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1 Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino INTENSIVO I 2011.1 DIREITO CONSTITUCIONAL Aluno: Daniel Augusto Freire de Lucena e Couto Maurício Profº. Marcelo Novelino www.injur.com.br Aula 01 - 24/01/2011

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

INTENSIVO I 2011.1

DIREITO CONSTITUCIONAL

Aluno: Daniel Augusto Freire de Lucena e Couto Maurício

Profº. Marcelo Novelino

www.injur.com.br

Aula 01 - 24/01/2011

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CONSTITUCIONALISMO

1. Introdução

Dentro do constitucionalismo vamos ver as principais etapas de evolução da história

do direito constitucional.

O constitucionalismo se opõe ao absolutismo, ou seja, a história do

constitucionalismo nada mais é do que a busca do homem político pela limitação do poder.

Nessa busca temos dentro do constitucionalismo 3 ideias principais desenvolvidas ao longo

da história:

1. Garantia de direitos: proteger direitos fundamentais contra o Estado,

evitando assim o arbítrio estatal.

2. Separação dos poderes: Montesquieu desenvolveu a ideia da tripartição dos

poderes, pois segundo ele “todo aquele que detém o Poder e não encontra

limites, tende a dele abusar.”

3. Princípio do governo limitado.

Não há garantia de constitucionalismo sem essas três ideias centrais. Vamos estudar

agora as fases do constitucionalismo

2. 1ª FASE: Constitucionalismo Antigo

Essa primeira fase vai da Antiguidade até o final do século XVIII, com o surgimento

das constituições escritas. Vamos mencionar 4 situações importantes durante o

constitucionalismo antigo:

a) Estado hebreu: considerada a primeira manifestação do constitucionalismo.

Havia um Estado teocrático, onde dogmas religiosas previstos na bíblia

limitavam o poder do Estado.

b) Grécia: Democracia constitucional: forma de governo mais moderna existente

até hoje.

c) Roma: segundo Jhering nunca em nenhum outro direito a idéia de liberdade foi

concebida de forma tão correta e digna como em Roma.

d) Inglaterra: Rule of Law: “o governo das leis” em substituição ao governo dos

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homens. Vale salientar que até a pouco tempo atrás a Inglaterra não tinha

Constituição. Apenas no ano 2000 através do Human Right Acts, um tratado

internacional a terra da rainha incorporou uma constituição escrita.

Que características identificam a primeira etapa do constitucionalismo?

a) Inexistência de Constituição escrita, que só passam a existir depois das

revoluções liberais.

b) Forte influência da religião - especialmente no Estado hebreu: os dogmas

religiosos limitavam o poder soberano; os dogmas eram para os governados e

governantes.

c) Supremacia do monarca ou do parlamento: nessa época não havia controle de

constitucionalidade, supremacia da constituição, etc. Quem tinha a supremacia

era um rei ou um parlamento. O Judiciário, historicamente sempre foi fraco.

3. 2ª FASE: Constitucionalismo Clássico/Liberal

O constitucionalismo clássico tem início no fim do século XVIII e vai até a 1ª guerra

mundial. A característica mais marcante dessa nova fase é o surgimento das primeiras

constituições escritas. Juntamente a essa 1ª ideia surge ainda mais duas fundamentais:

rigidez constitucional e supremacia da Constituição (colocada acima da lei), sendo essa

última a característica principal do constitucionalismo atual.

Neste período temos duas experiências constitucionais marcantes: EUA e França.

Vamos estudar cada uma deles separadamente.

3.1 Estados Unidos

EUA: permanece bastante atuais as ideias americanas de 200 anos atrás, sendo

imitadas pelos europeus atualmente no neoconstitucionalismo, com algumas distinções.

Vamos elencar as características do modelo americano:

a) Criação da 1ª constituição escrita em 1787, sendo a mesma até hoje. Mas a

sociedade mudou tanto! Como os EUA conseguiu manter a mesma

Constituição? Ora, a Constituição americana nasceu com 7 artigos, sendo

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extremamente concisa, o que é mais fácil de mantê-la no tempo. E mais: esses

artigos não são pormenorizados, como acontece na CF/88 brasileira; na

Constituição americana os artigos são mais gerais. E quem muda a

Constituição americana é o Judiciário na forma de interpretá-la, sendo

verdadeiras mutações constitucionais.

b) Surgimento do 1º controle de constitucionalidade tendo como parâmetro

uma constituição escrita, chamado de judicial review.. Cuidado: já existiam

experiência de controle de constitucionalidade na Inglaterra, porém, não tinha

como parâmetro uma constituição escrita. A decisão que criou o controle de

constitucionalidade nos EUA é o famoso caso Marbury x Madison, onde o juiz

Marshall exerceu pela primeira vez esse controle. Vale salientar que não há

normas escritas sobre o controle de constitucionalidade, sendo verdadeira

criação jurisprudencial.

c) Fortalecimento do Poder Judiciário. Segundo Hamilton, o Judiciário sempre

foi o mais fraco, pois “não tinha a espada nem a chave do cofre”. Nos EUA

existia uma preocupação muito grande com o Poder Legislativo, por isso com a

Constituição de 1787 houve o fortalecimento do Judiciário.

d) Separação dos Poderes, Forma federativa, Sistema Republicano e

Presidencialista e Regime Democrático.

e) Declaração de direitos. A 1ª declaração de direitos dos EUA é de 1776 (Bill

of Rights of Virginia) é anterior à Constituição de 1787. Vale salientar que a

Inglaterra já tinha várias declarações de direitos, não sendo os EUA pioneiro

neste ponto. Está em tramitação uma PEC proposta por Cristovam Buarque,

tentando encaixar a felicidade como direito fundamental, justamente inspirada

ainda na Bill of Rights of Virginia: “Todos os homens nascem igualmente

livres e independentes, tendo direitos essenciais e naturais ... tais são os direitos

de gozar a vida e a liberdade ... procurar obter a felicidade.”

3.2 França

FRANÇA: é a partir da Revolução Francesa de 1789 é que se inicia o

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constitucionalismo. Existem duas ideias fundamentais que constam na Declaração

Universal de Direitos do Homem e do Cidadão (DUDHC, art. 16): “A sociedade em que

não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não

tem Constituição. Logo, os dois elementos fundamentais para um estado constitucional

são: a) Garantia dos direitos; b) Separação dos poderes. Uma sociedade que não assegura

direitos e não separa poderes não tem Constituição.

A 1ª Constituição Francesa escrita é de 1791 (foi a segunda escrita, a primeira foi

uma polonesa; poucas pessoas sabem disso) e tem as seguintes características:

a) Consagração do princípio da separação dos poderes;

b) Distinção entre Poder Constituinte Originário e Derivado. O teórico francês

que formulou esta distinção foi o Abade Emmanuel Sieyès, que fez um

panfleto “O que é o Estado?”, sendo o titular do poder constituinte a nação.

c) Supremacia do parlamento. Na França nunca houve controle de

constitucionalidade repressivo exercido pelo Poder Judiciário antes de 2010.

Na França existe a jurisdição administrativa e a tradicional (Conselho

Constitucional), esta última sempre em segundo plano. A tradição do direito

francês é a supremacia do parlamento.

d) Surgimento da escola da exegese a partir do Código de Napoleão. Para essa

eles a interpretação era mecânica: a função do juiz era descobrir o sentido da

lei, visto que o Código era tão perfeito que não precisava ser interpretado,

sendo a função do magistrado apenas expressar o que a lei continha: “ o juiz é

somente a boca da lei.”

3.3 Dimensões (gerações) dos direitos fundamentais: 1ª e 2ª

Dando um tempo na história do constitucionalismo, vamos estudar um ponto

importante: as dimensões dos direitos fundamentais. Esta classificação foi criada pelo

polonês Karel Vazak em 1979; o Norberto Bobbio colocou em seu livro tal classificação

que ficou mundialmente conhecida. O brasileiro Paulo Bonavides é a mais adotada em

concursos.

Ora, quando Karel criou a classificação, tinha apenas 3 gerações, sendo que o mestre

Paulo Bonavides adicionou mais duas. Para memorizar a classificação original de Vazak

basta lembrar-se do lema da Revolução Francesa:

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a) Liberdade (1ª geração): as primeiras constituições escritas, como a da França

e EUA tutelavam a liberdade visando conter a arbitrariedade estatal: liberdade

do indivíduo perante o Estado. Os direitos de 1ª geração são os direitos civis

(de defesa) e políticos (de participação), impondo verdadeiras abstenções ao

Estado, tendo caráter negativo. São conhecidos também como direitos de

defesa, em que o indivíduo se usa para defender dos arbítrios estatais.

Exemplo: liberdade de expressão e pensamento --> o Estado não deve

interferir. Os direitos de 1ª geração são verdadeiros direitos individuais. Aqui

tem uma questão interessante: quando os direitos fundamentais surgiram nessa

época eram apenas oponíveis ao Estado (eficácia vertical), não se podendo

invocar contra um particular (eficácia horizontal). Hodiernamente isso já é

diferente, sendo possivelmente oponível contra particulares os direitos de 1ª

geração --> isso no Brasil. Já nos EUA, como a Constituição Americana é de

1787, não existe essa eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

b) Igualdade (2 ª geração): surge após o término da 1ª guerra mundial, com a

Constituição de Weimar de 1919. São os direitos sociais, econômicos e

culturais, de caráter positivo, pois visam uma ação positiva do Estado (direitos

prestacionais). São verdadeiros direitos coletivos, uma vez que não podem ser

entregues a uma pessoa só, e sim a todos. Exemplo: direito a trabalho, à greve,

etc.

c) Fraternidade (3ª geração):

É correto afirmar que os direitos de 1ª geração têm uma efetividade maior que os de

2ª geração? Sim, pois os primeiros tem um custo muito inferior comparados aos segundos,

que são essencialmente de prestações positivas. Cuidado: os direitos de 1ª geração também

têm custos, como por exemplo, o gasto para realizar eleições. Vale lembrar também que os

direitos de 2ª geração estão condicionados à reserva do possível.

Alguns autores falam em dimensões, outros em gerações. De fato, sempre se falou

em gerações, porém, essa terminologia dá ideia que uma substitui, excluindo a outra, o que

não acontece com o termo dimensão.

3.4 Estado de Direito ( = Estado Liberal)

Ainda na fase do constitucionalismo clássico surge, com a Revolução Francesa, o

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Estado de Direito (= Estado Liberal). As concretizações do Estado de direito são:

a) Rule of Law (Inglaterra);

b) Rechtsstaat (Prússia);

c) État Légal (França)

São características do Estado de direito:

1. Liberalismo político Estado limitado: é uma doutrina a respeito dos limites

aos poderes públicos.

a) Limitação do Estado pelo direito se limita ao soberano;

b) Limitação da Administração Pública pela lei: a ideia do princípio da

legalidade na administração surge com o estado de direito;

c) Os indivíduos têm direitos fundamentais oponíveis ao Estado. Vale ressaltar

que nos tempos pós-revolução francesa tais direitos tinham estavam apenas

no plano formal, valendo apenas para a burguesia, enquanto que as classes

mais baixas não tinham tais direitos.

2. Liberalismo econômico Estado mínimo: que intervém o mínimo possível nas

relações econômicas e sociais. A função do Estado liberal é apenas a defesa da

ordem e da segurança pública, não intervindo nos campos econômicos e sociais

que é regida pela livre iniciativa.

4. 3ª FASE: Constitucionalismo Moderno ou Social

Essa etapa vai da 1ª guerra mundial (1918) até o fim da 2ª guerra mundial (1945). O

constitucionalismo social surge com o fim da primeira guerra mundial, com uma grande

crise econômica na Europa que aprofunda a desigualdade social existente, deixando

também em situação de crise o Estado liberal, que tem que abandonar a postura

absenteísta e passar a intervir. As duas principais Constituições que iniciam a adoção deste

modelo intervencionista é a mexicana de 1917 e a Constituição alemão de Weimar de

1919. Nesta época surgem os direitos de 2ª dimensão inspirados na igualdade material

(cumpre salientar que a igualdade formal já surgiu na época das revoluções liberais), que

são os direitos sociais, econômicos e culturais, pois visam justamente reduzir as

desigualdades. A igualdade material demanda ações positivas do Estado!

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São nos direitos de 2ª geração onde surgem as garantias institucionais. As garantias

institucionais são garantias de determinadas instituições fundamentais para a sociedade.

Exemplo: família, funcionalismo público, imprensa livre.

Nesta fase surge um novo modelo de Estado: o Estado liberal se transforma em

Estado Social, que tem a seguinte característica:

1. Intervenção no âmbito social, econômico e laboral;

2. Papel decisivo no produção e distribuição de bens;

3. Garantia de um mínimo de bem-estar social (wellfare state).

O italiano Biscaretti di Rufia fala que dentro do constitucionalismo moderno há 4

ciclos constitucionais:

a) 1º ciclo – Constituições da democracia marxista ou socialista. Adotadas no

início do século XX (principalmente em países comunistas – Constituições

autoritárias)

b) 2º ciclo – Constituições da democracia racionalizada. O iluminismo contribuiu

para as suas criações. Ex: Constituição austríaca de 1920 (que criou o controle

concentrado – Kelsen), Lei Fundamental de Bonn (1919).

c) 3º ciclo – Constituições da democracia social Ex: França (1946), Itália (1947),

Alemanha (1949), Portugal (1976).

d) 4º ciclo – Constituições de países subdesenvolvidos (CF/88). Buscavam uma

mescla do poder liberal e social.

Diferentemente da escola da exegese do Constitucionalismo liberal onde a

interpretação era algo mecânico, nesta fase do constitucionalismo moderno há uma

evolução. No século XIX, Savigny desenvolve 4 elementos de interpretação: gramatical,

lógico (científico), sistemático e histórico. Após, surge um quinto elemento não criado por

Savigny, mas constante na nossa LICC: é o elemento teleológico: fins sociais para qual a

lei é destinada.

5. 4ª FASE: Constitucionalismo Contemporâno (Neoconstitucionalismo)

O constitucionalismo contemporâneo surge com o fim da 2ª guerra mundial em 1948.

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Um dos fatores decisivos para a transformação do novo constitucionalismo foram as

atrocidades nazistas. Eis que a dignidade da pessoa humana passa a ser o valor supremo,

passando a ficar no centro das constituições atuais; nas anteriores raramente irão se

encontrar tal princípio tão fortemente presente.

É interessante salientar um ponto histórico: na época do nazismo o direito alemão

tinha a doutrina mais evoluída de dignidade da pessoa humana no tocante a pesquisas: era

proibida a pesquisa com humanos sem o seu consenso. Todavia, os alemães não

consideravam judeus, ciganos e homossexuais como pessoas.

São características do neconstitucionalismo:

1. Reconhecimento definitivo da normatividade da constituição. Os críticos do

neoconstitucionalismo afirmam que essa característica não é nova, uma vez

que a Constituição americana sempre foi vista como instrumento jurídico. Mas,

isso não se aplicava às constituições europeias que eram vistas exclusivamente

com caráter político. E o que isso significa? Que os direitos fundamentais na

Europa não vinculavam o legislador. Isso só acontece após a 2ª guerra mundial,

e tem como grande difusor o Konrad Hesse em 1959 através da sua obra “A

Força Normativa da Constituição” --> as normas constitucionais não são

somente ideias, são vinculantes.

2. Centralidade da Constituição. A constitucionalização do direito --> tem

basicamente três significados:

a) Consagração de normas de outros ramos do direito na Constituição.

Exemplo: no art. 5º da CF/88 há várias matérias: civil, penal, comercial, etc.

b) Interpretação conforme à Constituição. Como a constituição é a lei suprema,

todas as outras leis devem ser interpretadas de acordo com a primeira,

passando pelo filtro constitucional.

c) Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Em alguns países até hoje,

como na Alemanha e Espanha, para se aplicar os direitos fundamentais entre

os particulares (P x P), seria necessário lei --> é a eficácia horizontal

indireta. No Brasil não adota-se tal entendimento, bastando decisões

judiciais; vigora a eficácia horizontal direta: é a aplicação direta da

Constituição, não só entre particular e Estado, mas sim também entre

particulares.

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3. Maior abertura da interpretação e aplicação da Constituição. Essa característica

está relacionado a evolução da hermenêutica: primeiro era atividade mecânica,

segundo foram adotados os elementos criados por Savigny (gramatical, lógico,

sistemático e histórico). Com o advento do constitucionalismo moderno se faz

uma distinção: a norma era considerada o gênero e dentro deste gênero vamos

trabalhar com dois tipos: o princípio e a regra. Mas qual é a influência com a

interpretação? O método de aplicação dos princípios em geral é a ponderação;

já o método da aplicação das regras é a subsunção. Vendo isso é correto

afirmar que a margem de atuação de aplicação dos princípios é mais ampla do

que uma simples subsunção. Com a ponderação há uma verdadeira abertura

interpretativa. Isso é um perigo, o que pode abrir margens a uma grande

subjetividade. Todavia, através da argumentação a subjetividade é restringida.

4. Fortalecimento do Poder Judiciário. O constitucionalismo contemporâneo faz

nascer a judicialização política: é trazer questões do âmbito político para

resolver no Judiciário. Exemplo: limites de uma CPI, reforma da previdência,

etc. Isso se dá pelo direito das minorias que perdem no Congresso Nacional e

levam ao STF para que isso se discuta em âmbito judicial. Uma pesquisa

importante mostra que no governo Lula, os partidos que mais impetraram

ADIN foi o DEM e o PSDB, e no governo FHC, o PT. Além da judicialização

da política se comenta muito hoje na judicialização das relações sociais: todas

as questões mais relevantes na sociedade são decididas no Judiciário: aborto de

anencéfalo, união homoafetivas, remarcação de reserva indígenas, etc.

5. Rematerialização das constituições. Se observarmos as constituições do pós-

guerra são prolixas, tratando de vários temas, entrando em minúcias de

regulamentação; as constituições passaram a ser ecléticas, totalizantes;

dificilmente se encontram constituições puras, com valores únicos.

Aula 02 - 28/01/2011

5.1 Dimensões (gerações) dos direitos fundamentais: 3ª e 4ª

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Dentro do neoconstitucionalismo surgem os direitos de 3ª e 4ª geração.

a) Direitos de 3ª geração: são direitos ligados ao valor “fraternidade”, ou

segundo alguns autores, são os direitos ligados à solidariedade. Bonavides

elenca um rol exemplificativo (numerus apertus) desses direitos: direito ao

desenvolvimento ou progresso; autodeterminação dos povos; direito ao meio-

ambiente; direito de propriedade sob o patrimônio comum da sociedade; direito

de comunicação. Não são direitos dados, e sim são direitos conquistados, que

podem surgir e desaparecer, a depender do tempo histórico; por exemplo, o

direito do meio ambiente só surgiu depois com o advento da Revolução

Industrial. Isso está de acordo com o pensamento de Norberto Bobbio.

* Para Bonavides, os direitos de 3ª geração surgiram em face da divisão entre

países ricos e países pobres (desenvolvidos e subdesenvolvidos).

Necessidade de colaboração dos ricos para com os pobres. São verdadeiros

direitos transindividuais.

* Os direitos de 3ª geração são direitos transindividuais, sendo alguns difusos e

outros coletivos. Cumpre salientar que para Paulo Bonavides a paz é um

direito enquadrado apenas na 5ª dimensão (nos livros mais antigos ele a

colocava na terceira dimensão).

b) Direitos de 4ª dimensão: não há nenhum valor identificado para reconhecer

esses direitos, como a fraternidade na terceira. Na 4ª geração os direitos estão

relacionados à proteção das minorias. Paulo Bonavides elenca três direitos

expressamente (cai bastante em concursos):

b. 1. Democracia: no direito constitucional contemporâneo a democracia não é

vista apenas em seu aspecto formal que significa que a democracia está

associada à vontade da maioria. Hoje, a democracia é vista de forma mais

ampla, não só como vontade da maioria; se fala também em:

+ Democracia material (substancial): para que a vontade da maioria seja

uma vontade livre. Bobbio faz uma comparação entre jogo e afirma que a

democracia é observância às regras do jogo, que seriam os pré-requisitos

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da democracia. Por exemplo: só se pode falar em vontade livre da

maioria se alguns direitos de liberdade forem observados, ex vis,

liberdade de expressão do pensamento, de reunião, de associação. Ora,

além da observância das liberdades, na democracia material também

deve haver a observância do direito de todos, inclusive das minorias.

+ Democracia constitucional, segundo Ronald Dworkin: “consiste no

tratamento de todos com igual respeito e consideração.” O conceito de

Dworkin é mais compatível com o constitucionalismo, visto que há uma

tensão entre este e a democracia substancial: ex vis, cláusulas pétreas em

um ordenamento constitucional: se a sociedade quiser colocar pena de

morte na constituição não vai conseguir, pois é uma cláusula pétrea -->

conflito esse o constitucionalismo e o conceito de democracia formal não

conseguiria resolver.

b.2 Informação

b.3 Pluralismo: está disciplinado no art. 1º, V da CF e é um dos fundamentos

da República Federativa do Brasil. O pluralismo político além de abranger o

pluralismo político-partidário, abrange também o pluralismo cultural,

artístico, religioso e de concepções de vida. Então, este respeito às

diferentes concepções em vários ramos da sociedade está protegida no

pluralismo. Um sociológo português famoso chamado Boaventura de Souza

Santos afirma que “temos o direito de ser iguais quando a diferença nos

inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos

descaracteriza.” As palavras dele dele colocam a isonomia e o direito à

diferença como basilares no contexto atual. Sobre o tema ver o livro

“Direito às diferenças” do profº. Álvaro Ricardo da PUC-BH.

Para concluir, segundo Dalai Lama “o maior problema do homem dos nossos dias

não é a falta de solidariedade das relações, e sim à tolerância de um com os outros.” Frase

relacionada com os direitos de 3ª e 4º dimensões.

5.2 Estado Democrático de Direito (=Estado Constitucional Democrático)

O professor prefere a segunda terminologia, pois quando se fala em Estado de direito

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se tem a ideia de império da lei, pois relembra os tempos romanos. Já quando se fala em

estado constitucional democrático, o foco é deslocado: da ideia de império da lei para a

noção de supremacia da constituição. As principais características do Estado

Constitucional Democrático:

1. O ordenamento jurídico consagra instrumentos de participação direta do povo

na vida política do Estado. Nas constituições do pós-guerra surgem

instrumentos para a democracia direta pelo povo, por exemplo, plebiscito,

referendo, iniciativa popular de lei (ficha limpa foi por esse meio) e ação

popular.

2. Preocupação com a efetividade e a dimensão material dos direitos

fundamentais. Este é um aspecto que distingue não só o constitucionalismo

contemporâneo e o Estado democrático de direito: hoje já atingimos uma

consagração de direitos fundamentais à nível formal. O maior problema hoje é

com a efetividade desses direitos: é fazer que eles saiam do papel para a

realidade, sendo cumpridos na prática --> É o aspecto da igualdade material.

3. A limitação do Poder Legislativo deixa de ser meramente formal e passa a

abranger também o conteúdo das leis e as omissões do legislador. Uma das

críticas que o professor Dimitri de Mo da FGV afirma que a supremacia da

constituição não é uma novidade do neoconstitucionalismo, sempre existiu. Em

parte a afirmativa dele está correta, todavia, apenas no direito norte-americano,

e não na evolução do direito constitucional europeu, onde a constituição tinha

um caráter eminentemente político; nas suas declarações de direitos não existia

caráter normativo. No que tange ao controle das omissões normativas, somente

a partir de 1974 com a Constituição Iuguslava é que é consagrado o controle de

inconstitucionalidade por omissão.

4. Surgimento de uma jurisdição constitucional para assegurar a supremacia da

constituição e a proteção efetiva dos direitos fundamentais. E o que uma

jurisdição constitucional? É uma proteção da constituição pelo Judiciário, ex

vis, ADI genérica e interventiva, ADC, ADPF, Habeas corpus, habeas data,

mandado de segurança, etc. A CF/88 talvez seja a constituição onde mais haja

jurisdição constitucional. Quem usou essa terminologia (“jurisdição

constitucional”) foi Kelsen com uma obra com o mesmo nome. Inclusive, na

época, havia uma rixa de Kelsen com Carl Schmitt, onde o primeiro afirmava

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que o controle da constituição deveria ser feito pelo Supremo, enquanto oo

segundo afirmava que deveria ser feito pelo Reich (Presidente da República).

6. 5ª FASE: Constitucionalismo do futuro

Alguns anos atrás existiram vários fóruns para discutir o constitucionalismo. Entre os

artigos publicados houve o de um argentino chamado Jose Roberto Dromi com o nome de

“constitucionalismo do futuro” afirmando quais seriam os valores das constituições do

futuro. Alguém reproduziu isso no Brasil e alguém está cobrando concurso. Vamos colocar

aqui quais seriam os valores fundamentais, em um exercício de futurologia, que as

constituições do futuro deverão ter de acordo com o argentino:

1. Verdade: as constituições do futuro não devem trazer promessas impossíveis de

ser realizadas. Esses tipos não devem ser colocados, pois são vistos com

descrédito.

2. Solidariedade: haveria uma nova ideia de igualdade baseada na solidariedade

entre os povos.

3. Integração entre os povos.

4. Continuidade: a constituição não deve sofrer rupturas em sua identidade; não

deve sofrer mudanças que descaracterizem a identidade constitucional.

5. Consenso: as constituições do futuro serão frutos de um consentimento

democrático.

6. Participação: as constituições do futuro exigirão uma participação mais ativa e

responsável do povo. Pode ser possível com os mecanismos, ex vis, plebiscito

através de celular, internet.

7. Universalidade: como todos os direitos fundamentais tem o núcleo em comum

da dignidade da pessoa humana, esses direitos devem ser universalizados. Esta,

inclusive é uma característica dos direitos fundamentais.

PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS (Hermenêuticos / Interpretativos)

1. Introdução

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Além dos termos no cabeçalho, Humberto Ávila utiliza a terminologia de “postulado

normativo-interpretativo. Ele afirma que os princípios instrumentais desempenham função

diferente do que os princípios que conhecemos, sendo verdadeiros postulados. Como vem

sendo muito cobrado em concurso essa terminologia vamos colocar um conceito para

facilitar nossa vida

Os postulados normativos-interpretativo são “meta-normas que estabelecem um

dever de segundo grau consistente em estabelecer a estrutura de aplicação e os modos de

raciocínio e argumentação em relação a outras normas.” O que ele quer dizer? Ora, se tem

as normas de primeiro grau que seriam os princípios e as regras, que se aplicam a um caso

concreto. O postulado normativo não é uma norma que se aplica ao caso concreto, e sim é

uma meta-norma que será utilizada para interpretar a norma que irá se aplicar ao caso

concreto. Exemplo: princípio da proporcionalidade segundo Humberto Ávila não é um

princípio (norma de primeiro grau), e sim é um critério que se utiliza na aplicação de

outros princípios, ou seja, é um postulado normativo.

Antes de elencar quais são os postulados, vamos fazer definições dos princípios e

normas de 1º grau:

a) Regras: são mandamentos de definição, ou seja, normas que devem ser

cumpridas na medida exata de suas prescrições. A regra é uma norma. Norma é

gênero da qual são espécies princípios e regras. A medida de cumprimento da

regra é e exata estabelecida por ela. Exemplo: aposentadoria compulsória aos

70 anos. A regra possui um mandamento definitivo e, segundo Dworkin,

obedece a moda do tudo ou nada.

* Em geral, as regras são aplicadas através de subsunção. Alguns autores como

Humberto Ávila e Ana Paula Barcelos, defendem a possibilidade de

ponderação de regra.

b) Princípios: segundo Roberto Alexysão mandatos de otimização, ou seja,

normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, de

acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Princípio é espécie

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do gênero norma, mas diferente das regras, ele obedece a lógica dou “mais ou

menos”; enquanto as regras são aplicados pela subsunção, os princípios são

aplicados através da ponderação ou sopesamento. Exemplo: é livre a

manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (art. 5º, IV da CF/88).

* Segundo Robert Alexy, qualquer conduta que tenha haver com a

manifestação de pensamento está incluído prima facie no citado princípio,

como, por exemplo, a publicação de um livro elogiando o holocausto e

negando o nazismo. Agora, note que Alexy fala em inclusão prima facie do

princípio, devendo ser analisadas a situação fática e jurídica existentes. No

exemplo do livro do holocausto, o STF fez uma ponderação: o agente

impetrou um HC afirmando que era livre manifestação de pensamento,

portanto poderia ser nazista e não ser crime de racismo. O Supremo julgou

improcedente o HC afirmando que a dignidade do povo judeu estava acima

da manifestação de um pensamento essencialmente criminoso.

Vamos estudar o catálogo de concursos de Konrad Hesse, o mais utilizado nos

concursos públicos. Vale salientar que todos estes princípios estão na Constituição.

2. Princípio da Unidade

Segundo Canotilho, a constituição deve ser interpretada de forma a se evitar

antagonismos e contradições entre suas normas.

As constituições atuais são marcadas por fixar valores as vezes conflitantes, como

por exemplo, a CF/88 defende o direito de propriedade, mas também a função social da

mesma. É objetivo do intérprete harmonizar essas normas.

Na ADI 4.097/DF o Partido Social Cristão contestava a constitucionalidade do art.

14, §4º, a inelegibilidade dos analfabetos. Só que tal norma foi feita pelo poder constituinte

originário. O PSC alegou que a inelegibilidade do analfabeto violava princípios superiores

à Constituição: isonomia, não-discriminação e sufrágio universal. Essa tese fez muito

sucesso na Alemanha na década de 50, com o doutrinador Otto Bachof, autor de um livro

sobre as normas originárias da Constituição que poderiam ser inconstitucionais: acima da

Constituição existem direitos suprapositivos. É uma tese jusnaturalista. O STF extinguiu a

ADIN do PSC por carência de ação, por ser um pedido impossível, com o fundamento de

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

não existir hierarquia entre normas de uma constituição.

STF, ADI 4.097

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI.

Inadmissibilidade. Art. 14, § 4º, da CF. Norma constitucional originária.

Objeto nomológico insuscetível de controle de constitucionalidade.

Princípio da unidade hierárquico-normativa e caráter rígido da

Constituição brasileira. Doutrina. Precedentes. Carência da ação. Inépcia

reconhecida. Indeferimento da petição inicial. Agravo improvido. Não se

admite controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas

produzidas pelo poder constituinte originário

O que esse exemplo acima tem haver com o princípio da unidade? Ora, o princípio

da unidade afasta a tese de hierarquia entre normas da constituição.

3. Princípio do efeito integrador

Konrad Hesse afirma que nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais deve

ser dada primazia à soluções que favoreçam a integração política e social, produzindo um

efeito conservador da unidade. O professor não enxerga diferença substancial do princípio

da unidade para este. Inclusive ele afirma que ambos são uma ideia especificada da

interpretação sistemática proposta por Savigny.

O princípio do efeito integrador parte da premissa que a constituição é o principal

elemento da integração da comunidade.

4. Princípio da concordância prática ou harmonização

Nos casos de colisão cabe ao intérprete coordenar e combinar os bens jurídicos em

conflito fazendo uma redução proporcional do âmbito de aplicação de cada um deles.

Havendo um conflito entre dois princípios, o intérprete deve procurar, ao invés de afastar

um deles integralmente, aplicar uma redução proporcional do âmbito de aplicação de cada

um deles. Quando isso for possível essa seria a aplicação da harmonização.

O princípio da concordância prática é muito semelhante ao princípio da concordância

prática. Vejamos a diferença:

Princípio da Unidade Princípio da Concordância prática

Utilizado quando houver um conflito abstrato: duas normas que tratam abstratamente do mesmo

Colisão de direitos: Conflito ocorre no caso concreto. Exemplo: revista faz

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assunto. Exemplo: liberdade de imprensa x vida privada

matéria sobre vida privada de outra pessoa

5. Princípio da convivência das liberdades públicas (= relatividade)

Conceito: Não existem princípios absolutos, pois todos encontram limites em outros

direitos também consagrados na Constituição. A CF/88 afirma que ninguém será torturado.

É um princípio? Não. É uma regra constitucional. Agora, com relação aos princípios, não

se pode dizer que existem princípios absolutos, ex vis, a proibição de tortura não é

absoluta; vide as punições disciplinares.

Alguns autores afirmam que a dignidade da pessoa humana é um valor absoluto.

Cuidado na hora de interpretar essa informação: como fica por exemplo uma colisão entre

a dignidade da pessoa humana de dois seres humanos distintos? A ADPF 54 trata do aborto

de anencéfalos. Um dos argumentos da confederação dos trabalhadores na área de saúde é

de que obrigar uma gestante a gerar de 9 meses um feto com a plenitude de certeza que não

sobreviverá ao parto é uma espécie de tortura que viola a dignidade da pessoa humana. Do

outro lado, defendendo o direito do feto, o principal argumento é que a dignidade da

pessoa humana do feto está sendo violada. A matéria está pendente de julgamento no STF.

6. Princípio da força normativa

Esse princípio é o que leva o mesmo nome do livro de Konrad Hesse, “A Força

Normativa da Constituição”. Quem usa muito esse princípio é o Gilmar Mendes, que foi

quem traduziu esse livro para o português.

Conceito: na aplicação da Constituição deve ser dada preferência às soluções

concretizadoras de suas normas que as tornem mais eficazes e permanentes. Quando se

fala em concretizar é aplicar a norma ao caso concreto deve se optar às soluções que

favoreçam à eficácia desta norma.

O STF tem utilizado esse princípio em caso de interpretações divergentes da

Constituição. O STF é o guardião da constituição, nos termos do art. 102, CF e, cabe a ele

dar a última palavra sobre como deve ser a interpretação. Interpretações divergentes

enfraquecem a força normativa da Constituição --> se há uma norma constitucional

interpretada de maneiras diferentes por diversos órgãos do judiciário, essa norma perde a

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

eficácia normativa, pois ninguém vai saber a norma que deve adotar. O STF pode, em

determinados casos, até permitir a relativização de coisa julgada, para não manter

interpretações divergentes.

