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1 Dados parciais do projeto financiado pela FAPESP.2 Enfermeira da Unidade de Transplante Renal do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e-mail: [email protected] Profª Titular do Depto de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da USP, e-mail: [email protected] Enfermeira-Chefe da Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e-mail: a p a r e c i d a . m e n e z e s @ u o l . c o m . b r

Análise dos Fatores Proxêmicos na Interação dosProfissionais de Saúde com os Pacientes Queimados1

Milena Froes da Silva 2

Maria Júlia Paes da Silva 3

Maria Aparecida Jesus Menezes 4

A RTIGO ORIGINAL

RESUMOEste estudo teve como objetivos observar a distância mantida entre paciente e profissional de saúde duranteas interações ocorridas na unidade de queimados, analisando os fatores da proxêmica propostos por Hall ecomparar os fatores de proxêmica observados no atendimento de pacientes recém-admitidos e em pacientesinternados há mais tempo. É um estudo exploratório, descritivo, realizado na Unidade de Queimados doHospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, nos meses de abril e maio de 2003.Observamos as interações ocorridas com cinco pacientes queimados recém-admitidos e cinco internados hámais de um mês, analisando: postura corporal, eixo sociofugo e sociopeto, fatores cinestésicos, comportamentode contato, código visual e volume de voz. Verificamos que as diferenças entre os fatores de proxêmicaobservados na interação com o paciente recém-admitido e com o paciente admitido há mais de um mês foram:comportamento de contato e volume de voz.

P a l a v r a s - c h a v e : Comunicação; Comunicação não-verbal; Comportamento Espacial; Queimaduras.

INTRODUÇÃO

À luz do processo interacional, podemos dizer quea comunicação é o elo de ligação que estabelece o vínculoentre as pessoas. Aimportância do vínculo nas relações sedeve a uma necessidade básica do indivíduo em compar-tilhar com os demais suas idéias, valores, crenças egostos. Este compartilhar se faz através da comunicaçãoestabelecida entre as pessoas, sendo que a comunicaçãopode ser verbal ou não-verbal. Comunicação verbal é aque faz uso das palavras por elas mesmas e a não-verbalé a que não envolve a verbalização, compreendendo alinguagem do corpo, o toque, a distância mantida entre osprofissionais e os artefatos utilizados por eles( 1 ).

A comunicação não-verbal é classificada emcinésica (linguagem do corpo), proxêmica (distânciamantida entre as pessoas e o uso do seu espaço pessoal),tacêsica (o toque), fatores do meio ambiente (artefatosusados pelo homem) e paraverbal (as pausas, silêncios,grunhidos, hesitações e ênfases no falar)(1).A partir destaclassificação, escolhemos a proxêmica como foco donosso estudo, pois entendemos que é também por meioda utilização correta do uso dos espaços, que o processode interação será mais facilmente estabelecido. De acor-do com a definição(2), “proxêmica é o estudo da distânciaque os indivíduos mantêm um do outro na interaçãosocial e de como essa separação é significante”.

Cada paciente possui um campo energ é t i c o(espaço pessoal) ao redor de si, visto como uma extensãodo seu próprio corpo(1). Um dos aspectos com o qualpouco nos preocupamos durante o cuidado do pacientehospitalizado é com a invasão desse seu espaço pessoal.Lembrando a quantidade de procedimentos que são reali-zados com este paciente ao longo do dia, podemos imagi-nar a quantas exposições ele está suscetível. Estes mo-mentos podem ser verdadeiros suplícios se ele sentir queestão invadindo o seu espaço pessoal, principalmente selevarmos em consideração que para o indivíduo hospita-lizado, o espaço pessoal pode ser a única sobra de evi-dência da sua identidade e integridade(3).

Em um estudo que analisa as funções do espaçona estrutura hospitalar(4), podemos observar que há umaforte relação entre a estrutura de autoridade e a comuni-cação da equipe. Se analisada à luz da proxêmica, estarelação pode ser comparada ao que Eduard R. Hall(5),estudioso e criador do tema, define como o uso do espaçosendo influenciado pelas relações de autoridade que seestabelece. Neste caso, a invasão do espaço ocorrequando os indivíduos envolvidos na relação pertencem aposições hierárquicas diferentes. O profissional repre-senta o indivíduo de maior status na interação, assimindica, através do olhar, da forma como se aproxima e atédo tocar, que tipo de relação pretende estabelecer com opaciente.

