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EXCELENTSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR GILMAR MENDES, DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RECURSO EXTRAORDINRIO N 635659
A instituio VIVA RIO, j devidamente qualificada nos
autos do processo em epgrafe, tendo sido admitida na qualidade de amicus curiae, vem,
respeitosamente, presena de Vossa Excelncia, apresentar suas contribuies com asseguintes informaes relevantes apreciao do feito.
inado por ANA FERNANDA AYRES DELLOSSO:34757471890 em 19/02/2013 14:19:20.945 -0300
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1.DO OBJETO DAS PRESENTES INFORMAES
A questo jurdica para a qual a VIVA RIO traz sua
contribuio diz respeito constitucionalidade do art.28 da Lei 11.323, de
23 de agosto de 2006, sob a tica dos princpios da dignidade humana(CF,
art.1, III) do pluralismo (CF, art.1, V), da intimidade (CF, art.5, X) e da
isonomia(CF, art.5, caput), levantada incidentalmente nos autos do Recurso
Extraordinrio 635659, apresentado pela Defensoria Pblica Geral do
Estado de So Paulo, na defesa de Francisco Benedito de Souza.
As bem lanadas argumentaes trazidas aos autos pela
Comisso Brasileira Sobre Drogas e Democracia CBDD (fl. 179), a
Associao Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos ABESUP
(fl. 224), o Instituto Brasileiro de Cincias Criminais IBCCRIM (fl. 245);
o Instituto de Defesa do Direito de Defesa IDDD (fl. 281); e a Conectas
Direitos Humanos, juntamente com o Instituto Sou da Paz, Instituto Terra
Trabalho e Cidadania - ITTC e Pastoral Carcerria (fls. 558 e 559) deixampouco espao para novas ilaes sobre a inconstitucionalidade do dispositivo
mencionado, mas algumas ponderaes merecem ser destacadas, seja com
inteno de realce, seja para acrescentar argumentos tese j exposta.
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2.DO DISPOSITIVO LEGAL QUESTIONADO (ART.28DALEI 11.343/06)
A Lei 11.343/06 que institui o Sistema Nacional de
Polticas Pblicas sobre Drogas alterou o tratamento penal para oporte de
drogas para consumo pessoal, substituindo a priso de 6 meses a 2 anos (e o
pagamento de 20 a 50 dias-multa) prevista no art.16 da revogada Lei
6.368/76, pelas penas de advertncia, prestao de servios comunidadeou medida
educativa obrigatria, dispostas no art.28 da Lei 11.343/06.
Ainda que o novo tipo penal abrandeas consequncias
penais para os usurios de drogas, afastando em definitivo a pena privativa de
liberdade, mantm o desvalor penaldo comportamento, no retira sua natureza
delitiva, nem o carter estigmatizanteda incidncia da norma penal1.
Vale destacar que a Lei em comento prev, dentre as
sanes para o usurio de drogas, a prestao de servios comunidade, pena
restritiva de direitos destinada a crimes com pena privativa de liberdade
superior a seis meses (CP, art.46)2, fato que distancia o comportamento
mesmo na seara material - de uma mera infrao administrativa, no que
concerne s consequncias jurdicas do ato.
1. Nesse sentido, KARAM, Maria Lucia. A Lei 11.343/06 e os repetidos danos do proibicionismo. Boletim
Ibccrim, So Paulo, v.14, n.167, p.6-7, 2006.2. Embora a lei estabelea o prazo mximo de 5 meses de pena para os rus primrios, a meno Parte Geralse faz apenas para estabelecer parmetros de gravidade dentro de uma suposta sistematicidade doordenamento jurdico.
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A natureza penal do porte de drogas para consumo
mantm a chamada junkyzaodo usurio, uma caracterizao pejorativaque,
ampliada pelos meios de comunicao produz uma intensa reao social
informal sobre os consumidores de entorpecentes3, dificultando sua
recuperao e submetendo-o a tratamentos degradantes por parte de
autoridades policiais e pela prpria Justia4.
Pelo exposto, resta claro que o art.28 da Lei 11.343/06,
apesar de abrandaro tratamento penal para o usurio de drogas, no retira o
carter delitivo do comportamento, razo pela qual o dispositivo merece
uma anlise de sua compatibilidade com os preceitos constitucionais que
pautam o uso do direito penalpelo Estado.
3.DA INCOMPATIBILIDADE DO ART.28 DA LEI11.323/06 COM OS ARTS.1,III EV,5,CAPUTE
X, TODOS DACONSTITUIO FEDERAL
Ao criminalizar o porte de droga para uso pessoal, o
dispositivo em discusso afronta no apenas a norma constitucional que
protege a intimidade e a vida privada(art.5, X) tida como paradigma para oreconhecimento da repercusso geral do Recurso em tela , mas
3. CARVALHO, Salo de. A politica criminal de drogas no Brasil (do discurso oficial s razes dedescriminalizao). Rio de Janeiro: Lumen, 1997, p.200.4. A iniciativa da Comisso Brasileira de Drogas e Democracia e da Associao Nacional de DefensoresPblico de criar o Banco de Injustias, um cadastro de relatos sobre injustias praticadas na seara docombate s drogas, em especial em relao aos usurios, demonstra a realidade do tratamento policial aoconsumidor de drogas, mesmo na vigncia da nova lei. Disponivel emhttp://www.bancodeinjusticas.org.br/categoria/oscasos, acessado em 24.01.2013.
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primordialmente aquela que prev as bases sobre as quais se sustenta todo
o modelo poltico e jurdico nacional: a dignidade da pessoa humana e a
pluralidade(CF, art.1, III e V).
Dignidade humanapode ser definida como a capacidade de
autodeterminao do ser humano para o desenvolvimento de um mundo de
vida autnomo, onde seja possvel a reciprocidade5. E pluralidade significa a
tolerncia no mesmo corpo social de diferentes mundos de vida, estilos,
ideologias e preferncias morais, respeitadas as fronteiras do mundo de vida
dos outros.
Esta concepo liberal da Constituio no significa a
aceitao de um Estado mnimo, pois a materializao da dignidade humana
exige mais que a garantia da liberdade de cada indivduo. Exige odesenvolvimento de polticas sociais positivas de promoo de direitos e de
cidadania. No por acaso, a Constituio indica diretrizes para a promoo
de justia social (CF, art.193 e ss.), exigindo empenho do setor pblico (e
privado) para assegurar desenvolvimento econmico e humano, sade, educao,
cultura, previdnciae assistncia social, dentre outros direitos essenciais para a
construo do espao de desenvolvimento de cada indivduo.
No entanto, os princpios da dignidade e da pluralidade
desenham limites ao uso do direito penal como instrumento de controle
social ou de promoo de valores funcionais. Em sendo esta a faceta mais
5. Nesse sentido, PAWLIK, Michael. La libertar institucionalizada. Estudios de filosofia jurdica y derechopenal. Madrid: marcial Pons, 2010 e GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexes apartir da deciso do Tribunal Constitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de possede droga com a finalidade de prprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez 2010.
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grave e violentada manifestao estatal, sua incidncia se restringe punio
de comportamentos que violem esta liberdade de autodeterminao do indivduo,
que maculem este espao de criao do mundo de vida6.
Nesse sentido, a definio do espao de legitimidade do
direito penal exige do intrprete da Constituio o reconhecimento de que
comportamentos praticados dentro do espao de autodeterminao do
indivduo, sem repercusso para terceiros ou seja, que no afetem a
dignidadede outros membros do corpo social no tm relevncia penal.
Com base nessa assertiva, so estranhos ao direito
penal comportamentos religiosos, sexuais, ideolgicos, nsitos liberdade
individual, que possam ser praticados com reciprocidade, ou seja, cujo exerccio
mtuo seja possvel por todos os demais membros da sociedade. Em suma,que no afetem a autodeterminao de outros componentes do corpo social.
