. Sobre a prestao jurisdicional. Direito Penal. Malheiros: SP, 2010, p.52.69. Deciso MONTALVO (Fallos, 313:1333), in GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia:reflexes a partir da deciso do Tribunal Constitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipopenal de posse de droga com a finalidade de prprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez2010, p.86.

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    circunstancias objetivas relacionadas con ellas (Falllos: 328:

    566).

    Ainda que a VIVA RIO entenda que a contradio

    entre a criminalizao do uso de drogas e a Constituio originria, e no se

    justifica desde o incio da vigncia da Carta de 1988, possvel admitir a

    mutao constitucionalcomo tese alternativa.

    Nesse sentido, diante de uma evidente tendncia ao

    reconhecimento da incompatibilidade entre a previso do crime de porte de

    drogas para uso pessoal e o princpio da dignidade humana e da intimidade,

    revelada pelas decises legislativas e jurisprudenciais de pases com a

    mesma matriz constitucional70, pelas vozes doutrinrias j citadas que

    indicam a incompatibilidade entre a norma legal e a constitucional, bemcomo pelas manifestaes da sociedade civil encartadas aos presentes autos

    (Comisso Brasileira Sobre Drogas e Democracia CBDD [fl. 179], a

    Associao Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos ABESUP

    [fl. 224], o Instituto Brasileiro de Cincias Criminais IBCCRIM [fl. 245];

    o Instituto de Defesa do Direito de Defesa IDDD [fl. 281]; e a Conectas

    Direitos Humanos, juntamente com o Instituto Sou da Paz, Instituto Terra

    Trabalho e Cidadania - ITTC e Pastoral Carcerria [fls. 558 e 559]) pareceautorizado o reconhecimento do fenmeno da mutao constitucional,

    conferindo distinta amplitude aos dispositivos indicados e em

    consequncia declarando-se a nulidade da norma questionada.

    70. Infra, item 06.

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    Para corroborar a assertiva sobre a existncia de um

    pleito organizado da sociedade civil para uma mudana de postura sobre o

    tema de drogas, destaca-se o sucesso da campanha da entidade subscritora

    Lei de Drogas: preciso mudar, que reuniu milhares de assinaturas em defesa

    da alterao das regras legais sobre entorpecentes71.

    No mesmo sentido, a Comisso Brasileira sobre drogas

    e democracia, que rene personalidades como Carlos Velloso, Ellen Gracie,

    Paulo Gadelha, Edmar Bacha e Joo Roberto Marinho, assinou manifesto

    em defesa de uma nova poltica de combate ao uso de drogas sem o

    recurso ao direito penal (doc.4).

    A mudana de postura mais patente quando se

    constata que personagens polticos importantes de diversos pases, como

    Fernando Henrique Cardoso, Csar Gaviria (ex-presidente da Colmbia),

    Ernesto Zedillo (ex-presidente do Mxico), Jorge Sampaio (ex-presidente

    de Portugal), bem como intelectuais da mais alta patente, como Milton

    Friedman e Gary Becker, se renem para defender polticas dedescriminalizao, acompanhados da opinio editorias de relevantes

    publicaes, como a revistaNew Scientist, e os jornais Daily Mirrose a Folha

    de So Paulo72.

    71. Disponvel em http://vivario.org.br/drogas/politica/campanha-de-opiniao-publica-pela-mudanca-da-lei-de-drogas/, acessado em 28.01.13.72. Todos citados em ARAUJO, Tarso,Almanaque das drogas. So Paulo: Leya, 2012, p.206.

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    Vale notar que a prpria ONU revela fissuras em suas

    recomendaes sobre a criminalizao do consumo de drogas, evidenciadas pelas

    diversas manifestaes de lderes polticos sobre o fracasso da guerra s

    drogas (alcunhada por ABRAMOVAY como a marcha da insensatez) por

    ocasio da reunio do Conselho de Drogas Narcticas (2009)73, fato que

    levou o diretor do escritrio das Naes Unidas contra a Droga e o Crime

    afirmar que: tem havido um limitado, mas crescente coro entre polticos, a imprensa e

    mesmo entre a opinio pblica que diz: o controle de drogas no est funcionando74.

    Em suma, existem ntidas manifestaes da sociedade

    civil organizada apontando a impropriedade da criminalizao do uso de drogas,a indicar que tal poltica no encontra mais guarida sob o mbito de

    abrangncia da dignidade humana, em sua concepo atual. Mais uma vez,

    isso no significa legalizar o consumo de entorpecentes, mas apenas

    reconhecer que na atual formatao social tal extenso do direito penal

    no tem lugar em uma sociedadeplurale respeitadora da intimidade.