Exemplo: até 1995 quando um segurado do INSS falecia, o dependente não recebia o

valor de pensão por morte integral que já recebia o segurado, e sim 80% dele. A partir de

1995 houve uma alteração na lei e o percentual de morte passou a ser 100%: o dependente

recebe o mesmo valor que o segurado recebia. Os dependentes que recebiam 80%

ajuizaram várias ações para receber o valor integral pós-lei. O TRF da 2ª região entendeu

que o princípio da não-retroatividade não estaria violado e eles poderiam receber o valor

integral pós-lei. Já O STF entendeu que se o dependente receber o valor integral, estaria

privilegiando um fato gerador de antes de 1995: seria uma retroatividade mínima, mas

mesmo assim não-permitida. Ora, mas processos do TRF2 favoráveis ao dependente

transitaram em julgado --> pra isso o INSS poderia ajuizar ação rescisória para relativizar a

coisa julgada inconstitucional, dentro do prazo de dois anos estabelecidos em lei. Nesse

caso concreto nem precisou da ação rescisória: as decisões do STF nessa decisão foi em

controle difuso inter partes, todavia, naquelas ações em que a parte estava cobrando o

pagamento atrasado ao INSS, bastava este peticionar o cumprimento de sentença a decisão

do STF.

7. Princípio da máxima efetividade

Alguns autores tratam a máxima efetividade como sinônimo da força normativa: só

que este se aplica a todos os dispositivos da CF/88, sem exceção; já a máxima efetividade é

um princípio dirigido exclusivamente aos direitos fundamentais.

Cuidado: Efetividade ≠ Eficácia. A efetividade ocorre quando a norma cumpre a

finalidade para qual ela foi criada; já a eficácia consiste na aptidão da norma para produzir

os efeitos que lhe são próprios. Ora, na efetividade atinge a sua função; na eficácia ela tem

aptidão para ser aplicada, mas não significa que ela cumpre a sua finalidade.

A professora Maria Helena Diniz distingue dois tipos de eficácia:

a) Eficácia positiva: é a aptidão para ser aplicada ao caso concreto.

b) Eficácia negativa: é a aptidão para invalidar normas contrárias. Exemplo: art.

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102, §3º: juros de no máximo 12% ao ano. Essa norma não teve efetividade,

(nunca foi aplicada). Não teve eficácia positiva, pois dependia de lei

regulamentadora; ora, mas teve eficácia negativa, pois pôde invalidar normas

contrárias a ela. Ora, TODA norma constitucional tem, no mínimo, uma

eficácia negativa.

Uma parte da doutrina, com Ingo Sarlet, identifica o princípio da máxima efetividade

no art. 5º, §1ª da CF/88. Vejamos:

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm

aplicação imediata

Para ele, os direitos fundamentais devem ser aplicados de forma que lhe seja

assegurada a maior efetividade possível.

Aula 03 - 07/02/2011

8. Princípio da conformidade funcional

O princípio da conformidade funcional é conhecido também como princípio da

justeza. Esse princípio, na verdade, é mais uma regra de competência do que propriamente

um princípio interpretativo.

Segundo Canotilho o princípio da justeza tem por finalidade não permitir que os

órgãos encarregados pela interpretação da Constituição cheguem a um resultado que

subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecido pela Constituição.

Cada Poder deve existir conforme a função que lhe foi atribuída constitucionalmente, não

devendo usurpar funções de outros Poderes; por isso o nome conformidade funcional.

O principal destinatário deste princípio é especialmente o Tribunal Constitucional;

no Brasil, o STF. É o Supremo que dará a última palavra no que tange à interpretação da

Constituição.

E como esse princípio é aplicado na prática? Vamos a um exemplo: o STF deu uma

decisão no HC 82959/SP onde, modificando, seu entendimento anterior, disse que a

vedação da progressão de regime previsto na Lei de Crimes Hediondos é inconstitucional.

Ora, uma decisão em sede de habeas corpus tem efeito apenas inter partes; Para que essa

decisão fosse estendida a todos seria necessário aplicar o art. 52, X da CF/88. Vejamos a

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redação legal:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada

inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

Um juiz, de Rio Branco no Acre, deu um entendimento contrário ao do STF, visto

que, a decisão em sede de HC não era vinculante. A Defensoria Pública do Acre ajuizou

uma reclamação no Supremo sob o fundamento de que aquela decisão do Pretório Excelso,

apesar de proferida em habeas corpus, teria efeito para todos, conforme os votos de alguns

dos ministros. A RCL 4335/AC, que tinha como relator justamente Gilmar Mendes, foi

julgada procedente afirmando que a decisão no referido HC não era inter partes, e sim com

efeitos erga omnes, isso porque teria havido uma modulação dos efeitos da decisão. Ora,

mas como ficaria o art. 52, X? Inócuo? Gilmar Mendes fundamentou que o referido artigo

passou por uma mutação constitucional: o Senado em vez de editar a resolução para

suspender a execução da lei, apenas dará publicidade à decisão do STF. Ele votou nesse

sentido, o ministro Eros Grau - que já se aposentou - acompanhou o relator; todavia, os

ministros Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence votaram contrário ao relator, julgando

improcedente a reclamação. A questão hoje está empada, 2 x 2. Temos que aguardar o

posicionamento do Pleno.

Se prevalecer o entendimento de Gilmar Mendes, muitos doutrinadores sustentam

que o princípio da conformidade funcional teria sido violado, uma vez que neste hipótese a

competência que era do Senado foi, de certa forma, usurpada pelo Senado Federal. O STF

estaria chamando para si uma competência constitucional do Senado.

Encerramos aqui, são 7 os princípios elencados por Konrad Hesse. Vamos analisar

agora outro princípio instrumental, mas que não faz parte do catálogo do alemão.

9. Princípio da proporcionalidade

9.1 Nomenclatura

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O primeiro ponto envolvendo o princípio da proporcionalidade é a nomenclatura: o

posicionamento amplamente majoritário - inclusive no STF e STJ - é de que

proporcionalidade e razoabilidade seriam termos equivalentes. Alguns autores, todavia,

defendem que tais terminologias seriam princípios distintos (consultar material em

www.injur.com.br para aprofundar a distinção do professor Virgílio da USP e de

Humberto Ávila, também no site).

Outro ponto importante é a consagração da proporcionalidade em nossa Constituição

Federal de 1988. Temos três posições:

a) 1ª corrente: o entendimento majoritário é que esse princípio estaria implícito na

nossa CF/88. Mas ora, se ele está implícito, de que norma estaria sendo

retirado? O STF entende que o princípio da proporcionalidade pode ser

abstraído da cláusula do devido processo legal em seu caráter substantivo, nos

termos do art. 5º, LIV:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal;

b) 2ª corrente: A doutrina e jurisprudência alemã entendem que o princípio da

proporcionalidade seriam um princípio deduzido do princípio do Estado de

Direito. Essa corrente já foi cobrado em provas do CESPE e é adotado pelo

ministro Gilmar Mendes.

c) 3ª corrente: No artigo do Virgílio Afonso da Silva, de acordo com o

entendimento de Robert Alexy, a proporcionalidade seria deduzida da própria

estrutura dos direitos fundamentais. A ideia é que, como muito dos direitos

fundamentais se estabelecem a partir dos princípios, a própria estrutura

principiológica necessitaria a aplicação do princípio da proporcionalidade. No

MP/RS perguntou o seguinte: de acordo com a teoria de Alexy, a

proporcionalidade seria princípio ou regra? Ora, não se pondera

proporcionalidade com outros princípios constitucionais, visto que ele serve de

base para a aplicação de todos os outros princípios. Logo, na teoria do Alexy a

proporcionalidade não é princípio, e sim regra. Ora, e por que no Brasil só se

fala em princípio da proporcionalidade? Em quase todos os manuais, quando se

fala em princípio, o princípio seria aquela norma mais importante do que as

outras, por isso que se fala em proporcionalidade como princípio. Ora, mas se

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você observar a legalidade, a anterioridade e a própria proporcionalidade, de

acordo com Alexy, verá que são regras, e não princípios.

9.2 Critérios da proporcionalidade

O Tribunal Alemão que criou a proporcionalidade o dividiu em três critérios,

subregras, para definí-lo. Cumpre salientar que a análise do ato, para saber se é

proporcional ou não, é necessário respeitar as regras na ordem abaixo. Para que a

proporcionalidade seja atendida tenho que observar três critérios (“máximas parciais”, nas

palavras de Alexy):

1. Adequação: consiste no respeito da relação entre meio e fim. O meio utilizado

deve ser apto para alcançar ou promover o fim almejado.

2. Necessidade: diante de medidas igualmente eficazes para alcançar o fim

almejado, deve-se optar por aquela que seja a menos gravosa possível. A

necessidade de ser associada ao meio menos gravoso. Se no caso concreto há

dois meios igualmente eficazes, escolhe-se o menos gravoso. A necessidade

também é chamada pela doutrina de “princípio da menor ingerência possível”.

Citando Jellinek: “não se deve abater pardais com canhões” (ainda que os

canhões sejam capazes de abater o pardal, é um meio gravoso demais – logo

não é necessário).

3. Proporcionalidade em sentido estrito: Consiste no sopesamento entre a

intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da

realização do direito fundamental a ser promovido; ou seja, na

proporcionalidade em sentido estrito há uma ponderação entre aqueles direitos

fundamentais que foram restringidos pelos direitos estatais e a importância que

esses direitos fundamentais devem ter. Vamos ver um exemplo hipotético: uma

lei federal que obriga todas as pessoas a fazerem um teste vírus HIV e, as que

forem positivas, deverão ficar isoladas. Vamos à análise da proporcionalidade

em sentido amplo:

a) Teste do HIV e isolamento dos doentes é o meio que é apto a concluir o fim

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almejado. É adequado.

b) Alguma medida é mais eficaz menos gravosa do que esta para impedir o

contágio das outras pessoas? Não consigo imaginar outra... é necessária

então.

c) Vamos à ponderação: de um lado há a liberdade das pessoas que tem o vírus

e a dignidade da pessoa humana em obrigar a pessoa a fazer o teste e se

isolar. E do outro lado a saúde pública de uma forma geral para evitar que

novas pessoas sejam contaminadas. Agora a pergunta: em uma ponderação

para evitar que o vírus do HIV se espalhe, o que prevalece na ponderação?

Neste caso, a medida de teste obrigatório + isolamento não passaria na

proporcionalidade em sentido amplo, pois a liberdade e a dignidade da

pessoa humana são princípios com maior peso.

Vamos a um exemplo brasileiro: no Paraná os deputados estaduais aprovaram uma

lei exigindo que os postos de venda de botijão de gás pesassem na frente do consumidor a

mercadoria: tanto o velho botijão com gás que sobrou, quanto o novo, pois no velho

geralmente sobra uns 5% de gás que seria abatido no valor do botijão novo. Vamos

investigar: o meio é adequado, visto que está protegendo o consumidor. Pela necessidade:

há outro meio mais eficaz e menos gravoso para as partes? O outro meio, inclusive já

utilizado, era uma amostragem geral dos botijões antigos e aplicar na venda de botijões

novos, mas não é tão eficaz, logo, necessidade está ok. Na proporcionalidade em sentido

estrito vamos ponderar a livre iniciativa x proteção do consumidor. Para ponderar, o STF

analisou alguns aspectos fáticos: para que haja a pesagem é preciso da balança de alta

precisão que vai pesar um gás dentro do botijão; este custo será repassado ao consumidor,

o que obviamente deixa o produto mais caro; o consumidor teria dificuldades para comprar

gás, onde só poderia nos postos de venda, não havendo mais os carrinhos de gás. O STF

entendeu que é muito melhor fazer por amostragem do que exigir a pesagem na frente do

consumidor e o gás sair mais caro. A lei do Paraná traria mais custos do que benefícios ao

consumidor, não sendo uma medida proporcional.

9.3 Proibição de excesso x proibição de insuficiência

Dentro do princípio da proporcionalidade vamos analisar a distinção entre a

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proibição de excesso e a proibição de insuficiência. Nestes exemplos que vimos (HIV e

gás), falamos em medidas excessivas em face a outros meios melhores aplicados. A

proibição de excesso tem por finalidade evitar cargas coativas excessivas, ou seja, uma

coação exagerada, em relação aos direitos fundamentais. O que a proibição de excesso

busca é evitar que medidas excessivamente gravosas sejam evitadas. E tem muitos autores

que utilizam a proibição do excesso como sinônimo de proporcionalidade. Só que esta,

segundo a doutrina alemã também abrange a proibição de insuficiência.

A proibição de insuficiência exige dos órgãos estatais o dever de tutelar de forma

adequada e suficiente os direitos fundamentais. Exemplo: a CF/88 consagra a

inviolabilidade do direito à vida no art. 5º, caput. Se o Código Penal estabelecesse uma

pena de multa para quem tirasse a vida de uma pessoa, tal medida seria suficiente para

tutelar a vida? Claro que não, ou seja, não seria proporcional, pois seria insuficiente.

Obs.: O mérito do ato administrativo pode ser controlado em face do princípio da

proporcionalidade (Gustavo Binembojn). Exemplo: políticas públicas devem ser definidas

prioritariamente pelo Legislativo e Executivo (eleitos para essa finalidade), logo, se

existem duas demandas igualmente legítimas (hospital e escola) não há como o Judiciário

controlar o ato administrativo. Entretanto, se uma das demandas não for legítima, o

Judiciário poderia intervir para controlar o Princípio da Proporcionalidade (atuando com

parcimônia – controle de legalidade).

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1. Supremacia da Constituição

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Supremacia formal x supremacia material.

A supremacia material é uma supremacia de conteúdo, que todas Constituição

possui, sem exceções. E que matérias constitucionais são essas?

a) Direitos fundamentais;

b) Estrutura Fundamental do Estado e;

c) Organização dos Poderes. Se a Constituição não tratar desses assuntos, não está

completa. É o que afirma o art. 16 da Declaração Universal dos Direitos

Humanos:

“Art. 16. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos

nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.

Toda Constituição possui supremacia material, não interessando se é uma

Constituição rígida ou flexível. Só que essa supremacia para fins de controle de

constitucionalidade não nos interessa.

O que nos interessa é a supremacia formal: só possui a supremacia formal é a

Constituição rígida. Se não há supremacia formal, não é possível o controle de

constitucionalidade, visto que o que permite o controle é a hierarquia formal onde a

Constituição estiver acima da lei. Se a Constituição não for rígida, não terá hierarquia

superior da lei, não tendo, portanto, controle.

2. Parâmetro para o controle

Existem dois termos que vamos utilizar com frequência no tema controle: parâmetro

e objeto. Parâmetro é a Constituição; a lei que está sendo impugnada é o objeto deste

controle.

Alguns autores usam o termo norma de referência (= parâmetro).

A CF/88 possui três partes: a) preâmbulo; b) parte geral (art. 1º ao art. 250); c)

ADCT, onde há normas de transição. No Brasil o ADCT não somente é utilizado quando

há substituição de Constituição, mas também no caso de emendas constitucionais, ex vis, a

reforma da previdência, onde, afora na parte geral, previu também norma de transição

previdenciária no ADCT.

Destas três partes da CF/88, as três servem de parâmetro? O ADCT tem o mesmo

nível da parte geral: eu posso declarar uma norma do ADCT inconstitucional. E o

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preâmbulo? De acordo com Jorge Miranda, existem três teses sobre sua natureza jurídica:

1. Tese da eficácia idêntica a dos demais preceitos: entende que não existe

qualquer diferença entre a parte permanente da Constituição e o preâmbulo

(mesma normatividade e caráter vinculante).

2. Tese da relevância jurídica específica ou indireta: preâmbulo participa das

características jurídicas da Constituição, mas não se confunde com o seu

articulado. O preâmbulo não é norma, mas tem função jurídica importante de

interpretação (defendida por Novelino).

3. Tese da irrelevância jurídica do preâmbulo (STF): o preâmbulo não se situa no

domínio do direito, mas pertence à história ou à política..Adotada pelo STF em

algumas decisões. Ex: Constituição do Estado do Acre (que não coloca em seu

preâmbulo “promulgamos sob a proteção de Deus”) – STF disse que o

preâmbulo não tem caráter normativo (não é norma jurídica), nem tampouco é

norma de observância obrigatória. O preâmbulo não pode ser parâmetro para o

Controle de Constitucionalidade (porque não é norma).

* Novelino acha que esta posição não é correta, pois o preâmbulo da CRFB/88

seria uma diretriz hermenêutica, já que veicula os valores supremos da

República (fins que o Estado busca alcançar). Posição relacionada ao

Método Científico-Espiritual: valores subjacentes à constituição.

Princípios implícitos também podem servir para parâmetro no controle de

constitucionalidade. O Canotilho usa a expressão “ordem constitucional global” para se

referir às normas escritas + princípios implícitos no texto da Constituição.

Com a EC 45/04 o parâmetro para o controle de constitucionalidade foi ampliado:

hoje temos fora Constituição, mas com o mesmo status de emendas constitucionais, os

tratados internacionais de direitos humanos aprovado por 3/5 e dois turnos de votação, nos

termos do art. 5º, §3º:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que

forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,

por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às

emendas constitucionais.

Até hoje temos apenas a “Convenção sobre as pessoas portadores de deficiência”,

incorporado pelo Decreto nº 6949/2009 com esse status equivalente à emenda. Perceba que

tal tratado não será colocado dentro do texto constitucional, mas terá mesma hierarquia das

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

outras normas constitucionais.

É importante saber que hoje no direito brasileiro, os tratados internacionais possuem

uma tripla hierarquia:

1. Tratados internacionais de direitos humanos, aprovados com quorum de

emenda constitucional;

2. Tratados internacionais de direitos humanos, que foram aprovados com quorum

comum, anteriores à EC 45/04 --> de acordo com o STF tais tratados têm

status supralegal: está acima da lei, mas abaixo da Constituição. É o

entendimento baseado e também aplicado pelo direito alemão. Ora, mas após a

EC 45/04 é possível a aprovação de tratados de direitos humanos, sem ser com

quorum de emenda constitucional? Observando a redação acima do §3º do art.

5º é possível sim, não sendo obrigatória a aprovação com quorum diferenciado.

Todavia existe uma recomendação dentro do Congresso Nacional para votar

com esse diferencial. Alguns autores, como Valério Mazuolli, usando um

termo direito europeu, afirmam que nessa hipótese - que o controle teria como

parâmetro um tratado internacional - teríamos um controle de

convencionalidade. Na prática, não existe nenhum instrumento específico

dessa espécie de controle, sendo apenas uma terminologia nova utilizada no

direito brasileiro.

3. Tratados internacionais que não são de direitos humanos: tem status de lei

ordinária. E o que prevalece? A lei ordinária ou estes tratados? Depende de

qual será a mais nova: lei nova revoga lei antiga.

3. Bloco de constitucionalidade

Existe uma expressão, que aparece em alguns votos do ministro Celso de Mello e que

vamos estudar: bloco de constitucionalidade. Ele utilizou a terminologia na ADI 514/PI e

na ADI 595/ES. O ministro faz uma correlação entre o bloco de constitucionalidade e

parâmetro para o controle. Vejamos: “o bloco de constitucionalidade deve ser de aferição

da constitucionalidade de atos do Poder Público.” Isso significa que o bloco é sinônimo de

parâmetro.

“Bloco de constitucionalidade” é como Louis Favoreau chamava as normas da

constituição francesa que tinham status constitucional, ainda que estejam fora da

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constituição. Exemplo: na França ele elencava o texto da Constituição de 1946, o

preâmbulo da constituição anterior, a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

princípios implícitos revelados pelo Conselho Constitucional e outras normas

constitucionais.

No Brasil este conceito é polêmico e possui dois sentidos:

1. Sentido amplo: abrange todas as normas que tem conteúdo constitucional ou

que fazem remissão a direitos consagrados pela constituição. Ex. CDC,

preâmbulo da CRFB/88, Tratados com status supralegal, direito social

regulamentado por lei, etc).

2. Sentido estrito: o bloco de constitucionalidade é sinônimo de parâmetro de

controle de constitucionalidade. Tudo que for parâmetro de controle é bloco de

constitucionalidade em sentido estrito. Ex: CRFB/88 (menos o preâmbulo),

princípios constitucionais implícitos, TIDH (3/5 e 2 turnos).

4. Formas de inconstitucionalidade

4.1 Quanto ao tipo de conduta praticada pelo Poder Público

Sempre que a CF se refere à inconstitucionalidade ela faz referência a atos do poder

público, nunca em relação a atos particulares. O objeto do controle de constitucionalidade

é sempre um ato do poder público.

Quanto à conduta do poder público a inconstitucionalidade pode ser:

1. Inconstitucionalidade por ação: é quando o Poder Público pratica uma conduta

positiva incompatível com a Constituição. Exemplo: Legislativo criou a

vedação da progressão de regime nos crimes hediondos.

2 Inconstitucionalidade por omissão: a Constituição manda que o Poder Público

faça algo e ele se omite: Exemplo: o direito de greve do servidor público está

previsto no art. 37, VII da CF/88. Vejamos:

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos

em lei específica.

Só que para que esse direito seja exercido, precisa de lei, o que até hoje não foi

feita. Essa conduta omissiva é inconstitucional. Para o controle de constitucionalidade

temos a ADO e o mandado de injunção. Este último só existe no direito brasileiro, sendo

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

um instrumento de controle difuso limitado, podendo ser processado e julgado por alguns

tribunais. Vamos estudar em outra aula esses institutos.

O Ministro Celso de Mello, usa a expressão de uma autor alemão, Karl

Loewenstein: “fenômeno de erosão da consciência constitucional” --> consiste no

preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita. Segundo

Loewenstein, quando a constituição impõe um dever ao Poder Público e este se omite,

nesses casos, o fato da constituição não ser atendida, faz com que ela perca a sua

credibilidade para as pessoas e sua efetividade; isso gera uma erosão da consciência

constitucional. É como se a Constituição passasse a ser desacreditada pelo povo.

Obs.: Segundo o STF, no caso do salário mínimo houve inconstitucionalidade parcial

(tanto por ação, quanto por omissão), pois a lei que prevê o salário mínimo não preenche

tudo que a CRFB/88 determina (art. 7º, IV). Neste caso, mesmo não admitindo a liminar na

inconstitucionalidade por omissão, o STF admite a liminar na inconstitucionalidade parcial

(seja ADI por omissão ou MI). Assim, inconstitucionalidade parcial se confunde com

inconstitucionalidade por ação.

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de

atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com

moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,

transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe

preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer

fim;

Obs.: como a omissão parcial se confunde com a ação parcial, as Constituições Estaduais

podem criar ADI por omissão para caso de omissão parcial

4.2 Quanto à norma constitucional ofendida

Aqui há a análise do parâmetro violado. A inconstitucionalidade pode ser:

Page 31: 153894753-Direito-Constitucional-Intensivo-2011-1

31

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

1. Inconstitucionalidade material: é uma incompatibilidade de conteúdo. O ato do

Poder Público é incompatível com a Constituição. violação à substância da

CRFB/88. Exemplo: lei que viola os preceitos do art. 5º da CRFB/88.

2. Inconstitucionalidade formal: a norma ofende uma formalidade

constitucionalmente criada. Aqui podemos ter duas espécies de

inconstitucionalidade forma:

a) Subjetiva: está ligada ao sujeito competente para praticar o ato. Quando o

sujeito não é respeitado há uma inconstitucionalidade formal subjetiva.

Exemplo: art. 61, §1º da CF/88:

Art. 61, § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as

leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração

direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e

orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos

Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico,

provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e

transferência de militares para a inatividade;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico,

provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União,

bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da

Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da

administração pública.

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública,

observado o disposto no art. 84, VI

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de

cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência

para a reserva.

* Nas constituições estaduais essas matérias devem ser reservadas ao

governador do Estado-membro, pois é norma de observância obrigatória.

* Exemplo: o Presidente da República é competente para iniciativa do art.

61, §1º da CF/88. Só que um deputado federal toma a iniciativa e o

projeto é aprovado. Chegando na sanção, o Presidente concorda. A

pergunta é: a sanção do projeto supre a falta de iniciativa do Presidente?

Súmula 5, STF: A SANÇÃO DO PROJETO SUPRE A FALTA DE

INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO.

* Esta súmula não está sendo mais aplicada ao STF, uma vez que é anterior

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32

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a CF/88. O Pretório Excelso hoje entende que o vício de iniciativa é

insanável.

b) Objetiva: uma matéria que deve ser tratada em lei complementar, é

aprovada com lei ordinária: é uma inconstitucionalidade formal objetiva,

pois o processo que exigia maioria absoluta teve apenas maioria relativa.

4.3 Quanto à extensão

Quanto à extensão, a inconstitucionalidade pode ser:

1. Total. Exemplo: lei estadual que trata de direito civil --> a lei toda será

inconstitucional, uma vez que compete à União legislar sobre direito civil;

2. Parcial. Muitas pessoas confundem a inconstitucionalidade parcial com o veto

parcial do art. 66, §2º da CF/88. Vejamos:

§ 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de

parágrafo, de inciso ou de alínea.

O chefe do Executivo não pode vetar apenas uma palavra, e sim a alínea, inciso ou

artigo por inteiro. Já na inconstitucionalidade admite-se declarar inconstitucional apenas

uma palavra ou uma expressão. Exemplo: a Constituição do Estado de SP afirmava que

poderia haver ADO, tendo por objeto lei estadual ou municipal e como parâmetro a própria

constituição estadual ou a CF/88. O art. 125, §2º da CF/88:

§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de

inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais

em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para

agir a um único órgão.

Perceba que a CF/88 não permite como parâmetro da ADO estadual ela mesmo, pois

o guardião da CF/88 é o STF, e não o TJ. O Supremo julgou apenas a expressão

“Constituição Federal” inconstitucional.

Agora, uma ressalva: quando se fala que o STF pode declarar apenas uma palavra ou

expressão inconstitucional, desde que não haja alteração de sentido do restante do

dispositivo. Ex: retirada de palavra “não” (tornando positivo o que era negativo).

4.4 Quanto ao momento em que ocorre a inconstitucionalidade

Quanto ao momento que ocorre a inconstitucionalidade, pode ser:

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33

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

1. Originária: na inconstitucionalidade originária o objeto é criado após o

parâmetro. A norma é inconstitucional desde o momento de sua criação (ab

initio ou ab ovo). Ex: Lei criada em 1990 --> a norma já nasceu incompatível

com a Constituição e pode, portanto, ser objeto de ADI.

2. Superveniente: o surgimento do objeto é anterior ao do parâmetro. A lei que

originariamente era constitucional se torna incompatível com a nova

constituição. Exemplo: Lei de Imprensa de 1978 nasceu constitucional, nos

termos da ADPF 130. Porque ADPF? No Brasil não se utiliza a expressão

“inconstitucionalidade superveniente”, pois se entende que, se uma norma

nasce constitucional e se torna incompatível, não há inconstitucionalidade

superveniente. Segundo o entendimento do STF, a inconstitucionalidade

superveniente é tratada como não-recepção. O STF afirma ser caso de

revogação (problema de direito intertemporal).

4.5 Quanto ao prisma de apuração

Quanto ao prisma de alteração podemos ter três espécies de inconstitucionalidade:

1. Inconstitucionalidade direta (antecedente): quando o ato está ligado

diretamente à Constituição. é quando a inconstitucionalidade do ato secundário

é conseqüência da inconstitucionalidade do ato primário do qual tira seu

fundamento direto.

* Isoladamente, não existiria possibilidade de o ato normativo secundário ser

objeto de ADI. Entretanto, neste caso, o STF entende que o ato normativo

secundário pode ser decretado inconstitucional por uma ADI, juntamente

com o ato primário, independentemente de provocação

(“inconstitucionalidade por arrastamento”).

* Exemplo: lei municipal inconstitucional por regulamentar matéria de

competência federal e decreto municipal que regulamenta a lei municipal

em questão.

Aula 04 - 09/02/2011

2. Inconstitucionalidade indireta

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34

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

a) Consequente. é quando a inconstitucionalidade do ato secundário é

conseqüência da inconstitucionalidade do ato primário do qual tira seu

fundamento direto. Isoladamente, não existiria possibilidade de o ato

normativo secundário ser objeto de ADI. Entretanto, neste caso, o STF

entende que o ato normativo secundário pode ser decretado inconstitucional

por uma ADI, juntamente com o ato primário, independentemente de

provocação (“inconstitucionalidade por arrastamento”). Ex: lei municipal

inconstitucional por regulamentar matéria de competência federal e decreto

municipal que regulamenta a lei municipal em questão. Esquematicamente

temos a seguinte conclusão:

Inconstitucionalidade consequente

Inconstitucionalidade por arrastamento(por atração /

consequencial) - É uma forma de ocorrência da inconstitucionalidade.

- É uma técnica de decisão judicial utilizada apenas no controle concentrado-abstrato quando ocorrer uma inconstitucionalidade consequente.

b) Reflexa (oblíqua): é quando o ato normativo secundário fere a constituição

de forma indireta. Neste caso não cabe ADI. Ex: decreto presidencial ilegal

que fere lei constitucional (de forma reflexa é também inconstitucional por

ferir o art. 84, IV da CRFB/88).

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir

decretos e regulamentos para sua fiel execução;

5. Formas de controle de constitucionalidade

5.1 Quanto à natureza do órgão

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35

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Quanto à natureza, o controle de constitucionalidade pode ser político ou

jurisdicional. O controle político é realizado por um órgão que não tem natureza

jurisdicional (não faz parte da estrutura do Judiciário). Pode ser órgão do Poder Legislativo

ou órgão específico criado para esse fim. Nesse último caso podemos citar como exemplo

o que ocorre na França: o Conselho Constitucional, que não é órgão do Poder Judiciário.

O controle jurisdicional é aquele feito por um órgão do Poder Judiciário. No Brasil,

todos os Poderes exercem controle preventivo e repressivo, mas a função principal do

exercício do controle de constitucionalidade repressivo é do Poder Judiciário. Por isso,

nosso sistema é chamado de sistema jurisdicional, similar ao norte-americano. Em alguns

países, como a Suíça, adotam um sistema misto: dependendo do tipo de lei que vai ser

objeto de controle, o órgão que exercerá o controle será diferente. Por exemplo, em casos

de leis locais, o controle é responsabilidade do Judiciário e, aqui a Suíça adota um sistema

jurisdicional; agora, em caso de leis federais, o controle é feito pelo Legislativo, sendo um

verdadeiro controle político. Por essa razão, é misto o sistema suíço.

5.2 Quanto ao momento do controle

O controle de constitucionalidade quanto ao momento exercido pode ser preventivo

ou repressivo. Sinoticamente, o controle preventivo na próxima página.

Vejamos o esquema da página seguinte, com as seguintes observações:

a) Algumas pessoas sustentam que o Presidente da República poderia ser

legitimado, junto com o parlamentar para opor MS no controle preventivo

perante o Judiciário. O professor Novelino discorda, pois ele já participa do

processo legislativo através do veto.

b) O controle preventivo não impede um posterior controle repressivo (ex.

controle de uma EC).

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36

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CONTROLE PREVENTIVO LEGISLATIVO EXECUTIVO JUDICIÁRIO

- É a regra geral. - Comissões de Constituição e Justiça na Câmara e no Senado: analisam previamente se o projeto de lei é constitucional ou não, através de um parecer Todos os órgãos do Legislativo possuem uma comissão desta natureza.

- Veto Jurídico (art. 66, § 1º da CRFB/88).

Art. 66, § 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

- O veto pode ser de dois tipos: político (quando o presidente veta por se contrário ao interesse público) ou jurídico - por considerar inconstitucional.

- De forma excepcional o Judiciário pode exercer o controle preventivo: é através do mandado de segurança impetrado por parlamentar quando não for observado o devido processo legislativo constitucional. - Exemplo: Como as cláusulas pétreas (art. 60, § 4º) não podem ser objeto de deliberação, o parlamentar pode impetrar o MS caso alguma proposta de lei que viole as cláusulas pétreas esteja prestes a ser votada.

- O parlamentar tem direito público subjetivo à observância do processo legislativo (o Chefe do Executivo, embora participe do Processo Legislativo, não tem interesse impetrar MS, pois possui o VETO.

- Tem que ser o parlamentar da respectiva casa na qual o projeto esteja tramitando.

- O MS para garantir o direito público subjetivo do parlamentar ao devido processo constitucional é controle subjetivo.

Obs.: É um controle difuso, pois dependendo do parlamentar vai variar o juízo competente (ex. vereador – juiz; dep. Estadual – TJ; dep. federal e senador – STF).

Já o sistema repressivo é Pode ser exercido por todos os poderes (Legislativo,

Executivo e Judiciário). Aqui o principal controlador é o Judiciário. Esquematicamente:

CONTROLE REPRESSIVO

LEGISLATIVO EXECUTIVO JUDICIÁRIO

Page 37: 153894753-Direito-Constitucional-Intensivo-2011-1

37

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-Três hipóteses de controle repressivo pelo Legislativo: 1. Art. 49, V: Compete ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder executivo que exorbitem os atos do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. 2. Art. 62: O Congresso Nacional pode rejeitar a medida provisória proposta pelo Presidente da República.

* A medida provisória deve obedecer aos pressupostos constitucionais formais (ex: relevância e urgência) e aos pressupostos materiais (ex: se a matéria é vedada à MP). Não cabe ao poder judiciário, em princípio analisar a observância dos pressupostos constitucionais. Esta análise só deverá ser feita quando a inconstitucionalidade for flagrante e objetiva (“inconstitucionalidade chapada” – Portugal). Ex. quando Lula deu status de ministro ao presidente do Banco Central por MP; quando FHC por MP criou nova hipótese de Ação Rescisória.