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Em uma análise sobre os fatores proxêmicos na comunicação com o paciente laringectomizado(6),observou-se que nas situações de interação ocorridasentre paciente e profissional à distância íntima e o toqueinstrumental prevaleceram, e que após a cirurgia o pacien-te manifesta alguns medos, como o de sufocação e defalta de ar, através da comunicação não-verbal (olhossuplicantes, movimentação das mãos, expressões faciaistensas), sendo portanto imprescindível que o enfermeiroperceba e entenda estes sinais.

São descritos oito fatores envolvidos no estudodas distâncias entre as pessoas(5):

→ fatores de postura-sexo: que inclui o sexo doparticipante e a posição básica mantida por ele (de pé,sentado ou deitado);

→ eixo sociofugo e sociopeto: o eixo sociofugosão as posturas corporais que têm como efeito manter osindivíduos estanques entre si (desencoraja a interação), jáo eixo sociopeto se refere às posturas que provocam/permitem o contato entre as pessoas (denota encora-jamento);

→ fatores cinestésicos: é a proximidade do indiví-duo em termos de tocabilidade, posicionamento daspartes do corpo, assim como as partes que se tocam;

→ comportamento de contato: são relações táteis(agarrar, segurar, acariciar, entre outras);

→ código visual: presença ou não de contatovisual e o modo de olhar;

→ código térmico: é o calor percebido pelo inter-locutor;

→ código olfativo: é o grau de odor percebido nainteração;

→ volume de voz: refere-se ao volume e inten-sidade da fala (sussurro, tom normal, grito).

Para as relações que estabelecemos no nosso dia-a-dia, existem quatro distâncias que mantemos no con-tato com os nossos semelhantes: íntima, pessoal, social epública(5). Na distância íntima (0-50 cm) ocorre contatofísico através de pequenos movimentos; a visão, o cheiroe o calor do corpo do outro são perceptíveis. A distânciapessoal (50-120 cm) é aquela onde não há contato cor-poral; o calor e o odor do outro não são perceptíveis. Nadistância social (120-360 cm) não há contato físico e otom de voz é normal; as pessoas que trabalham juntas,normalmente utilizam essa distância. E a distância públi-ca (acima de 360 cm) refere-se àquela mantida nas confe-rências e comícios; a voz pode ser alta e o contato visualopcional.

As relações que o homem mantêm com o seumeio ambiente dependem do seu aparelho sensorial e domodo como está condicionado a reagir. À distância ínti-ma, podemos sentir determinados odores, assim como avisão, nesta distância, é mais “aguçada”; os olhos, geral-

mente, são a maior fonte de informação que o homempossui. O contato físico é extremamente significativo; otato é um mundo perceptivo mais imediato e mais acolhe-dor que o mundo orientado pela visão(5).

Os trabalhos sobre este tema – proxêmica – naárea da saúde são poucos, o que nos motivou a estudá-lae entendê-la um pouco mais a partir de situações reaisvivenciadas por nós, enfermeiras. Uma das autoras dopresente trabalho fez parte da Liga de Queimaduras daFaculdade de Medicina da USP (FMUSP) até 2003, enotou, através das atividades que realizava na Liga, queo paciente queimado é bastante manipulado pela equipede saúde ao longo do dia e que a prestação do cuidadodiferia entre um paciente recém admitido e um pacientecom maior tempo de internação. A proxêmica, então,possibilitaria uma melhor percepção e análise dos fatoresque evidenciam essa diferença.

Não encontramos, na literatura, muitos estudosque ressaltassem a importância da percepção e respeitoao espaço pessoal do paciente durante o cuidado pres-tado. Um estudo que enfocou a interação entre a equipede enfermagem e o paciente queimado, sob a perspectivado processo de cuidar e lidar com o sofrimento destepaciente ao longo do período de internação hospitalar,identificou que as reações dos profissionais durante ocuidado de enfermagem ao indivíduo vítima de queima-duras, assim como suas formas de enfrentamento,dependem de significados culturais aprendidos ao longoda vida dessas pessoas e que os programas de apoio sãoimportantes para criar estas estratégias de enfren-t a m e n t o( 8 ).