No por acaso, a criminalizao do homossexualismo, da opo religiosa, do
incesto, so rechaadas pelo direito penal brasileiro, e duramente criticadas
6. ROXIN, Claus. Derecho penal . Parte General. 2 ed., Thomson: Madrid, 2006, p. 51, SCHNEMANN,Bernd. O direito penal a ultima ratio de proteo de bens jurdicos! Sobre os limites inviolveis do direitopenal em um Estado de Direito liberal.Revista Brasileira de Cincias Criminais, So Paulo, ano 13, n. 53, p.18, mar-.abr. 2005. HASSEMER, Winfried. Histria das ideias penais na Alemanha do ps-gerra. RevistaBrasileira de Cincias Criminais, So Paulo, ano 2, n. 6, p. 52, abr.-jun. 1994 NESTLER, Cornelius. Elprincipio de proteccin de bienes juridicos y la punibilidade de la posesim de armas de fuego y desubstancias estupefacientes. In: ROMEO CASABONA, Carlos Maria. La insostenible situacin del derechopenal, Granada: Comares, 2000, p. 63, MIR PUIG, Santiago. La perspectiva ex ante em derecho penal,Anurio de Derecho Penal e Ciencias Penales, Madrid, vol. 36, fasc. 1, p. 9, jan.-abr. 1983 e Derecho penal.Parte General. 4 ed., Barcelona: Reppertor, 1996, p. 91, ZAFFARONI, Eugnio Ral; P IERANGELI, JosHenrique.Manual de direito penal brasileiro Parte geral, 3 ed., So Paulo: RT, 2001, p. 466, TOLEDO,Francisco de Assis. Princpios bsicos de direito penal, 5 ed., So Paulo: Saraiva, 1994, p. 14, SILVEIRA,Renato de Mello Jorge.Direito penal supra-individual: interesses difusos, So Paulo: RT, 2003, p. 35 e ss.
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quando presentes nas legislaes estrangeiras7. Como ensina ROXIN, la
proteccin de normas morales, religiosas o ideolgicas, cuya vulneracin no tenga
repercusiones sociales, no pertenece em absoluto a los cometidos del Estado democrtico de
Derecho, que por el contrario tambin debe proteger las concepciones discrepantes de las
minorias y su puesta em prctica8.
No foi outro o entendimento da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, ao julgar o conhecido caso Ximenes Lopes x Brasil -
primeira condenao do pas na Corte:
10. Desde luego, el
desenvolvimiento del ser humano no queda sujeto a las iniciativas
y cuidados del poder pblico. Bajo una perspectiva general, aqul
posee, retiene y desarrolla, en trminos ms o menos amplios, lacapacidad de conducir su vida, resolver sobre la mejor forma de
hacerlo, valerse de medios e instrumentos para este fin,
seleccionados y utilizados con autonoma --que es prenda de
madurez y condicin de libertad-- e incluso resistir o rechazar en
forma legtima la injerencia indebida y las agresiones que se le
dirigen. Esto exalta la idea de autonoma y desecha tentaciones
opresoras, que pudieran ocultarse bajo un supuesto afn de
beneficiar al sujeto, establecer su conveniencia y anticipar o
7. Vide o intense debate sobre a constitucionalidade do crime de incesto na Alemanha, em GRECO, Luis.Tem futuro a teoria do bem jurdico? Reflexes a partir da deciso do Tribunal Constitucional Alemo arespeito do crime de incesto, RBCCrim 82, pp. 165-182.8. ROXIN, Claus.Derecho penal. Parte General. 2 ed., Thomson: Madrid, 2006, p.63.
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iluminar sus decisiones.9
Vlida aqui a lio de PAWLIK, professor da
Universidade de Regensburg (Alemanha), para quem a funo do direito
penal respetar y garantizar el deseo de que cada uno pueda conducir su vida de
acuerdo con su prprio entendimento, sempre observando evidentemente uma
condio de reciprocidadedos espaos de autodeterminao entre os membros da
sociedade, em condies de igualdade10.
To abrangente a liberdade de autodeterminao na
construo da dogmtica brasileira que se admite, sem reservas, o
consentimento como causa de excluso de antijuridicidade do comportamento
tpico violador de bens disponveis11, defendendo alguns inclusive o carter
atpico do ataque a estes bens praticados com a concordncia livre e conscientedeseu titular12. Nessa linha, as leses corporais (dentro de certos limites
disponveis), a subtrao de patrimnio, a violao da honra, dentre outros
atos, so atpicosou no antijurdicos quando acompanhados do consentimento
da vtima.
Tal percepo no afasta a discusso sobre a
necessidade de tutela penal em casos extremos de leso irreversvelde bens
9. Sentencia de 4.06.06, disponvel em http://www.justica.sp.gov.br/novo_site/paginas/tabela_corte.htm10. PAWLIK, Michael.La libertar institucionalizada. Estudios de filosofia jurdica y derecho penal. Madrid:marcial Pons, 2010.11. FRAGOSO, Heleno Cludio. Lies de direito penal, 7 edio, Rio de Janeiro, Forense, 1985, p.194;NORONHA, Magalhes E. , Direito Penal, volume 1, 19 edio, So Paulo, Saraiva, 1981, p.213;MIRABETE, Jlio Fabbrini. Cdigo Penal Interpretado, 7 edio, So Paulo, Atlas, 2011, p.115; NUCCI,Guilherme de Souza, Cdigo Penal Comentado, 10 edio, So Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p.243.12. Mesmo nos casos em que o dissenso no seja elemento expresso no tipo penal ROXIN, Claus. Derechopenal. Parte General. 2 ed., Thomson: Madrid, 2006, p.517
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jurdicos indisponveis, mesmo com consentimento de seu titular, como no caso
da vidaou da integridade fsica(em casos graves). No entanto, mesmo nessas
hipteses, o uso do direito penal no se afasta do preceito constitucional da
dignidade. Ao contrrio, a represso usada para proteger a autodeterminao,
impedindo a violao do substrato que permite seu exerccio.
No entanto - e isso fundamental para a discusso em
tela mesmo nesses extremos casos de afetao da vidaou da integridade
fsicaem graus exagerados, a norma penal no incide sobre os titulares do bem
jurdico, mas sobre terceiros que pratiquem ou colaborem com a leso.
Ainda que se tutele a vida com a determinao da irrelevncia do consentimento
nos casos de sua leso, o ato criminoso ser sempre o do terceiro causador da
morte ou da tentativa e no do titular do bem jurdico. Pune-se o
induzimento, a instigao ou o auxlio ao suicdio, mas no a tentativa do suicdio emsi13.
Como ensina ROXIN:
Impedir que as pessoas se despojem da
prpria dignidade no problema do direito penal. Mesmo que se
quisesse, por ex. considerar o suicdio um desprezo prpria
dignidade o que eu no julgo correto este argumento no
poderia ser trazido para fundamentar a punibilidade do suicdio
tentado14.
13. Nesse sentido, nosso As drogas e o direito penal na sociedade de risco. In drogas: aspectos penais ecriminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.81.14. ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Traduo de Luis Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P.40
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Diante do exposto, que pode ser sintetizado na
assertiva de que a Constituio Federal ao consagrar a dignidade humanae a
pluralidade como vrtices do sistema jurdico limita materialmente a
produo da lei penal queles comportamentos que afetem ou tenham
potencial de afetar bens jurdicos relevantes para a autodeterminao do
indivduo, e rechaa a criminalizao da autoleso ou da autocolocao em perigo15,
voltemos questo central: a inconstitucionalidadeda criminalizao doporte de
entorpecentes para consumo prprio.
O uso do direito penal para inibir o uso de drogas
somente seria legtimo do ponto de vista do sistema constitucional ptrio
se justificado pela necessidade de proteger algum bem jurdico
imprescindvel garantia da dignidade humana.
