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10 PLANETA TERRA 11 DE OUTUBRO DE 2011 A CACHOEIRA LUÍSA faz parte de área de RPPNs na Bocaina A CACHOEIRA LUÍSA faz parte de área de RPPNs na Bocaina Projeto particular promete proteger berço do Paraíba CLÁUDIO MOTTA [email protected] O maior berçário de Reservas Particulares do Patrimônio Na- tural (RPPNs) está em desen- volvimento na cidade de Bananal, em São Paulo. Serão 25 unidades de pro- teção ambiental, ocupando cerca de mil hectares (dez quilômetros quadra- dos), vizinhas à Estação Ecológica de Bananal, na Serra da Bocaina. Isso sig- nificará um aumento de 53% no núme- ro ou de 15% da área das RPPNs do es- tado de São Paulo, que dispõe de 47 unidades protegendo 6,7 mil hectares. — o Rio tem 114 reservas particulares (7,6 mil hectares) e o Brasil 1.062 (692 mil hectares), de acordo com dados da Confederação Nacional de RPPNs. Bananal será a cidade com mais reser- vas particulares do país. As novas unidades de conservação fi- cam numa área que há dez anos era de- gradada. Cerca de 70% do terreno esta- vam ocupados por árvores não nativas, como o eucalipto. Até que, em 2001, o grupo Acorb Agropecuária comprou o terreno da massa falida da empresa Ma- deirit. O que não era floresta nativa foi cortado e vendido, abrindo espaço para a recuperação ambiental. Com a burocracia para criar RPPNs federais vencida, o aposentado Ricar- do Roquette-Pinto, dono das terras, quer conseguir parceiros. O executivo que fez carreira na área de seguros de saúde venderá as terras, desde que se- ja mantida a obrigação de preservação ambiental. Desafio para salvar a Bocaina As RPPNs no Brasil • A maior RPPN fica em Mato Grosso do Sul e tem 87,8 mil hectares. • As cidades com mais RPPNs são Silva Jardim (RJ), com 19; Friburgo (RJ), 17; e Porto Seguro (BA), 15. • Minas Gerais tem 242 reservas; Paraná, 217; e Rio de Janeiro, 114. • As maiores áreas de RPPN ficam em Mato Grosso (172,9 mil ha), Mato Grosso do Sul (139,4 mil ha), Minas Gerais (127,8 mil 88 ha) e Paraná (50,2 mil ha). Fotos de divulgação

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A CACHOEIRA LUÍSA faz parte de área de RPPNs na BocainaA CACHOEIRA LUÍSA faz parte de área de RPPNs na Bocaina

Projeto particular prometeproteger berço do Paraíba

CLÁ[email protected]

Omaior berçário de ReservasParticulares do Patrimônio Na-tural (RPPNs) está em desen-

volvimento na cidade de Bananal, emSão Paulo. Serão 25 unidades de pro-teção ambiental, ocupando cerca demil hectares (dez quilômetros quadra-dos), vizinhas à Estação Ecológica deBananal, na Serra da Bocaina. Isso sig-nificará um aumento de 53% no núme-ro ou de 15% da área das RPPNs do es-tado de São Paulo, que dispõe de 47unidades protegendo 6,7 mil hectares.— o Rio tem 114 reservas particulares(7,6 mil hectares) e o Brasil 1.062 (692mil hectares), de acordo com dadosda Confederação Nacional de RPPNs.Bananal será a cidade com mais reser-vas particulares do país.

As novas unidades de conservação fi-cam numa área que há dez anos era de-gradada. Cerca de 70% do terreno esta-vam ocupados por árvores não nativas,como o eucalipto. Até que, em 2001, ogrupo Acorb Agropecuária comprou oterreno da massa falida da empresa Ma-

deirit. O que não era floresta nativa foicortado e vendido, abrindo espaço paraa recuperação ambiental.

Com a burocracia para criar RPPNsfederais vencida, o aposentado Ricar-do Roquette-Pinto, dono das terras,quer conseguir parceiros. O executivoque fez carreira na área de seguros desaúde venderá as terras, desde que se-ja mantida a obrigação de preservaçãoambiental.

Desafiopara salvara Bocaina

AsRPPNsnoBrasil

•AmaiorRPPNficaemMatoGrossodoSule tem87,8milhectares.

•AscidadescommaisRPPNssãoSilvaJardim(RJ),com19;Friburgo(RJ),17;ePortoSeguro(BA),15.

•MinasGerais tem242reservas;Paraná,217;eRiodeJaneiro,114.