Em um outro estudo sobre os significados atri-buídos pelos pacientes à vivência da queimadura(9), osautores destacam a necessidade do profissional de Enfer-magem perceber a existência das diferentes formas deexpressão da dor, pois só assim será capaz de assistir oindivíduo sob os seus cuidados como um todo. Enfatizamque os indícios da existência de uma dor interna (emo-cional) só serão percebidos pelo profissional, quandoeste atentar para os sinais não verbais emitidos pelopaciente ao longo das interações, ou seja, o olhar, osgestos, o choro, os movimentos corporais, entre outros.

Assim, através deste estudo, acreditamos que mui-tos profissionais da saúde serão beneficiados com estapesquisa, pois independente da sua função (seja enfer-meiro, médico, fisioterapeuta etc) todos, de alguma forma,manipulam o paciente na realização das suas atividadesde atendimento, o que implica em uma “invasão” doespaço que circunda o mesmo. Com isto, estaremosalertando estes profissionais quanto à complexidade queenvolve toda e qualquer ação em saúde, já que a comu-nicação não se constitui apenas na palavra verbalizada;temos de aprender a ser artistas, no sentido de captar asmensagens, interpretá-las adequadamente e potencializá-las criativamente.

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OBJETIVOS DO ESTUDO

• observar a distância mantida entre paciente eprofissional de saúde durante as interações ocorri-das na unidade de queimados, analisando os fato-res de proxêmica propostos(5);• comparar os fatores de proxêmica observados noatendimento de pacientes recém-admitidos e empacientes internados há mais de um mês.

MÉTODO

Tipo de estudo: É um estudo exploratório, des-critivo e de campo.

Local do estudo: Divisão de Queimaduras doHC-FMUSP, São Paulo (SP).

População: Equipe de saúde da unidade (cincoenfermeiras, 16 auxiliares de enfermagem e trêsresidentes de medicina) e cinco pacientes adultos recém-admitidos e cinco atendidos há mais de um mês.

Procedimentos de coleta de dados: Primeira-mente solicitamos autorização à Comissão de Ética ePesquisa da Instituição. Após aprovação, cada período deobservação teve a duração de 2h e foi analisada a intera-ção dos profissionais com um paciente por dia. A autoraque observou as interações foi previamente treinada paraa identificação e registro dos fatores proxêmicos porespecialista na área. Usamos um impresso (anexo) quepermitiu o registro rápido dos fatores propostos porHall(5), para que não fosse perdida a continuação da inte-ração. A escolha dos pacientes foi aleatória, por indica-ção da enfermeira da unidade, sendo cinco pacientesadultos recém-admitidos e cinco com mais de um mês deinternação. A coleta ocorreu entre os meses de abril emaio de 2003. Foram registrados os aspectos envolvidosna análise proxêmica durante a interação desses pacien-tes com todos os funcionários da enfermaria que pres-taram cuidados a eles nessas 2 horas de observação.

Tratamento dos dados: Descrevemos quantitati-vamente os dados que compõem a proxêmica (fatores depostura-sexo, eixo sociofugo e sociopeto, fatores cines-tésicos, comportamento de contato, código visual e volu-me de voz), analisando a situação de interação ocorridade acordo com a categoria profissional, que foi clas-sificada em: Presta assistência (P.A.); Solicita informa-ções gerais (S.I.G.); Solicita informações sobre as condi-ções do paciente (S.I.C.P.) e Fornece orientações (F.O.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram observadas 43 interações, em um total de20 horas de observação. Nas distâncias mantidas nasinterações, tanto dos pacientes recém admitidos quantodos admitidos há mais de um mês, verificamos que 23(53,4%) ocorreram à distância íntima, ou seja, aquela que

compreende desde o tocar até a distância de 50 cm entreas pessoas. Em situações do dia-a-dia, esta distância épermitida quando existe um vínculo de confiança entreos integrantes da interação, assim em situações diferenteso paciente pode exteriorizar algumas reações e senti-mentos referentes à invasão sofrida através dos sinaisnão-verbais(1,5). Em 13 (30,2%) interações percebemos adistância pessoal, que é muito utilizada nas interações docotidiano. Então, ao constatarmos que a esta distância osmembros da equipe de saúde colheram e forneceraminformações ao paciente, verificamos que a atitude foicorreta, já que o tom de voz usado foi normal e aexpressão facial do paciente foi melhor detectada. Emcinco (11,6%) orientações houve a distância social, ondenão há contato físico (toque) e a conversação fica audívelpara outras pessoas próximas. Sobre esta distância, veri-ficamos que, nos momentos em que ocorreu, a interaçãonão foi positiva, pois o profissional solicitou informaçõespessoais sobre o estado do paciente, e entendemos que aesta distância não se deve solicitar informações pessoaisou mesmo fazer uma orientação. A distância pública foiobservada em dois (4,6%) momentos, quando o profis-sional solicitou informações gerais e específicas sobre opaciente, o que também não é adequado, dada a situaçãode “novidade” que o paciente vivencia e o momentoconstrangedor a que se expõe(1).

