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    Tema: Cultura (1)

    A. Pro pos tas de red ao

    Texto 1As pessoas afirmam que o prximo tem direito, sem dvida, a certos bens fundamentais, como

    casa, comida, instruo, sade coisas que ningum bem formado admite, hoje em dia, sejamprivilgios de minorias, como so no Brasil. Mas ser que pensam que o seu semelhante pobre teria

    direito a ler Dostoivski ou ouvir os quartetos de Beethoven? Certos bens so obviamenteincompressveis, isto , no podem ser negados a ningum, como o alimento, a casa, a roupa. Outrosso compressveis, como os cosmticos, os enfeites, as roupas extras. So bens incompressveis noapenas os que asseguram a sobrevivncia fsica em nveis decentes, mas os que garantem aintegridade espiritual. So incompressveis, certamente, a alimentao, a moradia, o vesturio, ainstruo, a sade, a liberdade individual, o amparo da justia pblica, a resistncia opresso etc.; etambm o direito crena, opinio, ao lazer e, por que no, arte e literatura. A literaturadesenvolve em ns a quota de humanidade, na medida em que nos torna mais compreensivos eabertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. A organizao da sociedade pode restringir ouampliar a fruio deste bem humanizador. O que h de grave numa sociedade como a brasileira queela mantm com a maior dureza a estratificao das possibilidades, tratando como se fossemcompressveis muitos bens materiais e espirituais que so incompressveis. Em nossa sociedade, h

    fruio segundo as classes, na medida em que um homem do povo est praticamente privado dapossibilidade de conhecer e aproveitar a leitura de Machado de Assis ou Mrio de Andrade. Para ele,ficam a literatura de massa, o folclore, a sabedoria espontnea, a cano popular, o provrbio. Estasmodalidades so importantes e nobres, mas grave consider-las como suficientes para a grandemaioria, que, devido pobreza e ignorncia, impedida de chegar s obras eruditas. Portanto, a lutapelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aosdiferentes nveis da cultura. A distino entre cultura popular e cultura erudita no deve servir parajustificar e manter uma separao inqua, como se, do ponto de vista cultural, a sociedade fosse divididaem esferas incomunicveis, dando lugar a dois tipos incomunicveis de fruidores. Uma sociedade justapressupe o respeito aos direitos humanos, e a fruio da arte e da literatura em todas as modalidadese em todos os nveis um direito inalienvel.

    Antonio Candido. O direito literatura. In: Vrios escritos. Rio deJaneiro: Ouro sobre azul, 2004, p. 172-4; 180; 190-1 (com adaptaes).

    Texto 2

    J. Borges. Mudana de sertanejo. Xilogravura.

    Texto 3

    Portinari. Os retirantes. leo sobre tela.

    Texto 4

    Funke cultura popular cariocaHermano Vianna

    Desde o incio dos anos 70 o funk, estilo musical inventado por negros norte-americanos, anima umnmero impressionante de festas realizadas no Rio de Janeiro e frequentadas por jovens que

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    pertencem s camadas mais pobres da populao. [...] segundo pesquisa que realizamos em 1987,acontecem cerca de seiscentas festas funk(conhecidas como bailes funk) por fim de semana, atraindoum pblico de mais ou menos um milho de pessoas. Estes nmeros colocam o baile funkcomo umadas diverses mais "populares" da cidade. S a praia parece atrair, com essa frequncia, um pblico"fiel" maior.

    Aparentemente, tal fenmeno poderia ser interpretado como mais uma "imposio" da indstriacultural, aqui representada pelas multinacionais do disco, na sua tentativa maquiavlica dehomogeneizar toda a cultura do planeta, destruindo aquilo que ainda resta de autntico e "diferente" naspopulaes "dominadas". Os jovens do Rio de Janeiro que danam funkestariam sendo vtimas de uma

    cruel estratgia de marketing que buscaria afast-los da "verdadeira" cultura "popular" carioca (samba?futebol?), forando-os a consumir um produto importado ("de baixa qualidade" e "alienador") que nadatem a ver com a sua "realidade".