Nessa seara, a defesa da constitucionalidade da norma
em discusso costuma buscar sua legitimidade em trs pilares: (i) a
incriminao do consumidor visa proteger a sade do usurio;(ii) estratgica
para a inibio do trfico de drogas, garantindo a sade pblica16e (iii) contribui
para a segurana pblica, uma vez que o usurio contumaz propenso
prtica de crimes patrimoniais (ou outros) para financiar o consumo dedrogas. Em suma, indica-se que a criminalizao do consumo de drogas
protege a (i) sade individual, a (ii) sade publicae (iii) o patrimnio, integridade
fsica e vidade terceiros.
15. O que no quer dizer que autorize ou legitime tais comportamentos.16. MEDICI, Srgio de Oliveira. Incriminao do porte de substncia entorpecente para uso prprio. . Indrogas: aspectos penais e criminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.157
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i) DAPROTEO DASADE INDIVIDUAL
No que concerne sade individual, no h duvidas de
que impedir o acesso do usurio droga relevante para a preservao de
sua integridade fsica e psquica, ou seja, para a preservao de seu espao de
dignidade.
No entanto, como j exposto, a proteo de um bem
jurdico no pode passar pela criminalizao de seu prprio titular. A
incidncia da sano penal sobre algum retira uma parcela de sua
autodeterminao, em operao apenas autorizada para assegurar um patamar
de dignidade de terceiros, afetado pelo crime. No parece fazer qualquersentido a subtrao da liberdadede algum com o objetivo de proteger esta
mesma liberdadesob outro prisma.
Por isso, o uso do direito penal contra o usurio de drogas
com a justificativa de proteg-lo carece de legitimidade. No outro o
entendimento de inmeros juristas que se dedicaram ao estudo do tema,
como HASSEMER17, RIPOLLES18, REALE JR.19, NILO BATISTA20,
17. HASSEMER, Winfried.Descriminalizao dos crimes de droga in Direito Penal.Fundamentos, estrutura,poltica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p.321.18. DIEZ RIPOLLES, Jose Luis. Alternativas a la actual legislacion sobre drogas. Cuadernos de PoliticaCriminal. Madrid. N.46, p.73-115, 1992.19. REALE JR. Miguel. Caminhos do direito penal brasileiro. Rbccrim 85, 2010, p.67.20. BATISTA, Nilo.Introduo crtica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990, p.91
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LUIS GRECO21, SALO DE CARVALHO22, ABRAMOVAY23,
SILVEIRA24, BOITEUX25, KARAM26, TORON27, CAVALIERE28,
dentre muitos outros. No mesmo sentido, decises judiciais ptrias29 e de
outros pases30 apontam a incompatibilidade entre o tipo penal em
discusso e a dignidade humana.
Vale destacar, dentre os ltimos, a Colmbia, onde a
Corte Constitucional afastou a constitucionalidade da criminalizao do uso
de drogas, com o seguinte fundamento:
Si a la persona se le reconece esa
autonomia (esfera de liberdade individual) no puede
limitrse sino en la medida en que entra en conflito com la
autonomia ajena. El considerar a la persona como autnomatiene sus consecuencias inevitables e inexorables, y la primera y
21. GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexes a partir da deciso do TribunalConstitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com a finalidade deprprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez 2010.22. A politica criminal de drogas no Brasil (do discurso oficial s razes de descriminalizao). Rio deJaneiro: Lumen, 1997.23. ABRAMOVAY, Pedro, A poltica de drogas e a marcha da insensatez, diponivel emhttp://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo16.php?artigo=16,artigo_09.htm, acessado em 22.01.2013.24. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge, Drogas e politica criminal: entre o direito penal do inimigo e odireito penal racional. In drogas: aspectos penais e criminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro:Forense, 2005, p.41.25. BOITEUX, Luciana.Breves consideraes sobre a politica de drogas brasileira atual e as possibilidadesde descriminalizao. Boletim Ibccrim, So Paulo, v.18, n.217, dez, 2010.26. KARAM, Maria Lucia. A Lei 11.343/06 e os repetidos danos do proibicionismo. Boletim Ibccrim, SoPaulo, v.14, n.167, p.6-7, 2006.27. TORON, Alberto Zacarias. A proteo constitucional da intimidade e o artigo 16 da Lei de Txicos.Fascculos de Cincias Penais. Porto Alegre, v.4, n.3,passim,jul/set 1991.28. Antonio. Il controlo del traffico di droghe tra politica criminale e dogmtica: lesperienza italiana.Rbccrim 99, nov.dez. 2012, 155-169.29. 6 Cmara Criminal do TJ-SP Apelao 01113563.3/0-000-00, Relator Jos Henrique Rodrigues Torres, j.03/08/2010.30. Item 06 infra.
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ms importante de todas consiste em que los assuntos que slo a
la persona ataen, slo por ella deben ser decididos. Decidir por
ella es arrebatarle brutalmente su condicin tica, reducirla a la
condicin de objeto, cosificarla, convertirla em mdio para los fines
que por fuera de ella se eligen. Cuando el Estado resuelve
reconocer la autonoma de la persona, lo que ha decidido, no ms
ni menos, es constatar el mbito que le corresponde como sujeto
tico: dejarla que decida sobre lo ms radicalmente humano, sobre
lo bueno y lo malo, sobre el sentido de su existencia 31.
Opaternalismo penal, caracterizado pela criminalizao de
comportamentos inerentes ao espao de autonomiado indivduo32 incompatvel
com um sistema pautado pela dignidade humana, elemento que como dito
norteia a aplicao do direito penal e fundamenta os princpios da intervenomnima, da subsidiariedade e da fragmentariedade, que indicam seu uso apenas
em situaes intolerveis de agresso a bens jurdicos que no possam ser
inibidos por meios menos gravosos33.
A supracitada Corte Constitucional colombiana, em
interessante passagem, aproxima o Estado paternalistado Estado totalitrio,
apontando que o primeiro, ao tentarproteger o cidado de si mesmo pela via dodireito penal, chega ao mesmo resultado do segundo, qual seja: la negacin
31. Sentena C-221/94 da Corte Constitucional Colombiana, de 05 de maio de 1994.32. FEINBERG, Harm to self, Nova Iorque/Oxford, 1986, p.09, apud, GRECO, Luis. Posse de droga,privacidade, autonomia: reflexes a partir da deciso do Tribunal Constitucional argentino sobre ainconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com a finalidade de prprio consumo. Rbccrim, SoPaulo, v.18, n.87, nov/dez 2010, p.9433. FRANCO, Alberto Silva. Cdigo Penal e sua interpretao doutrina e jurisprudncia, 8 ed., 2007, SoPaulo: RT,p.48, REALE JR., Miguel.Instituies de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2005, P.25
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de la liberdad individual, en aquel mbito que no interfiera con esfera de la liberdad
ajena34.
Mas no s.
A proteo dignidade humanae ao pluralismo irradia-se
pela Constituio e se manifesta em outros preceitos, como no art.5, X,
que protege a intimidadee a vida privadado indivduo, tambm afetado pelo
dispositivo legal em discusso.
TRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. diferencia intimidade
da vida privada, indicando o primeiro como o mbito do exclusivo que algum
reserva para si, sem nenhuma repercusso social e o segundo como formas
exclusivas de convivncia (...) em que a comunicao inevitvel35. Parece-nos que oconsumo de drogas, enquanto comportamento exclusivo do indivduo, sem
afetao de terceiros, encontra-se no campo da intimidade, daquilo que
exclusivo, que passa pelas opes pessoais, afetadas pela subjetividade do indivduo e
que no guiada nem por normas nem por padres objetivos. Por isso, esse espao
indevassvel. Assegurar esse campo de intimidade , nas palavras de
HANNAH ARENDT, garantir ao indivduo a sua identidade diante dos riscos
proporcionados pela niveladora presso social e pela incontrastvel impositividade do
34. Corte Constitucional da Colombia, Sala Plena, sentena C-221/94, Bogot, 05 de maio de 1994, PonenteCarlos Gaviria Diaz, p.14.35. FERRAZ JR. Trcio Sampaio Ferraz. Sigilo de dados: o direito privacidade e os limites funofiscalizadora do estado. Cadernos de Direito Tributrio e Finanas Pblicas, n 1, So Paulo: RT, 1992, pp.141-154.