•AsmaioresáreasdeRPPNficamemMatoGrosso(172,9milha),MatoGrossodoSul (139,4milha),MinasGerais(127,8mil88ha)eParaná(50,2milha).

Fotos de divulgação

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O projeto foi chamado de Águas daBocaina para chamar a atenção para seugrande potencial hídrico. As nascentes,cachoeiras e córregos alimentam o RioParaíba do Sul e beneficiam o abasteci-mento de 80% da Região Metropolitanado Rio. Sem falar no impacto ambientalpositivo para a Serra da Bocaina.

— Todas as glebas têm aceso à água,que é pura e nunca vai poder ser con-taminada. Entre tantas cachoeiras, háa Luísa, nome da minha neta. Ela ficanuma gleba que não será vendida. As-sim, todos os outros proprietários deRPPNs da Águas da Bocaina tambémterão acesso a essa cachoeira e a umafonte e água mineral — disse RicardoRoquette-Pinto.

Quatro das 25 RPPNs já foram vendi-das. Para Ricardo, isso mostra que há re-ceptividade ao projeto. Ele espera que oprojeto possa garantir a preservação deuma área de grande biodiversidade:

— Comprei o terreno, tirei a mataexótica e não tenho o que fazer comessa grande extensão de terras. Nãoquero deixar a fazenda para meus her-deiros nem que alguém a compre paraencher de bois. Um dos aspectos po-

sitivos é estar no meio de mais de dezmil hectares de mata contínua. Isso di-minui o problema da fragmentaçãodas florestas. E permite que haja bi-chos grandes, como a onça. Uma delasfoi fotografada em junho por um vizi-nho. Imagine toda a complexidade dacadeia alimentar para manter um ani-mal deste porte.

Luciano de Souza, especialista emRPPNs do Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio), órgão ambiental federal respon-sável pelas áreas de preservação, expli-ca que as áreas de conservação parti-culares contribuem para a ampliaçãode áreas protegidas no Brasil com bai-xo custo para as instituições públicas:

— Vender RPPNs para terceiros não énovidade, mas nunca vi iniciativa tãogrande, nem a compra de um terreno,seguida de sua recuperação e revenda.

O gestor da Estação Ecológica deBananal, que tem 884 hectares, sendoque 89% intocados, José Roberto AlvesSuarez, avalia os impactos positivosdas RPPNs das Águas da Bocaina. Aunidade é uma área de proteção inte-gral, voltada para a pesquisa e educa-ção ambiental, mantida pela Funda-ção Florestal, da Secretaria de MeioAmbiente do Estado de São Paulo:

— A criação das RPPNs permite queas unidades da Serra da Bocaina sejamligadas por corredores ecológicos, garan-tindo a perpetuidade das espécies de umbioma único. Muitas são endêmicas, co-mo o sapinho da barriga vermelha (Pa-ratelmatobius gaigeae ), que chegou a serdado como extinto em 1950, sendo re-descoberto em 2004. Nós da estaçãoecológica acompanhamos a extração doeucalipto. A regeneração do local por es-pécies nativas foi facilitada porque a ma-ta do entorno oferece um expressivobanco de sementes e muitos animais dis-persores (de sementes).

Incentivar a criação de RPPNs é o tra-balho de sete funcionários do InstitutoEstadual do Ambiente, do Rio. O núcleocomeçou a funcionar em 2008 e já con-tabiliza 109 unidades estaduais requeri-das, sendo que 45 já reconhecidas defi-nitivamente e sete têm portaria provisó-ria (falta averbação na matrícula do imó-vel). Outras 53 estão em análise. ❁

FLORA EFAUNA daserra emBananal, emSão Paulo, sãoconsideradasúnicas

ONDE FICAM AS RESERVAS

GLEBASGLEBASGLEBAS

Ilha Grande

RIO DE JANEIRO

SÃOPAULO

RIO DE JANEIRO

Parati

Rio Claro

Barra Mansa

Águas daBocaina

Ilha Grande

RIO DE JANEIRO

SÃOPAULO

RIO DE JANEIRO

Parati

Rio Claro

Barra Mansa

Águas daBocaina

Reserva Particular doPatrimônio Natural(RPPN)

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[email protected]

Eliel de Assis Queiroz, carioca de 61 anos, é um casoclássico de sujeito que desiste da cidade grande e de umemprego em escritório para viver cercado de mato. Mas assemelhanças entre ele e tantos outros param por aqui.Enquanto a maioria dos que correm para o interior queremcuidar de sua própria vida, Eliel decidiu transformar 18hectares de Mata Atlântica, na divisa de Resende comItatiaia, em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural(RPPN). Foram mais de duas décadas tramitando naburocracia brasileira até ter sua área reconhecida. E, foraadmitir a existência da RPPN Agulhas Negras, como foibatizada, os governos pouco fizeram pela região. A inérciado poder público, segundo Eliel, está longe de ser umaexceção, como ele conta na entrevista ao lado.