3. Súmula 347 do STF: o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e atos do poder público

- O chefe do Executivo (Presidente, Governador e Prefeito), pode negar cumprimento a uma lei que entenda ser inconstitucional. Para que não fique caracterizado o crime de responsabilidade e para que não haja possibilidade de intervenção (federal ou estadual), ele deverá motivar o seu ato e dar publicidade. Parte da doutrina sustenta ainda que ele deverá simultaneamente ajuizar ação cabível. - Exemplo: MP do apagão de FHC e Itamar que negou cumprimento desta MP em MG por entendê-la inconstitucional. - Há na lei de crimes de responsabilidades dos chefes do Executivo um crime que é negar o cumprimento da lei. - Alguns autores afirmam que, após a CRFB/88, não podem mais os Chefes do Executivo negar o cumprimento das leis, tendo em vista estarem presentes no rol de legitimação para a propositura de ADI, que, antes da CRFB/88, era exclusividade do PGR. O STF e o STJ admitem a negativa de cumprimento. Afirma que o chefe deve negar cumprimento. Obs.: Novelino entende que o chefe pode negar o cumprimento e impetrar ADI ao mesmo tempo (salvo o prefeito que não tem legitimidade).

- O controle repressivo feito pelo Judiciário pode ser um controle:

a) Difuso b) Concentrado

- É o sistema predominante no Brasil: sistema jurisdicional misto ou combinado, uma vez que combina o controle difuso, de origem norte-americana, e o controle concentrado, advindo do direito europeu.

5.3 Quanto à competência do controle jurisdicional

Quanto à competência jurisdicional, o controle pode ser difuso ou concentrado. O

único critério para distinguí-los é quem tem competência.

5.3.1 Controle difuso

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38

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A) Introdução

O controle difuso ou aberto é aquele que poder ser exercido por qualquer órgão do

Judiciário. Tal tipo é conhecido como sistema-americano, pois surgiu em 1803 na decisão

proferida pelo chief of justice Marshall no caso Marbury x Madison. Neste caso, foi a 1ª

vez que a Suprema Corte norte-americana declarou uma lei inconstitucional. Agora,

afirmar que foi a 1ª vez que o controle de constitucionalidade foi exercido, é falso, uma

vez que foi utilizado ontem, todavia, sem base teórica. Foram nos seguintes casos:

a) 1792: “Hayburn’s case”. Nessa época nos EUA os membros da suprema corte

eram membros também dos chamados tribunais do circuito (tipo um TRF no

Brasil). E, 5 dois 6 membros dos tribunais do circuito, declararam uma lei

sobre pensão inválida.

b) 1796: Hilton x USA: O Suprema Corte não declarou a inconstitucionalidade,

mas apreciou se a lei era inconstitucional ou não. Não declarou

inconstitucional, pois entendeu que a lei era constitucional.

Esse controle difuso, de origem norte-americana, foi introduzido através da

Constituição de 1891, que foi a 1ª constituição republicana do Brasil.

B) Noções de Direito Norte-Americano que são cada vez mais utilizadas no STF.

a) Stare Decisis: doutrina segundo a qual deve ser dado o devido peso a um

precedente judicial.

b) Binding Effect: é o efeito vinculante das decisões proferidas pela Suprema

Corte. Vale lembrar que, Rui Barbosa, que trouxe o controle difuso para o

Brasil pela 1ª vez, trouxe-o sem esse efeito. Hoje, o STF tem, para utilizar esse

efeito o art. 52, X - suspensão da execução da lei pelo Senado e as súmulas

vinculantes, nos termos do art. 103-A da CF/88.

c) Decisões overruling: consistem no abandono definitivo de um precedente

anteriormente adotado (o tribunal tem o ônus da fundamentação para derrubada

ou abandono do precedente e criação de um substituto).

d) Distinguishing: consiste no afastamento do precedente em um determinado

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39

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

caso em razão de circunstâncias fundamentais que o diferencia dos demais

casos que originaram o precedente. Não há o abandono do precedente, sendo

ele mantido, apenas não mais se aplicando ao caso em tela. Ex: Súmula 343

STF, na qual for divergência sobre texto de lei, aplica-se a súmula. Entretanto,

se a divergência for sobre matéria constitucional não se aplica a súmula.

5.3.2 Controle concentrado

Controle concentrado é aquele que se concentra em apenas 1 tribunal. E a quem

pertence esse controle? Devemos nos perguntar qual norma é o parâmetro: quando o

parâmetro é a Constituição Federal, o STF é o tribunal competente; quando o parâmetro é a

Constituição Estadual, o tribunal competente é o respectivo TJ.

O controle concentrado é conhecido como sistema europeu, inspirado no civil law ou

austríaco, uma vez que foi criado em 1920 pelo austríaco Hans Kelsen. Segundo ele, seria

o Tribunal Constitucional o competente para realizar o controle concentrado.

No Brasil o controle concentrado surgiu com a emenda constitucional nº 65/1916 à

Constituição Federal de 1946.

5.4 Quanto à finalidade principal do controle

Quanto à finalidade principal, o controle pode ser dividido em concreto ou abstrato.

5.4.1 Controle concreto (via de defesa ou via de exceção)

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Para o professor Marcelo Novelino o termo “incidental” é a palavra mais adequada

para denominar este tipo de controle, pois nele a finalidade principal é a proteção de

direitos subjetivos. A inconstitucionalidade é analisada apenas de forma incidental, não é

objeto do pedido. Exemplo: uma lei inconstitucional que criou um imposto. A pessoa entra

em juízo e pede para não pagar aquele imposto e receber o que já pagou indevidamente:

este seria o pedido; e, a causa de pedir é a declaração de inconstitucionalidade.

O controle concreto visa primordialmente à proteção de direitos subjetivos. A

pretensão é deduzida em juízo através de um processo constitucional subjetivo (caso

concreto). O controle concreto surge justamente a partir de um caso concreto levado à

apreciação do Poder Judiciário.

5.4.2 Controle abstrato (via de ação, via principal)

O controle abstrato tem por finalidade principal proteger a supremacia da

Constituição, tendo como finalidade secundária a proteção ao direito subjetivo. É

justamente o inverso do controle por via de exceção. Exemplo: Presidente da República

ajuíza ADI para proteger interesses do cidadão. A decisão do Pretório Excelso estará no

dispositivo da decisão, e não na fundamentação (como ocorre na via de defesa).

6. Formas de declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário

6.1 Quanto ao aspecto objetivo

Que partes da decisão produzirão efeitos e quais os efeitos declarados?

Controle incidental Controle principal

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--- Estrutura da decisão: + Relatório + Fundamentação: inconstitucionalidade aqui analisada + Dispositivo: efeitos inter partes.

--- Estrutura da decisão: + Relatório + Fundamentação: temos aqui duas teorias:

a) teoria extensiva: não apenas o dispositivo transcende, mas também os motivos determinantes.

- Teoria dos motivos determinantes (ou transcendência dos motivos ou efeito transcendente dos motivos determinantes):

* A ratio decidendi - razão que levou o tribunal a decidir daquela maneira- tem efeitos vinculantes. Cuidado, pois não é toda fundamentação que tem este efeito, pois as questões obiter dicta (coisas ditas de passagem) não são vinculantes.

* Argumentos a favor: o STF é o guardião da CF, cabe a ele dar a última palavra sobre a interpretação da CRFB/88 e interpretações divergentes enfraquecem a força normativa da CRFB/88. O STF já adotou essa tese em alguns julgados, mas não é pacífica. Atualmente está em discussão.

b) Teoria restritiva: afirma que apenas o

dispositivo é vinculante.

+ Dispositivo: inconstitucionalidade aqui declarada, com efeito efeito erga omnes. --- A partir de 1993 foi introduzido o efeito vinculante na decisão do controle principal.

6.2 Quanto ao aspecto subjetivo

Aqui analisam-se quais os sujeitos atingidos pela decisão. No controle incidental já

vimos que as partes envolvidas no processo são as únicas atingidas pela decisão. Já no

controle principal a decisão terá efeito erga omnes e vinculante.

Cuidado: efeito erga omnes ≠ efeito vinculante:

Efeito erga omnes Efeito vinculante - Atinge a todos, sem exceção. Não apenas os poderes públicos, mas também os particulares. - Legislador negativo: expressão criada por Hans Kelsen --> é como se o STF estivesse atuando como legislador revogando a lei. - É mais amplo do que o efeito vinculante, uma vez que atinge mais pessoas do que este.

- Não atinge a todos indistintamente. Somente atinge alguns Poderes Públicos: + O Poder Judiciário, salvo o STF. + Toda a Administração Pública, de todas as

esferas sem exceção. Ver art. 102, § 2º da CF/88:

2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações

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declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

- Poder Legislativo não é atingido pelo efeito vinculante, visto que não se pode engessar o legislador.

Obs.: Ora, se o efeito erga omnes é mais abrangente do que o efeito vinculante, por que

esse foi criado? Enquanto o efeito erga omnes atinge apenas o dispositivo da decisão, o

efeito vinculante pode atingir também a ratio decidendi - os motivos que levaram à decisão

- que estão na fundamentação. E, quando os motivos determinantes são atingidos, atingem-

se também as “normas paralelas”. O que são “normas paralelas”? São normas de outros

entes da Federação. Exemplo: o Estado de São Paulo tinha uma lei permitindo

interrogatório de preso por vídeo-conferência. O STF dá uma decisão entendendo que essa

legislação é inconstitucional, pois é de matéria penal. Vamos supor que não fosse só em SP

que existisse essa lei, e sim haveria também no Rio de Janeiro e Pará. Apesar da decisão do

Supremo ser em relação à lei do SP, como os motivos determinantes da decisão são os

mesmos, essa decisão iria atingir as normas paralelas, ou seja, as leis do Rio de Janeiro e

do Pará, mesmo que não tenham sido questionadas em ADI. E se a lei nesses Estados

continuassem a ser aplicadas? Teria que ser ajuizada uma ADI? Se sim, não adiantaria

nada; nesse caso, caberia uma reclamação para o STF.

Obs.: O efeito vinculante não vincula o Poder Legislativo apenas na sua função típica de

legislar. Motivos: a) no estado democrático o legislador não pode ser impedido pelo

judiciário de legislar; b) para evitar a “fossilização da constituição” (argumento utilizado

pelo STF). O Legislativo, todavia, é afetado pelo efeito vinculante em suas funções

atípicas (administrativa e jurisdicional) e na função típica fiscalizatória (ex: julgamento de

crime de responsabilidade). Podemos citar como exemplo a súmula vinculante nº 13

Súmula Vinculante n 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou

parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau,

inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa

jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o

exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função

gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,

compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a

Constituição Federal.

Page 43: 153894753-Direito-Constitucional-Intensivo-2011-1

43

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A súmula vale pro Poder Executivo, Poder Judiciário (inclusive o STF) e Poder

Legislativo!!! Agora, não afeta a função legislativa do Congresso Nacional, podendo uma

nova lei contrariar o entendimento do STF. E se o Pretório Excelso quiser mudar o seu

entendimento futuramente também é possível.

Obs.: O chefe do Poder Executivo também não fica vinculado em sua função legislativa.

Ex: apresentar um projeto de lei de sua exclusiva iniciativa, medida provisória, lei

delegada, celebração de tratado internacional, veto, etc. Todavia, se estiver exercendo a

função administrativa, o Chefe do Executivo estará sujeito ao efeito vinculante.

Aula 05 - 23/02/2011

6.3 Quanto ao aspecto temporal

Para estudar a forma de declaração de inconstitucionalidade quanto ao aspecto

temporal, é necessário antes estudar a natureza jurídica da lei inconstitucional. Qual a

natureza jurídica de uma lei inconstitucional?

a) Ato Inexistente: A posição minoritária é que a lei inconstitucional seria um ato

inexistente. Para uma norma pertencer a um ordenamento jurídico ela deve ser

feita de acordo com seu fundamento de validade que é a norma superior. Se ela

não é criada respeitando isso, está fora do ordenamento. Aquelas normas que

não obedecem a norma superior, estão fora do sistema, não existindo portanto.

Um dos autores que defendem esse ponto de vista é Seabra Fagundes; ele

entende que se para pertencer ao ordenamento jurídico a norma tem que ser

feita de acordo com o seu fundamento de validade. Quando isso não ocorre a

norma deve ser considerada juridicamente inexistente.

b) Ato nulo: é o entendimento adotado pela doutrina e jurisprudência norte-

americana desde o famoso caso Marbury x Madison em 1803 - é a teoria de

nulidade. A lei inconstitucional é um ato nulo, pois possui um vício de origem.

Ora, se a lei inconstitucional é considerada um ato nulo, a decisão do juiz que

declara a lei inconstitucional, tal sentença será declaratória ou constitutiva?

Terá natureza declaratória.

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44

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

c) Ato Anulável: era o posicionamento defendido por Hans Kelsen. A lei

inconstitucional não seria um ato nulo, e sim anulável. Kelsen argumenta que

se a lei enquanto não for declarada inconstitucional continua existindo e

produzindo efeitos, a lei inconstitucional somente pode ser considerada um ato

anulável. É a teoria da anulabilidade. A sentença proferida aqui pelo juiz tem

uma natureza constitutiva. Este posicionamento de Kelsen é reforçado pelo

princípio da presunção de constitucionalidade das leis: enquanto a lei não for

declarada inconstitucional será considerada presumidamente constitucional - é

uma presunção relativa.

O posicionamento adotado pelo STF é de acordo com a doutrina americana: a lei

inconstitucional é um ato nulo. Esse entendimento hoje é bastante questionado, em razão

da possibilidade que existe da modulação temporal dos efeitos da decisão.

Em regra, pela teoria da nulidade, se a lei já nasceu inválida, o efeito da declaração

de inconstitucionalidade será ex tunc - desde quando a lei foi criada, tendo efeitos

retroativos. Essa é a regra geral. Todavia, existe a possibilidade da modulação temporal

dos efeitos da decisão pelo STF; a partir da modulação a decisão que declara uma lei

inconstitucional terá efeito ex nunc: a lei é inconstitucional, mas não vale desde o seu

nascimento, e sim apenas de quando foi proferida a decisão.

Também o tribunal pode utilizar-se do efeito “pro futuro” na declaração de

inconstitucionalidade. E o que é o efeito pro futuro? O tribunal fixará um momento futuro

a partir do qual a decisão começará a surtir seus efeitos. Exemplo:

Para que a modulação temporal possa ser feita é necessário o atendimento de um dos

requisitos seguintes: segurança jurídica ou excepcional interesse social. Estes requisitos

estão previstos no art. 27 da Lei 9.868/99 (regula ADI e ADC) e art. 11 da Lei 9.882/99

(regula a ADPF). Vejamos:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e

tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse

social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de

seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela

só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento

que venha a ser fixado.

Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no

processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo

em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse

social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços - ou

seja 8 ministro dos 11 - de seus membros, restringir os efeitos daquela

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em

julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

* O quorum de 2/3 é somente para modular os efeitos pro futuro ou ex nunc. Vale

lembrar que essa modulação não só se refere ao aspecto temporal; o STF pode

modular a extensão dos efeitos da sua decisão.

* Apesar de estar prevista apenas nas leis que regulamentam a ADI, ADC e

ADPF, a modulação temporal pode ser feita pelo STF também no controle

difuso, por via incidental. Neste caso aplicam-se os mesmos critérios previstos

nas Lei 9.868/99 por analogia. Inclusive, essa analogia utilizando-se a citada

lei tem fundamento da jurisprudência do Pretório Excelso.

Exemplo de efeito ex nunc: STF, RE 442.683/RS. A decisão tratava dos regimes

jurídicos dos servidores públicos da União, onde tinha dentro das hipóteses de provimento

do cargo público, a ascensão - uma pessoa fazia um concurso de nível médio para

determinado órgão e, após, órgão abria um concurso interno para cargos de nível superior,

ex vis, de técnico do INSS para seu procurador autárquico. O STF declarou essa lei

inconstitucional. Todavia, se ele declarasse inconstitucional com efeito ex tunc, todos

aqueles servidores que estavam em determinados cargos através de ascensão teriam que

deixá-los. Para evitar uma situação de insegurança jurídica o STF declarou a lei

inconstitucional, mas apenas com efeitos ex nunc.

EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO:

PROVIMENTO DERIVADO: INCONSTITUCIONALIDADE: EFEITO

EX NUNC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA

JURÍDICA.

I. - A Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma de

acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de

ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a progressão de

servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos 1987 a 1992 , o

entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que, apenas em

17.02.1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex

nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17

e art. 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram

declarados inconstitucionais em 27.8.1998: ADI 837/DF, Relator o

Ministro Moreira Alves, "DJ" de 25.6.1999.

II. - Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do

efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade.

Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores

que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administrativos.

III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

IV. - RE conhecido, mas não provido.

Exemplo de efeito pro futuro: STF, RE 197.917/SP. Nesse recurso extraordinário o

STF analisou a questão do número de vereadores dos municípios. O TSE previu uma série

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

de critérios para utilizar o número de vereadores. O Pretório entendeu que a resolução era

constitucional. Essa decisão foi proferida em 2002, no meio de uma legislatura (que

terminaria em 2004). Se o Supremo se utilizasse dos efeitos ex tunc, os vereadores teriam

que sair do cargo e devolver tudo que receberam; se ex nunc, eles teriam que sair e

realizar-se novas eleições. Por isso, o STF utilizou-se do pro futuro: a decisão só começa a

produzir efeitos em 2004, quando iniciar-se uma nova legislatura, para preservar a

segurança jurídica do atual momento político.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE

VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL.

LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES

PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV.

APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO

DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE.

INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE

VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER

TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO.

SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.

1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de

Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os

limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c.

2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da

composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites

máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a

previsão constitucional expressa da proporcionalidade.

3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos

têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias

vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que

delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao

postulado da isonomia.

4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma

municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem

observância da relação cogente de proporção com a respectiva população

configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema

constitucional vigente.

5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição

Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta

aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e

distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos

postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos

administrativos (CF, artigo 37).

6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da

República, que admite a proporcionalidade da representação política em

face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera

segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das

Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º). 7.

Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da lei local que fixou em 11

(onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais

de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes.

8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a

declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave

ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse

público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à

declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário

conhecido e em parte provido.

Obs.: É possível modulação temporal dos efeitos de decisão de inconstitucionalidade em

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

caso de recepção (normas pré-constitucionais)? Esta questão foi debatida apenas por estes

dois ministros no meio de um julgamento. Gilmar Mendes entendeu que a modulação seria

possível em relação a normas anteriores à CRFB/88. Já Celso de Melo discordou,

afirmando que não seria possível a modulação em matéria de normas pré-constitucionais.

Esta discussão não foi a causa da decisão, apenas uma questão controversa entre eles obiter

dicta.

6.3.1 Inconstitucionalidade progressiva (ou norma ainda constitucional)

São “situações constitucionais imperfeitas” (expressão utilizada pelo Supremo) que

se situam entre a inconstitucionalidade plena e a constitucionalidade absoluta. Nestas

situações imperfeitas é como se a norma estivesse na zona cinzenta: ela não é nem

totalmente constitucional nem inconstitucional. Apesar de uma aparente

inconstitucionalidade, as circunstâncias fáticas existentes naquele momento justificam a

manutenção da norma dentro do ordenamento jurídico. Existem dois entendimentos sobre

essas situações inconstitucionais imperfeitas:

1. STF, HC 70.514. Aqui o Supremo analisou incidentalmente a

constitucionalidade do art 5º, § 5º da Lei 1.060/50 que teve uma alteração pela

Lei 7.871/89:

§ 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles

mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será

intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as

Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos.

* Incidentalmente o Ministério Público contestou os prazos em dobro pela

Defensoria Pública, entendendo ser uma discriminação ilegal: porque a

defensoria pode e o MP não? O MP pediu que incidentalmente que a

expressão “em dobro” fosse declarada inconstitucional. O STF entendeu, de

fato, que o prazo deveria ser igual; no entanto, se analisar-se a estrutura de

defensoria e MP, na maioria dos Estados brasileiros, são raras as exceções,

mas entre ambas instituições se percebe que o MP é mais estruturado do que

as defensorias. O Supremo entendeu que enquanto houver uma desigualdade

fática entre a defensoria e o Ministério Público se justifica essa

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desigualdade jurídica: a medida em que a defensoria pública for sendo

estruturada da mesma forma em que o Ministério Público, esta norma

progressivamente irá se tornar inconstitucional.

STF, RE 70.514

EMENTA: - Direito Constitucional e Processual Penal. Defensores

Públicos: prazo em dobro para interposição de recursos (§ 5 do art. 1 da

Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de

08.11.1989). Constitucionalidade. "Habeas Corpus". Nulidades. Intimação

pessoal dos Defensores Públicos e prazo em dobro para interposição de

recursos.

1. Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 5 do art. 1 da Lei

n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no

ponto em que confere prazo em dobro, para recurso, às Defensorias

Públicas, ao menos até que sua organização, nos Estados, alcance o nível

de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa,

como órgão de acusação, no processo da ação penal pública.

2. Deve ser anulado, pelo Supremo Tribunal Federal, acórdão de Tribunal

que não conhece de apelação interposta por Defensor Público, por

considerá-la intempestiva, sem levar em conta o prazo em dobro para

recurso, de que trata o § 5 do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950,

acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989.

3. A anulação também se justifica, se, apesar do disposto no mesmo

parágrafo, o julgamento do recurso se realiza, sem intimação pessoal do

Defensor Público e resulta desfavorável ao réu, seja, quanto a sua própria

apelação, seja quanto à interposta pelo Ministério Público.

4. A anulação deve beneficiar também o co-réu, defendido pelo mesmo

Defensor Público, ainda que não tenha apelado, se o julgamento do

recurso interposto pelo Ministério Público, realizado nas referidas

circunstâncias, lhe é igualmente desfavorável. "Habeas Corpus" deferido

para tais fins, devendo o novo julgamento se realizar com prévia

intimação pessoal do Defensor Público, afastada a questão da

tempestividade da apelação do réu, interposto dentro do prazo em dobro.

2. STF, RE 147.776. Essa hipótese envolveu o art. 68 do Código de Processo

Penal e a CF/88 no seu art. 134.

Art. 68. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32,

§§ 1o e 2o), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil

(art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa,

em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.

O Ministério Público questionou a constitucionalidade do art. 68 na supracitada

decisão. Ora, a partir da CF/88 quem tem obrigação de defender os pobres é a Defensoria,

portanto, o art. 68 não deveria ser o responsável pela atribuição incumbida no CPP. O STF

entendeu que, de fato, essa responsabilidade era defensoria pública; todavia, nem todos os

Estados-membros possuem defensoria e, por isso a norma discutida é constitucional: se eu

declaro o dispositivo inconstitucional estou privando as pessoas do direito conferido pelo

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

artigo. A medida que as defensorias públicas forem sendo criadas e instaladas, o art. 68 do

CPP será inconstitucional. O professor Marcelo Novelino entende que é uma forma de

manipulação temporal dos efeitos da decisão essas hipóteses de inconstitucionalidade

progressiva.

STF, RE. 147.776

EMENTA: Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível,

do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à

reparação: C. Pr. Pen., art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328):

processo de inconstitucionalização das leis.

1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a

constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou

revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex

tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova

ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual

a possibilidade de realização da norma da Constituição - ainda quando

teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada - subordina-se

muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.

2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada

ao Ministério Público pelo art. 68 C. Pr. Penal - constituindo modalidade

de assistência judiciária - deve reputar-se transferida para a Defensoria

Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde

e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da

própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que - na

União ou em cada Estado considerado -, se implemente essa condição de

viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art.

68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São

Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328.

STF, RE 135.328

LEGITIMIDADE - AÇÃO "EX DELICTO" - MINISTÉRIO PÚBLICO -

DEFENSORIA PÚBLICA - ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO

PENAL - CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A teor do disposto no

artigo 134 da Constituição Federal, cabe à Defensoria Pública, instituição

essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em

todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da Carta,

estando restrita a atuação do Ministério Público, no campo dos interesses

sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do artigo 127 da

Constituição Federal). INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA -

VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITO ASSEGURADO

CONSTITUCIONALMENTE - ASSISTÊNCIA JURÍDICA E

JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS - SUBSISTÊNCIA

TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ao

Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre

viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada -

e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação - a

Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de

Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de

ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo

prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe

competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam

demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem

prejuízo do próprio sustento.

Obs.: “Apelo ao legislador”: é quando o Judiciário faz um apelo ao legislador para que crie

a norma necessária e conserte determinada questão de sua competência; isso é feito em

casos de Inconstitucionalidade Progressiva No Brasil não há prazo para o Legislador criar

a norma (na Áustria há um prazo de 6 meses). A depender da situação, aqui no Brasil, cabe

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Reclamação Constitucional. Para Novelino o apelo ao legislador é forma de modulação

temporal, mas o STF não considera assim.

6.4 Quanto à extensão da declaração

A modulação temporal dos efeitos da decisão pode ocorrer não só no controle

concentrado, como visto, mas também no controle difuso. Essas técnicas que vamos

estudar agora só podem ser utilizadas no controle concentrado. Logo, as técnicas de

decisão que serão analisadas a seguir só podem ser utilizadas no controle concentrado de

constitucionalidade (ADI, ADC e ADPF). Que técnicas são essas? São as seguintes:

1. “Declaração de nulidade sem redução de texto: ocorrendo quando a lei for

polissêmica ou plurissignificativa (mais de um significado possível). Exemplo:

a lei “A” tem duas interpretações possíveis. O STF, então, declara, não o

dispositivo inconstitucional, mas apenas a interpretação errônea dada ao

dispositivo. Na decisão, portanto, o Pretório Excelso poderá dizer que o

dispositivo é inconstitucional se for interpretado da maneira errônea. Essa

declaração de nulidade sem redução de texto é muito semelhante ao princípio

da interpretação conforme à Constituição --> o STF entendeu que “a

declaração de nulidade sem redução de texto e a interpretação conforme a

Constituição são técnicas de decisão judicial equivalentes.” Exemplo: Ex:

Norma X, com possíveis interpretações A e B. Dispositivo da decisão: “A

norma X é inconstitucional se for interpretada da maneira B”. Com a

interpretação conforme a decisão ficaria da seguinte forma: o dispositivo é

constitucional, desde que interpretado da maneira “A”.

* Há uma distinção feita pelo professor Luis Roberto Barroso: a interpretação

conforme nesse caso é utilizado como técnica de decisão judicial, pois, nesta

forma de decisão o Tribunal exclui uma interpretação e permite outra.

Todavia, a interpretação conforme pode ser utilizada não como uma técnica

de decisão judicial, mas sim como um princípio interpretativo: aí ela terá um

significado diferente. Enquanto princípio interpretativo, a interpretação

conforme impõe que as leis sejam interpretadas à luz dos valores

constitucionais --> Aqui nesse sentido é possível ter duas interpretações

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51

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

conforme segundo o mesmo dispositivo. Exemplo: julgamento proferido pelo

TJ/RS que envolvia os dispositivos do CC sobre partilha dos bens: quando o

CC fala em união estável o faz com relação a homem e mulher. A questão

analisada foi a seguinte: um casal homoafetivo teria direito à partilha de bens

no regime de comunhão parcial ou essa regra pode ser aplicada apenas entre

homem e mulher. O TJ/RS interpretou os arts. 1723, 1725 e 1658 do CC/02 à

luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e do princípio da isonomia,

e segundo esses ele determinou que o regime da comunhão parcial se

aplicasse à relação homoafetiva.

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que

sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos

artigos seguintes.

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o

homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e

duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros,

aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão

parcial de bens.

TJ/RS AC 70005488812

Relação homoerótica. União estável. Aplicação dos princípios

constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Analogia. Princípios

gerais do direito. Visão abrangente das entidades familiares. Regras de

inclusão. Partilha de bens. Regime da comunhão parcial. Inteligência dos

artigos 1.723, 1.725 e 1.658 do código civil de 2002. Precedentes

jurisprudenciais. Constitui união estável a relação fática entre duas

mulheres, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e

estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados

os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os

preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios

constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e

dos princípios gerais do direito, além da contemporânea modelagem das

entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de

inclusão. Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos

bens segundo o regime da comunhão parcial. Apelações desprovidas.

* A interpretação conforme, enquanto técnica de decisão judicial só pode ser

utilizada no controle concentrado, no entanto, a interpretação conforme

enquanto princípio interpretativo pode ser utilizada por qualquer órgão do

Poder Judiciário (no exemplo acima foi o TJ/RS que aplicou o princípio).

2. Declaração de nulidade com redução de texto: o STF pode afirmar que toda a

lei é inconstitucional (total), ou apenas uma parte (parcial) da lei é

inconstitucional, excluindo as vezes apenas uma palavra, todavia, não pode o

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STF alterar o sentido da norma. Quando o Supremo utiliza a técnica da redução

de texto, ele atua como uma espécie de “legislador negativo.” Essa expressão

foi criada por Hans Kelsen - na obra “Jurisdição Constitucional” e ele entende

que, quando Supremo reduz o texto, estaria ele atuando como um legislador

negativo - pois retira a parte da lei ou toda lei.

6.4.1 Inconstitucionalidade por arrastamento (por atração)

Vamos antes de conceituar o arrastamento, relembrar a inconstitucionalidade

consequente. Exemplo:

- CF/88: norma suprema.

- Lei: se a lei for inconstitucional ela pode ser objeto de ADI.

- Decreto: ocorre quando a lei é inconstitucional e o decreto que regulamenta

esta lei, em consequência da inconstitucionalidade da lei. O decreto, que é

legal constitucionalmente, será indiretamente ilegal. Ora, como a inconstitucionalidade do

decreto é consequência da inconstitucionalidade da lei. É o arrastamento forma de

inconstitucionalidade consequente.

Na ADI o Supremo pode se utilizar da referida técnica: julgo procedente a ADI para

declarar a inconstitucionalidade da Lei “X” e, por arrastamento, do decreto que a

regulamenta. Perceba que o decreto não pode ser objeto de ADI, pois não pode ter como

parâmetro a CF/88. Todavia, se o STF não declará-lo inconstitucional ele ficará perdido no

ordenamento jurídico, por isso, ele usa da técnica do arrastamento. VER ADI 437-QO:

STF, ADI 437-QO (trecho)

A inconstitucionalidade por arrasto ocorre quando há uma relação de

dependência de certos preceitos com os que foram especificamente

impugnados, de maneira que as normas declaradas inconstitucionais

sirvam de fundamento de validade para aquelas que não pertenciam ao

objeto da ação. Trata-se exatamente do caso em discussão, no qual "a

eventual declaração de inconstitucionalidade da lei a que refere o decreto

executivo (...) implicará o reconhecimento, por derivação necessária e

causal, de sua ilegitimidade constitucional. Constatada a ocorrência de

vício formal suficiente a fulminar a Lei estadual ora contestada, reconheço

a necessidade da declaração de inconstitucionalidade conseqüencial ou

por arrastamento de sua respectiva regulamentação, materializada no

Decreto 6.253, de 22.03.06.”

7. Controle jurisdicional de constitucionalidade

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

7.1 Controle difuso

É aquele controle feito por qualquer juiz ou tribunal. O controle difuso, na verdade,

não tem nada de específico, sendo apenas o controle feito incidentalmente nas ações

processuais. Vamos estudar algumas questões polêmicas para elucidar o tema.

7.1.1 Ação civil pública

Em uma ação civil pública o juiz pode apreciar a constitucionalidade de uma lei ou

será que neste caso estaria usurpando a competência do STF, já que, em alguns casos, a

ação civil pública tem efeitos erga omnes. Em regra, não há óbice. Para que uma ACP

possa ser admitida como instrumento de controle de constitucionalidade, a

inconstitucionalidade deve ser apenas o fundamento do pedido ou a questão incidental ou a

causa de pedir, e não o pedido em si. O dispositivo da sentença apenas afirmará se o

pedido é procedente ou não; a constitucionalidade é discutida na fundamentação como uma

questão incidental, não transitando em julgado. Se na ACP o pedido for uma declaração de

inconstitucionalidade ela estará sendo utilizada como uma ADI, havendo, nesse caso, uma

usurpação da competência do STF. Sobre o tema, acompanhar as seguintes decisões: STJ,

REsp. 557.646 e REsp. 294.022 e STF, RE 227.159.

STJ, REsp 557.646

PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECLARAÇÃO

INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE - POSSIBILIDADE -

EFEITOS.

1. É possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, na ação

civil pública, de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público,

desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim

como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial,

indispensável à resolução do litígio principal, em torno da tutela do

interesse público.

2. A declaração incidental de inconstitucionalidade na ação civil pública

não faz coisa julgada material, pois se trata de controle difuso de

constitucionalidade, sujeito ao crivo do Supremo Tribunal Federal, via

recurso extraordinário, sendo insubsistente, portando, a tese de que tal

sistemática teria os mesmos efeitos da ação declaratória de

inconstitucionalidade.

3. O efeito erga omnes da coisa julgada material na ação civil pública será

de âmbito nacional, regional ou local conforme a extensão e a

indivisibilidade do dano ou ameaça de dano, atuando no plano dos fatos e

litígios concretos, por meio, principalmente, das tutelas condenatória,

executiva e mandamental, que lhe asseguram eficácia prática,

diferentemente da ação declaratória de inconstitucionalidade, que faz

coisa julgada material erga omnes no âmbito da vigência espacial da lei ou

ato normativo impugnado.

4. Recurso especial provido.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

STJ, REsp. 294.022

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DIFUSO

DE CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA ERGA OMNES.

LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES.