    O funk seria condenvel por, entre outros motivos, no fazer parte da chamada cultura popularcarioca. Mas como j disse com segundas intenes, o funk "uma das diverses mais populares dacidade". O jogo de palavras pretendia despertar a seguinte pergunta no leitor: mas, afinal, popular aquisignifica aquilo que consumido pelo maior nmero de pessoas ou, seguindo uma certa tradiointelectual que teve (melhor: tem tido) grande popularidade (no primeiro sentido) no Brasil, aquilo que autntico, isto , produzido pelo povo, para o povo, sem intermedirios, com ou sem intenes de"resistncia" popular [...]? [...] Quem determina o que autntico e o que no ? E se o funk popular(no primeiro sentido) sem ser popular (no segundo), o que "deu errado" na autenticidade carioca? [...]

    Vianna, Hermano. Funk e cultura popular carioca.

    Disponvel em:

    Proposta 1

    Apesar de o texto 2 ser uma xilogravura popular de J. Borges e o texto 3, de carter expressionista, dePortinari, um consagrado pintor brasileiro, ambos apresentam temtica social comum: a condio doretirante. Com base nos textos apresentados e em seus conhecimentos, elabore um comentriorelacionando a importncia da arte brasileira na denncia das mazelas sociais.Seu texto dever ter de 12 a 15 linhas.

    Proposta 2

    Redija um resumo, em at 15 linhas, que exponha as ideias e as informaes consideradasfundamentais para a compreenso da temtica abordada no texto 1.

    Proposta 3

    No texto 3, Hermano Viana encerra prvia anlise sobre o funkcarioca com uma srie de perguntas uu u se gnero musical. Elabore uma dissertao, de 20 a 25linhas, na qual voc responda a estas perguntas.

    Use a coletnea de textos como referncia para a elaborao de sua dissertao, mas evite qualquertipo de cpia.

    B. Leitura complementar

    Texto 5

    O clssico e o moderno, o erudito e o popular na arte

    Class ic ismo x mo dern idade

    O sculo XX marcou, no domnio das artes, a supremacia de duas realidades oriundas de rupturashistricas: de um lado, o fenmeno da arte moderna enquanto transgresso e superao dos cnonesestticos aceitos por nossa civilizao desde a Antiguidade Clssica; de outro, o fenmeno da culturade massa, decorrente do impacto das novas tecnologias sobre os meios de comunicao. Hoje, com aconsolidao das conquistas da arte moderna e com o triunfo da cultura de massa, as dicotomiasclssico x moderno e erudito x popular se impem mais do que nunca.

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    Na verdade, a cultura ocidental sempre oscilou entre duas grandes dicotomias: a herana clssica,sobretudo greco-romana, em oposio ideia de modernidade, e a cultura erudita, praticada pela epara a aristocracia, por oposio cultura popular, de carter vulgar e plebeu. A primeira dessasdicotomias se coloca, ainda no Renascimento, na forma de um questionamento por parte da classeintelectual, qual pertenciam artistas, filsofos, pensadores e crticos, quanto ao prprio rumo dacultura europeia, recm-sada das brumas da Idade Mdia. Uma vez rejeitada a ideologia medieval esuas implicaes nas artes, havia agora dois caminhos a seguir: ou o retorno aos padres estticos efilosficos da Antiguidade Clssica, ou a criao de uma cultura totalmente nova, a partir do nada. Osintelectuais e criadores dos sculos XV e XVI optaram, como se sabe, pelo primeiro caminho.

    Assim, se a Idade Mdia se defrontou com o conflito entre a cultura antiga e os valores judaico-cristos a ela superpostos, procurando adaptar a filosofia aristotlica aos ditames ideolgicos docristianismo donde o surgimento da escolstica , agora o Renascimento vinha sobrepor a culturaantiga aos valores ocidentais originrios da Idade Mdia. Contraditoriamente, o termo Renascimento,aplicado ao movimento artstico e cultural desse perodo, procurava aludir a um verdadeiro renascer dacultura greco-romana ao mesmo tempo em que a nova fase histrica que ali comeava era denominadapelos historiadores como Idade Moderna. Assim, a modernidade era, de fato, a ressurreio daAntiguidade. A conscincia da falta de uma identidade legtima para essa cultura que se intitulavam u mm m , m Qu A M, qu u cenrio literrio francs nos sculos XVII e XVIII.