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O consumo de drogas encontra-se nesse crculo ntimo do
indivduo, protegido contra a ingerncia do Estado, ao menos no que se
refere represso criminal.
H quem diga que a intimidade no absoluta40. A
necessidade de resguardar terceiros de riscos ou leses decorrentes de
crimes permite em casos previstos expressamente na Constituio o
afastamento temporrio e limitado do direito. Trata-se de um conflito de
princpiosque admite a limitao recprocae aponderao 41.
bem verdade que em situaes limite possvel
relativizar uma parcela do espao privado do indivduo. Mas no esse o
caso do consumo de drogas, porque o ato se limita esfera individual, ao j
indicado mbito de autonomiado usurio. Pode-se considerar a intimidadepeloaspecto positivo, como um comportamento cuja prtica no excluique outros
indivduos tambm o pratiquem42 ou pelo aspecto negativo, como ato de
exerccio de liberdade individual incapaz de afetar bens jurdicos alheios43.
Use-se a primeira ou a segunda definio e o resultado, para os fins
almejados na presente discusso, ser o mesmo: o consumo individual de
drogas integra-se no crculo de privacidade do indivduo, intangvel pelo ius
puniendi a no ser que se entenda que o comportamento incentiva o trfico
ou outros crimes, argumento enfrentado a seguir.
40. Embora outros atestem que a relatividade diz respeito apenas vida privada, preservando a intimidade dequalquer interveno.41. Sobre o tema, BARROSO, Lus Roberto. Curso de Direito constitucional,So Paulo: Saraiva, 2009, p.33542. GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexes a partir da deciso do TribunalConstitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com a finalidade deprprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez 2010, p.9143. Corte Suprema de Justicia de la Nacin. Recurso de Hecho A. 891. XLIV (25.08.09) (doc.1).
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Merece transcrio trecho do voto do e. Ministro
ENRIQUE SANTIAGO PETRACCHI, da Corte Constitucional
argentina, por ocasio da prolao da sentena no Recurso de Hecho A. 891.
XLIV (25.08.09) (doc.1), que declarou inconstitucional a criminalizao do
porte de drogas para consumo pessoalcom base dentre outros argumentos no
princpio da intimidade(art.19 da Constituio argentina):
En este cometido, corresponde reiterar
que el artculo 19 de la Constitucin Nacional ha ordenado la
convivencia humana sobre la base de atribuir al individuo una
esfera de seoro sujeta a su voluntad y esta facultad de obrar
vlidamente libre de impedimentos, conlleva la de reaccionar u
oponerse a todo propsito de enervar los lmites de aquella. Eneste contexto vital, puede afirmarse que en una sociedad
horizontal de hombres verticales, en la que la dignidad es un
valor entendido para todo individuo por su sola condicin de tal,
est vedada toda medida que menoscabe aquella prerrogativa
(artculo 19 de la Constitucin Nacional)44. (doc.1).
Pode-se atacar o raciocnio exposto apontando que legtimo ao Estado tambm afastar a intimidadequando o bem jurdico do
prprio titular deste direito est exposto a risco de leso. Seria o caso da
invaso de domiclio para salvar a vida de algum que tenta o suicdio,
autorizado pelo art.5, XI, da Constituio Federal.
44. Corte Suprema de Justicia de la Nacin. Recurso de Hecho A. 891. XLIV (25.08.09), p.284 (doc.1).
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No entanto, retornamos ao raciocnio anterior. A
violao da intimidade representa uma afetao da dignidade, possvel de ser
usada diante de casos extremos de autoleses vidaou integridade fsicaem
determinados nveis. Assim, possvel a interveno na intimidadediante do
uso de drogas em situaes de risco de morte ou de leso corporal grave. E,
evidentemente, que tal atuao do Estado pode se dar pela violao do
domiclio (por ex. para salvar algum em overdose) ou por outras condutas
similares, mas jamais atravs da imposio de sano criminal quele que se
exps ao risco pelo uso da droga.
Assim, fica afastada a legitimidade do uso do direito
penalpara inibir o consumo de drogas, pela perspectiva da sade individual, pela
violao ao art.1, III e V e do art.5, X. Isso no significa autorizar oentorpecente ou legalizarsua posse. funo do Poder Pblico desenvolver
programas para proteger a sadedos cidados, alertando-os para o risco do
uso de drogas, criminalizando do trfico de drogas (CF, art.5, XLIII),
promovendo atividades pedaggicas, oferecendo estruturas de tratamento45
e mesmo adotando medidas de proteo diante dos efeitos colaterais do
consumo de entorpecentes para a sade, como a distribuio de seringas
descartveis para usurios de drogas injetveis, com o escopo de reduzircontaminaes por HIV.
45. Sobre a justia teraputica, ver SILVEIRA, Renato de Mello Jorge, Drogas e politica criminal: entre odireito penal do inimigo e o direito penal racional. In drogas: aspectos penais e criminolgicos. Corrd.Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.41.
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Em suma, a descriminalizao do uso de drogas pode e
deve ser substituda por uma poltica de reduo de danos, defendida por
especialistas em sade pblica como mais eficaz e til na proteo da sade
do usurio46.
Assim, por mais clara que seja a afetao da sade
produzida pelo consumo de drogas, e por mais legtima que seja a
utilizao de politicas pblicas para reduzir sua difuso, inclusive por meio
do direito penal, parece evidente que os princpios constitucionais
apontados impedem a represso criminal do consumidor.
ii)DAINIBIO AO TRFICO DE DROGAS
O argumento de que a criminalizao do consumo protege a
sade pblicaporque se trata de estratgia de inibio do trfico de drogaspeca
pela ilegitimidadee pela indemonstrabilidade.
No que concerne ilegitimidade, preciso notar que o
pragmatismo da eficcia no pode levar restrio da liberdade do cidado
para combater comportamentos de outros, sobre os quais ele no tem
46. RIBEIRO, Maurides de Melo. A reduo de danos e a legislao penal. In NIEL, Marcelo; DASILVEIRA, Dartiu Xavier. Drogas e Reduo de Danos: uma cartilha para profissionais de sade. So Paulo,2008. Programa de Orientao e Atendimento a Dependentes (PROAD). Universidade Federal de So Paulo(UNIFESP). Ministrio da Sade, p.53-58. Vale anotar que a OMS e a UNAIDS recomendam o modelo dereduo de danos como politica mais adequada para a proteo da sade do usurio de drogas, emBOITEUX, Luciana; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; VARGAS, Beatriz; BATISTA, VanessaOliveira; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Trfico de Drogas e Constituio. Pensando o Direito.Ministrio da Justia. Brasilia, n.1, 2009, p.23.
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domnio. Tratar-se-ia de uma afronta clara e evidente ao princpio da
culpabilidade, pelo qual s punvel o comportamento controlvelpelo autor,
e da admisso de uma espcie de responsabilidade objetiva na aplicao da
norma penal47. Como ensina RUDOLPHI, a pena slo es apropiada para
evitar o propiciar aquellas acciones corporales que le son posibles al autor individual,
sobre la base de su capacidad de conducir su comportamiento externo48.
Ora, o usurio de drogas no tem qualquer controle
sobre o comportamento do traficante. E, ainda que se admita a
possibilidade do usurio evitar o consumo de drogas o que no
verdadeiro em inmeros casos impossvel atribuir a ele o controle ou a
conduo do comportamento doloso do comerciante de drogas. A aplicao
da pena com essa motivao seria punir algum pelo ato do outro. Uma
punio fundada na incapacidade do Estado de controlar o verdadeirocomportamento danoso. Em suma, aplica-se a sano no usurio diante da
dificuldade de encontrar, investigar e condenar o verdadeiro culpado no
sentido dogmtico pela violao sade pblica: o comerciante de
produtos ilcitos.