ELIEL DE ASSISQUEIROZ

ELIEL DE ASSISQUEIROZ

O GLOBO: Por que o senhor resolveumontar uma reserva?ELIEL DE ASSIS QUEIROZ: Trabalhei maisde 20 anos com tecnologia deinformação. Um dia resolvi largar tudo eir para o mato. A primeira tentativa demontar a reserva foi em 1988. Àquelaépoca o órgão ambiental era o IBDF(Instituto Brasileiro de DesenvolvimentoFlorestal), que não tinha muitafamiliaridade com o processo. Em 2006,fiz uma segunda tentativa, junto aoIbama. A papelada ficou lá por doisanos, até surgir o ICMBio (Instituto ChicoMendes de Conservação daBiodiversidade). Aí esperei mais umano, até o governo estadual criar o Inea(Instituto Estadual do Ambiente). Há,como se pode ver, uma grandedificuldade para criar uma reserva noBrasil, e isso é muito contraditório.

O GLOBO: Por quê?ELIEL: É mais fácil obter uma licençapara desmatar do que para preservar.Fazer o georreferenciamento da reserva,por exemplo, é muito caro. E as açõesde apoio a que teríamos direito, naprática, não acontecem. Sentimos queo governo quer usar essas reservascomo mero índice estatístico. Criam-seunidades públicas, mas sem a

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EVIST

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ELIEL (acima)na sua reserva,onde sãoencontradasdiversas espéciesde aves em 16hectares de MataAtlântica virgem

ELIEL (acima)na sua reserva,onde sãoencontradasdiversas espéciesde aves em 16hectares de MataAtlântica virgem

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Desafios e cifraspara manter a MataAtlântica preservadapreocupação de que elas operem etenham função ambiental, social eeconômica. E eles querem repetir issocom as RPPNs. Se o proprietário não forum cara que corre atrás, ela ficará nopapel, sendo invadida o tempo inteiropor caçadores.

O GLOBO: Como proprietário de umareserva particular, quais são suasobrigações?ELIEL: Mantê-la de acordo com o queexige a lei 9.985 de 2000, do Snuc(Sistema Nacional de Unidades deConservação). Devo ter planos demanejo, gerência, proteção à unidade— cercas e prevenção à fogo, porexemplo. Em contrapartida, porém, a leinão me cria compensações. Hápreciosismos da burocracia brasileira:no artigo 21, por exemplo, diz-se que,

sempre que “possível eoportuno”, os órgãos públicosdarão apoio às RPPMs. Não podehaver um subjetivismo como este.Quem vai decidir quando é oportuno?

O GLOBO: Este sistema é coordenadopelo Ministério do Meio Ambiente. Eos órgãos estaduais, eles intervêm?ELIEL: O governo federal determinalicenciamento e fiscalização. Osestados podem criar novas regras emecanismos, mas sempre ampliandoas exigências, e não reduzindo-as. NoRio, o rigor é maior. Obedecemos aum sistema mais rígido do que o doParque Nacional do Itatiaia, nossovizinho. Aqui não tenho comorecolher sementes e produzir mudas.E isso é um contrassenso, porque oestado comprometeu-se, por causadas Olimpíadas, a plantar 24 milhõesde mudas. Infelizmente as reservasparticulares não poderão contribuir.

O GLOBO: Não existe qualquer tipo deauxílio?ELIEL: Só apoio institucional. A equipedo ICMBio instalada em Itatiaia é muitozelosa. O que podem, fazem por nós.Dão declaração de apoio aos projetosque tentamos fazer com a iniciativaprivada. Fora isso, lidamos com muitasdificuldades burocráticas. A lei do Snucdiz que posso receber recursos decompensação ambiental para fazereducação ambiental. Mas eu não possousar essa verba para adquirir bens nemcontratar serviços. Então, não possocomprar um projetor, porque é bem,nem contratar um professor para daraula, porque é serviço. A lei dá com amão direita e tira com a esquerda.