    Cultura erudita x cultura popu lar

    Por outro lado, a oposio entre uma cultura erudita ou aristocrtica e uma cultura popular ouplebeia permeia toda a histria ocidental. Na verdade, o prprio conceito de Histria est ligado ao doconflito de classes (da ter Marx proposto que a construo de uma sociedade sem classes, asociedade socialista, marcaria o fim da Histria). Assim, a histria cultural tem sido marcada desdesempre por essa diviso entre a cultura da elite, considerada, alis, por muito tempo como a nicaforma possvel de cultura, e a cultura do povo, na verdade vista pela aristocracia dominante como ano-cultura, isto , como a ausncia completa de civilizao. Na Roma antiga, essa oposio ficavaclara principalmente na literatura e no teatro, em que a lngua utilizada pelos escritores para tratar deassuntos nobres e elevados era a lngua culta, deixado o sermo vulgaris comdia popular. De um modo mais geral, opunha- , uuu aristocracia e, posteriormente, da alta burguesia, ao artesanato e aos folguedos populares, de origemcamponesa, vistos sempre como manifestaes rudes e toscas de um populacho rude e tosco.

    O esgotamento da cultura de inspirao clssica em fins do sculo XIX, contempornea daderrocada da nobreza europeia e do esfacelamento das ltimas monarquias, bem como do advento dacivilizao industrial e ps-industrial, que tornou a prpria arte reproduzvel, levou os artistas aproclamarem uma revoluo esttica que se inicia com a pintura impressionista e que desgua napluralidade de tendncias estticas que marcou o sculo XX os famosos ismos. Com isso, estabelece-se um novo conceito de arte moderna, entendida agora como a arte nascida das vanguardas do inciodo sculo XX, por oposio arte praticada at o sculo XIX, chamada comumente de arte acadmica,por ser aquela que se ensinava nas academias de belas-artes.

    Indstr ia cultural e cultura d e massaO advento dos meios de comunicao de massa (cinema, rdio, televiso), decorrente do

    desenvolvimento tecnolgico que permitiu a reproduo em larga escala dos bens culturais (surgimentoda fotografia, do fongrafo, etc.), deu origem chamada indstria cultural e cultura de massa. De ummodo geral, a cultura que se expandiu atravs dessas novas mdias foi a cultura popular e no aerudita. Desse modo, o sculo XX assistiu ao cruzamento das resultantes de duas tenses dialticas: acultura moderna e a cultura popular. Por isso, s vezes, as dicotomias clssico/moderno eerudito/popular se confundem: o termo clssico s vezes equivale pura e simplesmente a antigo,tradicional, acadmico, e s vezes se refere esfera de cultura erudita (por exemplo, a oposio aindacorrente hoje em dia entre msica clssica e msica popular de um lado, e entre bal clssico e balmoderno de outro), mas, na verdade, trata-se de oposies diferentes, pois a dicotomiaclssico/moderno representa uma oposio fundamentalmente cronolgica, ao passo que a dicotomiaerudito/popular de carter sobretudo sociolgico.

    A oposio dialtica entre tradio e modernidade, vale dizer, entre conservao e mudana, d

    origem aos conceitos de vanguarda, arte-padro e academicismo. Este ltimo caracteriza-se pelo apegofiel tradio, sem nenhum aspecto de inovao; a vanguarda representa a ruptura com a tradio, aimposio do novo sobre o velho; a arte-padro a conciliao entre inovao e tradio, a convivnciado novo com o antigo. Assim, toda inovao artstica comea por uma ruptura com a tradio, por umanegao dos cnones vigentes. Uma vez sendo aceita socialmente, essa forma de arte inicialmentevanguardista passa a ser o padro esttico, isto , o novo status quo. medida que novas rupturas

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    sejam feitas, por meio de novos movimentos de vanguarda, a arte-padro tende progressivamente atornar-se conservadora e a ser vista como arcaica. Esse o ciclo dinmico das modas estticas que sesucedem no tempo.

    J a oposio dialtica entre elite e massa produz os conceitos de arte erudita (aquela que atende ogosto da elite), arte popular (a que representa o gosto da massa) e arte ecltica (que concilia ambos osgostos). Segundo o princpio formulado pela teoria da comunicao de que quanto maior for o repertriomenor ser a audincia (isto , quanto mais rica a mensagem, menor o nmero de pessoas capazes dedecodific-la corretamente), a arte de vanguarda costuma ser uma arte elitista, j que propebasicamente um alargamento do repertrio artstico. medida que o novo cdigo de leitura das obras

    de arte estabelecido por essa vanguarda se dissemina socialmente, permitindo que mais e maispessoas sejam capazes de decifr-lo, a audincia, isto , o pblico desse tipo de arte, tambm sealarga, consubstanciando a popularizao da nova esttica. Entretanto, certas formas extremamenteconservadoras de arte so igualmente elitistas. Nesse sentido, tanto a vanguarda absoluta quanto oacademicismo absoluto tendem a ter pouco pblico.