A Constituio Federal, ao determinar ao legislador o
combate ao trfico de drogas(CF, art.5, XLIII), no conferiu carta brancaparao uso de qualquer estratgia de poltica criminal, mas apenas aquelas que
no conflitem com outros princpios do mesmo texto legal. A definio
47. MARONNA, Cristiano vila.Drogas e consumo pessoal: a ilegitimidade da interveno penal. BoletimIbccrim, So Paulo, v.20, p.4-6. Out.2012.48. RUDOLPHI, Hans Joachin. El fin del derecho penal del Estado y las formas de imputacion juridico-penal. P.95. In SCHUNEMANN. Bernd (coord.). El sistema moderno del derecho penal. 2 ed. BuenosAires: IB de F, 2012.
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dos instrumentos para inibio do trfico de drogas deve se pautar pelo
respeito aos preceitos constitucionais, dentre os quais a j exposta dignidade
humana, e a culpabilidade, que vedam a penalizao de algum pelo ato de
outro, que no dominaou controla.
Como ensina MARIA FERNANDA PALMA, Juza do
Tribunal Constitucional e Professora da Faculdade de Direito de Lisboa, a
justificao da punio em questo inaceitvel porque corresponderia a
justificar o tratamento penal do consumidor como exclusivo meio de preveno geral,
utilizando a punio do consumo como forma de atingir as consequncias potenciais e
indirectas do mesmo. Tratar o consumidor como fonte de perigo e no como sujeito de
decises lesivas de bens jurdicos inadmissvel em face do art.1 da Constituio
portuguesa, que consagra o princpio da dignidade humana 49.
Aqui cabe a crtica de KANT ao utilitarismo penal, para
quem o indivduo no pode ser utilizado como meio para as intenes de outrem, nem
misturado com os objetos do direito das coisas, contra o que o protege sua personalidade
natural 50. Nesse sentido, completa ROXIN, mesmo quando seja eficaz a
intimidao, difcil compreender que possa ser justo que se imponha um mal a algum
para que outros omitam cometer um mal51.
49. PALMA, Maria Fernanda. Consumo e trfico de estupefacientes e Constituio: absoro do DireitoPenal de Justiapelo direito penal secundrio? Revista do Ministrio Pblico de Lisboa. Lisboa, v.24, n.96,p.25, out/dez, 2003.50. KANT, Metaphysik der Sitten, 49, EI, Studienausgabe, p.453, apud, ROXIN, Claus. Problemasfundamentais de direito penal. 2 ed.Lisboa: Univ. Direito e cincia jurdica, 1993.p.24.51. ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 2 ed.Lisboa: Univ. Direito e cincia jurdica,1993.p.24.
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Por outro lado, ainda que se afastasse a questo tica
inerente argumentao exposta, permaneceria o problema da demonstrao
da eficciada diretriz poltico criminal. No existem estudos suficientes ou
incontroversos que revelem ser a represso ao consumo o instrumento mais
eficiente para o combate ao trfico de drogas. Corroboram tal assertiva os
nmeros referentes ao aumento do trfico de drogas e do crime organizado
a ele ligado no mundo nos anos recentes, nos quais a tnica legislativa foi a
criminalizao do consumo de entorpecentes52. Apenas para exemplificar, o
consumo de opiceosno mundo aumentou em 35% entre os anos de 1998 a
2008. No mesmo perodo o consumo de cocana foi incrementado em
27%53 (doc.2).Nos Estados Unidos segundo ARAUJO o uso corrente
de drogas ilcitas entre pessoas maiores de 12 anos aumentou 46% entre
1998 e 200754.
Estudos demonstram que a poltica proibicionista fracassou
aos fins que se props, alm de no ter conseguido proteger a sade pblica, ainda
serviu de agravante na pandemia da AIDS e outras doenas, alm de ter agravado a
situao social dos pases perifricos55. Em suma, a criminalizao falhou na
proteo da sade pblica e contribuiu para intensificar o dano sade
individual, uma vez que impede o desenvolvimento das j mencionadas
52.Drogas e democracia: rumo a uma mudana de paradigma. Declarao da Comisso Latino Americanasobre drogas e democracia (doc.2). Sobre o tema, ver MAGALHES, Mariangela. Notas sobre ainidoneidade constitucional da criminalizao do porte e do comrcio de drogas . In drogas: aspectos penaise criminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.98, fls.4.53. War on drugs. Repport of the global commision on drug policy,junho, 2011.54. ARAUJO, Tarso,Almanaque das drogas. So Paulo: Leya, 2012, p.232.55. BOITEUX, Luciana; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; VARGAS, Beatriz; BATISTA, VanessaOliveira; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Trfico de Drogas e Constituio. Pensando o Direito.Ministrio da Justia. Brasilia, n.1, 2009, p.25
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polticas de reduo de danos, como a distribuio de seringas descartveis e o
aparelhamento de um sistema de sade atrativo para o usurio.
Da mesma forma que argumentos sobre a ineficcia da
criminalizao do uso de drogas para o combate ao trfico no importam
diretamente nas consideraes sobre a constitucionalidadedas normas penais,
argumentos sobre a utilidadeda descriminalizao no parecem aptas a pautar
a decisojurdicadesta e. Corte56.
Como alerta KINDHAUSER: La expectativa de que las
normas sean obedecidas no puede concebirse como una mera prognosis de sucesos futuros,
sino que implica tambin el sentido normativo, sentimentalmente arraigado, de ser
justa57. Ou seja, a justificao da norma no se pauta pela sua eficcia, mas
por suajustia, pautada pelos princpios constitucionais de uma determinadasociedade.
No entanto, do ponto de vista da legitimao poltica da
deciso, que no substitui as razes jurdicas, mas tem a capacidade de
corrobor-la, merecem consideraes alguns dados sobre a experincia de
Portugal com a descriminalizao do uso de drogas.
A poltica desse pas resultou ao contrrio do que
muitos temiam na reduo do nmero de usurios. Como concluiu
56. Nesse sentido, GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia: reflexes a partir da deciso doTribunal Constitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipo penal de posse de droga com afinalidade de prprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez 2010.57. KINDHAUSER, Urs.La fidelidad al derecho como categoria de la culpabilidade. Rbccrim 72, 2008, p.06e ss.
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GREENWALD, aps uma anlise estatstica publicada em Drug
decriminalization in Portugal: Lessons for creating fair and successful drugs policies:
Nenhum dos medos propalados pelos
oponentes da descriminalizao portuguesa revelou-se real, ao
passo que muitos dos benefcios previstos pelos especialistas
defensores da descriminalizao ocorreram. Enquanto a
drogadio e as patologias a ela associadas continuaram a subir
nos pases da Unio Europeia, esses problemas foram ou contidos
ou enfrentados com resultados em Portugal desde 2001. Em
alguns segmentos demogrficos chave, o uso de drogas caiu em
termos absolutos no quadro discriminatrio, mesmo enquanto o
uso na Unio Europeia continuou a aumentar, inclusive naqueles
pases que continuam a adotar a linha mais dura nacriminalizao da posse e do uso de drogas58.