Com os pacientes recém admitidos observou-seum total de 16 interações, sendo que as categorias profis-sionais que interagiram com o mesmo, no momento daobservação, foram o auxiliar de enfermagem e o enfer-meiro. Das 16 interações ocorridas, nove foram comenfermeiros e sete com auxiliares de Enfermagem. Assituações de interação mais comum foram P.A. (43,7%) eF.O. (31,2%). A aproximação do auxiliar foi, em 85,6%das vezes, para prestar assistência. Em nenhum momentoobservamos o enfermeiro prestando assistência direta aopaciente. A maior aproximação do paciente, por parte doauxiliar de Enfermagem, facilita a criação do vínculo deconfiança, pois sabemos que o tempo utilizado para aprestação dos cuidados é maior que o tempo usado paraorientar o paciente, por exemplo; assim, o número e otempo de contato estabelecido entre as pessoas podeinterferir positivamente ou não na criação desse vínculo.Esse dado coincide com os achados de outros autores(6) .

Detectamos o código visual em todas as intera-ções, porém houve o contato visual na aproximação so-mente em dez casos (62,5%), nos demais os profissionaisse aproximaram do paciente sem olhá-lo; em oitomomentos houve a permanência do contato visual em,mais ou menos, 50,0% da interação e em oito interaçõeso profissional olhou pouco para o paciente. Afirma-seque nos contatos cordiais, olha-se para as pessoasaproximadamente 50,0% do tempo de interação e que,olhar menos, pode ser decodificado como indiferença(1).

O toque esteve presente em 12 interações, sendoque a categoria auxiliar de Enfermagem foi a que mais outilizou, visto que são esses profissionais que prestaram

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os cuidados físicos. Dos 12 momentos onde houve otoque, sete (64,0%) foram do tipo instrumental (o que éusado para a execução dos procedimentos), quatro(27,0%) foram toques afetivos (que demonstram atençãoou outro tipo de sentimento e não estão ligados dire-tamente a execução de nenhuma técnica) e apenas um foido tipo instrumental/afetivo, ou seja, o profissional seutilizou do toque afetivo enquanto realizava o proce-dimento. O desamparo experimentado pelo paciente nasituação de internação, é mais uma justificativa da im-portância do toque afetivo na área da saúde(11).

O eixo sociopeto foi o mais usado pelos profis-sionais durante a interação com o paciente. Este dado éextremamente positivo, já que as posições “frente afrente” e “lado a lado” (eixo sociopeto) favorecem a inte-ração entre as pessoas, permitindo que haja o contato.

Quanto ao tom de voz, detectamos voz audível em10 (76,9%) interações, voz alta em três (23,1%) enenhum sussurro (voz baixa). Em três interações houve aprestação da assistência sem verbalização; neste caso, oauxiliar de Enfermagem (que mais prestou o cuidado)aproximou-se do paciente sem cumprimentá-lo, perma-necendo calado ao longo da interação.

Sabemos que os sentimentos despertados em nóspelo nosso interlocutor podem ser expressos ao longo dainteração(1); assim, as expressões faciais dos profissio-nais durante a interação foram registradas como positivase demonstrassem contentamento, alegria, entre outros;negativa se demonstrassem raiva, desprezo, impaciênciaetc; e neutra se demonstrassem indiferença. De acordocom a observação, constatamos oito expressões faciaispositivas, uma negativa e sete neutras.

Durante o período de observação, pudemos detec-tar alguns momentos onde o espaço pessoal do pacientefoi invadido. As reações do mesmo frente a essa invasãoforam: surpresa, indiferença, tranqüilidade/ segurança eproteção. A reação mais presente em todos os momentosde interação foi a tranqüilidade. Este resultado demons-tra que, na maioria das vezes, o paciente não demonstrouperturbação por seu espaço pessoal ter sido invadido. Emsegundo lugar tivemos a s u r p re s a ; os movimentosbruscos e o comportamento inadequado (por exemplo,aproximação das nádegas do profissional no rosto dopaciente quando se vira para fazer algo) por parte doprofissional de Enfermagem, desencadearam esta expres-são facial no paciente, que manifestou a reação através damaior abertura ocular e boca entreaberta. Qualquer tipode intrusão no espaço pessoal do indivíduo pode serpercebida como uma ameaça à segurança do mesmo(12).