    Quando os meios de comunicao de massa e a indstria cultural se consolidaram, tornando-seuma realidade incontestvel, foi justamente a cultura popular a que mais se beneficiou do novoprocesso. Na msica, por exemplo, foi o jazz, nos Estados Unidos do incio dos anos 20, e no amsica sinfnica, o gnero musical mais difundido pela indstria fonogrfica e pelo rdio, entoemergentes. Assim, a cultura moderna, nascida sob o signo da produo industrial, confundiu-se poucoa pouco com a cultura popular. Se quisermos descrever s futuras geraes o que foi a msica dosculo XX, devemos assinalar sobretudo a msica popular como a representante legtima de nossa

    cultura. De fato, se verdade que a msica sinfnica continuou a ser produzida no sculo XX e tevemesmo alguns representantes de importncia indiscutvel, como Stravinsky e Villa-Lobos, ningum podenegar que o fenmeno realmente representativo em termos musicais deste sculo foi o advento do jazz,do rock e do pop, alm, claro, dos ritmos latino-americanos (samba, tango, bolero, etc.). At o sculoXIX, a msica popular restringia-se quilo que hoje chamamos de msica folclrica: no Brasil, o lundu, amodinha, o maxixe, etc. Quem quiser m u XIX uB, W u Tkky M qum qu m u XXno pode ignorar os Beatles ou Frank Sinatra.

    Sobretudo no campo da msica, a arte popular ocupou o espao antes reservado arte erudita. Ato sculo passado, gneros musicais como a missa e a pera pertenciam ao domnio da msica erudita(tomem-se a Missa Solemnis, de Mozart, e a pera Ada, de Verdi); hoje, pertencem ao domnio damsica popular (por exemplo, a Missa dos Quilombos, de Milton Nascimento e a pera-rock Evita). Comisso, a msica sinfnica do sculo XX, embora original, foi relegada a um plano secundrio, a umaposio marginal. As conquistas harmnicas da msica dodecafnica de Arnold Schnberg jamaischegaram ao grande pblico e permanecem at hoje restritas aos estudiosos da teoria musical.

    Por outro lado, a cultura popular que logo se generalizou pareceu, num primeiro momento, operaruma verdadeira democratizao da cultura. Se, tradicionalmente, a arte erudita aquela consumidapela elite cultural e econmica e a arte popular, aquela consumida pelas classes mais baixas dasociedade, ento o fenmeno da cultura de massa havia feito tanto ricos quanto pobres, tanto a elitecultural quanto o proletariado ouvir o mesmo tipo de msica: Glenn Miller ou Louis Armstrong eramapreciados tanto nas classes mais altas quanto nas mais baixas. Porm, com o tempo, e na medida emque o conflito de classes no foi superado pela moderna sociedade capitalista (talvez tenha-se atmesmo agravado), essa cultura popular universal, que pretendia unificar o gosto artstico sob a gide do

    modelo de massas, logo se cindiu em duas: surgia uma msica popular mais elitizada e outra maisvulgarizada. A prpria cultura popular, que destronara a cultura erudita, reproduzia agora em seuprprio seio a mesma interminvel luta de classes.

    A emergncia da cultura de massa provocou acirrada polmica nos meios intelectuais, formadosbasicamente por membros da burguesia acostumados cultura acadmica e erudita. nesse contextoque os pensadores da Escola de Frankfurt dentre os quais Marcuse, Horkheimer e Adorno vodelinear uma concepo esttica de arte frontalmente contrria cultura de massa, numa atitudeabertamente conservadora, que denuncia a cultura das massas e a indstria cultural como alienantes.Diz Marcuse em A dimenso esttica: " Em virtude de sua forma esttica, a arte absolutamenteautnoma perante as relaes sociais existentes. Na sua autonomia, a arte no s contesta estasrelaes como, ao mesmo tempo, as transcende. Deste modo, a arte subverte a conscincia dominante,a experincia ordinria."