1. O STJ vem perfilhando o entendimento de que é possível a declaração

incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em sede de

ação civil pública, nos casos em que a controvérsia constitucional consista

no fundamento do pedido ou na questão prejudicial que leve à solução do

bem jurídico perseguido na ação.

2. Tratando-se de controle difuso, portanto exercitável incidentalmente no

caso concreto, apenas a esse estará afeto, não obrigando pessoas que não

concorreram para o evento danoso apontado na ação coletiva; ou seja, a

decisão acerca da in⁄constitucionalidade não contará com o efeito erga

omnes, de forma que não se verifica a hipótese de ludibrio do sistema de

controle constitucional.

b) Recurso especial provido.

STF, RE 227.159 Recurso extraordinário. Ação Civil Pública. Ministério Público.

Legitimidade. 1. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pública para declarar a

inconstitucionalidade de ato normativo municipal.

2. Entendimento desta Corte no sentido de que "nas ações coletivas, não

se nega, à evidência, também, a possibilidade de declaração de

inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal

ou local."

3. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer

instância, de acordo com a respectiva jurisdição, a propor ação civil

pública(CF, arts. 127 e 129, III). 5. Recurso extraordinário conhecido e

provido para que se prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério

Público.

Nesse último caso julgado no STF é a situação do Rio de Janeiro onde havia um

decreto regulando os bingos. O Ministério Público ajuizou uma ação civil pública com

pedido de fechamento dos bingos, enquanto que a causa de pedir era a ilegalidade do

decreto. O tribunal que decidiu entendeu que nesta hipótese não houve usurpação de

competência do STF, pois o pedido não foi a inconstitucionalidade do decreto, e sim o

fechamento dos bingos.

Quando há usurpação da competência do STF o instrumento cabível será uma

reclamação.

7.1.2 Cláusula da reserva de plenário (regra do “full bench” = tribunal cheio)

A cláusula da reserva de plenário está disposta no art. 97 da CF/88: determinadas

competências serão reservadas aos plenários dos tribunais, não podendo ser exercida pelos

órgão fracionários.

Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos

membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

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55

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Na reserva de plenário, o Pleno pode receber essa competência, ou o órgão especial

previsto no art. 93, XI da CF/88. Só pode ter esse órgão especial os tribunais que

possuírem mais de 25 julgadores. Exemplo: tribunal de SP tem mais de 300

desembargadores.

XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá

ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de

vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e

jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se

metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo

tribunal pleno;

A cláusula da reserva de plenário só é exigida no âmbito dos tribunais, não tendo que

ser observadas fora desse âmbito, ex vis, um juiz singular pode reconhecer a

inconstitucionalidade de uma lei.

Uma pergunta: no âmbito das turmas recursais dos juizados especiais tem que se

observar a reserva de plenário? Ora, turma recursal não é tribunal e, se a reserva de

plenário só é exigida no âmbito dos tribunais, turma recursal não precisa observar tal

ressalva constitucional.

Cuidado: a reserva de plenário é só para declarar a inconstitucionalidade de uma lei.

O tribunal para declarar uma lei constitucional ele pode fazê-lo através dos seus órgãos

fracionários.

Obs.: como ficam as normas pré-constitucionais, anteriores à Constituição? Ficam sujeitas

à reserva de Plenário? Aqui é necessário relembrar que o Brasil não adota a tese da

inconstitucionalidade superveniente, logo, as normas pré-constitucionais ficam sujeitas ao

fenômeno da não recepção, que não é declaração de inconstitucionalidade. Logo, os

tribunais, no que tange as normas pré-constitucionais não se submetem à reserva de

Plenário.

Obs.: muito cuidado com o trâmite processual da reserva de Plenário. A única coisa que

será julgada no Pleno ou no Órgão Especial é a inconstitucionalidade em tese da lei

atacada no caso concreto. Decidida a inconstitucionalidade, o órgão fracionário irá julgar o

caso concreto. Essa decisão dada na reserva de Plenário servirá de leading case dentro

daquele tribunal e, se houver indagações sobre o mesmo tema, o órgão fracionário já

poderá julgar. Os arts. 480 e seguintes do CPC confirmam esse procedimento:

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56

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do

poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão

à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.

Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for

acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao

tribunal pleno.

Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao

plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade,

quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo

Tribunal Federal sobre a questão.

Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do

tribunal designará a sessão de julgamento.

§ 1o O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público

responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem,

poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados

os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal.

§ 2o Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da

Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão

constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do

Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito

de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos.

O STF editou a súmula vinculante nº 10 que trata da reserva de Plenário. Vejamos:

Súmula Vinculante nº 10: VIOLA A CLÁUSULA DE RESERVA DE

PLENÁRIO (CF, ARTIGO 97) A DECISÃO DE ÓRGÃO

FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL QUE, EMBORA NÃO DECLARE

EXPRESSAMENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU

ATO NORMATIVO DO PODER PÚBLICO, AFASTA SUA

INCIDÊNCIA, NO TODO OU EM PARTE.

A súmula afirma que quando um tribunal deixe de aplicar a lei, por entender

inconstitucional, mesmo que não declare a inconstitucionalidade e acabe afastando sua

incidência, viola a cláusula de reserva de Plenário. A súmula vinculante quer dizer que a

“reserva de plenário” tem que ser observada mesmo nos casos em que o tribunal afasta a

lei implicitamente, sem fazer menção expressa à declaração de inconstitucionalidade. Essa

declaração de inconstitucionalidade não expressa, de forma a afastar a incidência de

determinada lei foi conceituada como “declaração escamoteada de inconstitucionalidade”,

segundo o entendimento do ministro Celso de Mello.

A inobservância de reserva do Plenário gera a nulidade absoluta da decisão.

7.1.3 Suspensão da execução da lei pelo Senado Federal

A suspensão da execução da lei pelo Senado Federal está disposto no art. 52, X da

Constituição Federal.

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada

inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

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57

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Existem dois sistemas de controle de constitucionalidade: difuso ou concentrado. Lá

no direito americano qualquer juiz pode exercer o controle; já na Europa apenas o tribunal

constitucional pode exercer tal controle. No controle difuso qualquer juiz pode analisar a

constitucionalidade, mas, lá nos EUA existe um instituto chamado stare decisis, onde os

precedentes dos tribunais superiores devem ser observados - os tribunais inferiores devem

observar essa decisão (binding effect). No Brasil, inicialmente foi introduzido o controle

difuso na CF/1891, todavia, não foi introduzido o stare decisis (vinculação do precedente).

Para poder corrigir esse problema e a decisão valesse a todos, na CF/1934 foi introduzida a

competência do Senado: o Supremo dá uma decisão no controle difuso, com efeito inter

partes e, para que a decisão não seja aplicada somente para as partes o Senado pode editar

uma resolução suspendendo a execução desta lei e, como é editada pelo Senado tem efeito

para todos, erga omnes.

Pela leitura do inciso X, art. 52, o que abrange a decisão definitiva? É apenas para o

controle difuso, nos termos do art. 178 do RISTF. Isso está correto, pois a decisão em

controle concentrado já tem caráter erga omnes.

Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma

prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à

autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em

julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII da Constituição

Obs.: no Brasil todo controle incidental é difuso e todo controle concentrado é abstrato?

No Brasil todo controle difuso é necessariamente incidental, não existindo controle difuso

abstrato. No controle difuso o objeto principal é a proteção de um direito subjetivo, sendo a

inconstitucionalidade uma questão incidental. Ora, quando o STF já uma decisão no

controle difuso reconhecendo a inconstitucionalidade ele comunica ao Senado Federal. O

entendimento majoritário é que a edição de resolução pelo Senado é um ato discricionário,

não estando obrigado a suspender a execução da lei --> é a posição do que predomina no

STF.

Obs.: Essa suspensão da execução tem efeito ex tunc ou ex nunc? Com relação a esses

assuntos há divergências. O ministro Gilmar Mendes possui um artigo onde defende que a

resolução deveria ter efeito ex tunc. Defendendo entendimento contrário, ex nunc, José

Afonso da Silva.

Aula 06 - 25/02/2011

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58

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Fazendo a releitura do art. 52, X da CF/88 é perceptível que o dispositivo

mencionada a expressão “suspender a execução no todo ou em parte”. Este no todo ou em

parte pode causar uma certa dúvida. Exemplo: lei declarada totalmente inconstitucional

pelo STF. Será que o Senado pode suspender a execução de parte desta lei? Ou no caso do

STF declarar apenas parte da lei inconstitucional, pode o Senado suspender toda a

execução da lei? A suspensão da execução da lei pelo Senado deve se ater aos exatos

limites da decisão proferida pelo STF. A expressão “no todo ou em parte” do discutido

inciso significa que o Senado deve suspender a execução nos exatos limites da decisão do

Pretório Excelso - se declarou toda a lei inconstitucional, suspenderá a execução de toda a

lei; se declarou em parte a lei inconstitucional, o Senado somente suspenderá a execução

na parte declarada inconstitucional.

É importante frisar que, o Senado somente pode suspender a execução de lei

declarada inconstitucional; isso significa que em caso de norma anterior à constituição

(norma pré-constitucional), como elas não são consideradas como sendo inconstitucionais

(e sim, não recebidas pelo novo ordenamento), não pode o Senado suspender a execução

da lei.

Obs.: o Senado Federal, sendo parte do Poder Legislativo Federal, pode suspender a

execução da leis municipais ou estaduais? Sim, ele pode suspender a execução de leis

federais, estaduais ou municipais, porque nesta competência ele atua como órgão de

caráter nacional, e não apenas federal. Quando atua como órgão de caráter federal, o

Senado atua como defensor dos interesses da União; todavia, como órgão nacional, o

Senado está defendendo o interesse de todo o Estado brasileiro. Mas por que o Senado

pode atuar como órgão de caráter nacional? O Senado é composto de representantes dos

Estados-membros e, é como todos os membros federativos estivessem participando dessa

competência.

Obs.: RCL 4.335/AC. Nessa reclamação, tanto o ministro Gilmar Mendes quanto Eros

Grau vêm defendendo uma mutação constitucional no que tange à interpretação do art. 52,

X da CF/88. Em vez de interpretar esse dispositivo como sendo de suspensão de execução

da lei, o entendimento seria de que o papel do Senado passaria de ser apenas o de dar

publicidade à decisão do STF. A própria decisão do STF já suspenderia a lei e o Senado

passaria a dar apenas publicidade a tal decisão. O professor Marcelo Novelino afirma que

se esse entendimento for aprovado (está 2 x 2), seria uma verdadeira usurpação de

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59

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

competência e se o Supremo passaria a ser verdadeiro Poder Constituinte originário.

Matéria pendente de julgamento.

7.2 Controle concentrado - abstrato

O controle abstrato é aquele cuja competência se concentra no STF, sendo o

parâmetro a CF/88. Se o parâmetro for a constituição estadual se concentra no respectivo

tribunal de justiça. E qual sua finalidade? A finalidade principal do controle abstrato é

assegurar a supremacia da Constituição.

Existe no direito brasileiro uma ação de controle concentrado-concreto. Ora, que

ação é essa? É a ADI - Ação direta de inconstitucional interventiva -, também chamada de

“representação interventiva”.

Existem quatro tipos de ações no controle concentrado: ADI, ADC, ADPF e ADO,

sendo que está última vamos estudar mais para frente, junto com o mandado de injunção.

7.2.1 ADI e ADC - Ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de

inconstitucionalidade

Vamos estudar as duas ações ao mesmo tempo, pois são muito semelhantes e, de

acordo com a doutrina, têm um caráter dúplice ou ambivalente. Tal caráter fica muito claro

no art. 24 da Lei 9.868/99:

Art. 24. Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a

ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a

inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou

improcedente eventual ação declaratória.

Então, uma mesma lei pode ser impugnada por ADI ou ADC. Vamos estudá-las

agora.

A ADC não foi criada originariamente na CF/88, e sim foi criada pela EC nº 03 de

1993 e, na época, muitos doutrinadores questionaram a constitucionalidade da ADC sob o

argumento de se existir uma presunção de constitucionalidade da lei, logo, para que uma

ação declaratória de algo que já se presume? Para compreender isso temos que estudar o

contexto histórico. A ADC foi criada após o Plano Collor (que prendeu o dinheiro de todos

no banco), o que gerou uma enxurrada de ações, mas que levaram muito tempo para o

Supremo julgar. A criação da ADC veio para diminuir essa espera: como há muitas

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60

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

decisões judiciais de diversas maneiras o legislador resolveu criar a ADC para acabar com

decisões judiciais em vários sentidos. Para evitar, todavia que a ADC virasse um

instrumento de consulta ao STF o legislador criou um requisito de admissibilidade

específico para a ADC no art. 14, III da Lei 9.868/99: a existência de controvérsia judicial

relevante.

Art. 14. A petição inicial indicará:

III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da

disposição objeto da ação declaratória.

Ou seja, quem propõe a ADC tem que demonstrar a existência dessa controversa

judicial relevante, com ações judiciais questionando determinada lei e que está havendo

decisões de formas diversas. Exemplo: na época da medida provisória do apagão no

governo FHC houve uma controvérsia muito grande sobre a constitucionalidade do MP.

FHC através do seu advogado geral da União propôs uma ADC pedindo que declarasse

constitucional a MP. Para que fosse comprovado o citado requisito específico juntou 7

processos com decisões de juízes diversos. O STF mandou emendar a inicial, sob pena de

extinção se julgamento de mérito, para provar realmente a controvérsia. O AGU então

juntou muitas ações provando a controvérsia.

7.2.1.1 Pontos em comum da ADI e ADC (vale também para a ADF)

A) Não há partes propriamente ditas (processo objetivo). Nas ações de controle

concentrado não se fala em autor e réu, e sim legitimados para atacar e defender o ato em

discussão. Isso porque são ações de índole objetiva.

B) Não se aplicam a estas ações alguns princípios processuais, dentre eles

contraditório, ampa defesa e duplo grau de jurisdição. Ora, se não existem partes

formais não há que se falar nos citado princípios. Quando há uma ADI proposta por

partido político e o AGU defende a lei, não há defesa de interesse de ninguém, e sim está

protegendo a supremacia da constituição.

C) Não se admite intervenção de terceiros (ver “amicus curiae”), assistência e nem

desistência. Cuidado com a ressalva do amicus curiae, tratada na matéria de direito

processual civil. Para a maioria dos ministros do STF, o amicus curiae é uma espécie de

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

intervenção de terceiros (exceto Gilmar Mendes). Vamos fazer uma pausa nos pontos em

comum da ADI e ADC para comentar a respeito do amicus curiae.

D) Amicus Curiae

Numa tradução literal seria um “amigo do juízo”. O amicus curiae é alguém que

vai auxiliar o tribunal na sua decisão. Ele existe no ordenamento jurídico brasileiro desde

lei 6.385/76 – CVM (art. 31) e na lei 8.884/94 - CADE (art. 89), porém apenas se tornou

conhecida em 1998 com a lei 9.868/98.

Art. 31 - Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria

incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta

sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar

esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação.

Art. 89. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta lei, o

Cade deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de

assistente.

É uma figura muito conhecida nos países que adotam o sistema da common Law e

nos tribunais internacionais. No Brasil a lei que trata do amicus curiae é a Lei 9.868/98 no

art. 7º, § 2º (ADI). Esta lei também acrescentou um parágrafo ao CPC o art. 482, §3º

(controle difuso).

Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação

direta de inconstitucionalidade.

§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade

dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o

prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou

entidades.

Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do

tribunal designará a sessão de julgamento.

§ 1o O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público

responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem,

poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados

os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal.

§ 2o Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da

Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão

constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do

Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito

de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos.

§ 3o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade

dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação

de outros órgãos ou entidades.

Obs.: A lei do ADPF não faz menção ao amicus curiae. Mesmo sem previsão legal o STF

tem admitido por analogia a participação do amicus curiae na ADC e no ADPF. Este caso

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62

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

é de analogia legis, pois se utiliza uma lei para regular um caso sem previsão. Na analogia

juris utiliza-se os princípios gerais do direito.

Qual a natureza jurídica do amicus curiae? Na doutrina existem 3 entendimentos:

a) 1ª corrente: o amicus curiae seria um auxiliar do juízo (Freddie Didier). Não

seria um terceiro interessado. Não se confunde com a intervenção de terceiros.

b) 2ª corrente: o amicus curiae seria uma espécie de assistência qualificada (Edgar

Bueno). Apesar do RISTF não admitir assistência, o amicus seria uma exceção.

c) 3ª corrente: : o amicus curiae seria uma intervenção de terceiros. Seria uma

exceção à inadmissibilidade de intervenção de terceiros no Controle

Concentrado. Este é o entendimento mais simpático ao STF. Ministros que

entendem desta maneira: Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo

Lewandowski, Joaquim Barbosa, Helen Gracie). O ministro Gilmar Mendes já

afirmou não ser caso de intervenção de terceiros, mas não disse o que seria.

Qual seria a finalidade do amicus curiae? Sua finalidade principal é pluralizar o

debate constitucional tornando-o mais democrático. O amicus curiae também oferece mais

legitimidade às decisões do STF. Como o poder judiciário protege o interesse das

minorias, ao retirar do mundo jurídico uma lei o STF retira uma lei que foi aprovada pelos

representantes do povo. Assim, ouvindo o amicus curiae o STF torna a decisão mais

democrática, pois o círculo de intérpretes da constituição é aberto para a sociedade. É a

aplicação da “teoria da sociedade aberta de intérpretes da constituição” (Peter Häberle).

O STF também utiliza as audiências públicas que também representam esta abertura

da interpretação constitucional (outro exemplo da “teoria da sociedade aberta de intérpretes

da constituição” no Brasil). Ex: caso das pesquisas com células tronco.

Quais são os requisitos do amicus curiae? O § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99

estabelece dois requisitos. A lei estabelece 2 requisitos (art. 7º, §2º da Lei 9.868/99).

Vejamos:

a) Relevância da matéria. Não é qualquer matéria. O STF só admite a participação

do amicus curiae se a matéria for relevante.

b) Representatividade do postulante. Não é qualquer pessoa que pode ser amicus

curiae. Tem que ser alguém que possa ajudar o tribunal. Tanto a pessoa pode

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63

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

se oferecer, como o tribunal pode chamar para ser amicus curiae. Ambos os

requisitos são legais:

Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta

de inconstitucionalidade.

§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade

dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o

prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou

entidades.

Obs.: O STF tem exigido ainda que o amicus curiae seja órgão ou entidade. O STF não

tem admitido pessoas físicas. O STF não tem admitido, pois a lei fala em órgãos ou

entidades (art. 7º, §2º).

Obs.: Amicus curiae pode interpor recurso? O amicus por se tratar de terceiro estranho à

relação processual, não pode interpor recurso para discutir a matéria objeto de análise de

no processo objetivo perante o STF, com a única exceção apontada pela ADI 3.615-ED:

STF, ADI 3.615-ED

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR AMICUS CURIAE.

AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE. INTERPRETAÇÃO DO § 2º DA LEI

N. 9.868/99. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é assente quanto

ao não-cabimento de recursos interpostos por terceiros estranhos à relação

processual nos processos objetivos de controle de constitucionalidade. 2.

Exceção apenas para impugnar decisão de não-admissibilidade de sua

intervenção nos autos. 3. Precedentes. 4. Embargos de declaração não

conhecidos.

* Vale salientar que alguns ministros estão aceitando a interposição de recurso

para impugnar a decisão de não admissibilidade de intervenção do amicus, ex

vis, o Ministro Marco Aurélio que sustenta o cabimento de embargos de

declaração, mas não admite agravo. O tema contudo está um pouco confuso e

no STF e precisa ser pacificado - matéria não pacificada no STF.

Obs.: Cabe sustentação oral pelo amicus curiae ou só pode fazer memoriais escritos? No

art. 131, § 3º do RISTF está consagrada a sustentação oral pelo amicus. Inclusive também

vale a pena transcrever uma parte do voto do ministro Celso de Mello que coloca

expressamente a questão da sustentação oral (ADI 2321)

§ 3º¹ Admitida a intervenção de terceiros no processo de controle

concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir

sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do § 2º do artigo

132 deste Regimento

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

STF, ADI 2.321 (trecho)

“Entendo que a atuação processual do amicus não deve limiltar-se à mera

apresentação de memoriais ou à prestação eventual de informações que

lhe venham a ser solicitadas. Cumpre permiti-lhe, em extensão maior, o

exercício de determinados poderes processuais, como aquele consistente

no direito de proceder à sustentação oral das razões que justificaram a sua

admissão formal na causa.”

E) A decisão de mérito é irrecorrível, salvo embargos declaratórios. Nenhuma das

decisões proferidas nessas ações podem ser objeto de recurso.

F) Não cabe ação rescisória, nos termos do art. 26 da Lei 9.868:

Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a

inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em

ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos

declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

G) As decisões proferidas na ADI, ADC e ADPF se tornam obrigatórias a partir da

publicação da ata da sessão de julgamento no Diário Oficial. Cuidado: a

obrigatoriedade dessas decisões não é a partir do trânsito em julgado, e sim da publicação

da ata de publicação de julgamento. E por que não é do trânsito em julgado? Ora, essas

ações não tem partes formais, pois os efeitos serão para todos, erga omnes, como sendo

uma lei; e como você toma conhecimento da lei? Com sua publicação!

H) Em todas essas ações o STF só pode se manifestar se for provocado. Não pode o

STF agir de ofício, em face ao princípio da inércia da jurisdição. Essa é regra! Mas

cuidado com a exceção: um dispositivo pode ser declarado inconstitucional mesmo sem

provocação quando possuir uma relação de interdependência com o dispositivo

impugnado. Exemplo: vamos imaginar que o art. 1700 do CC foi objeto de uma ADI,

todavia, os arts. 1701 e 1702, apesar de não ser objeto da ADI, são interdependentes em

relação ao 1700 --> os arts. 1701 e 1702 serão declarados inconstitucionais também por

arrastamento / atração. O STF permite isso.

* Cuidado: no controle difuso a inconstitucionalidade pode ser reconhecida de

ofício. Mas por que essa diferença para o concentrado? Qual a razão? O

fundamento é que no controle difuso a inconstitucionalidade não é objeto do

pedido, e sim, apenas, causa de pedir. O pedido é a proteção do direito. A

inconstitucionalidade é uma questão apenas incidental, não sendo o objeto do

pedido, como ocorre no controle concentrado.

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65

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

7.2.1.2 Legitimidade ativa (são os mesmos na ADI / ADC / ADPF / ADO)

Antes da CF/88 só existia uma ação de controle concentrado abstrato que era a

representação de inconstitucionalidade, sendo a antiga ADI. Nesta época somente 1

legitimado podia propô-la: o Procurador Geral da República. Com o advento da CF/88, no

art. 103, a legitimidade foi ampliada:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação

declaratória de constitucionalidade:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do

Distrito Federal;

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido

nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de

competência do Supremo Tribunal Federal.

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para

tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder

competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando

de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a

inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,

previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto

impugnado.

Quando a ADC foi criada o rol de legitimados era mais restrito, de apenas 4

legitimados: presidente da república, PGR, mesa da Câmara e mesa do Senado. Com o

advento da EC nº 45 a legitimidade se tornou idêntica entre todas as ações do controle

concentrado, com exceção da ADI interventiva.

O STF faz uma diferença entre legitimados ativos universais (não há previsão legal

dessa distinção). Qual é essa distinção? Os legitimados especiais precisam demonstrar

pertinência temática, ou seja, a relação entre o interesse por ele defendido e o objeto

impugnado. Já o legitimado universal não precisa demonstrar a pertinência temática,

podendo questionar lei / ato normativo livremente.

Quem são os legitimados universais e os especiais? Quadro sinótico:

Legitimados Poder Executivo Ministério

Público Poder

Legislativo Outros

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66

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Universais (União)

Presidente da República

Procurador-geral da república

Mesas da Câmara e do

Senado

- Conselho Federal da OAB - Partidos políticos (com representação no Congresso).

Especiais (Estado)

Governador de Estado / DF

-

Mesas da Assembleia Leg.

- Confederação Sindical - Entidade de classe de âmbito nacional

Observações acerca do quadro sinótico:

a) A única entidade de classe de âmbito nacional que é legitimado universal é o

Conselho Federal da OAB! Todos os outro precisam demonstrar pertinência

temática, sendo legitimados especiais, como o Governador de Estado e as

Mesas das Assembleias Legislativas.

b) Vice não tem legitimidade para ações no controle concentrado. Mas, cuidado,

pois se o vice estiver substituindo o titular tem legitimidade, mas não estará

agindo como vice, e sim como Presidente / Governador efetivo.

c) Mesa do Congresso Nacional não pode propor ADI / ADC / ADPF / ADO.

d) Até 2004 se o partido político ajuizasse, por exemplo, uma ADI e, no curso

dela, perdesse o representante no Congresso Nacional, a ADI não seria julgada.

Após 2004, com um novo entendimento, o STF solidificou que a legitimidade

do partido político deve ser verificada no momento da propositura da ação, não

importando que depois o partido perca o seu representante.

e) No caso da entidade de classe no âmbito nacional, para ser considerada de

âmbito nacional, a entidade de classe deve estar ter representantes em, pelo

menos, 1/3 (um terço), dos Estados-membros, ou seja, 9 Estados da federação.

Caso não esteja, não será considerada de âmbito nacional. Essa entidade tem

que ser representativa de uma categoria social ou profissional.

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67

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

f) Até 2004 o STF não admitia legitimados formados por pessoas jurídicas. A

partir de 2004, o STF aceita associações compostas tanto por pessoas físicas,

quanto formadas por outras pessoas jurídicas. O Supremo até utiliza a

expressão “associação de associações” (quando formada por pessoas jurídicas).

g) Quais dos legitimados não possuem capacidade postulatória, ou seja, dependem

de um advogado para propor as ações no âmbito do controle concentrado?

Segundo o STF apenas os partidos políticos, confederações sindicais e

entidades de classe não tem capacidade postulatória.

7.2.1.3 Objeto da ADI / ADC

Vamos analisar o objeto da ADI e ADC sob três aspectos:

1. Quanto à natureza. Para que um ato seja objeto de ADI ou ADC tem que ser lei

ou ato normativo.

* Para o ato ser normativo precisa ter as características da generalidade e

abstração. Além disso, é necessário que a lei ou ato normativo esteja

diretamente ligados à Constituição: isso é chamado de inconstitucionalidade

direta ou antecedente.

* STF: não podem ser objeto de ADI ou ADC:

+ Atos tipicamente regulamentares. Exemplo: um decreto pode ser objeto de

ADI / ADC? Se entre a CF/88 e esse decreto não existir nenhum ato

intermediário, sendo violação constitucional direta, poderá ser objeto de

ação de controle concentrado. Se, todavia, houver lei interposta entre a

Constituição o e Decreto não cabe ADI / ADC, sendo um ato tipicamente

regulamentar. Ainda com relação ao decreto, vale lembrar: quando um

decreto exorbita os limites do que a lei estabelece, ele pode ser objeto de

ADI? Não, pois mesmo quando ele exorbita os limites da

regulamentação, ele continua sendo um decreto tipicamente

regulamentar.

+ Normas constitucionais originárias: são aquelas construídas pelo Poder

Constituinte originário. Todavia, quando a norma é feita por emenda,

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68

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

pode ser objeto de ADI tranquilamente.

+ Leis temporárias ou leis já revogadas. Em regra o STF não admite que leis

com lapso temporal esgotado seja objeto de ADI, pois, se a lei não

produz mais efeitos, ela não está mais ameaçando a supremacia da

constituição. O mesmo raciocínio vale para a lei revogada: se ela já não

está mais no ordenamento jurídico, não traz perigo à supremacia

constitucional. Todavia, há uma exceção: é a hipótese de acordo com o

STF de “fraude processual”. Exemplo: uma determinada lei foi objeto de

ADI. O STF começa a processar e julgar a ADI e, durante o

processamento o Legislativo revoga essa lei para evitar que o STF

declare a inconstitucionalidade ex tunc. Após, o Poder Legislativo cria

outra lei com o mesmo assunto. Nesse caso, se o STF entender que

existiu fraude processual, o STF continuará com o julgamento da ADI.

* O STF não admitia como objeto de ADI e ADC as leis de efeitos concretos -

que não têm generalidade e abstração. Em 2008 o Supremo modificou esse

posicionamento na medida cautelar da ADI 4048 ao tratar da medida

provisória de sobre matéria orçamentárias (crédito extraordinário): agora

para o Pretório Excelso não interessa o caráter geral ou específico, concreto

ou abstrato do objeto, desde que a controvérsia tenha sido suscitada em

abstrato nessas ações. Nesse novo entendimento não ficou muito claro se o

STF admite isso apenas para lei ou engloba também ato normativo. Segundo

o prof. Novelino é somente para lei, pois, se você coloca um ato normativo

sem generalidade e abstração, ele será um ato meramente administrativo.

EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N° 405, DE

18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO.

LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA

EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE

MEDIDAS PROVISÓRIAS.

1. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão

da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial.

Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao

prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os

vícios existentes na medida provisória. Precedentes.

2. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE

NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O

Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de

fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando

houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato,

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69

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu

objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle

abstrato de constitucionalidade.

3. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA

EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE

MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO

EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º,

inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos requisitos de relevância e

urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito

extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e

urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de

relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de

discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de

imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação

normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões

"guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores

para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I,

alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e "calamidade

pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de

extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública

e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a

adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a

análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n°

405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover

despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou

pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente

desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de

medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários.

4. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n°

11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008.

2. Quanto ao aspecto temporal. A ADI / ADC só podem ter como objeto atos

posteriores à CF/88 - 5 de outubro de 1988. Só se admite como objeto de ADI

e ADC leis ou atos normativos posteriores ao parâmetro constitucional

adotado. Vale lembrar que a ADC admite como objeto atos anteriores à sua

criação (visto que é norma processual), mas, desde que este objeto seja

posterior ao parâmetro constitucional invocado.

3. Quanto ao aspecto espacial. Neste aspecto haverá diferença entre ADI e ADC.

Vamos ler o art. 102, I, “a” da CF:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda

da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou

estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato

normativo federal;

* No caso da ADI é possível leis e atos normativos da esfera federal e estadual;

no caso da ADC é somente lei ou ato normativo federal. Existe uma PEC em

tramitação na Câmara que pretende ampliar o objeto da ADC com atos

estaduais, mas não aconteceu ainda.

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70

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

* E se a lei ou ato normativo for do Distrito Federal? Geralmente no DF lei se

pode tratar de conteúdo estadual ou municipal; por isso, é necessário fazer a

análise. Dependendo do conteúdo, se for de âmbito estadual poderá ser ou não

ser objeto de ADIN. Esse entendimento está na Súmula 642 do STF:

Súmula 642 do STF. Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei

do Distrito Federal derivada da sua competência legislativa municipal.

* Exemplo: na época que Cristovam Buarque era Governador foi ajuizada uma

ADI com relação a benefícios concedidos a entidades desportivas, no que

tange a impostos estaduais e municipais. O STF entendeu que, com relação

aos tributos estaduais era possível conhecer do pedido; todavia, no que tange

aos municipais não pode ser objeto de ADI. No que tange aos tributos

municipais seria cabível ADI para o Tribunal de Justiça do DF, tendo como

parâmetro a Lei Orgânica do DF.

7.2.1.4 Procurador Geral da República

A participação do PGR no controle concentrado de constitucionalidade é uma

participação “custos constitutionis”, sendo um verdadeiro fiscal da supremacia da

Constituição, garantindo-a que ela não seja violada.

Quais são processos que o PGR vai atuar? Em todos os processos de competência do

Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 103, § 1º da CF:

§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido

nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de

competência do Supremo Tribunal Federal.

O PGR não precisa ser formalmente intimado em todos os processos do STF,

bastando que tenha conhecimento da tese jurídica discutida.

7.2.1.5 Advogado Geral da União

O chefe da advocacia geral da união tem uma participação constitucionalmente

prevista no art. 103, § 3º da CF:

§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a

inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,

previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto

impugnado.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

AGU não atua como fiscal da Constituição, e sim está obrigado a defender o ato

impugnado, sendo uma participação como “defensor legis”. Ele não defende a supremacia

da constituição, e sim será um curador da presunção de constitucionalidade das leis. O

AGU está obrigado a defender o ato impugnado salvo em dois casos:

a) Quando a tese jurídica já tiver sido considerada inconstitucional pelo STF.

b) Quando o ato for contrário ao interesse da União.

Obs.: O AGU é obrigado a defender não apenas lei federal, mas também as leis estaduais.

Aula 07 - 10/03/2011

7.2.2 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)

A) Introdução

A ADPF está sendo questionada em uma ADI proposta pela OAB, sendo que está

parada há muito tempo.

A ADPF está prevista no art. 102, § 1º da CF/88:

§ 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente

desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na

forma da lei.

