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TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2015.0000570818 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação 0002440-29.2014.8.26.0082, da Comarca de Boituva, em que é apelante AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A, é apelado DIEGO RAFAEL DA SILVA PONTES. ACORDAM, em 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAMPOS PETRONI (Presidente) e ANA CATARINA STRAUCH. São Paulo, 11 de agosto de 2015. SERGIO ALFIERI RELATOR Assinatura Eletrônica

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TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Registro: 2015.0000570818

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0002440-29.2014.8.26.0082, da Comarca de Boituva, em que é apelante AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A, é apelado DIEGO RAFAEL DA SILVA PONTES.

ACORDAM, em 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAMPOS PETRONI (Presidente) e ANA CATARINA STRAUCH.

São Paulo, 11 de agosto de 2015.

SERGIO ALFIERIRELATOR

Assinatura Eletrônica

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APELAÇÃO Nº 0002440-29.2014.8.26.0082 VOTO Nº 1343 2/16

APELAÇÃO nº 0002440-29.2014.8.26.0082APELANTE: AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A APELADO: DIEGO RAFAEL DA SILVA PONTESCOMARCA: BOITUVAJUIZ DE 1º GRAU: HELOISA HELENA FRANCHI NOGUEIRA LUCASVOTO Nº 1.343

APELAÇÃO. Alienação fiduciária em garantia. Ação de busca e apreensão. Purgação da mora. Depósito judicial do valor das prestações vencidas. Sentença que declarou purgada a mora e julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, revogando a liminar concedida, determinando a restituição da posse do bem ao réu, no prazo de 20 dias, sob pena de multa. Recurso da instituição financeira, sob o fundamento de intempestividade e insuficiência do depósito, porquanto não atendido o estabelecido no art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-lei nº 911/69. Impossibilidade. Relevação da intempestividade do depósito e mitigação do art. 475 do CC, adotada a teoria do adimplemento substancial, em consonância com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Sentença parcialmente reformada. Alteração do dispositivo, decretando-se a extinção do processo com o julgamento do mérito, nos termos do art. 269, II, do CPC, mas sem efeito modificativo de seu resultado. RECURSO DESPROVIDO.

Trata-se de ação de busca e apreensão fundada

em contrato com alienação fiduciária em garantia ajuizada por

AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A

contra DIEGO RAFAEL DA SILVA PONTES, julgada extinta sem

julgamento do mérito pela r. sentença atacada (fls. 103/105), cujo

relatório adoto, que considerou purgada a mora e, por consequência, a

perda do objeto pela falta de interesse processual da autora.

Inconformada, a autora interpôs recurso de

apelação (fls. 109/119), devidamente processado e preparado (fls.

122/125).

Contrarrazões às fls. 130/145.

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APELAÇÃO Nº 0002440-29.2014.8.26.0082 VOTO Nº 1343 3/16

É o relatório.

A irresignação recursal não comporta

provimento.

Insurge-se a instituição financeira contra a r.

sentença que considerou purgada a mora e decretou a extinção do

processo, sem julgamento do mérito, revogando a liminar concedida e

determinando a restituição do bem ao réu.

Aduz a apelante que o depósito judicial

efetuado pelo apelado ocorreu um dia após o decurso do prazo, além de

os valores serem insuficientes à elisão dos efeitos da mora, uma vez que

não correspondem ao seu efetivo débito, tempestivamente impugnado.

Afirma que o valor depositado corresponde a

sete parcelas vencidas até maio de 2014, quando deveria ter sido quitada

a integralidade da dívida, incluindo-se as prestações vincendas, os

encargos contratuais e os decorrentes do ajuizamento da ação.

Em contrarrazões, o apelado alega não ter sido

constituído em mora, posto que não notificado pessoalmente.

Sustenta a possibilidade da purgação da mora

somente das parcelas vencidas, sendo que o atraso de um dia para

efetuar o depósito judicial, a partir do cumprimento da liminar, deve ser

relevado, mesmo porque há corrente jurisprudencial entendendo que a

contagem do prazo se inicia a partir da data da juntada do mandado de

citação aos autos.

Afirma estar incorreto o cálculo das prestações

vencidas, demonstrado nas razões de apelação, pois dele devem ser

excluídas as custas e honorários advocatícios, conforme pacífica

jurisprudência do C. STJ, por ser beneficiário da gratuidade da justiça.