    73. BOITEUX, Luciana.Breves consideraes sobre a politica de drogas brasileira atual e as possibilidadesde descriminalizao. Boletim Ibccrim, So Paulo, v.18, n.217, dez, 2010.74. Em ARAUJO, Tarso, Almanaque das drogas. So Paulo: Leya, 2012, p.232. Para um panorama sobre odescrdito da politica de represso tradicional, ver ABRAMOVAY, Pedro, A poltica de drogas e a marchada insensatez, disponvel em http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo16.php?artigo=16,artigo_09.htm,acessado em 22.01.2013.

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    5.DA INCONSTITUCIONALIDADE EM QUESTOPERANTE OS TRATADOS INTERNACIONAIS

    INCORPORADOS

    Em julgados passados, esta e. Corte firmou

    entendimento sobre a natureza supralegal dos tratados internacionais

    regularmente incorporados ao ordenamento jurdico brasileiro75.

    Assim, independente da tramitao especial para

    incorporao prevista no art.5, 3 da Constituio Federal que

    conferem aos diplomas status de norma constitucional os tratados

    internacionais apresentam, ao menos76, hierarquia jurdica superior lei

    ordinria, de forma que qualquer incompatibilidade entre ambos resolvida

    pela prevalncia daqueles em relao a estas.

    Nesse sentido, o desenvolvimento de qualquer poltica

    criminal pelo legislador deve respeitar as normas previstas nos tratados

    regularmente incorporados, sem que isso represente qualquer afetao da

    soberania brasileira, uma vez que o prprio Parlamento chancela seu

    contedo por regular Decreto Legislativo.

    A dignidadee a intimidadedo indivduo,alm de previstas

    constitucionalmente, so aladas condio de normas supralegaispelo art.11.2

    75. Por todos, Recurso Extraordinrio 466343, Rel. Min. Cezar Peluso, j.13.12.2008, e todos os precedentesque originaram a sumula vinculante 2576. Sem afastar posies respeitveis que sustentam o carter constitucional dos tratados sobre direitoshumanos. Sobre o tema, PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e o Direito ConstitucionalInternacional, 6aedio revista, ampliada e atualizada, So Paulo, ed. Max Limonad, 2004, p.75-98.

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    da Conveno Americana de Direitos Humanos77, e pelo art.17.1 do Pacto

    Internacional de Direitos Civis e Polticos78, de forma que a constatao de

    sua incompatibilidade com a criminalizao do uso de entorpecentes leva,

    inevitavelmente, ao afastamento da norma em discusso (lei ordinria) do

    ordenamento jurdico ptrio.

    bem verdade, sob outro prisma, que o Brasil ratificou

    a Conveno contra o trfico ilcito de entorpecentes e substncias psicotrpicas79, na

    qual assume o compromisso perante outros pases no combate s drogas.

    No entanto, patente no documento apossibilidadedo pas abster-se de usar

    como instrumento de dissuaso a criminalizao do consumo de drogas

    (Conveno contra o trfico ilcito de entorpecentes e substncias

    psicotrpicas, art.3, II80), de acordo com seusprincpios constitucionaise comos conceitos fundamentais de seu ordenamento jurdico81.

    Assim, diante da j mencionada estrutura normativa da

    Constituio Federal, a declarao de inconstitucionalidade pretendida no

    77. Incorporado pelo Decreto 678/92.78. Incorporado pelo Decreto 592/92.79. Que, junto Conveno nica sobre Entorpecentes (1961) e a Conveno sobre Substancias Psicotrpicas(1971), formam a linha mestra do controle internacional de drogas. BOITEUX, Luciana; CASTILHO, ElaWiecko Volkmer de; VARGAS, Beatriz; BATISTA, Vanessa Oliveira; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas.Trfico de Drogas e Constituio. Pensando o Direito. Ministrio da Justia. Brasilia, n.1, 2009, p.18.80. Incorporado pelo Decreto 154/91.81. Nesse sentido, tambm a Suprema Corte Argentina, ao invocar o mesmo dispositivo para justificar suadeciso de declarar a inconstitucionalidade da criminalizao do consumo de drogas (sentena no Recurso deHecho A. 891. XLIV (25.08.09) p.251 (doc.1). Na mesma linha, Nesse sentido, PEREIRA, Rui. Adescriminao do consumo de drogas. In: ANDRADE: Manuel da Costa.Librer discipulorum para Jorge deFigueredo Dias. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p.1169.

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    acarretar o rompimento dos compromissos do Estado brasileiro perante a

    comunidade internacional referentes ao combate s drogas.

    6.DAEXPERINCIAINTERNACIONAL

    Ainda que as experincias internacionais no sejam o

    argumento central na discusso sobre a compatibilidade de lei ordinria

    brasileira com a Constituio nacional, parece oportuno expor que

    inmeros pases de matiz constitucional semelhante nossa afastaram a

    legitimidade do direito penal diante do porte de drogas para consumo

    prprio.