A invasão do espaço pessoal do paciente podeocorrer de três formas: por violação, que é a invasão como olhar (no ambiente hospitalar isto ocorre com muitafreqüência); por invasão, que se refere à invasão do terri-tório propriamente dito; por contaminação, que é a inva-são com “coisas nossas”(1). Durante as observações, veri-ficamos cinco momentos onde duas das três formas deinvasão ocorreram. A forma invasão foi a mais observada

durante o período de coleta de dados (quatro momentos).Esta ocorreu quando em dois momentos, o auxiliarretirou a bolsa do paciente de cima do criado-mudo sempedir-lhe permissão e quando a enfermeira, em outrosdois momentos, retirou alguns pertences do paciente doarmário e jogou-os no lixo. A invasão do tipocontaminação ocorreu quando, durante o cuidado, oauxiliar de Enfermagem esqueceu o termômetro na axilado paciente.

Com relação aos pacientes admitidos na unidadehá mais de um mês, constatamos um total de 27interações, sendo que os profissionais que interagiramcom os mesmos foram o enfermeiro, o auxiliar deEnfermagem e o residente de Medicina. Por se tratar deum hospital escola, é comum que durante o período deinternação o atendimento médico ao doente seja feito porum estudante de Medicina. Podemos observar que houvemais interações com o paciente admitido há mais tempoque com o paciente recém admitido. Para o pacienterecém admitido, usamos a mesma classificação nassituações de interação.

A situação de interação mais observada foi P. A.(41,1%), F. O. (35,2%), como ocorrido com o subgrupode pacientes recém admitidos. O auxiliar de Enfermagemfoi, também, a categoria profissional que mais interagiucom o paciente (prestando assistência), seguido do resi-dente de Medicina que interagiu solicitando informaçõessobre as condições do mesmo e fornecendo orientações.

Observamos que o código visual esteve presenteem todas as interações e que o profissional olhou para opaciente ao se aproximar. Devemos enfatizar que o con-tato visual nos possibilita uma troca de informações que,em determinados momentos, não poderia ocorrer deoutro modo.

O toque ocorreu em 18 interações e o tipo ins-trumental também foi o mais utilizado. Chama-nos aatenção que os residentes de Medicina foram os res-ponsáveis pelos únicos três toques afetivos ocorridos nasinterações, mesmo sendo o auxiliar de Enfermagem oprofissional que mais tocou o paciente.

Quanto à postura, o eixo sociopeto esteve presenteem 21 interações (87,5% das vezes) o que é extrema-mente positivo, já que o eixo sociofugo (presente em12,5% das vezes) desencoraja a interação. O dado coinci-de com o encontrado com os pacientes recém admitidos.

O tom de voz usado, em 22 vezes (81,4%), foiaudível. Sendo este um fator que interfere nossentimentos que permeiam as distâncias entre aspessoas(1), podemos concluir que os diálogos entre osinterlocutores não denotava sigilo (voz baixa) oudesentendimento/ imposição de idéias (voz alta).

Quanto às expressões faciais, em 16 (59,2%)momentos a expressão do profissional foi neutra. Por serum paciente internado há mais tempo, esperávamos quea existência da empatia durante o cuidado fosse umarealidade, e que a equipe assumisse uma expressão facialmais positiva (presença de sorriso, por exemplo),

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denotando a existência de uma relação saudável eharmoniosa entre paciente e profissional.

Com relação às reações demonstradas pelo pa-ciente frente à invasão do seu espaço pessoal, constatamosque a tranqüilidade foi, em 18 (64,2%) vezes, a mais obser-vada, demonstrando que o paciente com maior tempo deinternação já está um pouco mais acostumado às rotinasda unidade e aos profissionais que lhe prestam o cuidado.