As mesmas concluses so expostas na publicao
Poltica da droga em Portugal: os benefcios da descriminalizao do consumo das
drogas (doc.3), onde em prefcio o ex-Presidente Fernando Henrique
Cardoso define com preciso a politica mais racional para o enfrentamento
58. None of the fears promulgated by opponents of Portuguese decriminalization has come to fruition,thereas many of the benefits predicted by drug policymakers from instituting a decriminalization regime havebeen realized. While drug addiction, usage, and associated pathologies continue to skyrocket in many EUstates, those problemsin virtually every relevant categoryhave been either contained or measurablyimproved within Portugal since 2001. In certain key demographic segments, drug usage has decreased inabsolute terms in the decriminalization framework, even as usage across the EU continues to increase,including in those states that continue to take the hardest line in criminalizing drug possession and usage..GREENWALD, Glenn. Drug decriminalization in Portugal: Lessons for creating fair and successful drugspolicies. Washington: Cato Institute, 2009.
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do problema: pessoas que usam drogas mas no causam dano a outros no so
criminosos a encarcerar, mas pacientes a tratar59.
Isso no significa que o reconhecimento da
inconstitucionalidade da norma ter o condo de automaticamente diminuir
o consumo ou o trfico de drogas, uma vez que tais resultados dependem do
desenvolvimento de polticas alternativas de orientao e tratamento dos
cidados usurios.
No entanto, tais dados demonstram a inadequao
emprica de legitimar a poltica repressiva em uma suposta preveno ao
comrcio de entorpecentes custa da liberdade de suas principais vtimas:
os usurios.
iii) DAPREVENO DE OUTROS CRIMES
O argumento de que a criminalizao do porte para uso
prprio de entorpecentes protege a segurana pblica e bens jurdicos
individuais como o patrimnio e a vida, em razo da periculosidade do
viciado e sua potencialidade de cometimento de delitos em razo da droga seja para obter recursos para sua aquisio, seja em razo da incapacidade
de autocontrole decorrente de seu uso tambm no procede em um
modelo penal de culpabilidade, baseado no princpio da ofensividade.
59. DOMOSTAWSKI, Artur. Trad. Nuno Portugal Capaz. Junho de 2011. Global Drug Policy Program. OpenSociety Foundations, p.4. (doc.3).
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Da mesma forma que o consumidor no tem
culpabilidadeem relao ao traficante, tambm no a possui em referncia aos
seus prprios atos futuros, ao menos no momento em que porta ou usa o
entorpecente.
No se pode presumir que o usurio cometer um
delito para obter a droga ou em razo de seu consumo. Tratar-se-ia de um
exerccio de futurologia, de uma presuno iure et de jure, inadmissvel em
direito penal. No parece possvel considerar o uso de drogas um ato
preparatrio punvel relacionado ao cometimento de delitos dolosos
posteriores, porque no existe uma linha causal necessria e constante, que
permita a antecipao da punio.
Vale destacar, sobre o tema, importante passagem da jmencionada deciso da Corte Suprema argentina:
Que la jurisprudencia internacional
tambin se ha manifestado en contra del ejercicio del poder
punitivo del estado en base a la consideracin de la mera
peligrosidad de las personas. Al respecto se ha sealado que La
valoracin de la peligrosidad del agente implica la apreciacin del
juzgador acerca de las probabilidades de que el imputado cometa
hechos delictuosos en el futuro, es decir, agrega a la imputacin
por los hechos realizados, la previsin de hechos futuros que
probablemente ocurrirn... Sobre ponderar las implicaciones que
son evidentes, de este retorno al pasado, absolutamente inaceptable
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desde la perspectiva de los derechos humanos... (CIDH, Serie C,
n.126, caso Fermn Ramirez vvs. Guatemala, sentencia del 20
de junio de 2005)60
Poder-se-ia fundamentar a punio do uso de drogasem
um suposto desvalor do comportamento do usurio em se tornar
voluntariamente incapaz de autocontrole (espcie de actio libera in causa), em
situao propensa ao cometimento de crimes futuros.
Porm, ainda que o direito penal admita a punio
daquele que voluntariamente se tornou inimputvel (CP, art.28, II), isso
apenas ocorre quando praticado efetivamente um ato criminoso posterior.
Assim, se algum se embriaga e pratica um crime posterior como leses
corporais ser punido por este, independente de sua capacidade deautocontrole no momento do ato. Mas no haver sano criminal pelo ato
de se embriagar. Da mesma forma, no se justifica a punio do uso de drogas
pela possvel prtica de crimes posteriores, o que no impede a punio por
estes ltimos, se cometidos, independente da imputabilidadedo agente.
Ademais, se admitidas tais razes para a criminalizao
do consumo de drogas, imperiosa seria sua extenso para o uso de outrassubstancias tambm (ou mais) associadas leso de bens jurdicos, como o
de lcool, uma vez que as estatsticas revelam sua ntima ligao com
60. Recurso de Hecho A. 891. XLIV. Deciso de 25.08.09. p.248 (doc.1).
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crimes dolosos e culposos (ex. 65% dos acidentes de trnsito so causados
por motoristas que dirigem sob efeito do lcool)61.
Por fim, poder-se-ia discutir, nesse contexto, a
legitimidade de lanar mo do direito penal nos casos de uso pblico das
substncias em discusso. Nesse caso, a liberdade de ao estaria limitada pela
necessidade de proteo diante da limitao do comportamento, em especial
por parte de crianas e adolescentes62. Mas tal uso do direito penal
enfrentaria um problema de justificao, diante do princpio da igualdade
(CF, art.5, caput), uma vez que o uso de substncias/prtica de
comportamentos to ou mais prejudiciais sade como o lcool, o
tabaco, ou mesmo a prtica de esportes perigosos no tem relevncia
penal63.
Tal assertiva no significa autorizar o uso de
entorpecentes em pblico. Pode o estado proibir no mbito administrativo o
consumo de entorpecentes fora do espao de intimidade do indivduo, ou
restringi-lo a/em determinados lugares, cominando pena de multa ou
sanes no penais ao descumprimento de tais regras, como ocorre em
Portugal ou na Espanha. Mas a criminalizao, mesmo do uso em locais
pblicos, afeta a isonomia, como j mencionado, e a subsidiariedade, pois a
61. Fonte: http://www.antidrogas.com.br/mostraartigo.php?c=897(consultado em 24/01/2013. Nesse sentido,SILVEIRA, Renato de Mello Jorge,Drogas e politica criminal: entre o direito penal do inimigo e o direitopenal racional. In drogas: aspectos penais e criminolgicos. Corrd. Miguel Reale Jr. Rio de Janeiro:Forense, 2005, p.41.62. SANGUIN, Odone. inconstitucional a incriminao do porte de txicos para uso pessoal? Fasciculosde Cincias Penais, Porto Slegre, v.1, n.3, p.64, maio 1988.63 Nesse sentido, PEREIRA, Rui.A descriminao do consumo de drogas. In: ANDRADE: Manuel da Costa.Librer discipulorum para Jorge de Figueredo Dias. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p.1164.
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inibio ao consumo pode ser alcanada por meio de polticas menos
gravosas j mencionadas, como o combate ao trfico, aes educativas,
vedao de propaganda e proibio administrativa do consumo em locais
pblicos.
4.MUTAO CONSTITUCIONAL
Por todo o exposto, a norma constitucional em questo
padece do vcio da inconstitucionalidade, pela afronta aos arts.1, III e V,
5, capute X da Constituio Federal.
Ainda que esta e. Corte tenha admitido em algum
momento pretrito a constitucionalidade do uso do direito penal para inibiro consumo de drogas, tais precedentes no vinculam o entendimento do
colegiado, a uma porque no tm carter vinculante muito menos para o
prprio rgo formador da orientao jurisprudencial e a duas porque o
fenmeno da mutao constitucional autoriza o reconhecimento de distintas
abrangncias da norma constitucional diante da transformao do contexto
social e dos valores culturais vigentes.
Como ensinam MENDES64, BARROSO65 e
ZAVASKI66, dentre outros, as alteraes dos valores e dos discursos de
uma determinada sociedade podem conferir contornos distintos
64. MENDES, Gilmar Ferreira.Jurisdio constitucional. So Paulo: Saraiva, 1999, p.299.65. BARROSO, Lus Roberto. Curso de Direito constitucional,So Paulo: Saraiva, 2009, p.13766. ZAVASKI, Teori Albino. Eficcia das sentenas na jurisdio constitucional. So Paulo: RT, 2001,p.115.