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APELAÇÃO Nº 0002440-29.2014.8.26.0082 VOTO Nº 1343 4/16

Pretende a manutenção da r. sentença recorrida

ou, subsidiariamente, o levantamento do depósito efetuado nos autos, a

devolução das parcelas quitadas no curso do processo, devidamente

corrigidas, e de eventual saldo devedor oriundo da venda extrajudicial

do bem.

Segundo se depreende dos autos, as partes

celebraram contrato de financiamento com alienação fiduciária em

garantia em 01/08/2011, tendo por objeto o automóvel marca Chevrolet,

modelo Celta Spirit, ano 2005, ajustados os pagamentos em 60

prestações mensais de R$ 527,79.

A apelante alega que o apelado deixou de

efetuar o pagamento das parcelas desde 01/11/2013, razão pela qual o

notificou extrajudicialmente para a quitação, sob pena do vencimento

integral da dívida.

De início, verifica-se que a notificação foi

regularmente entregue no endereço comercial do apelado, indicado no

contrato (fls. 17/19), cumprindo, assim, a finalidade legal, qual seja, de

constituir em mora o devedor fiduciário.

A liminar foi deferida, sendo o veículo

apreendido e depositado em poder do autor em 29/04/2014 (fls. 37),

efetuando o réu, em 06/05/2014 (fls. 50/51), o depósito das parcelas

vencidas, após sua citação ocorrida em 30/04/2014 (fls. 38).

O apelo recursal aborda duas matérias, a

primeira, a intempestividade do depósito efetuado pelo réu e, a segunda,

a possibilidade de purgação da mora nas ações de busca e apreensão de

bem móvel, alienado fiduciariamente e, em caso positivo, sua

abrangência a partir da promulgação da Lei nº 13.043/14.

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APELAÇÃO Nº 0002440-29.2014.8.26.0082 VOTO Nº 1343 5/16

Não se desconhece o recente julgamento sobre

a matéria, pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, em 14/05/2014,

nos autos do Recurso Especial Repetitivo nº 1.418.593-MS, de relatoria

do Ministro Luís Felipe Salomão, antes mesmo da prolação da r.

sentença, onde a questão acerca do pagamento da dívida foi assim

dirimida:

“1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo

Civil:"Nos contratos firmados na vigência da Lei n.

10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5

(cinco) dias após a execução da liminar na ação de

busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida -

entendida esta como os valores apresentados e

comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de

consolidação da propriedade do bem móvel objeto de

alienação fiduciária". 2. Recurso especial provido”.

A Corte Superior definiu que o art. 3º, §§ 1º e

2º, do Decreto-lei n.º 911/69, com alterações introduzidas pelas Leis n

ºs 10.931/04 e 13.043/14, retirou a possibilidade de purgação da mora na

fase judicial, exigindo a quitação de todo o débito, inclusive das

prestações vincendas, ao suprimir das disposições atuais a interpretação

de que é possível o pagamento apenas da dívida vencida.

Contudo, o caso em apreço guarda uma

situação peculiar, porquanto o réu alegou e comprovou ter sofrido

acidente de trânsito na direção do automóvel financiado, na Rodovia

Castelo Branco, ocasionando danos de grande monta no bem, tendo

despendido a quantia de R$ 11.514,00 para o conserto (fls. 71/84).

Esse fato, por si só, não tem o condão de

postergar o vencimento das obrigações contratuais, muito menos

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autorizar o inadimplemento, mormente porque, acidente envolvendo

veículos, para quem transita com regularidade por rodovias (relato dos

fatos no BO juntado às fls. 71/75), não é algo imprevisível, muito pelo

contrário, e nem de longe se equipara a caso fortuito ou força maior.

Não obstante, efetivada a liminar, o réu

depositou a importância relativa às parcelas vencidas, devidamente

corrigidas pelo IGPM, com um dia de atraso, primeiro inconformismo

da apelante.

A respeito do prazo para o pagamento do

débito, dispõe o art. 3º do Decreto-lei 911/69, com redação dada pela Lei

nº 10.931/04, o seguinte:

“O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que

comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do

art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor

ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado

fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente,

podendo ser apreciada em plantão judiciário”.

“§ 1o Cinco dias após executada a liminar mencionada

no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse

plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor

fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando

for o caso, expedir novo certificado de registro de

propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele

indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária”.

“§ 2o No prazo do § 1o, o devedor fiduciante poderá

pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os

valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial,

hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do

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ônus”.