Assim como observado anteriormente, detecta-mos que houve invasão do espaço pessoal do paciente,sendo a violação (a invasão com o olhar) a mais comum(85,7% das vezes). Esta prática é muito comum em umhospital escola (como o Hospital das Clínicas), ondecada intervenção junto ao paciente é sinônimo de apren-dizado. Contudo, os profissionais que violaram o espaçodo paciente já conheciam bem a técnica do procedimentorealizado. Então, podemos inferir que, por se tratar de umambiente hospitalar, onde o profissional de saúde se sen-te à vontade e o paciente reconhece o local como hostil,é comum que a equipe não se sinta constrangida ao des-respeitar o espaço individual do paciente – mesmo queseja só com o olhar.

Ao compararmos os fatores de proxêmica obser-vados no atendimento dos pacientes recém admitidos edaqueles com mais de um mês de internação, conformeproposto no segundo objetivo, nos chamou a atenção ofato de que em nenhum momento o profissional médicointeragiu com o paciente recém admitido, diferente doque ocorreu com o paciente admitido há mais de um mês.Outro fato que nos chamou a atenção foi que, nainteração com o paciente recém-admitido, o atendimentofoi mais centrado/ direto, ou seja, na mesma interaçãonão se solicitava mais de uma coisa do paciente. Dife-rente do atendimento ao paciente com mais tempo deinternação, onde, por exemplo, na mesma interação oprofissional prestou assistência e forneceu orientação aopaciente (o que tornava a interação mais longa).

Sobre os demais fatores não-verbais detectadosnas interações, verificamos que:

- O contato visual, durante a aproximação, estevepresente em todas as interações com o paciente admitidohá mais de um mês, porém com o paciente recém admi-tido ele ocorreu somente em 62,5% das vezes;

- O toque instrumental esteve presente em maisde 58,0% de todas as interações e os poucos profissionaisque fizeram uso do toque afetivo foram o residente demedicina (com o paciente admitido há mais de um mês)e a enfermeira (com o paciente recém admitido);

- A postura assumida pelos profissionais, paraambos os tipos de pacientes, favoreceu o contato, ou seja,o eixo sociopeto foi o mais usado;

- O tom de voz foi audível em mais de 75,0% dasinterações, para ambos os tipos de pacientes;

- Quanto à expressão facial do profissional, pre-valeceram a expressão neutra na interação com o pa-ciente admitido há mais de um mês e a expressão positivacom o paciente recém admitido.

Sobre as reações dos pacientes frente à invasão doseu espaço pessoal, observamos que a tranqüilidade foi ademonstração mais comum nos dois grupos, porém como paciente recém admitido a surpresa foi bastante mani-festada (cinco vezes de um total de 20 reações), o que nospermite inferir que, dado o caráter de “novidade” dainternação, é esperado que o paciente se surpreenda comaquilo que desconhece.

Constatamos que no atendimento ao paciente re-cém admitido a forma invasão foi a mais observada, jácom o paciente admitido há mais de um mês a invasão sedeu, em 85,7% das vezes, através da violação, ou seja, ainvasão com o olhar. Talvez por achar que o paciente jáse “acostumou” ao hospital, o profissional não achenecessário respeitar a privacidade do mesmo.

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que, neste estudo, a maioria das intera-ções com o paciente queimado ocorreu à distância ínti-ma, o que pode propiciar uma maior percepção dos sinaisnão-verbais demonstrados pelo paciente, se a equipe queo atendeu estiver atenta aos mesmos. Quanto ao númerode interações, constatamos que o paciente com mais deum mês de admissão interagiu com maior freqüênciacom a equipe de saúde, e que o profissional médico nãointeragiu em nenhum momento observado com o pacien-te recém-admitido.

O contato visual esteve presente na maioria dasinterações, o toque mais utilizado pelos profissionais foido tipo instrumental, o tom de voz utilizado junto aosdois tipos de pacientes foi audível e a expressão facial nainteração com o paciente recém admitido foi, em suamaioria, positiva, já com o paciente admitido há maistempo a expressão predominante foi a neutra.

O período de internação, por si só, já é estressantee gerador de ansiedade para o paciente. Podemos inferir,então, que o gasto de energia do mesmo é exacerbadoquando o stress e a ansiedade são somados à dor física epsicológica e à alteração brusca da auto-imagem (peladeformação da pele). Essas sensações negativas são des-favoráveis à recuperação do paciente, assim a equipe desaúde deve estar atenta às manifestações emocionais domesmo, mostrando, durante o cuidado, que ele podecontar com o apoio e respeito da equipe ao longo dainternação.