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abrangncia e interpretao das normas constitucionais em momentos
histricos diferentes. Como ensina BARROSO: a mutao constitucional em
razo de uma nova percepo do Direito ocorrer quando se alterarem os valores de
determinada sociedade. A ideia do bem, do justo, do tico, varia com o tempo (...). O que
era antes legtimo pode deixar de ser, e vice-versa67.Trata-se, nas palavras do ex-
Ministro EROS GRAU, da resoluo de uma incongruncia existente entre as
normas constitucionais e a realidade constitucional, entre a constituio formal e a
constituio material68.
Assim, possvel reconhecer contedo material distinto
ao texto constitucional, revisitando os conceitos ora em discusso, de
dignidade, pluralidade e intimidade, sem afetar a correo ou a legitimidade
histrica de decises anteriores em sentido contrrio. Vale lembrar que
semelhante questo foi apresentada Corte Constitucional argentina porocasio da declarao da inconstitucionalidade da criminalizao do uso de
drogas, uma vez que aquele rgo apontara a adequao constitucional do
mesmo dispositivo anos antes69. E a soluo foi justamente o recurso ao
reconhecimento da mutao constitucional:
En tal sentido esta Corte admiti que
ciertas normas susceptibles de ser consideradas legitimas en su
origen, pudieron haberse tornado indefendibles desde el punto de
vista constitucional con el transcurso del tempo y el cambio de
67. BARROSO, Lus Roberto. Curso de Direito constitucional,So Paulo: Saraiva, 2009, p.13768. GRAU, Eros. Sobre a prestao jurisdicional. Direito Penal. Malheiros: SP, 2010, p.52.69. Deciso MONTALVO (Fallos, 313:1333), in GRECO, Luis. Posse de droga, privacidade, autonomia:reflexes a partir da deciso do Tribunal Constitucional argentino sobre a inconstitucionalidade do tipopenal de posse de droga com a finalidade de prprio consumo. Rbccrim, So Paulo, v.18, n.87, nov/dez2010, p.86.
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circunstancias objetivas relacionadas con ellas (Falllos: 328:
566).
Ainda que a VIVA RIO entenda que a contradio
entre a criminalizao do uso de drogas e a Constituio originria, e no se
justifica desde o incio da vigncia da Carta de 1988, possvel admitir a
mutao constitucionalcomo tese alternativa.
Nesse sentido, diante de uma evidente tendncia ao
reconhecimento da incompatibilidade entre a previso do crime de porte de
drogas para uso pessoal e o princpio da dignidade humana e da intimidade,
revelada pelas decises legislativas e jurisprudenciais de pases com a
mesma matriz constitucional70, pelas vozes doutrinrias j citadas que
indicam a incompatibilidade entre a norma legal e a constitucional, bemcomo pelas manifestaes da sociedade civil encartadas aos presentes autos
(Comisso Brasileira Sobre Drogas e Democracia CBDD [fl. 179], a
Associao Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos ABESUP
[fl. 224], o Instituto Brasileiro de Cincias Criminais IBCCRIM [fl. 245];
o Instituto de Defesa do Direito de Defesa IDDD [fl. 281]; e a Conectas
Direitos Humanos, juntamente com o Instituto Sou da Paz, Instituto Terra
Trabalho e Cidadania - ITTC e Pastoral Carcerria [fls. 558 e 559]) pareceautorizado o reconhecimento do fenmeno da mutao constitucional,
conferindo distinta amplitude aos dispositivos indicados e em
consequncia declarando-se a nulidade da norma questionada.
70. Infra, item 06.
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Para corroborar a assertiva sobre a existncia de um
pleito organizado da sociedade civil para uma mudana de postura sobre o
tema de drogas, destaca-se o sucesso da campanha da entidade subscritora
Lei de Drogas: preciso mudar, que reuniu milhares de assinaturas em defesa
da alterao das regras legais sobre entorpecentes71.
No mesmo sentido, a Comisso Brasileira sobre drogas
e democracia, que rene personalidades como Carlos Velloso, Ellen Gracie,
Paulo Gadelha, Edmar Bacha e Joo Roberto Marinho, assinou manifesto
em defesa de uma nova poltica de combate ao uso de drogas sem o
recurso ao direito penal (doc.4).
A mudana de postura mais patente quando se
constata que personagens polticos importantes de diversos pases, como
Fernando Henrique Cardoso, Csar Gaviria (ex-presidente da Colmbia),
Ernesto Zedillo (ex-presidente do Mxico), Jorge Sampaio (ex-presidente
de Portugal), bem como intelectuais da mais alta patente, como Milton
Friedman e Gary Becker, se renem para defender polticas dedescriminalizao, acompanhados da opinio editorias de relevantes
publicaes, como a revistaNew Scientist, e os jornais Daily Mirrose a Folha
de So Paulo72.
71. Disponvel em http://vivario.org.br/drogas/politica/campanha-de-opiniao-publica-pela-mudanca-da-lei-de-drogas/, acessado em 28.01.13.72. Todos citados em ARAUJO, Tarso,Almanaque das drogas. So Paulo: Leya, 2012, p.206.
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Vale notar que a prpria ONU revela fissuras em suas
recomendaes sobre a criminalizao do consumo de drogas, evidenciadas pelas
diversas manifestaes de lderes polticos sobre o fracasso da guerra s
drogas (alcunhada por ABRAMOVAY como a marcha da insensatez) por
ocasio da reunio do Conselho de Drogas Narcticas (2009)73, fato que
levou o diretor do escritrio das Naes Unidas contra a Droga e o Crime
afirmar que: tem havido um limitado, mas crescente coro entre polticos, a imprensa e
mesmo entre a opinio pblica que diz: o controle de drogas no est funcionando74.
Em suma, existem ntidas manifestaes da sociedade
civil organizada apontando a impropriedade da criminalizao do uso de drogas,a indicar que tal poltica no encontra mais guarida sob o mbito de
abrangncia da dignidade humana, em sua concepo atual. Mais uma vez,
isso no significa legalizar o consumo de entorpecentes, mas apenas
reconhecer que na atual formatao social tal extenso do direito penal
no tem lugar em uma sociedadeplurale respeitadora da intimidade.
73. BOITEUX, Luciana.Breves consideraes sobre a politica de drogas brasileira atual e as possibilidadesde descriminalizao. Boletim Ibccrim, So Paulo, v.18, n.217, dez, 2010.74. Em ARAUJO, Tarso, Almanaque das drogas. So Paulo: Leya, 2012, p.232. Para um panorama sobre odescrdito da politica de represso tradicional, ver ABRAMOVAY, Pedro, A poltica de drogas e a marchada insensatez, disponvel em http://www.surjournal.org/conteudos/getArtigo16.php?artigo=16,artigo_09.htm,acessado em 22.01.2013.
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5.DA INCONSTITUCIONALIDADE EM QUESTOPERANTE OS TRATADOS INTERNACIONAIS
INCORPORADOS
Em julgados passados, esta e. Corte firmou
entendimento sobre a natureza supralegal dos tratados internacionais
regularmente incorporados ao ordenamento jurdico brasileiro75.
Assim, independente da tramitao especial para
incorporao prevista no art.5, 3 da Constituio Federal que
conferem aos diplomas status de norma constitucional os tratados
internacionais apresentam, ao menos76, hierarquia jurdica superior lei
ordinria, de forma que qualquer incompatibilidade entre ambos resolvida
pela prevalncia daqueles em relao a estas.
Nesse sentido, o desenvolvimento de qualquer poltica
criminal pelo legislador deve respeitar as normas previstas nos tratados
regularmente incorporados, sem que isso represente qualquer afetao da
soberania brasileira, uma vez que o prprio Parlamento chancela seu
contedo por regular Decreto Legislativo.