Assim, atendida a literalidade da norma,

efetivamente verifica-se que o depósito judicial foi realizado além do

prazo previsto na lei.

Esse fato não foi ignorado na r. sentença, muito

pelo contrário, sendo reconhecida a purgação da mora como medida

mais justa à espécie, principalmente porque considerado o interesse do

devedor fiduciário na recuperação do veículo.

E, nesse aspecto, merece ser prestigiado o

entendimento declinado na aludida sentença, ao aceitar o depósito um

dia após a data fatal, sopesando as circunstâncias do caso e o manifesto

interesse do apelado na retomada do bem após tê-lo consertado.

A propósito, adotam-se como razões de decidir

trechos extraídos da r. sentença combatida, que muito bem analisou a

questão, in verbis:

“É certo que o réu apresentou o depósito judicial dos

valores devidos no 6º dia após a execução da liminar.

No entanto, dada a brevidade do lapso temporal a que

estava obrigado (decorreu um dia do prazo), o qual,

inclusive, decorreu durante o final de semana, e

considerando todo o contexto pelo qual o réu ainda

detém interesse no bem, vejo como medida mais justa o

reconhecimento da purgação”.

“Com efeito, o depósito abrangeu as parcelas vencidas

até a data do depósito (maio de 2014), sendo que,

conforme planilha de fl. 91, observou-se inclusive o

índice usado pelo autor IGPM”.

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O rigor da norma, no tocante ao prazo

processual, neste caso específico, deve ser abrandado, comportando

mitigação, eis que “a melhor interpretação da lei é a que se preocupa

com solução justa, não podendo seu aplicador esquecer que o rigorismo

da exegese dos textos legais pode legar a injustiças” (RSTJ 4/1.554 e

STJ-RT 656/188).

No mesmo sentido, “A interpretação das leis

não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente

útil. [...] Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei,

julgando contra legem, pode e deve, por outro lado, optar pela

interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum”

(Min. Sálvio de Figueiredo, em RSTJ 26/378).

Logo, considerando as peculiaridades da causa,

releva-se a extemporaneidade do depósito judicial (um dia apenas),

adotados os argumentos expostos na r. sentença, levando-se em

consideração, também, o fato de que a instituição financeira não chegou

a vender o veículo em leilão, tendo, inclusive, atendido ao comando

judicial para restituí-lo à parte contrária, assim procedendo de acordo

com os documentos de fls. 110/111.

Ademais, a reforçar o inequívoco e manifesto

interesse do réu na continuidade do contrato e a permanência na posse

do bem está o fato de que, com suas contrarrazões, juntou recibos de

pagamentos das prestações vencidas a partir de junho de 2014 (fls.

146/152), mês seguinte ao último vencido, conforme demonstrativo de

fls. 91, além de inexistir notícias de nova inadimplência, segundo

pesquisa efetuada no sítio do E. Tribunal de Justiça, conforme autoriza o

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art. 14 da Lei nº 11.419/061.

No outro fundamento deduzido no recurso,

qual seja, a necessidade de pagamento integral do débito, não sendo

mais possível a purgação da mora, a questão deve ser analisada à luz das

cláusulas gerais previstas no Código Civil, sobretudo a boa-fé objetiva e

a função social do contrato.

Nesse passo, a faculdade conferida ao credor

para a resolução do contrato, diante do inadimplemento do devedor,

como autoriza o art. 475 do Código Civil2, recomenda cautela,

observados os princípios gerais acima citados.

Sobre as cláusulas gerais (marca identificadora

do Código Civil de 2002), ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de

Andrade Nery:

“A cláusula geral da função social do contrato é

decorrência lógica do princípio constitucional dos

valores da solidariedade e da construção de uma

sociedade mais justa. (...) As várias vertentes

constitucionais estão interligadas, de modo que não se

pode conceber o contrato apenas do ponto de vista

econômico, olvidando-se de sua função social. A

cláusula geral da função social do contrato tem

magnitude constitucional e não apenas civilista”

(Código Civil Comentado, p. 447, 5ª edição. Ed.

Revistas dos Tribunais).1 “Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização. Parágrafo único. Os sistemas devem buscar identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada.”2 “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.”

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Nesse sentido, e como antes mencionado, deve

ser recebida com a devida cautela a faculdade que o credor possui de

simplesmente resolver o contrato, em razão do inadimplemento do

devedor, porquanto evidente o desequilíbrio financeiro entre as partes.