Ter o corpo “invadido” todos os dias não é nadaagradável, porém se esta “invasão” for permitida, ela setorna menos incômoda. A relação de cuidado torna-seagradável para ambos; há maior proveito das ações, otrabalho se torna mais leve para o profissional, pois ocuidado não fica unilateral, acontece uma parceria. Nãoestamos afirmando que a demanda de cuidado serámenor, mas que a qualidade das relações estabelecidasfavorece o trabalho, quando se cria um clima harmoniosoe positivo para toda a equipe.

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REFERÊNCIAS

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Recebido em: 28/01/2005Aprovado em: 04/04/2006

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ANALYSIS OF THE PROXEMIC FACTORS IN THE HEALTHCARE PROFESSIONALS’INTERACTION WITHBURNED PATIENTS

ABSTRACTThis study aimed at observing the distance kept between the patient and the healthcare professional during theinteraction occurred in the burned unit, analyzing the proxemic factors proposed by the anthropologist Hall andcomparing the proxemic factors observed during the assistance of recently admitted patients and long-timeinpatients. It’s an exploratory, descriptive study conducted at the Burned Unit from Hospital das Clínicas of theMedicine College of São Paulo University, in São Paulo, between April and May 2003. We observed theinteraction with five recently admitted burned patients and five inpatients who stayed longer than a month,analyzing posture, sociofugo and sociopeto axis, kinesthetic factors, contact behavior, visual code and voicetone. We verified that there are differences between the proxemic factors observed in the interaction with therecently admitted patient and the patient admitted for longer than a month, being these the differences: contactbehavior and voice tone.

Keywords: Communication; Nonverbal Communication; Spatial Behavior; Burns.

ANÁLISIS DE LOS FACTORES PROXÉMICOS EN LA INTERACCIÓN DE LOS PROFESIONALES DESALUD CON LOS PACIENTES QUEMADOS

RESUMENEste estudio tuvo como objetivo observar la distancia mantenida entre el paciente y el profesional de salud durantelas interacciones ocurridas en la unidad de quemados, analizando los factores de la proxémica propuestos por Hall,y comparar los factores de proxémica observados en la atención a pacientes recién admitidos y a pacientesinternados hace más tiempo. Es un estudio exploratorio, descriptivo, realizado en la Unidad de Quemados delHospital das Clínicas de la Faculdade de Medicina de la Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), en São Paulo,en los meses de abril y mayo de 2003. Observamos las interacciones ocurridas con cinco pacientes quemadosrecién admitidos y cinco internados hacía más de un mes, analizando: postura, eje sociofugo y s o c i o p e t o, factorescenestésicos, comportamiento de contacto, código visual y volumen de voz. Constatamos que las diferencias entrelos factores de proxémica observados en la interacción con el paciente recién admitido y con el paciente admitidohacía más de un mes fueron: comportamiento de contacto y volumen de voz.

Descriptores: Comunicación; Comunicación No Verbal; Conducta Espacial; Quemaduras.

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ANEXO: IMPRESSO USADO PARA REGISTRO DAS INFORMAÇÕES

SITUAÇÃO DE INTERAÇÃO DE ACORDO COM CATEGORIA PROFISSIONAL:Situação de interação PA* SIG* SICP* FO* TOTAL

Categoria ProfissionalENFAUXTOTAL

*PA: presta assistência / SIG: solicita informações gerais / SICP: solicita informações sobre as condições do paciente / FO: fornece orientação

FATORES NÃO-VERBAIS DETECTADOS NA INTERAÇÃO:

FATORES OLHAR TOQUE POSTURA PALAVRAS EXPRESSÃO TOTALNÃO-VERBAIS VERBALIZADAS FACIAL

EQ. DE ENFERM.

ENF

AUX

TOTAL

REAÇÕES DO PACIENTE FRENTE À INVASÃO DO SEU ESPAÇO PESSOAL:Tipo de interação RA* RO* RIG* ISC* TOTAL

ReaçõesSURPRESAINDIFERENÇATRANQUILIDADE/ PROTEÇÃOTOTAL*RA: recebe assistência / RO: recebe orientações / RIG: responde a informações gerais / ISC: informa sobre suas condições

INVASÃO DO ESPAÇO PESSOAL DO PACIENTE DE ACORDO COM CATEGORIA PROFISSIONAL:Tipo de Invasão Contaminação Invasão Violação Total

Categoria ProfissionalENFAUXRES. MED.TOTAL