    Um E um um m m A qu "[] universo das comunicaes de massa reconheamo-lo ou no o nosso universo; e se quisermosfalar de valores, as condies objetivas das comunicaes so aquelas fornecidas pela existncia dosjornais, do rdio, da televiso, da msica reproduzida e reproduzvel, das novas formas de comunicaou u Num , m mm u []"

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    Conforme diz Maria Lcia B. C. de Paula (Nem apocalpticos nem integrados: perspectivas da arteno final do sculo XX. Cultura Vozes, maio-junho de 1996, p. 118-119): "Embora no mbito da arte oslimites entre a cultura erudita e a cultura de massa fossem ficando cada vez mais confusos, no domnio u m [] O m manos do milnio outro. As fronteiras esto definitivamente borradas, com a cultura de massa invadindocada vez mais domnios at ento exclusivos da alta cultura, como por exemplo os museus de arte."

    O erudito e o popular hojeNo presente, difcil definir o que erudito ou popular. Antigamente, como dissemos, a arte erudita

    era aquela consumida pela elite econmica e cultural, e vale a pena ressaltar que, at o sculo XIX, aelite econmica e a cultural coincidiam. Atualmente, curioso notar artistas extremamente populares at mesmo popularescos ocupando grandes casas de espetculos e cobrando ingressos mais carosdo que a maioria dos artistas mais elitizados, circunscritos em geral aos pequenos espaos culturais. Oque percebemos que, enquanto a cultura erudita tradicional a msica de concerto, o bal clssico, apintura acadmica, etc. marginalizou-se e tornou-se fenmeno social pouco significativo, a culturapopular preencheu sozinha o espao social, atingindo todas as classes. No entanto, se hoje toda a artetem razes populares, no deixa de haver uma estratificao social da arte, e no apenas em termos daoposio elite x massa, mas em termos de uma gradao que vai do mais erudito ao mais vulgar.

    Retomando o exemplo da msica, notamos que a corrente erudita se diluiu, sobretudo a partir dasegunda metade do sculo XX, de tal modo que compositores como Karlheinz Stockhausen e JohnCage j no podem mais ser classificados quer como eruditos (isto , sinfnicos) quer como populares;

    por outro lado, nota-se que tais compositores permanecem mais eruditos do que Egberto Gismonti, oqual mais erudito do que Tom Jobim, que mais erudito que Roberto Carlos, e assim por diante. Deuma parte, o ndice de popularidade cresce proporcionalmente ao tamanho do pblico atingido; de outraparte, decresce proporcionalmente ao aumento do nvel cultural desse pblico. Identificam-se, assim,dois eixos ao longo dos quais a msica e a arte em geral se situa: um eixo que vai da mximaelitizao mxima massificao, e um eixo que vai da tradio mais conservadora vanguarda maisrevolucionria. Nesse sentido, podemos dizer que tanto Paulinho da Viola quanto Zeca Pagodinhoproduzem uma arte conservadora, no caso o samba tradicional, mas aquele tem um pblico maiselitizado (isto , ao mesmo tempo menor e mais culto) do que este ltimo. A obra de Milton Nascimento, sem dvida, mais conservadora que a de Arrigo Barnab e mais inovadora que a de Noel Rosa ouBeethoven. Por outro lado, mais popular que a de Villa-Lobos ou Miles Davis, mas mais erudita que ade Amado Batista. Alm disso, sua produo musical nos anos 60 e 70 era mais vanguardista do quesua produo a partir dos anos 80, que se mostra mais conservadora em termos formais, mais popularna frmula esttica e, portanto, mais linear.

    Muitas vezes, vanguarda e tradio se interpenetram na produo artstica. De um lado, avanguarda utiliza elementos tomados tradio para dar-lhes um novo papel significativo, dentro de umnovo contexto. Desse modo, o rock progressivo representou uma inovao dentro do contexto dok m m m , m mrock sinfnico de Rick Wakeman. Da mesma forma, a pintura surrealista aliou uma temticarevolucionria (o onirismo e o nonsense) a uma tcnica pictrica acadmica, assim como a pop artincorporou cones da arte acadmica (por exemplo, a imagem da Gioconda) em colagens irreverentes.De outro lado, temos exemplos de arte tradicional que utiliza elementos de vanguarda. o caso dapintura de Hieronymus Bosch, que em pleno sculo XV foi um precursor do surrealismo.