O GLOBO: O senhor também járecorreu às prefeituras, não?ELIEL: Tenho um convênio de apoiotécnico com a prefeitura de Itatiaia, maso efeito é mais político do que prático.Rio Claro (no Sul fluminense) ofereceR$ 10 por hectare de Mata Atlânticaprotegido. Os outros municípios, nem

isso. É um acinte, um deboche. Falamoso tempo todo de economia verde, mas,na prática, isso não acontece. Por outrolado, é fácil entender o motivo. O poderpúblico sequer tem dinheiro para pôrgasolina no carro do fiscal. Imagina,então, dar recursos para reservasparticulares. Na semana passada, tinhacaçador aqui. Liguei para a guardaflorestal, e não havia veículo paraatender. Aí veio o pessoal do Inea deVolta Redonda e do ICMBio de Itatiaia,

mas só no dia seguinte. O caçador,claro, já tinha ido embora.

O GLOBO: A sua reserva é voltadapara a proteção do bioma maisdesmatado do país, a MataAtlântica...ELIEL: Isso é outro pontofundamental. Do que sobrou dobioma, 80% estão em áreasparticulares. Incentivar a criaçãode reservas particulares aqui

deveria ser fundamental, porquecontribui para a proteção da mata.

O GLOBO: Quanto o senhor gastoucom a montagem de sua RPPN?ELIEL: O gasto varia conforme otamanho da reserva. Uma com 50hectares pode gastar R$ 20 mil parageoreferenciamento, R$ 40 a 50 mil complano de manejo, R$ 15 mil com cerca emão de obra... E ainda paga três ouquatro pessoas para abertura de trilhas evigilância. É despesa que não para. Maso governo não cobra nada disso. OBrasil tem o compromisso internacionalde dizer que aumentou o número deáreas preservadas. Aí vai somando: umaRPPM aqui, um parquinho e uma APAlá... Tudo só no papel. É faz de conta.

O GLOBO: Por enquanto, o senhor sóteve prejuízos com a reserva.ELIEL: Eu não diria prejuízos. Um caraque cria uma reserva é movido pelocoração. Quando comprei a área paratransformar numa reserva particular eficar preservada para sempre, comregistro cartorial, fui chamado de louco.Me perguntavam por que não fazia umcondomínio ou hotel. Então, seriapossível sim, desde que o governosimplesmente cumprisse aquilo queestá na lei. É importante ressaltar: eunão acho que todos devem receberrecursos governamentais. Só quem tiverprojetos auditáveis, com metas eobrigações a cumprir.

O GLOBO: O senhor se arrepende porter se envolvido com o setorambiental?ELIEL: De jeito nenhum. Nunca tive um"puxa, por que eu fiz isso?". Mas euachava que, quando se inclui umareserva num sistema nacional, otrabalho poderia avançar muito. Por quenão ter apoio para dar emprego paraquem está em áreas vizinhas? Por quenão dar cursos de educação ambiental,de guia de turismo? Nossa capacidadeé muito limitada. ■

O GLOBO: Por que o senhor resolveumontar uma reserva?ELIEL DE ASSIS QUEIROZ: Trabalhei maisde 20 anos com tecnologia deinformação. Um dia resolvi largar tudo eir para o mato. A primeira tentativa demontar a reserva foi em 1988. Àquelaépoca o órgão ambiental era o IBDF(Instituto Brasileiro de DesenvolvimentoFlorestal), que não tinha muitafamiliaridade com o processo. Em 2006,fiz uma segunda tentativa, junto aoIbama. A papelada ficou lá por doisanos, até surgir o ICMBio (Instituto ChicoMendes de Conservação daBiodiversidade). Aí esperei mais umano, até o governo estadual criar o Inea(Instituto Estadual do Ambiente). Há,como se pode ver, uma grandedificuldade para criar uma reserva noBrasil, e isso é muito contraditório.

O GLOBO: Por quê?ELIEL: É mais fácil obter uma licençapara desmatar do que para preservar.Fazer o georreferenciamento da reserva,por exemplo, é muito caro. E as açõesde apoio a que teríamos direito, naprática, não acontecem. Sentimos queo governo quer usar essas reservascomo mero índice estatístico. Criam-seunidades públicas, mas sem a

““Há preciosismos daburocraciabrasileira: a lei dizque, sempre que’possível eoportuno’, os órgãospúblicos darãoapoio às RPPNs. Nãopode haver umsubjetivismo comoeste. Quem vaidecidir quando éoportuno?

Fotos de Custodio Coimbra