A lei que regulamente a ADPF é a Lei 9.882/99. Antes dessa lei ser elaborada não

havia como ninguém ajuizar a ADPF, que só ganhou estrutura pós Lei 9.882/99. Existem

dois pontos básicos que a diferenciam das outras ações do controle concentrado:

1. É uma ação de descumprimento, não sendo de arguição de

inconstitucionalidade, como as outras. Ora, descumprimento da Constituição é

sinônimo de inconstitucionalidade? O descumprimento é visto pela doutrina

como algo mais amplo do que a inconstitucionalidade (se é mais amplo, irá

abranger a inconstitucionalidade). Toda forma de inconstitucionalidade será

um descumprimento da Constituição, mas, além da inconstitucionalidade há

outras formas de descumprimento, ex vis, uma norma pré-constitucional que, se

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

é incompatível com a CF/88 nova não é inconstitucional (já que é caso de não-

recepção), mas se essa norma for aplicada, haverá um descumprimento da

Constituição em vigor. Esquematicamente:

Descumprimento Inconstitucionalidade Normas pré-constitucionais +

normas constitucionais. Abrange normas constitucionais

2. É uma ação de descumprimento não de toda Constituição, mas apenas de

preceito fundamental. O parâmetro da ADPF é diferente do parâmetro da ADI

/ADC. Para ser parâmetro para ADPF tem que ser preceito fundamental. Para a

ADI / ADC, toda a CF/88 serve de parâmetro, exceto o preâmbulo. Para a

ADPF interessa apenas um preceito fundamental. Mas o que é preceito

fundamental? Não há uma definição exata do que é preceito fundamental. Na

ADPF nº 01, o ministro Nery Silveira afirmou que “cabe apenas ao STF, como

guardião da Constituição dizer quais são os preceitos fundamentais”, ou seja,

não adianta tentar se fazer um rol exaustivo dos preceitos fundamentais, nem

estabelecer critérios para tal, pois, somente diante das ações que o Supremo for

julgando é que irá se afirmar se o preceito é fundamental ou não. Percebam que

é casuístico. A despeito dessa visão, não se impede que coloquemos requisitos.

Preceito é uma norma. A norma, como já visto, pode ser um princípio ou uma regra.

Quando a CF/88 fala em preceito, pode ser tanto um princípio fundamental quanto uma

regra fundamental da Lei Maior. E como fazer essa diferenciação de normas

constitucionais que seriam fundamentais ou não? De acordo com professor José Afonso da

Silva “fundamental é aquele preceito que confere identidade à Constituição, ao regime por

ela adotada, ou que consagra um direito fundamental.” Exemplos (rol não exaustivo)

reconhecidos pelo STF reconhecidos como preceitos fundamentais:

a) Título I da Constituição (art. 1º ao 4º) - dos princípios fundamentais.

b) Título II da Constituição (art. 5º ao 17) - consagram os direitos e garantias

fundamentais.

c) Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII): se forem violados podem

gerar, inclusive, uma intervenção federal no Estado.

d) Cláusulas pétreas: normas impassíveis de abolição que conferem identidade à

Constituição.

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73

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

B) Objeto

O objeto da ADPF será muito mais amplo do que a ADI / ADC, visto que o

descumprimento à preceito fundamental é mais amplo do que a inconstitucionalidade. Para

facilitar a memorização desse objeto, vamos fazer um estudo comparativo com o objeto da

ADI / ADC:

Objeto da ADI / ADC Objeto da ADPF - Quanto à natureza: Lei / ato normativo

Lei / ato normativo / qualquer ato do Poder Público seja normativo ou não. Exemplos: ato administrativo de efeitos concretos, sentença judicial

- Quanto ao aspecto espacial: ADI: lei federal ou estadual. ADC: apenas lei federal.

Qualquer das esferas da federação: federal, estadual e municipal.

- Quanto ao aspecto temporal: O ato para ser objeto de ADI / ADC deve ser posterior ao parâmetro.

O ato pode ser tanto posterior ao parâmetro, quanto anterior, ou seja, engloba normas pré-constitucionais.

Obs.: Uma lei municipal ser objeto de controle concentrado abstrato, aparentemente,

parece ser novidade. Mas cuidado, visto que há uma hipótese de cabimento de controle

concentrado-abstrato sem ser em sede de ADPF. O art. 125, § 2º abre a possibilidade de

representação de constitucionalidade pelos Estados-membros, sendo o respectivo TJ o

competente para julgá-la.

§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de

inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais

em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para

agir a um único órgão.

A ADI estadual tem como objeto lei estadual ou municipal, sendo o parâmetro

sempre a respectiva constituição estadual que contenha uma norma de observância

obrigatória. Por exemplo, a competência do chefe de Executivo prevista na CF/88 para o

Presidente da República, ex vis, iniciativa de leis, deve ser observado pela Constituição

Estadual. Da decisão que o TJ julga na representação de constitucionalidade, se o

parâmetro violado for norma de observância obrigatória, caberá recurso extraordinário para

o STF. Perceba que pode haver, então, uma lei municipal sendo examinada por recurso

extraordinário que será instrumento de controle abstrato.

C) Hipóteses de cabimento

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

O art. 1º da Lei 9.882 dispõe sobre as hipótese de cabimento:

Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal

será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar

ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder

Público.

O caput do citado artigo trata da ADPF autônoma, que pode ser:

a) Preventiva: proposta para evitar a lesão ao preceito fundamental;

b) Repressiva

O inciso I do parágrafo único prevê a hipótese de ADPF incidental:

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito

fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre

lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores

à Constituição.

Perceba que o inciso I fala de presença de controvérsia constitucional. O que é essa

controvérsia? Vejamos o art. 3º, V da mesma lei:

Art. 3o A petição inicial deverá conter:

V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial

relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera

violado.

Perceba que o inciso V do art 3º fala justamente dessa controvérsia judicial. Lembre

que em sede de ADI / ADC também é necessário esse controvérsia judicial. O STF não faz

essa distinção entre ADPF autônoma e incidental, sendo eminentemente doutrinária. Por

que? Originariamente o projeto de lei da ADPF permitia que qualquer pessoa pudesse

ajuizar diretamente uma ADPF, todavia, o Presidente da República vetou esse dispositivo,

sob o fundamento de que o Supremo iria ser inundado de causas. Por isso, a legitimidade

para propor ADPF é a mesma da ADI e ADC. Como os legitimados são os mesmos, ele

pode propor tanto a ADPF autônoma quanto a incidental. Pelo projeto de lei somente a

ADPF incidental poderia ser proposta por qualquer pessoa. Resumindo: hoje não se faz

distinção entre a ADPF autônoma e incidental na jurisprudência do STF, sendo tratada da

mesma forma, não necessitando atender o requisito do inciso V, art. 3º da Lei 9.882. Ver

ADI 2231/DF, onde o ministro Nery Silveira, em sede de medida cautelar suspendeu a

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

vigência do supracitado inciso (matéria pendende de julgamento no STF).

D) Caráter subsidiário

Este caráter está previsto no art. 4º, §1º da Lei 9.882/99.

Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando

não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental,

faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.

§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito

fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a

lesividade.

Se existir outro meio tão eficaz quanto a ADPF, ela não será admitida, pois goza de

caráter subsidiário. Isso significa que tem que ser o instrumento tem que ser de controle

abstrato para ser tão eficaz quanto a ADPF? O STF não faz essa distinção, mas

dificilmente se vai encontrar um meio tão eficaz quanto o controle concentrado. Todavia, o

professor Marcelo Novelino lembra um exemplo: na ADPF nº 1280 o objeto dela era uma

súmula vinculante. Ela pode ser objeto de ADPF? É ato normativo? Sim, é uma norma de

decisão. Mas não pode ser objeto de ADPF segundo o Supremo, pois existe um

procedimento específico para cancelamento ou revisão de súmula vinculante previsto na

Lei 11.417/06.

O STF não exige que o meio seja de controle concentrado abstrato, ou seja, pode ser

difuso, entendendo que o meio eficaz tem que ter. E o que é um meio tão eficaz quanto à

ADPF? Segundo Gilmar Mendes meio eficaz que nem o da ADPF é aquele que tem:

a) A mesma amplitude da ADPF;

b) Imediaticidade

c) Efetividade

Obs.: Súmulas que não são vinculante podem ser objeto de ADPF? O STF tem algumas

decisões recusando possíveis objetos de ADPF:

a) Enunciado de súmula. O Supremo entendeu que o enunciado de súmula é a

consolidação de entendimento que o Tribunal vem adotando. Não faz sentido

ajuizar ADPF contra ele

b) Proposta de emenda à Constituição. A PEC poderia ensejar dúvidas por causa

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

daquela ADPF preventiva. Ora, se cabe ADPF incidental preventiva ela se

aplica a PEC. O STF entendeu que não cabe, visto que a PEC é mera proposta

de lei, não sendo ato normativo nem ato do Poder Público, pois não é ato

completo e acabado, estando em formação ainda, podendo até ser rejeitado

posteriormente.

c) Veto presidencial à projeto de lei. O Supremo entendeu que a análise do veto

político deve ser feita pelo Poder Legislativo, não cabendo ao Poder Judiciário.

Mas e o veto jurídico? O professor Marcelo Novelino entende que quando o

Presidente da República veta um projeto sob o fundamento de ser

inconstitucional ele deveria ser analisado pelo Pretório Excelso. Essa não é a

posição do Supremo, pois ele proíbe a análise do veto pelo Judiciário em

qualquer hipótese.

Obs.: “caudas Legais” = colocar em lei assunto completamente diverso do assunto da lei

específica (contrabando legislativo), ou seja, é quando o legislador tenta camuflar um

assunto no meio de uma lei que trata de outro assunto.

7.3 Efeitos da decisão de mérito em sede de ADI / ADC

Os efeitos da decisão de mérito da ADI e ADC podem ter uma diferença da decisão

da ADPF. Vamos iniciar com os efeito na ADI e ADC: essas ações não têm parte formal,

sendo um processo constitucional objetivo; por isso, não há efeitos inter partes, e sim o

efeito sempre será erga omnes. Vale lembrar que em sede estadual, apesar de não existir

previsão legal acerca do efeito erga omnes, não tem problema, pois esse efeito é inerente

de ações objetivas.O efeito erga omnes atinge diretamente tanto Poderes Públicos quanto

os particulares. Por isso é mais amplo, no aspecto subjetivo do que o efeito vinculante.

A ADI / ADC também têm efeito vinculante, criado apenas com a emenda

constitucional nº 03/93. Qual a diferença básica entre o efeito erga omnes e o efeito

vinculante. Tem duas diferenças: no aspecto subjetivo, o efeito vinculante não atinge

diretamente os particulares, atingindo apenas diretamente os Poderes Públicos. Além disso,

não são todos os Poderes Públicos atingidos, excetuando-se desse efeito o próprio STF e o

Poder Legislativo na sua função típica, para evitar o fenômeno da fossilização da

Constituição. Vale lembrar que o chefe do Poder Executivo quando toma a iniciativa do

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

projeto de lei, sanciona projeto de lei ou até mesmo edita medida provisória, não fica ele

vinculado à decisão do STF. É a função legislativa criativa como um todo que não precisa

respeitar o efeito vinculante. E aí surge a seguinte questão: se o efeito vinculante é mais

restrito subjetivamente que o efeito erga omnes, por que ele foi introduzido no

ordenamento jurídico brasileiro? Quando o efeito vinculante foi criado com uma

abrangência menor no aspecto subjetivo, no aspecto objetivo era pra ser mais amplo. O

efeito vinculante foi criado não só para atingir o dispositivo, mas para atingir também os

fundamentos da decisão. Inclusive, no anteprojeto da EC 03/2003 se colocou esse objetivo

para o efeito vinculante, visando também atingir as normas paralelas dos entes da

Federação com o mesmo conteúdo --> é a teoria da transcendência dos motivos, ou seja, os

motivos que determinaram a decisão vão transcender do caso analisado para atingir outras

situações idênticas. Exemplo: STF declarou inconstitucional lei da PR sobre pesagem do

bujão de gás. Se outros entes federativos estiverem lei com mesmo conteúdo, serão tidas

automaticamente inconstitucional, não necessitando a propositura de outras ADI’s. Então

qual seria o instrumento cabível parar retirar do ordenamento essas leis contrárias aos

motivos da decisão que transcenderam? É a reclamação para o Supremo.

O STF já adotou a transcendência dos motivos em algumas decisões, todavia, a

questão não está pacificada. O Supremo está discutindo em uma Reclamação sobre a

aplicação dessa teoria em todo o seu controle abstrato. O ministro Gilmar Mendes é o

principal defensor da transcendência dos motivos da decisão em sede de controle

concentrado. Só que a tese estava enfraquecendo e, Gilmar percebendo isso está agora

sugerindo que as outras leis que desrespeitam os motivos transcendentes já julgados sejam

enfrentadas incidentalmente nas reclamações, sendo que a discussão a respeito da

transcendência dos motivos é meramente acadêmica. Percebe-se que está fugindo do

objetivo para qual foi criada reclamação, que é de preservar a competência do Supremo e

resguardar a autoridade das suas decisões.

Em síntese, segundo o ministro Gilmar Mendes a discussão a respeito da

transcendência dos motivos teria se tornado meramente acadêmica, pois na prática poderia

ser feito um controle incidental na própria reclamação.

7.3.1 Aspecto temporal da decisão - modulação dos efeitos

Quando uma lei é declarada inconstitucional a lei é, regra geral, com efeitos ex tunc,

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

retroagindo. Só que o STF, como visto, pode modular os efeitos temporais da decisão,

podendo conferir efeito ex nunc ou efeito pro futuro (prospectivo). Para a declaração de

inconstitucionalidade com efeito ex tunc, basta apenas a maioria absoluta dos ministros;

para modular em ex nunc ou pro futuro é necessário o quorum de 2/3 (8 ministros), sendo

que a modulação só pode ser feita por dois motivos: a) razões de segurança jurídica; b)

excepcional interesse social, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99.

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e

tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse

social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de

seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela

só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento

que venha a ser fixado.

Apesar da previsão de modulação ser expressa na ADI a ADC, a modulação

temporal dos efeitos da decisão é admitida também no controle difuso, utilizando as

mesmas regras supracitadas. Agora uma novidade: no informativo 615, o STF fez essa

modulação dos efeitos temporais da decisão em um caso de não-recepção, ou seja, em caso

de norma pré-constitucional. O que aconteceu no caso julgado? no caso concreto para que

o edital de concurso público possa estabelecer limite de idade para os candidatos, a

jurisprudência do STF é pacífica que necessita de lei para fazer tais ressalvas. Essas

limitações, no caso dos militares, também depende de lei, no entanto, havia uma norma

anterior a CF/88, na qual havia possibilidade do regulamento estabelecer esses limites de

altura e idade. O Supremo então entendeu que o regulamento não pode estabelecer tais

critérios, só que essa Lei que estabelece o regulamento como competente até o final do ano

continua valendo, depois não mais (efeito prospectivo à decisão para uma norma anterior a

CF/88)

7.4 Efeitos da decisão de mérito na ADPF

A ADPF tem efeitos erga omnes previsto legalmente, assim como o efeito

vinculante. Só que no que tange aos efeito vinculante há uma diferença no art. 10, § 3º da

Lei 9.882/99. Vejamos:

§ 3o A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente

aos demais órgãos do Poder Público.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Na ADI / ADC a redação constitucional não fala de Poder Legislativo, e fala apenas

da Administração Pública e do Poder Judiciário, enquanto que o supracitado artigo fala em

“demais órgãos do Poder Público”, o que nos leva a concluir que o STF não está

vinculado. E o legislador então estaria vinculado? Em geral, entende-se que o Poder

Legislativo não fica vinculado pela decisão (apesar da diferença redacional). Esse é o

predominante. O professor Marcelo Novelino adota a ideia de que o legislador ficaria

vinculado, sob o fundamento de que o art. 10 caput da Lei da ADPF:

Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos

responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e

o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental

Observe que no supracitado artigo o próprio legislador entendeu que na ADPF, a

decisão deveria ser comunicada aos órgãos, fixando-se as condições e o modo de

interpretação e aplicação do preceito fundamental, portanto, engessando o legislador pela

interpretação do Pretório Excelso.

No que tange à modulação temporal dos efeitos da decisão da ADPF, aplicam-se as

mesmas ideias da ADI e ADC, nos termos do art. 11 da Lei 9.882/99:

Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no

processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo

em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,

poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus

membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só

tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento

que venha a ser fixado.

Obs.: De acordo com o STF a ADI e a ADPF são fungíveis, podendo a ADI ser convertida

em ADPF e vice e versa. Exemplo: governador do Maranhão ajuizou ADPF para contestar

portaria. Só que não havia decreto nem lei regulando a portaria, sendo que ela tinha caráter

geral e abstrato, estando diretamente ligada à CF/88. Por isso, o STF recebeu a ADPF

como sendo uma ADIN.

7.5 Efeitos da decisão em medida cautelar

A Lei 9.882 e a Lei 9.868 colocam de maneira distinta: medida cautelar para ADI e

ADC, sendo liminar para ADPF. Vamos por partes.

A) Na ADC

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Para ADI e ADC quando da concessão de medida cautelar haverá medida erga

omnes e efeito vinculante. Mas haverá uma diferença entre a ADC e ADI: já que existe

uma presunção de constitucionalidade das leis teria sentido medida cautelar em sede de

ADC? Pela lei há a possibilidade de medida cautelar em sede de ADC, mas o efeito da

cautelar é de suspender o julgamento de processos nos quais a questão esteja sendo

discutida Essa suspensão dos processos ocorre no prazo máximo de 180 dias, nos termos

do art. 21 da Lei 9.868:

Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de

seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação

declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os

juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que

envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu

julgamento definitivo.

Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal

Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte

dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder

ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda

de sua eficácia.

Obs.: a medida cautelar em sede da ADC não pode ser proferida monocraticamente, sendo

necessária a maioria absoluta do STF.

Obs.: não é a partir do trânsito em julgado que a medida cautelar (e também a decisão em

de mérito) torna-se obrigatória, e sim da publicação da ata de julgamento.

B) Na ADI

Na ADI o regramento de medida cautelar é diverso, não existindo na Lei 9.868 a

suspensão de julgamento dos processos. Todavia, o STF por analogia vem aceitando essa

suspensão de julgamento dos processos.

Além do efeitos erga omnes e vinculante em sede de medida cautelar pode o STF

suspender o ato ou lei questionado, inclusive, também por maioria absoluta, como na

ADC. Agora uma pergunta: o efeito da suspensão a aplicação da lei será ex tunc ou ex

nunc? Em regra terá efeito ex nunc; todavia, existe a possibilidade de modular os efeitos da

decisão cautelar, podendo conferir expressamente o efeito ex tunc. Isso está expresso no

art. 11 da Lei 9.868/99:

Art. 11. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará

publicar em seção especial do Diário Oficial da União e do Diário da

Justiça da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias,

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81

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

devendo solicitar as informações à autoridade da qual tiver emanado o ato,

observando-se, no que couber, o procedimento estabelecido na Seção I

deste Capítulo.

§ 1o A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida

com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe

eficácia retroativa.

Obs.: Apenas no período de recesso o relator poderá conceder monocraticamente a medida

cautelar. Se for em período normal dependerá de aprovação da maioria absoluta, nos

termos do art. 10 da Lei 9.868/99:

Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será

concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal,

observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou

autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que

deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias

Obs.: É possível que uma lei anteriormente revogada possa voltar a produzir efeitos.

Exemplo: Lei “A” foi revogada pela Lei “B”. Esta Lei “B” foi objeto de uma ADI, onde o

STF concedeu a medida cautelar. Ao conceder a cautelar, se suspenderá a aplicação da Lei

“B”. De acordo com a Lei 9.868, a suspensão da Lei “B” acarreta automaticamente na

aplicação novamente da Lei “A”. O ministro Gilmar Mendes chama de “repristinação

tácita” ou efeito repristinatório tácito. É tácito visto que o Supremo não invoca a aplicação

da Lei “A” automaticamente, e sim é efeito tácito da decisão, nos termos do art. 11, § 2º:

§ 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior

acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.

É possível também que o Supremo afirme que a Lei “B” é inconstitucional, mas

suspenda também, expressamente, a Lei “A”, impedindo a volta de sua aplicação.

Obs.: A decisão que nega a concessão da medida cautelar tem efeito vinculante? Não, visto

que não há nenhuma previsão legal neste sentido.

C) Na ADPF

Na ADPF a Lei 9.882/99 chama de medida liminar (e não de cautelar). No caso da

ADPF a liminar, em regra, também será concedida por maioria absoluta, todavia, como se

trata de um preceito fundamental, questões teoricamente mais relevantes, existem mais

exceções. Além do período de recesso onde o relator pode conceder liminar

monocraticamente, o relator também poderá concedê-la monocraticamente quando houver

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

perigo de grave lesão ou em caso de extrema urgência.

Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de

seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de

descumprimento de preceito fundamental.

§ 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em

período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do

Tribunal Pleno.

§ 2o O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato

questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-

Geral da República, no prazo comum de cinco dias.

A ADPF tem ainda um efeito específico: suspender a tramitação de processos ou os

efeitos de decisões judiciais ou quaisquer outras medidas, salvo se decorrentes de coisa

julgada, nos termos do § 3º do art. 5º da Lei 9.882:

§ 3o A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais

suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais,

ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto

da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se

decorrentes da coisa julgada.

Esse parágrafo cai muito em provas objetivas, toda, se exclui a última parte, mas é

importante lembrar sempre: a ADPF, em sede de medida cautelar, respeita a coisa julgada,

não suspendendo seus efeitos - o que poderá mudar com a decisão de mérito, se modular os

efeitos da decisão para ex tunc

Aula 08 - 28/03/2011

TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1. Introdução

Antes de iniciar o tema, para fins didáticos vamos fazer a distinção entre direitos

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

humanos e direitos fundamentais. Ambos estão relacionados aos valores liberdade,

igualdade e são voltados a proteção e promoção da dignidade da pessoa humana. A

diferença é o plano no qual eles estão situados, enquanto os direitos humanos estão

consagrados no plano internacional, os direitos fundamentais situam-se no plano interno,

em geral, na Constituição. Logo, o conteúdo dos direitos é o mesmo: liberdade e igualdade,

sendo que tais valores tutelam a dignidade da pessoa humana. É claro que os direitos

fundamentais de cada país vai variar, por exemplo, os EUA consagram pena de morte e

perpétua, enquanto aqui no Brasil isso não é admitido, exceto pena de morte em casos de

guerra declarada. Muitos autores, inclusive, não fazem essa diferença chamando inclusive

direitos humanos fundamentais. A distinção aqui é essencialmente de plano. Vejamos o art.

5º, § 3º:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que

forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,

por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às

emendas constitucionais

* Em nenhum momento a nossa CF/88 se refere sobre direitos humanos no plano

interno, todavia, o faz no tocante a direitos fundamentais, por exemplo, o título

II - dos direitos e garantias fundamentais.

* De acordo com o supracitado artigo se os tratados internacionais de direitos

humanos forem aprovados com o rito das emendas constitucionais (2 turnos de

votação + 3/5 dos votos do CN), terão os mesmos valores dela, e,

consequentemente, terá o mesmo status de uma emenda constitucional.

Todavia, se o TIDH for aprovados com rito ordinário (são os casos de todos os

tratados antes da EC 45 que acrescentou em 2004 o supracitado parágrafo) terá

status supralegal. Veja que que é uma nova categoria hierárquica da lei:

a) TIDH aprovado com rito de EC: status constitucional.

b) TIDH aprovado com rito ordinário: status supralegal.

c) TI de outra matéria que não direitos humanos. Status ordinário.

O art. 5º, § 2º da CF/88 consagra uma teoria material dos direitos fundamentais. O

que isso significa? Vejamos a redação:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos

tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

* Ao dispor “os direitos ali consagrados” remete-nos aos direitos fundamentais, e

significa que outros direitos fundamentais podem ser adotados pelo

ordenamento jurídico decorrentes de princípios implícitos na CF/88 e direitos

consagrados por tratados internacionais.

* Quando se fala em direitos fundamentais, além deles não serem apenas os que

estão na CF/88, e também os decorrentes de princípios e tratados

internacionais, os direitos fundamentais não estão apenas dentro do título II da

CF/88, encontrando-se espalhados por todo o seu texto.

Outro dispositivo importante é o § 1º do art. 5º da CF/88:

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm

aplicação imediata

* Se a interpretação do artigo é literal significa que todos os direitos e garantias

fundamentais poderiam ser aplicados independentemente da conjugação de

outra vontade, lei ou ato do Poder Público. É assim que funciona? Alguns

autores defendem essa corrente, como o ministro Eros Grau. O professor não

concorda com esse posicionamento e nos remete ao art. 5º, LXXI da CF/88:

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma

regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e

à cidadania;

* A grande maioria da doutrina (por exemplo, Dirley Cunha) interpreta o

mandado de injunção como instrumento criado para garantir o exercício dos

direitos fundamentais. Analisando esse inciso com o supracitado parágrafo

percebe-se a incoerência da Lei Maior. Por conta disso, o professor acredita

não ser possível a aplicação automática sempre dos direitos fundamentais. Um

segundo posicionamento (adotado por Ingo Sarlet) interpreta o § 1º do art. 5º

não como uma regra, e sim como a estrutura de um princípio. Segundo Ingo, as

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais devem ser

interpretadas no sentido que lhes confira a maior efetividade possível para que

cumpram a finalidade para qual forem criadas. A efetividade depende,

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

inclusive, de uma série de fatores, por exemplo, o direito de greve precisa de

uma norma regulamentadora. Esse é o entendimento adotado pelo CESPE.

2. Classificações dos direitos fundamentais

2.1 Classificação da CF/88

Vamos ver duas classificações. Primeiramente a realizada pela CF/88 que trata dos

direitos fundamentais no título II e considera que direitos e garantias fundamentais são o

gênero que tem as seguintes espécies:

a) Direitos individuais: apesar de estarem sistematicamente elencados no art. 5º os

direitos e garantias individuais também podem ser encontrados em outras

partes da Constituição. Prova disso é o art. 65, § 4º, IV da CF/88: perceba que

não são todos os direitos fundamentais (apesar de que defendidos por alguns

autores) que são cláusulas pétreas, e sim apenas os direitos e garantias

individuais. E mais: o STF já entendeu que o art. 60, § 4º e o art. 150, III, “b”

foram consideradas garantias individuais e, portanto, cláusulas pétreas.

4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a

abolir:

IV - os direitos e garantias individuais

b) Direitos coletivos: espalhados pelos arts. 5º, 6º e seguintes)

c) Direitos sociais: art. 6º e seguintes

d) Direitos de nacionalidade: arts. 12 e 13

e) Direitos políticos: arts. 14 e seguintes

Obs.: O título II ainda menciona em seu final sobre os partidos políticos.

2.2 Classificação doutrinária

A classificação doutrinária mais aceita é de um autor português chamado José Carlos

Vieira de Andrade, que foi inspirada feito por um autor alemão chamado Jellinek. e divide

os direitos fundamentais em três espécies:

a) Direitos de defesa: são direitos criados para proteger o indivíduo em face do

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Estado. São os direitos individuais, também chamados civis, (ligados ao valor

liberdade) e tem preponderantemente um caráter negativo (exigem do Estado

uma abstenção - status negativus). Ex: para que se tenha uma liberdade

artística, de expressão, de ir e vir, o Estado não deve se intrometer, devendo se

abster.

b) Direitos a prestações: São direitos que exigem do Estado não uma abstenção,

mas uma atuação positiva, ou seja, exigem uma prestação do Estado. Têm

preponderantemente um caráter positivo (status positivus)

* Os direitos prestacionais têm uma carga de eficácia menor que os direitos

de defesa? Sim, pois a maioria dos direitos de defesa estão consagrados em

normas de eficácia plena ou contida, enquanto que os direitos prestacionais

estão geralmente consagrados em normas de eficácia limitada. Os direitos

prestacionais têm menos eficácia e menos efetividade (em razão do custo

oneroso que têm). Vale lembrar também que os direitos prestacionais

dependem de recursos financeiros: quanto mais pobre o Estado e o nível

de desenvolvimento deste, maior é a dificuldade de implementar os

direitos sociais.

* Constituem-se basicamente nos direitos sociais. Alguns direitos

prestacionais podem ser, inclusive, individuais, como o direito de

assistência judiciária. E cuidado: nem todo direito prestacional é um

direito social, e a recíproca também é verdadeira, ex vis, a proteção do

trabalhador através da legislação trabalhista. A criação de legislação

trabalhista não é um direito prestacional por parte do Estado.

* Os direitos prestacionais estão ligados ao valor igualdade material (não à

formal). E em que sentido a exigência de igualdade material faz com que o

Estado tenha que atuar positivamente? Ora, o objetivo das prestações é de

reduzir as desigualdades fáticas. Por que o Estado tem que fornecer

medicamentos para algumas pessoas? Pois, algumas pessoas não tem

como pagar esses remédios, e acaba também fornecendo para quem pode.

Logo, tais direitos prestacionais visam reduzir essa desigualdade fática.

Existem muitos países, como na Alemanha, onde na sua Constituição não

preveem o direito social como um direito fundamental. Ora, como uma

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87

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

pessoa vai ter liberdade se ela não tem acesso aos bens básicos como saúde

e educação?

3. Direitos de participação. Têm caráter positivo e negativo. São aqueles direitos

que irão permitir a participação do indivíduo na vida política do Estado. São

direitos ligados à cidadania. Para que o indivíduo possa participar da vida

política do Estado, esses direitos têm tanto um caráter positivo quanto

negativo. Ex: para que se realizem as eleições periódicas, o Estado deve

concretizá-las (face positiva), mas também deve abster-se de impedir cidadãos

de participar do sufrágio universal (face negativa), direitos de Nacionalidade e

Direitos Políticos. Vale salientar que o exercício dos direitos políticos depende

do direito de nacionalidade.

Obs.: a rigor, todos os direitos têm caráter positivo e negativo. Exemplo: liberdade de

locomoção do indivíduo. Em regra, o Estado não pode impedir o indivíduo de ir e vir (face

negativa), mas também se ele não influir construindo estradas, meios de transporte, etc.

(face positiva) as pessoas não poderão exercitá-los.

Obs.: direitos coletivos estão sempre ligados aos direitos individuais ou sociais.

3. Características dos direitos fundamentais

A) Universalidade: o fatos dos direitos fundamentais terem como núcleo comum a

dignidade da pessoa humana conduz à sua universalidade. Quando se fala em

universalidade, significa que o núcleo mínimo de proteção nesses direitos têm que estar

presente em todos os ordenamentos. Exemplo: todo país que respeite direitos humanos tem

que proteger o direito à vida.

B) Historicidade: os direitos fundamentais são direitos históricos, pois surgem

gradativamente através do tempo e se transformam. A historicidade fica muito claro

quando se estudam as dimensões dos direitos ora estudados. Os direitos fundamentais

foram surgindo aos poucos. Exemplo: o direito à igualdade estava presente na época da

Revolução Francesa: “os homens nascem livres e iguais.” Agora, aquela igualdade

consagrada lá era a igualdade meramente formal, tanto que admitiam até a possibilidade de

existirem escravos. Atualmente a igualdade é aplicada em seu sentido material.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

* A ideia de historicidade afasta a tese do jusnaturalismo. Como os direitos

fundamentais seriam direitos naturais se eles surgem e se extinguem com o

passar dos tempos? É o argumento utilizado pelos positivistas. Aí os

jusnaturalistas afirmam que não é que os direitos fundamentais não existiam, é

que eles foram sendo conquistados pela sociedade com o passar do tempo e

positivados a partir dessas conquistas.

C) Imprescritibilidade: direitos fundamentais não prescrevem.

D) Inalienabilidade: direitos fundamentais são indisponíveis, intransferíveis e

inegociáveis, uma vez que não possuem conteúdo patrimonial.

E) Irrenunciabilidade

Essas três características tem um viés jusnaturalista: os direitos fundamentais são

naturais e, portanto, imprescritíveis, inalienáveis e irrenunciáveis. Essas características são

muito polêmicas, por exemplo, uma pessoa que participa do BBB não está negociando um

direito fundamental? A pessoa que deixa de exercer um direito fundamental não está

renunciando a esse direito? Na verdade é feita uma distinção para tentar esclarecer essas

dúvidas: titularidade do direito ≠ exercício do direito. O que é inalienável não é o exercício

desse direito, e sim a titularidade do direito. A pessoa não pode perder o direito de forma

total e definitiva. Exemplo: a pessoa pode abrir mão de herança, mas não pode dizer que

definitivamente nunca vai receber a herança. Essa é a titularidade. Ao abrir mão de um

direito específico (ex vis, abrir mão de uma herança), estaria abrindo mão do exercício do

direito fundamental de forma parcial e temporária. Existem situações, todavia, onde se

pode renunciar ao direito fundamental em outros países, como, por exemplo, a renúncia do

direito de nacionalidade. No Brasil, não é possível a renúncia, e sim a perda por

determinados motivos.

Se fala em renúncia ao exercício, alienação do exercício e prescrição do exercício.

Além disso, não se deve confundir renúncia a um direito fundamental com o não-exercício

dele e com o exercício negativo. Logo, renúncia ≠ não exercício ≠ exercício negativo ≠

perda.

Renúncia Não-exercício Exercício negativo

Perda

Enfraquecimento de uma posição de um

É a opção do titular do direito

É uma das faces do exercício de um

É uma restrição heterônoma. Alguém

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89

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

titular de um direito fundamental. Ex: castração química de pedófilos*

fundamental de não exercê-lo. Não há renúncia, e sim a ausência do exercício. ** Ex: duplo grau

possível direito fundamental. Ex: não querer se associar.***

impõe que não se exerça determinado direito. Ex: perda da nacionalidade imposta pelo ordenamento.

* A castração química é reversível e é utilizada através de hormônios femininos para

reduzir o nível de testosterona. Um senador está querendo um projeto de lei nesse

sentido, não para obrigar o condenado à castração química - pois, seria renúncia de

direito fundamental, e sim como pena alternativa: em vez de, por exemplo, 20 anos de

prisão, o condenado poderia ter 5 (cinco) anos se trocasse, voluntariamente, a pena

privativa de liberdade pela castração química durante o período de livramento

condicional: aqui não é uma imposição, e sim uma atitude espontânea.

** Duplo grau de jurisdição é direito fundamental? Posso num processo não querer

recorrer. A minha posição não foi enfraquecida, eu apenas não quis exercê-la, mas meu

direito permanece.

*** Liberdade de associação: liberdade de me associar, de não associar ou de permanecer

associado. Quando me recuso a não me associar, estou exercendo o meu direito de uma

forma negativa.

F) Relatividade / limitabilidade: os direitos fundamentais não podem ser considerados

absolutos porque eles encontram limitações impostas por outros direitos também

consagrados na própria Constituição. Os direitos fundamentais não são absolutos, e sim

relativos, pois existe um sistema de tais direitos para que possam conviver dentro desse

sistema; por isso que existem limites. Muitos pensam que a dignidade da pessoa humana é

um princípio absoluto. Na verdade, não é um princípio absoluto, e sim um valor. E qual a

diferença? Quando se usa a dignidade como valor absoluto significa que não existe

gradação entre esse valor: a dignidade é igual para todas as pessoas, não existindo nível de

dignidade da pessoa humana --> isso é absoluto. Agora, dignidade da pessoa humana como

princípio não é absoluto, pois se não, não seria possível fazer a ponderação com o sistema

jurídico. Exemplo: aborto de feto anencéfalo: se eu considerar que a dignidade da pessoa

humana como princípio é absoluto a gestante não poderá realizar o aborto.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

* O italiano Norberto Bobbio em seu livro “A Era dos direitos” sustenta que

existem dois valores absolutos: o direito de não ser torturado e o direito de não

ser escravizado. Ora, a tortura já é uma regra resultante de uma ponderação

feita pelo legislador do constituinte através da dignidade da pessoa humana. A

proibição de trabalho escravo também é uma concretização da dignidade da

pessoa humana. A regra já é muitas vezes o resultado de uma ponderação e,

quem fez essa regra foi o legislador. Costuma dizer que nas regras existem as

“razões entrincheiradas”, que são justamente as ponderações feitas nas

discussões, análise do que seria votado para adentrar no ordenamento.

* Humberto Ávila entende que os direitos fundamentais se expressam muito mais

por regras do que princípios. Agora, inegavelmente os princípios não podem

ser considerados absolutos, bem como essas regras.

4. Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais e suas teorias.

Quando os direitos fundamentais surgem, eles foram consagrados nas Constituições

com a finalidade de proteger o indivíduo em face dos arbítrios do Estado. Como a relação

do Estado com o particular é uma relação hierarquizada, de subordinação, dizemos que há

uma relação vertical: a aplicação dos direitos fundamentais a tais relações hierarquizadas),

se fala em eficácia vertical dos direitos fundamentais. A eficácia vertical é, portanto, a

aplicação dos direitos fundamentais, às relações entre o Estado e o particular.

A teoria da eficácia horizontal foi organizada por juiz do tribunal do trabalho alemão,

Nipperdey, em 1950 que começou a aplicar os direitos fundamentais também nas relações

entre os particulares. Como aqui é uma relação horizontal ( particular <--> particular), a

aplicação dos direitos fundamentais nessa relação ficou conhecida como eficácia

horizontal. Só que isto é apenas uma visão superficial do tema. Existem várias teorias

sobre a possibilidade de aplicação ou não dos direitos fundamentais nas relações entre os

particulares.

4.1 Teoria da ineficácia horizontal

Se há uma ineficácia horizontal, os direitos fundamentais não podem ser aplicados

nas relações entre particulares. Não tem muito prestígio entre os países, mas é a doutrina

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

adotada nos EUA. Os direitos fundamentais se aplicam apenas às relações entre Estado e

particulares. A 13ª emenda da Constituição americana acabou com a escrivão. Com a

exceção dessa emenda, nenhum outro dispositivo da Constituição americana, nenhum

outro dispositivo dela, de acordo com o entendimento jurisprudencial, se aplicaria a

eficácia horizontal. Isso porque a Constituição de 1787 ainda etá em vigor e nessa época só

existiam direitos fundamentais dos indivíduos em face do Estado.

Nos EUA existe uma teoria que adequa a aplicação dos direitos fundamentais por

parte de particulares contra particulares (Doutrina da State Action). Tal doutrina tenta

buscar um artifício para que algumas situações possam ser aplicados os direitos

fundamentais nas relações entre particulares. Vamos analisar três aspectos da State Action:

a) Pressuposto: só pode haver violação a direito fundamental por meio de uma

ação estatal.

b) Finalidade: tentar afastar a impossibilidade de aplicação dos direitos

fundamentais nas relações entre particulares e definir, ainda que de forma

casuística e assistemática em que situações esta aplicação seria possível. Existe

uma divergência entre o Daniel Sarmento e o Virgílio Afonso. Daniel estudou

nos EUA e sustenta que a doutrina da State Action teria como finalidade evitar

a aplicação dos direitos fundamentais às relações particulares. Já o Virgílio

sustenta que a finalidade da doutrina não é impedir a aplicação, e sim tentar

contornar essa proibição. O professor Marcelo Novelino concorda com

Virgílio.

c) Artifício de sua utilização: equiparação de determinados atos privados a atos

estatais. Os direitos fundamentais só se aplicariam na relação Estado-

particulares, mas também nas relações particular-particular quando os atos dos

particulares se equipararem a atos do Estado.

4.2 Teoria da eficácia horizontal indireta

A teoria da eficácia horizontal surgiu com Nipperdey, mas não é a teoria que

prevalece na Alemanha. A teoria prevalecente entre os Alemães (doutrina e jurisprudência)

é a eficácia horizontal indireta, que surgiu com Günter Dürig. Alexy adota outra teoria

(posição minoritária na Alemanha).

O direito fundamental até pode ser aplicado entre as relações particulares, mas para

ocorrer, o juiz não pode buscar na Constituição diretamente tal direito, pois esse direito na

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92

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Constituição foi construído para garantir o indivíduo contra o Estado. Para que

determinado direito fundamental seja aplicado nas relações entre particulares é necessária a

regulamentação desse direito por parte do legislador legal. Isso porque no direito privado

existe o princípio da autonomia da vontade. Logo, os direitos fundamentais não ingressam

na relação particular x particular como direito subjetivo a ponto de invocar a Constituição.

O indivíduo só pode invocar a lei

A aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas aniquilaria a

autonomia da vontade e causaria uma desfiguração no direito privado. Nas relações

contratuais (entre particulares, no mesmo nível) não se pode aplicar os direitos

fundamentais da mesma forma do que nas relações Estado-particulares, devendo, em

primeiro momento, prevalecer a autonomia da vontade. Não se nega a aplicação dos

direitos fundamentais nestas relações, mas para a aplicação dos direitos fundamentais deve

haver uma intermediação da lei prevendo esta aplicação.

Os direitos fundamentais irradiam os seus efeitos nas relações entre particulares por meio

de mediação legislativa (efeito irradiador dos direitos fundamentais). Para não causar uma

desfiguração do direito privado e uma supressão da autonomia da vontade. O direito

privado, por meio da lei, iria trazer os direitos fundamentais às relações privadas.

Segundo a doutrina alemã, os direitos fundamentais entrariam no direito privado e

seriam irradiados (introduzidos) às relações particulares via cláusulas gerais do direito

privado (“portas de entrada” ou “pontos de infiltração” dos direitos fundamentais no

direito privado – interpretação destas cláusulas via direitos fundamentais).

4.3 Teoria da eficácia horizontal direta

Surgiu na Alemanha, por um juiz do Tribunal Constitucional do Trabalho chamado

Hans Karl Nipperdey. Não é prevalecente na Alemanha, mas são prevalecentes em

Portugal, Espanha, Itália e Brasil. Não precisaria fazer uma série de artifícios

interpretativos para a aplicação entre particulares dos direitos fundamentais. Ela

aconteceria diretamente, entretanto, a aplicação dos direitos fundamentais entre

particulares não deve ocorrer com a mesma intensidade com que ocorre nas relações com o

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Estado, pois se deve levar em conta o princípio da autonomia da vontade.

* Ex1: se há uma relação de igualdade fática, real (coordenação), prevalece,

como regra a autonomia da vontade.

* Ex2: se há uma relação de desigualdade fática (subordinação), a proteção aos

direitos fundamentais deve ser maior. Exemplo: particular tem bar e proíbe a

entrada de negros. Isso não é possível.

Sobre esse tema vale conferir no STF o RE 161.243/DF. É a hipótese da air france

que tinha 2 estatutos trabalhistas: um para os franceses e outros para “estrangeiros. O STF

entendeu que, nesse caso, o princípio da autonomia deveria ser aplicado nessa relação. O

Supremo entendeu que na relação trabalhista privada existe uma desigualdade fática entre

empregador e empregado e que é preciso tutelar esse último grupo

STF, RE 161.243

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA

IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE

EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA:

APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO

TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art.

5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para

a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da

Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria

restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da

igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A

discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou

extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo

religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-

PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a

desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido.

Outro exemplo de aplicação da teoria direta da eficácia horizontal no STF foi o RE

158.285/RS. Alguns associados de uma cooperativa no RS deram uma entrevista no jornal

desafiando os diretores do órgão e que não teriam coragem de expulsá-los. Eles assim o

fizeram. No estatuto da cooperativa, todavia, se assegurava o direito de defesa em casos de

expulsão. Perceba que a matéria não poderia chegar ao Supremo por RE, pois havia norma

infralegal tutelando o caso - o estatuto. Todavia, Marco Aurélio entendeu que houve

violação direta dos direitos fundamentais e conheceu do recurso extraordinário. Veja o teor

da decisão.

STF, RE 158.285

DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS

GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO

COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do

devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a

insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser

direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer

crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em

que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito

embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na

legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois

princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e

do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a

pressuporem a consideração de normas estritamente legais.

COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER

PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de

associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a

observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da

defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à

exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância

obrigatória do próprio estatuto da cooperativa.

Essa teoria gera algumas críticas:

a) Perda da clareza conceitual do Direito Privado.

b) Ameaça à sobrevivência da autonomia privada.

c) Incompatibilidade com os princípios: democrático, da separação dos poderes e

da segurança jurídica.

d) O Judiciário estaria exercendo uma função que deveria ter sido exercida pelo

Legislador (falta de critérios objetivos).

4.4 Teoria integradora

A teoria integradora é definida por Robert Alexy. A teoria é chamada de integradora,

pois vai integrar a teoria da eficácia horizontal direta e a indireta. De acordo com a teoria

integradora o ideal é que exista a intermediação legislativa, no entanto, na ausência de

mediação do legislador, os direitos fundamentais poderiam ser aplicados diretamente.

5. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais

5.1 Introdução

A dignidade da pessoa humana é um direito fundamental? É o ordenamento jurídico

que confere esse direito? A dignidade não é vista pela maioria dos autores como um

direito, pois não é conferida pelo Ordenamento Jurídico. Ainda que não se mencionasse a

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

dignidade ela ainda existiria, pois é um atributo que todo ser humano possui,

independentemente da condição do homem. A dignidade, portanto, é uma qualidade

intrínseca do ser humano, não dependendo de nacionalidade, origem, sexo, etc. Sendo

humano, possui dignidade. Kant, por exemplo, sustenta que o fundamento da dignidade da

pessoa humana é a autonomia do indivíduo. Por o ser humano ter vontade, ele teria que ter

dignidade. O professor Marcelo Novelino não concorda, porque algumas pessoas não tem

racionalidade, ex vis, o feto, os senis, teriam uma dignidade relativizada? Alguns autores

dizem que a dignidade tem como fundamento a vida. O professor também discorda. O

morto não teria direito à dignidade? A vida parece para alguns ser o bem mais valioso. E

no caso de testemunha de Jeová que se recusa receber a transfusão de sangue? Houve uma

decisão no TJ/RS que forçou um deles a tomar a transfusão. Mas ora, para o testemunha de

Jeová a sua vida fica indigna. O professor Marcelo Novelino entende que a dignidade não

tem um fundamento, na verdade ela é um fundamento de todos os direitos, inerentes ao ser

humano. Todos os direitos fundamentais decorreriam direta ou indiretamente da dignidade

da pessoa humana.

Aula 09 - 08/04/2011

5.2 Facetas da dignidade da pessoa humana e sua aplicação in concreto

A dignidade da pessoa humana está prevista no art. 1º, III da CF/88 e é tida como um

dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Vale aqui fazer uma distinção: as normas do art. 1º são normas internas, inerentes ao

Estado brasileiro enquanto que as normas do art. 3º são normas externas, aplicáveis pelo

Brasil nas suas relações exteriores.

A maioria da doutrina internacional costuma apontar a dignidade da pessoa humana

como valor constitucional supremo. Agora cuidado: valor constitucional supremo não

significa ser norma suprema. São coisas diferentes. A dignidade da pessoa humana não se

encontra acima das demais normas da Constituição em face ao princípio da unidade que

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

dispõe que não existe hierarquia entre as normas constitucionais. A dignidade da pessoa

humana é o valor constitucional supremo, e não a norma suprema, porque nem sempre a

dignidade prevalecerá no caso de ponderação de princípios. É verdade que na maioria dos

casos a dignidade da pessoa humana, por ser um valor supremo, prevalecerá, mas não são

em todos os casos. Exemplo: dignidade de uma pessoa contra a dignidade de outra.

Falamos na semana passada que a dignidade da pessoa humana não é um direito, e

sim é uma verdadeira qualidade intrínseca do ser humano. Nós não temos dignidade

porque ela está prevista no art. 1º, III, e sim porque ela é uma qualidade intrínseca do ser

humano. Apesar de ela não ser um direito ela possui uma íntima relação com os direitos

fundamentais: tal relação se dá, pois, a dignidade da pessoa humana é o núcleo dos direitos

fundamentais. Tais decorrem da dignidade da pessoa humana. O fundamento dos direitos

fundamentais é a dignidade da pessoa humana: os direitos fundamentais existem para

proteger e promover a dignidade da pessoa humana, que é o fundamento de todos eles. É

claro que alguns direitos fundamentais possuem uma derivação mais direta ou indireta à

dignidade da pessoa humana, ex vis, o direito de liberdade é muito mais ligado à dignidade

da pessoa humana, do que um direito de férias. Mas esse não deixa de estar ligado à

dignidade da pessoa humana, pois o direito de férias visa a garantir a dignidade moral e o

direito a repouso.

Se a dignidade é o fundamento dos direitos fundamentais e, se os direitos

fundamentais existem para promover e proteger a dignidade da pessoa humana, quando há,

como no Brasil, uma CF/88 que tutela os direitos fundamentais de forma bem definida,

dificilmente se necessitará recorrer diretamente à dignidade da pessoa humana. Exemplos:

violações à integridade física e mental de uma pessoa e, consequentemente violação

também sua dignidade; a violação da liberdade; da igualdade; dos direitos de

personalidade, etc. O importante é conhecer o raciocínio que se utilizará: se há um

ordenamento jurídico onde não existe um rol de direitos fundamentais específicos (não é o

caso do Brasil), o juiz ao decidir ele vai retirar da dignidade da pessoa humana os direitos

fundamentais. Quando a CF já possui um rol de direitos fundamentais segmentado, o juiz

não vai invocar a dignidade da pessoa humana como norma principal para resolver o caso -

ele usará um dos direitos fundamentais. O magistrado utilizará a dignidade da pessoa

humana apenas como um reforço argumentativo. Inclusive, no sítio do STF não há

decisões baseadas exclusivamente na dignidade da pessoa humana, e sim há sempre

invocação de princípios constitucionais. Talvez o único caso onde o Pretório Excelso se

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

utilizou apenas da dignidade da pessoa humana seria a não-obrigatoriedade de submissão

ao exame de DNA. Mesmo assim, o Supremo invocou normas não-constitucionais também

para fundamentar sua decisão.

5.3 Consequências jurídicas da dignidade da pessoa humana como fundamento da

República Federativa do Brasil

Quais são as consequências jurídicas de ter declarado a dignidade da pessoa humana

como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil?

1. Dever de respeito não só por parte do Estado, mas também pelos particulares.

Temos na CF/88 um dispositivo que, segundo o professor Novelino, concretiza

esse dever de respeito à dignidade da pessoa humana: é o art. 5º, III da CF/88:

“ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante.”

2. Dever de proteção das condições de vida digna;

3. Dever de promoção das condições de vida digna.

5.4 “Fórmula do objeto” e “expressão de desprezo”

De acordo com a doutrina européia, mais especificamente segundo Kant: “as coisas

tem um preço; o ser humano tem dignidade. A dignidade exige do ser humano seja tratado

sempre como um fim em si mesmo, e não como um meio para se atingir determinados

fins.” Essa filosofia Kantiana a respeito da dignidade ficou conhecida como “fórmula do

objeto”, pois se o ser humano for tratado como um objeto, a dignidade será violada. A

fórmula do objeto nos ensina que o ser humano não pode ser um meio para o Estado

alcançar as suas finalidades, mas sim, deve ser sempre o fim.

O Tribunal Alemão acrescentou à fórmula do objeto a “expressão de desprezo” pelo

ser humano. O que isso significa? Muitas vezes o ser humano é tratado como meio para

atingir determinado fim, todavia, ser tratado como meio não significa uma violação à

dignidade da pessoa humana, por exemplo, uma pessoa que não tem o vírus HIV se oferece

para fins de pesquisa com o vírus. De certa forma, a pessoa está sendo tratada como um

meio, um instrumento, cobaia para se atingir um fim; todavia, tal meio não significa

violação à dignidade da pessoa humana, uma vez que foi escolha do titular do direito.

Diferente é o caso de forçar um preso à castração química. O que deu a ideia ao Tribunal

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Alemão de criar a expressão de desprezo foi a experiência do nazismo, que consideravam

as pessoas não-arianas como pessoas de 2º grau e, portanto, sendo objeto, e expressão de

desprezo dessas pessoas para os arianos. Outro exemplo muito emblemático de violação à

dignidade da pessoa humana foi o arremesso de anões na França: os anões estavam sendo

utilizados como expressão de desprezo, visto que era um meio e eles estavam sendo

tratados como objeto em razão de sua condição física diferenciada.

Um dos temas que envolve a dignidade da pessoa humana é: quem deve decidir que a

dignidade da pessoa humana foi violada? O próprio titular ou uma autoridade pública? No

caso dos anões da França, os próprios anões argumentaram que serem arremessados não

violaria a sua dignidade; o que violaria era eles ficarem desempregados. O professor

Marcelo Novelino comungava desse entendimento, todavia, passou a pensar diferente

quando conheceu uma aluna do LFG que tinha nanismo. Ele trocou e-mails com a aluna na

época do programa pânico na TV que tinha os anões do “pedala robinho”. Certa vez a

aluna estava em uma boate e alguém deu a tapa e falou “pedala robinho”. O professor

entendeu que tais condutas como a do programa de TV criam um estigma para

determinados tipos de pessoas, o que levaria a entender que a própria pessoa não pode

decidir sobre a sua dignidade, que caberia às autoridades públicas analisarem o caso

concreto. É uma questão polêmica que não possui um entendimento majoritário.

5.5 Dignidade da pessoa humana e seu dever de proteção e promoção

O dever de proteção e promoção à dignidade se expressam através do princípio da

dignidade da pessoa humana: tal princípio impõe um dever de proteção + promoção da

dignidade. Geralmente o princípio da dignidade da pessoa humana é concretizado da

seguinte forma:

1. A proteção se dá aos direitos individuais do art. 5º da CF/88;

2. A promoção se dá com o exercício dos direitos sociais do art. 8º da Lei Maior.

Por exemplo, ao dar trabalho, saúde, educação, se dá ao ser humano uma vida

digna. Aqui vale salientar a ideia do “mínimo existencial”, que é o conjunto de

bens e utilidades indispensáveis a uma vida humana digna, ou seja, é aquele

mínimo necessário sem o qual a pessoa não terá dignidade. Na aula de direitos

sociais veremos quais os bens mínimos de acordo com o ensinamento de

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

alguns doutrinadores.

Perceba que até agora o professor Marcelo Novelino não definiu a dignidade da

pessoa humana, e sim ele está dizendo apenas o âmbito da sua aplicação e em que casos há

a violação dessa dignidade.

Além desses aspectos já tratados é importante salientar também que a dignidade da

pessoa humana pode ser tratada como uma meta-norma. Alguns autores como Luiz

Roberto Barroso chamam essas meta-normas de princípios instrumentais (Humberto Ávila

usa a expressão “postulados normativos-interpretativos”): isso porque no caso concreto

não se aplica diretamente a dignidade, e sim ela será utilizada para interpretar outra norma

constitucional, sendo que esta é que será aplicada ao caso concreto. Vejamos a redação do

art. 5º, caput:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes

Perceba que os destinatários dos direitos individuais são os brasileiros e os

estrangeiros residentes no país e, os valores tutelados pelo art. 5º são:

a) Inviolabilidade do direito à vida;

b) Liberdade;

c) Igualdade

d) Segurança jurídica

e) Propriedade

Fazendo uma interpretação literal do citado artigo ,e seguindo o entendimento de

José Afonso da Silva, o estrangeiro não-residente no país não teria esses direitos, devendo

invocar tratados internacionais de direitos humanos. Na jurisprudência do STF há vários

casos de impetração de habeas corpus por estrangeiros não-residentes no Brasil, logo se

admite que tais pessoas possam invocar direitos do art. 5º da Lei Maior. Ora, se CF/88

afirma que se garante apenas aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, porque o

STF faz essa interpretação extensiva? Qual a justificativa? A principal justificativa é

justamente a dignidade da pessoa humana, uma vez que o fundamento dos direitos

fundamentais é a dignidade da pessoa humana. Ora, se os direitos individuais do art. 5º

decorrem diretamente da dignidade da pessoa humana e se a dignidade é uma qualidade

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intrínseca que todos os seres humanos possuem, independentemente da origem, sexo, raça,

o ordenamento jurídico não poderia excluir alguns direitos fundamentais de determinadas

pessoas (seria negar-lhes dignidade).

Questão de prova: a dignidade é princípio, regra ou postulado? Segundo o professor

Marcelo Novelino são os três: de regra, expressa no art. 5º, III; de princípio com fulcro em

sua promoção e proteção; e, por fim, como postulado, servindo de base interpretativa

(meta-norma) para outros princípios.

6. Conteúdo essencial dos direitos fundamentais

O objetivo do conteúdo essencial dos direitos fundamentais é evitar que a regulação

legal do exercício desnaturalize ou altere o direito fundamental que a Constituição

reconhece. Esse conteúdo essencial é uma garantia dirigida a todos os Poderes Públicos,

mas o principal destinatário, sem dúvida, é o Poder Legislativo que não pode criar uma

norma que retire ou diminua os direitos fundamentais.

Existem duas teorias para definir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais:

1. Teoria absoluta: para esse entendimento direito fundamental tem duas partes:

a) “núcleo duro”: parte dos direitos fundamentais que não pode ser violado,

sendo intangível e imodificável até mesmo por emenda constitucional. E

como é definido esse núcleo duro? Por interpretação em abstrato (a priori),

por isso é um limite forte;

b) outra parte inominada, periférica: essa parte poderia ser alterada pelo

legislador, que faria uma espécie de conformação. Essa parte poderia ser

tratada pelo legislador de forma discricionária, mas com certos limites.

* Essa teoria se chama de teoria absoluta, pois todo princípio teria seu

núcleo duro e sua parte periférica, visto que isso é definido em abstrato, e

não pelo caso concreto.

2. Teoria relativa: para essa corrente o conteúdo essencial de um direito

fundamental irá variar de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas

existentes. Por isso que se chama de teoria relativa: não se define de modo

abstrato qual é o conteúdo essencial daquele direito (não é estabelecido a

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priori), e sim, tal conteúdo é analisado a depender de caso concreto. O limite

aqui é fraco - diferente da teoria absoluta de núcleo intangível - admitindo

restrições aos direitos fundamentais. Mas, tal restrição só será legítima se

passar pelo crivo da proporcionalidade (adequação + necessidade +

proporcionalidade em sentido estrito). Em outras palavras, para a teoria relativa

não há como definir a priori o conteúdo essencial de um direito fundamental,

sendo que a lei que restringe o direito fundamental só será válida se ela for

adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Vamos a um exemplo

prático: a CF/88 estabelece no art. 5º, XIII:

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,

atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

* No que tange à necessidade de exame da OAB para tirar a carteira se entende

que é um meio adequado, necessário e proporcional em sentido estrito. E no

caso do músico que necessita da carteira da ordem dos músicos é uma

restrição necessária? Está sendo discutido ainda tal tema. Quanto ao

diploma de jornalista o STF não fez a ponderação utilizando a

proporcionalidade, mas entendeu que não seria necessário o diploma

concedido por instituição de ensino superior para exercer a profissão de

jornalista sob pena de violar a liberdade de expressão.

7. Restrições aos direitos fundamentais

Quando se fala em restrições aos direitos fundamentais apresentam-se também duas

teorias que discutem o assunto:

1. Teoria interna: os limites de cada direito fundamental devem ser fixados por

um processo interno ao próprio direito, sem a interferência de outras normas.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Os limites dos direitos fundamentais seriam limites imanentes ao próprio

direito, ou seja, quem define o limite de um direito fundamental é a própria

Constituição. Quando o legislador regula o direito fundamental ele só está

estabelecendo os contornos do direitos e consagrando os contornos que a

própria Constituição já estabelece. Quando se estabelece que o conteúdo dos

direitos fundamentais é feito a priori, em abstrato, se entenderá que, de acordo

com a teoria de Robert Alexy - juntando a teoria interna com a teoria absoluta

do conteúdo essencial -, que o direito fundamental é entendido como regra e,

portanto, não existiria ponderação entre princípios, uma vez que cada princípio

tem sua aplicação específica (é o entendimento também de Dworkin). Quando

se pega a classificação de José Afonso da Silva de normas constitucionais

(plena ou contida), ela só faz sentido na teoria interna em relação à restrição e

na teoria absoluta com relação ao conteúdo essencial dos direitos

fundamentais. Por exemplo, para José Afonso da Silva, norma plena não

admite restrição, mas admite regulamentação: esta somente estabelece os

contornos que já estavam de antemão previstos na Constituição, não os

restringindo.

2. Teoria externa: por esse entendimento existem dois objetos diferentes: o direito

e suas restrições que estão situadas fora dele. Então, aqui, a definição do direito

não é a partir de um ponto interno, e sim de uma perspectiva externa: só sei

qual é o conteúdo do direito a partir da análise dos outros direitos consagrados

na Constituição. São os outros direitos consagrados constitucionalmente que

vão definir os limites, as restrições de determinado assunto constitucional. Na

teoria externa, portanto, não há diferença entre regulação e restrição.

Apenas a teoria relativa e a teoria externa são compatíveis com a teoria dos

princípios proposta por Alexy. O STF não adota nenhuma dessas teorias em específico, e

sim faz uma miscelânea, adotando várias, a depender do ministro relator do caso.”

No caso da teoria interna e da teoria absoluta o suporte fático do direito (aquilo que o

direito fundamental protege), ele sempre vai ser um direito definitivo. No caso da teoria

externa e da teoria relativa, aquilo que o direito abrange, nunca vai estabelecer um direito

definitivo, e sim estabelecerá um direito prima facie: o direito definitivo só surge após a

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

ponderação. Vamos elucidar a partir de um exemplo concreto: a liberdade de informação.

De acordo com a teoria absoluta e a teoria interna, o direito à liberdade de informação já

vai ter o seu contorno definido a priori, ex vis, uma decisão do STF que afirme que “o

direito à liberdade de informação compreende apenas informações verídicas, informações

que tenham relevância pública e sejam lícitas.” O STF está estabelecendo em caráter

definitivo, a priori, os contornos do direito à liberdade de informação, não se ponderando

mais com nenhum outro direito. Se a informação for verídica, pública e obtida de forma

licita será divulgada. E como ele excluiu os outros tipos de informação? Isso não fica claro,

logo, as teorias interna e absoluta não são muito democráticas, uma vez que não expõem

totalmente os motivos.

Peguemos o mesmo exemplo da liberdade de informação e apliquemos agora na

teoria relativa e na teoria externa: qualquer tipo de informação, prima facie, está protegida

constitucionalmente. Mas, por que qualquer informação? Segundo Alexy princípios são

normas que devem ser cumpridas na maior medida possível. Em um primeiro momento,

todas as condutas ligadas à liberdade de informação estão protegidas pelo princípio da

liberdade de informação. Mas como vou saber se uma informação inverídica ou sem

relevância pública está protegida? Vou ter que ponderar a liberdade de informação com

outros princípios: por exemplo, se uma informação afetar a vida privada, a honra e a

intimidade de uma pessoa eu vou ter que ponderar com a liberdade de informação e saber

qual princípio deve prevalecer. É diferente do parágrafo acima, onde se estabelece em

abstrato as informações que devem ser protegidas: nas teorias relativa e externa ao fazer a

ponderação principiológica é preciso motivar - o que as torna bem mais democráticas do

que a teoria absoluta e interna.

Obs.: Sobre o tema ver o livro de SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais:

conteúdo essencial, restrições e eficácia. Malheiros.

8. Teoria dos limites dos limites

A ideia de limites dos limites surgiu em 1964 por um autor alemão chamado

BETTERMAN. Essa teoria envolve um paradoxo muito interessante: os direitos

fundamentais são direitos de defesa do indivíduo em face do Estado. Então, os direitos

fundamentais funcionam como um limite à atuação do Estado. Agora vejam o paradoxo:

ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais atuam como limite na atuação do

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Estado, em alguns casos a Constituição admite que o próprio Estado, através de uma lei,

limite um direito fundamental, ex vis, é livre o exercício de qualquer trabalho, atendido os

requisitos que a lei estabelecer. Ou seja, o legislador pode limitar o exercício de direitos

fundamentais. É aí que entra a questão dos limites dos limites: essa limitação feita ao

Estado dos direitos fundamentais não pode ser uma limitação ilimitada: tal limitação terá

que o observar determinados limites.

O limite estabelecido pelo Estado a um direito fundamental tem que observar

determinados limites, pois, se não observar determinados limites, o que vai acontecer que a

lei que limita direito fundamental pode, simplesmente, esvaziar o conteúdo do respectivo

direito fundamental. É por isso que existem as teorias relativa e absoluta em relação ao

conteúdo essencial do direito - para que tal seja respeitado. E quais são esses limites que a

lei restritiva deve observar e não esvaziar o conteúdo dos direitos fundamentais? São

alguns princípios:

1. Princípio da Reserva legal (art. 5º, II da CF/88): a restrição tem que ter base

legal. As restrições aos direitos fundamentais devem ser estabelecidas por lei.

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão

em virtude de lei

2. Princípio da não-retroatividade (art. 5º, XXXVI): uma lei só pode restringir um

direito fundamental desde que respeite ato jurídico perfeito, direito adquirido e

coisa julgada.

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e

a coisa julgada

3. Princípio da proporcionalidade: para a teoria relativa é possível admitir a

restrição para o direito fundamental prima facie; todavia, para saber se a

medida é correta deve-se analisar se ela é adequada + necessária +

proporcional em sentido estrito.

4. Princípio da generalidade e abstração: porque uma lei restritiva de um direito

fundamental tem que ser geral e abstrata? Em respeito ao princípio da

isonomia, pois, se for uma restrição a um direito fundamental, a restrição tem

que ser igual para todos naquela situação.

5. Princípio da salvaguarda do conteúdo essencial: se partir da teoria absoluta que

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

admite um núcleo duro de direitos fundamentais, tal não poderia ser violada; se

da teoria externa, é possível no caso concreto definir o conteúdo essencial

daquele direito. A depender da teoria adotada, o princípio da salvaguarda do

conteúdo essencial terá uma conclusão variada.

Vamos analisar, a partir de agora, os principais direitos individuais analisados pelo

art. 5º da nossa Constituição Federal vigente.

DIREITOS INDIVIDUAIS EM ESPÉCIE

Por organização didática vamos organizar o nosso estudo a partir dos valores

consagrados pelo caput do art. 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

a) Inviolabilidade do direito à vida;

b) Liberdade;

c) Igualdade

d) Segurança jurídica

e) Propriedade

Não vamos estudar as garantias especificamente, visto que a maior parte são temas

de direito processual. Vamos ver, depois algumas garantias em separado, como o mandado

de injunção.

1. Inviolabilidade do direito à vida

O direito à vida tem uma dupla acepção:

1. Direito a continuar vivo;

2. Direito a uma vida humana digna (art. 1º, III; art. 170 da CF/88)

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes

princípios:

Existe uma distinção bastante óbvia que é entre a irrenunciabilidade do direito à vida

e à sua inviolabilidade. Porque a vida é um direito inviolável ela é prima facie, um direito

irrenunciável. Quando se fala em irrenunciabilidade, ela é uma proteção ao direito a vida

pelo próprio titular: a pessoa não pode abrir mão do direito à vida. Esse assunto é

polêmico, pois envolve testemunhas de Jeová, ortotanásia, eutanásia, etc. No caso de

testemunhas de Jeová os tribunais de justiça estaduais estão entendendo que ele não pode

renunciar do seu direito à vida por não querer receber transfusão de sangue: a transfusão

forçada será feita - os testemunhas de Jeová acreditam, fazendo uma interpretação bíblica -

que o sangue não pode ser misturado, ou a pessoa se tornará impura. Ora, recebendo a

transfusão e ficando vivo, ele, na sua consciência, não estaria com uma vida indigna? O

juiz que afirma que “a religião deve preservar a vítima e não exterminá-la” é um juiz

preconceituoso, que não aceita a religião como premissa de vida, algo até maior que ela. É

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ponderação de princípios pura. Será mesmo que a vida é o valor mais importante que a

Constituição consagra? Será que a vida é mais importante do que a consciência dessas

pessoas serem respeitadas? Algo a se pensar.

A inviolabilidade protege o direito à vida contra terceiros - diferente do caráter

irrenunciável - que tutela a pessoa de si mesmo. Existem hipóteses em que o nosso

ordenamento jurídico permite violação da vida:

a) Pena de morte no caso de guerra declarada (art. 5º, XLVIII);

b) Aborto nos casos de ser necessário - quando a má-formação do feto

comprometer a vida da gestante - ou sentimental quando a gravidez for

decorrente de estupro. Alguns autores, inclusive, sustentam que o aborto

sentimental não teria sido recepcionado pela CF/88.

c) Aborto em caso de acrania (ADPF 54, pendente de julgamento no STF): a

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Área da Saúde sustenta que nos

casos de acrania deveria ser permitida a antecipação terapêutica do parto, sob o

fundamento que não seria aborto. Quer uma interpretação do Código Penal em

conformidade com a CF/88: que não seja aborto, e sim uma antecipação

terapêutica do parto, sob argumento de que a nossa legislação não diz a partir

de que momento o direito à vida deve ser protegido, mas afirma quando não há

mais direito à vida a ser protegido que é a partir da morte encefálica, nos

termos da Lei 9.434/97, onde se permite a partir de tal fato a doação de órgãos.

Ora, se, juridicamente falando a vida termina com a morte encefálica, o início

da vida só ocorreria em termos jurídicos quando a massa encefálica se

formasse a contrario sensu. Já que não haveria cérebro, não existiria aborto, e

sim uma antecipação do parto. Esse argumento é o principal da ADPF 54.

Vamos desenvolver na próxima página um quadro sinótico com ambos os

argumentos:

Argumentos contrários ao aborto Argumentos a favor do aborto - Da mesma forma que não cabe à ciência jurídica dizer quando a vida humana começa, não cabe também às outras ciências afirmar a partir de que momento o direito deve proteger constitucionalmente aquele direito à vida.” Foram as palavras de uma juíza do tribunal alemão. Logo, não seria bom resolver quando a vida começa.

- Direitos fundamentais da gestante: apesar do feto ter direitos que devam ser preservados, a grávida também tem direitos fundamentais que poderiam justificar a violação dos direitos do feto. E quais seriam esses direitos fundamentais que a gestante teria que justificaria esse aborto? São os discriminados nas linhas abaixo:

- A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados provocada sobre o assunto mediante um projeto de lei afirmou que

- Muitas legislações em outros países autorizam o aborto até o fim dos 3 (três) primeiros meses de gestação, inclusive nos EUA, onde a Suprema

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

tal seria inconstitucional, uma vez que a CF/88 consagra o direito à vida e, portanto, qualquer espécie de aborto seria vedada.

Corte proibiu a criminalização de qualquer aborto até o fim dos primeiros três meses de gestação (Caso Roe X Wade – 1973).

- O direito à vida começa a partir da concepção e não da nidação

- Liberdade de escolha e autonomia reprodutiva.

- Se a vida começa a partir da concepção, qualquer proteção ao direito à vida do feto que não seja a criminalização do aborto, seria insuficiente para protegê-lo de forma adequada. Isso remete ao princípio da proteção insuficiente (face negativa do princípio da proporcionalidade). A proteção insuficiente - de acordo com Canotilho a proteção deficiente - significa que, se eu adoto qualquer medida protetiva do direito à vida diferente da criminalização, eu não estou dando a proteção suficiente à inviolabilidade à vida. Na Alemanha o Tribunal Constitucional Federal entende que, juridicamente a vida começa com a formação do sistema nervoso central, todavia, isso não significa que toda conduta a partir daí precisa ser criminalizada, e sim pode-se tutelar de outra forma: por exemplo, acompanhamento psicológico da gestante.

- Saúde pública. A legalização do aborto não seria em face aos direitos fundamentais da gestante, e sim pelo fato de ser um problema de saúde pública. É um argumento utilizado na França. Permite-se o aborto até a 12ª semana de gestação por motivos de saúde pública. O fato de o aborto ser considerado como crime não impede que ele ocorra. No Brasil estima-se que sejam feitos anualmente um milhão de abortos clandestinos por ano. O SUS tem cerca de 220.000 atendimentos decorrentes de complicações do aborto (espontâneo ou provocado). Criar-se ia uma distinção entre pobres e ricos, pois: os ricos teriam condições para fazer o aborto em clínicas dotadas de condições terapêuticas adequadas (instalações com higiene, acompanhamento psicológico...). Os pobres não teriam como fazer o procedimento com segurança. Se a questão é salvar vidas, deve-se garantir que todas as mulheres tenham acesso ao aborto de forma segura, pois criminalizar não irá impedir que o aborto ocorra.

- O aumento do número de casos. Se o aborto for permitido, ele poderia virar um simples método contraceptivo. É um argumento que não tem muita sustentação jurídica.

- Direito à privacidade da gestante. Foi sob esse fundamento em 1973 no caso Ros vs Wade a Suprema Corte americana proibiu a criminalização do aborto nos três primeiros meses de gestação. O direito à privacidade da mulher é amplo suficiente para que ela faça a opção ou não pelo aborto, não cabendo interferência estatal. O Canadá sustenta a realização do aborto a qualquer tempo, sob o argumento de que é o direito da gestante decidir sob seu corpo ou não.

Obs.: ADI 3510. O STF discutiu a lei de biossegurança, que dispunha sobre células-tronco embrionárias, com votação por 6X5. Os 6 ministros acolheram a posição da constitucionalidade da lei de biossegurança do relator (Carlos Ayres Brito) e os 5 que divergiram elencaram uma série de restrições (classificadas por eles como interpretação conforme à Constituição da lei). Existe uma passagem do voto do relator cuja importância deve ser ressaltada, sem que se possa dizer que essa é a posição do STF: a inviolabilidade do direito à vida ocorre após o nascimento, quando o indivíduo passa a ser dotado de personalidade (art. 2º do CC). Não diz que a vida intrauterina não deve ser protegida, mas a inviolabilidade só existe após o nascimento.

Aula 10 - 19/04/2011

2. Princípio da isonomia

2.1 Igualdade formal

Vejamos a redação do caput e inciso I do art. 5º:

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição;

Perceba que só aí se fala em igualdade 3 vezes, consagrando, assim, o princípio da

isonomia. O que significa dizer que “todos são iguais perante a lei sem distinção de

qualquer natureza”? A CF/88 aí consagra a igualdade formal (civil, jurídica ou perante a

lei); vale salientar que não há consenso na doutrina no que tange às classificações da

isonomia, todavia, vamos nos ater ao ponto que mais cai em concurso. E o que seria a

igualdade formal? Podemos conceituá-la como a exigência de tratamento isonômico a

todos os seres que se encontrem em uma mesma categoria essencial. Perceba que a

igualdade formal não exige um tratamento idêntico de todas as situações pessoas, e sim

exige que pessoas que se encontrem em uma mesma situação essencial sejam tratadas da

mesma maneira. Por exemplo: há vários tipos de trabalhadores: iniciativa privada,

servidores públicos, etc. Cada um se encontra em situação distinta. O fato do servidor

público ser tratado diferente do trabalhador privado não fere a igualdade formal. Inclusive,

para José Afonso da Silva o critério de justiça proposto por Aristóteles - que afirma que

justiça é tratar os iguais de forma igual e os desiguais de formal desigual na medida de sua

desigualdade - se encaixa muito bem ao conceito de igualdade no aspecto formal. José

Afonso aponta que era exatamente esse critério de justiça de Aristóteles que se admitia um

tratamento diferenciado para os escravos. O Bill of Rights da época das colônias nos EUA

afirmava que todos nasciam livres e iguais (mas existiam escravos)! Segundo o professor

Marcelo Novelino, que discorda do posicionamento de José Afonso da Silva no que tange

ao conceito de justiça proposto por Aristóteles, entende que tal conceito fala sobre

igualdade material, e não formal. Vamos a um exemplo: no IR, a medida que o valor da

contribuição vai caindo, a alíquota também vai diminuindo. Isso é tratar pessoas que estão

em situação diferente de modo diferente --> tal não é igualdade material, mas meramente

formal.

Ronald Dworkin tem uma definição de democracia constitucional: “uma democracia

constitucional exige o tratamento de todos com igual respeito e consideração.” Essa ideia

nos EUA costuma ser associada a dignidade da pessoa humana, vez que a Constituição dos

EUA não dispõe sobre a dignidade da pessoa humana. Habbersman fala em dignidade

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110

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

também no sentido de respeito e consideração. Ora, se a igualdade exige um tratamento

das pessoas com igual respeito e consideraçào, significa que esse respeito e consideração

devem ser no sentido de respeitar e aceitar a diferença entre as pessoas para que cada um

possa viver segundo a sua concepção de vida. Logo, a ideia de igualdade está relacionada

ao direito à diferença; e, Dworkin entende que respeitar a diferença é respeitar o direito à

diferença. O conhecido sociólogo português Boaventura de Souza Santos tem um

pensamento que se mostra muito claro: “temos o direito de ser iguais quando a diferença

nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.”

Por exemplo, uma diferença de situação econômica não faz parte da identidade cultural de

ninguém; agora, com relação aos indígenas há uma diferença no que tange às demais

civilizações. E essa distinção deve ser respeitada, visto que essa diferença é uma aspecto

cultural de determinado grupo. Agora, se a diferença inferiorizar o grupo, ex vis,

preconceitos étnicos, eles tem direito a ser tratados de formal igualitária. A característica

da sociedade hoje é ser pluralista e, essa divergência de valores tem que ser respeitada por

todos.

O tratamento igual entre as pessoas significa que as pessoas não possam ser

diferenciadas? O que a CF/88 exige é que o critério discriminador, o elemento

diferenciador, esteja a serviço de um fim constitucionalmente protegido. Para se

diferenciar pessoas é necessário que o fundamento da diferenciação seja outro princípio

constitucional voltado para um fim constitucionalmente previsto. Exemplo: art. 7º, XXX:

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de

critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

Mesmo havendo essa vedação constitucional o edital do concurso pode estabelecer

critério de admissão baseado em idade? Sim. O STF admite que em concursos públicos

sejam utilizados limite de altura, sexo ou idade - no que tange a esse último, súmula 683 do

STF:

Súmula 683 do STF. O limite de idade para a inscrição em concurso

público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da , quando possa ser

justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

Veja que se limita a vedação quando possa ser justificado pela natureza das

atribuições. O fim constitucional da vedação permitida é a eficiência da Administração na

prestação de seus serviços. E se a vedação for com relação ao sexo? Plenamente possível,

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

ex vis, concurso para agente penitenciário a ser exercido em penitenciária masculina. E em

razão da cor? É possível vedar? Celso Antônio Bandeira de Melo no livro “O conteúdo

jurídico da igualdade” afirma que o critério utilizado (sexo, idade cor, etc.) em si não diz

muito sobre a constitucionalidade da medida; o que se tem que analisar é se existe um fim

constitucionalmente legítimo. Exemplo: universidade está investigando cientificamente

porque brancos têm melhores rendimentos na natação e decide contratar brancos para fazer

essa investigação --> não há nada de errado com isso. Esse é o entendimento de Celso. O

STF entende que é preciso atender a dois requisitos para que a discriminação possa ser

constitucional:

1. Razoabilidade da exigência decorrente das atribuições do cargo a ser

preenchido;

2. Previsão legal anterior à realização do certame.

2.2 Igualdade material (real, fática ou substancial)

A igualdade material tem por finalidade a igualização dos desiguais por meio da

concessão de vantagens substanciais. O objetivo não é tratar diferentemente, mas sim

conceder às pessoas em situação menos favorecida condições mais benéficas, para reduzir

as desigualdades (ações afirmativas). Com isso, fica evidente a tensão da diferenciação

entre igualdade material e formal. Por exemplo, cotas no vestibular para negros. Isso é

tratar desigualmente ou não? Para o professor Novelino sim, pois está tratando diferentes

alunos de escola pública e particular. É um aspecto da igualdade formal e, por isso, essa

diferença das cotas deve ter um fim constitucionalmente previstos. Luiz Prieto Sanchís

leciona que, para se ter uma igualdade de fato, é necessário ter uma desigualdade jurídica:

se eu tratar todos da mesma forma vou acabar não atendendo a igualdade material que,

para ser atendida precisa criar aspectos discriminatórios.

A CF/88 consagra a igualdade material ou apenas a formal? A igualdade material

pode ser extraída da Constituição a partir da conjugação de alguns dispositivos, por

exemplo, o art. 6º e seguintes (direitos sociais que visam a redução de desigualdade para

tornar os desiguais iguais) e o art. 3º, III:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil:

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais;

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112

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

É clara aqui a consagração da igualdade no sentido material.

Um dos temas mais polêmicos que envolvem a igualdade material é o das ações

afirmativas, também conhecidas como discriminações positivas). Vejamos o que seriam a

seguir.

2.3 Ações afirmativas (discriminações positivas)

As ações afirmativas tornaram-se conhecidas em 1960 com o governo Kennedy.

Todavia, as ações afirmativas surgiram mesmo na Constituição Indiana de 1947.

As ações afirmativas consistem em políticas públicas ou programas privados

temporários, desenvolvidos com a finalidade de reduzir as desigualdades decorrentes de

discriminações ou de uma hipossuficiência econômica ou física por meio da concessão de

algum tipo de vantagem compensatória de tais condições. Ex: bolsas para alunos carentes.

Ações afirmativas não são remédios permanentes, pois só se justificam enquanto

existirem as desigualdades. O sistema de cotas é apenas uma das formas de ações

afirmativas. Ex: bolsas, cotas, cursinhos pré-vestibulares para pessoas carentes, vantagens

fiscais, programas de treinamento (profissionalizantes). Atualmente, a ADI 3107 ou 3109

(discute a constitucionalidade das ações afirmativas.

Vamos ver os argumentos com relação às cotas:

Sistema de cotas

Argumentos contrários Argumentos a favor - Fere o mérito (critério republicano), pois as pessoas alcançam determinados cargos públicos sem condições para tal.

- Justiça compensatória: Consiste em uma política baseada na retificação de injustiças ou falhas cometidas contra indivíduos no passado, seja por particulares, seja pelo governo.

- Art. 208 da CF/88:

V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

- Justiça distributiva: Consiste na promoção de oportunidades para aqueles que não conseguem se fazer representar de uma maneira igualitária.

- A cota é uma medida imediatista e inapropriada (TRF da 2ª região). O governo deveria investir na educação em vez de focar no topo da pirâmide.

- Tentativa de corrigir distorção atualmente existente. Forma de concretização do princípio da igualdade material.

- Viola o princípio da isonomia criando uma discriminação reversa. A pessoa que não faz parte do grupo estaria sofrendo uma discriminação de forma reversa (nota melhores, mas exclusão nas vagas).

- Promover a diversidade: A finalidade seria contribuir para o surgimento de uma sociedade mais: diversificada, aberta, tolerante, miscigenada e multicultural.

- Fomenta o racismo e ódio racial - Favoreceria negros de classe média alta

- Em uma sociedade pluralista, a condição de

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

membros de um grupo específico não pode ser utilizada como critério de inclusão ou exclusão de

benefícios. - Impossibilidade de se estabelecer critério objetivo do conceito de “negro.” No Brasil vale a autodeclaração.

2.4 Destinatários do princípio da isonomia

Quem pode invocar os direitos do art. 5º, entre eles a isonomia? Como já visto em

aulas passadas, o caput afirma textualmente que os direitos fundamentais são garantidos

aos brasileiros e estrangeiros residentes no país; todavia, o princípio da dignidade da

pessoa humana, que atua como uma meta-norma, faz com que esse dispositivo tenha uma

interpretação extensiva, logo, todas as pessoas, sem exceção, que estejam no território

nacional, devem ter seus direitos fundamentais.

Pessoa jurídica pode invocar algum direito fundamental do art. 5º? Sim. Não só

direitos instrumentais como contraditório, ampla defesa, mandado de segurança, etc., mas

inclusive, os direitos materiais, por exemplo, sofrer dano moral. E pessoa jurídica de

direito público (União, Estado, autarquias, etc.) podem invocar direitos do art. 5º? A

questão é polêmica. Quando estudamos as gerações dos direitos fundamentais, vimos que

tais surgiram para proteger o indivíduo em face do Estado; mas, será que o próprio Estado

pode invocar direitos fundamentais para se proteger? O STF adota o seguinte

entendimento: pessoa jurídica de direito público pode invocar garantias individuais de

natureza instrumental, ex vis, se há um litígio entre um particular um Município, este pode

alegar cerceamento de defesa, etc.

Quem são os destinatários dos deveres do art. 5º? A quem incumbe respeitá-los? Os

destinatários dos deveres são todos os poderes públicos (eficácia vertical) e também os

particulares (eficácia horizontal). O cuidado aqui é que no caso dos particulares é que entra

a autonomia da vontade, por isso é que a isonomia não se aplica na mesma intensidade

para os particulares e poderes públicos. Por exemplo, o poder público para contratar deve

licitar, o particular, não.

Igualdade perante a lei ≠ igualdade na lei

Igualdade perante a lei Igualdade na lei - É dirigida para aqueles Poderes que vão aplicar a lei, ou seja: Judiciário que ao decidir deve se pautar pela isonomia e Executivo, na

- Abrange não só a aplicação da lei, mas também a criação da lei. Logo, a igualdade na lei se dirige a todos os poderes: àqueles que aplicam a lei,

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

hora de dar execução às leis. Judiciário e Executivo e ao que cria a lei, Legislativo.

Obs.: essa distinção é típica dos países europeus. Aqui no Brasil essa diferença não faz sentido, uma vez que a CF/88 dispõe que “todos são iguais perante a lei.”: todos os poderes estão obrigados a respeitar a isonomia, inclusive o Legislativo. O STF na passagem de um voto mencionou essa distinção.

2.5 Igualdade entre homens e mulheres

A lei pode estabelecer distinções entre homens e mulheres?

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição;

A própria CF/88 estabelece distinções, por exemplo: licença gestante de 120 dias, e a

de paternidade, 5 (cinco dias). E lei infraconstitucional pode estabelecer distinções entre

homem e mulher? Sim, desde que seja para atenuar desníveis, ex vis, a Lei Maria da

Penha. O que se veda é o tratamento discriminatório.

A distinção só será legítima considerando-se o princípio da igualdade material.

3. Direitos de liberdade

Liberdade não é sinônimo de arbitrariedade, mas sim pressupõe responsabilidade. O

direito de liberdade não é um direito absoluto, devendo ser exercido em conjugação com

outros padrões ético-jurídicos a ser observados (limites dos limites.)

3.1 Liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV e V)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da

indenização por dano material, moral ou à imagem;

O que a Constituição está protegendo não é o pensamento em si, pois o ato de pensar

não precisa ser controlado. O que está protegido é a liberdade de manifestação do

pensamento, de expressão do pensamento. O ser humano não gosta apenas de pensar, mas

de expor suas idéias.

Qual é a finalidade de vedação do anonimato?

a) Permitir a responsabilização no caso de manifestações abusivas ou que violem

direitos de terceiros.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

b) Permitir a responsabilização daqueles que exerçam o seu direito de liberdade

sem responsabilidade.

A manifestação de pensamento é um direito que se exaure no momento em que se

realiza (Sepúlveda Pertence), o que não significa que a pessoa não possa ser depois ser

responsabilizada. Se a Constituição veda o anonimato, uma denúncia anônima serve como

prova processual (ex: Disque Denúncia)? Não se admite denúncia anônima como prova

processual lícita. O disque denúncia em si não serve como prova mas ela leva a

informação para que a autoridade responsável possa investigar. Se a denúncia anônima é

considerada ilícita, a investigação não estaria contaminada pela ilicitude da denúncia

(frutos da árvore envenenada)? Segundo o STF a investigação é autônoma em relação à

denúncia.

Bilhetes apócrifos (sem assinatura) são admitidos como prova num processo?

Existem duas situações em que são admitidos:

a) Quando este bilhete constituir o próprio corpo de delito do crime. Ex: carta

ofendendo a honra de uma pessoa, mesmo que não assinada.

b) Quando produzidos pelo próprio acusado. Ex: bilhete pedindo resgate em crime

de extorsão mediante sequestro.

3.2. Liberdade de Consciência, de Crença e de Culto (art. 5º, VI da CRFB/88).

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado

o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a

proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-

lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações

de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de

interesse público;

II - recusar fé aos documentos públicos;

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

A liberdade de consciência é mais ampla do que a liberdade de crença, pois engloba

inclusive consciências filosóficas, política, inclusive englobando a escolha de ter crenças

ou não ter crença alguma (ateu). Vejamos alguns conceitos ligados à liberdade de

consciência:

a) Culto: é a forma de exteriorizar a crença. Ex: procissão, missa, etc.

b) Liberdade religiosa. Desde o advento da República, o Estado brasileiro é

considerado um Estado laico, não confessional ou secular. É um Estado que

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

não tem uma religião oficial, pois o Estado e a Igreja não se confundem. O

Brasil não tem uma religião oficial.

c) Laicidade. É uma neutralidade em relação às concepções religiosas. Na

CRFB/88 há o art. 19, I que representa esta laicidade. O Estado brasileiro não

despreza a religião, apenas é neutro em relação a todas elas.

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-

lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações

de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de

interesse público;

d) Laicismo: espécie de anti-religião, que não é o caso do Estado brasileiro.

e) Ateísmo: não acredita na existência de um Deus, o que não é o caso do Estado

brasileiro. Tanto que o preâmbulo da Constituição afirma que “promulgamos

sob a proteção de Deus...”. O ateísmo é uma “espécie de religião”.

* Por que, numa sociedade pluralista, a neutralidade religiosa por parte do

Estado é importante? A neutralidade no exercício do poder é uma condição

necessária para garantir à simétrica da liberdade religiosa. Permite desarmar

o potencial conflituoso da diversidade religiosa (Habermas).

Aula 11 - 13/05/2011

3.2.1 Símbolos religiosos em locais públicos

No Brasil foram feitos junto ao CNJ quatro pedidos para que houvesse a retirada de

crucifixos de tribunais, sob o fundamento que violaria a neutralidade religiosa que o

Estado deveria ter. O entendimento do CNJ - com exceção do relator - foi que os crucifixos

são símbolos da cultura brasileira e, portanto, não violam o dever de neutralidade do

Estado, não ofendendo, então, a laicidade estatal. Essa decisão do CNJ é oposta àquela

dada ao tribunal constitucional alemão analisando um caso ajuizado pelo mórmons

pedindo que os crucifixos fossem retirado das escolas estaduais; o tribunal alemão se

posicionou no sentido de que colocação de símbolos religiosos em locais públicos é

incompatível com o dever de neutralidade do Estado.

O autor americano Ronald Dworkin no livro “Is democracy possible here?” trata da

questão religiosa e adota o seguinte entendimento: em um Estado secular tolerante os

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117

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

símbolos religiosos não devem ser considerados ilegais, mas também não devem ser

colocados nem permitidos em locais públicos.

3.2.2 Escusa de Consciência (art. 5º, VIII da CRFB/88)

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou

de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de

obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação

alternativa, fixada em lei;

A escusa de consciência é a possibilidade de se alegar um imperativo de consciência

para se abster de cumprir obrigação legal a todos imposta, por exemplo, serviço militar

para os homens, voto, convocação para o júri, etc. Essa prestação alternativa imposta

àqueles que alegam o imperativo de consciência não tem cunho sancionatório. É apenas

uma forma de permitir uma simetria de posições filosóficas. Se a pessoa se recusa a

cumprir a obrigação a todos imposta e também a prestação alternativa, no Brasil esta

pessoa sofrerá a suspensão dos Direitos Políticos (art. 15, IV da CRFB/88).

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão

só se dará nos casos de:

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa,

nos termos do art. 5º, VIII;

A pessoa só deverá cumprir a prestação alternativa se existir a lei que preveja a

prestação alternativa. Se não existir a lei, não haverá nem prestação alternativa nem

sanção. Exemplos: serviço Militar, Voto e Júri.

Na STA (Suspensão de Tutela Antecipada) 389 o STF entendeu que a fixação de

datas alternativas para a realização de provas do ENEM para as diversas religiões geraria

um efeito multiplicador e violaria o princípio da isonomia e da neutralidade religiosa do

Estado.

STF, STA 389

EMENTA: Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2.

Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que

possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do

Ensino Médio (ENEM) em data alternativa ao Shabat 3. Alegação de

inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à

educação. 4. Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem

jurídico-administrativa. 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar

que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se

revela em sintonia com o principio da isonomia, convolando-se em

privilégio para um determinado grupo religioso 6. Decisão da Presidência,

proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos riscos que a tutela

antecipada é capaz de acarretar à ordem pública 7. Pendência de

julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714,

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118

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade.

* O exercício de um poder que não consegue justificar-se de um modo imparcial é

ilegítimo.

* Em um Estado laico não se pode utilizar argumentos religiosos para decisões do

Estado, salvo se forem argumentos acessíveis em geral, por todos aceitos.

* Os argumentos religiosos só serão admitidos na esfera pública com o que se

chama de “Tradução Institucional”: Significa transformar esses argumentos

religiosos em argumentos racionalmente justificáveis. Não se veda que os

religiosos argumentem perante o Estado, mas se o Estado quiser englobar este

argumento, deverá racionalmente justificar a vontade religiosa (República é o

governo da razão e, portanto, a razão deverá estar sempre presente nas decisões

do Estado).

* Critério para a liberdade religiosa em um Estado laico (Habermas): o exercício

de um poder que não consegue justificar-se de um modo imparcial é ilegítimo.

Em um Estado laico não se pode utilizar argumentos religiosos para decisões

do Estado, salvo se forem argumentos acessíveis em geral, por todos aceitos.

Os argumentos religiosos só serão admitidos na esfera pública com o que se

chama de “Tradução Institucional”. Não se veda que os religiosos argumentem

perante o Estado, mas se o Estado quiser englobar este argumento, deverá

racionalmente justificar a vontade religiosa (República é o governo da razão e,

portanto, a razão deverá estar sempre presente nas decisões do Estado).

* Min. Gilmar Mendes (relator que suspendeu a liminar – STA) – argumentos:

a) A designação de uma data alternativa para um determinado grupo religioso

viola o princípio da isonomia e pode gerar um efeito multiplicador

inviabilizando alguns certames.

b) Viola o dever de neutralidade do Estado em face do fenômeno religioso.

3.3 Liberdade de associação e reunião (art. 5º, XVI da CF/88)

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos

ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem

outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas

exigido prévio aviso à autoridade competente;

“Qual é a diferença entre reunião e associação?” Jean Rivero propôs um rol de

características comuns e distinções:

* Características comuns:

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119

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

a) Em ambos é necessária uma pluralidade de participantes Por isso, alguns

autores as classificam como direitos coletivos.. Para José Afonso da Silva,

reunião e associação são direitos individuais de expressão coletiva.

b) Fim previamente determinado. Uma reunião ou uma associação não

existe quando diversas pessoas se reúnem para ver as conseqüências de um

acidente automobilístico.

* Diferenças:

a) A reunião tem um caráter temporário, episódico. As pessoas se reúnem,

deliberam sobre um determinado assunto, e a reunião acaba.

b) A associação tem um caráter permanente. As pessoas se associam com a

intenção de permanecerem associadas.

O prévio aviso para a reunião não é autorização. Tem 2 finalidades: estabelecer a

preferência do uso do local e fazer com que a autoridade pública tome diversas

providências para o exercício do direito.

A associação não depende de autorização estatal para ser criada. Alguns exemplos de

não-autorização estatal: criações de associações e, na forma da lei, criação de cooperativas;

criação de sindicatos; criação de partidos políticos, etc.

E se a associação for a juízo reclamar algum direito é preciso da autorização de todos

os associados? Sobre o tema, vale citar o art. 5º, XXI da CRFB/88

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm

legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

* Neste caso, segundo o STF é uma hipótese de representação (pois afirma que é

desde que expressamente autorizadas). Não precisa ser uma autorização

expressa individual (de cada associado), podendo ser dada em uma

Assembléia. A representação tem que estar relacionada aos fins da própria

entidade. E no caso do mandado de segurança coletivo? É representação ou

substituição processual?

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional (podem

também a ADI, ADC e ADPF);

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente

constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos

interesses de seus membros ou associados; (para a ADI, ADC e ADPF

tem que ser entidade de âmbito nacional)

Page 120: 153894753-Direito-Constitucional-Intensivo-2011-1

120

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

* Nesta hipótese, o STF considerou que há uma substituição processual (e não de

representação), também conhecida como legitimação extraordinária.

Concluindo, uma associação precisa de uma autorização expressa para

defender seus associados, salvo em caso de mandado de segurança coletivo

(basta que seu estatuto preveja esta possibilidade). Mas, e o caso art. 8º, III da

CRFB/88? O sindicato precisa de autorização expressa para representar seus

sindicalizados? Segundo o STF, essa hipótese é de substituição processual, não

precisando o sindicato de autorização expressa caso a caso.

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou

individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou

administrativas;

4. Direito de privacidade

O direito de privacidade aqui tratado aqui como gênero, tendo como espécies

(previstas no art. 5º, X, da CRFB/88)

a) Direito à intimidade

b) Direito à vida privada

c) Direito à honra

d) Direito à privacidade

Teoria da esferas (Direito Alemão): quanto mais próxima do indivíduo, maior deve

ser a proteção conferida pelo ordenamento jurídico.

a) Intimidade (segredos, confidências). Não é partilhada nem com as pessoas

mais próximas dele.

b) Vida privada Ex: festa em casa de amigos, local de trabalho, etc. Estes

momentos não podem ser captados sem justa causa. Mesmo uma pessoa

pública tem direito à proteção de sua vida privada.

c) Publicidade: não está protegida pela CRFB/88. Ex: artista realizou show em

local público, se alguém tirar foto dele não há que se falar em violação de

intimidade. Outro exemplo é a divulgação de questões que constam em

processo judicial que não corre em segredo de justiça (são informações

Page 121: 153894753-Direito-Constitucional-Intensivo-2011-1

121

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

públicas).

O direito à honra e à imagem são direitos protegidos constitucionalmente de forma

autônoma (apesar de haver algumas decisões do STJ neste sentido).

Exemplos de restrições legítimas ao direito de imagem:

a) Câmera de segurança

b) Radares eletrônicos de velocidade

c) Foto de passeata pública em jornal

Obs.: há que se falar em “justa causa” para se falar em restrição legítima ao direito de

imagem.

4.1 Liberdade x privacidade

Vamos ver três situações nas quais liberdade e privacidade se confundem, analisando

um por um.

1. Gravação clandestina;

2. Quebra de sigilo;

3. Interceptação das comunicações.

A) Gravação clandestina: consiste em uma gravação pessoal, ambiental ou telefônica

feita por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais, ex vis, duas pessoas estão

conversando e uma delas está gravando sem o consentimento do outro. Veja que, em

princípio, não há regra geral que impeça a gravação da própria conversa; o que não se pode

fazer é utilizar essa gravação sem uma justa causa. A divulgação é proibida em face do art.

5º, X da CF/88:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação;

* Na jurisprudência do STF há exemplos onde a utilização da gravação é

legítima;

a) Pelo réu no processo penal, em face aos seus direitos de liberdade e ampla

defesa, ficando relativizado o direito de privacidade da outra parte;

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122

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

b) Gravações feitas em legítima defesa: contra sequestradores, chantagistas,

estelionatários, etc;.

c) Contra agentes públicos. O Supremo nesse caso faz uma ponderação onde de

um lado coloca a privacidade do agente público e do outro, a publicidade

dos atos administrativos e o princípio da moralidade que rege a

Administração Pública. Pelo posicionamento do professor Marcelo

Novelino quando o servidor público age nessa qualidade, os seus atos não

estariam na esfera de sua intimidade, e sim haveria interesse público na

conduta desse servidor.

d) Gravação para documentar uma conversa com a finalidade de exercer um

futuro direito. No informativo 623 no Ag no AI 560.223 o STF analisou

uma gravação feita por advogado que era sócio do escritório de advocacia, e

após ser demitido usou a gravação. O Pretório afirmou que “a gravação feita

por um dos interlocutores é lícita quando não há causa legal específica de

sigilo nem de reserva de conversação. Então, as câmeras colocadas em

ambientes e elevadores estão protegidas pelo sigilo, todavia, se acontecer

um fato delituoso, haveria justa causa para utilizá-las.

STF, AI 560.223

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE

INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM

INTERLOCUTOR SEM CONHECIMENTO DOS OUTROS:

CONSTITUCIONALIDADE. AUSENTE CAUSA LEGAL DE SIGILO

DO CONTEÚDO DO DIÁLOGO. PRECEDENTES. 1. A gravação

ambiental meramente clandestina, realizada por um dos interlocutores,

não se confunde com a interceptação, objeto cláusula constitucional de

reserva de jurisdição. 2. É lícita a prova consistente em gravação de

conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem

conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de

reserva da conversação. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido.

* E em casos de babás espancando crianças e idosos? Geralmente as

câmeras estão no local do trabalho desses empregados e podem ser

utilizados como prova e ser até mesmo divulgado na mídia pelo interesse

de prevenção da sociedade.

B) Quebra de sigilo: consiste no acesso ao registro de dados a) bancários; b) fiscais, c)

telefônicos; e d) informáticos. A quebra é vedada com relação a esses quatro tipos de

sigilo. Aqui uma situação específica: a quebra de sigilo telefônico ≠ gravação clandestina:

no primeiro não se tem acesso ao conteúdo do diálogo, e sim ao histórico de ligações de

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

uma conta telefônica. Há uma divergência se o sigilo bancário tem previsão constitucional:

para alguns, a previsão está no art. 5º, X, para outros no inciso XII do mesmo artigo.

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral

decorrente de sua violação;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último

caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer

para fins de investigação criminal ou instrução processual penal

* Perceba que o inciso XII fala em dados, o que estaria aqui compreendido o

sigilo bancário. E quem tem a legitimidade para determinar a quebra do sigilo

bancário? O juiz e as CPI’s federal e estadual, estando tal legitimado pelo art.