    Portugal aprovou em 29 de novembro de 2000 a Lein30, dispondo que o consumo, a aquisio e a deteno para consumo prprio de

    plantas, substncias ou preparaescaracterizadas como drogas deixa de ser crime

    e passa a ser contra-ordenao (ilcito administrativo). Ainda que o

    comportamento esteja sujeito coima(espcie de prestao pecuniria) ou a

    outras sanes (art.17), se trata de medidas de limitao de direitos que no

    impem obrigaes positivas82, como de prestao de servios comunidade ou

    comparecimento a cursos educativos previstas na legislao brasileira (Lei11.343/06, art. 28).

    82. Com exceo do disposto no item e do art.17: apresentao peridica em local a ser designado pelacomisso.

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    Na mesma linha, o legislativo espanhol83, o chileno84, o

    uruguaio, o italiano, deixaram fora da seara penal o consumo de drogas,

    ainda que considerem a conduta ilcitasob o prisma administrativo.Tambm

    a legislao da ustria, Frana, Mxico, Noruega e Alemanha, dentre

    outras, dispe que o porte de drogas s tem relevncia penal quando esteja

    destinada ao trfico ilcito85.

    Em outros pases, o Judicirio foi o protagonista da

    descriminalizao do consumo de drogas.

    A Corte Constitucional colombiana, em 1994 (Sentena

    C-221) caracterizou inconstitucional a criminalizao do consumo de

    entorpecentes. Tambm na Argentina a descriminalizao do consumo de

    drogas decorreu de deciso da Corte Constitucional. Em 25 de agosto de2009 aps inmeras decises conflitantes o rgo supremo da Justia

    daquele pas reconheceu a incompatibilidade da norma penal com a

    garantia da intimidadeprevista no art.19 da Carta Magna daquele pas, bem

    como diante da ineficciada poltica de criminalizao86.

    Em suma, em inmeros pases nos quais a dignidade

    humana e a intimidade pautam o modelo constitucional, o uso de drogas

    83. BOITEUX, Luciana; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; VARGAS, Beatriz; BATISTA, VanessaOliveira; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Trfico de Drogas e Constituio. Pensando o Direito.Ministrio da Justia. Brasilia, n.1, 2009, p.20.84. Ley 20.000, de 16 de fevereiro de 2005 (art.4).85. Passagem de FERNANDO VELASQUEZ, mencionada na sentena da Corte Suprema de Justia daColmbia, processo 31531, j.08.07.2009, Ponente Yesid Ramrez Bastisdas. Boletim Ibccrim, 241, dez.2012,p.1610 (doc.1).86. Corte Suprema de Justicia de la Nacin. Recurso de Hecho A. 891. XLIV (25.08.09) (doc.1).

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    No se pretende aqui discutir os efeitos prejudiciais das

    substncias entorpecentes, nem minimizar as preocupaes de amplos

    setores da sociedade civil e do governo com os problemas inerentes ao

    trfico e ao consumo de drogas.

    O objetivo das ponderaes tecidas ao longo do

    presente documento apenas identificar a inconstitucionalidade de uma

    poltica de combate ao trfico de drogas apoiada na criminalizao de uma

    das vtimas de tais organizaes, o usurio.

    So legtimos os diversos instrumentos e polticas

    desenvolvidas pelo Poder Pblico para assegurar a sade individual e coletivadiante do srio e grave problema das drogas.No entanto, o uso do direito

    penal ultima ratio do controle social, destinado aos comportamentos mais

    graves e agressivos para coibir comportamentos individuais, praticados na

    esfera ntimado indivduo, sem capacidade para afetar por si terceiros,

    atenta contra a dignidade humana, a pluralidade, a intimidadee a isonomia, todos

    previstos na Constituio Federal (CF, arts.1, III, V, e 5, capute X).

    Como afirmou FRIEDMAN: as drogas so uma tragdia

    para os viciados. Mas criminaliz-las converte essa tragdia em um desastre para a

    sociedade, para usurios e no usurios igualmente 87.

    87. Na open letter to Bill Bennett. The wall street journal. 07.09.2006, p.20, apud, ARAUJO, Tarso,Almanaque das drogas. So Paulo: Leya, 2012, p.227.

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    Com o exposto, a VIVA RIO espera ter contribudo

    com esta e.Corte no papel de amicus curiae, somando-se s demais

    instituies que vieram aos autos para participar de to relevante debate.

    PIERPAOLO CRUZ BOTTINI

    OAB/SP n. 163.657

    IGORSANTANNATAMASAUSKAS

    OAB/SP n. 173.163

    TAINMACHADO DEALMEIDACASTRO

    OAB/DF n. 33.556

    ANAFERNANDAAYRES DELLOSSO

    OAB/SP 291.728