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    UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA

    CASSIANO CAON AMORIM

    O USO DO TERRITRIO BRASILEIROE AS INSTITUIES DE ENSINO SUPERIOR

    So Paulo2010

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    CASSIANO CAON AMORIM

    O USO DO TERRITRIO BRASILEIRO

    E AS INSTITUIES DE ENSINO SUPERIOR

    Tese apresentada ao Departamento deGeografia da Faculdade de Filosofia, Letras eCincias Humanas, da Universidade de SoPaulo, para a obteno do ttulo de Doutor emGeografia Humana.

    Orientadora: Prof Dr Maria Adlia Aparecidade Souza

    So Paulo2010

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    AMORIM, C. C. O uso do territrio brasileiro e as instituies de ensinosuperior. Tese apresentada ao Departamento de Geografia, da Faculdade deFilosofia, Letras e Cincias Humanas, da Universidade de So Paulo, para aobteno do ttulo de Doutor em Geografia Humana.

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ____________________________________________________________Instituio: __________________________________________________________

    Julgamento: _________________________________________________________

    Assinatura: __________________________________________________________

    Prof. Dr. ____________________________________________________________

    Instituio: __________________________________________________________

    Julgamento: _________________________________________________________

    Assinatura: __________________________________________________________

    Prof. Dr. ____________________________________________________________

    Instituio: __________________________________________________________

    Julgamento: _________________________________________________________

    Assinatura: __________________________________________________________

    Prof. Dr. ____________________________________________________________

    Instituio: __________________________________________________________

    Julgamento: _________________________________________________________

    Assinatura: __________________________________________________________

    Prof. Dr. ____________________________________________________________

    Instituio: __________________________________________________________

    Julgamento: _________________________________________________________

    Assinatura: __________________________________________________________

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    Dedico minha me,Maria Jos Caon Amorim

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    APRESENTAO

    Eu sei que isto que estou dizendo dificultoso, muito

    entranado [...] eu queria decifrar as coisas que soimportantes [...]. Lhe falo do serto. Do que no sei. Umgrande serto. No sei. Ningum ainda no sabe [...]

    Guimares Rosa (Grande serto veredas)

    Estas palavras de Guimares Rosa expressam seu olhar frente geografia

    do interior das Minas Gerais. Algo que particularmente me remete ao que, na

    Geografia, aprendi sob a designao de lugar. Terminologia sistematizada ao longo

    dos anos, numa longa jornada de aprendizagem: primeiros anos, no ensino

    fundamental e mdio; aprofundamento dos estudos, durante a graduao emGeografia, na Universidade Federal de Juiz de Fora; curso de Mestrado em

    Geografia, na Universidade Federal Fluminense; e agora, o doutorado em Geografia

    Humana, na Universidade de So Paulo

    Histria que tem origem na Zona da Mata de Minas Gerais, em uma regio de

    relevo acidentado, que os gegrafos franceses, nos anos de 1950,

    geomorfologicamente, classificaram como Mares de Morros. Histria de

    movimento, assim como o que aparentemente dado pelas muitas elevaes queajudam a caracterizar esse recorte de regio natural.

    Histria, portanto, de migrante, estudante que sai de uma das inmeras

    pequenas cidades do interior das Gerais, em busca de estudo e emprego, suportes

    de vida digna, na linguagem e representao do povo simples do interior, coisas

    muito distantes da realidade urbana da minha origem.

    Narrativa histrica que espao-tempo aberto materializado pelas aes

    humanas, ao longo de perodos especficos que, no fazer da vida cotidiana, em

    cada momento, em cada lugar, cria certa arrumao dos espaos geogrficos. Esse

    jeito de estar do espao geogrfico, ao qual a geografia se dedica a entender por

    meio de seu estudo: uma arrumao temporria e singular, na medida em que, a

    cada pessoa que chega ou sai, a cada evento novo, a cada acontecimento aqui, ali

    ou acol, nova arrumao se processa. Outro homem se constri ali, e outro espao

    tambm. Rearranjando os seus espaos em cada tempo, o homem tambm se

    refaz.

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    Acredito que o meio em que vivi favoreceu, desde cedo, quando ainda

    criana, um contato com um pequeno mundo, o que motivou uma incipiente leitura

    freiriana deste mundo.

    Isso j sinalizava certa ansiedade para entender a diferenciao entre os

    lugares. E achava muito interessante conhecer os lugares atravs de suas

    diversidades. Ainda criana, em cada cidade que conhecia, gostava de andar entre

    os desconhecidos, ver como era o comrcio, os bares, as lojas de roupas, calados

    e, claro, as lojas de brinquedos.

    Parafraseando o professor Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (2002), De

    certa forma, os contedos geogrficos do espao vivido, das experincias nos

    lugares, foram portadores de uma geografia como veculo de educao.Esses contedos geogrficos foram para mim motivadores da curiosidade

    pelo conhecimento do territrio, do lugar, da regio, da paisagem, sendo

    sistematizado, posteriormente, pela geografia acadmica.

    Nos tempos-espaos da escolarizao, do antigo Primeiro Grau, conforme

    orientao dos currculos oficiais das escolas brasileiras, tive contato com os

    estudos da Geografia. Nos livros didticos, nos discursos dos professores, nos

    mapas apresentados em sala ou ainda naqueles que desenhvamos, o contedogeogrfico ampliava-se. O esforo, empenho e competncia da professora Maria do

    Carmo, que me acompanhou da quinta oitava srie, at a primeira srie do ento

    denominado Segundo Grau, foram significativos para a escolha do caminho a seguir,

    a partir do vestibular para ingresso na Universidade Federal de Juiz de Fora.

    No ano de 1994, com 19 anos e tendo terminado o Ensino Mdio dois anos

    antes, aconteceu meu ingresso na vida universitria, na UFJF. Sem me dar conta

    ainda do que estava acontecendo, comeava a se processar uma profundamudana na minha vida, como um verdadeiro divisor de guas. O curso de

    Geografia trouxe um outro lugar de construo das relaes, um outro ciclo de

    amizades, uma outra forma de ter que lidar com os sentimentos, com a saudade de

    casa, dos pais, irms, tios, primos, amigos. Saudade dos lugares. A despeito de

    tudo, conclu o curso de graduao em geografia licenciatura e bacharelado no

    final de 1998.

    Em 2002, tornei-me mestrando em Geografia, na UFF (Universidade Federal

    Fluminense), em Niteri. Esse novo passo foi fruto da minha imerso em projetos de

    pesquisa e extenso universitria, alm do contato com os professores nas

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    monitorias, nos estgios e na iniciao cientfica, durante a graduao. O gosto pela

    pesquisa, ensino e extenso foi desenvolvendo-se e construindo o desejo de

    ingressar na carreira universitria, exigindo, para tanto, o mestrado e,

    posteriormente, o doutorado.

    Em Juiz de Fora, no havia (e ainda no h) mestrado na rea de Geografia.

    Embora, na Faculdade de Educao, onde fui professor substituto, houvesse

    mestrado em Educao, no havia nenhuma linha de pesquisa que atendesse aos

    meus interesses de estudo na Geografia.

    Durante o mestrado na Universidade Federal Fluminense, cursei disciplinas

    especficas dos contedos geogrficos, sendo fundamentais as que tratavam de

    teoria e mtodo em geografia, por ampliar a discusso conceitual e aspectosmetodolgicos das abordagens geogrficas da realidade. O tema da minha

    dissertao tratou das questes regionais na Zona da Mata Mineira, tendo como

    ttulo: Leituras Geogrficas da Zona da Mata Mineira. De certa forma, estavam

    presentes, nas minhas reflexes acadmicas, os lugares da minha formao.

    O ingresso e a concluso do mestrado abriram-me portas para o trabalho em

    outras instituies de ensino superior. Tive oportunidade de trabalhar em vrias

    instituies privadas, em Juiz de Fora e regio. Durante esse tempo, comecei aobservar, mais de perto, o crescimento do nmero de IES, no pas e,

    particularmente, em Juiz de Fora. A dcada de 1990 caracterizou-se por uma

    vigorosa expanso no nmero de instituies e, com ela, um significativo aumento

    no nmero de vagas, matrculas e concluintes em cursos superiores. Esta expanso,

    naquele momento, era caracterizada por um crescimento do ensino em instituies

    privadas, em sua grande maioria e, como pude, inicialmente, constatar, no ocorria

    em todos os lugares.No ano de 2004, num simpsio de geografia realizado em uma das IES, onde

    trabalhava, tive a oportunidade de conhecer a Professora Maria Adlia Aparecida de

    Souza, que esteve em Juiz de Fora, a convite da instituio, para proferir uma

    palestra sobre o mtodo geogrfico de conhecimento do mundo. Nesse evento,

    atravs do qual tive contato com a professora, surgiu o convite para participar dos

    grupos de estudos que ela mantinha com alunos e alguns convidados. No ano de

    2005, comecei a frequentar os encontros, que se realizavam sempre s sextas-

    feiras, uma vez por ms. No segundo semestre de 2005, fiz o pedido de matrcula

    como aluno especial na disciplina Regio teoria e prtica geogrfica, oferecida

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    pela professora, e fui aceito. Cursei a disciplina e fui aprovado. No edital de

    doutorado em Geografia Humana, do ano de 2006, inscrevi-me, participei da

    seleo, sendo tambm aprovado.

    Desde ento, dedico-me a compreender os usos do territrio brasileiro,

    considerando a existncia das instituies de ensino superior. Nesses anos de

    dedicao aos estudos, nas viagens de idas e vindas de Juiz de Fora para So

    Paulo, os deslocamentos foram uma constante. Atributo do territrio, a fluidez

    permitiu-me ampliar os horizontes da aprendizagem geogrfica e, portanto, humana.

    Os encontros fazem parte do enredo desta narrativa. No percurso que,

    resumidamente, tracei, deparei-me com muitas pessoas que, sem dvida,

    permitiram-me a realizao deste e de outros trabalhos. So interlocutoresacadmicos, literrios, artsticos, amigos, familiares, amores. Cada um, com sua

    particularidade em mirar o mundo, viver o mundo, expor-se ao mundo. Todos eles,

    cada um com o seu tempero, foram ajudando-me a decifrar as coisas que so

    importantes: as da pesquisa, as da famlia, as do corao, as da vida econmica,

    enfim, coisas da vida, que foram tornando-se menos dificultosas, menos

    entranadas, talvez.

    Algum disse que possvel que no sejamos mais que uma imperiosanecessidade de palavras. Agradecer s pessoas significativas em momentos como

    este dobrar-se a essa necessidade, exercitar a gratido.

    Mesmo correndo o risco de esquecer algumas desses importantes

    referenciais, arrisco-me a estender meus mais sinceros agradecimentos:

    Aos meus pais, Melchiades Amorim, carinhosamente chamado de Quitito, e

    Maria Jos Caon Amorim: sempre cuidando para que eu pudesse realizar meus

    sonhos. minha irm Franciana, como eu, gegrafa e professora de geografia,

    tambm sempre cuidando de mim. E ao meu novssimo cunhado, Mrcio Henrique,

    por cuidar da Fran e de todos ns.

    minha irm Luciana, ao meu cunhado Jos Clart, aos meus amados

    sobrinhos Karol, Ivan e Joo Pedro: obrigado pelo interesse e pelo carinho.

    Ao Rafael, ou simplesmente Rafa: pela acolhida sempre carinhosa em So

    Paulo. Obrigado por sua compreenso, carinho e dedicao.

    Ao amigo Jader: pelo incentivo, pela presena amiga, pelas oportunidades.

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    Aos amigos Carlo Frederico e Glucio: pelas aprendizagens no mbito da

    justia brasileira, pelas boas gargalhadas, pelos resumos em Francs, pelas dicas

    de concursos pblicos.

    Aos amigos Marco Aurlio e Ivan: por abrir as portas de suas casas para que

    encontros, sempre muito divertidos, acontecessem. Obrigado pelo abstract.

    amiga Adriana Oliveira: pela grande amizade e interesse em ajudar-me nas

    pesquisas, favorecendo o trabalho junto aos arquivos da Biblioteca Central da UFJF.

    amiga Elisngela Mendes: alm da amizade, pelas demoradas conversas

    sobre a tese; pelos livros sobre a histria de Juiz de Fora e, claro, por ser grande

    parceira de dana, nos bailes aonde vamos mundo afora.

    amiga Helena Gonalves: por debruar-se com imensa dedicao nacorreo dos meus textos e, tambm, por partilhar comigo, momentos de lucidez

    potica.

    amiga Naomi Akazaka: jovem gegrafa, ex-aluna e excelente profissional,

    que me ajudou na organizao da cartografia, tabelas e grficos. Muito obrigado

    pela pacincia.

    Aos amigos do grupo de pesquisas e estudos da USP, coordenado pela

    professora Maria Adlia, particularmente ao Edmilson, pelas conversas, caronas,dicas e incentivo.

    Ao James, pela grande ajuda na cartografia dos dados da pesquisa.

    Virginia Holanda, pelo grande incentivo no incio da caminhada do

    doutorado.

    Aos funcionrios da Secretaria de Ps Graduao em Geografia, da FFCHL.

    Aninha, pela competncia, presteza e simpatia em me receber no

    Laboratrio de Geografia Poltica e Planejamento Territorial e Ambiental.Aos professores Carlos Fernando e Lola Yasbeck, por me aceitarem como

    aluno na disciplina Histria da Educao Brasileira, na UFJF.

    Aos amigos: Rodrigo Pitanga, Flavia Calvano, Rosangela Nasser, Liane

    Castro, Maria Claudia, Roberta Gregrio, Andrea Moreira, Daniele Evangelista,

    Renata Miranda e Carla Evangelista, pela amizade de longa data e por serem

    grandes incentivadores dos meus projetos.

    Aos amigos Luis Henrique (Lula) e Carlos: pela sempre deliciosa acolhida em

    sua residncia, em So Paulo;

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    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico: pela

    bolsa de doutorado que permitiu, neste ltimo ano, dedicao total pesquisa.

    A Fundao Cultural Alfredo Ferreira Lage: pelo acesso ao material publicado

    sobre a cidade de Juiz de Fora, em especial a Daniel de Souza Carvalho Rodrigues.

    A todos professores que aceitaram da participar da banca de defesa da tese.

    Por fim, devo dizer que, se uma das mais belas imagens do professor a de

    algum que conduz algum a si mesmo, agradeo professora Maria Adlia

    Aparecida de Souza, minha orientadora. Ela me possibilitou participar das

    discusses sobre a construo de uma geografia nova, orientando minhas

    aprendizagens, lendo meus textos, elaborando crticas e sugestes, incentivando a

    participao de eventos, incitando publicaes, instigando a avanar sempre nadireo de um conhecimento slido, pertinente e inovador sobre o mundo.

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    RESUMO

    AMORIM, C. C. O uso do territrio brasileiro e as Instituies de EnsinoSuperior. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, daUniversidade de So Paulo. So Paulo, 2010.

    O presente estudo defende o pressuposto de que a localizao especfica dasInstituies de Ensino Superior, no processo de formao territorial brasileira,comprova que a seletividade espacial representa a ao dada em lugares escolhidospelos agentes sociais. Com formas e contedos bastante diferenciados, comvariadas densidades humanas, o territrio brasileiro, no tempo presente, encontra-seinteiramente apropriado. Ainda que de forma bastante desigual quanto suadistribuio, constata-se, num crescente nmero de lugares, maior densidadetcnica acompanhada de maior densidade informacional. Trata-se de constataes

    concretas quando comparamos o crescimento de modernizaes em parcelas doterritrio que, at recentemente, encontravam-se pouco conectadas a outrossubespaos do pas. O crescimento do nmero de instituies de ensino superior,em cidades fora das regies metropolitanas e com mais de 100 mil habitantes,sinaliza para o fato de uma interiorizao desse evento, correspondendo a umaverdadeira conquista do territrio. importante destacar que, nesse movimento,embora o que se amplia seja uma demanda por qualificaes especficas em todo oterritrio, a oferta de vagas em tais instituies acompanha as especializaesprodutivas dos lugares. Em consonncia com as necessidades do perodo tcnico-cientfico-informacional, o ensino superior desenvolve-se de forma que suas ofertasajudam a configurar o territrio. nesse contexto que compreendemos a realidadede Juiz de Fora/MG: historicamente, a cidade aglutina fixos favorecendo fluxos que,por conseguinte, impulsionaram a atrao de investimentos, de pessoas, deinstituies, enfim. Ratificando a tese que defendemos, a cidade exibe, portanto, oprocesso de seletividade espacial na alocao de instituies de ensino superior.

    Palavras chave: territrio brasileiro, Instituies de Ensino Superior, tcnica, meiotcnico-cientfico-informacional, Juiz de Fora.

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    ABSTRACT

    AMORIM, C. C. The Brazilian territorials use and Higher Education Institutions.Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, daUniversidade de So Paulo. So Paulo, 2010.

    This study defends the presupposition that the specific location of HigherEducation Institutions, in the process of Brazilian territorial formation, proves thatspace selectivity represents the action taken in places which were chosen by socialagents. With forms and contents and a variety of human densities, the Brazilianterritory is entirely appropriated nowadays. Although in a rather unequal wayregarding its distribution, it is possible to detect in a growing number of places, highertechnical density accompanied by higher informational density. These are concreteperceptions when we compare the growth of modernizations in parts of the territory

    which until a short time ago, had few connections with other sub-spaces in thecountry. The increasing number of Higher Educations Institutions, in towns outsidemetropolitan areas and with more than 100,000 inhabitants, is a sign of this event,which can be considered a true conquest of territory. It is important to highlight thatin this movement, although what is amplified is a demand for specific qualifications inall the territory, the offer of positions in such institutions is accompanied by theproductive specializations of the places. In accordance with the necessities of thetechnical-scientific-informational era, higher education progresses in a way that itoffers help to shape the territory. It is in this context that we understand the reality ofJuiz de Fora, Minas Gerais. Historically the city incorporates facilities and that isfavorable to flows which, therefore, increase the attraction of investments, peopleand institutions. Confirming the thesis we defend, the city exhibits the process ofspace selectivity in the allocation of Higher Education Institutions.

    Key words: Brazilian territory, Higher Educations Institutions, technical, technical-scientific-informational environment, Juiz de Fora.

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    RSUM

    AMORIM, C. C. Le use de territoire brsilien des linstitutions dEnseignementSuprieur. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas,da Universidade de So Paulo. So Paulo, 2010.

    L'tude ci-joint part de la supposi t ion de que la localisation spcifique desInstitutions dEnseignement Suprieur, en ce qui concerne la formation territorialebrsilienne, dmontre que la slectivit spatiale reprsente laction des agentssociaux vers des lieux choisis. Actuellement, le territoire brsilien, dans toutes sesformes et contenus diffrencis, marqu par ses densits humaines varies, setrouve entirement occup. Malgr une ingalit de distribution, on aperoit, dansune quantit croissante de lieux, plus de densit technique accompangne de plusde densit informationnelle. Il sagit dune constatation concrte, fruit de lanalyse de

    la croissance dune modernisation morcele, dans un territoire dont les units, jusqu rcement, ne se trouvaient pas connectes aux autres sousespaces du pays.La croissance du nombre d institutions suprieures, hors des rgionsmtropolitaines, dans les villes de plus de 100 mil habitants, indique uneintriorisation dun vnement, une conqute du territoire lgitime, vrai dire.Dans ce mouvement, il est important de pontifier que loffre de place dans cesinstitutions suive la spcialisation productive des lieux, mme que lobjet de cetteamplification soit uniquement la demande par qualification spcifique dans tout leterritoire. En consonance avec les ncessits de la priode technique-cientifique-informationnelle, l enseingment suprieur se dveloppe de manire que ses offrespuissent aider configurer le territoire. Dans ce contexte, on peut comprendre laralit de Juiz de Fora/MG: historiquement, la ville agglutine les fixes en favorisantles flux. Par consquent, ceux-ci ont impulsion lattraction dinvestissement, depersonnes et dinstitutions, enfin. En somme, pour ratifier la thse dffendue, on peutaffirmer que la ville affiche les reflets de la slectivit spaciale sur le placement desinstitutions denseignement suprieur.

    Mots-cls: Territoire brsilien. Institution denseignement suprieur.Technique. Priode technique-cientifique-informationnelle. Juiz de Fora.

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    RESUMEN

    AMORIM, C. C. El uso del territrio brasileo de ls Instituciones de EnseanzaSuperiora. Tese (Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas,da Universidade de So Paulo. So Paulo, 2010.

    El presente estudio defiende el supuesto de que la ubicacion especfica delas Instituciones de Enseanza Superiora, en el proceso de formacin territorialbrasilea, comprueba que la selectividad espacial representa la accin dada enlugares escogidos por los agentes sociales. Con formas y contenidos bastantesdiferenciados, con varias densidades humanas, el territorio brasileo, en el tiempopresente, se encuentra enteramente apropiado. Todava que de forma bastantedesigual en cuanto a su distribucin, se constata, en un creciente nmero delugares, mayor densidad tcnica acompaada de mayor densidad informacional. Se

    trata de constataciones concretas cuando confrontamos el crecimiento demodernizaciones en parcelas del territorio que, aun recin, se encontraban pococonectadas a otros subespacios del pas. El crecimiento del nmero de institucionesde enseanza superiora, en ciudades fuera de las regiones metropolitanas y conms de 100 mil habitantes, seala para el hecho de una interiorizacion de eseevento que corresponde a una verdadera conquista del territorio. Ademas, en esemovimiento, aunque lo que se ampla sea una demanda por calificacionesespecficas en todo el territorio, el ofrecimiento de vacantes en tales institucionesacompaa las especializaciones productivas de los lugares. En consonancia con lasnecesidades del perodo tcnico cientfico informacional, la enseanza superiora sedesarrolla de forma que sus ofertas ayudan a configurar el territorio. Es en esecontexto que comprendemos la realidad de Juiz de Fora / MG: histricamente, laciudad aglutina fijos favoreciendo flujos que, por consiguiente, impulsaron laatraccin de inversiones, de personas, de instituciones. Ratificando la tesis quedefendemos, la ciudad exhibe, por lo tanto, el proceso de selectividad espacial en laimputacin de instituciones de enseanza superiora.

    Palabras clave: Territorio brasileo. Instituciones de enseanza superiora. Tcnica.Medio tcnico cientfico informacional. Juiz de Fora.

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Evoluo da populao brasileira nas maiores cidades: final do

    sculo XIX................................................................................... 118

    Tabela 2 Evoluo da populao brasileira: 1872-1960 .......................... 128

    Tabela 3 Brasil: PEA por setores da atividade 1940-1960........................ 147

    Tabela 4 Grandes Regies Fisiogrficas: participao na formao darenda interna nacional................................................................ 148

    Tabela 5 Distribuio setorial dos emprstimos do BIRD ao Brasil .......... 153

    Tabela 6 Maiores produtores de caf da zona da Mata............................. 215Tabela 7 Crescimento populacional Zona da Mata.................................... 216

    Tabela 8 Principais instalaes industriais de Juiz de Fora: 1905 ............ 231

    Tabela 9 Principais instalaes industriais de Juiz de Fora: 1914 ............ 232

    Tabela 10 Mdia anual de graduados nas IES de Juiz de Fora:1915-1957 .................................................................................. 265

    Tabela 11 Evoluo do crescimento demogrfico em Juiz de Fora:1950- 2007 ............................................................................... 276

    Tabela 12 Evoluo do nmero de alunos matriculados em IES:2002-2008................................................................................... 285

    Tabela 13 Matrculas entre 2002 e 2008 .................................................... 285

    Tabela 14 Evoluo do nmero de cursos oferecidos por IES:2002-2007 ................................................................................. 286

    Tabela 15 Nmero de instituies de educao superior segundocategoria (pblica e privada) por regies metropolitanas emunicpios acima de 100 mil habitantes (Regio Norte)............ 316

    Tabela 16 Nmero de instituies de educao superior segundocategoria (pblica e privada) por regies metropolitanas emunicpios acima de 100 mil habitantes (Regio Nordeste)...... 317

    Tabela 17 Nmero de instituies de educao superior segundocategoria (pblica e privada) por regies metropolitanas emunicpios acima de 100 mil habitantes (Regio

    Centro-Oeste)............................................................................. 320

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Taxa de analfabetismo da populao de 15 anos ou mais............. 164

    Grfico 2 Distribuio do PIB por setor da economia em Juiz de Fora:1970-2005 ...................................................................................... 280

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Ilustrao 1 Universidade de Paris ............................................................ 85

    Ilustrao 2 Observatrio do astrnomo Tycho Brahe .............................. 89

    Ilustrao 3 Banco de Crdito Real de Minas Gerais ................................ 239

    Ilustrao 4 Usina Marmelo Zero ............................................................... 241

    Ilustrao 5 Sistema de Bondes em Juiz de Fora ..................................... 244

    Ilustrao 6 Fluxos: Estrada Unio-Indstria ............................................. 250

    Ilustrao 7 Fios e trilhos: Rua Halfeld em 1878 ....................................... 250

    Ilustrao 8 Associao Comercial de Juiz de Fora .................................. 252

    Ilustrao 9 Instituto Granbery em 1889 .................................................... 254

    Ilustrao10 Academia de Comrcio .......................................................... 255

    Ilustrao11 Juiz de Fora: Av. Rio Branco. Anos 1950 .............................. 269

    Ilustrao 12 Escola de Farmcia e Odontologia de Juiz de Fora .............. 270

    Ilustrao 13 Escola de Engenharia de Juiz de Fora .................................. 271

    Ilustrao 14 Terreno preparado para construo da UFJF......................... 274

    Ilustrao 15 Campus da UFJF ................................................................... 277

    Ilustrao 16 Instituto Vianna Junior ............................................................ 279

    Ilustrao 17 Faculdade Suprema ............................................................... 289

    Ilustrao 18 FACSUM ................................................................................ 289

    Ilustrao 19 Faculdade Estcio de S ....................................................... 289

    Ilustrao 20 Regio Central de Juiz de Fora ............................................. 291

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    LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 Universidades na Europa Medieval ................................................ 82

    Mapa 2 Colgios Jesutas no Brasil: sculo XVIII ...................................... 104

    Mapa 3 A marcha do povoamento e a urbanizao: sculo XVII ............... 107

    Mapa 4 Povoamento e urbanizao: sculo XVIII ...................................... 110

    Mapa 5 Faculdades isoladas criadas no perodo de 1891-1914 ................. 122

    Mapa 6 Distribuio de matrculas no territrio brasileiro: 1908 ................. 123

    Mapa 7 Nmero absoluto de IES no Brasil: 1955 ....................................... 145Mapa 8 Nmero absoluto de docentes em IES: 1955 ................................. 146

    Mapa 9 Nmero absoluto de IES: 1991, 1998, 2007 .................................. 169

    Mapa 10 Instituies de ensino superior no Brasil: regies metropolitanase cidade com mais de 100 mil habitantes....................................... 175

    Mapa 11 Nmero absoluto de vagas em IES no Brasil ................................. 179

    Mapa 12 Inscries de vestibular para IES no Brasil .................................... 181

    Mapa 13 Nmero absoluto de matrculas em IES no Brasil .......................... 182

    Mapa 14 Nmero absoluto de ingressantes em IES no Brasil ...................... 184

    Mapa 15 Nmero absoluto de concluintes em IES no Brasil ........................ 185

    Mapa 16 Nmero absoluto de IES no BrasilCapital/interior ...................... 189

    Mapa 17 Nmero absoluto de Docentes em IES no Brasil ........................... 191

    Mapa 18 Nmero absoluto de IES no BrasilPblica/privada ..................... 193

    Mapa 19 Nmero absoluto de matrculas em IES no Brasil -Diurno/noturno................................................................................. 194

    Mapa 20 Regio Sudeste .............................................................................. 204

    Mapa 21 Grande Regio Leste: evoluo da rede ferroviria ....................... 221

    Mapa 22 Zona da Mata: Municpios com IES ............................................... 263

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Plano de modernizao de Juiz de Fora ...................................... 236

    Quadro 2 Dos cursos secundrios ao ensino superior ............................... 264

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    LISTA DE SIGLAS

    AGSC Acordo Geral sobre Comrcio e Servios

    BDMG Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BIRD Banco Internacional para Reconstruo e Desenvolvimento.

    CES-JF Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora

    CLACSO Conselho Latino-Americano de Cincias Sociais

    FACSUM Faculdade do Sudeste MineiroFIES Financiamento Estudantil

    FJF Faculdades de Juiz de Fora

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    GATS Acordo Geral sobre Servios

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstico

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnsioTeixeira

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IES Instituies de Ensino Superior

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    MEC Ministrio da Educao

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

    ONU Organizao das Naes Unidas

    OTAN Organizao para o Tratado do Atlntico Norte

    PIB Produto Interno Bruto

    PROUNI Programa Universidade para Todos

    RFFSA Rede Ferroviria Federal Sociedade Annima

    SENAI Servio Nacional da Indstria

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    SME Setor de Mercado Externo

    SMI Setor de Mercado Interno

    UDF Universidade do Distrito Federal

    UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora

    UMG Universidade de Minas Gerais

    UNIPAC Universidade Presidente Antnio Carlos

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a educao, cincia e cultura

    UNIP Universidade Paulista

    UNIVERSO Universidade Salgado de Oliveira

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    SUMRIO

    INTRODUO......................................................................... 25

    1 PARTE DO MUNDO AO LUGAR: TCNICAS, AES E OBJETOSUMA COMPREENSO GEOGRFICA............................... 43

    1 APROXIMANDO-SE DOS LUGARES DO FAZER DOSHOMENS: A TCNICA, AS AES E OS OBJETOS........... 44

    2 OS LUGARES: A VIRTUALIDADE DO MUNDO................ 66

    2 PARTE AS INSTITUIES DE ENSINO SUPERIOR E OS USOS

    DO TERRITRIO BRASILEIRO........................................... 77

    3 A CONSTITUIO DE UM EVENTO: AS UNIVERSIDADESE O ENSINO SUPERIOR........................................................ 78

    3.1 UNIVERSIDADE E ENSINO SUPERIOR:ORIGENS................................................................................ 80

    3.2 OUTROS MOMENTOS: RENASCIMENTO, ILUMINISMO EA UNIVERSIDADE ESTATAL.................................................. 87

    4 ARAUTOS DA EDUCAO SUPERIOR NO BRASIL.......... 95

    4.1 O ENSINO SUPERIOR: UM ESFORO DEPERIODIZAO..................................................................... 95

    4.2 PRIMRDIOS DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL............ 100

    4.3 AS PRIMEIRAS FACULDADES ISOLADAS NO BRASIL....... 111

    5 NOVAS DEMANDAS DO TERRITRIO E AUNIVERSIDADE BRASILEIRA............................................... 126

    5.1 NOVAS DINMICAS TERRITORIAIS E O SURGIMENTODA UNIVERSIDADE NO BRASIL............................................ 130

    6 INSTITUIES DE ENSINO SUPERIOR NO PER ODOTCNICO-CIENTFICO-INFORMACIONAL........................... 150

    6.1 PRENNCIOS DE UM TERRITRIO EM ACELARADAMUTAO .............................................................................. 150

    6.2 AS REFORMAS NO MUNDO E AS REFORMAS NAEDUCAO............................................................................. 160

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    6.3 O ENSINO SUPERIOR E O USO DO TERRITRIO

    BRASILEIRO........................................................................... 165

    3 PARTE OS LUGARES DO MUNDO: JUIZ DE FORA E O USO DOTERRITRIO POR INSTITUIES DE ENSINOSUPERIOR.............................................................................. 196

    7 CONEXES GEOGR FICAS: JUIZ DE FORA E A ZONADA MATA MINEIRA................................................................ 197

    7.1 JUIZ DE FORA E AS MODERNIZAES DO TERRITRIO. 205

    7.2 PRIMRDIOS DA OCUPAO DA ZONA DA MATA............ 208

    7.2.1 Os vetores de ocupao da Zona da Mata de Minas Gerais... 211

    7.2.2 Os trilhos do caf e as demandas de circulao territorial...... 218

    7.3 EFEITOS DE LUGAR: AS MODERNIZA ES EM JUIZDE FORA (MG), NO PERODO DA MECANIZAO DAPRODUO E DO TERRITRIO........................................... 227

    7.3.1 O sistema bancrio.................................................................. 237

    7.3.2 A energia eltrica..................................................................... 240

    7.3.3 Os transportes......................................................................... 242

    7.3.4 A sade.................................................................................... 245

    7.3.5 A comunicao........................................................................ 248

    7.3.6 Associao de Classe.............................................................. 251

    7.3.7 A educao.............................................................................. 2538 A CIDADE E AS INSTITUIES DE ENSINO SUPERIOR... 259

    8.1 AS FACULDADES ISOLADAS EM JUIZ DE FORA................ 264

    8.2 RAZ ES DO MUNDO: O ATUAL USO DO TERRITRIOPOR INSTITUIES DE ENSINO SUPERIOR, EM JUIZ DEFORA....................................................................................... 274

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    CONSIDERAES FINAIS....................................................

    REFERNCIAS.......................................................................

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    299

    APNDICE............................................................................ 315

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    INTRODUO

    Eu ando pelo mundo prestando ateno

    Em cores que eu no sei o nomeCores de AlmodvarCores de Frida Kahlo, cores

    Passeio pelo escuro,Eu presto muita ateno no eu meu irmo ouve

    E como uma segunda pele, um calo, uma casca,Uma cpsula protetoraEu quero chegar antes

    Para sinalizar o estar de cada coisaFiltrar seus graus

    Eu ando pelo mundo divertindo genteChorando ao telefone

    E vendo doer a fome dos meninos que tm fome

    (Calcanhoto, Adriana. Esquadros, 1992)

    Sustentando-se no desenvolvimento de uma epistemologia do pensamento

    geogrfico e calcando-se na interpretao do territrio usado, a partir dos

    ensinamentos de Santos (1999), segundo os quais impossvel excluir o homem,

    as reflexes contidas nesta pesquisa tratam de um territrio que no exclui

    ningum: pobres, ricos, negros, brancos, cultos, analfabetos, grandes empresas,

    ambulantes, enfim, todos. Territrio, inclusive, que cria e recria discursos, que

    texto e fala, que narrativa e possibilita as interpretaes e o fazer da poltica na

    perspectiva geogrfica. Dessa forma, um grande desafio para o gegrafo

    compreender como o processo de formao territorial tanto pode influenciar o

    pensar, o fazer e o agir, quanto igualmente pode servir de expresso para estas

    aes, inscritas nas relaes sociais e preservadas nas formas e contedos

    espaciais.

    Obviamente no tendo carter aleatrio, a escolha do ttulo do captulo que

    abre as discusses desta tese aconteceu antes mesmo da organizao e dasistematizao das ideias no papel. Alm de expressar um pensamento geogrfico,

    com suas particularidades de teoria e mtodo, pretendo explicitar o carter de

    conexo dos conhecimentos apresentados neste texto, de tessitura de reflexes

    entre o sujeito leitor/escritor com outros sujeitos leitores/escritores. Usando a

    oportunidade oferecida pela Geografia, j que esta possibilita a leitura do mundo,

    busco uma forma de sinalizar o estado de cada coisa, atravs da leitura do

    territrio usado. Pensadores brasileiros e estrangeiros, com cujas reflexes dialogo,esforam-se para promover uma interpretao do presente, das realidades

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    vivenciadas por homens, mulheres, crianas, dos mais diversos e longnquos

    espaos geogrficos.

    Paulo Freire (2005, p. 27) enfatiza que no se l criticamente, como se faz-

    lo fosse a mesma coisa que comprar mercadorias por atacado. Para o autor, a

    leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se d e ao

    qual me dou e de cuja compreenso fundamental me vou tornandotambm sujeito.

    A leitura uma atividade sociocultural cuja funcionalidade evidencia-se e propaga-se

    cada vez mais no cotidiano da vida humana1.

    Vinculando-se ideia do inacabamento do ser, tratada por Freire (2005, p.

    50-51), para quem onde h vida h inacabamento, do mundo da leitura leitura do

    mundo, o trajeto de aprender se cumpre e se refaz indefinidamente, de forma que

    um mundo inacabado permite constantes e variadas leituras geogrficas2.

    Apesar do alerta de Max Sorre (Apud, SANTOS 1999), a leitura que fazemos do

    mundo considera as descries, mas funda-se nas explicaes. Descrio e

    explicao so inseparveis. O que deve estar no alicerce da descrio a vontade

    de explicao, que supe a existncia prvia de um sistema.

    Recordo-me da minha iniciao no mundo da leitura, feita ainda em casa, sob

    os cuidados dos meus pais. A curiosidade pela decodificao dos smbolosexpressos nos jornais, revistas e outros tantos textos, impulsionava-me a indagar

    aos outros pares todos os significados de tantas palavras, intrigava-me saber o que

    elas diziam. Somente no espao-tempo escolar consegui adentrar-me no mundo da

    leitura e, concomitantemente, na leitura do mundo. A partir do mundo da escola, do

    universo da leitura dos textos, mapas, grficos, tabelas, paisagens, estabeleci

    contato com a geografia do planeta que, aos poucos, foi tornando-se geografia do

    mundo. Afinal, concordando com Peter Burke (2003, p. 18) quem quer queargumente que o conhecimento socialmente situado certamente v-se obrigado a

    situar a si mesmo.

    1As observaes de Regina Tarocco (1999, p. 28) reforam a ideia de que ao longo do processo deescolarizao, a leitura da palavra e a leitura de mundo devem se processar concomitantemente,pois uma absolutamente indispensvel outra. O processo de leiturizao se dar na medida emque a leitura da palavra se insira na leitura do mundo e continue a estimular sua decifrao, atravsdo estmulo, do desafio e da curiosidade, que so fundamentais.2No entender de Max Sorre (Apud, SANTOS 1999), a geografia era uma meditao sobre a vida eno sobre a morte [...] a morte era dada pelas aparncias, pelas descries meramente formais, asestatsticas alinhadas pelo simples prazer de manipular nmeros, as classificaes com as quais sepretende aprisionar toda a realidade.

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    Podemos dizer que o mundo da leitura est relacionado ao mundo da

    imprensa, da indstria cultural, do papel, da escola, do livro didtico, da literatura

    infanto-juvenil, dos livros acadmicos, das teses. Dessa forma, as prticas de

    leituras com suas vrias nuances, bem como suas formas de insero no sistema

    cultural, so questes que incidem reflexivamente sobre diferentes aspectos do

    mundo da leitura. A leitura de mundo consiste na anlise para interpretar e interagir

    com algumas representaes que a leitura proporciona em diferentes textos. Para

    Freire (1994, p. 44), a leitura do mundo sempre precede a leitura da palavra e a

    leitura desta implica na continuidade daquele. A importncia do ato de ler implica

    sempre percepo, interpretao e reescrita do que foi lido3.

    Estas observaes sobre a constituio do sujeito construtor do texto entram

    como suporte de uma leitura de um mundo que tem como partes constitutivas tanto

    a materialidade das coisas e dos objetos, quanto a materialidade da vida particular

    que o anima, com seus mltiplos agentes e suas aes. Isso possibilita, sob a

    perspectiva geogrfica, captar o movimento contnuo, ininterrupto do processo

    histrico de totalizao. Para Burke (2003, p.14), Mannheim e Weber argumentavam

    que as ideias so socialmente situadas e formadas por vises de mundo ou estilos

    de pensamento. Portanto, na tessitura desta tese, desfaz-se o sujeito leitor que meconstituo.

    Segundo Freire (1994), ler acompanhar criticamente o movimento do texto

    para apreender seu significado mais profundo; ler o mundo acompanhar o

    movimento do mundo apreendendo o seu sentido e sua significao: o mundo o

    encontro das realidades histricas que se materializam na sociedade humana, em

    diversas formas de aes e feies: o espao e seu uso, o tempo e seu

    uso. Ecoando esse pensamento, Ortega y Gasset (Sd. p. 12) explicita: O mundo orepertrio de nossas possibilidades vitais [...] Representa o que podemos ser;

    portanto, nossa potencialidade vital [...]. Da que nos parece o mundo uma coisa to

    enorme, e ns, dentro dele, uma coisa to pequena. O mundo ou nossa vida

    possvel sempre mais que nosso destino ou vida efetiva(idem).

    3Barthes (1977, p. 82-83) considera que texto quer dizer tecido; mas enquanto at aqui esse tecidofoi sempre tomado por um produto, por um vu acabado, por trs do qual se mantm, mais ou menosoculto, o sentido (a verdade), ns acentuamos agora, no tecido, a ideia gerativa de que o texto se faz,

    se trabalha atravs de um entrelaamento perptuo; perdido neste tecido nessa texturao sujeitose desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas secrees construtivas de suateia. Se gostssemos de neologismos poderamos definir a teoria do texto como uma hifologia(hyphos o tecido e a teia de aranha).

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    Para Hannah Arendt (2008), nossa grande marca na superfcie terrestre

    que, diferentemente das outras, somos uma espcie condicionada: tudo o que entra

    em contato conosco vai, aos poucos, constituindo-se como condio de nossa

    existncia. Pierre George (1972) enfatiza que o mundo realiza-se graas

    transformao realizada na Terra pela ao humana, efetivando-se materialmente

    medida que produzimos coisas e objetos. Ou seja, o homem com sua ao cria

    suas prprias condies, independente da heterogeneidade da superfcie terrestre.

    Enfim, o mundo se cria pelo contnuo fazer humano. Nesses termos, as palavras de

    Arendt (2008, p. 210) corroboram esta perspectiva de leitura do mundo: a ao,

    portanto, no apenas mantm a mais ntima relao com o lado pblico do mundo,

    comum a todos ns, mas a nica atividade que o constitui.

    Se Santos (2004, p. 40) alerta-nos que certo, ns no mudaremos o

    mundo, mas podemos mudar o modo de v-lo, por outro lado, dialogando com

    Ortega Y Gasset (1984, p.78) el mundo soy yo, mi vida y mis circunstancias,

    permite-me comungar com a ideia de que o mundo uma construo: uma

    construo permanente da mundanidade na Terra (ARENDT, 2008), pela qual os

    homens so responsveis.

    Prescinde-se de aporte acadmico para perceber que o territrio tem suasapropriaes e usos diferenciados, os quais expressam, pela materialidade das

    formas e dos seus contedos, as diferenas e as desigualdades. Na minha infncia,

    quando atravessava a Zona da Mata Mineira, saindo de Espera Feliz, minha terra

    natal, em direo a Juiz de Fora, passando por Muria, Manhuau e outras cidades

    de maior porte, centralizadoras dos mais diversificados tipos de servio e comrcio,

    e que, ainda hoje, atendem demanda da populao das pequenas cidades,

    percebia o quanto um lugar era diferente do outro.Lembro-me de que, j naquela poca, fazia muitas perguntas aos meus pais

    sobre o tamanho de cada cidade, o total de sua populao, as distncias

    percorridas, enfim, sobre uma srie de aspectos que j sinalizavam certa ansiedade

    em entender a diversidade dos lugares bem como a desigualdade entre os mesmos.

    S hoje, o homem adulto que sou capaz de entender que, naquela poca, a

    criana que eu era j queria compreender a ao diferenciada dos homens na

    criao de um mundo por fazer, repleto de possibilidades. De certa forma, o meio

    em que vivi favoreceu, desde cedo, contato com um pequeno mundo, motivando

    uma incipiente leitura freiriana deste mundo.

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    Uma observao elaborada por Saramago, em Ensaio sobre a cegueira

    (SARAMAGO, 2007), auxilia-me na construo do texto em que discuto a

    importncia do ato de ler o mundo a partir das lentes geogrficas: Se podes olhar,

    v. Se podes ver, repara. Eis, de certa forma, o que me proponho a fazer: reparar.

    Reparar o fazer, o agir humano sobre a terra, as histrias e as geografias

    construdas pelo cotidiano vivido. Enfim, reparar, nos lugares, o mundo. Nestas

    entrelinhas, esse um recado implcito que faz emergir em ns, sujeitos viventes

    deste momento, uma capacidade cada vez mais perdida: a de olhar frontalmente a

    realidade que nos vem sendo posta. Num mundo que valoriza cada vez mais o

    virtual e as metforas e, na mesma medida, nega o prprio gnero humano,

    fazendo-nos cada vez mais sem nome, nos ditos de Saramago, preciso fazer

    emergir, atravs do olhar geogrfico, um sentimento real de que nos alerta Cssio

    Hissa (1993)4.

    Se ler o mundo estudar a sociedade, investigar o processo de

    humanizao do homem a partir do territrio usado, do ponto de vista da geografia

    podemos dizer que ler o mundo ler o espao geogrfico: construo social e

    histrica da ao humana. Como instncia da sociedade e objeto da geografia, o

    espao geogrfico deve ser entendido como um mundo datado, na medida em que ocarter histrico da geografia possibilita-nos entender o espao-mundo como uma

    histria do presente.

    O espao geogrfico definido por Santos (1988, p. 51) como um conjunto

    indissocivel de sistemas de aes e objetos. Para adquirirem materialidade, tanto

    os objetos naturais quanto os elaborados tecnicamente bem como os eventos da

    vida precisam estar situados no espao e no tempo. Para este autor, os objetos

    so esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do indivduo e se tornainstrumental de sua vida [...]. Pertencendo tanto ao domnio da geografia fsica

    quanto ao domnio da geografia humana, estes objetos, atravs da sua histria e da

    forma como foram produzidos, mudam, de forma que as geografias encontram-se.

    Segundo Milton Santos, com a tcnica, o indivduo em sociedade forma um

    conjunto de meios instrumentais e sociais com os quais realiza sua vida, produz e,

    4O olhar geogrfico, constitudo atravs da lente que observa o mundo e apreende a dimenso darealidade que objetiva interpretar. Olhar na direo das formas espaciais e sua dinmica, invlucro e

    contedo. Olhar no sentido da realidade espacial. Invlucro e contedo do ser, do tempo e dahistria. Olhar, que se detm, crtico, nos processos atravs dos quais o tempo, que passaimperceptvel e silencioso, se faz slido e torna real para o mundo dos sentidos (HISSA, 1993, p.4).

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    ao mesmo tempo, modifica o espao. Essa concepo de espao leva em conta

    todos os objetos existentes numa extenso contnua, supondo a coexistncia desses

    objetos como sistemas e no apenas como colees: a utilidade atual dos objetos,

    passada ou futura, vem exatamente do seu uso combinado pelos grupos humanos

    que os criaram ou herdaram das geraes anteriores. Podemos, portanto, dizer que,

    aliada sua funcionalidade, est sua carga simblica. Dessa forma, de suma

    relevncia para o reconhecimento da dinmica social e da leitura do espao

    geogrfico no s a identificao dos objetos, mas tambm o conhecimento dos

    seus usos por parte dos homens bem como sua importncia para os fluxos das

    pessoas, ideias e mercadorias.

    A racionalidade do espao, entendida historicamente e fruto da lgica das

    redes, expressa por meio do contedo geogrfico do cotidiano (SANTOS, 2005).

    Esta explicitao pode contribuir para desvendar a (re)produo do sistema atravs

    de sua obviedade e concretude. Soja (1993) atenta para o fato de que a

    globalizao fez redescobrir a corporeidade, revelada como uma certeza

    materialmente sensvel, em virtude da fluidez, velocidade e referncia a lugares e

    coisas distantes. Esse processo fez reaparecer, no cenrio das anlises

    acadmicas, as reflexes sobre os lugares, aproximando os verdadeiros significadosda realidade social atravs da considerao do cotidiano.

    Tendo uma configurao territorial, o lugar caracteriza-se essencialmente

    pela sua natureza interna, cuja extenso confunde-se com sua prpria existncia.

    Remontando ao cotidiano, sua caracterstica e seus parmetros esto ligados co-

    presena, vizinhana, intimidade, emoo, cooperao e socializao.

    Com base na contiguidade, o lugar rene, na mesma lgica interna, todos os seus

    elementos: pessoas, empresas, instituies, formas sociais e jurdicas, alm dasformas-contedos geogrficos. Se, para Santos (2005), o cotidiano imediato,

    localmente vivido, trao de unio de todos esses dados, a garantia da

    comunicao, concordamos com a ideia de que uma anlise da dimenso espacial

    do cotidiano permite no s concretizar as aes e prticas sociais, mas tambm

    conduzir ao entendimento diferenciado dos usos do territrio, das aes e formas-

    contedos geogrficos.

    Perpassando discusses da contemporaneidade, como globalizao,

    fragmentao, diversidade, diferenciao, planejamento, ordenamento, enfim,

    discursos espacializveis, o lugar passa a ocupar, novamente, posio de destaque,

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    na medida em que, afinal, as diferenas entre os lugares so o resultado do arranjo

    espacial dos modos de produo particulares (SANTOS, 2005, p. 28). Tais

    diferenas instigam o olhar geogrfico a buscar algumas respostas para a sua

    manifestao no uso do territrio. Partindo dessa constatao, sinto-me, hoje, com

    uma pesada, porm instigante, tarefa de tentar explicar, a partir do mtodo

    geogrfico, a realidade do mundo presente que me salta aos olhos e me preenche

    os sentidos. O professor Milton Santos nos ensinou que h uma necessidade de

    apreender o mundo em sua temporalidade, em seu estado de coisas atuais,

    decodificando o tempo presente, para conceb-lo como um estado de coisas

    possveis (SANTOS, 2002a). Com este trabalho, busco um constante (re)visitar do

    mundo, apreendendo-o em sua temporalidade, desvelando efeitos de verdade e

    redescobrindo significados.

    Se o fenmeno tcnico um dado central do processo histrico, a histria

    uma sucesso de um sistema de tcnicas que so, ao mesmo tempo, contedo e

    continente da ao humana, possibilitando ao homem escrever a histria sem

    escrever palavras: primeiro, pela tcnica e pela ao, o homem escreveu o mundo;

    depois, pela linguagem, falou o mundo, transformando-o; por ltimo, o homem

    registrou o mundo, nomeando-o5

    .Acreditando que a construo de um debate epistemolgico, tanto na

    Geografia quanto nas demais reas do conhecimento, est prenhe de

    subjetividades, ou seja, est prenhe dos lugares de onde se escreve, se vive e se

    olha, constituindo, nas palavras de Blikstein (1995), corredores isotpicos ou formas

    particularizadas de ver o mundo, assim me vejo no (pelo) mundo. Paulo Freire

    (1990), para quem nada sobre a sociedade, a lngua, a cultura ou a alma humana

    simples, porque nada se desenrola de modo to natural, nem nos meios naturais,

    5Na abordagem geogrfica de Milton Santos, as tcnicas participam na produo da percepo doespao, e tambm da percepo do tempo, tanto por sua existncia fsica, que marca as sensaesdiante da velocidade, como pelo seu imaginrio. Esse imaginrio tem uma forte base emprica. Oespao se impe atravs das condies que ele oferece para a produo, para a circulao, para aresidncia, para a comunicao, para o exerccio da poltica, para o exerccio das crenas, para olazer e como condio do viver bem. Como meio operacional, presta-se a uma avaliao objetiva ecomo meio percebido est subordinado a uma avaliao subjetiva. Mas o mesmo espao pode servisto como o terreno das operaes individuais e coletivas, ou como realidade percebida. Na

    realidade, o que h so invases recprocas entre o operacional e o percebido. Ambos tm a tcnicacomo origem e por essa via nossa avaliao acaba por ser uma sntese entre o objetivo e osubjetivo(SANTOS, 2005, p. 55).

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    nem no construdo historicamente pelos homens, tambm me ajuda na construo

    deste texto.

    Sujeito circunstanciado por condies espao-temporais do mundo e nelas

    submerso, o homem um ser-em-situao. Como ser situado, ele desafiado pelas

    circunstncias a refletir sobre sua ao. Ao refletir sobre seu contexto, ele constri

    seu espao existencial, produzindo cultura e fazendo histria. As invases

    recprocas das quais nos alerta Santos (2005) permeiam a construo da tese que

    defendemos, entrecruzando os dados da objetividade operacional com a

    subjetividade da realidade percebida.

    Caractersticas marcantes do meio tcnico-cientfico-informacional do mundo

    contemporneo, a velocidade, a instantaneidade e a simultaneidade com que so

    transmitidas informaes entre diferentes lugares, prximos ou distantes, fazem

    deles lugares mundiais. A comunicao e a circulao de informaes dados,

    ideias, decises, normas e aes ocorrem, instantaneamente, nos mais variados

    lugares e com intensidades diferenciadas.

    A partir da criao deste meio datado na contemporaneidade, criam-se os

    espaos de hegemonia, onde a carga de racionalidade maior, atraindo aes de

    interesse global. Dessa forma, criam-se lugares em que se exerce um tempomundial e onde se instalam as foras reguladoras da ao dos demais lugares.

    Esses espaos escolhidos instalam-se no decorrer do processo de globalizao,

    como lugar da produo e das trocas de interesse mundiais hegemnicos.

    A geografia que hoje produzimos procura entender a construo destas e de

    outras paisagens, propondo que o faamos atravs da compreenso do territrio

    usado: a construo de densidades tcnicas, de uma tecnosfera6, onde cincia e

    tecnologia se adaptam, produzindo a interao de sistemas distantes, substituindo omeio natural pelo meio tcnico, cientfico e informacional(SANTOS, 1996, p. 255-

    256). Nesse sentido, surge um forte argumento para rebater as falsas ideias de

    homogeneizao do espao pela globalizao. A tecnosfera que Santos (1996)

    salienta resultante do processo iluminista que, apenas pelo uso das metforas,

    6A tecnosfera o conjunto de objetos fixos e de fluxos que permitem novas formas de organizaosocial e novas noes de rapidez, de fluidez, de circulao de pessoas, ideias e mercadorias,

    alterando, assim, a psicosfera, ou seja, o conjunto de ideias, crenas, paixes e o lugar da produodos sentidos. Segundo Santos (1996, p. 204), o lugar da produo de sentidos tambm faz parte domeio ambiente, desse entorno da vida fornecendo regras racionalidade ou estimulando oimaginrio.

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    torna-se global, no entanto fixa-se aos lugares, com um dado vindo de fora, uma

    prtese7.

    Baudrillard (1985), em sua obra A sombra das maiorias silenciosas: o fim do

    social e o surgimento das massas, esclarece que antigamente bastava ao capital

    produzir mercadorias, o consumo sendo mera consequncia. Hoje preciso produzir

    os consumidores. Os consumidores, deficientes cvicos, deslumbram-se

    facilmente pela oferta de um mundo mgico, fast food, instantneo.

    Eis os paradoxos da contemporaneidade: num mundo cada vez mais

    comunicante, escpico e veloz, produtor de cincia e tecnologia capazes de

    interconectar empresas, pessoas, instituies, no so raros os cidados incapazes

    de decodificar mensagens, como o destino do nibus, ou de lidar com carto de

    saque bancrio, o dinheiro de plstico, atravs do qual recebem, de uma falida

    previdncia social, suas penses ou aposentadorias. Essa velocidade

    contempornea choca-se com tempos idos: o dos homens lentos, dos quais nos

    fala Santos (2005). Ela pode ser apreendida na leitura de como o territrio, aos

    poucos, deixa de ser abrigo e recurso de todos, para transformar-se em recurso para

    alguns, principalmente para as empresas. Santos (1997)8, interpretando uma ideia

    do Gegrafo Francs Jean Gottmann, assim entende o territrio como abrigo e comorecurso.

    Condensando relaes de aparncia, o espao geogrfico abarca tudo que

    est sob a gide do olhar: a paisagem, o que o homem constri e o que, por sua

    ao, modifica. Dessa maneira, o espao geogrfico o resultado de racionalidades

    que sustentam a organizao historicamente manifesta da produo de objetos, da

    7Maria Adlia de Souza esclarece que Contrariamente ao que se apregoa, a tecnosfera geradora

    de heterogeneidades, de desigualdades, de excluso. Ela produz paisagens luminosas e espaostristes. Basta querer enxerg-los. Mas ela alimenta o discurso da felicidade, no mundo daglobalizao, produtor de consumidores, no de cidados. A tecnosfera produtora de deficientescvicos, pois diz respeito apenas ao mundo hegemnico, ao mundo do mercado (SOUZA, 2003, p.6).8 No comeo da histria, o territrio era os dois, para todos[...] Ele era abrigo e era recurso. Aspessoas tiravam dele a sua sobrevivncia e eram tambm protegidas por ele. A histria dahumanidade a histria da dissociao dessas duas condies, que agora chegou ao seu pice coma produo das chamadas redes. As redes so formadas por pontos bem tratados, bem equipados noterritrio, facilitando a vida das grandes empresas globais. Essas grandes empresas instalam-senesses pontos. Isso pode ser visto facilmente, bastando olhar para o mapa de qualquer pas, dequalquer continente. Elas tratam o territrio apenas como recurso, mas so muito pouco numerosas.No caso do Brasil, esse percentual nfimo. A maioria esmagadora, a quase totalidade das empresas

    tem o territrio como abrigo. Quanto s pessoas, o percentual parecido. Todavia, o territrio comoabrigo, como aquele que abriga a solidariedade, no cuidado pelo poder pblico, pelo poder doEstado, de tal forma que essa disjuno causa de desordem (SANTOS, 1997, p. 22).

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    produo de fixos, da criao dos fluxos (bens, pessoas, ideias, dinheiro) e da

    constituio de um meio em que se condensam as condies da vida em sociedade

    (SANTOS, 1996). Manifestao socialmente plena da experincia humana, por isso

    o espao pode ser lido em diferentes e significativos perodos de tempos histricos,

    como prope Santos (1996), para quem a definio do perodo constitui um

    momento nuclear da anlise cientfica do espao e de que lanamos mo na defesa

    de nossa tese.

    A leitura histrica dos usos do territrio ajuda a reconhecer, em cada

    temporalidade, uma forma especfica da condensao das relaes sociais,

    configuradas por mltiplos e heterogneos processos espaciais. Como condensao

    de relaes sociais fundamentais, as quais acontecem de modo distinto em cada

    formao social, o espao, na sociedade contempornea, muito mais do que um

    especial sustentculo da produo econmica, como apregoam os economistas.

    Constituda por processos tecnolgicos que aproximam o pensamento e

    fragmentam o fazer, a nova configurao da circulao no territrio cria

    especializaes dilaceradoras e fragmentadoras do espao. Dessa forma, no atual

    perodo histrico, constatamos, atravs das relaes espao-temporais, um

    redesenho das relaes do mundo com os lugares, ou por outra, um redesenho docorpo-mundo: enquanto, nos pases desenvolvidos, encontra-se o crebro das

    empresas multinacionais, o poder de criar, inventar e mandar, nos territrios dos

    pases pobres e subdesenvolvidos, encontram-se os braos, isto , a esfera do

    fazer, do obedecer e do reproduzir. A nova organizao tcnico-financeira da

    produo se instaura atravs das transformaes na complexa diviso social e

    territorial do trabalho. Essa nova configurao da sociedade desemboca no

    expressivo aumento das desigualdades sociais e na consequente agudizao dapobreza.

    Souza (1995) observa que, num mundo global, as facilidades garantidas para

    o processo de acumulao ampliaram-se9. Para a autora, a tcnica amplificou a

    possibilidade de muitos lugares entrarem em circuitos produtivos jamais sonhados.

    9 Para Souza (1995, p. 14), trata-se, portanto, de uma batalha mundial entre os interesses

    transnacionais, no tanto para a produo, que flexvel, e nem pelos lugares, que so mltiplos einmeros. A conexo geogrfica possibilitada pela tcnica insere qualquer lugar conectado, nocircuito global de produo e consumo.

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    Partindo da anlise do pensamento de Milton Santos10, entendemos que as

    diferenas observadas entre os lugares so histricas e que a variao da

    organizao do espao fruto de uma acumulao desigual de tempos (SANTOS,

    2002, p. 3). Indo alm, entendemos que as relaes sociais praticadas num

    determinado lugar deixam marcas na sua paisagem na medida em que materializam

    formas espaciais que se agregam ao solo sendo expresso dos usos do territrio.

    Estas formas produzidas para e pelo uso social vo constituindo uma herana

    geogrfica e espacial, de cada lugar, aparecendo com qualidades locais para novas

    apropriaes deste espao-fator, para usar mais uma expresso cunhada por

    Santos (2005, p. 140).

    E mais: existe um contnuo processo de modernizaes em curso que no

    atinge todos os lugares ao mesmo tempo com a mesma intensidade. Obedecendo

    lgica racionalista do capital, e no aos interesses reais da vida dos homens, alm

    de ser estimulado pelo Estado, esse contnuo processo responsvel por definir os

    usos do solo, a incorporao dos recursos naturais lgica mecnica de reproduo

    capitalista, as relaes entre os homens e os lugares, enfim, responsvel por

    definir as formaes territoriais. Como a histria de materializao do capital nos

    lugares seletiva, elegendo reas, o trao geral de tais modernizaes adesigualdade, j que, pelo favorecimento diferenciado do acesso a tecnologias,

    equipamentos e informaes, por exemplo, estabelece-se uma diviso territorial do

    trabalho, impondo uma hierarquia aos lugares.

    A partir dessa perspectiva, entendemos que a anlise geogrfica deve

    aprofundar a leitura das contnuas relaes das sociedades com o espao. Nessas

    relaes, so produzidas novas formas/contedos espaciais que, em certos casos,

    realizam, na funcionalidade do presente histrico, a vivificao das formaspretritas. Calcada numa epistemologia geogrfica de Santos (1978, 1988, 1996,

    2003, 2008),essa perspectiva permite reequacionar o horizonte terico da geografia,

    elucidando, de forma mais eficaz, a leitura do mundo presente.

    10Para o autor A geografia pretende utilizar como um de seus campos de trabalho ou como uma das geografias possveis, aquela que se preocupa com a apreenso do contexto dos diferentesmomentos, o que faz dela, de alguma maneira, a histria de cotidianos sucessivos. O entrosamento

    entre tcnica e histria permite o entendimento do que se passou, do que se passa e eventualmentedo que vai se passar, quando as tcnicas se formam um conjunto unificado e nico, movidas por ummotor tambm nico, o que permite uma visibilidade do futuro(SANTOS, 2002, p.1).

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    Santos (1978) argumenta que o espao, por ser uma materialidade passvel

    de localizao, mensurao e caracterizao, dever ser entendido com um fato. Ou

    por outra, cada lugar, sendo dotado de qualidades geogrficas singulares e

    objetivas, tem uma existncia material na superfcie terrestre. Mas o espao tambm

    deve ser apreendido como um fator, na medida em que sua diferenciao atua

    sobre os processos sociais de apropriao e uso dos lugares. As caractersticas

    presentes em dada localidade influem decisivamente nas relaes sociais ali

    travadas, possibilitando a configurao de certas localizaes.

    Devido relao estabelecida entre a sociedade e o espao e a

    sobredeterminao assinalada da dimenso espacial dos fenmenos, o espao

    pode ser tratado tambm com uma instncia (SANTOS, 1978, p. 152), isto , como

    um modo especfico de avaliar a prpria dinmica social. A dialtica contida nesse

    entendimento fornece-nos uma base terica densa para discutir, na atualidade, a

    globalizao e a fragmentao do mundo, as totalizaes, os processos e os

    lugares.

    Souza (2008), na mesma linha de interpretao da realidade explicitada por

    Santos (1978, 2005), enfatiza que, no mundo de hoje, os espaos preferidos pelo

    processo de globalizao como conjunto de possibilidades so aquelescaracterizados pela riqueza, ou seja, o espao das empresas. Para a autora, os

    espaos da globalizao so os territrios usados pelos ricos, pelas empresas que

    pela sua natureza se constituem em espaos privilegiados para o funcionamento do

    mundo dito globalizado (SOUZA, 2008, p. 8).

    Diante de todas essas reflexes, ressalto que, atravs dessa perspectiva de

    mtodo, revelo minha concepo de mundo e busco uma interpretao do territrio

    brasileiro a partir de uma geografia construda pelo uso do territrio associado presena das instituies de ensino superior. Entendo que se chega realidade

    geogrfica dos lugares somente a partir do territrio usado. Com a globalizao, os

    territrios so conhecidos e, na medida em que uma gama de dados, estatsticas e

    imagens sobre os lugares e suas possibilidades de usos efetivos so

    disponibilizados, o territrio usado passa a ter um papel ativo e motor, sendo

    compreendido, como unidade e diversidade. Trata-se de uma questo central da

    histria humana e de cada pas, constituindo o pano de fundo do estudo das

    diversas etapas do desenvolvimento no s do ensino superior no Brasil, mas

    principalmente do momento atual.

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    Santos e Silveira (2000, p. 9) esclarecem que o territrio, na perspectiva da

    geografia que se constri, visto como algo j preenchido por pessoas e objetos

    historicamente constitudos, cuja integrao com a natureza, bruta ou trabalhada,

    constitui o quadro de vida que ningum escapa. Atravs do territrio e do seu uso,

    possvel reconhecer, analisar e estudar, pela leitura geogrfica, o fenmeno da

    educao superior. O ensino superior representa, como defendemos em tese, nova

    varivel para a compreenso das remodelaes do territrio brasileiro em tcnica,

    cincia e em informao, sem perder a dimenso geogrfica desse imbricado

    processo. , pois, na constituio e funcionamento de um espao impregnado de

    tcnica, cincia e informao que, mirando o mundo do trabalho, torna-se decisiva

    tanto a crescente demanda pelo ensino quanto a qualificao das pessoas.

    O perodo atual de globalizao oferece-nos uma novssima expresso

    geogrfica. A cincia, hoje associada tcnica e cingida pela informao, aparece

    como um complexo de variveis que comanda o desenvolvimento do perodo atual.

    Da considerarmos, hoje, o espao geogrfico emergente como um meio tcnico-

    cientfico-informacional.11

    Em pesquisa sobre os sistemas orbitais e o uso do territrio12, Castillo

    (1999, p. 12) observa que o perodo histrico contemporneo mais do que umaherana das mutaes precedentes:

    Ele preconiza uma nova era do uso e conhecimento do territrio, aomesmo tempo em que so mantidos os princpios bsicos daeconomia de mercado, fazendo-se uso dos meios tcnicos novos,cada vez mais sofisticados.

    11Milton Santos (1985, 1994, 1996) explicita que a unio entre cincia, tcnica e informao gera umnovo meio tcnico-cientfico-informacional, que constitui a cara geogrfica da globalizao.Chegamos ao fim do sculo XX, e o homem, por intermdio dos avanos da cincia, produz umsistema de tcnicas presididas pelas tcnicas da informao. Elas passam a exercer um papel de eloentre as demais, unindo-as e assegurando a presena planetria desse novo sistema tcnico.12 Em sua tese de doutoramento, o autor defende que uma nova geopoltica e uma novageoeconomia se estabelecem, tomando o lugar de antigas estratgias dos Estados e das empresas.As bases do sistema continuam assentadas sobre a mercadoria, a concorrncia, o lucro, apropriedade privada, enfim, sobre a produo socializada e apropriao e gesto privada doexcedente. Produo de novas tcnicas e produo de novas geografias fazem parte de um mesmoprocesso, inerente ao capitalismo desde os seus primrdios (CASTILHO, 1999, p. 12).

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    Espao de concretizao das variadas possibilidades de existncia do mundo,

    ao lugar, hoje, no cabem mais explicaes fora do contexto de totalizao; cabem

    explicaes somente dentro de uma lgica que envolve as relaes globais

    mediadas por objetos e sistemas tcnicos (Santos, 1994b).O movimento do espao

    geogrfico, sinnimo de territrio usado, resultante do movimento dos lugares.

    No perodo atual, os imperativos de um mercado tornado global passam a

    comandar os acrscimos de cincia e tecnologia que o territrio brasileiro e seu

    conjunto de lugares comeou a incorporar, nos anos de 1970. Silveira ( 2005, p.

    156) observa que a informao substitui a indstria como varivel motora. Cabe

    ressaltar que no se trata de diminuir em importncia os dinmicos processos

    industriais, mas de apontar a relevncia de um fenmeno novo: a produo, a

    circulao e o acesso informao e ao conhecimento.

    Adquirindo novas formas-contedos, o territrio exige, portanto, novos

    comportamentos em virtude das grandes possibilidades de produo e, sobretudo,

    da circulao de insumos, mercadorias, dinheiro, ideias, informaes e

    conhecimentos, quer seja das ordens quer seja dos homens. Instituindo-se

    processos modernizantes dialticos, no e do territrio, e unificando o mercado,

    produzem-se espaos de fluidez, de forma que o consumo consolida-se em novosespaos territoriais, e a seletividade espacial para os investimentos empresariais

    mais poderosos ganha novos lugares, novas possibilidades.

    Conforme Milton Santos (1977, p. 87), os modos de produo tornam-se

    concretos sobre uma base territorial historicamente determinada. Deste ponto de

    vista, as formas espaciais seriam uma linguagem dos modos de produo. Da, na

    sua determinao geogrfica, eles serem seletivos, reforando, dessa maneira, a

    especificidade dos lugares. a partir dessa perspectiva analtica que podemoscompreender a localizao dos homens, das atividades econmicas, dos servios,

    no espao que responderiam tanto s necessidades externas de reproduo do

    modo de produo vigente, quanto s internas que corresponderiam s estruturas

    das sociedades nacionais.

    A cada nova diviso internacional do trabalho corresponde uma nova diviso

    territorial do trabalho responsvel pela seletividade nos usos e no poder de mandar

    e obedecer dos lugares. Como j foi afirmado, as diferenas entre os lugares so,

    portanto, o resultado de arranjo espacial dos modos de produo particularizados.

    O valor de cada local depende de nveis qualitativos e quantitativos dos modos de

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    produo e da maneira como eles se combinam. Assim, a organizao local da

    sociedade e do espao reproduz a ordem internacional (SANTOS, 1977, p. 88).

    Em suas reflexes, Milton Santos ainda sustenta que a sociedade em

    processo realiza-se sobre uma base material, de forma que a anlise do lugar

    ganha uma ateno especial como categoria de anlise. o lugar que atribui s

    tcnicas o princpio da realidade histrica, relativizandoseu uso e integrando-as ao

    conjunto da vida. Enquanto o lugar permite a co-presena, a convivncia, a

    contiguidade, a vizinhana, a aproximao, a interao, enfim, o estar em

    comunidade, por outro lado, a categoria lugar ganha uma nova realidade que se

    vincula ideia de existncia particular. O lugar tem a dimenso da realizao de um

    processo que se configura pela articulao mundo-lugar, como um quadro de

    referncia pragmtica do mundo. J que o mundo aparece como algo que no se

    concretizou completamente, o mundo no apenas um conjunto de possibilidades

    cuja realizao depende das oportunidades oferecidas pelos lugares (SANTOS,

    2005, p. 271), o lugar, nessa dinmica, oferece ao movimento contnuo do mundo a

    possibilidade de sua realizao mais eficaz.

    Santos (2008), em sua obra Tcnica, Espao, Tempo, explicita,

    definitivamente, a fora da tcnica como parte de sua epistemologia do espao.Nessa obra destaca que, muito embora esteja longe de ser uma explicao da

    histria, a tcnica constitui uma condio fundamental para sua explicao. Esse

    livro traz em seu cerne o fato de considerar o presente perodo histrico como algo

    que pode ser definido com um sistema temporal coerente, cuja explicao exige que

    sejam levadas em conta as caractersticas atuais dos sistemas tcnicos e suas

    relaes com a realizao histrica.

    Kahil (1996, p. 73) observa que desde sempre a existncia do homem supeo meio tcnico. A quantidade dos elementos tcnicos faz aparecer as formas cujo

    contedo dado pelas aes humanas. Assim, o territrio usado um hbrido de

    forma e contedo: a cristalizao dos momentos anteriores. Presente nas

    relaes sociais que nele se realizam, o lugar de encontro entre o passado e o

    futuro13.

    13Nas reflexes de Santos (1994), essa realizao d-se sobre uma base material: o espao e seu

    uso, o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas, as aes e suas diversas feies.Assim, empiricizamos o tempo tornando-o material e desse modo o assimilamos ao espao, que noexiste sem materialidade. A tcnica entra aqui como um trao-de-unio, historicamente eepistemologicamente(SANTOS, 1994, p. 42).

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    Em virtude dessa forma particular de leitura do mundo, entender as realidades

    geogrficas do presente exige, por parte do gegrafo, um profundo entendimento

    dos objetos tcnicos que mobilizam o espao uma tecnosfera, e ainda o

    entendimento do perodo, como um modo de vida uma psicosfera (KAHIL, 1996,

    p. 75). Juntas, tecnosfera e psicosfera constituem a centralidade do meio tcnico-

    cientfico-informacional.

    Tendo como base estas reflexes, algumas questes so evidenciadas

    considerando a histrica e atual formao socioespacial brasileira. Como, ao longo

    dos anos, as Instituies de Ensino Superior (IES)14 vo constituindo-se

    materialidades no territrio nacional? Por que alguns lugares vo apresentar um

    expressivo adensamento de IES enquanto, em outros, este evento tido como

    raridade? Quais fatores e agentes sociais interferem no processo de transformaes

    territoriais no Brasil, considerando as IES como evento neste processo? Como e por

    que a cidade de Juiz de Fora/MG exibe o processo de seletividade espacial das IES

    no Brasil?

    Estas perguntas, ao que nos parece, podem ser respondidas a partir da

    compreenso de que o espao geogrfico sinnimo de territrio usado, como j

    enfatizamos. Do uso do territrio, tambm, cria-se o territrio. No podemos perdera capacidade de refletir, a todo momento, sobre o fazer humano, sobre as

    inferncias, pelo uso, das formaes territoriais.

    Expostas estas questes, temos como hiptese que a distribuio das IES

    pelo territrio resultado de uma seletividade espacial rigorosa, engendrando os

    processos dialticos de homogeneizao e diferenciao espacial. O entendimento

    de que o mundo se constitui por um conjunto de possibilidades dadas nos lugares

    viabiliza a compreenso de que o territrio brasileiro, no atual perodo histrico, povoado de maneira desigual por instituies de ensino superior. Esta compreenso

    dos processos que povoam as relaes do mundo e dos lugares estimula e

    favorece a busca da tese a ser defendida.

    Para melhor delinear esta pesquisa, seu percurso est dividido em trs

    partes: na primeira, com dois captulos, enfatizamos a compreenso do fenmeno

    tcnico expresso nas dinmicas do funcionamento do mundo do presente.

    14Esclarecemos que, para praticidade de leitura, no decorrer do texto, ser usada a sigla IES quandonos referirmos expresso Instituio de Ensino Superior.

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    Encaramos a realidade como uma totalidade em movimento, da a categoria

    analtica do uso do territrio. Os usos, alm de serem mltiplos no tempo e no

    espao, consistem numa expresso para o entendimento da realidade

    contempornea, desdobrada nas outras partes que compem a pesquisa.

    Refletimos ainda sobre a difuso das aes e dos objetos tcnicos, a qual no se d

    de maneira uniforme ou homognea. A heterogeneidade, portanto, vem da forma

    como aes e objetos se inserem, desigualmente, na histria e no territrio, no

    tempo e no espao. Em suma, discutimos no segundo captulo que os lugares

    constituem o mundo, reproduzido de modos particulares, especficos e individuais.

    Da a reflexo que fazemos de como os lugares expressam as manifestaes da

    totalidade-mundo, manifestaes estas captadas pelos processos de formao

    territorial, visveis e perceptveis nas formas-contedos particulares dos lugares.

    A segunda parte apresenta as reflexes sobre o territrio brasileiro e as IES.

    Para tanto, discutimos, no terceiro captulo, como as universidades e outras IES

    constituem-se como materialidade no mundo e no Brasil. Encontramos, nas

    periodizaes apresentadas, uma forma de explicitar a questo do mtodo e da

    epistemologia que queremos construir. As periodizaes constituem uma forma

    didtica de desenvolver a tese, na medida em que consideramos a totalidade emmovimento como pano de fundo. Buscamos aproximar-nos da realidade tangvel

    atravs da identificao de trs meios geogrficos distintos no Brasil, sendo que

    cada periodizao vai corresponder existncia de cada um desses meios. Dessa

    forma, no quarto captulo, abordamos o meio geogrfico que acolhe e agrega as

    primeiras ideias e experincias de educao formal no pas, constituindo-se nos

    arautos da educao superior no Brasil. No quinto captulo, identificamos novas

    demandas territoriais no Brasil e, com elas, o impulso na construo da primeirauniversidade brasileira. Enfim, no sexto captulo, discutimos o atual perodo,

    caracterizado no s pela densidade tcnica, cientfica e informacional do meio,

    mas tambm por uma verdadeira ecloso de novas IES espraiadas pelo conjunto de

    lugares do territrio nacional.

    A terceira e ltima parte compreende as reflexes sobre a formao territorial

    de Juiz de Fora (MG) que, nesse processo, apresenta as dinmicas da

    concentrao de IES. Destacamos o tema da especializao produtiva atravs da

    intensificao das densidades tcnicas e informacionais no territrio. Enfatizamos

    que os processos de seletividade espacial no constituem atributos do atual

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    momento histrico, quando observamos mais claramente sua existncia.

    Defendemos que a seletividade espacial deriva tanto de uma combinao entre

    atributos das localizaes, mutveis ao longo do tempo, quanto, como no caso que

    buscamos compreender, das necessidades e possibilidades de as IES atenderam

    s necessidades e vontades de um conjunto de agentes polticos, econmicos e

    sociais. Dessa forma, a ltima parte da pesquisa est dividida em dois captulos: o

    stimo aborda os processos de formao territorial de Juiz de Fora e da regio da

    Zona da Mata de Minas Gerais, com nfase nos aspectos das modernizaes que a

    cidade vivenciou nos perodos analisados; o oitavo e o ltimo captulo destacam

    tanto a presena das IES em Juiz de Fora quanto o uso do territrio, por estas

    instituies. Trata-se, portanto, das razes do mundo no conjunto dos lugares.

    Nesse sentido, a compreenso geogrfica que elaboramos da realidade

    brasileira considera que cada momento histrico dos processos de usos do territrio

    nacional tem a marca de suas tcnicas. Tais processos, por conseguinte,

    engendraro complexos e dinmicos sistemas tcnicos cujos elementos funcionam

    de modo solidrio e eficaz, estando, inclusive, em sincronia com seus precedentes.

    Sabemos que, nestes tempos acelerados, de intensa criao e difuso de novas

    IES pelo territrio brasileiro, o tropel de eventos desmente verdades estabelecidase desmancha o saber (SANTOS, 2005, p. 18). Eis, pois, motivos suficientes para a

    construo constante de novos e questionadores conhecimentos desse sempre

    novo territrio brasileiro. Temos conscincia de que esta apenasuma das muitas

    compreenses que possam ser elaboradas sobre a nossa realidade.

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    1 PARTE

    DO MUNDO AO LUGAR: TCNICAS, AES E OBJETOS UMA

    COMPREENSO GEOGRFICA

    Nesta parte, como j foi explicitado, damos nfase compreenso do

    fenmeno tcnico expresso nas dinmicas funcionais do mundo do presente. Para a

    compreenso dos processos, identificamos o territrio usado como categoria

    analtica e encaramos a realidade como uma totalidade em movimento. Como os

    usos so mltiplos no tempo e no espao, o uso do territrio uma expresso para

    o entendimento da realidade contempornea. Esta, desdobrada nas outras partes

    que compem a pesquisa, caracteriza-se pelos agentes, objetos e eventos, entre os

    quais a presena das IES. Se, por um lado, a difuso das aes e dos objetos

    tcnicos no acontece uniformemente, ou de modo homogneo, por outro lado, h

    que se pensar na heterogeneidade como aes e objetos se inserem na histria e

    no territrio, no tempo e no espao. Produtos dessa heterogeneidade, os lugares

    constituem o mundo, reproduzido de modos particulares, especficos, individuais.

    Eis, portanto, a reflexo que fazemos nesta parte: nas formas-contedos particulares

    dos lugares, esto expressas manifestaes da totalidade-mundo.

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    1 APROXIMANDO-SE DOS LUGARES DO FAZER DOS HOMENS: A TCNICA,AS AES E OS OBJETOS

    Este captulo, traando consideraes sobre a importncia da tcnica na

    interpretao do mundo do presente, parte de uma transcrio de parte de um texto

    publicado por Pierre George:

    difcil no tirar destas pginas como de um rpido voo por cimado mundo a impresso de uma extraordinria disparidade. Asdiferenas de tcnicas, aumentando brutalmente no curso do ltimosculo, agravaram as desigualdades entre as coletividades humanas.Os imensos progressos realizados nas tcnicas fsico-qumicas, nainstrumentao matemtica, aplicados na indstria, que preparam a

    utilizao banal da energia nuclear e, porventura, o turismointerplanetrio (...) esto longe de haver acarretado umdesenvolvimento global da humanidade. A agricultura de certasregies africanas ou sul-americanas mal ultrapassou as tcnicas doneoltico. Entre os campos e as cidades de muitos pases, asdiferenas de modos de existncia, de rendas, de mentalidades, soainda sensveis. E, no entanto, nunca esteve a informao topresente nem to insistente em toda a parte. Nunca as distnciaspareceram to reduzidas pela possibilidade de transp-las emtempos cada vez mais curtos. No representa o menor dosinteresses nem o menor dos papis da Geografia a revelao dadiversidade da marca deixada pelo homem sobre o planeta, adescontinuidade das formas dessa marca e, tambm, ascontradies entre as tendncias uniformizadoras e as crescentesdeformaes. assim que a Geografia afirma melhor a suaespecificidade em relao a todas as disciplinas que sonhamuniversalizar modelos sem ver que, quanto mais se apuram ecomplicam as tcnicas, tanto menos podem elas ser universais. Oseu prprio desenvolvimento faz com que surjam e cresam asdiferenas que outrora se consideravam desprezveis, e renova semcessar o campo de investigao reservado aos gegrafos (GEORGE,p. 208).