A dignidadee a intimidadedo indivduo,alm de previstas
constitucionalmente, so aladas condio de normas supralegaispelo art.11.2
75. Por todos, Recurso Extraordinrio 466343, Rel. Min. Cezar Peluso, j.13.12.2008, e todos os precedentesque originaram a sumula vinculante 2576. Sem afastar posies respeitveis que sustentam o carter constitucional dos tratados sobre direitoshumanos. Sobre o tema, PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e o Direito ConstitucionalInternacional, 6aedio revista, ampliada e atualizada, So Paulo, ed. Max Limonad, 2004, p.75-98.
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da Conveno Americana de Direitos Humanos77, e pelo art.17.1 do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Polticos78, de forma que a constatao de
sua incompatibilidade com a criminalizao do uso de entorpecentes leva,
inevitavelmente, ao afastamento da norma em discusso (lei ordinria) do
ordenamento jurdico ptrio.
bem verdade, sob outro prisma, que o Brasil ratificou
a Conveno contra o trfico ilcito de entorpecentes e substncias psicotrpicas79, na
qual assume o compromisso perante outros pases no combate s drogas.
No entanto, patente no documento apossibilidadedo pas abster-se de usar
como instrumento de dissuaso a criminalizao do consumo de drogas
(Conveno contra o trfico ilcito de entorpecentes e substncias
psicotrpicas, art.3, II80), de acordo com seusprincpios constitucionaise comos conceitos fundamentais de seu ordenamento jurdico81.
Assim, diante da j mencionada estrutura normativa da
Constituio Federal, a declarao de inconstitucionalidade pretendida no
77. Incorporado pelo Decreto 678/92.78. Incorporado pelo Decreto 592/92.79. Que, junto Conveno nica sobre Entorpecentes (1961) e a Conveno sobre Substancias Psicotrpicas(1971), formam a linha mestra do controle internacional de drogas. BOITEUX, Luciana; CASTILHO, ElaWiecko Volkmer de; VARGAS, Beatriz; BATISTA, Vanessa Oliveira; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas.Trfico de Drogas e Constituio. Pensando o Direito. Ministrio da Justia. Brasilia, n.1, 2009, p.18.80. Incorporado pelo Decreto 154/91.81. Nesse sentido, tambm a Suprema Corte Argentina, ao invocar o mesmo dispositivo para justificar suadeciso de declarar a inconstitucionalidade da criminalizao do consumo de drogas (sentena no Recurso deHecho A. 891. XLIV (25.08.09) p.251 (doc.1). Na mesma linha, Nesse sentido, PEREIRA, Rui. Adescriminao do consumo de drogas. In: ANDRADE: Manuel da Costa.Librer discipulorum para Jorge deFigueredo Dias. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p.1169.
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acarretar o rompimento dos compromissos do Estado brasileiro perante a
comunidade internacional referentes ao combate s drogas.
6.DAEXPERINCIAINTERNACIONAL
Ainda que as experincias internacionais no sejam o
argumento central na discusso sobre a compatibilidade de lei ordinria
brasileira com a Constituio nacional, parece oportuno expor que
inmeros pases de matiz constitucional semelhante nossa afastaram a
legitimidade do direito penal diante do porte de drogas para consumo
prprio.
Portugal aprovou em 29 de novembro de 2000 a Lein30, dispondo que o consumo, a aquisio e a deteno para consumo prprio de
plantas, substncias ou preparaescaracterizadas como drogas deixa de ser crime
e passa a ser contra-ordenao (ilcito administrativo). Ainda que o
comportamento esteja sujeito coima(espcie de prestao pecuniria) ou a
outras sanes (art.17), se trata de medidas de limitao de direitos que no
impem obrigaes positivas82, como de prestao de servios comunidade ou
comparecimento a cursos educativos previstas na legislao brasileira (Lei11.343/06, art. 28).
82. Com exceo do disposto no item e do art.17: apresentao peridica em local a ser designado pelacomisso.
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Na mesma linha, o legislativo espanhol83, o chileno84, o
uruguaio, o italiano, deixaram fora da seara penal o consumo de drogas,
ainda que considerem a conduta ilcitasob o prisma administrativo.Tambm
a legislao da ustria, Frana, Mxico, Noruega e Alemanha, dentre
outras, dispe que o porte de drogas s tem relevncia penal quando esteja
destinada ao trfico ilcito85.
Em outros pases, o Judicirio foi o protagonista da
descriminalizao do consumo de drogas.
A Corte Constitucional colombiana, em 1994 (Sentena
C-221) caracterizou inconstitucional a criminalizao do consumo de
entorpecentes. Tambm na Argentina a descriminalizao do consumo de
drogas decorreu de deciso da Corte Constitucional. Em 25 de agosto de2009 aps inmeras decises conflitantes o rgo supremo da Justia
daquele pas reconheceu a incompatibilidade da norma penal com a
garantia da intimidadeprevista no art.19 da Carta Magna daquele pas, bem
como diante da ineficciada poltica de criminalizao86.
Em suma, em inmeros pases nos quais a dignidade
humana e a intimidade pautam o modelo constitucional, o uso de drogas
83. BOITEUX, Luciana; CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de; VARGAS, Beatriz; BATISTA, VanessaOliveira; PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Trfico de Drogas e Constituio. Pensando o Direito.Ministrio da Justia. Brasilia, n.1, 2009, p.20.84. Ley 20.000, de 16 de fevereiro de 2005 (art.4).85. Passagem de FERNANDO VELASQUEZ, mencionada na sentena da Corte Suprema de Justia daColmbia, processo 31531, j.08.07.2009, Ponente Yesid Ramrez Bastisdas. Boletim Ibccrim, 241, dez.2012,p.1610 (doc.1).86. Corte Suprema de Justicia de la Nacin. Recurso de Hecho A. 891. XLIV (25.08.09) (doc.1).
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No se pretende aqui discutir os efeitos prejudiciais das
substncias entorpecentes, nem minimizar as preocupaes de amplos
setores da sociedade civil e do governo com os problemas inerentes ao
trfico e ao consumo de drogas.
O objetivo das ponderaes tecidas ao longo do
presente documento apenas identificar a inconstitucionalidade de uma
poltica de combate ao trfico de drogas apoiada na criminalizao de uma
das vtimas de tais organizaes, o usurio.
So legtimos os diversos instrumentos e polticas
desenvolvidas pelo Poder Pblico para assegurar a sade individual e coletivadiante do srio e grave problema das drogas.No entanto, o uso do direito
penal ultima ratio do controle social, destinado aos comportamentos mais
graves e agressivos para coibir comportamentos individuais, praticados na
esfera ntimado indivduo, sem capacidade para afetar por si terceiros,
atenta contra a dignidade humana, a pluralidade, a intimidadee a isonomia, todos
previstos na Constituio Federal (CF, arts.1, III, V, e 5, capute X).
Como afirmou FRIEDMAN: as drogas so uma tragdia
para os viciados. Mas criminaliz-las converte essa tragdia em um desastre para a
sociedade, para usurios e no usurios igualmente 87.
87. Na open letter to Bill Bennett. The wall street journal. 07.09.2006, p.20, apud, ARAUJO, Tarso,Almanaque das drogas. So Paulo: Leya, 2012, p.227.
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40.
Com o exposto, a VIVA RIO espera ter contribudo
com esta e.Corte no papel de amicus curiae, somando-se s demais
instituies que vieram aos autos para participar de to relevante debate.
PIERPAOLO CRUZ BOTTINI
OAB/SP n. 163.657
IGORSANTANNATAMASAUSKAS
OAB/SP n. 173.163
TAINMACHADO DEALMEIDACASTRO
OAB/DF n. 33.556
ANAFERNANDAAYRES DELLOSSO
OAB/SP 291.728
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