Analisada a situação contratual, em especial a

planilha demonstrativa do débito em aberto, afigura-se cabível a

aplicação, na espécie, da teoria do adimplemento substancial, por ser

referida matéria de ordem pública (CDC, arts. 1.º, 4.º, inc. III e 51, inc.

IV), que autoriza seu conhecimento, na forma do art. 303, II, do CPC.

Nos termos da mencionada teoria, obsta-se a

rescisão do contrato a pedido do credor, caso haja cumprimento de parte

essencial da obrigação assumida pelo devedor, não perdendo o direito à

obtenção do restante do crédito.

É esse o entendimento do C. STJ, onde a teoria

do adimplemento substancial visa a impedir o uso imoderado do direito

de resolução do contrato pelo credor, quando o rompimento do pacto

não se ajusta a exigências de índole social ou pautadas pela boa-fé

objetiva (REsp. 877.965/SP, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJe

01.12.2012), in verbis:

“DIREITO CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA.

PLANO DE PECÚLIO POR MORTE. NATUREZA

DO CONTRATO. SEGURO DE VIDA.

SEMELHANÇA. MORA DO CONTRATANTE.

CANCELAMENTO AUTOMÁTICO.

IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE

INTERPELAÇÃO. JURISPRUDÊNCIA FIRME DA

SEGUNDA SEÇÃO. TEORIA DO ADIMPLEMENTO

SUBSTANCIAL. APLICABILIDADE. TENTATIVA

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DE PURGAÇÃO DA MORA ANTES DO FATO

GERADOR (SINISTRO). RECUSA DA ENTIDADE

DE PREVIDÊNCIA. CONDUTA DO CONSUMIDOR

PAUTADA NA BOA-FÉ. RELEVÂNCIA.

PAGAMENTO DEVIDO. [...] 3. Ademais, incide a

teoria do adimplemento substancial, que visa a impedir

o uso desequilibrado do direito de resolução por parte

do credor, em prol da preservação da avença, com

vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função

social do contrato. 4. No caso, embora houvesse mora

de 90 (noventa) dias no pagamento da mensalidade do

plano, antes da ocorrência do fato gerador (morte do

contratante) tentou-se a purgação, ocasião em que os

valores em atraso foram pagos pelo de cujus, mas a ele

devolvidos pela entidade de previdência privada, com

fundamento no cancelamento administrativo do

contrato ocorrido 6 (seis) dias antes. 5. Com efeito,

depreende-se que o inadimplemento do contrato - a par

de ser desimportante em face do substancial

adimplemento verificado durante todo o período

anterior - não pode ser imputado exclusivamente ao

consumidor. Na verdade, o evitável inadimplemento

decorreu essencialmente do arbítrio injustificável da

recorrida - entidade de previdência e seguros - em não

receber as parcelas em atraso, antes mesmo da

ocorrência do sinistro, não agindo assim com a boa-fé e

cooperação recíproca que são essenciais à

harmonização das relações civis. 6. A entidade de

previdência obstou a purgação da mora por motivo

injustificado, antes mesmo da ocorrência do fato

gerador, somando-se a isso a inequívoca conduta

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pautada na boa-fé do consumidor, por isso incabível a

negativa de pagamento do pecúlio depois de verificada

morte do contratante. Incidência do art. 21, § 3º, da Lei

n. 6.435/77. 7. Recurso especial provido”.

Segundo a lição de Athos Gusmão Carneiro,

para a aplicação desse princípio é necessária uma análise global do

contrato inexecutado, in verbis:

“(...) em um sistema de resolução judiciária dos

contratos, a apreciação valorativa do inadimplemento

contratual é alicerçada na análise global do contrato

inexecutado, inclusive de sua natureza, e na

consideração do comportamento total dos contraentes,

desde o início da avença. Destarte, ante eventual

adimplemento limitado ou inexato, a decisão judicial,

ou pela resolução da avença ou pela simples

condenação em perdas e danos, dependerá de uma

avaliação da “repercussão do incumprimento no

equilíbrio sinalagmático do contrato” (Inadimplemento

Contratual Grave - Discricionariedade do Juiz in

Revista de Processo. Ano 20. Abril-Junho de 1.995, nº

78).

A esse respeito, consta dos autos que o

automóvel foi alienado ?duciariamente ao réu pelo valor de R$

31.667,40, montante que deveria ser pago em 60 parcelas mensais de R$

527,79, sendo quitadas 25 prestações antes do inadimplemento e

efetuado o depósito das parcelas em atraso, devidamente corrigidas,

além da quitação daquelas vencidas durante o curso do processo,

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representando o equivalente a 80% do contrato, com término previsto

para 01/08/2016, fatos não impugnados pelo banco-apelante.

Assim, perfeitamente cabível, ao caso em

apreço, a aplicação da teoria do adimplemento substancial, calcada na

boa-fé objetiva e na função social do contrato, positivadas nos arts. 4º,

III, c.c. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.

Decidindo acerca de caso semelhante - contrato

de arrendamento mercantil para aquisição de veículo em que houvera o

cumprimento de 86% das prestações acordadas - o STJ manifestou-se

pela impossibilidade da resolução do pacto ante a aplicação da

substantial performance (REsp 1.051.270/RS, Rel. Min. Luís Felipe

Salomão, Dje 05.09.2011):

“DIREITO CIVIL. CONTRATO DE

ARRENDAMENTO MERCANTIL PARA

AQUISIÇÃO DE VEÍCULO (LEASING).

PAGAMENTO DE TRINTA E UMA DAS TRINTA E

SEIS PARCELAS DEVIDAS. RESOLUÇÃO DO

CONTRATO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE

POSSE. DESCABIMENTO. MEDIDAS

DESPROPORCIONAIS DIANTE DO DÉBITO

REMANESCENTE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO

ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.

1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código

Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da

função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o

qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a

resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o

cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos,

indenização por perdas e danos".

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2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial

adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do

direito de resolução por parte do credor, preterindo

desfazimentos desnecessários em prol da preservação

da avença, com vistas à realização dos princípios da

boa-fé e da função social do contrato.

3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do

adimplemento substancial dos contratos, porquanto o

réu pagou: "31 das 36 prestações contratadas, 86% da

obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e

mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido". O

mencionado descumprimento contratual é inapto a

ensejar a reintegração de posse pretendida e,

consequentemente, a resolução do contrato de

arrendamento mercantil, medidas desproporcionais

diante do substancial adimplemento da avença.

4. Não se está a afirmar que a dívida não paga

desaparece, o que seria um convite a toda sorte de

fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do

crédito por que optou a instituição financeira não se

mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento

e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002.

Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos

gravosos e proporcionalmente mais adequados à

persecução do crédito remanescente, como, por

exemplo, a execução do título”.

No que tange à alegada insuficiência do valor

depositado, como alegado pela apelante, de fácil constatação a

improcedência da argumentação, posto que na memória do débito

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apresentada no bojo do recurso (fls. 119) a recorrente lançou

indevidamente o valor de R$ 417,67, correspondente aos honorários

advocatícios, desprezando os benefícios da gratuidade da justiça

concedidos à parte contrária na r. sentença (fls. 104), benesse não

impugnada nas razões.

O referido benefício isenta a parte beneficiária

da assistência judiciária do pagamento dos honorários advocatícios, nos

termos do art. 3º, V, da Lei nº 1.060/50.

Assim, excluída a verba honorária dos cálculos,

verifica-se que o depósito judicial efetuado pela apelada é suficiente

para satisfazer as prestações vencidas, acrescidas dos consectários legais

e contratuais até a data do pagamento.

Finalmente, pequeno reparo merece a r.

sentença, mais precisamente no que diz respeito à decretação da extinção

do processo, sem julgamento do mérito.

Ao admitir a existência de débito e realizar o

pagamento do quantum devido com o objetivo de convalidar o contrato,

o apelado reconheceu a procedência do pedido.

Respeitado o entendimento esposado pela i.

julgadora, a faculdade de quitação do débito conferida na legislação de

regência, sendo exercida pelo devedor fiduciário, não acarreta carência

superveniente, como fundamentado, mas sim na efetiva procedência da

ação, extinguindo-se o processo com julgamento do mérito, como

previsto no art. 269, II, do CPC.

Por fim, para evitar embargos de declaração

com finalidade exclusiva de prequestionamento, considero desde logo

prequestionada a matéria constitucional e infraconstitucional,

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TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO

São Paulo

APELAÇÃO Nº 0002440-29.2014.8.26.0082 VOTO Nº 1343 16/16

desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando a

decisão da questão posta (EDROMS 18205/SP, Min. Félix Fischer).

Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO

AO RECURSO, alterado o dispositivo da r. sentença, nos moldes acima

declinado.

Sergio Alfieri

Relator