    Tambm o erudito e o popular se mesclam muitas vezes na elaborao de um novo paradigmaesttico. De um lado, temos a msica de Bach ou de Villa-Lobos, que incorporaram elementospopulares para produzir um resultado erudito. De outro, temos o j citado rock progressivo, que assimilaelementos eruditos para produzir um resultado popular. Essa mescla de erudito e popular, tradicional einovador, leva a uma arte hbrida, difcil de ser classificada. Por exemplo, a msica new age erudita oupopular? E o free jazz, gnero de origem negra de complexidade meldica, harmnica e rtmica superior da msica de concerto, e que chegou mesmo a influenciar certos compositores sinfnicos? E osarranjos do tipo muzak, como Ray Conniff e Lawrence Welk, em que canes populares sotransformadas em peas orquestrais com arranjo sinfnico? E Luciano Pavarotti cantando msicapopular?

    Concl uso

    A arte atual em geral, e a msica em particular, fundiu a ideia de vanguarda de razes populares. Aarte dos dias de hoje moderna e popular ao mesmo tempo. Por outro lado, no dizer de Ezra Pound, qu m m ququ P, qu sobrevive sua poca setorna clssica. Nesse sentido, a oposio clssico x moderno remete a uma outra, moderno x eterno.Para Octavio Paz (apud Maria Lcia B. C. de Paula), o homem clssico, sabendo-se mortal, propunhauma arte eterna. J o artista moderno, ciente da historicidade, e portanto da efemeridade da arte,

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    dedica-se ao exerccio de sua temporalidade. Alm disso, devemos lembrar que os conceitos declssico, moderno, erudito e popular variam conforme a poca (as valsas de Strauss, que erammodernas e populares em seu tempo, hoje so clssicas e eruditas). As trilhas sonoras instrumentais emsicas incidentais de filmes, peas de teatro e bals, que at a dcada de 50 pertenciam normalmente msica sinfnica (por exemplo, o tema de E o Vento Levou), so hoje domnio quase exclusivo damsica popular. Finalmente, preciso lembrar que, a partir dos anos 50, com a exploso do movimentojovem, as oposies culturais clssico/moderno e erudito/popular deram lugar dicotomia cultura jovemx cultura adulta.

    Nessa nova perspectiva, o jazz tradicional de Louis Armstrong e Frank Sinatra passou a representar

    o antigo, o clssico, por oposio msica e cultura modernas, surgidas do movimento jovem (ElvisPresley, os Beatles, o movimento hippie). De outra parte, hoje, passados mais de 40 anos dosurgimento do rock e da exploso do movimento jovem e da cultura pop, com sua rebeldiacaracterstica, j se comea a notar um fenmeno interessante: se at aproximadamente os anos 70 orock era a msica jovem por excelncia (aqui no Brasil, alm do rock procedente dos pases de lnguainglesa, a juventude sobretudo a mais politizada tambm ouvia o rock e o pop nacionais,representados primeiramente pela jovem guarda, e a seguir pela Tropiclia e seus sucessores),enquanto os mais velhos preferiam o jazz tradicional e, no caso do Brasil, a msica popular pr-bossanova, a partir dos anos 80 j comeam a surgir pais que foram adolescentes nas dcadas de 50 e 60 ecresceram ouvindo rock e bossa nova; hoje, esses pais tm filhos que tambm escutam rock e a MPBmoderna. Assim, o que temos hoje em dia uma gerao de jovens que apreciam o mesmo gnero demsica que seus pais.

    Em outras palavras, o conflito de geraes, que no incio do sculo XX opunha a msica de concerto musica popular (o jazz e o samba tradicionais), que em meados desse sculo opunha o jazz e osamba tradicionais ao rock e bossa nova, hoje se d de forma mais sutil, dentro do prprio quadro dorock e da MPB ps-bossa nova e ps-tropicalismo: a diferena de gosto musical entre pais e filhos no mais uma diferena de estticas, mas sim uma diferena de estilos dentro de uma mesma esttica(Beatles, Rolling Stones e Raul Seixas x Oasis, Alanis Morrisette e Paralamas do Sucesso; CaetanoVeloso e Chico Buarque x Chico Csar, Carlinhos Brown e assim por diante). Alis, comum hoje em m qu u C Buqu u Ru S, qu mque o padro esttico nascido da cultura jovem e rebelde dos anos 50 e 60 est se tornando se quej no se tornou o mainstream em matria de msica.

    Bzz, A O clssico e o moderno, o erudito e o popular na arte I: Lbero, ano 2, n. 1, 1999.Disponvel em: