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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG 3º Módulo do Curso de Formação de Educadores/as em Concepção, Prática Sindical e Metodologia Região Sul – 10 a 16 de março de 2008 1

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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

3º Módulo do Curso de Formação de Educadores/as em Concepção, Prática Sindical e Metodologia

Região Sul – 10 a 16 de março de 2008

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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

3°MÓDULO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES E EDUCADORAS EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA SINDICAL E METODOLOGIA DA FORMAÇÃO.

(REGIÃO SUL) Data: 10 a 16 de março de 2008Local: Hotel Centro Europeu Estação, Rua João Negrão, 780, Centro – (41) 3021-8700 ou (41) 3322 7732.Endereço: Curitiba/PR

MATRIZ PEDAGÓGICA

Objetivo Geral:

Contribuir com a formação de militantes do MSTTR, de modo que aprimorem sua capacidade multiplicadora e potencializadora da ação formativa em suas áreas de atuação.

Objetivos Específicos:

Socializar e aprofundar referenciais teóricos, políticos e ideológicos que fundamentam e alimentam os ideais e a luta sindical e popular.

Re-avaliar e fortalecer a luta sindical , numa visão e ação sindical transformadoras, estimulando processos de mudanças de atitudes, comportamentos e práticas individuais e coletivas, coerentes com as exigências de implementação do PADRSS.

Favorecer a experimentação, sistematização e apropriação de novas metodologias pedagógicas que realimentem a prática formativa do movimento sindical.

Contribuir para a constituição de uma rede de formadores/as que assumam e implementem o projeto de formação do MSTTR.

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EIXO TEMÁTICO: Desenvolvimento Rural sustentável Solidário EIXOS PEDAGÓGICOS: PEDAGOGIA PARA UMA NOVA SOCIABILIDADE E MEMÓRIA E IDENTIDADE.

Dia/períodos

Tema e Sub-temas Objetivos Responsáveis

10/03Segunda

Feira Manhã – Reunião da Equipe ENFOC

Tarde14:00 – Abertura Política14:30 – Mística: Identidade – Ser e Estar, dialogar com as memórias.16:00 – Acordos, roteiros, comissões (Sistematização, Avaliação, Apoio e Bem estar)17:00 – Reapropriação do 1º e do 2º Módulos

Dar continuidade ao processo de integração do grupo. Dialogar sobre Gênero e Geração.Socializar a programação do 3º módulo, definir comissões de trabalho e acordos de convivência. Construir pontes entre os módulos passados e o que se inicia.

CONTAG/ENFOC e FETAG PR (Olga, João Belo e Susi)

11/03Terça Feira

Manhã e Tarde

08:00 - Mística – Animação 08:30 – Análise de Conjuntura

Considerar aspectos políticos, sociais e econômicos.

Brasil e América Latina

14:00 – Estado e Desenvolvimento

Contexto histórico Concepções de Desenvolvimento

Discorrer sobre os elementos conjunturais do país e em um contexto Latino Americano, considerando os aspectos políticos e sociais e seus rebatimentos no padrão de desenvolvimento em curso.

Identificar a visão do grupo sobre Estado e Desenvolvimento (Ciranda).Trazer uma abordagem panorâmica

Mística – ParanáAnálise de Conjuntura:CONTAG: Alberto Broch Convidado: Antenor Lima

Convidado: Antenor

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em relação ao desenvolvimento a partir de 30 à Revolução Verde. Discutir o papel do Estado brasileiro enquanto fomentador do desenvolvimento.

Lima

Dia/períodos

Tema e Sub-temas Objetivos Responsáveis

12/03Quarta Feira

Manhã

08:00 – Mística – Animação Estado e Desenvolvimento

Continuação ....Mística – Santa Catarina

Convidado: Antenor Lima

Tarde 14:00 – Mística – Identidade Querer estar (Eu coletivo)15:00 – PADRSS Eixos estruturadores: reforma

agrária, agricultura familiar, assalariamento rural

Fazer uma escuta sobre o que é PADRSS.Debater o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável Solidário.

(Olga, João Belo e Susi)

CONTAG

13/03Quinta Feira

Manhã e Tarde

08:00 – Mística – animação 08:30 – Desenvolvimento Rural Sustentável Solidário Desenvolvimento,

sustentabilidade Solidariedade e Ruralidade.

Meio ambiente Economia solidária. Segurança alimentar

Contribuir com o avanço conceitual sobre Desenvolvimento Rural Sustentável Solidário. Promover um diálogo sobre economia solidária e soberania alimentar..

Preparar o grupo para a visita.

Mística – Rio Grande do Sul

Convidada: Vilênia Aguiar

Equipe ENFOC

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Tarde 15:30 – Livre – programação cultural Visita ao Museu Oscar Niemayer – Museu do Olho

Noite Programação musical: Viola Quebrada

14/03Sexta feira

08:00 – Visita – Experiência (s) em economia solidária – Comunidade Terceiro Plano em Contenda – Região Metropolitana de Curitiba

Conhecer experiência pautada referenciadas no DRSS/economia solidária. Refletir sobre os elementos da prática vivenciada pela Comunidade considerando os aspectos conceituais estudados anteriormente.

Rede de EducadoresEquipe da ENFOC

Dia/períodos

Tema e Sub-temas Objetivos Responsáveis

15/03 SábadoManhã

08:00 – Mística – Animação Identidade (Eu MSTTR)10:00 – Socializar as atividades realizadas no tempo comunidade

Refletir sobre os resultados das pesquisas inter-módulos à luz das discussões acumuladas.

Mística – Santa Catarina(Olga, João Belo e Susi)

Equipe Enfoc

Tarde08:30 – Diálogos Pedagógicos Política Nacional de Formação PADRSS enquanto referencia da

formação Estratégia nos estados,

considerando Cursos estaduais e Grupos de estudos sindicais.

Coletivos Estaduais de Formação

Aprofundar o debate sobre a Política Nacional de Formação.Reafirmar a estratégia formativa nos estados, considerando cursos estaduais e Grupos de Estudos Sindicais.

Equipe ENFOC

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16/03DomingoManhã e

Tarde

08:00 – Mística – Animação08:30 – DRSS, tendências e desafios para o MSTTR. Implementação do PADRSS Focar os eixos; Reforma agrária,

Agricultura Familiar; assalariados, gênero, geração, raça/etnia e meio ambiente;

14:00 – Sistematização do Itinerário15:30 – Avaliação do curso17:00 – Preparação para a formatura

Dialogar sobre as tendências do Desenvolvimento Rural Sustentável Solidário e, consequentemente os desafios para o MSTTR na implementação do PADRSS. Considerar o contexto do Mercosul, intervenção nas políticas públicas e organização sindical.Possibilitar a visualização do temas e abordagens metodológicas neste módulo. Avaliar o itinerário formativo na região sul.Certificar os (as) formandos (as) do curso regional.

Mística

Mesa Redonda: CONTAG: Raimundinha FETAG’s: Elton Weber, Ademir e Hilário Gosteling

Comissão de Sistematização Comissão de AvaliaçãoCONTAG/ENFOC

Noite Solenidade de formatura

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DO DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA AO DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL:

Algumas considerações

Vilênia V. Porto Aguiar

Introduzindo a discussão

Os debates sobre a necessidade de novos projetos de desenvolvimento rural tornaram-se comuns após o notório fracasso do modelo agrícola mundial, onde os sistemas produtivos agrícolas sofreram modificações importantes, sobretudo no período do pós-guerra, dando início a um processo crescente de homogeneização, cuja matriz foi o modelo norte-americano.

A concepção subjacente a este modelo, e também implementada em nosso país, obedeceu fielmente à lógica de Schultz(1965), economista neoclássico norte-americano que fundamentou economicamente os princípios da Revolução Verde. Analisando os camponeses da América central, esse autor concluiu que os agricultores eram pobres, mas eficientes. Portanto, o problema não estava no uso dos fatores de produção disponíveis, mas no fato de que esses fatores disponíveis não propiciavam o retorno necessário para superar altos índices de pobreza em que se encontravam. Por isso, seria necessário um conjunto de “novos fatores” (sementes melhoradas, adubos químicos, máquinas, etc. ), que romperia com o ciclo ali estabelecido e superaria a pobreza. (Cf. Mattei, 1998)

Enfim, tratou-se de um modelo que, assentado nos princípios da Revolução Verde, teve por objetivo a obtenção de ganhos de produtividade, através da incorporação de “novos fatores de produção” (Schultz,1965), destacando-se aí o uso de sementes melhoradas, de adubos químicos, dos agrotóxicos e da maquinária agrícola.

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O modelo anteriormente descrito, bem como suas contradições e crise, também estiveram e estão presentes no Brasil. A partir da modernização da agricultura brasileira, prevaleceu o ideário da revolução verde. Este pressupunha que o simples desenvolvimento agrícola (visão da agricultura como um setor econômico distinto) levaria ao desenvolvimento rural. Decorre daí todo aparato institucional construído no pós-guerra (centros de pesquisa, empresas de pesquisa e de extensão rural, etc.) e as políticas públicas implementadas nesta direção. Esse processo fortaleceu a concepção do espaço rural meramente como um meio de produção e não como um ambiente de desenvolvimento rural. (cf. Mattei,1998)

A opção brasileira pelo modelo de desenvolvimento modernizante que foi implantado, foi feita ainda nos anos 50, quando a indústria passou a assumir o comando da economia destinando ao “setor agrícola” determinadas “funções” e “papéis” a ser desempenhados no processo de desenvolvimento econômico, tido como necessário para o desenvolvimento urbano/industrial. A essas funções1 relacionaram-se:

Liberação de mão de obra para o setor industrial; Fornecimento de alimentos e matérias- primas a custos baixos; Suprimento de capital para o financiamento de investimentos

industriais; Suprimento de divisas estrangeiras, através da exportação de

produtos agrícolas; Criação do mercado interno para os produtos secundários, quer para

a própria indústria de insumos e máquinas para a agricultura, quer para a indústria em geral. (cf. Mior,1997)

A agricultura que se desenhou e se reforçou a partir da definição do modelo de desenvolvimento agrícola adotado, assentou-se num

1 Além das funções aqui relacionadas, cabe destacar que um outro papel atribuído à agricultura, no final dos anos 70, foi o de gerar energia em função da crise do petróleo.

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paradigma marcado, segundo Beus & Dunlap (1990), pelas seguintes características:

centralização : produção de larga escala, concentração da produção, privilegiamento de grandes produtores;

dependência: utilização intensiva de capital e tecnologia, geralmente obtidos fora da unidade produtiva; centrado em conhecimentos científicos especializados;

competição: centrada na propriedade como unidade de negócios, relegando a um segundo plano, ou mesmo se opondo, às pequenas comunidades rurais.

poupador de mão de obra; dominação da natureza: dissociação entre homem e meio

ambiente físico. especialização : estreitamento da base genética, na monocultura,

na sucessão de cultivos não complementares, na divisão em produção agrícola e pecuária, assim como na padronização dos sistemas de produção;

exploração intensiva : centrado no aumento da produção e da produtividade física dos produtos, numa visão de curto prazo, ignorando os custos sociais e ambientais.

Este padrão tecnológico, denominado de agroquímico, foi mais adequado ao sistema de organização da produção na grande propriedade agrícola (patronal), em detrimento dos sistemas de produção familiares. Mas, de qualquer forma, boa parte dos objetivos atribuídos à agricultura foram alcançados, e o Brasil foi elevado a um patamar surpeendente de desenvolvimento agrícola, sugerido pela ampliação da produção e da produtividade de boa parte dos produtos agrícolas.

Contudo,

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“O desenvolvimento rural, além de não ter sido alcançado, foi agravado, já que o padrão tecnológico da produção agrícola adotado e as políticas públicas impactaram negativamente as variáveis conformadoras do bem estar no meio rural como: i) perfil de distribuição de renda setorial e intersetorial; ii) democratização do acesso à terra; iii) qualidade de vida; iv) conservação dos recursos naturais; v) descapitalização e êxodo rural (Mior, 1997: 898)

O fato concreto é que esse processo gerou uma enorme diversidade regional e intraregional - contradição entre regiões com elevados índices de modernização e outras extremamente retardatárias - e acentuou as desigualdades sociais, sobretudo entre as distintas categorias de produtores rurais, evidenciando, assim, os chamados efeitos perversos da modernização da agricultura: concentração de renda, êxodo rural, super-exploração dos empregados rurais, concentração de renda, degradação ambiental, entre outros.

Este modelo começou a dar sinais de esgotamento já na década de 70 e resultou em uma crise2 de enormes proporções na década de 80, a chamada década perdida.

As razões dessa crise se situam, pois, nas órbitas econômica, social e ambiental, levando “ a emergência de um consenso na literatura internacional sobre a necessidade de se repensar os processos de desenvolvimento rural, os quais não podem mais ser analisados na forma tradicional. (Mattei,1998)

Assim, alguns estudiosos passaram afirmar que o desenvolvimento agrícola não levaria, necessariamente, ao desenvolvimento rural, ao contrário o desenvolvimento rural é maior que o desenvolvimento agrícola.

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Desenvolvimento agrícola ou desenvolvimento rural?

Historicamente, a opção feita pelo governo brasileiro foi o desenvolvimento agrícola, via modernização da agricultura, onde esta passa a ser pensada enquanto um setor da economia, operando como se fosse ela mesma uma indústria de um ramo qualquer da produção, devendo não apenas comprar a força de trabalho e os insumos que necessita de certas indústrias, como também vender os seus produtos, os quais se convertem, em sua grande maioria, em matérias-primas para outras indústrias. Desse forma o processo produtivo perderia aquelas características “artesanais” próprias de atividades ditas “camponesas”. (Cf. Graziano da Silva,1997)

Ou seja, os papéis que a agricultura e o meio rural desempenharam, no Brasil, ao longo do processo de modernização estavam balizados pela predominância do setor urbano-industrial. Segundo Mior (1997):

“O setor econômico agrícola foi caudatário do setor urbano industrial no modelo de desenvolvimento e o meio rural foi visto como espaço de produção e não como espaço de desenvolvimento” (Mior, 1997: 896).

Esta perspectiva informava uma dicotomia rural-urbano, que considerava o urbano como “locus” das atividades não agrícolas, ou seja indústria e serviços; e que atribuía ao rural as atividades propriamente agrícolas. Derivando daí expressões como desenvolvimento urbano e desenvolvimento rural.

Mas o que diferencia desenvolvimento agrícola do desenvolvimento rural?

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Segundo Mior(1997), o desenvolvimento agrícola envolve aspectos vinculados com o crescimento da produção e produtividade agrícola. Já o desenvolvimento rural relaciona-se, de um lado, a melhorias no nível e na distribuição de renda setorial - incluindo-se questões relativas a geração de trabalho e/ou emprego, concentração da terra e fontes de renda dentro e fora da unidade produtiva-; e, de outro, aos aspectos relacionados com a qualidade de vida no meio rural em suas múltiplas dimensões.

Nessa perspectiva, os indicadores de desenvolvimento agrícola estão relacionados aos aspectos ligados ao setor econômico da produção, centrando-se basicamente no aumento da produção agrícola, no aumento da produtividade das culturas e criações, na melhoria da qualidade dos produtos e matérias primas, e, por fim, na ampliação da competitividade da agricultura no contexto da globalização da economia e abertura dos mercados.

Contudo, a história tem nos mostrado que, o alcance de melhores resultados nos indicadores acima não foi o suficiente e nem condição necessária para se atingir o desenvolvimento rural, pois não se alcançou a melhoria da qualidade de vida da população rural, que envolve aspectos relacionados com o meio rural como espaço de vida e desenvolvimento, e não apenas de produção.

No Brasil, a atenção prioritária das políticas públicas se dirigiu predominantemente para o desenvolvimento agrícola. A forma com que as forças políticas encaminharam a questão agrícola (o que e quanto produzir) agravou, nos dizeres de Graziano da Silva (1985) a questão agrária (como e quem produz), e não contribuiu com o desenvolvimento rural.

Ou seja, o desenvolvimento agrícola não levou ao desenvolvimento rural . E os impactos negativos do modelo modernizante, baseado nos princípios da Revolução Verde ao se fazer

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sentir colocou a necessidade de se propor alternativas que tivessem no seu campo de preocupações, não somente os aspectos econômicos, mas que contemplassem fundamentalmente as variáveis sociais, culturais e ambientais, sem as quais tornar-se-ia praticamente impossível a conformação de um modelo sustentável ao longo do tempo. Essa problemática passará, então, a ser estudada, especialmente, sob duas categorias analíticas distintas: ruralidade e sustentabilidade, por isso agora vamos nos deter sobre a especificidade de cada uma dessas categorias.

Gostaria de ressaltar que “ruralidade” e “sustentabilidade” não são meros conceitos, mas são campos de disputa sobre diferentes concepções de sociedade.

1) Ruralidade

Antes de tudo é preciso compreender que o espaço rural é um fenômeno social. Ele é produto da ação dos homens sobre o meio natural. Nele e som ele as relações estão em constante transformação.

Enquanto fenômeno social o espaço rural é construído historicamente. Portanto, as idéias, as noções e as representações que se faz do rural sofrem transformações no tempo e no espaço.

Assim, por exemplo, se voltarmos no tempo, antes da Revolução Industrial, na Europa, a principal função do espaço rural era a produção de alimentos para a subsistência, tendo a agricultura como atividade econômica dominante e os camponeses como grupo social de referência. No Brasil, na mesma época, a produção de produtos para a exportação era a principal função do espaço rural, tendo a grande lavoura como atividade econômica dominante e os escravos como grupo social de referência.

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Após a Revolução Industrial, com o predomínio da indústria e a concentração da população nas cidades que o mundo rural perde a centralidade econômica, social, política e simbólica, passando a fornecedor de mão-de-obra desqualificada e barata para a indústria e serviços e a agricultura volta a sua produção para os centros urbanos.

Aliás, foi especialmente após a revolução industrial que a noção de rural esteve atrelada à idéia de atraso em contraposição à cidade associada ao progresso, símbolo da modernidade. A relação que se estabelecia era de oposição: cidade e desenvolvimento X campo e atraso/subdesenvolvimento. Pareciam coexistir dois mundos: um marcado pela urbanização, divisão do trabalho, industrialização, atrelado ao futuro e à modernidade – a cidade; e outro, marcado pela agricultura, exploração da natureza, atrelado ao passado e ao tradicional – o campo, o rural que inevitavelmente estaria fadado ao desaparecimento.

Mesmo as principais concepções nas ciências sociais, desde as clássicas de Durkheim, Marx e Weber até as de teóricos mais recentes, haviam previsto um paulatino desaparecimento das sociedades camponesas tradicionais, e dos espaços rurais, em decorrência de uma urbanização progressiva, bem como projetaram a transformação da agricultura em mais um ramo da indústria. Porém, presenciamos, atualmente, mudanças políticas e econômicas nas sociedades contemporâneas que não vão nesta direção.

A modernidade sempre construiu o sentido rural-urbano da mudança social. A continuidade foi sempre esta, pressupondo que o movimento deveria se dar, necessariamente, na direção do campo para a cidade. Muitas correntes de pensamento, nas décadas anteriores, foram influenciadas por esta perspectiva. Uma outra vertente teórica com forte influência na academia brasileira, particularmente na Antropologia, estuda, no rural, o campesinato como uma classe subordinada, explorada (referenciados em autores como Wolf, Redfield,

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Godelier, entre outros). Vendo o rural do ponto de vista da diferenciação interna capitalistas e assalariados rurais, outros autores, sobretudo sociólogos, sublinham o desaparecimento do campesinato, fundamentados nos trabalhos de Lênin e Kautski, elaborando categorias como proletarização do campo e trabalhadores para o capital.

Em decorrência destas representações, reforça-se a perspectiva dualista na abordagem do rural, na medida em que se verifica, nestas linhas de pensamento, uma omissão dos pontos intermediários que não são nem capitalistas nem proletários, pois o que não cabia nos modelos era considerado como sobrevivência de formas pré-capitalistas, modelos em transição ou formas subordinadas formalmente ao capital.

Entretanto, as profundas transformações resultantes dos processos sociais mais globais - urbanização, industrialização, modernização da agricultura - não se traduziram por nenhuma “uniformização” da sociedade que provocasse o fim das particularidades dos espaços rurais ou dos grupos sociais que ali vivem, ainda que sobre eles tenham causado um grande impacto e significativas transformações.

É inegável, por exemplo, o impacto que a modernização da agricultura brasileira provocou nos espaços rurais. Ela caracterizou-se, basicamente, por: i) aplicação da tecnologia à produção agrícola; ii) Concentração de terras; iii) ajuda estatal. Assim, promoveu o aumento da produtividade agrícola e, no primeiro momento, o aumento dos rendimentos dos agricultores. Em contraposição, promoveu também o aumento das disparidades regionais e sociais e a degradação ambiental (poluição e destruição de ecossistemas)

Com a modernização as disparidades regionais e sociais no mundo rural se acentuaram. Passaram a coexistir áreas que

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desenvolveram uma agricultura moderna, que apresentam proximidade dos centros urbanos ou que se encontram afastadas desses mesmos centros; áreas rurais marginalizadas onde se pratica uma agricultura tradicional; áreas rurais que tendem ao crescimento e modernização e outras onde se processa a diminuição e envelhecimento da população, etc.

Além disso, a modernização da agricultura ao incentivar a exploração intensiva da natureza pondo em causa a sua capacidade de renovação contribuiu para a degradação ambiental, promovendo, muitas vezes, o abandono do meio rural a si próprio, com o abandono da agricultura, dos terrenos de cultivo, das florestas.

A modernização, em seu sentido amplo, redefiniu as questões referentes à relação campo/cidade, ao lugar do agricultor(a) na sociedade, à relevância social, cultural e política do espaço rural.

Mas, é com a crise do modelo urbano-industrial que o rural passa a ser visto, por algumas tendências de pensamento, de uma forma mais valorizada, ou seja, uma representação mais positiva do papel e do espaço ocupado pela ruralidade na sociedade contemporânea. Ou seja, no momento atual da sociedade, em que o modelo urbano-industrial está sendo questionado, o rural adquire importância enquanto maneira de se pensar desenvolvimento, de refletir sobre a sociedade.

A “questão rural” enfrentada pelas sociedades modernas, sob formas e intensidades diferentes, se constitui na necessidade de inserir plenamente os espaços e as populações rurais na dinâmica econômica e social moderna e de assegurar a preservação dos recursos naturais presentes no meio rural, como um patrimônio de toda a sociedade.

Pelo exposto podemos perceber que o rural não diz respeito apenas a uma base física, mas a um território que possui um tecido

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social e inter-relações complexas que vão além dos seus atributos naturais.

Enquanto território, o rural é um espaço socialmente organizado, com relações de bases históricas e políticas que vão além da análise econômica configurando-se no ambiente político institucional onde se mobilizam atores em prol do seu projeto de desenvolvimento.

Segundo Abramovay (2003), ruralidade é um conceito de natureza territorial e não setorial; não pode ser encarada como etapa do desenvolvimento social a ser vencida pelo avanço do progresso e da urbanização. A agricultura, a indústria, o comércio são setores econômicos: a ruralidade é e será cada vez mais um valor para as sociedades contemporâneas. Um valor ao qual o mundo contemporâneo atribui crescente importância, por seu significado na preservação da biodiversidade e no estilo de vida cada vez mais procurado pelos habitantes dos grandes centros.

O meio rural tem sido definido por alguns estudiosos a partir de três atributos básicos: i) A relação com a natureza: a ruralidade supõe, em última análise, o contato muito mais imediato dos habitantes locais com o meio natural do que nos centros urbanos; ii) A relativa dispersão da sua população em contraposição com as imensas aglomerações metropolitanas; iii) A relação com as regiões urbanas. Mas o próprio crescimento e a interiorização das grande e médias cidades abrem a oportunidade de novas atividades e da valorização de atributos do meio rural até então desprezados. É fundamentalmente da renda urbana que depende o dinamismo rural: não só daquela constituída por mercados consumidores anônimos, distantes e destinatários de commodities, mas sobretudo da que se volta ao aproveitamento das virtudes mais valorizadas no meio rural, como a produção territorializada de qualidade, a paisagem, a biodiversidade, a cultura e um certo modo de

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vida. O pressuposto aí é que o meio rural justamente não se “urbanize”, mas que ele tenha, ao mesmo tempo, um conjunto de organizações que planejem o aproveitamento econômico de atributos que os mercados convencionais dificilmente serão capazes de revelar.

O rural está sendo redescoberto, deixando de ser visto como espaço único para a produção agropecuária e sendo vinculado a atividades ligadas à preservação ambiental - ecoturismo é uma delas - e à manutenção da agricultura familiar.

São equivocadas as previsões de que o rural acabaria conforme avançasse o processo de desenvolvimento ou de que a agricultura familiar seria suprimida com o progresso. A agricultura familiar, por exemplo, não foi suprimida com o progresso. Isso não aconteceu nem mesmo nos países desenvolvidos, onde a agricultura é de natureza familiar e o trabalho assalariado excepcional. No Brasil, ela conseguiu se afirmar em setores extremamente modernos: na produção de aves, suínos, fumo, produtos ligados a mercados internacionais. E responde por cerca de um terço do valor da produção de toda a agricultura. Aliás, a agricultura familiar tem sido um ator importante nesse “renascimento do rural” no Brasil. A sua participação garante a existência de um tecido social que vai gerar diversas atividades além da própria agricultura. E o rural, por sua vez, cada vez menos se associa ao estritamente agrícola. E o agrícola cada vez mais será marcado por exigências de qualidade, de distinção e de atributos ligados à localização e aos conhecimentos de cada região. Isso já é comum na Europa: o produto rural (agrícola e não agrícola) é valorizado por sua capacidade de exprimir uma tradição, um modo de fabricação em que se recuperam culturas e se colocam à mostra estilos de vida que os habitantes dos grandes centros têm buscado.

Esse “renascimento do rural” traz elementos novos para se pensar o desenvolvimento e o próprio espaço rural. Um aspecto a ser destacado nesta discussão é que se rompe a concepção "produtivista" tradicional, que

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identificou, por muito tempo, o desenvolvimento rural em termos setoriais, uma vez que as avaliações se concentravam apenas nos níveis da produtividade das atividades agrícolas e na eficiência dos sistemas de produção agropecuários. Embora importantes estes elementos não são suficientes para avaliar o estágio do desenvolvimento rural, como vimos, que pressupõe a incorporação de outros indicadores que transcendem os aspectos meramente produtivos, com destaque para as condições de vida da população; as relações de trabalho; o acesso aos meios de produção, especialmente à terra; a qualidade dos produtos; a conservação dos recursos naturais; os níveis de renda dos produtores rurais, etc.

Um outro aspecto importante diz respeito às novas funções sociais e econômicas desempenhadas pelo "espaço rural", mostrando que as funções a ele atribuídas também têm se transformado com o tempo. Se, inicialmente, a sua função estava relacionada à produção de alimentos para subsistência, posteriormente foi a ela incorporada a produção de alimentos para os mercados urbanos e fornecimento de mão-de-obra barata para a industria. Em seguida, com a modernização da agricultura, o espaço rural torna-se cliente da produção industrial e fornecedor de produtos agrícolas para as indústrias agro-alimentares. Hoje, novos sistemas de produção agrícola, têm se desenvolvido apoiados, por exemplo, na agroecologia e outras funções tais como, serviços, local de moradia, turismo e lazer, industrialização da produção, conservação do patrimônio e proteção do ambiente. Tudo isso paralelo à sua vocação primordial de continuar produzindo alimentos e matérias-primas.

Assim, hoje convivemos com diferentes perspectivas de ruralidade. O seu conceito, como vimos, tem se transformado com o tempo.

Nos anos 60/70, a modernização da agricultura dividiu o mundo rural em duas realidades distintas: o mundo rural moderno (urbano-insdustrial) e o mundo rural tradicional (rural). O conceito de ruralidade identificava-se com o mundo rural tradicional, com uma população escassa e marginalizada, dedicada a agricultura de subsistência.

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A partir da década de 90, verificam-se transformações no mundo rural, além da agricultura, se desenvolve a indústria e o artesanato, e os serviços, ligados, sobretudo ao turismo, lazer, etc, a agricultura familiar é reconhecida como ator social e se impõe como ator político, há uma valorização discursiva do patrimônio natural e cultural das zonas rurais e dos modos de vida tradicionais. O que levam muitos a reafirmar que o rural “renasceu”

Hoje, já se admite que o mundo rural é um fenômeno complexo e pluridimensional, pois engloba comunidades e territórios distintos, embora interligados; desempenha uma multiplicidade de atividades (agricultura,artesanato, turismo, comercio); e apresenta uma grande heterogeneidade.

Mas, apesar da sua heterogeneidade, o espaço rural apresenta algumas especificidades comuns:

Dependência em relação aos processos naturais e ligação dos agentes sociais ao espaço que habitam;

Importância das relações de interconhecimento; Persistência do grupo doméstico enquanto unidade de produção,

consumo e moradia.

Entretanto, a despeito das especificidades e diferença, o fato é que o conceito de ruralidade passa a ser entendido como um espaço social organizado e com valores próprios, cujo patrimônio natural e cultural deve ser preservado. Deixa de fazer sentido a oposição mundo rural/mundo urbano, estimulando-se a interdependência e a solidariedade entre ambos.

2) Sustentabilidade

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A sustentabilidade de um modelo de desenvolvimento se constitui num conjunto integrado de fatores que potencializem ao mesmo tempo a manutenção do capital natural dos territórios, a sustentação dos ecossistemas, qualidade de vida, cidadania, eficiência na gestão dos recursos, equilíbrio demográfico, valorização da identidade popular, fortalecimento da organização social e equidade. É um conceito de grande abrangência, que se refere de uma forma geral às condições de reprodução da sociedade no longo prazo.

São várias as concepções de desenvolvimento sustentável e a forma como ela é incorporada por diferentes grupos sociais dependendo dos seus interesses. Portanto, a melhor forma de abordar o conceito é percorrendo a sua história.

Resgatar a origem do conceito de desenvolvimento sustentável nos remete necessariamente ao debate social e ambiental dos anos 60 e 70, que despontou primeiramente nos países industrializados do hemisfério norte e generalizou-se no mundo ocidental, criticando a noção de desenvolvimento.

Tal critica se dirigia a idéia de desenvolvimento como possibilidade de progresso (material) e crescimento ilimitado, idéia que se constituiu como fundamento da sociedade industrial ocidental, particularmente após a Segunda Guerra Mundial. O grande desafio do pós-guerra era: i) reconstruir as sociedades afetadas pela guerra; ii) “estabelecer uma ordem internacional hegemônica num contexto de grandes disparidades entre as nações centrais, urbanizadas e industrializadas e os países periféricos predominantemente rurais e com baixa industrialização” (Scotto; carvalho, Guimarães, 2007:15). Assim, com a liderança dos EUA e com o apoio da Europa capitalista, os países do chamado “Terceiro Mundo” foram “disputados e integrados na esfera de influência do bloco capitalista”, que queria se consolidar como pólo oposto e concorrente ao bloco socialista, o qual se encontrava em

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disputa, caracterizando um cenário denominado de “guerra fria” (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:15).

Assim, com as noções de desenvolvimento, subdesenvolvimento e modernização o bloco dos países capitalistas conduziu sua política internacional. O desenvolvimento era então identificado com o crescimento econômico, tecnológico e urbano. Era preciso internalizar a lógica da acumulação e da produção capitalista em todas as esferas da vida social (...) O paradigma de desenvolvimento a ser alcançado era a sociedade de consumo norte-americana. Foi assim que o desenvolvimento tornou-se um objeto maior de política pública de governos e organismos internacionais como a ONU e o Banco Mundial. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:16).

A ideologia do desenvolvimento ou da modernização era postulada como ideal de progresso. Para os países chamados subdesenvolvidos ingressarem nesta condição de bem-estar e consumo era necessário crescer economicamente, industrializar-se, urbanizar-se e à medida que entravam na corrida para o desenvolvimento, passaram a ser chamados também em desenvolvimento, sugerindo que poderiam chegar ao nível de um país desenvolvido. Esta política desenvolvimentista, além da marginalização cultural de muitos setores populares e tradicionais, gerou uma outra situação que foi a contração de empréstimos e financiamentos que se traduziram numa pesada dívida externa que acompanhou este momento de “ajuda” internacional para o desenvolvimento. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:18).

Este modelo de desenvolvimento foi criticado pelos efeitos perversos que promoveu. O desenvolvimento tecnológico associado á concentração de renda, por exemplo, gerou na América latina o que se convencionou chamar de ”modernização dolorosa” (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:18). Modernização que a despeito das promessas não conseguiu reduzir a pobreza, mas ao contrário, aumentou as

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disparidades sociais, levando Celso Furtado a falar no mito do desenvolvimento econômico.

Já na década de 60 os movimentos de contracultura e os movimentos ecológicos questionavam o modelo materialista, bélico, individualista, competitivo e degrada dor do meio ambiente da sociedade industrial. Essa crítica é acentuada nos anos 70 com a grande crise do petróleo e com as constatações do fracasso do desenvolvimentismo na solução dos problemas globais, denunciando a exploração ilimitada dos bens ambientais e a insustentabilidade social e ambiental por ele gerada. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:19).

Em 1962 Rachel Carson lançou o livro A Primavera Silenciosa, mostrando que DDT (pesticida introduzido para uso no combate às pragas) penetrava na cadeia alimentar e acumulava-se nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive do homem com o risco de causar câncer e dano genético. A grande polêmica movida pelo livro é que não só ele expunha os perigos do DDT, mas questionava de forma eloqüente a confiança cega da humanidade no progresso tecnológico.

Em 1968, ocorre em paris, Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científicas para Uso e Conservação Racionais dos Recursos da Biosfera, conhecida como Conferência da Biosfera, que foi organizada pela UNESCO. Esta conferência também muito importante foi direcionada somente para os aspectos científicos da conservação da biosfera e pesquisas em Ecologia.

Ainda em 1968, constituiu-se o Clube de Roma, composto por cientistas, industriais e políticos, que tinham como objetivo discutir e analisar os limites do crescimento econômico levando em conta o uso crescente dos recursos naturais.

A preocupação com o meio ambiente e os impactos do modelo de desenvolvimento para o futuro do planeta, faz com que a ONU promova

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a I Conferência sobre Meio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972). No mesmo ano, Dennis Meadows e os pesquisadores do “Clube de Roma” publicaram o estudo Limites do Crescimento. O estudo concluía que, mantidos os níveis de industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos naturais, o limite de desenvolvimento do planeta seria atingido, no máximo, em 100 anos, provocando uma repentina diminuição da população mundial e da capacidade industrial. O estudo recorria ao neo-malthusianismo como solução para a iminente “catástrofe” provocada pelo crescimento acelerado da população, sugerindo o controle populacional como maneira de evitá-la. As reações vieram de intelectuais do Primeiro Mundo (para quem a tese de Meadows representaria o fim do crescimento da sociedade industrial) e dos países subdesenvolvidos (já que os países desenvolvidos queriam “fechar a porta” do desenvolvimento aos países pobres, com uma justificativa ecológica).

O relatório Meadows revelava uma tensão entre crescimento econômico, expansão humana, avanço tecnológico e conservação da natureza, causando assim reações tanto dos países industrializados para quem a tese de Meadows poderia representar o fim do crescimento da sociedade industrial quanto dos países em desenvolvimento que alertavam para a intenção dos países desenvolvidos limitarem o crescimento aos países pobres, com uma justificativa ecológica. Os ecologistas acusavam o relatório de ser uma tentativa de equalização dos problemas ambientais dentro da lógica do capitalismo, já alguns intelectuais afirmavam que ele não chegava a romper com os pressupostos do modelo de desenvolvimento que estava na raiz da crise ambiental. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:22).

Neste embate de propostas e críticas aos limites do desenvolvimento, surge o conceito precursor do desenvolvimento sustentável: o ecodesenvolvimento, lançado em 1973 pelo canadense Maurice Strong, cujos princípios foram formulados por Ignacy Sachs. Os

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caminhos do desenvolvimento seriam seis: satisfação das necessidades básicas; solidariedade com as gerações futuras; participação da população envolvida; preservação dos recursos naturais e do meio ambiente; elaboração de um sistema social que garanta emprego, segurança social e respeito a outras culturas; programas de educação. Esta teoria referia-se principalmente às regiões subdesenvolvidas, envolvendo uma crítica à sociedade industrial. Foram os debates em torno do ecodesenvolvimento que abriram espaço ao conceito de desenvolvimento sustentável, com sendo aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de que as gerações futuras satisfaçam as suas próprias necessidades.

O cenário de crise econômica, social e ambiental aprofunda, nos anos 80, a critica a idéia de desenvolvimento, considerada como noção central do modelo social hegemônico. A constatação da falácia e da falência do modelo desenvolvimentista e a percepção da crise ambiental geram um debate que busca construir propostas que tanto procura caminhos de superação deste modelo, como tentam reformula-lo dentro dos marcos da lógica capitalista que o gerou. (Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:19).

No início da década de 1980, a ONU retomou o debate das questões ambientais. Indicada pela entidade, a primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, chefiou a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, para estudar o assunto. O documento final desses estudos chamou-se Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland. Apresentado em 1987, o documento, que se propunha a apresentar “uma agenda global para a mudança” introduz pela primeira vez, no cenário político, o conceito de desenvolvimento sustantável, buscando apontar caminhos de reconciliação entre os ideais do desenvolvimento e a necessidade premente de reconhecer os limites ambiantais e de diminuir a pobreza no mundo. ((Scotto; Carvalho, Guimarães, 2007:29). Entretanto, o conceito foi

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definitivamente incorporado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Cúpula da Terra de 1992 – Eco-92, no Rio de janeiro e serviu como base para a formulação da Agenda 21.

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PERSPECTIVAS DO MSTTR DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

Zeke Beze Jr.Assessor da Contag,

ago/2007

(Contribuição à “14° Semana da Fruticultura Floricultura e Agroindústria – FRUTAL”)

Resultado de intensas e freqüentes mobilizações do MSTTR, nos últimos anos o Estado brasileiro tem incrementado ações visando estruturar políticas públicas de apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar.

O primeiro passo foi dado quando conseguimos incluir na agenda do Governo Federal a discussão da agricultura familiar e da reforma agrária, como seguimentos específicos e essenciais para o desenvolvimento rural brasileiro.

Com a pressão dos movimentos sociais organizados conquistamos o número de um milhão de famílias assentadas. Foi criado, a partir de proposição da CONTAG, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF e fomos avançando na redução dos juros e no aumento do volume de recursos. Saímos de R$ 200 milhões em 1995 para R$ 12 bilhões em 2007. Hoje são quase dois milhões de contratos pelo PRONAF.

Apesar de todo o discurso contrário dos grandes latifundiários, os dados mostram que a agricultura familiar ocupa 80% da mão-de-obra no campo e produz 60% dos produtos de consumo interno do brasileiro, mesmo faltando ainda muito a ser feito em termos de políticas públicas de apoio produtivo para a maioria do povo do campo.

Falta melhorar muito o planejamento estratégico dos segmentos públicos que desenvolvem políticas para a agricultura familiar e a reforma agrária. A assistência técnica, a pesquisa agropecuária e os processos para agregação de valor ainda estão distantes de atender às necessidades do setor.

As políticas de seguro rural e de comercialização diferenciadas para a agricultura familiar demoram a ser desenvolvidas e durante muito tempo o crédito rural apresentou-se com um grau elevado de risco de endividamento para os produtores familiares.

Só nos últimos quatro anos se deu atenção para o assunto. Agora já está funcionando um seguro agrícola diferenciado, chamado “Proagro Mais”, ou Seguro da Agricultura Familiar – SEAF, que é obrigatório na contratação do crédito de custeio do PRONAF. Além de eximir o agricultor do pagamento do valor financiado, no caso de sinistro, cobre ainda uma parte da renda que o agricultor deixou de realizar.

Foram criados também programas para apoiar a comercialização da agricultura familiar, com o intuito de diminuir seus prejuízos caso o preço de mercado do produto esteja muito baixo. Nessas situações, o agricultor pode vender a produção para o Governo, que paga um preço que garante uma renda mínima para o agricultor.

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Principais Programas Federais de Garantia de

Preços para a Agricultura Familiar

Nome do Programa O que faz

PAA – Programa de Aquisição de Alimentos

Compra até R$3.500 por assentado em cada ano

AGF – Aquisição do Governo Federal /Agricultura Familiar

Pode comprar a produção toda, mas por um preço um pouco menor que o PAA

PGPAF- Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar

Dá desconto no pagamento do crédito de custeio do Pronaf se o preço do produto estiver abaixo do preço de garantia do Governo

Entretanto, vale destacar que se trata de políticas públicas ainda em fase de desenvolvimento, adequação e universalização. Avançou-se, inegavelmente, mas é preciso muito ainda para se considerar que o Brasil já possui uma verdadeira política de desenvolvimento da agricultura familiar, como prevê a Lei da Agricultura Familiar, aprovada pelo Congresso Nacional em julho de 2006.

Falta principalmente aumentar muito o investimento público em pesquisa e assistência técnica para desenvolver e disseminar sistemas de produção de agricultura familiar viáveis economicamente e sustentável para os diversos ecossistemas em que se inserem as mais de quatro milhões de estabelecimentos familiares rurais brasileiros.

As políticas públicas tradicionais de apoio à agricultura familiar (crédito, seguro e garantia de preços) não surtirão os efeitos desejados no aumento da renda do setor se não se adotarem modelos técnicos de produção viáveis, que insiram o agricultor em cadeias produtivas coletivamente que ofereçam à sociedade os produtos rurais de que necessita, em quantidades e qualidades adequadas.

É preciso também que o agricultor familiar faça a sua parte, predispondo-se a capacitar-se e a organizar-se cooperativamente para superar os desafios produtivos comuns, maximizando recursos e diminuindo custos.

Deve, inclusive, se preparar melhor para utilizar adequadamente os programas públicos de apoio produtivo colocados à sua disposição. Antes de buscar o financiamento ter segurança de que pode conseguir uma boa produção. Usar sempre o dinheiro do crédito na produção. Procurar diminuir os custos. Escolher o tipo de crédito certo. Ter muita atenção com o seguro agrícola, para não perder o seu benefício por descuido com as regras operacionais. Planejar a venda da produção antes mesmo de pegar o crédito. Agir associativamente na busca do crédito, do seguro, da assistência técnica e da garantia de preços e de comercialização.

Em suma, para fortalecer de fato a produção e a renda da agricultura familiar, é necessário articular todas estas dimensões: políticas agrícolas completas e adequadas, sistemas de produção de agricultura familiar tecnologicamente viáveis e desenvolvimento humano, com

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melhoria da educação, da capacitação técnica-produtiva e gerencial e da cooperação no seio da agricultura familiar.

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AVANÇAR COM AS POLÍTICAS DE REFORMA AGRÁRIA E DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR

(Seminário Sobre Reforma Agrária NEAD/MDA)

Zeke Beze Jr.Assessor da Contag

Junho/2007

I1. Durante séculos o agricultor familiar foi tratado como um produtor rural de menor valor, voltado para pequenas roças de subsistência e sem importância para o desenvolvimento nacional. Historicamente tem-se atribuído à grande propriedade rural a promoção da modernidade e do crescimento econômico no campo.

2. A verdade é que agricultura familiar sempre teve papel importante na história econômica do Brasil. Desde o período da Colonização contribuiu decisivamente para fornecer os alimentos e outros meios básicos necessários à manutenção da população. Utilizando terras próximas às áreas com monocultura de exportação, produzia para o abastecimento da própria família do agricultor, dos senhores das terras e dos escravos que serviam de mão-de-obra para a produção nas grandes plantações, principalmente a cana-de-açucar, antecessora remota do chamado “agronegócio”.

3. Outra parte dos trabalhadores rurais, que não podiam sobreviver na periferia das grandes plantações, embrenhou-se pelo sertão do País e foi aí constituindo posses em terras distantes das áreas habitadas, onde o domínio efetivo dos poderosos ainda não havia chegado. Esse processo de ocupação das terras fora do alcance imediato dos coronéis e da Coroa Portuguesa permitiu a multiplicação das unidades familiares de produção rural por amplo espaço do território nacional. Mas, sempre na condição de ocupações irregulares, já que a Lei de Terras só reconhecia a propriedade de terras compradas em dinheiro, à vista, dos donos das sesmarias ou da Coroa.

4. A agricultura familiar desempenhou de fato papel decisivo para a formação econômica do País, mas não teve o apoio do Estado ao longo de séculos de nossa história. Ao contrário, foi sempre desconsiderada pela opção por um modelo agrário baseado na grande propriedade territorial produtora de gêneros para exportação, que seguia o costume colonialista de consumir os recursos naturais e humanos da nação para enriquecer a elite detentora do poder político. Em raros momentos, somente quando da ocorrência de crises agudas causadas por falta de alimentos, o poder público dava alguma atenção à agricultura familiar.

5. O modelo agrário foi implantado a partir de duas orientações centrais de política fundiária: por um lado a concessão pública de imensas extensões de terras aos protegidos do Estado e, por outro, a criação de inúmeras dificuldades para o reconhecimento legal das áreas ocupadas por trabalhadores rurais. Como resultado, condenava a grande maioria da população rural a uma sobrevivência precária, em meio à pobreza ocasionada por uma forte exclusão social.

6. Para tornar essa estratégia mais aceita pela nação, a elite criou e alimentou o mito da maior eficiência da grande propriedade territorial, à qual se associava a idéia de riqueza e de progresso econômico. Ao mesmo tempo, propagava a precariedade e a ineficiência da “pequena produção de subsistência” e a associava à pobreza e ao atraso. Justificava, assim, as políticas econômicas do Estado para o desenvolvimento da agropecuária, voltada sempre para a grande propriedade, em particular para latifúndio exportador.

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7. Entretanto, é bom lembrar que mesmo excluídas das políticas econômicas e acessando terras marginais, não utilizadas pelo agronegócio exportador, as unidades familiares de produção cresceram ao longo da história e hoje correspondem a 4.200.000 estabelecimentos rurais, sendo responsáveis, segundo estimativas, por cerca de 40% do valor bruto da agropecuária nacional. Ocupando apenas 20% da área agricultável nacional é responsável por cerca de 80% da ocupação produtiva rural.

II8. Com o crescimento do movimento democrático no Brasil, principalmente a partir das décadas de 1950 e 1960, os trabalhadores rurais avançaram em seu processo de organização e passaram a cobrar do Estado a adoção de políticas que resgatassem seus direitos de cidadãos, historicamente desconsiderados.

9. Organizaram-se ligas, associações e sindicatos que reuniam camponeses e assalariados rurais para lutar pela reforma agrária, por direitos trabalhistas e emprego digno, por políticas de educação e saúde para o campo e por política previdenciária rural. O Estado deu sinais de mudanças no sentido de redirecionar suas políticas, começando pelo anúncio de uma reforma agrária que daria acesso à terra a centenas de milhares de trabalhadores rurais sem-terras excluídos.

10. Mas, no início da década de 1960, o golpe militar interrompe o processo de organização popular, coloca na ilegalidade e intervem em entidades representativa dos trabalhadores, direciona o nascente processo de modernização agrícola para a grande propriedade latifundiária, apoiada com amplos subsídios públicos, e procura dirigir a demanda dos trabalhadores rurais para projetos de colonização localizados muitas vezes em as áreas vazias e inóspitas. Foram 20 anos de paralisia e retrocesso para as lutas dos camponeses e trabalhadores rurais.

III11. A redemocratização, em 1985, liberou a demanda social reprimida e permitiu aos trabalhadores rurais se lançarem decididamente na luta pela reforma agrária e por uma política agrícola diferenciada para a agricultura familiar. Como resultado, foram criados nas décadas de 1980 e 1990 o Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar- PRONAF, dois marcos para os movimentos sociais do campo. Finalmente o “trabalhador produtor rural em regime de economia familiar” passou a ser reconhecido oficialmente como uma importante categoria de produtor com características específicas e foi legalmente denominado Agricultor Familiar.

12. Entretanto, não se pode dizer que já foram atendidas as grandes reivindicações históricas da classe trabalhadora do campo. Apesar do avanço político que a adoção dessas ações pelo Estado significou, trata-se de políticas ainda em fase de construção, incompletas, com grau alto de desarticulação, com recursos insuficientes e com problemas de planejamento e operacionalização que precisam de grandes correções.

13. A Reforma Agrária permanece como um programa de caráter emergencial, para atender a demandas sociais localizadas, e não adquiriu o caráter de uma política de desenvolvimento rural e inclusão produtiva. Não é ainda uma porta de entrada consistente para centenas de milhares de trabalhadores rurais sem-terras (assalariados, pequenos meeiros, arrendatários, posseiros, minifundistas) ingressarem numa agricultura familiar forte e consolidada. Falta trabalhar com áreas regionais prioritárias para a reforma agrária. A implantação dos assentamentos é

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normalmente mal planejada, demorada e penosa para as famílias assentadas. A educação rural e as ações de qualificação do agricultor ainda estão longe de responder ao desafio de preparar os recém-assentados para o desafio de inserir novamente no processo produtivo rural. A legislação precisa ser aperfeiçoada para uma gestão agrária mais consistente, que dê conta das diversas demandas para se construir territórios rurais com estrutura agrária justa e sustentável.

14. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, mesmo com os avanços alcançados, principalmente nos últimos quatro anos, precisa ainda, por exemplo, incorporar novos programas, desenvolver programas existentes, articula-los melhor, amplia-los para atingir um número bem maior de beneficiários e adequar-se melhor às características regionais da agricultura familiar. É necessário principalmente investir muito mais em programas de desenvolvimento técnico de sistemas de produção adequados à agricultura familiar e na criação de alternativas de agregação de valor e de comercialização para os seus excedentes de produção. Impõe-se reformar o PRONAF, que ainda mantém, no essencial, a configuração básica da época de sua criação, em 1996. É urgente também estruturar políticas de habitação e educação mais adequadas à realidade rural, que possam resgatar valores culturais da vida no campo e elevar a auto-estima e as perspectivas de vida digna para a juventude rural.

15. É imprescindível inserir a reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar dentro da lógica do desenvolvimento sustentável, integrando-os aos programas ambientais, principalmente àqueles relacionados à gestão dos recursos hídricos e do solo. Ninguém mais do que o agricultor familiar, incluindo os assentados, que vivem e criam seus filhos no ambiente rural, pode vir a se transformar em aliado estratégico para a questão ambiental no meio rural. Mas para isso deve-se, por exemplo, intensificar as ações de educação ambiental, divulgar técnicas produtivas ambientalmente mais adequadas (como a agroecologia) e remunerar segmentos específicos por serviços ambientais prestados à sociedade.

16. É preciso evidenciar ainda que essas políticas públicas dependem de um Estado forte, bem estruturado e eficiente, que possa implementá-las de modo a que gerem de fato os resultados esperados. Nesse sentido, as políticas neoliberais que restringem a atuação do Estado em suas atribuições de promoção do desenvolvimento e da justiça social, têm dificultado a implementação dessas políticas. Mesmo no atual governo, no qual reconhecemos avanços importantes, não se pode deixar de registrar o poder de pressão dos latifundiários que continuam ganhando o jogo no que se refere à permanência de um modelo desenvolvimento concentrador e excludente.

IV17. É estranho que decorridas apenas duas décadas dessa fase mais democrática das políticas rurais do Estado, depois de séculos de políticas voltadas para o latifúndio, já se ouçam algumas vozes questionando se a reforma agrária e a agricultura familiar são caminhos seguros para o desenvolvimento rural sustentável. Tal como há séculos atrás, muitos continuam contaminados pela idéia da eficiência da grande propriedade, por um lado, e de uma importância econômica secundária da agricultura familiar, por outro.

18. Mais do que nunca é preciso permanecer seguro no rumo da estruturação das políticas públicas de afirmação dos trabalhadores rurais como segmento fundamental para o desenvolvimento do País. A CONTAG acredita que a hora é de aperfeiçoa-las, corrigir rumos, ampliá-las, enfim, fortalece-las cada vez mais. O desenvolvimento rural depende do desenvolvimento do homem e da mulher do campo, que virá, no que se refere à produção e renda, com as oportunidades que serão criadas por uma reforma agrária bem concebida e

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executada e por uma consistente política nacional de fortalecimento da agricultura e dos empreendimentos familiares rurais.

Cenários da agricultura brasileira contemporânea e relações de trabalho3

Existe uma disputa política e ideológica entre diversos setores da sociedade e setores governamentais, sobre qual modelo de desenvolvimento rural deve ser implementado no Brasil.

A concepção defendida pelo MSTTR se contrapõe ao modelo de desenvolvimento rural que o setor ruralista defende. Este setor, representado pela CNA, por numerosa bancada no Congresso Nacional, apoiados pela grande mídia e alguns intelectuais e economistas, têm defendido o agronegócio como o modelo de desenvolvimento redentor para o campo e para o Brasil.

Para fazer a defesa de sua concepção, os ruralistas e seus aliados se apropriaram do conceito de Agronegócio, incorporando nele um significado que extrapola a simples tradução de “negócios da agricultura”. Mais do que os negócios da agricultura, este setor defende um modelo de desenvolvimento para o campo baseado na grande propriedade, na produção de monoculturas para o mercado externo, utilização de agrotóxicos e de organismos geneticamente modificados, além de tecnologias que dispensam o uso de mão-de-obra.

Tudo isso em nome do lucro e da produtividade, sem considerar as implicações sociais e ambientais que este modelo acarreta para esta e para as futuras gerações.

Da mesma forma, os defensores do agronegócio têm afirmado que o problema agrário e agrícola será resolvido por este modelo, que será capaz de responder à demanda de produção e de emprego, através do aumento da produtividade e das exportações.

Nesta proposta, caberia ao Estado proporcionar aos trabalhadores e trabalhadoras não inseridos como força de trabalho do agronegócio, políticas sociais compensatórias para evitar os conflitos no campo.

No entanto, o discurso da auto-suficiência e eficácia do agronegócio, não tem sustentação. Pelo contrário, o incremento deste padrão de desenvolvimento concentra a terra e a renda, aumenta a dependência tecnológica, desrespeita a legislação trabalhista e ambiental, agrava a exclusão social, promove a degradação ambiental, o desemprego e a violência no campo.

Da mesma forma, se mostra incapaz de superar a fome e a miséria no País, já que priorizam a produção e exportação apenas do que seja rentável economicamente, sem se preocupar com as necessidades alimentares da população, especialmente dos mais pobres.

Mudanças significativas como a reestruturação produtiva, inovações tecnológicas e organizacionais, mudanças nas relações de trabalho no meio rural, flexibilização das relações de trabalho no meio rural, na legislação trabalhista e previdenciária têm impacto profundo no mercado de trabalho.

Com a globalização e as estratégias neoliberais registraram-se transformações em grande escala, redefiniram a dinâmica do mercado de trabalho, da gestão das empresas, das condições de vida e trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras.

3 Este apontamento foi elaborado pela Secretaria de Assalariados (as) Rurais/CONTAG para exposição no Seminário Emprego e Trabalho na Agricultura Brasileira abordando os temas “Cenários da Agricultura Brasileira Contemporânea e relações de Trabalho” e “Políticas Públicas para o Trabalho no Meio Rural”.

Brasília – fevereiro/2008 - MBS

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A conjuntura de agravamento da situação de desemprego e da precariedade do emprego no Brasil está diretamente relacionada às mudanças da relação capital/trabalho, herança da política econômica que se direcionou no sentido da dominância e do reforço das regras do chamado ajuste neoliberal, norteado por meio da sobrevalorização cambial, a desregulação dos mercados, com abertura comercial e financeira e o sucateamento do Estado.

A modernização no campo influenciou na estruturação do mercado de trabalho rural em todas as regiões do país.

Este processo histórico reflete significativamente no mercado e nas de relações de trabalho, como também nas relações de trabalho no meio rural.

Nesse quadro de precarização das relações de trabalho no meio rural, pode-se constatar também a redução do emprego assalariado com vínculo, proliferação de ocupações de baixa renda, trabalho assalariado sem registro em carteira, flexibilização de direitos trabalhistas, previdenciários e perdas de conquistas históricas.

Como também o aliciamento de mão-de-obra para o trabalho escravo. Ao mesmo tempo, ampliou-se a desigualdade de rendimentos entre homens, mulheres e jovens assalariados rurais.

A CONTAG como uma entidade legítima de representação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais contribui para a ampliação e o fortalecimento da organização e representação sindical no meio rural: reivindicando, mobilizando, propondo, negociando e construindo conhecimentos capazes de promover as transformações necessárias para um desenvolvimento sustentável e solidário em nosso país.

Nesta trajetória, a CONTAG, em defesa dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras assalariados (as) rurais reforça a organização deste segmento, atuando efetivamente contra a flexibilização das relações de trabalho no campo, o descumprimento das leis trabalhista e previdenciária e dos acordos e convenções coletivas de trabalho.

Lutando por condições de vida e trabalho dignas, por saúde e segurança do trabalhador(a) rural e pela erradicação do trabalho escravo, reivindicando a formulação e implementação de políticas públicas e a geração de emprego e renda.

O principal instrumento para a melhoria do salário e das condições de trabalho dos trabalhadores (as) assalariados e assalariadas é a negociação coletiva de trabalho, culminando com a celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho. Infelizmente, ainda existem trabalhadores (as) assalariados e assalariadas rurais que não estão protegidos por convenções ou acordos coletivos de trabalho.

Outro instrumento por melhores condições de segurança e saúde no trabalho são as ações de fiscalização realizadas no meio rural, importantíssimos para avançar no cumprimento da legislação trabalhista, previdenciária, de medicina e segurança no trabalho.

Neste processo, são imprescindíveis o envolvimento do Sindicato dos Trabalhadores (as) Rurais e das FETAGs quando da denúncia de irregularidades nas relações de trabalho e de denúncias relacionadas ao trabalho escravo.

Também cresce a utilização do trabalho migrante, onde empresas rurais empregam grande quantidade de mão - de - obra de trabalhadores de várias regiões do estado ou do país, dificultando as ações de fiscalização, bem como a organização dos trabalhadores (as).

Diante deste quadro as políticas públicas são imprescindíveis às ações dos governos em seus diferentes níveis, pois o Estado não pode perder de vista sua responsabilidade e obrigação ética de formar cidadãos e cidadãs.

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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O TRABALHO NO MEIO RURAL

A organização da sociedade brasileira considerando o segmento rural tem suas raízes na própria formação histórica e econômica do País. Predominava a produção baseada na exploração da mão-de-obra escrava.

Essa exploração de mão-de-obra secular produziu uma cultura patronal com forte conteúdo autoritário nas relações com os trabalhadores influenciando um longo período da história e ainda se fazendo presente nos dias de hoje.

O binômio escravidão/ latifúndio foi e tem sido predominante na vida rural.

O trabalho assumiu formas particulares nos diversos modos de produção que surgiram ao longo da história da humanidade.

As relações de trabalho são relações de poder que regulam e transformam o trabalho

No capitalismo caracterizam-se como relações de assalariamento, de relações de exploração, de extração pelo capitalista do sobre-trabalho realizado pelos/as trabalhadores (as) tendo como objetivo a acumulação de capital.

O trabalho assalariado é típico do modo de produção capitalista, no qual o trabalhador (a), para sobreviver, vende ao empresário sua força de trabalho em troca de um salário.

As relações capitalistas de produção estruturam-se simultaneamente como relações de cooperação e de conflito no processo de trabalho.

Políticas públicas são necessárias e indispensáveis em qualquer país, sobretudo o Brasil que tem uma herança poderosa de problemas sociais resultantes de uma estrutura econômica escravista.

A formulação de políticas públicas deve levar em conta a enorme diversidade regional e fundiária no país.

A CONTAG como uma entidade legítima de representação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais contribui para a ampliação e o fortalecimento da organização e representação sindical no meio rural: reivindicando, mobilizando, propondo, negociando e construindo conhecimentos capazes de promover as transformações necessárias para um desenvolvimento sustentável e solidário em nosso país.

Nesta trajetória, a CONTAG, em defesa dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras assalariados (as) rurais reforça a organização deste segmento, atuando efetivamente contra a flexibilização das relações de trabalho no campo, o descumprimento das leis trabalhista e previdenciária e dos acordos e convenções coletivas de trabalho. Lutando por condições de vida e trabalho dignas, por saúde e segurança do trabalhador(a) rural e pela erradicação do trabalho escravo, reivindicando a formulação e implementação de políticas públicas e a geração de emprego e renda.

O que significam políticas públicas?

Antes de tudo, podemos entender “políticas públicas” como as diretrizes e regras que regulam e dizem como devem ser as relações entre o poder público e o Estado. Nem toda política pública está explícita em documentos e leis.

Se quisermos transformar a realidade de acordo com o nosso Projeto Alternativo de Desenvolvimento Sustentável e Solidário - PADRSS, é importante influirmos nas políticas públicas. Precisamos, assim, entender o que é e como fazer.

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É definir quem decide o que vai ser definido? Quando e com que conseqüências? Para quem?

Há uma diferença entre política pública e política governamental. Nem toda política governamental (estatal) é pública. Para que uma política seja pública é preciso ver a quem se destinam os resultados e como foi feita.

A formulação de políticas públicas é um processo que exige negociações, pressões, mobilizações e alianças de interesses.

O cerne da questão é quais são as políticas públicas para o trabalho no meio rural? Qual a concepção e o formato de políticas públicas que queremos? Qual a relação entre a CONTAG e as outras forças que estão atuando no meio rural?

Lutamos para que os trabalhadores (as) da agricultura familiar tenham força para a conquista de mercados melhores, onde possam se afirmar e se organizar ampliando as chances dos agricultores(as) familiares ampliarem sua renda e sua estrutura social.

As políticas públicas em prol da agricultura familiar surgiram no Brasil a partir de meados da década de 90.

A necessidade da intervenção estatal frente ao crescente quadro de exclusão social e o fortalecimento dos movimentos sociais rurais foram fatores que motivaram o surgimento dessas políticas públicas.

Em virtude da mobilização, reivindicação e a luta dos trabalhadores (as) rurais o Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF) surgiu em 1996 como uma política pública específica e diferenciada para a agricultura familiar.

Políticas Públicas para os Assalariados (as) Rurais

A valorização das atividades dos assalariados(as) rurais tem que ser objeto do conjunto de políticas, isto é um elemento de fortalecimento da agricultura familiar.

Não podemos falar em desenvolvimento rural sustentável e solidário sem considerar os trabalhadores assalariados e assalariadas rurais, que constituem a parte mais explorada e marginalizada da categoria trabalhadora rural.

Quando o PADRSS define enquanto estratégia a realização da reforma agrária como meio de ampliar e fortalecer a agricultura familiar, valoriza o trabalho e as pessoas que lidam com ele.

A implementação do PADRSS favorece, portanto, a democratização das relações de trabalho, qualidade de emprego e vida e garantia de direitos trabalhistas e previdenciários, sobretudo pela geração de emprego e ocupações produtivas no campo.

A reforma agrária como estimuladora do fortalecimento da agricultura familiar, torna-se estratégica também para os trabalhadores e trabalhadoras assalariadas rurais.

Os assalariados (as) rurais são um público e não uma política. O que de concreto há para esse segmento no que diz respeito às políticas públicas?

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Quem são os assalariados (as) rurais?

Segundo dados da PNAD/IBGE - 2005 4.907.998 (27,6%) são empregados assalariados que atuam em atividades agrícolas.

Deste total, 8,8% (1.573.023) são empregados com carteira de trabalho assinada e 18,7% (3.334.975) sem carteira de trabalho assinada.

Diante deste quadro as políticas públicas são imprescindíveis e o MSTTR também tem seu papel em reivindicar, propor, negociar políticas públicas para um segmento que está á margem desse processo.

Fruto de reivindicação do Grito da Terra Brasil propusemos a criação de uma política nacional para os trabalhadores (as) Assalariados(as) Rurais contemplando os seguintes itens:

Política Nacional de Emprego e Geração de Renda

Política Nacional de fortalecimento para o Salário Mínimo

Políticas Públicas para os trabalhadores assalariados (as) rurais (Seguro Desemprego na Entressafra, habitação, saúde, educação)

A CONTAG hoje faz parte de dois grupos de trabalho que discutem sobre a superexploração do trabalho do trabalhador(a) rural no trabalho por produção e sobre o trabalho de curta duração, com o objetivo de construir políticas públicas.

Não podemos perder de vista todo esse processo da expansão do setor sucroalcooleiro. É preciso que façamos uma discussão em torno do tema do Etanol e quais os impactos na vida e no trabalho dos trabalhadores (as) assalariados(as) .

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Introdução à Economia Solidária4

Paul Israel Singer

Capítulo I

Fundamentos1. Solidariedade X competição na economia

O capitalismo se tornou dominante há tanto tempo que tendemos a tomá-lo como normal ou natural. O que significa que a economia de mercado deve ser competitiva em todos os sentidos: cada produto deve ser vendido em numerosos locais, cada emprego deve ser disputado por numerosos pretendentes, cada vaga na universidade deve ser disputada por numerosos vestibulandos, e assim por diante. A competição é boa de dois pontos de vista: ela permite a todos nós consumidores escolher o que mais nos satisfaz pelo menor preço; e ela faz com que o melhor vença, uma vez que as empresas que mais vendem são as que mais lucram e mais crescem, ao passo que as que menos vendem dão prejuízo e se não conseguirem mais clientes acabarão por fechar. Os que melhor atendem os consumidores são os ganhadores, os que não o conseguem são os perdedores5..

Não obstante essas virtudes, a competição na economia tem sido criticada por causa de seus efeitos sociais. A apologia da competição chama a atenção apenas para os vencedores, a sina dos perdedores fica na penumbra. O que acontece com os empresários e empregados das empresas que quebram? e com os pretendentes que não conseguem emprego? ou com os vestibulandos que não entram na universidade? Em tese, devem continuar tentando competir, para ver se se saem melhor da próxima vez. Mas, na economia capitalista, os ganhadores acumulam vantagens e os perdedores acumulam desvantagens nas competições futuras. Empresários falidos não têm mais capital próprio, e os bancos Ihes negam crédito exatamente porque já fracassaram uma vez. Pretendentes a emprego que ficaram muito tempo desempregados têm menos chance de serem aceitos, assim como os que são mais idosos. Os reprovados em vestibular precisariam se preparar melhor, mas como já gastaram seu dinheiro fazendo cursinho a probabilidade de que o consigam é cada vez menor.

Tudo isso explica por que o capitalismo produz desigualdade crescente, verdadeira polarização entre ganhadores e perdedores. Enquanto os primeiros acumulam capital, galgam posições e avançam nas carreiras, os últimos acumulam dívidas pelas quais devem pagar juros cada vez maiores, são despedidos ou ficam desempregados até que se tornam

4 Capítulos 1, 2 e 4 do livro “Introdução à Economia Solidária” de Paul Israel Singer - Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2002 (autorizado pelo autor).

5 A economia capitalista atual não é competitiva na maior parte dos scus mercados. dominada geralmente por 0ligop6lios. Mas há concorrência no comércio varejista e em muitos mercados de serviços, de modo que os consumidores com poder aquisitivo têm possibilidades de escolha. Os pobres são obrigados a gastar o seu pouco dinheiro no essencial à sua sobrevivência.

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inempregáveis, o que significa que as derrotas os marcaram tanto que ninguém mais quer empregá-los6. Vantagens e desvantagens são legadas de pais para filhos e para netos. Os descendentes dos que acumularam capital ou prestígio profissional, artístico etc. entram na competição econômica com nítida vantagem em relação aos descendentes dos que se arruinaram, empobreceram e foram socialmente excluídos. O que acaba produzindo sociedades profundamente desiguais.

Para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva. Isso significa que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez de competir. O que está de acordo com a divisão do trabalho entre empresas e dentro das empresas. Cada um desempenha uma atividade especializada da qual resulta um produto que só tem utilidade quando complementado pelos produtos de outras atividades. O médico só consegue curar o paciente com a ajuda dos remédios fornecidos pelas farmácias e· pelos serviços prestados por hospitais, ambulâncias, laboratórios etc. O mesmo vale para quem nos abriga, alimenta, veste, transporta, e assim por diante. Dentro de cada empresa, os tra-balhos do operário, do engenheiro, do contador etc. têm de se combinar harmoniosamente para que as necessidades do cliente sejam atendidas.

A solidariedade na economia só pode se realizar se ela for organizada igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou poupar. A chave dessa proposta é a associação entre iguais em vez do contrato entre desiguais. Na cooperativa de produção, protótipo de empresa solidária, todos os sócios têm a mesma parcela do capital e, por decorrência, o mesmo direito de voto em todas as decisões. Este é o seu princípio básico. Se a cooperativa precisa de diretores, estes são eleitos por todos os sócios e são responsáveis perante eles. Ninguém manda em ninguém. E não há competição entre os sócios: se a cooperativa progredir, acumular capital, todos ganham por igual.

Se ela for mal, acumular dívidas, todos participam por igual nos prejuízos e nos esforços para saldar os débitos assumidos.

Se toda economia fosse solidária, a sociedade seria muito menos desigual. Mas, mesmo que as cooperativas cooperassem entre si, inevitavelmente algumas iriam melhor e outras pior, em função do acaso e das diferenças de habilidade e inclinação das pessoas que as compõem. Haveria portanto empresas ganhadoras e perdedoras. Suas vantagens e desvantagens teriam de ser periodicamente igualadas para não se tomarem cumulativas, o que exige um poder estatal que redistribua dinheiro dos ganhadores aos perdedores, usando para isso impostos e subsídios e/ou crédito.

O que importa entender é que a desigualdade não é natural e a competição generalizada tampouco o é. Elas resultam da forma como se organizam as atividades econômicas e que se denomina modo de produção. O capitalismo é um modo de produção cujos princípios são o direito de propriedade individual aplicado ao capital e o direito à liberdade individual. A aplicação destes princípios divide a sociedade em duas classes básicas: a classe proprietária ou possuidora do capital e a classe que (por não dispor de capital) ganha a vida mediante a venda de sua força de trabalho à outra classe. O resultado natural é a competição e a desigualdade.

A economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a 6 A inempregabilidade provém do fato de que os empregadores também estão competindo pelos

melhores empregados. Como eles não podem saber de antemão quem é o melhor, guiam-se pelas aparências e por preconceitos. Quem ficou muito tempo sem trabalho ou foi despedido muitas vezes não "deve" ser bom. Então por que arriscar?

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propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidariedade e a igualdade, cuja reprodução, no entanto, exige mecanismos esta-tais de redistribuição solidária da renda. Em outras palavras, mesmo que toda atividade econômica fosse organizada em em preendimentos solidários, sempre haveria necessidade de um poder público com a missão de captar parte dos ganhos acima do considerado socialmente necessário para redistribuir essa receita entre os que ganham abaixo do mínimo considerado indispensável. Uma alternativa freqüentemente aventada para cumprir essa função é a renda cidadã, uma renda básica igual, entregue a todo e qualquer cidadão pelo Estado, que levantaria o fundo para esta renda mediante um imposto de renda progressivo.

2. Empresa capitalista e empresa solidária: a repartição dos ganhos

Na empresa capitalista, os empregados ganham salários desiguais, conforme uma escala que reproduz aproximadamente o valor de cada tipo de trabalho determinada pela oferta e demanda pelo mesmo no mercado de trabalho. Os trabalhadores são livres para mudar de emprego e portanto tendem a procurar as empresas que pagam melhor. E os empregadores são livres para demitir os empregados e assim tendem a procurar os que produzem melhor. Da interação entre oferta - os trabalhadores que vendem sua capacidade de produzir - e demanda - as empresas que a compram - resulta um escalonamento de salários que acaba por prevalecer, com variações, na maioria das empresas. Este mesmo escalonamento se estende a outras características do contrato de trabalho: expectativas de carreira, benefícios não-salariais etc.

É por isso que diretores ganham mais do que gerentes, estes mais do que técnicos ou vendedores e estes mais do que simples operadores de máquinas, recepcionistas e faxineiros. As diferenças de pagamento são objeto de negociações entre sindicatos de empregados e empregadores, e formam planos de classificação de cargos, em que cada nível é determinado por critérios objetivos. Mas, no fundo, o que determina a remuneração de cada trabalho é o incessante ajuste entre oferta e demanda desta força de trabalho. Como há forte rivalidade entre as carreiras, os empregadores dão a algumas, que desejam beneficiar, aumentos disfarçados em bônus, seguro-saúde subsidiado etc. Esperam com isso que os não contemplados não passem a exigir o mesmo benefício.

Na empresa solidária, os sócios não recebem salário mas retirada, que varia conforme a receita obtida. Os sócios decidem coletivamente, em assembléia, se as retiradas devem ser iguais ou diferenciadas. Há empresas em que a maioria opta pela igualdade das retiradas por uma questão de princípio ou então porque os trabalhos que executam são idênticos, ou quase. Mas a maioria das empresas solidárias adota certa desigualdade das retiradas, que acompanha o escalonamento vigente nas empresas capitalistas, mas com diferenças muito menores, particularmente entre trabalho mental e manual. Muitas empresas solidárias fixam limites máximos entre a menor e a maior retirada.

As razões que levam a maioria dos cooperadores a aceitar certa desigualdade de retiradas variam de empresa para empresa. Em algumas, a maioria acha natural que certos trabalhos valham mais do que outros, pois os trabalhadores aceitam e defendem a hierarquia profissional a que foram acostumados. Em outras, a maioria opta pela desigualdade de retiradas para não perder a colaboração de cooperadores mais qualificados, que poderiam obter melhor

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remuneração em empresas capitalistas7. Nestes casos, há um cálculo racional: pagar melhor a técnicos e administradores permite à cooperativa alcançar ganhos maiores que beneficiam o conjunto dos sócios, inclusive os que têm retiradas menores.

Situações como essa foram teorizadas pelo filósofo John Rawls, para o qual alguma desigualdade é tolerável desde que ela sirva para melhorar a situação dos menos favorecidos. Como, em geral, os menos favorecidos são a maioria em quase todas as empresas _ capitalistas e solidárias -, se nas últimas eles decidem que algumas categorias de sócios devem ter retiradas maiores, é de esperar que esta decisão seja benéfica para eles. É a regra que John Rawls chama de maximin. "Desigualdades são permissíveis quando elas maximizam, ou ao menos todas contri-buem para [elevar] as expectativas de longo prazo do grupo menos afortunado da sociedade" (1971, p. 151).

À primeira vista, pode-se ter a impressão de que, afinal, não faz muita diferença trabalhar numa empresa capitalista ou solidária, já que numa e noutra os ganhos são diferenciados de acordo com os mesmos critérios: os do mercado de trabalho. Mas esta impressão é falsa. Na empresa capitalista, os salários são escalonados tendo em vista maximizar o lucro, pois as decisões a respeito são tomadas por dirigentes que participam nos lucros e cuja posição estará ameaçada se a empresa que dirigem obtiver taxa de lucro menor que a média das empresas capitalistas8• Na empresa solidária, o escalonamento das retiradas é decidido pelos sócios, que têm por objetivo assegurar retiradas boas para todos e principalmente para a maioria que recebe as menores retiradas. Por isso, na empresa capitalista, os altos dirigentes recebem ordenados extremamente altos, além de prêmios generosos se as metas de lucros forem atingidas ou ultrapassadas. Na empresa solidária, os dirigentes podem receber as retiradas mais altas, mas elas quase sempre são muito menores que os ordenados de seus congêneres em empresas capitalistas.

Também a repartição do excedente anual - o lucro na empresa capitalista e a sobra na empresa solidária - obedece a mecanismos e critérios diferentes num e noutro tipo de empreendimento. Na firma capitalista, a decisão sobre a destinação do lucro cabe à assembléia de acionistas, quase sempre dominada por um pequeno número de grandes acionistas, chamado de "grupo controlador". Como regra geral, uma parcela do lucro é entregue em dinheiro aos acionistas sob a forma de dividendos e o restante vai para fundos de investimento. Periodicamente, uma parte desses fundos é acrescida ao capital, o que dá lugar a nova emissão de ações, que são também entregues aos acionistas. Todo o lucro é

7 Pode parecer paradoxal que administradores de cooperativas aceitem ganhar menos do que em empresas capitalistas, mas exijam ganhar mais que os seus companheiros para continuarem nas cooperativas. Mas há lógica nisso. Os administradores se dispõem a abrir mão de grande parte do que ganhariam a serviço do capital, desde que ganhem mais que os demais sócios, por causa de suas noções de hierarquia profissional e também porque devem satisfações a seus familiares, que nem sempre partilham seus valores solidários. O agrupamento cooperativo de Mondragón. no País Basco (Espanha), adota entre seus princípios o da Solidariedade Redistributiva. segundo o qual o índice máximo de retirada é igual ao vigente no mercado, com uma redução de 30% "en concepto de compromiso de solidaridad" (da página da Mondragón Corporación Cooperativa - MCC, na internet: http://mondragon.mcc.es/).

8 O que interessa aos acionistas não é o valor absoluto dos lucros, mas sua relação com o capital investido na empresa. A relação lucro anual/capital investido é a taxa de lucro. O valor das ações nas bolsas de valores depende da expectativa da taxa de lucro, que é fortemente influenciada pelas taxas de lucro alcançadas no passado. Se por alguma razão esta expectativa cair, os especuladores vendem as ações da empresa, que perdem cotação, tomando provável que o controle da empresa passe a outro grupo. Neste caso, a diretoria e os gerentes mais importantes são demitidos.

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apropriado, imediatamente ou alguns anos depois, pelos acionistas, sempre em proporção ao número de ações possuído por cada um deles.

Nas cooperativas, as sobras têm sua destinação decidida pela assembléia de sócios. Uma parte delas é colocada num fundo de educação (dos próprios sócios ou de pessoas que podem vir a formar cooperativas), outra é posta em fundos de investimento, que podem ser divisíveis ou indivisíveis, e o que resta é distribuído em dinheiro aos sócios por algum critério aprovado pela maioria: por igual, pelo tamanho da retirada, pela contribuição dada à cooperativa etc. O fundo divisível é usado para expandir o patrimônio da cooperativa e é contabilizado individual mente para cada sócio, pelo mesmo critério de repartição da par-cela das sobras paga em dinheiro. Sobre o fundo divisível a cooperativa contabiliza juros, sempre pela menor taxa no mercado. Quando um sócio se retira da cooperativa, ele tem o direito de receber sua cota do fundo divisível acrescido dos juros a ele creditados. Cada retirada do fundo divisível representa uma descapitalização da cooperativa.

O fundo indivisível não pertence aos sócios que o acumularam, mas à cooperativa como um todo. Os cooperadores que se retiram nada recebem dele. É um legado que os mais antigos deixam a seus sucessores. Foi com este fim que o Dr. Buchez, grande líder cooperativista do século XIX, propôs a sua criação. Ele notou que os sócios mais antigos se ressentiam com o fato de os recém-chegados à empresa solidária usufruírem todos os di-reitos e vantagens decorrentes do resultado acumulado, à custa de muito trabalho e sacrifícios dos veteranos. É regra nas cooperativas que novos trabalhadores passem por um estágio probatório, que varia em geral entre seis meses e um ano. Enquanto se encontram neste estágio, os novos trabalham como assalariados. Quando são aceitos como sócios, seus créditos trabalhistas servem para formar sua cota do capital da cooperativa. Buchez per-cebeu que os mais antigos procuravam perpetuar os novos na condição de assalariados, inclusive pela fixação da cota de capital em nível muito elevado. Os novos trabalhadores que não podiam integralizar a cota ficavam como empregados dos sócios, o que destruía o caráter solidário do empreendimento.

O fundo indivisível sinaliza que a empresa solidária não está a serviço de seus sócios atuais apenas, mas de toda a sociedade, no presente e no futuro. Por isso é preciso que ela persista no tempo e não deixe de ser solidária. O tamanho do fundo indivisível varia de empresa para empresa, dependendo das decisões anuais das assembléias de sócios. O fundo indivisível preserva a cooperativa da descapitalização se parte dos sócios se retirar dela. Além disso, ele impede que a cota de capital (referida apenas ao fundo divisível) se valorize excessivamente, o que dificultaria à cooperativa recrutar novos sócios. Há casos em que a empresa solidária fica muito rentável. o que a torna valiosa no mercado em que empresas são compradas e vendidas. Os sócios mais antigos podem ficar tentados a vender a cooperativa a alguma empresa capitalista interessada. Se, no entanto, uma grande parte do capital da cooperativa estiver indivisível, esta tentação é muito menor.

Os níveis de remuneração e as diferenças entre eles são decididos, em empresas capitalistas e solidárias, por sujeitos diferentes e com objetivos diferentes. O mesmo vale para a destinação dos lucros ou sobras. Na empresa capitalista, prevalecem sempre o poder e o interesse dos acionistas. representados pelo grupo controlador. Na empresa solidária, prevalecem o poder e o interesse dos sócios, cuja maioria em geral ganha menos por consti-tuir a base da pirâmide de retiradas. O interesse dos sócios é manter e reforçar a solidariedade entre eles. É do seu interesse também maximizar o valor da retirada e da parcela das sobras apropriadas por cada sócio, mas como objetivo subalterno. O objetivo máximo dos sócios da empresa solidária é promover a economia solidária tanto para dar traba\ho e renda a quem precisa como para difundir no país (ou no mundo) um modo

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democrático e igualitário de organizar atividades econômicas.

3. Autogestão e heterogestão

Talvez a principal diferença entre economia capitalista e solidária seja o modo como as empresas são administradas. A primeira aplica a heterogestão, ou seja. a administração hierárquica, formada por níveis sucessivos de autoridade, entre os quais as informações e consultas fluem de baixo para cima e as ordens e instruções de cima para baixo. Os trabalhadores do nível mais baixo sabem muito pouco além do necessário para que cumpram suas tarefas. que tendem a ser repetitivas e rotineiras. À medida que se sobe na hierarquia. o conhecimento sobre a empresa se amplia porque as tarefas são cada vez menos repetitivas e exigem iniciativa e responsabilidade por parte do trabalhador. Nos níveis mais altos, o conhecimento sobre a empresa deveria ser (em tese) total, já que cabe a seus ocupantes tomar decisões estratégicas sobre os seus rumos futuros.

Esta descrição não é totalmente realista porque não considera os efeitos da competição entre setores e grupos de empregados situados nos níveis intermediários e elevados da hierarquia gerencial. Sobretudo em empresas grandes, grupos rivais disputam a destinação dos fundos de investimento, cada um demandando mais capital para expandir o setor em que exerce poder. Os gerentes da produção querem equipamentos novos para aper-feiçoar as técnicas de produção, os gerentes de vendas e marketing querem produtos melhores e mais baratos para conquistar mercado dos concorrentes, os dos laboratórios exigem mais recursos para desenvolver novos produtos e novos métodos de produção, os de pessoal solicitam mais dinheiro para contratar cursos de atualização etc. etc.

A competição exacerbada entre setores e grupos rivais. Embora sempre vise aumentar a lucratividade do conjunto, pode prejudicar o funcionamento da empresa como um todo, sobretudo se alguns setores sonegarem informações estratégicas aos setores rivais para enfraquecê-Ios. A alta direção precisa coibir o que seria excesso de competição. sem coibir a competição sadia, vista como essencial para obter o esforço máximo dos emprega-dos. Mas, para tanto, seria preciso que ela tivesse toda a informação sobre o que se passa na empresa, o que a própria competição torna improvável. O segredo do negócio, que protege a competitividade da empresa contra rivais, é utilizado também pelos competidores internos à empresa, uns contra os outros.

A heterogestão, para atingir seus objetivos, tem de suscitar o máximo de cooperação entre os empregados, agrupados em seções, departamentos e sucursais. Competição e cooperação são, a rigor, incompatíveis entre si: se você coopera com seu rival, você o fortalece e ele pode vencê-lo na competição; se você não coopera com seu colega ou com o setor que depende de sua ajuda, a empresa inteira pode fracassar. Dentro dessa contradição a heterogestão funciona, sempre à procura de novas fórmulas que lhe permitam extrair o máximo de trabalho e eficiência do pessoal empregado.

A empresa solidária se administra democraticamente, ou seja, pratica a autogestão. Quando ela é pequena, todas as decisões são tomadas em assembléias, que podem ocorrer em curtos intervalos, quando há necessidade. Quando ela é grande, assembléias-gerais são mais raras porque é muito difícil organizar uma discussão significativa entre um grande número de pessoas. Então os sócios elegem delegados por seção ou departamento, que se reúnem para deliberar em nome de todos. Decisões de rotina são de responsabilidade de encarregados e gerentes, escolhidos pelos sócios ou por uma diretoria eleita pelos sócios.

Em empresas solidárias de grandes dimensões, estabelecem-se hierarquias de

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coordenadores, encarregados ou gestores, cujo funcionamento é o oposto do de suas congêneres capitalistas. As ordens e instruções devem fluir de baixo para cima e as deman-das e informações de cima para baixo. Os níveis mais altos, na autogestão, são delegados pelos mais baixos e são responsáveis perante os mesmos. A autoridade maior é a assembléia de todos os sócios, que deve adotar as diretrizes a serem cumpridas pelos níveis intermediários e altos da administração.

Para que a autogestão se realize, é preciso que todos os sócios se informem do que ocorre na empresa e das alternativas disponíveis para a resolução de cada problema. Ao longo do tempo, acumulam-se diretrizes e decisões que, uma vez adotadas, servem para resolver muitos problemas freqüentes. Mas de vez em quando surgem problemas que são complexos e cujas soluções alternativas podem afetar setores e sócios da empresa, de forma positiva alguns e negativa outros. Tais soluções podem exigir o encerramento de atividades consideradas obsoletas e sua substituição por outras, a aprendizagem de novas técnicas, a re-visão do escalonamento das retiradas etc. O que ocasiona conflitos de opinião e/ou de interesse que dividem os sócios e ameaçam a solidariedade entre eles.

Pelo visto, a autogestão exige um esforço adicional dos trabalhadores na empresa solidária: além de cumprir as tarefas a seu cargo, cada um deles tem de se preocupar com os problemas gerais da empresa. Esse esforço adicional produz ótimos resultados quando se trata de envidar mais esforços para cumprir um prazo, eliminar defeitos de um produto ou para atingir algum outro objetivo que todos desejam. O fato de todos ficarem a par do que está em jogo contribui para a cooperação inteligente dos sócios, sem necessidade de que sejam incentivados por competições para saber quem é o melhor de todos. Mas o esforço adicional torna-se desgastante quando é preciso se envolver em conflitos, tomar partido pró ou contra companheiros, participar de reuniões cansativas etc.

O maior inimigo da autogestão é o desinteresse dos sócios, sua recusa ao esforço adicional que a prática democrática exige. Em geral não é a direção da cooperativa que sonega informações aos sócios, são estes que preferem dar um voto de confiança à direção para que ela decida em lugar deles. E a direção tende, às vezes, a aceitar o pedido, sobretudo quando se trata de decisões que podem s~scitar conflitos entre os sócios. É, em geral, mais fácil conciliar interesses e negociar saídas consensuais num pequeno comitê de diretores do que numa reunião mais ampla de delegados, que têm que prestar contas aos colegas que representam.

A prática autogestionária corre o perigo de ser corroída pela lei do menor esforço. Os gestores da cooperativa enfrentam freqüentemente questões urgentes, que têm de ser resolvidas sem haver tempo de consultar outros sócios. Nas assembléias, os problemas e as soluções adotadas costumam ser relatados como fatos consumados. É muito raro que algum participante se preocupe em discutir se a solução encontrada foi realmente a melhor. Se não houver algo emocionante, é provável que a assembléia aprove rapidamente e sem prestar atenção os relatórios dos gestores. Se a desatenção virar hábito, as informações relevantes passam a se concentrar em círculos seletos de responsáveis, cujas propostas têm toda chance de ser aprovadas, pelos sócios ou seus delegados, por inércia.

Há um truísmo que diz que cooperativas que vão mal fecham, as que vão bem deixam de ser cooperativas. Como generalização é falso, mas tem um fundo de verdade. Cooperativas que vão mal têm alto índice de participação dos sócios, todos interessados em consertar o que está errado. Tudo o que a direção faz é minuciosamente examinado, criticado e, se não há as melhoras esperadas, a direção é substituída. Cooperativas que vão bem podem vir a apresentar o quadro oposto: a lei do menor esforço concentra o poder de

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decisão de fato nos gestores e a empresa escorrega sem perceber para uma prática de heterogestão. Mas muitas cooperativas que têm êxito econômico praticam a autogestão, pois seus sócios fazem questão dela pelos motivos certos: porque gostam de participar e se realizam na luta por um outro modo de produção.

O perigo de degeneração da prática autogestionária vem, em grande parte, da insuficiente formação democrática dos sócios. A auto gestão tem como mérito principal não a eficiência econômica (necessária em si), mas o desenvolvimento humano que proporciona aos praticantes. Participar das discussões e decisões do coletivo, ao qual se está associado, educa e conscientiza, tornando a pessoa mais realizada, autoconfiante e segura. É para isso que vale a pena se empenhar na economia solidária. Acontece que, até agora, grande parte dos cooperadores se insere na economia solidária enquanto modo de produção intersticial (conceito que discutiremos adiante), ou seja, para se reinserir à produção social e escapar da pobreza. Muitos não chegam a apreciar as potencialidades da auto gestão, aceitando-a, no máximo, como exigência coletiva para poder participar da cooperativa.

As pessoas não são naturalmente inclinadas à auto gestão, assim como não o são à heterogestão. Poucos optariam espontaneamente por passar a vida recebendo ordens, atemorizados com o que lhes possa acontecer se deixarem de agradar aos superiores. Aprende-se a obedecer e temer os "superiores" desde os bancos escolares, num processo educativo que prossegue a vida inteira. As crianças são espontaneamente inquietas, curiosas, desejosas de participar em todos os jogos e brincadeiras. A escola reprime esses impulsos e as obriga a obedecer a horários, a ficar quietas e imóveis durante a aula, a decorar coisas que nada lhes dizem e a renunciar a satisfazer boa parte de sua curiosidade. E tudo isso sob a ameaça de reprimendas e castigos, o pior dos quais é não ser aprovado9• As imposições e repressões da família patriarcal vão na mesma direção.

Essa carga alienante é sacudida quando a pessoa se envolve em lutas emancipatórias, que desafiam a ordem vigente: greves, manifestações de protesto, reuniões de comunidades eclesiais de base, ocupações de terra visando à reforma agrária e muitas outras. Irmanar-se com os iguais, insurgir-se contra a sujeição e a exploração constituem experiências redentoras. Quando reiteradas, modificam o comportamento social dos sujeitos. Entre as empresas solidárias, a autogestão se pratica tanto mais autenticamente quanto mais sócios são militantes sindicais, políticos e religiosos.

As lutas emancipatórias alteram as instituições, introduzindo práticas democráticas e banindo as autoritárias. O sufrágio universal, que vige em muitos países, possibilitou a prática da democracia política, que de certo modo inverte a relação de poder (ao menos formal) entre governo ou autoridade pública e cidadãos. São estes que escolhem e remuneram aqueles, portanto é a sua vontade que deve prevalecer. A grande massa de cida-dãos ainda não se conscientizou disso, mas quanto mais eleições se realizam, mais as campanhas eleitorais vão educando os eleitores, muitos dos quais vão adotando atitudes questionadoras e críticas em relação aos governantes.

Além da democracia política, outras conquistas importantes foram possibilitadas pela revolução feminina, que está abolindo a opressão do pai sobre a mulher e os filhos; e pela revolução sexual, correlata da primeira, que está acabando com a repressão sexual dos adolescentes e sobretudo das mulheres (adolescentes ou não). Da mesma forma, um número

9 Não por acaso a palavra apromdo significa tanto passar de ano como obter a aprovação de outros.

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crescente de instituições civis também estão se democratizando: sindicatos, partidos, escolas e universidades, centros científicos, igrejas etc. Esses avanços antiautoritários e democráticos fazem com que as novas gerações sejam menos reprimidas e passivas que as de seus pais e avós.

Tudo isso provavelmente está por detrás do atual surto de auto gestão em quase todos os campos de interação social. Cresce o número de pessoas que se acostumaram a eleger autoridades, desde o grêmio estudantil, faculdades e departamentos na universidade, sindicatos e associações profissionais até prefeitos, governadores e presidentes da República e que não toleram mais trabalhar sob as ordens de chefias escolhidas pejos proprietários, cujo interesse - o lucro - é a única finalidade de todas as atividades desenvolvidas na empresa. Embora cresça ainda mais o número dos desempregados e excluídos sociais, ou que estão ameaçados de o serem, e que recorrem à economia solidária para se reinserir num sistema cujos princípios organizativos aceitam como "naturais".

Tanto a autogestão como a heterogestão apresentam dificuldades e vantagens, mas seria vão tentar compará-Ias para descobrir qual delas é a melhor. São duas modalidades de gestão econômica que servem a fins diferentes. A heterogestão parece ser eficiente em tornar empresas capitalistas competitivas e lucrativas, que é o que seus donos almejam. A autogestão promete ser eficiente em tornar empresas solidárias, além de economicamente produtivas, centros de interação democráticos e igualitários (em termos), que é o que seus sócios precisam.

Capítulo II

História

1. Origens históricas da economia solidária

A economia solidária nasceu pouco depois do capitalismo industrial, como reação ao espantoso empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção. A Grã-Bretanha foi a pátria da Primeira Revolução Industrial, precedida pela expulsão em massa de camponeses dos domínios senhoriais, que se transformaram no proletariado moderno. A exploração do trabalho nas fábricas não tinha limites legais e ameaçava a reprodução biológica do proletariado. As crianças começavam a trabalhar tão logo podiam ficar de pé, e as jornadas de trabalho eram tão longas que o debilitamento físico dos trabalhadores e sua elevada morbidade e mortalidade impediam que a produtividade do trabalho pudesse se elevar.

Por isso, industriais mais esclarecidos começaram a propor leis de proteção aos trabalhadores. Entre eles encontrava-se o britânico Robert Owen, proprietário de um imenso complexo têxtil em New Lanark. Em vez de explorar plenamente os trabalhadores que empregava, Owen decidiu, ainda na primeira década do século XIX, limitar a jornada e proibir o emprego de crianças, para as quais ergueu escolas. O tratamento generoso que Owen dava aos assalariados resultou em maior produtividade do trabalho, o que tornou sua empresa bastante

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lucrativa, apesar de gastar mais com a folha de pagamento. Owen tornou-se objeto de grande admiração e respeito, adquirindo fama de filantropo. Visitantes do mundo inteiro vinham a New Lanark tentar decifrar o mistério de como o dinheiro gasto com o bem-estar dos trabalhadores era recuperado sob a forma de lucro, ao fim de cada exercício.

A Revolução Francesa provocou um longo ciclo de guerras na Europa, que se encerrou apenas em 1815, após a vitória britânica sobre Napoleão em Waterloo. Logo a seguir a economia da Grã-Bretanha caiu em profunda depressão. Owen apresentou uma proposta para auxiliar as vítimas da pobreza e do desemprego e restabelecer o crescimento da atividade econômica. Ele diagnosticou corretamente que a depressão era causada pelo desaparecimento da demanda por armamentos, navios, provisões e demais produtos necessários à condução da guerra. Com a perda do trabalho e da renda dos que estavam ocupados na produção bélica, o mercado para a indústria civil também se contraiu. Para reverter essa situação era necessário reinserir os trabalhadores ociosos na produção, permitindo-Ihes ganhar e gastar no consumo, o que ampliaria o mercado para outros produtores.

Em 1817, Owen apresentou um plano ao governo britânico para que os fundos de sustento dos pobres, cujo número estava se multiplicando, em vez de serem meramente distribuídos, fossem invertidos na compra de terras e construção de Aldeias Cooperativas, em cada uma das quais viveriam cerca de 1.200 pessoas trabalhando na terra e em indústrias, produzindo assim a sua própria subsistência. Os excedentes de produção poderiam ser trocados entre as Aldeias. Com cálculos cuidadosos de quanto teria de ser investido em cada Aldeia, Owen tentava mostrar que haveria imensa economia de recursos, pois os pobres seriam reinseridos à produção em vez de permanecerem desocupados. Em pouco tempo, a desnecessidade de continuar subsidiando os ex-pobres permitiria devolver aos cofres públicos os fundos desembolsados.

O raciocínio econômico de Owen era impecável, pois o maior desperdício, em qualquer crise econômica do tipo capitalista (devida à queda da demanda total), é a ociosidade forçada de parte substancial da força de trabalho. Há um efetivo empobrecimento da sociedade, que se concentra nos que foram excluídos da atividade econômica. Portanto, conseguir trabalho para eles é expandir a criação de riqueza, permitindo a rápida recuperação do valor investido. Isso foi demonstrado de outra forma por John M. Keynes, também britânico, durante a terrível crise da década de 1930. Desta vez os governos atenderam o apelo e passaram a praticar políticas de pleno emprego que funcionaram durante cerca de 30 anos, demonstrando a veracidade da tese de Keynes, antecipada 119 anos antes por Owen.

Mas, na segunda década do século XIX, o governo britânico se negou a implementar o engenhoso plano de Owen, que passou a radicalizar sua proposta. "Quanto mais Owen explicava o seu 'plano', mais evidente se tornava que o que ele propunha não era simplesmente baratear o sustento dos pobres, mas uma mudança completa no sistema social e uma abolição da empresa lucrativa capitalista" (COLE, 1944, p. 20). Com isso, Owen perdeu seus admiradores da classe alta e, desiludido, partiu para os Estados Unidos com a intenção de erguer num meio social mais novo, e por isso menos deteriorado, uma Aldeia Cooperativa que seria um modelo da sociedade do futuro, a ser imitado por pessoas de boa vontade mundo afora. Ela foi estabelecida, em 1825, em New Harmony, no estado de Indiana, e logo sofreu sucessivas cisões. Owen permaneceu à sua testa até 1829, quando, desiludido, voltou à Inglaterra.

Mas, enquanto ele permanecia além-mar, seus discípulos começaram a pôr em prática as idéias dele, criando sociedades cooperativas por toda parte. Esse movimento coincide com o surto de sindicalismo, desencadeado pela revogação dos Combination Acts. Essa legislação proibia qualquer organização dos trabalhadores como atentado à livre concorrência e foi usada

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para perseguir com grande empenho os sindicatos existentes, dos quais muitos desapareceram e os demais foram para a clandestinidade. Com a sua revogação, em 1824, novos sindicatos foram formados e, juntamente com eles, cooperativas.

A primeira cooperativa owenista foi criada por George Mudie, que reuniu um grupo de jornalistas e gráficos em Londres e propôs que formassem uma comunidade para juntos viverem dos ganhos de suas ati vidades profissionais. Em 1821 e 1822, Mudie e seus companheiros publicaram The Economist, o primeiro jornal cooperativo. Formaram a London Co-operative Society, mas após algum tempo desistiram de viver em comunidade. Em 1823 surgiu um novo jornal, The Political Economist Qnd Universal Philantropist, e no ano seguinte apareceu uma nova London Co-operative Society. Outro empreendimento owenista foi a Comunidade de Orbiston, fundada em 1826, liderada por Abram Combe, da qual Mudie participou investindo nela tudo o que possuía: 1.000 libras este'rlinas. Durante algum tempo a Comunidade progrediu e iniciou experimentos em educação e num sistema de repartição baseada em pagamento igual por hora de trabalho de qualquer pessoa. Infelizmente, em agosto de 1827, Combe faleceu e seu irmão e herdeiro despejou a Comunidade para pagar as dívidas assumidas (COLE, 1944, p. 20-22).

Brighton, um lugar de veraneio, foi palco de importante iniciativa cooperativa encabeçada pelo Dr. William King, que era conhecido como "médico dos pobres". Em 1827 surgiu a Brighton Co-operative Trading Association (Associação Cooperativa de Troca de Brighton), com o objetivo de formar uma comunidade cooperativa owenista, mas ela começou por funcionar como armazém cooperativo para ajudar a formar um fundo de capital. Seus sócios eram predominantemente operários. A associação arrendou terras e empregou membros no cultivo de legumes para serem vendidos no armazém. Diversas cooperativas descendentes desta primeira se desenvolveram em Brighton, Worthington, Findon, Turnbridge Wells, Canterbury e Gravesend. Em 1830, King deixou a associação por problemas familiares e em 1832 ela desapareceu.

A Brighton Association começou, em 1828, a publicação de um pequeno mensário The Co-operator, redigido por King e dedicado a expor sistematicamente os princípios do cooperati-vismo. Ele durou dois anos e penetrou em todo o país. Em seu número inicial, The Co-operator registrou a existência de apenas quatro cooperativas; em meados de 1829, este número já era de 70, e no fim do ano atingiu 130, além da abertura do London Co-operative Bazaar. Em agosto de 1830, King encerrou a publicação do The Co-operator e o número final registrou LI existência de mais de 300 cooperativas. Nessa época, a imprensa cooperativa também se havia diversificado, com o surgimento de novos órgãos (COLE, 1944, p. 22-23).

No meio dessa ascensão do cooperativismo, o owenismo foi assumido pelo crescente movimento sindical e cooperativo da classe trabalhadora. Um dos seus grandes líderes, 10hn Doherty, conseguiu, em 1829, organizar os fiandeiros de algodão em um sindicato nacional. A partir desta vitória, ele passou a lutar pela organização sindical de todas as categorias de trabalhadores, logrando fundar em 1833-34 o Grand National Consolidated Trades Union (sucessora da Grand National Moral Union de Owen, pos sivclmentc a primeira central sindical do mundo10'). "Tornou-se comum que grevistas, em ramos que podiam ser operados sem muita máquina, em vez de cruzar os braços, se lançassem em competição com seus empregadores à base de planos de produção cooperativa" (COLE, 1944, p. 24).

A criação desse tipo de cooperativa, estreitamente ligada à luta de classes conduzida

10 'Todos os movimentos sociais, todos os progressos reais, que surgiram na Inglaterra, estão ligados ao nome de Owen. [ ... ] Ele presidiu o primeiro congresso em que trade unions [sindicatos] de toda a Inglaterra se uniram numa única grande central sindical" (ENGELS. 1894, p. 324-325).

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pelos sindicatos, conferia a essa luta uma radical idade muito maior. Os trabalhadores em conflito com seus empregadores, em vez de se limitar a reivindicações de melhora salarial e de condições de trabalho, passavam a tentar substituí-los no mercado. A greve tornava-se uma arma não para melhorar a situação do assalariado, mas para eliminar o assalariamento e substituí-lo por autogestão.

"Muitas das sociedades cooperativas que foram fundadas no fim dos anos 20 e começo dos 30 [do século XIX] eram desta espécie, originadas ou de greves ou diretamente de grupos locais de sindicalistas, que haviam sofrido rebaixa de salários ou falta de emprego. Algumas destas cooperativas foram definitivamente patrocinadas por sindicatos; outras foram criadas com a ajuda de Sociedades Beneficentes cujos membros provinham do mesmo ofício. Em outros casos, pequenos grupos de trabalhadores simplesmente se uniam sem qualquer patrocínio formal e iniciavam sociedades por conta própria" (COLE, 1944, p. 24).

Ao lado destas cooperativas operárias havia sociedades de propaganda owenista, que tinham como objetivo fundar Aldeias Cooperativas, atualmente chamadas de "cooperativas integrais", pois organizavam integradamente produção e consumo. Dessas sociedades originavam-se freqüentemente armazéns cooperativos (como o da Associação Cooperativa de Troca de Brighton, encabeçada por King), criados para empregar alguns de seus membros, tendo em vista consumir seus próprios produtos ou trocá-los por escambo11 pelos de outras sociedades com os mesmos propósitos. Muitos dos armazéns passaram a adquirir produtos das cooperativas operárias e distribuí-los, transformando-se em centros de escambo da produção cooperativa, denominados Exchange Bazaars (bazares de troca) ou Equitable Labour Exchanges (bolsas eqüitativas de trabalho).

Owen, como muitos socialistas da época, rejeitava o comércio visando ao lucro como essencialmente parasitário: "Os distribuidores, pequenos, médios e grandes, têm todos de ser mantidos pelos produtores e, quanto maior o número dos primeiros comparado ao destes, maior será a carga suportada pelo produtor; pois à medida que aumenta o número de distribuidores, a acumulação de riqueza tem de diminuir e mais tem de ser exigido do produtor. Os distribuidores de riqueza, sob o sistema atual, são um peso morto sobre os produtores e os mais ativos desmoralizadores da sociedade" (OWEN, 1821 apud MILL, 2000, p.68).

A rejeição do comércio (assim como de toda atividade visando ao lucro) levou as sociedades owenistas a criar os bazares ou bolsas que acabaram por polarizar boa parte da produção das cooperativas operárias, conferindo-lhes viabilidade econômica. Urna contrapartida hodierna seria o "clube de troca", que cria mercado entre seus membros mediante urna moeda própria. Quando Owen voltou à Inglaterra, ele deu grande impulso a esse comércio sem intermediários, criando o National Equitable Labour Exchange (Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo). Sua finalidade era oferecer a todos os cooperadores um mercado em que pudessem trocar seus produtos. A sua primeira sucursal foi aberta em 1832, logo seguida por uma segunda, sendo imitados por cooperadores em Birmingham, Liverpool, Glasgow e em outras cidades. Em julho de 1833, Owen transferiu a gerência da bolsa a um Comitê Sindical de Londres, que representava os sindicatos cujos membros haviam se engajado em produção cooperativa.

As trocas nessas bolsas não eram estritamente escambo, pois eram intermediadas por uma moeda própria: as notas de trabalho, cuja unidade eram horas de trabalho. Os bens oferecidos à venda eram avaliados pelo tempo de trabalho médio que um operário padrão levaria para 11 Escambo é troca direta. de produto por produto, sem uso de dinheiro

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produzi-los. Cada bem era avaliado por este critério por um comitê formado por profissionais do ramo correspondente. Adotou-se corno padrão um operário que ganhasse seis dinheiros por hora. A hora de trabalho remunerada acima deste valor era aumentada na mesma proporção. Assim, por exemplo, uma peça de pano feita por um tecelão que ganhasse 12 dinheiros por hora e que levasse 5 horas para ser produzida valeria 10 horas de trabalho no padrão monetário da bolsa.

A esse respeito, Cole (1944, p. 31) observou: "Isso significava, com efeito, o mesmo que aceitar a avaliação de mercado dos diferentes graus e espécies de trabalho, tornando as notas de trabalho meras traduções em tempo de trabalho das quantias de dinheiro determinadas ordinariamente pelo comércio". A primeira parte da observação é correta, a segunda não. O que Marx chamava de "grau de complexidade do trabalho" corno gerador de valor era calculado pelo escalonamento salarial do mercado de trabalho, ou seja, aceitava-se que um trabalho pior pago gerava um valor menor que outro mais bem pago. Mas isso não significa que os preços em tempo de trabalho, assim calculados, equivaliam aos do comércio ordinário. Estes últimos incluem uma margem de lucro proporcional ao valor do capital investido na atividade e nada indica que os preços praticados nas bolsas tivessem tal margem. As bolsas "de trabalho eqüitativo" excluíam o lucro industrial na formação de seus preços12.

Durante certo tempo as bolsas eqüitativas tiveram notável sucesso. A de Birmingham teve lucro (o que indica que nos preços em notas de trabalho havia alguma margem para cobrir as despesas da bolsa), que ela doou a um hospital. Em 1834, a Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo encerrou suas atividades, por efeito da derrota geral do movimento operário em seu confronto com os empregadores.

A luta dos sindicatos contra os capitalistas, utilizando as cooperativas operárias como armas para disputar-Ihes o mercado, estava chegando ao auge em 1833, quando Owen reapare-ceu, assumindo sua liderança. Em setembro daquele ano, o Sindicato dos Trabalhadores em Construção, formado pela união das associações de ofício do ramo, reuniu seu Parlamento dos Construtores em Manchester. Owen compareceu e propôs que criassem a Grande Guilda Nacional dos Construtores para suplantar os empreiteiros privados e tomar toda a indústria em suas próprias mãos, reorganizando-a sob a forma de uma grande cooperativa nacional de construção.

Em outubro, tendo sido sua proposta aprovada pelos construtores, Owen foi ao Congresso Cooperativo de Londres, onde propôs a criação da Grande União Nacional Moral das Classes Produtivas do Reino Unido.

"Era para ser constituída por delegados de todos os ramos organizados de atividade à base de sindicatos paroquiais, distritais e provinciais e parece que tinha por objetivo tomar toda a indústria do país do mesmo modo que os construtores se propunham a tomar a indústria de construção. Os delegados partiram comprometidos com o estabelecimento deste instrumento espantosamente ambicioso e a realização de um novo congresso em

12 Cole argumenta que as bolsas não poderiam praticar preços diferentes do comércio em geral porque, se o fizessem, "eles venderiam rapidamente todos os artigos relativamente mais baratos e ficariam sem vender os relativamente mais caros" (p. 31). Isso seria o caso se houvesse conversibilidade entre as notas de trabalho e as libras esterlinas. Deve-se supor que para obter notas de trabalho era preciso vender algo na bolsa, sendo este algo um produto cooperativo. Neste caso, o mercado cooperativo seria fechado e poderia praticar preços diferentes dos do comércio. Mas negociantes comuns vendiam seus produtos em troca de notas de trabalho para comprar produtos cooperativos com elas. Isso pode significar que eles praticavam arbitragem entre os preços externos e internos da bolsa ou que os últimos acabaram sendo ajustados aos primeiros, como imagina Cole.

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Barnsley na páscoa seguinte" (COLE, 1944, p. 27-28).

Eis que o cooperativismo, em seu berço ainda, já se arvorava como modo de produção alternativo ao capitalismo. O projeto grandioso de Owen equivalia ao que mais tarde se chamou de República Cooperativa, e ele a propôs, não à moda dos utópicos da época aos mecenas para que a patrocinassem, mas ao movimento operário organizado, que ainda estava lutando por seus direitos políticos. Foi um curto mas inolvidável momento da história da Grã-Bretanha e também do cooperativismo, que vai, deste modo, ainda imaturo, à pia batismal da revolução.

No mesmo ano memorável de 1833 é aprovado o Factory Act, que estabelece uma legislação protetora do trabalhador de fábrica, mas recusa a limitação da jornada de Trabalho a dez horas, causando forte frustração. Em novembro, Owen lidera a reação entre os sindicalistas do norte, criando a Sociedade pela Regeneração Nacional, para conquistar de uma vez a jornada de oito horas, não por lei, mas pela recusa em massa de trabalhar além deste período! A Sociedade rapidamente se expandiu, conquistando considerável número de seguidores. A fé na ação direta se difundia num momento de mobilização intensa. Tudo parecia possível desde que todos os trabalhadores agissem em uníssono.

Mas a reação dos empregadores já havia começado. Em junho de 1833, os empreiteiros resolveram fazer um lock-out (greve patronal, literalmente "exclusão"), demitindo todos os trabalhadores que pertenciam ao Sindicato dos Trabalhadores em Construção. A luta começou em Liverpool e se estendeu a Manchester e a outros centros. Ela foi cruel e longa, terminando apenas no fim do ano com a derrota dos trabalhadores, que tiveram de abrir mão do sindicato para poder voltar ao trabalho. Foi durante esta luta que Owen propôs ao Parlamento dos Construtores tomar a indústria dos capitalistas e reorganizá-la como cooperativa.

Em novembro, os industriais têxteis decretaram o lock-out, demitindo todos os sindicalizados. Estes, em resposta, abriram cooperativas operárias e tentaram vender seus produtos nas bolsas de trabalho, em todo o país. A Grande União Nacional Moral das Classes Produtoras (GUNM), ainda em organização, resolveu cobrar uma taxa extra de seus membros para angariar fundos para os tecelões excluídos.

"Mas greves e lock-outs logo se multiplicaram em outras partes do país e os recursos da União estavam longe de poder manter os excluídos. A detenção e condenação dos trabalhadores de Dorchester, em março de 1834, foi mais um golpe, pois ameaçava os sindicatos em todos os lugares com penalidades legais, somadas à hostilidade dos empregadores. A GUNM e a maioria dos seus afiliados aboliram os juramentos, que eram comumente parte das cerimônias de iniciação sindical e haviam fornecido a base para as condenações de Dorchester.

Mas, em face da crescente militância dos empregadores e da declarada hostilidade do governo, os sindicalistas em muitas áreas começaram a perder o ânimo. Owen e seus discípulos puseram-se à frente da demanda pela libertação dos trabalhadores de Dorchester e entraram na GUNM em bloco, na esperança de salvar a situação. Mas uma greve sem sucesso dos alfaiates de Londres _ que em seu decorrer cobriram Londres de cartazes anunciando que estavam partindo em bloco para a Produção Cooperativa piorou seriamente a situação; e os empregadores de Yorkshire, retomando a ofensiva do ano anterior, conseguiram em maio e junho quebrar o poder do Sindicato de Leeds. O Sindicato dos Trabalhadores em Construção também estava ruindo face a repetidos ataques.[...] E uma após a outra, as associações de ofício foram deixando o sindicato, que no fim de 1834 se extinguiu. As oficinas cooperativas em Derby tiveram de fechar, e os

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homens foram forçados a voltar ao trabalho nas condições impostas pelos empregadores. O Sindicato dos Oleiros, que montou uma olaria cooperativa em junho de 1834, teve de abandoná-la seis meses depois. A grande aventura sindical estava chegando a um fim sem glória" (COLE, 1944, p. 29).

Esta é a origem histórica da economia solidária. Seria justo chamar esta fase inicial de sua história de "cooperativismo revolucionário", o qual jamais se repetiu de forma tão nítida. Ela tornou evidente a ligação essencial da economia solidária com a crítica operária e socialista do capitalismo. A figura que sintetizou pensamento e ação nesta fase foi sem dúvida Owen, exemplo acabado de pensador e homem de ação e que inspiraria os seus sucessores. Engels colaborou na imprensa owenista e tanto ele quanto Marx deveram muito a Owen, dívida aliás nunca contestada.

Para completar o quadro, seria preciso fazer menção ao menos à experiência na França. Lá o grande autor foi Charles Fourier, que, no entanto, não era homem de ação e nunca quis que seu projeto de falanstério fosse realizado por discípulos. Seu sonho era que algum capitalista se interessasse pelo seu sistema e se dispusesse a experimentá-lo. Sua idéia central era que a so-ciedade se organizasse de uma forma que todas as paixões humanas pudessem ter livre curso para produzir uma harmonia universal. O principal objetivo dessa organização social seria dispor o trabalho de tal forma que se tornasse atraente para todos, do que deveria resultar enorme aumento de produtividade e de produção. Daí surge a idéia do falanstério, uma comunidade sufi-cientemente grande (com 1.800 pessoas trabalhando) para oferecer a cada um ampla escolha entre trabalhos diversos. Fourier acreditava que cada pessoa poderia encontrar um ou mais traba-lhos que estivessem de acordo com suas paixões e aos quais ela poderia se entregar quase sem se importar com a remuneração.

Mas o falanstério não é coletivista como a Aldeia Cooperativa de Owen. Nele se preservam a propriedade privada e a liberdade individual de mudar de trabalho. Os meios de produção seriam de todos os membros, mas sob a forma de propriedade acionária. O resultado do trabalho de todos seria repartido de acordo com proporções fixas: 5/12 pelo trabalho, 4/12 pelo capital investido e 3/12 pelo talento. E ele concebe um engenhoso sistema de mercado que deve conciliar as preferências por diferentes tipos de produto dos membros enquanto consu-midores e por diferentes tipos de trabalho dos mesmos enquanto produtores.

Para evitar que a sociedade se polarize entre ricos e pobres, Fourier propõe diversos mecanismos de redistribuição: I) que as ações devem dar rendimento tanto maior quanto menor for o número delas possuído pela pessoa, de modo que os pequenos acionistas teriam um rendimento proporcionalmente muito maior que os grandes; 2) todos teriam uma renda mínima, "modesta mas muito decente", mesmo que não trabalhem. Esta proposta faz sentido, pois todos trabalharão por paixão, e não por necessidade, embora as pessoas continuem competindo por riquezas, já que o sistema manteria propriedade, herança, juros sobre o capital e alguma desigualdade entre ricos e pobres.

"É sobre a livre iniciativa individual apenas que ele espera fazer uma experiência de seu sistema - uma iniciativa que ele solicita, implora, dirigindo-se ao grande capitalista e a príncipes desengajados com tocante pertinácia" (GIDE, 1971, p. 22). O sistema de Fourier é uma variedade de socialismo de mercado, centrado na liberdade individual, na livre escolha dos trabalhos, organizados em equipes e na propriedade por ações dos meios de produção. O sistema é coerente: para que a liberdade humana culmine na paixão pelo trabalho é necessário que ninguém dependa dele para viver, o que requer uma renda cidadã que garanta a todos uma sobrevivência digna.

A idéia de que todos deveriam viver em comunidades autogeridas torna o Estado

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dispensável, o que faz de Fourier um predecessor dos anarquistas, como nota Gide: "Como a nova ordem social deve se basear apenas sobre a atração, nem é preciso dizer que Fourier não pensa em empregar a força. Nunca, de fato, ele apela a legisladores, a governo, a uma autoridade, a um poder coercitivo de qualquer espécie; eu nem mesmo sei se a palavra Estado, que hoje serve para caracterizar todas as escolas mais ou menos socialistas, aparece uma única vez em seus livros. Nisso ele pertence à escola liberal mais purae desde que ele não reconhece nem mesmo a necessidade do Estado policial, pode-se ir ao ponto de dizer que ele pertence à escola anarquista. se este termo não se chocasse estranhamente com o seu amor à ordem e simetria" (GIDE, 1971, p. 21-22).

Fourier teve discípulos ilustres - Muiron, Considerant, Godin, Mme. Vigoureux -, que se congregaram a pal1ir de 1825 e estabeleceram o que se chamou de "escola associativa". Em 1832 eles foram reforçados pela adesão de importantes ex-saintsimonianos como Lechavalier e Transon, iniciaram a publicação de um hebdomadário - Le Phalanstere - e organizaram cursos, alguns dados pelo próprio Fourier. Com a morte de Fourier em 1837, suas doutrinas tiveram novo impulso, fazendo com que a escola crescesse cada vez mais e atingisse 3.700 membros na véspera da Revolução de 1848, entre os quais o próprio futuro imperador Luís Napoleão.

A experimentação prática do sistema de Fourier se deu mais nos Estados Unidos. 'Três grandes associações, aplicando em maior ou menor extensão os princípios do fourierismo, foram criadas quase simultaneamente: The North American Phalanx, fundada por Brisbane no estado de Nova Jersey, The Wisconsin Phalanx, no estado do mesmo nome. e a mais famosa de todas, a Brook Farm, perto de Boston, que teve homens muito ilustres entre seus membros, alguns dos quais desempenharam papéis de liderança na organização que se chamou Sovereigns of Industry [Soberanos da Indústria] e nos Knights of Labour [Cavaleiros do Trabalho] e no movimento cooperativista. Até mesmo Channing e Hawthorne ficaram algum tempo lá. Estima-se em 30 o número de tais comunidades; mas nenhuma durou mais do que cinco ou seis anos" (GIDE, 1971, p. 41-42).

Owen e Fourier foram, ao lado de Saint-Simon, os clássicos do Socialismo Utópico. O primeiro foi, além disso, grande protagonista dos movimentos sociais c políticos na Grã-Bretanha nas décadas iniciais do século XIX. O cooperativismo recebeu deles inspiração fundamental, a partir da qual os praticantes da economia solidária foram abrindo seus próprios caminhos, pelo único método disponível no laboratório da história: o da tentativa e erro.

Capítulo IV

Presente e futuro

1. A reinvenção da economia solidária no fim do século XX

Na medida em que o movimento operário foi conquistando direitos para os assalariados, a situação destes foi melhorando: menos horas de trabalho, salários reais mais elevados, seguridade social mais abrangente e de acesso universal, ou quase, tornaram-se realidade nos países desenvolvidos. Mesmo em países semi-industrializados, como o Brasil, os direitos obtidos pelos sindicatos deram a muitos assalariados formais (com carteira de trabalho assinada) um padrão de vida de classe média.

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Este avanço se acentuou e generalizou após a Segunda Guerra Mundial e debilitou a crítica à alienação que o assalariamento impõe ao trabalhador. Em vez de lutar contra o assalariamento e procurar uma alternativa emancipatória ao mesmo, o movimento operário passou a defender os direitos conquistados c sua ampliação. Os sindicatos tornaram-se organizações poderosas, cuja missão passou a ser a defesa dos interesses dos assalariados, dos quais o mais crucial é conservar o emprego. Por meio do emprego, os trabalhadores alcançam uma espécie de cidadania "social" que compensaria a posição subordinada e alienada que ocupam na produção.

Esta mudança foi sem dúvida uma das causas do crescente desinteresse pela economia solidária e pela tolerância com a introdução do assalariamento nas cooperativas e da "profissionalização" de suas gerências. Em termos quantitativos, o movimento cooperativista nunca deixou de se expandir em plano mundial, mas qualitativamente é provável que a sua degeneração tenha se acentuado. Surgiu uma classe operária que se acostumou ao pleno emprego (que vigorou nos países centrais entre as décadas de 1940 e 1970) e se acomodou no assalariamento.

Tudo isso mudou radicalmente a partir da segunda metade dos anos 70, quando o desemprego em massa começou o seu retorno. Nas décadas seguintes, grande parte da produção industrial mundial foi transferida para países em que as conquistas do movimento operário nunca se realizaram. O que provocou a desindustrialização dos países centrais e mesmo de países semi-desenvolvidos como o Brasil, eliminando muitos milhões de postos de trabalho formal. Ter um emprego em que seja possível gozar os direitos legais e fazer carreira passou a ser privilégio de uma minoria. Os sindicatos se debilitaram pela perda de grande parte de sua base social e conseqüentemente de sua capacidade de ampliar os direitos dos assalariados. Na realidade, pela pressão do desemprego em massa, a situação dos trabalhadores que continuaram empregados também piorou: muitos foram obrigados a aceitar a "flexibilização" de seus direitos e a redução de salários diretos e indiretos. Sobretudo a instabilidade no emprego se agravou, e a competição entre os trabalhadores dentro das empresas para escapar da demissão deve ter se intensificado.

Como resultado, ressurgiu com força cada vez maior a economia solidária na maioria dos países. Na realidade, ela foi reinventada. Há indícios da criação em número cada vez maior de novas cooperativas e formas análogas de produção associada em muitos países. O que distingue este "novo cooperativismo" é a volta aos princípio, o grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos empreendimentos, a insistência na autogestão e o repúdio ao assalariamento. Essa mudança está em sintonia com outras transformações contextuais que atingiram de forma profunda os movimentos políticos de esquerda.

A primeira destas transformações foi a crise dos Estados do "socialismo realmente existente" da Europa Oriental, que estourou em 1985, com a Perestroika e a Glasnost na União Soviética, e culminou em 1991 com a sua dissolução. Até mesmo a Iugoslávia, que desenvolveu um modo de produção com traços de economia solidária, teve o mesmo destino. Subitamente ficou claro para milhões de socialistas e comunistas de todo o mundo que o planejamento central da economia do país, imposto por uma pseudo-"ditadura do proletariado", não constrói uma sociedade que tenha qualquer semelhança com o que sempre se entendeu que fosse socialismo ou comunismo. Esta nova consciência levou indubitavelmente muitos a se reconciliar com o capitalismo, mas muitos outros sentem-se desafiados a buscar um novo modelo de sociedade que supere o capitalismo, em termos de igualdade, liberdade e segurança para todos os cidadãos.

A outra transformação contextual foi o semifracasso dos governos e partidos social-democratas, principalmente na Europa mas também, mutatis mutandi, na América Latina. Mes-

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mo vencendo eleições e exercendo o poder governamental, os social-democratas não conseguiram muito mais do que atenuar os excessos do neoliberalismo e preservar mal as instituições básicas do Estado de bem-estar social. Não tentaram reverter a privatização dos serviços públicos nem a desregulamentação das finanças mundiais, submetendo as economias nacionais, sobretudo na periferia, aos ditames do grande capital financeiro global.

As duas transformações subverteram a concepção (até então amplamente dominante) de que o caminho da emancipação passa necessariamente pela tomada do poder de Estado. O foco dos movimentos emancipatórios voltou-se então cada vez mais para a sociedade civil: multiplicaram-se as organizações não-governamentais (ONGS) e movimentos de libertação cuja atuação visa preservar o meio ambiente natural, a biodiversidade, o resgate da dignidade humana de grupos oprimidos e discriminados (de que o zapatismo mexicano talvez seja o paradigma) e a promoção de comunidades que por sua própria iniciativa e empenho melhoram suas condições de vida, renovam suas tradições culturais etc.

É neste contexto que se verifica a reinvenção da economia solidária. O programa da economia solidária se fundamenta na tese de que as contradições do capitalismo criam oportunidades de desenvolvimento de organizações econômicas cuja lógica é oposta à do modo de produção dominante. O avanço da economia solidária não prescinde inteiramente do apoio do Estado e do fundo público, sobretudo para o resgate de comunidades mi-seráveis, destituídas do mínimo de recursos que permita encetar algum processo de auto-emancipação. Mas, para uma ampla faixa da população, construir uma economia solidária depende primordialmente dela mesma, de sua disposição de aprender e experimentar, de sua adesão aos princípios da solidariedade, da igualdade e da democracia e de sua disposição de seguir estes princípios na vida cotidiana etc.

Cumpre observar, no entanto, que a reinvenção da economia solidária não se deve apenas aos próprios desempregados e marginalizados. Ela é obra também de inúmeras entidades ligadas, ao menos no Brasil, principalmente à Igreja Católica e a outras igrejas, a sindicatos e a universidades. São entidades de apoio à economia solidária, que difundem entre trabalhadores sem trabalho e microprodutores sem clientes os princípios do cooperativismo e o conhecimento básico necessário à criação de empreendimentos solidários. Além disso, estas entidades de apoio treinam os cooperadores em autogestão e acompanham as novas empresas dando-lhes assistência tanto na realização de negócios como na construção do relacionamento interno da cooperativa.

2. Perspectivas da economia solidária

A reinvenção da economia solidária é tão recente que se toma arriscado projetar a sua tendência de crescimento acelerado para o futuro. Em grande medida, as empresas solidárias são resultados diretos da falência de firmas capitalistas, da subutilização do solo por latifúndios (o que permite, no Brasil, exigir sua expropriação para fins de reforma agrária) e do desemprego em massa. Pode-se projetar a vasta crise do trabalho que atingiu a maioria dos países nos anos 80 e 90 do século xx para as próximas décadas?

É preciso considerar que a abertura de mercados ao comércio e o deslocamento de empresas para países de trabalho barato são mudanças estruturais que tendem a se esgotar no tempo. Provavelmente, nos próximos decênios, o deslocamento de postos de trabalho industriais e de serviços do centro da economia mundial para a periferia perderá intensidade. Muito vai depender também do ritmo de crescimento das economias nacionais, estimuladas por novos padrões de consumo que decorrem dos efeitos não só da revolução

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microeletrônica mas também da genômica e de outras frentes da biotecnologia. E da capacidade das potências dominantes de manter alguma ordem no mercado financeiro global, para evitar que crises financeiras localizadas (que são quase ininterruptas, variando apenas de lugar a cada período) se transformem em crises globais.

Isso significa que se a economia solidária for apenas uma resposta às contradições do capitalismo no campo econômico seu crescimento poderá se desacelerar no futuro e, pior, ela não passará de uma forma complementar da economia capitalista, cuja existência será funcional para preservar fatores de produção - trabalho, terra, equipamentos e instalações - que, se ficassem sem utilização, estariam sujeitos a se deteriorar. Em suma, a economia solidária só teria perspectivas de desenvolvimento se a economia capitalista mergulhasse numa depressão longa e profunda (como a da década de 1930, por exemplo) ou se a hegemonia da burguesia rentista mantivesse a economia da maioria dos países crescendo sempre menos que a elevação da produtividade do trabalho.

Há, no entanto, uma outra alternativa. A economia solidária é ou poderá ser mais do que mera resposta à incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os membros da sociedade desejosos e necessitados de trabalhar. Ela poderá ser o que em seus primórdios foi concebida para ser: uma alternativa superior ao capitalismo. Superior não em termos econômicos estritos, ou seja, que as empresas solidárias regularmente superariam suas congêneres capitalistas, oferecendo aos mercados produtos ou serviços melhores em termos de preço e/ou qualidade. A economia solidária foi concebida para ser uma alternativa superior por proporcionar às pessoas que a adotam, enquanto produtoras, poupadoras, consumidoras etc., uma vida melhor.

Vida melhor não apenas no sentido de que possam consumir mais com menor dispêndio de esforço produtivo, mas também melhor no relacionamento com familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, colegas de estudo etc.; na liberdade de cada um de escolher o trabalho que lhe dá mais satisfação; no direito à autonomia na atividade produtiva, de não ter de se submeter a ordens alheias, de participar plenamente das decisões que o afetam; na segurança de cada um saber que sua comunidade jamais o deixará desamparado ou abandonado. A grande aspiração que, desde os seus primórdios, sempre animou a economia solidária tem sido superar as tensões e angústias que a competição de todos contra todos acarreta naqueles que se encontram mergulha-dos na lógica da "usina satânica", tão bem analisada por Karl Polanyi.

A economia solidária foi concebida pelos "utópicos" como uma nova sociedade que unisse a forma industrial de produção com a organização comunitária da vida social.

"Embora tenha sido a fonte do socialismo moderno, suas propostas não se baseavam na questão da propriedade. que é apenas o aspecto legal do capitalismo. Ao enfocar o novo fenômeno da indústria. como o fez Saint-Simon, reconheceu o desafio da máquina. Porém o traço característico do owenismo era sua insistência no enfoque social: negava-se a aceitar a divisão da sociedade em uma esfera econômica e uma esfera política e por essa razão rechaçava a ação política. A aceitação de uma esfera econômica separada teria implicado o reconhecimento do princípio do ganho e do lucro como força organizadora da sociedade. Owen negou-se a fazê-Io. Seu gênio reconheceu que a incorporação da máquina só seria possível numa nova sociedade. [ ... ] New Lanark havia lhe ensinado que na vida de um trabalhador os salários são somente um de muitos fatores tais como o ambiente natural e doméstico. a qualidade e o preço dos bens. a estabilidade do emprego e a segurança de sua posição. [ ... ] Mas o ajuste incluía muito mais do que isso. A educação de meninos e adultos. a provisão de entretenimento. dança e música e o pressuposto geral de elevadas normas morais e pessoais para velhos e jovens criavam a

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atmosfera em que a nova posição era alcançada pela população industrial em conjunto.” (POLANY, 1944, p.174).

Trata-se duma concepção de socialismo que dominou a infância e a adolescência do movimento operário europeu e que nunca desapareceu inteiramente, mas foi ofuscada pela perspectiva da "tomada do poder" seja pelo voto, após a conquista do sufrágio universal, seja pela força, após a longa série de revoluções armadas vitoriosas, inaugurada pelo Outubro soviético. É a concepção de que é possível criar um novo ser humano a partir de um meio social em que cooperação e solidariedade não apenas serão possíveis entre todos os seus membros mas serão formas racionais de comportamento em função de regras de convívio que produzem e reproduzem a igualdade de direitos e de poder de decisão e a partilha geral de perdas e ganhos da comunidade entre todos os seus membros.

A questão que se coloca naturalmente é como a economia solidária pode se transformar de um modo de produção intersticial, inserido no capitalismo em função dos vácuos deixados pelo mesmo, numa forma geral de organizar a economia e a sociedade, que supere sua divisão em classes antagônicas e o jogo de gato e rato da competição universal. O que implica que os empreendimentos solidários, que hoje se encontram dispersos territorial e setorialmente, cada um competindo sozinho nos mercados em que vende e nos que compra, teriam que se agregar num todo economicamente consistente, capaz de oferecer a todos os que a desejassem a Oportunidade de trabalhar e viver cooperativamente.

A economia solidária teria que gerar sua própria dinâmica em vez de depender das contradições do modo dominante de produção para lhe abrir caminho. Não se pode excluir a possibilidade de que o capitalismo passe nas próximas décadas por uma fase de alta, com ganhos de consumo, produção e produtividade análogos aos dos 30 anos dourados do pós-Segunda Guerra Mundial. Nesta hipótese, o desemprego diminuiria, assim como a quantidade de empresas falidas e a massa dos socialmente excluídos. Estas fontes de crescimento da economia solidária sofreriam forte contração. Em compensação, as empresas solidárias já formadas teriam importantes estímulos de mercado para se expandir e diversificar, para não só crescer em tamanho mas se multiplicar, seja por subdivisão das cooperativas em expansão, seja pelo apoio das mesmas à criação de novas empresas solidárias. A partir de 1956, durante os anos dourados, o Complexo Cooperativo de Mondragón praticou todas estas modalidades de expansão.

A trajetória de Mondragón é uma clara demonstração de que isso poderá ser novamente possível, em qualquer país em que a economia solidária tenha se difundido. Seria imprescindível erguer um sistema de crédito cooperativo que desse suporte financeiro a esse crescimento e ao mesmo tempo incubasse os novos empreendimentos (como a Caja Laboral Popular de Mon-dragón tem feito sistematicamente). Outro pré-requisito seria construir um sistema de geração e difusão de conhecimento, para dar formação técnica e ideológica aos futuros integrantes da eco-nomia solidária.

Esta via de crescimento da economia solidária pode desembocar em duas formas muito distintas de relacionamento com a economia inclusiva, dominada pelo capital. Uma destas formas seria o isolamento: a economia solidária tenderia a constituir um todo auto-suficiente, protegido da competição das empresas capitalistas por uma demanda ideologicamente motivada - o chamado cal/sI/mo solidário, que dá preferência a bens e serviços produzidos por empreendimentos solidários. Já existe um movimento nesse sentido, promotor do comércio "justo" (fair trade) procura convencer o público de que deve comprar não em função do seu proveito individual (a melhor mercadoria em termos de preço e qualidade), mas em função

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do modo como bens e serviços são produzidos.

Euclides Mance (2000, p. 30) escreve:

"Consumir um produto que possui as mesmas qualidades que os similares - sendo ou não um pouco mais caro - ou um Produto que tenha uma qualidade um pouco inferior aos similares - embora seja também um pouco mais barato - com a finalidade indireta de promover o bem-viver da coletividade (manter empregos, reduzir jornadas de trabalho, preservar ecossistemas, garantir serviços públicos não-estatais etc.) é o que denominamos aqui como consumo solidário".

A partir desta fundamentação, Mance (2000, p. 32) abre a perspectiva da constituição de uma sociedade pós-capitalista:

"[...] os excluídos, isoladamente, não têm como competir com o capital. O fator preponderante até agora na permanência ativa destas novas unidades produtivas, precárias e de pequenas proporções, é o consumo solidário que elas agenciam. Contudo, quando um movimento de redes integrar a todas, e elas se conectarem em cadeias produtivas, consumindo e produzindo prioritariamente para ampliar a própria rede, que se expande multiplicando-se em novas células, então um novo movimento de geração de riquezas se desenvolverá progressivamente, em razão da incorporação ao processo produtivo dos trabalhadores atualmente excluídos. A qualificação da produção e o aumento da produtividade permiti rão uma progressiva redução da jornada laboral. E uma nova so-ciedade pós-capitalista estará surgindo, centrada não somente no consumo solidário, mas no consumo em razão do bem-viver".

Pela descrição do consumo solidário de Mance, fica claro que este oferece uma margem limitada de proteção às mercadorias produzidas pelos excluídos, pois para poderem ser vendidas elas podem ser apenas "um pouco" mais caras ou "um pouco" inferiores em qualidade. É fácil perceber que, se a distância entre preço e qualidade da produção capitalista e da produção solidária for mais do que "um pouco", a quantidade de mercadorias compradas solidariamente cai rapidamente, pois apenas um punhado de consumidores solidários ricos e caridosos se disporia a adquiri-Ias.

Além disso, se a maioria dos que praticam consumo solidário for constituída pelos próprios trabalhadores das cooperativas autogeridas, o seu limitado poder aquisitivo impede que o consumo solidário seja mais do que uma fração irrisória do consumo total. O que implica que os empreendimentos solidários precisariam vender o grosso de suas mercadorias a consumidores que não vão lhes dar preferência por solidariedade. Eles seriam, pois, obrigados a competir diretamente com firmas capitalistas, em termos de preço e qualidade.

Sem dúvida há um esforço militante por parte de paróquias e dioceses da Igreja para promover o consumo solidário por parte dos fiéis, mas os resultados são medíocres, ajulgar pelo fato de que a maioria das unidades solidárias de produção, que dependem do mercado solidário, se mostra incapaz de crescer e de elevar sua produtividade ao patamar da produtividade média das empresas capitalistas. Daí se segue o principal argumento contra a proposta de consumo solidário: ao proteger pequenas unidades solidárias de produção, o consumo solidário lhes poupa a necessidade de se atualizar tecnicamente, levando-as a se

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acomodar numa situação de inferioridade. em que ficam vegetando.

A proposta de isolar a economia solidária do seu entorno capitalista só adquiriria efetividade, no sentido de propiciar o surgimento de uma sociedade pós-capitalista, se as unidades produtivas e as comunidades de compras solidárias se integrassem em rede e desenvolvessem padrões de consumo consideravelmente diferentes dos prevalecentes na economia capitalista. Prenúncio de algo assim poderia ser a recusa das comunidades, que se opõem ao capitalismo, de consumir produtos transgênicos e de sua preferência por alimentos provenientes da agricultura orgânica. O estilo de vida de tais comunidades favorece o consumo de produtos artesanais e étnicos e o uso de serviços que não produzem emissões de gases que possam agravar o efeito estufa. Não obstante, esta diferenciação do consumo é restrita demais para constituir um padrão distinto do capitalista. Os membros dessas comunidades participam das modalidades de consumo habituais, exceto as acima mencionadas.

Se a grande maioria do público se mantiver nos padrões de consumo desenvolvidos sob a égide do grande capital, como até agora tem feito, os empreendimentos solidários terão de se tomar realmente competitivos. E mesmo se determinados produtos alternativos acabarem se tomando objeto de consumo de massa (como os blue-jeans nos anos 60, por exemplo), nada impedirá o surgimento de empresas capitalistas que os produzirão com máxima produtividade e os venderão a preços mínimos, para tomar o mercado das cooperativas e das unidades familiares de produção.

Então a forma mais provável de crescimento da economia solidária será continuar integrando mercados em que compete tanto com empresas capitalistas como com outros modos de produção, do próprio país e de outros países. O consumo solidário poderá ser um fator de sustentação de algumas empresas solidárias, do mesmo modo como o são os clubes de troca. Mas a economia solidária só se tornará uma alternativa superior ao capitalismo quando ela puder oferecer a parcelas crescentes de toda a população oportunidades concretas de auto-sustento, usufruindo o mesmo bem-estar médio que o emprego assalariado proporciona. Em outras palavras, para que a economia solidária se transforme de paliativo dos males do capita-lismo em competidor do mesmo, ela terá de alcançar níveis de eficiência na produção e distribuição de mercadorias comparáveis aos da economia capitalista e de outros modos de produção, mediante o apoio de serviços financeiro e científico-tecnológico solidários.

Atualmente, a maioria dos empreendimentos solidários é de caráter intersticial. Surgiram corno respostas a crises nas empresas, ao desemprego e à exclusão social. Mas, em determinadas regiões, a economia solidária atingiu densidade tal que domina a vida econômica e pauta a sua expansão. Mondragón é o exemplo mais acabado, mas no mesmo contexto cabe citar Emilia Romana na Itália, Québec no Canadá, Grande Buenos Aires na Argentina (em que prevalecem clubes de troca), o Grameen Bank em Bangladesh c, quem sabe, nos próximos anos a região de Catende, no sul da Zona da Mata pernambucana, onde a maior agroindústria açucareira da América Latina se encontra em autogestão desde 1995.

No Brasil, a reinvenção da economia solidária é recente, mas apresenta grande vigor e notável criatividade institucional. São invenções brasileiras a Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de Autogestão e de Participação Acionária (Anteag), que já orientou a conversão de centenas de empresas em crise em cooperativas, e as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPS) inseridas em universidades, das quais 13 formam uma rede e outras tantas desenvolvem atividades análogas ligadas à Fundação Unitrabalho, integrada por mais de 80 universidades de todo o país. As incubadoras organizam comunidades periféricas em cooperativas mediante a incubação, um complexo processo de formação pelo qual as práticas tradicionais de solidariedade se transformam em instrumentos de emancipação.

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Economia Solidária no Brasil

O cooperativismo chegou ao Brasil no começo do século XX trazido pelos emigrantes europeus. Tomou principalmente a forma de cooperativas de consumo nas cidades e de cooperativas agrícolas no campo. As cooperativas de consumo eram em geral por empresa e serviam para proteger os trabalhadores dos rigores da carestia. Nas décadas mais recentes, as grandes redes de hipermercados conquistaram os mercados e provocaram o fechamento da maioria das cooperativas de consumo. As cooperativas agrícolas se expandiram e algumas se transformaram em grandes empreendimentos agroindustriais e comerciais. Mas nenhuma destas cooperativas era ou é autogestionária. Sua direção e as pessoas que as operam são assalariadas, tanto nas cooperativas de consumo como nas de compras e vendas agrícolas. Por isso não se pode considerá-las parte da economia solidária.

Com a crise social das décadas perdidas de 1980 e de 1990, em que o país se desindustrializou, milhões de postos de trabalho foram perdidos, acarretando desemprego em massa e acentuada exclusão social. a economia solidária reviveu no Brasil. Ela assumiu em geral a forma de cooperativa ou associação produtiva. sob diferentes modalidades mas sempre autogestionárias, de que trataremos resumidamente a seguir.

Ainda nos 1980, a Cáritas, entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNSS), financiou milhares de pequenos projetos denominados PACS, Projetos Alternativos Comunitários. Uma boa parte dos PACs destinava-se a gerar trabalho e renda de forma associada para moradores das periferias pobres de nossas metrópoles e da zona rural das diferentes regiões do país. Uma boa parte dos PACs acabou se transformando em unidades de economia solidária, alguns dependentes ainda da ajuda caritativa das comunidades de fiéis, outros conseguindo se consolidar economicamente mediante a venda de sua produção no mercado. Há PACS em assentamentos de reforma agrária liderados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), confluindo com o cooperativismo agrícola criado pelos trabalhadores sem-terra.

Outra modalidade foi a tomada de empresas falidas ou em via de falir pelos seus trabalhadores, que as ressuscitam como cooperativas autogestionárias. Foi uma forma encontrada pelos trabalhadores de se defender da hecatombe industrial, preservando os seus postos de trabalho e se transformando em seus próprios patrões. Após casos isolados na década de 1980, o movimento começou em 1991 com a falência da empresa calçadista Makerli, de Franca (SP), que deu lugar à criação da Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária (Anteag), à qual estão hoje filiadas mais de uma centena de cooperativas. A mesma atividade de fomento e apoio à transformação de empresas em crise em cooperativas de seus trabalhadores é desenvolvida pela União e Solidariedade das Cooperativas do Estado de São Paulo (UNISOL).

O MST conseguiu assentar centenas de milhares de famílias em terras desapropriadas de latifúndios improdutivos. O movimento decidiu que promoveria

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a agricultura sob a forma de cooperativas autogestionárias. dando lugar a outra modalidade de economia solidária no Brasil. Para realizar isso, "criou em 1989 e 1990 o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA). Passados dez anos de sua organização, o SCA conta com 86 cooperativas distribuídas em diversos estados brasileiros, divididas em três formas principais em primeiro nível: Cooperativas de Produção Agropecuária, Cooperativas de Prestação de Serviços e Cooperativas de Crédito"1.

Um outro componente da economia solidária no Brasil é formado pelas cooperativas e grupos de produção associada, incubados por entidades universitárias, que se denominam Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPS). As ITCPS são multidisciplinares, integradas por professores, alunos de graduação e pós-graduação e funcionários, pertencentes às mais diferentes áreas do saber. EIas atendem grupos comunitários que desejam trabalhar e produzir em conjunto. dando-Ihes formação em cooperativismo e economia solidária e apoio técnico, logístico e jurídico para que possam viabilizar seus empreendimentos autogestionários.

Desde 1999, as ITCPS constituíram uma rede, que se reúne periodicamente para trocar experiências. aprimorar a metodologia de incubação e se posicionar dentro do movimento nacional de economia solidária. No mesmo ano, a rede se filiou à Fundação Unitrabalho, que reúne mais de 80 universidades e presta serviços, nas mais diferentes áreas, ao movimento operário. A Unitrabalho desenvolve desde 1997 um programa de estudos e pesquisas sobre economia solidária. Um crescente número de núcleos da Unitrabalho em universidades acompanha e assiste às cooperativas, numa atividade que. sob muitos aspectos, se assemelha às das ITCPS.

Prefeituras de diversas cidades e alguns governos de estados têm contratado ITCPS, a Anteag, a UNISOL e outras entidades de fomento da economia solidária para capacitar beneficiados por programas de renda mínima, frentes de trabalho e outros programas congêneres. O objetivo é usar a assistência social como via de acesso para combater efetivamente a pobreza mediante a organização dos que o desejarem em formas variadas de produção associada, que Ihes permita alcançar o auto-sustento mediante seu próprio esforço produtivo.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical brasileira, criou em 1999, em parceria com a Unitrabalho e o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS). A ADS vem difundindo conhecimentos sobre a economia solidária entre lideranças sindicais e militantes de entidades de fomento da economia solidária, por meio de cursos pós-graduados em várias universidades, em parceria com a Unitrabalho. Uma de suas atividades prioritárias é a criação de cooperativas de crédito com o objetivo de estabelecer uma rede nacional de crédito solidário, em parceria com o Rabobank, importante banco cooperativo holandês.

Por ocasião do primeiro Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre em 2001, foi lançada a Rede Brasileira de Sócio-Economia Solidária, integrada por diversas entidades de fomento da economia solidária de todo o país. É uma rede eletrônica que enseja o intercâmbio de notícias e opiniões e está se transformando também em rede eletrônica de intercâmbio comercial entre cooperativas e

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associações produtivas e de consumidores.

Este quadro sintético da economia solidária no Brasil é incompleto, pois se restringe às informações disponíveis no momento (fevereiro de 2002). É muito provável que outras iniciativas de economia solidária estejam se desenvolvendo no vasto território de nosso país.

Nota:

1. FERREIRA, Elenar. "A cooperação no MST: da luta pela terra à gestão coletiva dos meios de produção." In SINGER e SOUZA (org.). Economia Solidária no Brasil: autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo, Editora Contexto, 2000.

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GRUPOS DE ESTUDOS SINDICAIS

A prática educativa deve fomentar permanentemente, espaços reflexivos para envolver mais companheiros e companheiras, extrapolando os que já temos na formação programada (tempo-escola). No tempo-escola devemos construir meios de realizar o tempo-comunidade, espaço de Pesquisa de campo (diagnóstica) e de constituição de Grupos de Estudos Sindicais (GES) que precisam ser incorporados na vida cotidiana da militância do MSTTR.

A ENFOC foi constituída para fortalecer e transformar a prática político-sindical por meio de itinerários formativos que apontem na perspectiva de emancipação da classe trabalhadora, assim como previsto no Projeto Político Pedagógico (PPP). O GES enquanto parte do itinerário da Escola visa estabelecer vínculos com o cotidiano sindical, de modo a trazer a realidade para a reflexão coletiva e ao mesmo tempo transformá-la. Isto pressupõe olhar para as nossas práticas –individuais e coletivas-, e assim rompermos com preconceitos que “acorrentam” a nossa vida nos torna escravos da nossa própria história. Oportunizar aos sujeitos – homens e mulheres – condições efetivas para que os mesmos superem as desigualdades e discriminação é condição necessária à existência da Escola para romper as velhas práticas a partir da leitura de mundo e para ampliamos a nossa capacidade de combater e eliminar preconceitos e discriminações de gênero, de geração, de raça e etnia.

Deverão cumprir o papel de:

Aprofundar o conhecimento sobre a história, lutas, símbolos do Movimento Sindical, e de temáticas relacionadas à ação e organização sindical, ao PADRSS e ao papel do MSTTR enquanto sujeitos sociais.

Propiciar um espaço de formação na ação e permanente nas comunidades e municípios, com a organização de grupos vinculados aos Sindicatos e as Federações de Trabalhadores (as) Rurais.

Contribuir com o fortalecimento dos coletivos do MSTTR enquanto instâncias potencializadoras da transformação que almejamos, bem como estimular e contribuir com a organização de secretarias e coletivos de formação nos Sindicatos de Trabalhadores (as) Rurais e da Federação.

Estimular a cultura do estudo e diálogos reflexivos entre dirigentes, lideranças e assessores sindicais, e a dimensão da pesquisa dos temas sindicais trazendo as especificidades regionais.

Difundir a estratégia da Política Nacional de Formação – estimular a compreensão acerca da inter e intra-relação entre a ação dos GES e a estratégia de formação política sindical do MSTTR.

Na organização dos Grupos de Estudos Sindicais devemos:

Considerar o legado da Educação Popular na sua concepção do processo educativo, no papel da educação, compreendendo-a para além do enfoque metodológico. Valorizar sua dimensão política da educação do/a trabalhador/a, da formação classista (consciência crítica).

O êxito na implementação desse itinerário formativo, pressupõe:

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1.Paciência pedagógica : não podemos amarrar o itinerário em tempos inflexíveis. Nesse sentido, a construção deverá ter como premissa o convencimento permanente do itinerário e o PPP.

2.Projeto Político Pedagógico em permanente atualização e debate.

3.Respeito à diversidade dos sujeitos do campo: agricultores (as), assentados (as), ribeirinhos, assalariados (as), extrativistas, quilombolas organizando o itinerário formativo, considerando, o tempo e a dinâmica de moradia e de trabalho de cada grupo.

4.Considerar nos estudos as diferentes modulações do ser humano de gênero, geração, raça/etnia, necessidades educativas especiais, e questões relacionadas ao meio ambiente e a dimensão cultural das comunidades rurais.

ORGANIZAÇÃO DOS GRUPOS DE ESTUDOS SINDICAIS

Os GES devem ser planejados e incorporados na agenda sindical, enquanto atividade formativa (estudo de grupo e auto-formaçao). Constituir-se-ão também em momentos de reflexão da prática política do dia-a-dia (formação na ação) – a partir das lutas e espaços de proposição, discussão e aprovação de propostas do MSTTR.

A participação efetiva das Federações na organização e funcionamento dos GES é fundamental para o êxito da estratégia. Os GES devem ser animados e coordenados pelos (as) dirigentes, assessores (as) e militantes que participaram/participam dos cursos nacional e regionais de Formação de Educadores (as) em Concepção e Prática Sindical e em Metodologias da ENFOC, espaços estes onde os subsídios e a metodologia de funcionamento e implementação dos GES serão construídos. A intencionalidade dessa dimensão estratégica da formação é de concretizar na prática o efeito multiplicador referenciado no Projeto Político Pedagógico-PPP.

Os GES deverão ser organizados com um número de no mínimo 05 (cinco) pessoas e no máximo 15 (quinze) pessoas que deverão preencher uma ficha de inscrição, cuja listagem deverá encaminhada para as Secretarias de Formação das Federações e/ou CONTAG.

Na primeira reunião do Grupo de Estudo deverá ser definido os locais, periodicidade e forma de organização do grupo (agenda de encontros dos GES).

Os GES deverão ter preferencialmente uma organização por comunidade ou assentamento rural.

Cada GES deverá ter uma relatoria (periodicamente revesada) responsável pela sistematização dos estudos e memória do grupo.

A pesquisa diagnóstica será um caminho metodológico importante para o desenvolvimento dos estudos e aprofundamento das temáticas nos GES.

Animação, Mobilização e planejamento com o grupo das ações a serem desenvolvidas no GES:

i. Incentivar o pensamento estratégico no planejamento das ações sindicais.ii. Construir agenda de encontros dos GES.iii. Sistematizar as reflexões dos GES.

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iv. Estimular a potencialização da capacidade de retro-alimentar a ação sindical (perspectiva prática-teoria-prática).

v. Estimular a implantação e consolidação de novos grupos de forma intencional e planejada.

vi. Sistematizar os passos dados e os estudos realizados por cada GES.

Elaborar um plano de implementação e de funcionamento de GES nos estados, considerando:

1. Objetivos dos estudos. 2. Público 3. Roteiro da atividade (abordagens metodológicas)4. Temas a serem abordados (conteúdo)5. Caracterização da animação dos Grupos (papel dos educadores e educadoras)6. Material de apoio

PESQUISA DE CAMPO

A pesquisa diagnóstica está associada à prática sindical, que é ao mesmo tempo, objeto de pesquisa e de transformação social. Os sujeitos envolvidos (pesquisadores e pesquisadoras) são formuladores da nova prática que se desenha a partir da própria ação.

Trata-se de uma ação individual e coletiva de levantar informações sobre aspectos da realidade propiciando envolvimento da comunidade no âmbito local. A escuta deve alcançar vários segmentos e ampliar o leque de olhares. A pesquisa pode ser complementada com documentos, fotos, vídeos, publicações, etc.

No caso do itinerário formativo da ENFOC, a pesquisa deverá acontecer entre um módulo e outro e os momentos de reencontro do grupo terão momentos de socialização das pesquisas, reflexão e diálogos com a prática sindical. São também espaços de elaboração dos passos seguintes do itinerário formativo. A pesquisa tem como objetivo aproximar ao máximo a prática e a formação sindical.

As atividades serão socializadas e re-programadas nos espaços do tempo escola seguintes e, posteriormente assumidos enquanto ação permanente das Federações através de seus coletivos estaduais de formação e da rede de educadores (as). As secretarias estaduais de formação cumprirão o papel de animar, acompanhar o processo de construção e desenvolvimento e sistematizar a experimentação dos GES.

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ANEXO:

ANAIS DO9º CONGRESSO NACIONAL DE

TRABALHADORES E TRABALHADORASRURAIS

Brasília – DF, 28/02, 1º, 2, 3 e 4 de março de 2005CONTAG – FETAGs – STRs

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PROJETO ALTERNATIVO DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVELPOTENCIALIDADES, AVANÇOS E DESAFIOS NOS ÚLTIMOS 10 ANOS

INTRODUÇÃO

50. Os anos 80, marcados pelo processo de democratização do país, trouxeram para a cena pública diversos e diferentes sujeitos políticos: Movimento Sindical, Movimento Popular, Movimento Feminista, Movimento Indígena, Igrejas, partidos políticos, etc, que se aglutinaram em torno da construção de um projeto democrático, popular, justo e igualitário para o Brasil.

51. Neste momento, era necessário e urgente reorientar e fortalecer as instituições políticas brasileiras para torná-las aptas à construção deste projeto de sociedade.

52. No campo, surge o debate sobre a emergência de novos sujeitos de base que se organizam dentro da estrutura e organização sindical, em especial as mulheres trabalhadoras rurais que fizeram a opção de articular a luta feminista com a luta sindical, bem como, a juventude e a 3ª idade.

53. Os anos 90 ou a era dos governos Collor e FHC se traduziram em momentos de grave crise política e econômica, mobilizando diversos setores da sociedade brasileira para se contrapor ao projeto neoliberal.

54. Neste contexto, em 1991, no seu 5º CNTR, o MSTTR identifica a necessidade de construir um Projeto Alternativo de Desenvolvimento, que orientasse a ação sindical para a superação dos problemas oriundos dos modelos de desenvolvimento excludentes, que sempre foram impostos para o campo brasileiro.

55. Para se tornar sujeito protagonista no processo de implementação desse projeto era preciso definir políticas de fortalecimento das nossas entidades sindicais e compreender as diversas dinâmicas de desenvolvimento rural. Essa tarefa foi fortalecida e tomou uma dimensão mais estratégica com a filiação da CONTAG a CUT, em abril de 1995.

56. A partir do 6º CNTTR, foram realizados seminários regionais de diagnostico da realidade, que subsidiaram a construção do Projeto CUT/CONTAG de Pesquisa e Formação Sindical, que mobilizou mais de 5 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais. Esta pesquisa se somou a elaboração que vinha sendo realizada pelo MSTTR em torno da construção de um Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário - PADRSS, aprovado em 1995, no 6º CNTTR. As primeiras mobilizações do Grito da Terra Brasil foram, por sua vez, os

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espaços de formulação, articulação, proposição e negociação de políticas públicas, que buscaram dar materialidade às proposições do PADRSS.

57. O PADRSS foi concebido como estratégia de enfrentamento ao projeto neoliberal e de superação do modelo agrário e agrícola vigente no país, pautados no latifúndio e no agronegócio. As bases essenciais para construção deste Projeto de Desenvolvimento são a realização da ampla e massiva reforma agrária e a ampliação, valorização e fortalecimento da Agricultura Familiar. Quanto aos assalariados e assalariadas rurais, considerados os proletariados agrícolas, a estratégia é torna-los protagonistas deste projeto de desenvolvimento, principalmente nas áreas de maior resistência da agricultura patronal.

58. O PADRSS, ao propor a construção e implementação permanente e sistemática do desenvolvimento sustentável no meio rural, definiu que a sustentabilidade deste projeto depende das lutas das trabalhadoras e trabalhadores pela terra, política agrícola diferenciada, defesa e ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários, política permanente de valorização do salário mínimo, erradicação do trabalho infantil e escravo, educação do campo, saúde integral pública e gratuita, respeito à auto-determinação das populações tradicionais, preservação do meio ambiente e superação da desigualdade de gênero e de todas as formas de discriminação, inclusive, a luta dos jovens.

59. O 7º e 8º CNTTR, bem como o 2º CNETTR, a 1ª PNTTR, os “GRITOS DA TERRA BRASIL”, as “MARCHAS DAS MARGARIDAS”, as ocupações de terras e de prédios públicos e outras ações de massa, foram incorporando novas temáticas, ampliando a concepção e fortalecendo a prática do PADRSS em suas várias dimensões.

60. Passados quase 10 anos, o 9º CNTTR precisa fazer uma avaliação da prática do MSTTR no processo de construção e implementação do PADRSS, levando em conta o novo cenário político brasileiro e as tendências de sustentabilidade do desenvolvimento rural. O país vive um momento histórico e, por isso, deve ser implantado o PADRSS, para combater o desemprego e fixar homens e mulheres no campo.

CONCEPÇÃO E PRÁTICA DO PADRSS E A RELAÇÃO COM AS NOVAS TENDÊNCIAS SOBRE DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE

61. O conceito de desenvolvimento e sustentabilidade utilizado pelo MSTTR é uma idéia em construção, portanto não existe um caminho único para sua realização. Esta proposta incorpora e se articula com o pensamento de diversos setores da sociedade nacional e internacional, que utiliza a noção de desenvolvimento sustentável como portadora de um novo projeto de sociedade, capaz de garantir, no presente e no futuro, a sobrevivência dos grupos sociais e preservação da natureza.

62. O PADRSS propõe romper com o preconceito anti-rural incorporado na cultura brasileira de que o campo está associado ao passado e ao atraso.

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Além deste, se propõe a romper com outro senso comum de campo, enquanto espaço de guerra por conta dos conflitos agrários, ou ultramoderno projetado pelo agronegócio.

63. No PADRSS o meio rural é concebido como um espaço político, social, econômico, produtivo, ambiental e cultural, que têm sujeitos organizados e dinâmicas de desenvolvimento potencializadoras da sustentabilidade. Do total de 5.507 municípios brasileiros existentes até o ano 2000, mais de 4.485 municípios fazem parte do Brasil Rural, pois têm menos de 50 mil habitantes e cerca de 80 habitantes por Km2. Neste sentido, o PADRSS se propõe a ser um processo permanente de produção e reprodução de qualidade vida para o conjunto das trabalhadoras e trabalhadores rurais, contribuindo para a melhoria de vida das populações rurais e urbanas.

64. A estratégia a ser adotada pelos STTRs, FETAGs e a CONTAG, deve se orientar pela participação política e a gestão democrática na comunidade, município, território ou região, transformando os excluídos e marginalizados em cidadãos e cidadãs; nunca perdendo de vista a articulação entre o local, regional, territorial com o global, e o rural com o urbano, na perspectiva de uma sociedade justa, democrática, igualitária e solidária.

65. A territorialidade já é uma estratégia adotada pelo MSTTR em diversas ações, inclusive em parceria com programas e projetos governamentais, como o PDHC – Projeto Dom Hélder Câmara, Projeto de Capacitação em Desenvolvimento Territorial Sustentável, com ênfase na Educação do Campo e o Projeto de Formação de Multiplicadores(as) em Gênero, Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos.

66. É necessária a participação efetiva do MSTTR nos processos políticos e eleitorais e nos espaços de concepção e gestão de políticas públicas, em todos os níveis, para reverter o processo neoliberal e viabilizar políticas públicas necessárias à implementação do PADRSS.

67. Isto porque, a concepção e prática de desenvolvimento rural estão em disputa entre diversos setores sociais e governamentais. Dessa forma é necessário que o 9º CNTTR defina estratégias de afirmação e visibilidade do PADRSS, ao nível local, estadual, regional e nacional.

68. É fundamental, também, que os STTRs, FETAGs e CONTAG estabeleçam um diálogo amplo e permanente com a sociedade, em torno da concepção de espaço rural e do desenvolvimento sustentável que propomos.

69. Este diálogo deve se orientar na construção de relações sociais que na prática incorporem a solidariedade e a cooperação mútua entre os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, em contraposição ao individualismo, que é a marca central do neoliberalismo.

70. O 9º CNTTR, aprofundou a discussão e deliberou pela inclusão do termo “solidariedade” ao nome do PADRS, passando a ser denominado de

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Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário - PADRSS.

Propostas:

Potencializar a participação nos fóruns de discussão sobre a economia solidáriaA POLÍTICA TRANSVERSAL DE GÊNERO, GERAÇÃO, RAÇA E ETNIA NO PADRSS

71. O desenvolvimento da pessoa, em sua integralidade, deve orientar a construção e implementação do PADRSS. Isto significa que o MSTTR deve assumir o compromisso de transformar as estruturas que sustentam as relações entre as pessoas, pois não haverá sustentabilidade nos processos de desenvolvimento sem o estabelecimento de relações sociais, justas, democráticas, igualitárias e solidárias.

72. Neste sentido o MSTTR deve estar em constante diálogo com todos os sujeitos políticos que compõem a categoria trabalhadora rural, garantindo a sua participação, reconhecendo as suas diferenças e especificidades e incorporando as suas respectivas demandas, especialmente os mais excluídos e discriminados como mulheres, jovens, 3ª idade, idosos. Esses princípios dão maior legitimidade ao nosso projeto político.

73. Alguns avanços significativos já vêm acontecendo, a exemplo da aprovação da cota de mulheres, participação crescente de mulheres e jovens nos cargos de direção do MSTTR, ampliação e fortalecimento das comissões de mulheres, ações de massa como a Marcha das Margaridas, e mais recentemente a criação das comissões de jovens e pessoas da 3ª idade. Onde foram desenvolvidas ações do PADRSS/PDLS houve uma maior motivação da base demonstrando a necessidade de participação das mulheres. Garantir a ampliação do PADRSS/PDLS para todos os municípios, pois isto permitirá o avanço das conquistas e da organização das mulheres.

74. É importante entender que a cota mínima de participação no MSTTR surge como instrumento de democratização das relações de poder entre mulheres e homens, contribuindo para o reconhecimento das mulheres como sujeitos políticos, assegurando a sua participação direta em todos espaços formativos e de decisão da CONTAG, FETAGs e STRs. Embora importantes e necessárias, a cota sozinha e a estruturação de uma secretaria de mulheres não tem sido suficientes para superar os problemas relacionados às desigualdades de gênero. É urgente e necessário também ampliar e fortalecer as comissões de mulheres em todas as instâncias do MSTTR, pois são nesses espaços que as mulheres se articulam e buscam construir unidade em torno de questões comuns,

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refletem sobre sua realidade específica e elaboram propostas para serem articuladas e incorporadas às lutas gerais do MSTTR.

75. A participação organizada das mulheres tem motivado, ainda que de forma diferenciada, a participação organizada de jovens e 3º idade.

76. Tem sido importante também para incorporar no nosso projeto político o enfoque da igualdade de gênero, articulado com a dimensão de classe, geração, raça e etnia. Na prática, isso significa que todas políticas e ações do MSTTR devem estar voltadas para o desenvolvimento da pessoa na sua integralidade.

77. O desafio está em superar alguns equívocos de concepção, investir na formação de lideranças e dirigentes do MSTTR em torno destes temas, sensibilizando-os e comprometendo-os para a construção de novas práticas. Para qualificar o PADRSS o enfoque de gênero deve transversalizar/perpassar todas as políticas e ações do MSTTR.

78. Gênero no PADRSS é um conceito em construção, que articula a dimensão de classe, geração, raça e etnia, e serve para entender as relações de poder e de hierarquia estabelecidas entre mulheres e homens na família, na comunidade, no local de trabalho, no sindicato, e na sociedade em geral.

79. É importante compreender que estas desigualdades estão fundamentadas em aspectos culturais, estruturais e institucionais, tendo pôr base o modelo de família patriarcal e a divisão sexual do trabalho. A ideologia patriarcal se sustenta na idéia de que o homem representa a família em todos os assuntos externos e é o administrador da propriedade familiar. Já a divisão sexual do trabalho fundamenta a idéia do homem ser socialmente reconhecido como agricultor e a mulher como doméstica ou “ajudante”. Essa visão discriminatória revela uma profunda desigualdade nas relações entre mulheres e homens, uma vez que não valoriza e não reconhece a quantidade de tempo que as mulheres dedicam às atividades agrícolas e não-agrícolas produtivas. Muito menos atribuem um valor econômico ao trabalho doméstico, fundamental para viabilizar a agricultura familiar, não fazendo a inter-relação entre o trabalho doméstico, o cuidado com os filhos e a reprodução e manutenção da força de trabalho na agricultura familiar. Com prejuízo para o acesso aos benefícios da Previdência Social.

80. Por esta razão, o foco central da nossa política transversal de gênero é contribuir para a construção de novas relações entre mulheres e homens baseadas na igualdade de direitos e oportunidades. A estratégia política é reconhecer e empoderar as mulheres como sujeitos políticos, contrapondo-se à condição de opressão e subordinação imposta pelo capitalismo e patriarcado. Empoderar as mulheres significa reconhecê-las como sujeitos políticos, fortalecer sua organização no MSTTR, valorizar suas habilidades e capacidades políticas, sociais, econômicas, produtivas e culturais, assegurando sua participação direta nos espaços de decisão e poder do MSTTR e nos espaços de formulação e gestão de políticas públicas de desenvolvimento sustentável.

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81. Geração no PADRSS é um conceito que explicita o papel social que cada pessoa cumpre nas diferentes fases da vida: infância, adolescência, juventude, adulto, terceira idade e idosos. Estes papéis se alteram de acordo com a época e história de cada sociedade. Diferente das questões de gênero que dirigem um apelo para o fim da desigualdade, subordinação e opressão das mulheres, o enfoque geracional faz um apelo sobre a valorização e as oportunidades de inserção social de jovens, 3ª idade e idosos na sociedade.

82. Juventude Rural: Para o MSTTR jovem rural são mulheres e homens que vivem e trabalham no meio rural, e se encontram na idade de 16 a 32 anos. Ser jovem é uma condição relativa e transitória, pois logo entrarão nas outras fases da vida. Entretanto, é na fase da juventude que as pessoas vão afirmando suas identidades sociais e profissionais, e definindo sua formação física, intelectual, psicológica e emocional. Dessa forma, é importante estarmos abertos para entender os processos de mudanças e definições que se apresentam nesta fase da vida. Neste sentido, ressaltamos que os critérios de faixa etária (18 a 24 anos), estabelecidos pelos gestores públicos e instituições multilaterais e bilaterais não dialogam com a realidade da juventude rural, precisando ser avaliados e alterados, para que seja adotado o conceito de juventude utilizado pelo MSTTR.

83. É a partir do 8º CNTTR, em 2001, que a juventude rural se organiza nacionalmente no MSTTR, dando visibilidade às novas lutas, já que em alguns estados havia organizações de jovens. O foco central de nossa política é elevar a auto-estima da juventude, incentivar e fortalecer a sua organização e formação política, apresentar propostas de políticas sindicais e políticas públicas que promovam e efetivem a inserção social da juventude no meio rural em nível nacional reafirmando a consciência de classe e o fortalecimento do trabalho coletivo e solidário.

84. A construção de políticas voltadas para atender os anseios da juventude é um investimento que o MSTTR está fazendo para os (as) jovens trabalhadores e trabalhadoras rurais de hoje e os (as) adultos de amanhã. Neste sentido, as questões da juventude devem perpassar todas as políticas e ações sindicais. As propostas políticas da juventude devem ser de responsabilidade compartilhada entre as Coordenações e Comissões de Jovens trabalhadores e trabalhadoras do MSTTR e as demais secretarias e setores do movimento sindical.Sabemos da importância da mobilização de todos os setores, mas não podemos permitir que esta setorização contribua para a divisão do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.

85. 3ª idade no PADRSS é uma forma de valorizar os conhecimentos e saberes de mulheres e homens que estão acima dos 50 anos de idade, que vivem e trabalham no meio rural . É também uma forma de reconhecer a contribuição dessas pessoas na construção do Movimento Sindical, na vida familiar, na vida comunitária e na sociedade em geral.

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86. No MSTTR é predominante a participação de mulheres e homens acima dos 50 anos de idade nos espaços de direção do MSTTR. É visível também como associados dos STTRs, até porque é nesta fase da vida que essas pessoas procuram assegurar seu direito à aposentadoria. Mesmo desempenhando papel importante na vida familiar e comunitária, infelizmente muitas dessas pessoas sofrem discriminação e preconceitos, ficando à margem na sociedade. É neste sentido que surge o debate sobre a organização da 3ª Idade e Idosos na estrutura sindical. A finalidade é elaborar e implementar políticas sindicais e políticas públicas que elevem a auto-estima dessas pessoas, assegurem seus direitos e garantam sua inserção social na vida familiar, comunitária, sindical e na sociedade em geral.

87. Raça e Etnia A pessoa é portadora de diferentes identidades sociais. Além de sermos mulheres e homens, trabalhadoras e trabalhadores rurais, em diferentes fases da vida, somos também portadores de uma identidade racial e étnica.

88. Raça é uma categoria que serve para definir a identidade racial de uma pessoa ou grupos sociais. Esta categoria considera as características físicas de um determinado grupo de pessoas que são transmitidas de geração em geração, bem como sua origem e história de vida. Estas pessoas incorporam e difundem expressões culturais especificas, como a religião, língua, dança, arte, literatura, etc.

89. Etnia é uma categoria que serve para entender a identidade de um povo. Cada povo tem seu território, costumes, hábitos, tradições e formas próprias de organização social, política, econômica, bem como de convivência com o meio ambiente.

90. As abordagens transversais de gênero, geração, raça e etnia têm contribuído para entender alguns fenômenos sociais que vêm ocorrendo no meio rural, como a feminização da pobreza, a masculinização do campo, o envelhecimento das pessoas com diminuição das taxas de natalidade (nascimentos) e a tendência de saída da juventude em busca de outras oportunidades de vida e de futuro. Tem contribuído também, para quebrar a indiferença frente às discriminações e preconceitos de raça e etnia.

91. A transversalidade de gênero, geração, raça e etnia é um dos maiores desafios colocados para os Movimentos Sociais e Sindical, bem como para o Estado e seus poderes. Por isso, o 9º CNTTR deve deliberar estratégias para qualificar sua ação neste campo de atuação.

REFORMA AGRÁRIA E AGRICULTURA FAMILIAR COMO BASES PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.

92. O PADRSS se contrapõe aos padrões dos sucessivos modelos de desenvolvimento rural implementados no Brasil, em que o enfoque

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econômico- financeiro se sobrepõe à dimensão social, política, cultura e ambiental das populações.

93. O MSTTR propõe a construção de um desenvolvimento rural sustentável, em que o elemento fundamental é a realização de uma ampla e massiva reforma agrária, não apenas como mecanismo distributivo de terras, mas como medida eficaz para promover a ampliação, valorização e o fortalecimento da agricultura familiar.

94. Para o MSTTR, a realização da Reforma deve interferir na base e estrutura fundiária, promovendo a ruptura com o desenvolvimento excludente, concentrador de terra e renda e reprodutor do poder oligárquico, representado pelo Agronegócio e pelo latifúndio.

95. Neste sentido, a agricultura familiar é estratégica para a sustentabilidade do desenvolvimento rural, quando fomenta a interiorização do desenvolvimento possibilitando a inclusão social, produtiva e política das populações locais.

96. Esta agricultura familiar incorpora um valor social, econômico, cultural e ambiental, porque garante a segurança alimentar das famílias, abastece o mercado interno, tem viabilidade econômica para ser competitiva, amplia as oportunidades de geração de renda e de ocupações produtivas, se estabelece através de formas cooperativas e associativas do trabalho, deve estar associada à produção agroecológica e na convivência equilibrada com o meio ambiente.

97. A agricultura familiar responde por 38% do Valor Bruto da Produção Agropecuária, ocupa 77% da mão-de-obra no campo e é responsável por 51% da produção de alimentos que chegam à mesa da população brasileira. Apesar de seu bom desempenho, a agricultura familiar ocupa apenas 21% das terras agricultáveis e tem acesso a menos de 25,3% do volume de crédito que o governo federal disponibiliza para a agricultura brasileira.

98. No entanto, existe uma disputa política e ideológica entre diversos setores da sociedade e setores governamentais, sobre qual modelo de desenvolvimento rural deve ser implementado no Brasil.

99. A concepção defendida pelo MSTTR se contrapõe ao modelo de desenvolvimento rural que o setor ruralista defende. Este setor, representado pela CNA, por numerosa bancada no Congresso Nacional e pelo Ministro da Agricultura, apoiados pela grande mídia e alguns intelectuais e economistas, têm defendido o agronegócio como o modelo de desenvolvimento redentor para o campo e para o Brasil. Como contraposição a essa concepção do agronegócio a agricultura familiar precisa resgatar a importância da comercialização de seus produtos excedentes, na perspectiva da economia solidária.

100. Para fazer a defesa de sua concepção, os ruralistas e seus aliados se apropriaram do conceito de Agronegócio, incorporando nele um significado que extrapola a simples tradução de “negócios da agricultura”. Mais do que os negócios da agricultura, este setor defende

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um modelo de desenvolvimento para o campo baseado na grande propriedade, na produção de monoculturas para o mercado externo, utilização de agrotóxicos e de organismos geneticamente modificados, além de tecnologias que dispensam o uso de mão-de-obra. Tudo isso em nome do lucro e da produtividade, sem considerar as implicações sociais e ambientais que este modelo acarreta para esta e para as futuras gerações.

101. Da mesma forma, os defensores do agronegócio têm afirmado que o problema agrário e agrícola será resolvido por este modelo, que será capaz de responder à demanda de produção e de emprego, através do aumento da produtividade e das exportações. Nesta proposta, caberia ao Estado proporcionar aos trabalhadores e trabalhadoras não inseridos como força de trabalho do agronegócio, políticas sociais compensatórias para evitar os conflitos no campo.

102. No entanto, o discurso da auto-suficiência e eficácia do agronegócio, não tem sustentação. Pelo contrário, o incremento deste padrão de desenvolvimento concentra a terra e a renda, aumenta a dependência tecnológica, desrespeita a legislação trabalhista e ambiental, agrava a exclusão social, promove a degradação ambiental, o desemprego e a violência no campo. Da mesma forma, se mostra incapaz de superar a fome e a miséria no País, já que priorizam a produção e exportação apenas do que seja rentável economicamente, sem se preocupar com as necessidades alimentares da população, especialmente dos mais pobres.

103. Os dados do 2º PNRA demonstram que as propriedades rurais com área superior a 2.000 hectares, demandam 67 hectares para gerar uma única ocupação, chegando a demandar 217 hectares na região Centro Oeste.

104. Do ponto de vista ambiental, não há como negar os danos irreparáveis que vêm sendo produzidos pelo agronegócio. Especialmente o cerrado, onde hoje se concentra o ambiente de expansão da fronteira agrícola, tem apenas 20% de sua área em estado original e mais de 57% totalmente desmatada. Da mesma forma sofre a Amazônia que já tem 600 mil Km2 de suas terras desflorestadas, situação que se agrava na região do arco do desmatamento, que abrange os estados da Amazônia legal, como Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, Pará, Amazonas, e demais estados amazônicos, onde também está havendo expansão de áreas exploradas com monoculturas.

É preciso exigir dos grandes latifundiários o cumprimento do percentual definido em lei de reflorestamento e preservação nas áreas devastadas de suas propriedades, principalmente nas margens dos rios, priorizando a vegetação nativa.105. Ao considerarmos as relações sociais e trabalhistas, constatamos que

muitas vezes o setor patronal da agricultura continua impondo aos trabalhadores e trabalhadoras rurais, práticas do período colonial. Além da exploração no trabalho, mantendo inclusive mão de obra escrava, praticam todo tipo de repressão e violência contra as pessoas que lutam

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pela democratização da terra. Há um processo acentuado de expulsão de inúmeras famílias de pequenos posseiros, inclusive populações tradicionais e povos indígenas que estão tendo suas terras tomadas para ampliar as grandes fazendas.

106. É relevante considerar, também, que este processo de expansão pelo agronegócio faz reduzir a capacidade de se encontrar terras passíveis de desapropriação, já que a interpretação da legislação agrária é bastante restritiva na constatação do cumprimento da função social das propriedades. Isto faz estabelecer uma aliança estratégica entre o latifúndio e o agronegócio.

Proibição de venda de terras na Amazônia para estrangeiros.

AVANÇOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A REFORMA AGRÁRIA E A AGRICULTURA FAMILIAR NO PADRSS

O papel da Reforma Agrária para o desenvolvimento sustentável

107. Com a construção do PADRSS, a dimensão dada pelo MSTTR ao papel exercido pela Reforma Agrária no desenvolvimento rural evoluiu, passando a compreendê-la como medida estratégica para a ampliação e o fortalecimento da Agricultura Familiar.

108. Apesar da série de entraves e limitações impostas à reforma agrária, os Projetos de Assentamentos vem se constituindo em espaços importantes de ampliação e fortalecimento da agricultura familiar.

109. Os projetos de assentamento, além de possibilitar o acesso à terra e ao crédito, para uma população historicamente excluída, vem atuando como fator gerador de postos de trabalho em atividades agrícolas e não agrícolas e com isto, dinamizado o comércio local com a diversificação e o rebaixamento dos preços de produtos alimentícios. Outras inovações também têm sido introduzidas, como novas formas de comercialização e beneficiamento da produção, surgimento de cooperativas e associações, implantação de pequenas agroindústrias, constituição de marcas próprias como sendo “produto da reforma agrária”, resultando, de modo geral, em melhoria dos rendimentos e das condições de vida e no padrão de consumo das famílias.

110. Para que a reforma agrária se constitua, de fato, enquanto instrumento para ampliação e o fortalecimento da Agricultura Familiar, será necessário que a política de distribuição de terras, esteja aliada a uma política agrícola forte, que destine linhas de créditos especiais, assessoria técnica e extensão rural, pesquisa, políticas de saúde, educação e formação profissional e investimentos em infra-estrutura social e produtiva, dentre

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outras ações voltadas à organização da produção e ao bem estar das famílias no campo.

111. Em novembro de 2003, o governo Lula lançou o 2º Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA buscando responder às históricas demandas dos movimentos sociais. O MSTTR, reconhece que o PNRA apresenta avanços importantes, mesmo não contemplando todas as demandas, especialmente quanto à meta de assentar um milhão de famílias em 04 anos,.

112. A pressão do MSTTR sobre o governo federal foi importante para que se estabelecessem metas no PNRA, mesmo que estas tenham sido as de assentar 400 mil famílias pela desapropriação; 130 mil pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário e mais a regularização fundiária para 500 mil famílias de pequenos posseiros (as), até o ano de 2006.

113. O PNRA propôs que as ações de reforma agrária sejam realizadas para além do acesso à terra. A implantação, recuperação e qualificação dos assentamentos, devem se orientar por planejamento e integração das ações, de modo a promover a viabilidade econômica, a segurança alimentar, a sustentabilidade ambiental, o acesso a direitos, promoção da igualdade e o desenvolvimento territorial sustentável, adequando modelos de reforma agrárias às realidades e demandas específicas de cada região.

114. Entretanto, para que estas proposições sejam implementadas, será necessário superar os limites de ordem política, financeira, legal, jurídica, administrativa e social, que dificultam a solução definitiva para o problema agrário brasileiro. Buscar o desenvolvimento de tecnologia adequada para a agricultura familiar, para manter a sobrevivência no campo.

Meio Ambiente

115. O debate sobre sustentabilidade, além de refletir sobre o uso racional e adequado dos recursos naturais, deverá incorporar as discussões quanto à necessidade de se promover a democratização da terra e da água e a distribuição das riquezas, entre as nações e internamente em cada País.

116. A sustentabilidade não pode estar associada ao mero crescimento econômico, baseado na exploração dos recursos naturais como se estes fossem infinitos, como a que vem sendo implementada pelos grandes projetos agropecuários, hidrelétricos, madeireiros, dentre outros.

117. O grande desafio para a agricultura familiar é o de se afirmar enquanto a alternativa viável para a construção do desenvolvimento rural sustentável. Para tanto, a agricultura familiar deverá orientar, cada vez mais, suas formas produtivas e organizativas de modo a incorporar valores ambientais.

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118. Neste sentido, o PADRSS define a agroecologia como estratégia a ser adotada pela agricultura familiar, porque que este padrão produtivo, além de significar rentabilidade, incorpora valores essenciais da sustentabilidade.

119. A CONTAG, FETAGs e STTRS, deverão ampliar seus esforços para promover a capacitação e sensibilização do conjunto dos assentados (as) e agricultores(as) familiares, estimulando para que adotem a agroecologia como forma produtiva que melhor responde à demanda pelo equilíbrio entre a exploração econômica e a conservação ambiental. Inclusive promovendo a recomposição e conservação das matas ciliares e de reserva legal com a utilização de plantas frutíferas.

120. É urgente incorporar, também, no debate sobre sustentabilidade a discussão sobre o uso racional e democrático dos recursos hídricos, conscientizando sobre o direito à água enquanto um direito humano e um bem público, universal e não privatizável.

121. O cuidado com os mananciais, a recomposição de matas ciliares, investimento em políticas de saneamento, dentre outras, são medidas essenciais e urgentes. Da mesma forma, é preciso que o MSTTR aprofunde o debate (que vem sem feito por vários setores da sociedade), quanto à proposta de construir uma legislação ampla sobre os valores da água e sua dimensão como um direito humano. Esta é uma luta será tão árdua quanto à luta pela reforma agrária, já que contraria interesses políticos e econômicos poderosos. Mas é fundamental que a água não seja compreendida apenas como um recurso dotado de valor econômico, que pode ser explorado como qualquer outra mercadoria.

Propostas:

Que a sustentabilidade ambiental garanta os recursos naturais sem excluir os seres humanosDeve-se, também, articular e exigir do poder público que fiscalize e puna os grandes produtores rurais que provocam desmatamentos e degradação ambiental.Garantir a participação do MSTTR em todos os conselhos e comitês que discutam a transposição de rios, bacias, etc.Na recomposição de áreas desflorestadas e nos projetos de reflorestamentos, garantir que sejam plantadas espécies e plantas nativas, medida essencial para assegurar a biodiversidade e os mananciais.Sindicatos, FETAGs e CONTAG devem divulgar os efeitos nocivos à saúde, sobretudo das mulheres, e à soberania alimentar, da plantação e comercialização de sementes transgênicas e da utilização dos agrotóxicos no campo, Sindicatos, FETAG´s e CONTAG devem conscientizar os/as trabalhadores e trabalhadoras a substituir os agrotóxico e as sementes transgênicas por inseticidas naturais e sementes crioulas.

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Assegurar na legislação ordinária, os critérios de proibição sobre o cultivo de qualquer semente transgênica para fins comerciais, garantindo o direito a precaução na saúde pública e proíba o controle do monopólio das sementes pelas empresas multinacionais.O Governo Lula não tem envidado esforços suficientes para impedir a liberação dos transgênicos. Caso os organismos geneticamente modificados possam de fato ser produzidos e comercializados, teremos consequências sérias e talvez, irreversíveis para a agricultura familiar brasileira.O MSTTR deve promover, continuamente, campanhas contra os transgênicos e o uso intensivo de agrotóxicos.Que a agricultura familiar se aproprie da agricultura agroecológica e orgânica.Criar políticas públicas que incentivem a produção agroecológica pelos agricultores e agricultoras familiares, estabelecendo, por outro lado, restrições aos produtores de transgênicosQue a CONTAG realize pesquisa sobre programas federais e ou estaduais de geração de energia limpa, a exemplo do Biodiesel, com ênfase nos impactos sobre a relação de trabalho e meio ambiente.

Organização da produção

122. Para que a agricultura familiar se torne viável é preciso investir no processo de organização da produção, acesso ao crédito e aos mercados, assessoria técnica, pesquisa, infraestrutura social e produtiva, etc.

123. O PADRSS identificou que o MSTTR deve atuar nos setores ligados à produção, estocagem, crédito e comercialização voltados para os trabalhadores e trabalhadoras rurais, com a criação de instrumentos capazes de assegurar a melhoria da eficiência e da capacidade produtiva, da renda e da poupança da categoria.

124. O MSTTR deve intensificar a relação com as entidades econômicas associativas (Associações, Cooperativas e Grupos informais). O público beneficiário dessas entidades é o mesmo que o MSTTR representa politicamente. Entretanto, estas atividades não podem ser assumidas diretamente pelas organizações da estrutura sindical, sendo necessário a criação de novas estruturas de organização da produção, que articuladas ao MSTTR, dêem conta dessa tarefa sem perder a perspectiva política da construção do PADRS. Esta iniciativa se consolidará na medida em que o MSTTR incorporar em sua pauta de reivindicação as demandas dessas entidades econômicas associativas, como também fortalecer a Rede de Articulação de Entidades Econômicas Associativas, visando a promoção de negócios, troca de tecnologias e ajuda mútua.

125. Na 1ª Plenária Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, realizada em Brasília no período de 24 a 27/11/03, foi encaminhada a criação do Sistema CONTAG de Organização da Produção - SISCOP, um

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sistema integrado por sub-sistemas de cooperativas de crédito, de produção e de consumo.

126. Foi aprovado pelas FETAGs uma ação conjunta de apoio às Cooperativas singulares que deverão fundar uma Central que será denominada CREDITAG. É claro que a implementação deste sistema comporta dificuldades consideráveis, já que a criação das cooperativas depende de autorização e fiscalização do Banco Central. Outra dificuldade enfrentada pelo sistema diz respeito à articulação das entidades já criadas e as em fase de criação, com demandas diferenciadas.

127. Recentemente, com a colaboração e participação da CONTAG e das Federações, foi criada a Unicafes (União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária), uma pré-entidade que organizará a fundação, em 2005, de uma organização nacional representativa do cooperativismo deste setor. Isto parte da compreensão de que o SISCOP terá que, necessariamente, se articular com outras cooperativas rurais e, em uma segunda etapa, com as cooperativas do setor urbano para poder fazer frente ao sistema OCB, que efetivamente só faz a representação dos interesses dos grandes produtores.

128. Um dos grandes desafios do processo de organização da produção é construir estratégias políticas que permitam a inserção não-subordinada da agricultura familiar no mercado. Neste aspecto, o Comércio Justo e Solidário deve ser uma alternativa de construir outras relações sociais entre produtor e consumidor.

129. Além disso, é preciso promover a articulação entre a produção e o consumo, construindo mecanismos de diálogo entre as famílias que produzem com as famílias que consomem, . valorizando, assim, a agricultura familiar e os assalariados e assalariadas rurais. Há que se estabelecer parcerias com outras instituições, órgãos públicos (a exemplo da Emater) e provados, capazes de superar a falta de incentivos e de políticas públicas municipais, promovendo a conscientização dos agricultores e agricultoras familiares da necessidade de agregação de valor à matéria prima e esclarece-los sobre os benefícios da agricultura agroecológica.

Pronaf

130. O PRONAF é uma conquista do MSTTR e está estruturado como um programa para o fortalecimento das condições de inserção produtiva dos Agricultores e Agricultoras Familiares. Nos Gritos da Terra Brasil e Marchas das Margaridas, o MSTTR tem conquistado avanços importantes para fortalecer e consolidar o PRONAF.

131. O PRONAF é um programa que precisa se consolidar como política pública. Ao longo de seus 10 anos, o Pronaf superou limites como adequação aos diversos públicos que compõe a agricultura familiar, os altos encargos e juros variáveis, a burocracia, conseguindo atender cerca

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de 40% de seu público potencial. A Agricultura Familiar registrou aumento significativo de recursos nos dois últimos Planos-Safra, ou seja, R$ 5,4 bilhões e R$ 7,0 bilhões, respectivamente, sendo que em 2003/2004 foram aplicados,efetivamente, um volume de R$ 4,5 bilhões.

132. O Pronaf vem ganhando dimensão internacional e influenciando governos de outros países a adotarem critérios parecidos para promover políticas para agricultura familiar e o desenvolvimento sustentável, neste sentido, é urgente a transformação do PRONAF em lei. Isso nos remete a responsabilidade de avançar na sua consolidação, o que só será possível com a aprovação pelo Congresso Nacional de uma lei que crie a política de desenvolvimento da agricultura familiar, definindo seu público, suas características econômicas, culturais e sociais, bem como os programas para implementa-la.Que o MSTTR crie mecanismos de divulgação e informação sobre as linhas de financiamento do Pronaf Mulher e do Pronaf-Jovem.Exigir dos agentes financeiros (Bancos) o cumprimento das regras e normas do PRONAF.

133. Não se pode negar que ainda há muito para construir para atender a demanda universal de potenciais beneficiários, ajustar os períodos de liberação do crédito, construir saídas a exigência de garantias reais como fundos de avais, garantir a implementação da política nacional de ATER ampliando e melhorando a qualidade desses serviços, melhorar as relações com agentes financeiros a fim de superar a falta de agilidade para operar as linhas de crédito existentes, dando prioridade ao acompanhamento técnico dos agricultores/as, discutindo as melhores formas de produção junto aos mesmos e ajustando os períodos de liberação de recursos dos créditos, adaptando-os às diversidades da agricultura brasileira.

134. É preciso, também, implementar e consolidar as linhas de crédito para Mulheres e Jovens. Isto porque as normas estabelecidas atendem somente a esposas e companheiras e aos jovens que estiverem cursando o último ano em escolas técnicas agrícolas de nível médio ou 2º ciclo do ensino fundamental, ou participando de cursos de formação profissional com no mínimo de 100 horas aulas, promovidos pelos movimentos sociais, movimento sindical e parceiros e idade entre 16 e 25 anos.

135. É preciso questionar e melhorar os critérios estabelecidos para o acesso às políticas agrárias e agrícolas, pois nem sempre o critério por sexo, idade, estado civil e nível de escolaridade são os mais justos. Muitas vezes se constituem até em motivo de exclusão e discriminação.

Gênero e Geração na Reforma Agrária e na Agricultura Familiar:

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136. Além das funções econômicas, sociais e ambientais em torno da luta pela reforma agrária e pelo fortalecimento da agricultura familiar, o MSTTR deve olhar também para as estruturas que sustentam as relações entre as pessoas seja nos acampamentos, assentamentos ou nas propriedades familiares.

137. Na Reforma Agrária, as mulheres e jovens estão presentes em todas as etapas da luta pela terra, resistindo nas ocupações, acampamentos e nas posses. Contraditoriamente, nos processos de implantação e organização dos assentamentos a importância das mulheres e jovens passa a ser relativizada.

138. As mulheres estão em todas etapas dos processos produtivos e reprodutivos na unidade familiar. Elas não querem ser invisíveis, muito menos serem tratadas como domésticas ou ajudantes do pai, do marido ou do filho. Elas não são vistas nem reconhecidas como sujeitos ativos nos processos produtivos. Ou seja, não são as mulheres que se ocultam, são as relações de dominação patriarcal que lhes atribui um lugar menor nos processos produtivos.

139. O patriarcado também estabelece uma hierarquia nas relações entre pai e filhos e filhas, que têm participação cerceada nos processos de produção, gestão e posse da propriedade familiar.

140. Outra questão que não pode ser relativizada é a participação das pessoas da 3ª idade e idosos na unidade produtiva, que além de sua experiência de vida no campo, investem parte de seus rendimentos da aposentadoria no fomento da mesma.

141. O modelo de família patriarcal continua influenciando a concepção das políticas públicas, que excluem ou restringem a participação das mulheres e jovens como beneficiários. Isto ocorre porque os planejadores e executores das ações entendem que somente os homens são os chefes de família e respondem pela propriedade familiar. Sendo assim, compreendem que ao beneficiar os homens estão atendendo a todos os membros da família. Servem como exemplos, os poucos títulos de posse da terra emitidos em nome de mulheres e jovens, além do tratamento dado pelos órgãos e entidades de assistência técnica e extensão rural que não incorporam as demandas específicas desse público nos projetos produtivos e de infra-estrutura.

142. A prática discriminatória e excludente em relação às mulheres, incorporado em nossa cultura, foi por muito tempo respaldada pelo Código Civil Brasileiro, instituído em 1918, que vigorou até 2002, ignorando os avanços conquistados pelas mulheres na Constituição Federal de 1988.

143. Existia um “Estatuto da Mulher Casada”, pelo qual a mulher casada não podia legalmente assinar um contrato, administrar um negócio ou realizar trabalho assalariado sem consentimento do marido. O novo Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor a partir de janeiro de 2003, reconhece a igualdade entre homens e mulheres perante a lei, onde tanto o homem quanto a mulher podem representar os interesses da família e

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serem considerados representantes legais da propriedade, independente de estarem em relações de casamento ou em uniões consensuais.

144. Fruto da luta das mulheres, especialmente na Marcha das Margaridas, se obteve um importante avanço. O MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário instituiu a obrigatoriedade da emissão do título de posse da terra em nome do homem e da mulher. Entretanto, este direito, por si só, não é suficiente para garantir igualdade de participação quanto ao controle e gestão da propriedade ou assentamento, pois não será o documento sozinho que fará romper com práticas seculares de opressão às mulheres.

145. O MSTTR precisa se comprometer com a construção de relações igualitárias entre mulheres e homens, jovens, adultos, 3ª idade e idosos, desde os processos de luta pela terra, na gestão dos assentamentos e propriedades familiares.

AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO PADRSS

Assalariados e Assalariadas Rurais

146. Não podemos falar em desenvolvimento rural sustentável sem levar em consideração os 5 milhões de assalariados e assalariadas rurais que constituem a parte mais explorada e marginalizada da categoria trabalhadora rural.

147. Destes 5 milhões de trabalhadores e trabalhadoras assalariadas rurais, existem 2 milhões de postos de trabalho fixo, em que o contrato é por prazo indeterminado. 1,5 milhão trabalha pelo menos uma vez por ano de 4 a 8 meses, no período da safra (contrato de safra) e 1,5 milhão trabalha em culturas de curta duração (feijão, milho, tomate, hortifrutigranjeiros, colheita do café, etc), neste caso grande quantidade de trabalhadores (as) não possuem carteira de trabalho assinada e a duração no trabalho é no máximo de 15 dias. Muitos trabalham em 3 ou 4 estados durante o ano.

148. Segundo dados da PNAD/IBGE - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2002, existem cerca de 3,1 milhões de trabalhadores(as) com vínculo empregatício sem carteira assinada na área rural. Muitos desses profissionais moram nas periferias das pequenas e médias cidades, e devido ao alto índice de desemprego e baixos salários pagos, essas pessoas também se constituem no setor mais empobrecido da categoria.

149. Não é preciso muito esforço para se perceber o lucro gerado pela produção agro-industrial das grandes e médias propriedades rurais. A regra geral é de empresas ricas em municípios pobres, onde o lucro acaba indo para o sistema financeiro e/ou investidos nos grandes centros

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urbanos. Já os assalariados e assalariadas rurais gastam os seus salários nos municípios onde moram, dinamizando o comércio e a economia local.

150. Neste sentido, a melhoria na remuneração dos assalariados e assalariadas rurais tem repercussões diretas e concretas no local. Com melhoria do poder de compra dos assalariados e assalariadas rurais ocorrerá ampliação do mercado consumidor local com possibilidades de crescimento de venda dos produtos da agricultura familiar.

151. O principal instrumento para a melhoria do salário e das condições de trabalho dos assalariados e assalariadas é a negociação coletiva (convenção coletiva, acordo coletivo ou dissídio coletivo). Infelizmente, existem poucos assalariados e assalariadas rurais protegidos por convenções ou acordos coletivos de trabalho.

152. Outro instrumento por melhores condições de segurança e saúde no trabalho, são as ações de fiscalização realizadas pelos auditores fiscais do trabalho, vinculada às Delegacias Regionais do Trabalho, importantíssimos para avançar no cumprimento da legislação trabalhista, previdenciária, de medicina e segurança no trabalho. Neste processo, são imprescindíveis o envolvimento do Sindicato dos Trabalhadores (as) Rurais e das FETAGs quando da denúncia de irregularidades nas relações de trabalho e de denúncias relacionadas ao trabalho escravo. Nesse sentido, exige-se a ratificação imediata da Convenção 184 da OIT.

As mulheres no trabalho assalariado

153. O aumento das oportunidades de trabalho e emprego para as mulheres assalariadas no campo, especialmente as mais jovens, não significa dizer que há igualdade de oportunidades entre os trabalhadores do sexo feminino e masculino. A mão–de-obra feminina tem sido absorvida nas atividades temporárias, sem garantia de direitos e benefícios, sem investimento na formação profissional e sem nenhum equipamento de uso coletivo nos locais de trabalho, como creches, banheiros, refeitórios.

154. O tipo de inserção que as mulheres tem no mercado de trabalho assalariado reproduz a divisão-sexual do trabalho. Ao selecionar e contratar mulheres, as empresas destinam a elas funções consideradas “ tipicamente femininas”. Exemplo disso é o uso massivo da mão-de-obra feminina na fruticultura (morango, uva), hortigranjeiros, etc. Em muitas situações, para se manter empregada, a mulher precisa apresentar produção igual ou maior do que a do homem, ainda que isto implique no recebimento de salários menores.

Erradicação do Trabalho Escravo no Campo

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155. O trabalho escravo constitui uma grave violação aos direitos humanos. A escravidão é um ato de violência, que está baseado na coação física e às vezes na coação moral utilizadas por maus empregadores e capatazes que subjugam o trabalhador e trabalhadora. Nesta relação, o trabalhador (a) não são reconhecidos(as) como portadores(as) de direitos que vendem a sua força de trabalho em troca de um salário, mas sim como propriedade de quem detém os meios de produção. Essa prática viola o direito à vida, pois priva a pessoa humana de sua liberdade e de exercer um trabalho com dignidade, submetendo-os a condições de trabalho degradantes, onde não há cumprimento de normas básicas de segurança e saúde, expondo-os à risco de vida.

156. Também cresce a utilização do trabalho migrante, onde empresas rurais/fazendas empregam grande quantidade de mão - de - obra de trabalhadores de várias regiões do estado ou do país, dificultando as ações de fiscalização, bem como a organização dos trabalhadores(as)..

157. O 9º CNTTR reafirma o seu compromisso de lutar pela erradicação do trabalho escravo no campo, intensificando as ações que já vêm sendo desenvolvidas pela CONTAG, FETAGs e STRs.

Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente

158. Nos últimos anos, tem se constatado a redução dos índices de trabalho infantil no País. No entanto, segundo o IBGE-2001, há ainda 5,4 milhões de crianças e adolescentes trabalhando em diversas atividades, especialmente na agricultura. Os dados informam ainda que a medida em que aumenta a faixa etária, a participação da parcela de crianças ocupadas inseridas na atividade agrícola diminui. De todas as crianças do Brasil entre 05 e 09 anos de idade que trabalham, 75,9% estão trabalhando na agricultura. Entre 05 e 17 anos de idade, este percentual diminui para 43,4%.

159. O 9º CNTTR deve aprofundar o debate sobre os diferentes argumentos que dão sustentação ao trabalho infantil no meio rural, já que a prática do trabalho infantil é incompatível com o desenvolvimento sustentável que coloca o ser humano como centro de sua ação.

160. Um dos argumentos utilizados é a necessidade de sobrevivência das famílias mais pobres, que diante da falta de alternativas, vêem nas crianças e adolescentes uma força de trabalho a mais que deve contribuir para a renda familiar.

161. Outro argumento se sustenta numa concepção cultural de que o trabalho precoce é educativo e formativo para a vida social e profissional da criança e do adolescente.

162. Entretanto, estudos indicam que o trabalho precoce exercido por crianças e adolescentes compromete o seu desenvolvimento físico, emocional e psíquico. Além disso, o trabalho precoce prejudica o acesso e

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rendimento escolar da criança e do adolescente. É preciso que se avance a partir dos estudos e pesquisas na definição precisa do que seja trabalho e aprendizado para crianças e adolescentes.

163. Todas essas questões precisam ser discutidas com maior profundidade pelo MSTTR, de forma a se ter uma concepção clara sobre o trabalho infantil, especialmente no âmbito da agricultura familiar. O MSTTR deve definir estratégias para superar este problema que afeta milhares de crianças e adolescentes no meio rural.

POR UMA POLÍTICA PERMANENTE DE VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO

164. No meio rural, o salário mínimo é importante para o valor dos benefícios previdenciários, reflete na remuneração dos assalariados e assalariadas rurais e é fonte de incremento na agricultura familiar.

165. É também uma ferramenta poderosa para aumentar a renda das mulheres, uma vez que são elas que na grande maioria da classe trabalhadora recebem o salário mínimo. Elas estão inseridas nas profissões que tem menores remunerações, como as trabalhadoras rurais, domésticas e professoras.

166. O salário mínimo provoca ainda impacto direto na economia local, especialmente nos setores de bens e serviços. Isto porque, em 4.323 municípios rurais, os salários mínimos pagos através dos benefícios previdenciários de trabalhadores e trabalhadoras rurais superam os repasses feitos pela União através do Fundo de Participação do Municípios.

167. Uma política de valorização e ampliação do poder aquisitivo do salário mínimo, que altere o perfil distributivo da renda nacional, é urgente e necessária, contribuindo para a redução da miséria, pobreza e exclusão social.

168. É fundamental que o governo e o Congresso Nacional definam uma política consistente para o salário mínimo, que garanta a sua valorização, assegure o cumprimento integral do texto constitucional, seja instrumento de distribuição igualitária da renda, possibilitando aos milhões de brasileiros e brasileiras excluídos uma vida digna e o pleno exercício de sua cidadania.

Propostas:

Que o Salário Mínimo seja contemplado com o reajuste mínimo anual de 25%, neste próximos quatro anos, a partir do ano de 2005 até atingir, no quarto ano, o dobro de seu valor atual.

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Promover uma campanha nacional por um salário mínimo digno para todos os trabalhadores e trabalhadoras.

POLÍTICAS SOCIAIS NO PADRSS

Educação do Campo

169. A Pesquisa CUT/CONTAG, em 1996, já apontava para a necessidade do MSTTR investir na promoção da educação básica, formação política e formação profissional, articulada com as redes de pesquisa, tecnologia e extensão rural ou de assistência técnica.

170. Em 2000, realizamos o IV Fórum CONTAG de Educação que mobilizou todas instâncias do MSTTR, universidades, organismos internacionais, ONGs, etc. O resultado foi uma agenda de trabalho visando acumular um debate sobre as bases de uma política específica de educação voltada para o desenvolvimento rural sustentável.

171. No ano de 2001, o MSTTR e outras entidades parceiras que têm experiência com educação formal e não-formal13 sistematizaram uma proposta de política pública, constituída por princípios e diretrizes da educação do campo que já vem sendo implementada em alguns municípios rurais.

172. Essa proposta foi apresentada e debatida nas audiências públicas do Conselho Nacional de Educação – CNE realizadas no final do ano de 2001. O conteúdo proposto foi incorporado ao documento aprovado pelo Conselho Nacional de Educação ao instituir as “Diretrizes Operacionais de Educação Básica para as Escolas do Campo”, através da Resolução n.º 01, de 03 de abril de 2002.

173. Nas Diretrizes Operacionais da Educação Básica das Escolas do Campo a educação não se restringe ao espaço da escola, ela acontece também nos diferentes espaços em que os sujeitos vivem e trabalham, alimentando e fortalecendo o vínculo entre a cultura, a educação escolar e a educação não-escolar (formação política, formação profissional, etc).

174. As escolas do campo incorporam os espaços da floresta, da pecuária, das minas, da pesca, dos ribeirinhos, dos extrativistas e da agricultura (agricultura familiar, assalariados, assentados e acampados).

175. O que vai definir a identidade das escolas do campo não é necessariamente a sua localização geográfica, mas seu projeto político pedagógico e os sujeitos a quem ela se destina. Entretanto, é fundamental que essas escolas, em todos os níveis e modalidades de

13 MOC – Movimento de Organização Comunitária, SERTA, Secretaria Municipal de Educação de Curaçá/BA, IRPAA/BA, ARCAFAR, UNEFAB, GT/UnB, Instituto Agostim Castejon, Escola de Formação da CUT da Amazônia, Escola do Campo Casa Familiar Rural de Pato Branco/PR, dentre outros.

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ensino, estejam localizadas nas comunidades, povoados, assentamentos, etc.

176. O projeto político pedagógico das escolas do campo deve estar a serviço da promoção do desenvolvimento humano e sustentável, e ter como referência a concepção e prática pedagógica construída pelos movimentos sociais e sindical que atuam no campo. Ou seja, os seus objetivos, conteúdos programáticos, metodologia e processos de aprendizagem e de avaliação devem levar em conta os sujeitos desse processo educativo e a sua realidade.

177. Este novo momento aponta para a necessidade do MSTTR potencializar e desenvolver nos estados e municípios estratégias de sensibilização e formação de dirigentes e lideranças sindicais, em especial a juventude rural, e parceiros de outros movimentos sociais. A sensibilização e formação de gestores públicos também se fazem necessárias, uma vez que cabe a estes a responsabilidade de implementar esta política.

178. O MSTTR deve, também, intervir nos espaços de formulação e gestão dos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de educação, com a finalidade de incorporar a política de educação do campo. Garantir que o tema gênero faça parte da grade curricular das escolas.

Saúde Integral

179. Com o PADRSS o MSTTR foi redimensionando o conceito de saúde passando a concebê-lo em sua integralidade física, mental, emocional e psicológica, além das interfaces: saúde do trabalhador, saúde da mulher, saúde da criança e do adolescente, saúde do idoso, saúde mental, saúde sexual e reprodutiva, saúde nutricional, atenção primária ambiental, inclusive tratando a violência sexual e doméstica, uso de drogas e do álcool como também problema de saúde.

180. O MSTTR está presente nos conselhos nacional, estaduais e municipais de saúde. Na maioria dos municípios rurais somos nós que estamos representando a população rural e os usuários do SUS. Entretanto esta representação só faz sentido se estivermos mantendo uma interlocução permanente com a população local, apresentando suas demandas no espaço de formulação e gestão das políticas públicas de saúde articulando com o desenvolvimento local, integrando a política de saúde a um conjunto de políticas publicas que elevem o padrão de vida da população como, saneamento, preservação ambiental, habitação, acesso à terra, acesso à água de qualidade, lazer, etc.

181. Exigir um atendimento com qualidade, integralizado e humanizado, exigindo do governo o efetivo funcionamento do SUS e a capacitação dos servidores para atendimento à população rural.

182. A existência de bolsões de fome e miséria, a crescente violência no campo, os baixos indicadores de desenvolvimento humano, indicadores

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sanitários, epidemiológicos (doenças) e de saúde ambiental, somados à mobilização e pressão política dos Gritos da Terra Brasil e Marcha das Margaridas, levaram o Ministério da Saúde a assinar um convênio com a CONTAG para implementar em todos estados brasileiros, no período de 2004 a 2006, o “Projeto de Formação de Multiplicadores(as) em Gênero, Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos”. Este projeto articula diversas áreas da saúde (sexual, reprodutiva, mental, bucal, nutricional, etc), está voltado para as pessoas nos vários ciclos da vida, e tem por finalidade a formação de atores/atrizes sociais. Este projeto deverá contribuir na formulação e adequação de uma Política Pública de Saúde para a População do Campo.

183. Em maio de 2004, o Ministério da Saúde constituiu um grupo denominado “Grupo da Terra”, com representação de diversas áreas técnicas do Ministério da Saúde e movimentos sociais e sindical. A este grupo cabe a responsabilidade de formular a política de saúde para a População do Campo em parceria com outros ministérios.

184. Esta política em construção tem por base a intersetoralidade da saúde com outras políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável; uma nova sistemática de financiamento para a Atenção Básica assegurando um adicional de 50% nos valores pagos por equipe de saúde da família em 100% dos municípios da Amazônia Legal com população inferior a 50 mil habitantes e indicadores de desenvolvimento humano muito baixo (0,7). E também em 100% dos municípios com população inferior a 30 mil habitantes e indicadores de desenvolvimento humano muito baixo (0,7), bem como áreas de assentamento e de quilombos.

185. A Política Pública de Saúde para a População do Campo, entretanto, só atingirá os resultados se os estados e municípios assumirem a sua parte, uma vez que lhes competem a responsabilidade de promover a assistência integral médica, laboratorial, hospitalar e farmacêutica à população, em especial a rural. Entretanto esta responsabilidade não vem sendo cumprida pela maioria de estados e municípios, uma vez que estes não aplicam corretamente o recurso repassado pelo Ministério da Saúde e muito menos o que é de sua responsabilidade enquanto gestor público municipal.

186. Diante dos desafios, se faz necessária a intervenção efetiva e qualificada do MSTTR nos conselhos estaduais e municipais de saúde com a finalidade de fiscalizar a implementação desta política e aplicação desses recursos. Realizando cursos de capacitação para todos/as os/as conselheiros/as que representam os diversos conselhos em seus respectivos municípios, através das FETAGs.

187. Políticas fundamentais para a saúde da população, como saneamento básico e construção de moradia para o campo ainda são inexpressivas, necessitando, portanto, ações efetivas relacionadas ao abastecimento de água e de esgoto sanitário, como forma de melhoria das condições de vida e saúde da população rural, e da preservação do meio ambiente.

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188. Outro tema, que merecerá discussão por parte do MSTTR foi aprovado na 3ª Conferência de Saúde Bucal, que é o Programa de Saúde Bucal e que deve ser implementado e assumido pelos governos estaduais e municipais.

Previdência Social

189. No PADRSS a Previdência Social é um instrumento importante para alavancar processos de desenvolvimento e distribuição de renda. Na área rural, houve uma evolução significativa de proteção social devido a universalização dos benefícios da Previdência Social ocorrida a partir do início de 1990. O Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR destaca-se neste cenário, como um importante protagonista em função da luta histórica e permanente em defesa da Previdência Social.

190. O resultado prático das ações do MSTTR pode ser mensurado pelo contingente de trabalhadores e trabalhadoras rurais que obtiveram acesso aos benefícios previdenciários até o momento.

191. São aproximadamente, 7 milhões de benefícios rurais pagos mensalmente pela previdência social, cujo volume de recursos tem dinamizado a economia dos municípios brasileiros, notadamente no comércio; tem causado impacto direto na redução do nível de pobreza do país; tem se constituído como espécie de seguro agrícola, servindo como fonte de financiamento da agricultura familiar e tem ajudado a garantir a permanência de homens e mulheres no campo.

RELAÇÕES DA CONTAG COM O CONGRESSO NACIONAL

192. As relações institucionais da CONTAG com o Congresso Nacional ao longo de seus 40 anos foram bem diversas. O auge dessa aproximação aconteceu durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, período em que o MSTTR trouxe à Brasília até seis mil trabalhadores rurais para fazer o lobby da categoria. Os trabalhadores rurais, por meio de sua organização, obtiveram êxitos em diversas áreas. Merecendo destaque os avanços na área previdenciária.

193. Atualmente vivemos um novo cenário, construído pelo desejo de mudança manifesto pelos mais de 60% dos eleitores que disseram não a práticas atrasadas de se fazer política. O perfil dos eleitos na Câmara Federal sofreu mudanças com a redução de representantes do poder econômico. No entanto, essa redução não significou que eles perderam espaço nos Poderes Executivo e Legislativo. Até porque é comum esse setor financiar campanhas eleitorais de parlamentares com a finalidade de posteriormente buscar a defesa de seus pleitos nos Poderes Executivo e Legislativo. Um exemplo de força representativa do poder econômico é

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a “bancada ruralista” que permanentemente se opõe aos interesses do MSTTR.

194. A eleição de 150 deputados e deputadas de partidos de esquerda foi muito importante. No entanto, não significou a hegemonia de posições. Para garantir a governabilidade foi necessário fazer alianças, mesmo que pontuais, com outros setores dentro do Congresso Nacional, processo perfeitamente natural em um estado democrático.

195. Mesmo que os resultados não sejam aqueles almejados pelo MSTTR é preciso reconhecer que houve avanço.

196. A vantagem do crescimento da bancada formada pelos partidos de esquerda foi a ocupação de cargos decisórios dentro do Congresso, como na caso da presidência da Câmara Federal, durante os dois primeiros anos do governo Lula.No entanto, na eleição para a Presidência da Câmara em 2005, por conta de erros cometidos durante o processo de indicação dos nomes, os setores progressistas e de esquerda foram derrotados por uma candidatura avulsa, ligada aos partidos conservadores e mais do que isso, representante de grupos de pressão fisiológicos existentes no interior dos partidos, e que atuam à margem destes, defendendo seus interesses particulares.

197. Portanto devemos refletir a respeito do poder informal que pode o MSTTR exercer no Congresso Nacional. Nunca o MSTTR teve tanta oportunidade real de buscar consolidar uma bancada informal dentro do Congresso Nacional que pode articular a disseminação das propostas do PADRSS. Nesse sentindo já existem espaços consolidados, como o Núcleo Agrário e a Frente Parlamentar da Agricultura Familiar. Cabe ao MSTTR ocupar e fortalecer esses espaços levando as propostas do PADRSS a se converteram em proposições legislativas.

198. E, nas eleições municipais de 2004, pela primeira vez, o MSTTR participou de forma organizada nacionalmente, lançamos mais de 2.000 candidatos e candidatas do próprio MSTTR, elegendo mais de 200 vereadores e vereadoras e 40 prefeitos e prefeitas.

Politização da Base da categoria e dos candidatos que a representam.

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

199. As relações internacionais desenvolvidas pelo MSTTR são importantes para consolidar o projeto político centrado no fortalecimento da ação sindical e na construção do PADRSS.

200. A parceria com as agências de cooperação técnica, organizações não-governamentais e organizações sindicais são fundamentais para a divulgação e afirmação do nosso projeto político.

201. Resguardando independência e autonomia, o diálogo do MSTTR com organismos internacionais: FAO, PNUD, IICA, OIT e outras têm obtido apoio e cooperação na elaboração de estudos técnicos para a construção

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de políticas públicas para o fortalecimento da agricultura familiar e a promoção do desenvolvimento rural.

202. A filiação da CONTAG à CUT e à UITA foi estratégica para ampliar as relações do MSTTR com outras organizações sindicais no nível nacional e internacional, levando para estas, a necessidade de fortalecerem ações em defesa da agricultura familiar e da melhoria das condições de vida e trabalho dos assalariados e assalariadas rurais. Os recentes acontecimentos têm evidenciado entendimentos distintos em relação a vários aspectos, entre os quais as reformas em andamento.

203. A CONTAG vem ampliando as relações com as organizações não-governamentais comprometidas com MSTTR, estabelecendo parcerias que visam, principalmente a divulgação, afirmação e implementação do PADRSS. Nesse sentido, a melhoria das relações com a CUT propiciou uma participação mais efetiva da CONTAG no Coletivo de Relações Internacionais da Central. Através da CUT, a CONTAG assegura representação e defesa dos interesses dos agricultores familiares e dos assalariados rurais no Fórum Consultivo Econômico e Social – FCES do Mercosul, e ao mesmo tempo, amplia as relações de política sindical no cenário regional e internacional.

204. Nas discussões para formação do acordo da ALCA a CONTAG afirmou posição contraria a este processo na primeira Reunião de Consulta à Sociedade Civil, por considerar alto o “nível de ambição” comercial nas áreas de investimentos, propriedade intelectual, compras governamentais e serviços por parte dos Estados Unidos e Canadá. Principalmente, por falta de instrumentos capazes de restringir a concorrência desleal e as injustiças contra população dos países mais pobres, já que não estavam previstos instrumentos visíveis que fossem capazes de disciplinar o comportamento predatório dos monopólios das grandes empresas transnacionais que atuam em função dos seus interesses.

205. O impasse gerado fez suspender as negociações da ALCA. A União Européia-UE aproveita este fato para estabelecer um acordo comercial com o MERCOSUL, demonstrando, também, “alto nível de ambição” pelos mesmos setores estratégicos nos países do MERCOSUL. Em troca, oferece acesso ao mercado europeu através de mecanismos de cotas já concedidas e comercializadas pelo Brasil e o MERCOSUL. A ofensiva da UE obriga os países do MERCOSUL a desconsiderar tal proposta, resultando em um impasse nas negociações do Acordo Mercosul x União Européia.

206. Os impasses obtidos nas negociações da ALCA e do acordo MERCOSUL x EU representam uma vitória para o movimento sindical e a sociedade civil organizada que não aceitam mais acordos comerciais que afetam, negativamente, a vidas dos trabalhadores e trabalhadoras dos países em desenvolvimento.

207. As negociações em curso na Organização Mundial do Comercio – OMC representa outro grande desafio para o MSTTR. Esta rodada de negociação poderá estabelecer no acordo, regras de comércio que afetarão a vida de milhares de trabalhadores e trabalhadoras. Neste

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sentido, a CONTAG procura participar e intervir qualificadamente nos espaços de discussão e formação de posição sobre o processo de negociação na OMC, defendendo seu projeto e reafirmando a necessidade do tratamento especial e diferenciado para a agricultura familiar do Brasil e dos países em desenvolvimento.

208. A CONTAG promove e participa de espaços estratégicos de articulação com a, Oxfam, ActionAid, REBRIP, GNI-MDA e outras organizações comprometidas com a implementação e consolidação do desenvolvimento sustentável, na perspectiva de superar as desigualdades econômicas, sociais, a degradação ambiental, o desrespeito aos direitos sociais e a subordinação nas relações de gênero, geração e etnia e fazendo enfrentamento político aos efeitos negativos decorrentes acordos de comercio internacional.

209. A CONTAG ocupa um espaço estratégico do ponto de vista político sindical, atuando como referência da sociedade civil da América Latina para o CIP-FAO, onde destaca suas propostas de desenvolvimento sustentável para a soberania e segurança alimentar.

210. A CONTAG também assumiu a secretaria executiva da COPROFAM, fortaleceu as relações entre as organizações desta Coordenadora e dinamizando suas ações no MERCOSUL, possibilitando a COPROFAM assumir um papel estratégico de articulação e de intervenção nos espaços de formulação e de decisão das políticas de desenvolvimento rural sustentável no MERCOSUL.

211. A criação da Reunião Especializada da Agricultura Familiar – REAF, no MERCOSUL, representa uma vitória e uma responsabilidade a mais para a MSTTR e a COPROFAM ao assumirem um espaço privilegiado para desenvolver ações e propostas de política ao conjunto dos agricultores e das agricultoras familiares no âmbito do MERCOSUL. Neste sentido a CONTAG deve pautar, de forma positiva, o segmento da agricultura familiar no processo de negociação do bloco regional, centrando as ações em dois grandes temas: fortalecimento das políticas públicas e promoção do comércio para o desenvolvimento sustentável no MERCOSUL.

212. A participação e articulação da CONTAG nos Fóruns Social Mundial resultaram na ampliação das relações institucionais, em novas parcerias e alianças importantes para o MSTTR seguir na construção da solidariedade internacional para a construção de uma nova ordem mundial mais justa e socialmente igualitária e fazendo o enfrentamento das políticas impostas pelo Banco Mundial, FMI e pelos acordos de comércio internacional.

213. Assim, pode-se afirmar que as relações internacionais têm um papel importante a desempenhar no processo de consolidação dos PADRS e no fortalecimento das ações do MSTTR na perspectivas do desenvolvimento rural sustentável.

O PAPEL DA FORMAÇÃO NO PADRSS

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214. O papel da formação é qualificar a ação sindical enquanto agente transformador da realidade, dialogando e colaborando com o processo de formulação e implementação do PADRSS. Para isso, é preciso que a formação a contribua para que a categoria analise criticamente a sua realidade social, potencializando a construção de alternativas de enfrentamento e transformação social. Esta é uma das razões para que o MSTR compreenda a formação enquanto investimento e não como despesa.

Aspectos da Formação

215. A formação é um instrumento político - pedagógico, que favorece a expressão e afirmação da pluralidade de idéias e pensamentos, abrindo caminho para a construção da unidade política sindical.

Princípios Pedagógicos da Formação216. São princípios pedagógicos da formação do MSTTR:

216. 1. Analisar os fatos a partir de uma visão de movimento, onde tudo está em constante mudança;

216. 2. Compreender formação de modo sistêmico, ou seja, a formação não é só um instrumento meio que permeia toda a ação sindical, mas também um início e um fim, que tem por finalidade construir produtos/resultados claros;

216. 3. interpretar e entender os interesses das partes a partir da dinâmica do todo;

216. 4. compreender que a ação formativa é uma ação política, nela não há neutralidade;

216. 5. compreender que a ação sindical é sempre uma ação formativa;

216. 6. trabalhar não só com uma única verdade, mas perceber as possibilidades de estabelecer consensos, entre as várias verdades existentes sobre um dado conhecimento;

216. 7. direcionar sua ação no caminho do fortalecimento da cooperação, da não-violência e da justiça social;

216. 8. avaliação permanente da prática sindical;216. 9. repensar a ação e a organização sindical de forma que ambas

estejam pautadas num amplo processo de democratização das relações políticas no interior do MSTTR. Nesta perspectiva, as relações sociais de gênero, geração, raça e etnia devem ser trabalhadas enquanto base para a superação da exclusão e aumento da participação das mulheres, das pessoas da terceira

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idade e dos jovens nos processos de formulação das políticas e das instâncias de decisão.

216. 10. Recomenda-se que os STRs, FETAGs e CONTAG adotem a utilização da sigla MSTTR.

A abordagem metodológica da formação

217. Deve estar centrada no enfoque da construção coletiva, na garantia da afirmação e negociação entre os diversos saberes, desejos, necessidades e potencialidades das pessoas envolvidas na definição dos procedimentos e dos conteúdos trabalhados. O objetivo é estabelecer um processo de cooperação ativa entre os participantes, desenhando de forma progressiva, consensos táticos e estratégicos;

218. Deve ter como ponto de partida o resgate e a garantia do diálogo entre os interesses de todos os envolvidos. A perspectiva política é potencializar, ampliar e radicalizar o conceito e a prática da democracia.

219. Deve ser planejada com indicadores de resultados definidos para que se saiba o que se quer alcançar, acompanhadas de avaliações periódicas. O processo deve ser realimentado pela análise dos serviços que estão sendo prestados à categoria. A análise coletiva da prática é o referencial de avaliação a ser utilizado. Para termos segurança se o que estamos avaliando é verdadeiro ou falso precisamos identificar alguns indicadores de resultados. Desta forma, devem ser garantidos recursos financeiros, humanos e técnicos próprios, para executar as propostas planejadas, pois do contrário, o MSTTR continuará fazendo formação de forma esporádica e amadora.

220. A metodologia de formação deve propiciar a inserção dos diversos segmentos que fazem parte da classe trabalhadora (mulheres, homens, jovens, pessoas da terceira idade, etc.) no processo político pedagógico, respeitando suas especificidades e favorecendo a troca de aprendizagem.

Realização permanente de atividades de capacitação do PADRSS dentro do MSTTR, que além dos dirigentes alcance os trabalhadores e trabalhadoras rurais, ressaltando os aspectos da busca da igualdade, preservação ambiental e da solidariedade.Capacitar e mobilizar as mulheres trabalhadoras rurais para uma participação mais qualificada nos fóruns e conselhos, onde ocorre a construção do PADRSS.

Índice das SIGLAS

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Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD; Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura – IICA; Organização Internacional do Trabalho – OIT;União Internacional dos Trabalhadores em Alimentação, Agricultura, Hotéis,Restaurantes e Tabaco – UITA;Rede Brasiléia pela Integração dos Povos – REBRIP;Grupo de Negociações Internacionais do Ministério do Desenvolvimento Agrário –MDA;Comitê Internacional de Planificação das Organizações Não-Governamentais e Organizações da Sociedade Civil - CIP-FAO;Fundo Monetário Internacional – FMI;Coordenadora das Organizações de Produtores Familiar do Mercosul – COPROFAM.

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