58, § 3º da Magna Carta:

§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de

investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos

nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos

Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,

mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de

fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,

encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a

responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

* No que tange à CPI estadual o STF decidiu em ACo 730/RJ que era possível

que ela quebrasse o sigilo bancário em votação apertada, por 6 x 5. E com

relação à CPI municipal? Esta não poderia quebrar sigilo - segundo obiter

dictum na ACO abaixo transcrita, sob o fundamento que o Município não tem

Judiciário próprio, o que não poderia ser dado os poderes de investigação de

órgão judiciário ao ente federativo respectivo.

STF, ACO 730

EMENTA: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. MANDADO DE

SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS

DETERMINADA POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE

INQUÉRITO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. RECUSA DE SEU

CUMPRIMENTO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL. LEI

COMPLEMENTAR 105/2001. Potencial conflito federativo (cf. ACO

730-QO). Federação. Inteligência. Observância obrigatória, pelos estados-

membros, de aspectos fundamentais decorrentes do princípio da separação

de poderes previsto na Constituição federal de 1988. Função fiscalizadora

exercida pelo Poder Legislativo. Mecanismo essencial do sistema de

checks-and-counterchecks adotado pela Constituição federal de 1988.

Vedação da utilização desse mecanismo de controle pelos órgãos

legislativos dos estados-membros. Impossibilidade. Violação do equilíbrio

federativo e da separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que

seja omissa a Lei Complementar 105/2001, podem essas comissões

estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários, com base no art.

58, § 3º, da Constituição. Mandado de segurança conhecido e

parcialmente provido.

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124

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

* Segundo o STF nem o Ministério Público nem o Tribunal de Contas podem

quebrar sigilo bancário. Sobre o MP o Supremo, em processo específico

permitiu a quebra direta pelo MP. Entenda o caso: o MP pediu quebra de sigilo

bancário para conseguir a quebra no BB sobre repasses de fundos agrários. In

casu, o MP entendeu que neste caso o MP tinha legitimidade, sob o

fundamento de existir verba pública envolvida, e, por isso, poderia haver

quebra de sigilo bancário diretamente requisitada pelo Ministério Público.

* A LC 105/2001 autoriza autoridades fazendárias a requisitarem dados

bancários diretamente em caso de suspeita de fraude. Existem no STF várias

ADIs questionando essa lei, o que não foi resolvido ainda. Todavia,

recentemente o Supremo julgou o RE 389.808, cujo ministro relator foi o

Marco Aurélio, e ficou determinado por 5 x 4 seguir o relator no seguinte: a

LC 105/2001 deve ser interpretada conforme a Constituição no sentido de que

autoridade fazendária tenha que requisitar a quebra à autoridade judicial;

diretamente solicitar os dados bancários não seria possível. Vale citar que

alguns ministros nesse recurso extraordinário colocaram que o sigilo bancário

era cláusula de reserva da jurisdição - tal não está em lei, sendo criação

jurisprudencial do STF. Segundo o Pretório algumas matérias são reservadas

ao Poder Judiciário e, somente ele, poderá dar a primeira e a última palavra

sobre os temas que sejam reservados a ele. De acordo com esse entendimento

parece haver uma sinalização de mudança de posição, porém, enquanto não

forem julgadas as ADI’s, segue-se o entendimento do julgado transcrito

abaixo.

STF, RE 389.808

SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso

XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à

correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às

comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao

crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de

investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS

BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da

República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação

jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao

contribuinte.

* Direitos submetidos à reserva de jurisdição segundo o STF:

a) Inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI);

b) Interceptação telefônica (art. 5º, XII);

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

c) Prisão (art. 5º LXI)

d) Sigilo imposto a processo judicial

C) Interceptação das comunicações: consiste na intromisssão ou na interrupção por parte

de terceiros sem o conhecimento (de um ou de ambos) dos interlocutores. É vedada pelo

art. 5º, XII. Protege-se, sobretudo, a liberdade de comunicação. Não há necessidade da

privacidade da pessoa estar sendo violada, pois o que se protege é a liberdade de

comunicação (ex: envio de carta com cujo conteúdo seria apenas um recorte de jornal – o

conteúdo é publico). Segundo o STF entende que haveria apenas uma proteção à liberdade

de comunicação, mas não ao sigilo do conteúdo.

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último

caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer

para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

* Na gravação clandestina (“grampo telefônico”) um dos interlocutores grava a

conversa sem conhecimento do outro, enquanto na interceptação das

comunicações um terceiro grava a conversa, intercepta uma carta, etc.

* Sigilo de correspondência: a CF/88 fala que o sigilo de correspondência é

inviolável, todavia, em determinadas situações será considerado legítima a

quebra. O STF entende que o sigilo epistolar não pode servir como escudo

protetivo para salvaguardar práticas ilícitas. Ainda, a própria CF/88 excepciona

o sigilo das correspondências no caso de estado de defesa (art. 136, § 1º, “b”) e

no estado de sítio (art. 139, III).

* Sigilo de dados: os dados consagrados pela CF/88 seriam apenas dados

informáticos segundo alguns doutrinadores. Tal entendimento é justificado

pelo fato de que nenhuma constituição brasileira até 1988 não teria

resguardado o sigilo de dados pelo fato do progresso tecnológico não alcançar

aquelas épocas, por isso, que a CF/88 que foi primeiro a adotar o sigilo de

dados informáticos, só o adotou quanto a esse tipo de dados. Quem se

posiciona dessa maneira é Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Tércio Sampaio

Ferraz Júnior. Novelino discorda desse entendimento em face do princípio da

máxima efetividade decorrente do art. 5º, I da CF/88: aos direitos fundamentais

devem ser o quanto mais eficaz possível a medida da interpretação. O STF tem

o seguinte entendimento: o que o art. 5º, XII protege não são os dados em si,

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

mas apenas a sua comunicação.

* Sigilo das comunicações telefônicas: é cláusula de reserva de jurisdição e só

pode haver sua quebra por ordem judicial, nos termos da Lei 9.296/96.

Somente é permitida a quebra em face de investigação criminal ou instrução

processual penal. Vale salientar aqui o julgamento do STF do Inq. 2.424 (Q.O).

que determinou que é possível a utilização de autos de interceptação telefônica

como prova no processo administrativo disciplinar em servidor que também

está sendo investigado criminalmente e onde foi primeiramente produzida esta

prova. E ainda, o Pretório entendeu que podia a gravação ser utilizada para o

outro servidor público que não estava sendo investigado criminalmente.

4.2 Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, XI da CF/88)

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar

sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou

desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação

judicial;

* Hipóteses em que é permitida a inviolabilidade do domicílio a qualquer hora e

sem ordem judicial: flagrante de delito, desastre ou para prestar socorro.

* Hipóteses em que é permitida a inviolabilidade do domicílio por ordem

judicial: apenas durante o dia o domicílio e com ordem judicial o domicílio

pode ser invadido. O que significa dia para fins de proteção constitucional?

Temos dois critérios utilizados na doutrina e jurisprudência:

a) Critério cronológico: dia é o período entre as 6h e 18h.

b) Critério físico-astronômico: dia é a partir do amanhecer, da aurora; com o

crepúsculo, se dá a noite.

c) Misto: proposto por Alexandre de Morais que afirma a possibilidade de

utilização dos dois critérios acima citados, de forma conjunta.

* E se o mandado se inicia a ser cumprido e não termina antes da noite? O STF

entendeu que no caso de ações de grande complexidade quando o mandado

começa a ser cumprido durante o dia ele pode se estender após o período

noturno. Não seria razoável interromper uma operação de grande

complexidade e, portanto, não há porque se considerar as provas ilícitas,

portanto, são provas válidas; porém, se a operação começou às 17:30 e durou

até às 5h da manhã, é um caso de burla à vedação constitucional da

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127

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

inviolabilidade do domicílio, sendo as provas ilícitas.

* O que deve ser entendido como “casa”? Qual o conceito de casa para fins de

proteção constitucional? A interpretação que se faz do conceito de casa é muito

amplo e próxima ao que o Código Penal faz no art. 150. O STF entende que o

conceito jurídico de casa abrange: escritórios, consultórios, estabelecimentos

comerciais, industriais, quartos de hotel e compartimentos habitados.

* Pergunta: Um fiscal tributário pode entrar na parte reservada de uma empresa

sem o consentimento do proprietário, utilizando-se de força policial? Uma

antiga lei previa esta possibilidade, mas para o STF não houve a recepção da

legislação neste ponto. Segundo o STF a auto-executoriedade da

Administração Tributária cedeu lugar diante da inviolabilidade do domicílio.

Se a autoridade tributária não obtiver o consentimento do proprietário, deverá

ela buscar a autorização judicial. Em caso de fiscalização sanitária ou

urbanística (em caso de urgência) poderá a autoridade entrar mesmo sem a

autorização do proprietário.

5. Direito de propriedade

5.1 Regime jurídico do direito de propriedade

“Qual é o regime do direito de propriedade?” É de direito público ou de direito

privado? Segundo José Afonso da Silva, o regime do direito de propriedade é um regime

de direito público, pois a base do regime do direito de propriedade é na Constituição. A

disciplina do direito de propriedade está consagrada na Constituição. (sobretudo na parte

de política urbana e rural), sendo que segundo José Afonso da Silva o que “o código civil

disciplina são as relações civis decorrentes do direito de propriedade.”

O art. 5º, caput da CF/88 já fala que a propriedade é um dos valores protegidos no rol

dos seus incisos.

Aula 12 - 20/05/2011

5.2 Função social do direito de propriedade

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128

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

No art. 5º, XXII e XIII a CF/88 afirma ser garantido o direito de propriedade, que

deve atender à sua função social:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Interpretando-se os dois incisos separadamente chega-se a uma antinomia: se uma

propriedade não atende a função social ela será garantida, tutelada pela Constituição? Na

doutrina há divergências sobre como interpretar esses dois dispositivos:

a) 1ª corrente: o professor José Afonso da Silva entende que o direito de

propriedade será garantido, desde que ela atenda à sua função social, ou seja a

função social não é apenas uma limitação ao direito de propriedade (como o

confisco, desapropriação, usucapião, etc.), e sim ela faz parte da própria

estrutura do direito de propriedade, é inerente a este direito. Isso porque nesta

concepção o direito da propriedade só será garantido se ela atender a sua

função social; caso não, a propriedade não será tutelada pela Constituição

Federal.

* Exemplo: latifundiário tem uma grande propriedade improdutiva que é

invadida pelo movimento social dos sem terra para promover a reforma

agrária. Essa propriedade recebe proteção constitucional ou pode ser

invadida? O STF tem jurisprudência pacífica no sentido de que a invasão de

terra por movimentos sociais é ilegítima, ou seja, o direito de propriedade,

na verdade, recebe proteção constitucional mesmo quando ele não cumpre a

função social.

b) 2ª corrente: Daniel Sarmento leciona que o direito de propriedade recebe uma

maior proteção quando a propriedade atende a sua função social; caso não

atenda sua função social a propriedade terá seu direito garantido, todavia, não

terá uma proteção tão abrangente quanto se cumprisse o requisito

constitucional. Exemplo: propriedade produtiva não pode ser desapropriada

para fins de reforma agrária.

* Quando uma propriedade cumpre a sua função social

+ Urbana (art. 182, § 2º da CRFB/88)

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129

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Art. 182, § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando

atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no

plano diretor.

Art. 182, § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal,

obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento

básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

+ Rural (art. 186 da CRFB/88)

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em

lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do

meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores.

5.3 Limitações constitucionais ao direito de propriedade

5.3.1 Desapropriação (art. 5º, XXIV)

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por

necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e

prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta

Constituição;

As propriedades podem ser desapropriadas por três motivos:

1. Necessidade pública;

2. Utilidade pública;

3. Interesse social.

Toda desapropriação deve ser justa, prévia e em dinheiro nos casos previstos em lei.

Esse prévia não significa que a pessoa deve receber o valor integral antes da imissão de

posse; significa que o desapropriado deve receber o valor na imissão da posse,

independente do resgate ser em 10 ou 20 anos. Vale salientar que nem toda indenização é

paga em dinheiro, ex vis, desapropriação-sanção.

Conceito: a desapropriação consiste na transferência compulsória de uma

propriedade para o próprio Poder Público ou para o particular.

O pagamento em desapropriação somente não será feito em dinheiro na hipótese de

desapropriação-sanção nos casos em que a propriedade não está cumprindo sua função

social --> esta é a única exceção de desapropriação cuja indenização não será feita em

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130

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

dinherio. Aqui o pagamento é feito em títulos da dívida pública ou da dívida agrária. Se

imóvel urbano, a desapropriação-sanção está prevista no art. 182, § 4º, III da CF/88:

Art. 182, § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei

específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei

federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não

utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,

sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no

tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de

emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate

de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o

valor real da indenização e os juros legais.

Para desapropriação-sanção de imóvel rural a única hipótese é a prevista no art. 184

da Carta Magna - é a desapropriação para fins de reforma agrária que será indenizável via

títulos da dívida agrária

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de

reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função

social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária,

com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até

vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será

definida em lei.

§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins

de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.

§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório

especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.

§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida

agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de

reforma agrária no exercício.

As operações de transferência de imóvel via desapropriação para fins de reforma

agrária são isentas de tributos? Aqui cita-se o art. 184, §5º da CRFB/88: muito cuidado,

pois a imunização diz respeito apenas a impostos federais, estaduais e municipais e apenas

quando a finalidade for reforma agrária.

Art. 184, § 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as

operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma

agrária.

Obs.: no informativo 626 o STF no MS 26.192/PB julgou uma importante questão: o

imóvel rural pode ser desapropriado por interesse social quando se trata de uma

propriedade pequena ou média (desde que o proprietário não tenha outra) ou, então, uma

propriedade grande e produtiva? Vale a transcrição do art. 185 da CF:

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Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que

seu proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

* Veja que o art. 185 veda a desapropriação para fins de reforma agrária, e não

para o interesse social. No mandado de segurança em questão a terra foi

desapropriada para assentamento dos colonos, e não para distribuição para

reformas agrárias. Por necessidade pública, útilidade pública ou interesse social

o STF entendeu ser possível a desapropriação de pequenas ou médias

propriedades rurais e propriedades produtivas, pois essas motivações de

desapropriação não estavam abrangidas pela vedação do art. 185 da CF.

5.3.2 Requisição (art. 5º, XXV)

O art. 5º, XXV fala em requisição civil. Além desta existe a requisição militar

prevista no art. 139, VII. A diferença é que a militar é feita em tempos de guerra.

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente

poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário

indenização ulterior, se houver dano;

A requisição é uma situação emergencial, não havendo tempo de discutir no Poder

Judiciário sobre a possibilidade ou não do Poder Público utilizá-lo. Na requisição não há

transferência da propriedade, há apenas o uso ou ocupação temporária, além de que aqui a

indenização nunca será prévia (pois, é caso de iminente perigo público) e sim será sempre

posterior.

Vamos analisar em quadro sinótico as principais diferenças entre desapropriação e

requisição na página seguinte.

Desapropriação Requisição

Bens Bens e serviços, v. g., profissionais da área de saúde para prestar serviços em local atingido por epidemia

Aquisição da propriedade. Aqui há sempre uma transferência da propriedade feita pelo Poder Público para ele mesmo ou para um terceiro.

Uso da propriedade

Concretizada por acordo ou decisão judicial Concretizada por ato administrativo auto-executório

Sempre indenizável Indenização apenas se houver dano Indenização prévia, justa

e, em geral, paga em dinheiro Indenização sempre em dinheiro e posterior

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5.3.3 Confisco

O confisco está previsto no art. 243 da CF:

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas

culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas

(procedimento de retirada da propriedade) e especificamente destinadas

ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e

medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo

de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em

decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será

confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal

especializados no tratamento e recuperação de viciados e no

aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção

e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.

O confisco é diferente da desapropriação-sanção: em ambos há transferência

compulsória da propriedade; porém, a desapropriação é sempre indenizável - não existe

desapropriação sem indenização, ainda que via títulos da dívida pública ou agrária. No

confisco a propriedade é transferida e o proprietário não recebe qualquer tipo de

indenização.

Quais são as hipóteses em que é cabível o confisco?

1. Glebas em que forem localizadas plantações de drogas. Toda vez em que

existir terras que plantem drogas tais serão expropriadas (é o procedimento) e

serão confiscadas pelo Poder Público devendo ter destinação para:

a) assentamento de colonos;

b) cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos.

* Em caso de apenas parte da propriedade sendo utilizada para cultivo de

plantas psicotrópicas o STF no RE 543.974 entende que, mesmo assim,

toda a propriedade será expropriada sem indenização. O Supremo

interpretou a Constituição conforme afirmando que a finalidade do

confisco era de desapropriar toda a propriedade.

STF, RE 543.974

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.

EXPROPRIAÇÃO. GLEBAS. CULTURAS ILEGAIS. PLANTAS

PSICOTRÓPICAS. ARTIGO 243 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

INTERPRETAÇÃO DO DIREITO. LINGUAGEM DO DIREITO.

LINGUAGEM JURÍDICA. ARTIGO 5º, LIV DA CONSTITUIÇÃO DO

BRASIL. O CHAMADO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1.

Gleba, no artigo 243 da Constituição do Brasil, só pode ser entendida

como a propriedade na qual sejam localizadas culturas ilegais de plantas

psicotrópicas. O preceito não refere áreas em que sejam cultivadas plantas

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

psicotrópicas, mas as glebas, no seu todo. 2. A gleba expropriada será

destinada ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos

alimentícios e medicamentosos. 3. A linguagem jurídica corresponde à

linguagem natural, de modo que é nesta, linguagem natural, que se há de

buscar o significado das palavras e expressões que se compõem naquela.

Cada vocábulo nela assume significado no contexto no qual inserido. O

sentido de cada palavra há de ser discernido em cada caso. No seu

contexto e em face das circunstâncias do caso. Não se pode atribuir à

palavra qualquer sentido distinto do que ela tem em estado de dicionário,

ainda que não baste a consulta aos dicionários, ignorando-se o contexto no

qual ela é usada, para que esse sentido seja em cada caso discernido. A

interpretação/aplicação do direito se faz não apenas a partir de elementos

colhidos do texto normativo [mundo do dever-ser], mas também a partir

de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de dados da

realidade [mundo do ser]. 4. O direito, qual ensinou CARLOS

MAXIMILIANO, deve ser interpretado "inteligentemente, não de modo

que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter

a conclusões inconsistentes ou impossíveis". 5. O entendimento sufragado

no acórdão recorrido não pode ser acolhido, conduzindo ao absurdo de

expropriar-se 150 m2 de terra rural para nesses mesmos 150 m2 assentar-

se colonos, tendo em vista o cultivo de produtos alimentícios e

medicamentosos. 6. Não violação do preceito veiculado pelo artigo 5º,

LIV da Constituição do Brasil e do chamado "princípio" da

proporcionalidade. Ausência de "desvio de poder legislativo" Recurso

extraordinário a que se dá provimento.

2. Bens apreendidos em decorrência de tráfico ilícito de entorpecentes: tais bens

serão revertidos em benefícios de instituição e pessoal especializados em

combate do tráfico de drogas

5.3.4 Usucapião constitucional

A CF/88 apresenta duas hipóteses especiais para aquisição de propriedade via

usucapião, nos termos do art. 183 (imóveis urbanos) e 191 (imóveis rurais):

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e

cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem

oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o

domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao

homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma

vez.

§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,

possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de

terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a

produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia,

adquirir-lhe-á a propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

O prazo do usucapião rural é menor do que os do Código Civil - 5 anos apenas.,

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sendo hipótese excepcional; todavia, determina mais requisitos:

1. Aparentar ser proprietária do imóvel;

2. O imóvel ser utilizado como moradia da própria pessoa ou de sua família;

3. Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;

4. No caso de usucapião urbano, o imóvel deve ter no máximo 250 metros

quadrados; se rural, 50 hectares. Sendo que, no caso de imóvel rural o

possuidor deve tornar a propriedade produtiva através de seu trabalho ou do

trabalho da sua família.

A CF/88 não vai dizer quando a propriedade urbana atenda sua função social, pois

ela transfere essa responsabilidade ao plano diretor de cada Município que é obrigatório

para Municípios com mais 20 mil habitantes. Vejamos a redação do art. 182, § 2º:

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano

diretor

No caso do imóvel rural é diferente, pois no art. 186 a própria Constituição Federal

estabelece os requisitos necessários para que uma propriedade rural cumpra sua função

social:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em

lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do

meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores.

CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

(José Afonso da Silva)

1. Introdução

Toda classificação é subjetiva; é possível várias classificações acerca de um objeto.

Assim funciona com as normas constitucionais: Maria Helena Diniz, Celso Tomaz Bastos,

Rui Barbosa, entre outros classificaram as normas constitucionais. O importante é que a

classificação feita auxilie na compreensão do objeto.

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2. Eficácia positiva ou negativa

O critério escolhido por José Afonso da Silva é a eficácia das normas constitucionais.

Todavia, quando ele criou a classificação ele não levou em conta a eficácia, já que todas as

normas constitucionais tem eficácia; o que José Afonso fez foi levar em conta a

aplicabilidade da norma. E qual a diferença entre eficácia e aplicabilidade? Eficácia pode

ser de dois tipos:

1. Eficácia positiva: consiste na aptidão da norma para ser aplicada aos casos

previstos por ela. A norma abstrata prevê uma situação, um âmbito de proteção

e quando tem eficácia positiva está apta a ser aplicada diretamente para

resolver o caso concreto, não dependendo de uma lei regulamentadora.

Cuidado: eficácia é aptidão, o que não significa necessariamente que a norma

seja aplicada.

* É possível ter uma norma apta a ser aplicada nos casos concretos, mas que

na prática não cumpre sua função social --> quando isso acontece dizemos

que a norma tem eficácia, mas não tem efetividade. Exemplo: pedestre deve

atravessar na faixa, senão será multado. Nunca foi visto essa norma ser

aplicada no caso concreto por questões de inviabilidade prática. Tem

eficácia, mas não tem efetividade. A eficácia se situa exclusivamente no

plano jurídico, enquanto que a efetividade se situa no plano da realidade

2. Eficácia negativa: é a aptidão da norma para bloquear normas anteriores ou

invalidar normas posteriores. Isso não quer dizer que a norma esteja apta a um

caso concreto; muitas vezes ela depende de uma outra vontade, de um outro ato

para que ela possa ser aplicada. Todavia, essa norma tem o condão de invalidar

outras leis que sejam contrárias a ela, ainda que não exista regulamentação.

Exemplo: lei anterior a CF/88 que não foi recepcionada por ela como a Lei de

Imprensa.

* Toda norma constitucional possui eficácia, ainda que seja apenas uma

eficácia negativa.

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3. Classificação propriamente dita

O que diferencia as normas constitucionais, segundo José Afonso da Silva é o seu

grau de eficácia, dividindo as normas constitucionais em:

1. Eficácia plena: é aquela que tem uma aplicabilidade no caso concreto.

Exemplos: normas que estabelecem imunidades (art. 53), proibições (art. 154,

§ 2º), vedações (art. 19), isenções (art. 184) e prerrogativas (art. 129, § 5º, I).

As normas constitucionais de eficácia plena podem ter aplicabilidade:

a) Aplicabilidade Direta. Pode ser aplicada diretamente ao caso previsto por

ela, independentemente de qualquer ato administrativo ou de lei de

intermediação.

b) Aplicabilidade Imediata: a norma não depende de nenhuma condição para

ser aplicada. Condição é mais amplo do que outra vontade, v. g., quando a

CF/88 entrou em vigor o sistema tributário nacional demorou 6 (seis) meses

para ter eficácia --> era uma condição temporal, sendo, portanto norma

constitucional de eficácia plena com aplicabilidade imediata.

c) Aplicabilidade Integral: a norma constitucional não admite qualquer

restrição, devendo ser aplicada integralmente às hipóteses nelas previstas. A

norma não admite restrição, porém, admite uma conformação. Vejamos as

críticas a partir de um exemplo segundo o art. 53 da CF:

* Crítica 1. Dificuldade de diferenciar conformação de restrição. A

aplicabilidade integral é o tópico mais problemático da classificação de

José Afonso da Silva. Analisando o supracitado artigo, para que os

parlamentares é necessário uma lei regulamentadora desse dispositivo?

Não, tendo o dispositivo aplicabilidade direta, imediata e integral. Vamos

supor que por esse artigo fosse criada uma lei reguladora que afirmasse

que “a imunidade parlamentar se restringe a opiniões e votos no

exercício de sua função. Essa lei estaria restringindo o dispositivo? José

Afonso entende que nesse caso não haveria restrição, e sim apenas uma

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conformação à imunidade, que só faz sentido se for relacionada à função

que o parlamentar exerce.

+ É muito difícil dizer que a conformação de um direito não é uma

restrição, pois, ao se conformar está restringindo. Virgílio Afonso da

Silva (filho de José) afirma que toda conformação importa uma

restrição ao direito. José Afonso da Silva faz essa distinção, pois parte

da ideia que as normas constitucionais são limitadas por “limites

imanentes”, por isso que essa teoria dele faz sentido. O que seria

limite imanente? É como se já fizesse parte daquele direito

determinada conformação. No caso do legislativo que criou a lei

autorizativa permitindo a imunidade dos parlamentares apenas no

âmbito do exercício das suas funções --> é o legislador revelando esse

limite imanente, e não restringindo esse direito. O legislador revela

algo que a própria Constituição já afirma.

* Crítica 2. Todos os direitos consagrados na CF/88 poderão ser

restringidos quando a norma restritiva tiver por finalidade a

promoção de um outro fim constitucional e passar pelo teste da

proporcionalidade. Exemplo: é inviolável a intimidade e a vida de

uma pessoa. Essa inviolabilidade dentro da classificação de José

Afonso da Silva é uma norma constitucional de eficácia plena. E se o

legislador faz uma lei restringindo a intimidade e a vida privada para

tutelar outro direito fundamental, como a segurança pública? Sim,

visto que segurança pública é um direito constitucionalmente

consagrado e passa pelo teste da proporcionalidade (adequação +

necessidade + proporcionalidade em sentido estrito).

* Quem faz essas críticas ao pensamento de José Afonso da Silva é o seu

filho Virgílio Afonso da Silva e Ingo Sarlet.

2. Eficácia contida: é aquela que tem aplicabilidade direta, imediata e

(possivelmente) não integral. Tem aplicação direta porque não depende de

nenhuma outra lei ou ato para ser aplicada, ou seja, pode ser aplicada

diretamente ao caso em concreto. Também não depende de nenhuma condição

para ser aplicada, podendo ser tanto de eficácia positiva quanto negativa, a

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diferença entre a norma de eficácia plena e contida é apenas quanto a

aplicabilidade, e não quanto a eficácia, que será a mesma entre as normas de

eficácia plena e contida. A aplicabilidade possivelmente integral, quer dizer

que a norma de eficácia contida admite restrição, ou seja, admite que o

legislador ordinário limite o seu campo de incidência (aplicação), passando a

se restringir as hipóteses previstas na lei. Um exemplo disso é o art. 5, XIII da

CF/88. Enquanto não existir a lei restringindo, a norma de eficácia contida

produzira os mesmos efeitos de uma norma de eficácia plena.

* Para Michel Temer e Maria helena Diniz, a norma de eficácia contida

deveria ser chamada de norma de eficácia redutível ou restringível. Pois na

verdade a norma não tem a eficácia contida, mas apenas poderá vir a ser

contida. Tal norma não precisa necessariamente de lei para ser aplicada ao

caso em concreto, haja vista que nasce idêntica a norma de eficácia plena,

podendo vir a ser contida.

3. Eficácia limitada: é a norma que tem aplicabilidade indireta ou mediata. A norma

de eficácia limitada vai depender ou de outra vontade ou de alguma outra condição. A

norma de eficácia limitada vai prever uma hipótese, e não vai ter eficácia positiva, só

vai ter eficácia negativa, pois só tem aptidão para invalidar outras normas. Não tem

eficácia positiva porque depende de outra vontade ou condição. Um exemplo disso é o

art. 192, §3 da CF/88, que foi revogado, e que era uma norma de eficácia limitada,

segundo entendeu o STF, pois dependia de uma outra lei para ser aplicada, e esta lei

seria a outra vontade para que tivesse eficácia. Jose Afonso da Silva divide as

normas de eficácia limitada em duas espécies:

a) De princípio institutivo: é aquela que depende de uma outra vontade para

dar corpo, forma ou estrutura a uma determinada instituição consagrada no

texto constitucional. Exemplos: art. 102, §1 da CF/88, que trata da ADPF,

antes da edição da lei 9.882/99, ninguém poderia ajuizar esta ação, o que

tornou a norma de eficácia limitada; outro exemplo é o direito de greve do

servidor público (pois no âmbito particular é uma norma contida), em que o

exercício do direito de greve depende de lei especifica, e segundo o STF não

é possível o exercício da greve pelos servidores públicos, diante disso os

servidores ingressaram com um mandado de injunção, para tornar possível

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

esse exercício;

b) De princípio programático: são aquelas que estabelecem programas de ação

a serem implementados pelos poderes públicos. A CF/88 estabelece um

resultado a ser alcançado - uma obrigação de fim. A norma não define os

meios (não é uma obrigação-meio), e sim são os Poderes Públicos que

definirão qual o melhor caminho para atingir a finalidade. Ex: art. 3º da CF:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

* Canotilho decretou o óbito de normas de princípio programático, pois as

constituições européias não enfrentam essas normas como não-

obrigatórias, e sim são meros fins, exortações feitas pelo legislador para

atingir os objetivos. O professor Marcelo Novelino discorda dessa

decretação de óbito, pois, embora sejam normas programáticas ela tem

sim, caráter vinculante que, caso não sejam respeitados, serão atitudes

inconstitucionais do Poder Público.

Obs.: Maria Helena Diniz propõe - além da classificação de José Afonso da Silva - as

normas constitucionais de eficácia absoluta ou supereficazes que são as normas que tem

aplicabilidade direta, imediata e integral. A diferença em relação às normas de eficácia

plena é que estas não pode ser restringidas, nem por lei nem por emenda constitucional:

ora, são as cláusulas pétreas, então segundo a ilustre professora. Ora, mas cláusula pétrea

pode ser restringida, o que não pode é sua retirada do ordenamento e além disso, o seu

núcleo essencial deve ser preservado. Essa é uma das críticas que se faz para a

classificação de Maria Helena Diniz, além disso a doutrina aponta que para a classificação

ser boa deve ser abrangida por apenas um critério, e, Maria Helena leva em conta na sua

classificação mais de um critério: a eficácia e a capacidade da norma constitucional ser

alterada por lei ou emenda.

Obs.: normas constitucionais de eficácia exaurida são aquelas cuja eficácia á se esgotou em

razão do cumprimento dos efeitos nelas previstos. Exemplo: algumas normas do ADCT

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que já foram aplicadas ao caso previsto nela, v. g., seus arts. 2º e 3º. Para efeito de reflexão

uma pergunta: quanto ao artigo 2º será que esse dispositivo poderia impedir uma emenda

constitucional que tentasse alterar a forma de governo? O professor Marcelo Novelino

entende que não é possível alterar a forma de governo o legislador por si só, todavia, será

possível a realização de um plebiscito para consultar a população que, se aprovar, alterar a

forma de governo. Da mesma forma, nada impede que se preveja uma nova revisão

constitucional, nos termos do art. 3º se houvesse uma emenda a esse artigo do ADCT.

Art. 2º - No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de

plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de

governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no

País.

§ 1º - Será assegurada gratuidade na livre divulgação dessas formas e

sistemas, através dos meios de comunicação de massa cessionários de

serviço público.

§ 2º - O Tribunal Superior Eleitoral, promulgada a Constituição, expedirá

as normas regulamentadoras deste artigo.

Art. 3º - A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados

da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos

membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.

Aula 13 - 03/06/2011

INSTRUMENTOS DE CONTROLE DAS OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS

1. Quadro sinótico distintivo

Ação direta de inconstitucionalidade

por omissão (ADO)

Mandado de Injunção (MI)

Previsão

legal

a) art. 103, § 2º da CF/88 b) Lei 9.868/99: que só previu a regulamentação da ADO apenas em 2009.

- Previsão legal: art. 5º, LXXI da CF/88

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Quanto à

finalidade*

- O objetivo da ADO é assegurar a efetividade das normas constitucionais, protegendo, assim, a supremacia da Constituição --> - É um controle abstrato de constitucionalidade.

- A finalidade precípua do mandado de injunção é a de proteger o exercício de direitos constitucionalmente consagrados (por isso que o MI está localizado no título dos direitos fundamentais. - É um controle concreto de constitucionalidade

Quanto à pretensão deduzida em juízo

- No caso de controle abstrato, a pretensão é deduzida em juízo através de um processo constitucional objetivo, cuja finalidade é tutelar o ordenamento jurídico constitucional.

- É um processo constitucional subjetivo, que tem como finalidade principal assegurar direitos subjetivos

Competência

- Todo controle abstrato no Brasil, necessariamente é um controle concentrado: a) na esfera federal, quando o parâmetro é a CF/88 o controle será de competência do STF; b) para tornar efetiva norma estadual, o Tribunal de Justiça do Estado-membro será o competente

- A doutrina majoritária entende que o MI não é um instrumento de controle concentrado, mas ele também não pode ser julgado por qualquer juiz ou tribunal. O MI tem uma característica peculiar: é um “controle difuso-limitado”, pois apesar de ele não se concentrar em apenas 1 tribunal, também nem todos o Judiciário vai poder manejá-lo. - E quem é competente para julgar o MI? A CF/88 atribui ao: STF, STJ, TSE e TRE e variará de acordo com a autoridade competente para emitir a norma. - A lei poderá atribuir competência a outros órgãos do Poder Judiciário; todavia, essa lei ainda não foi editada; - A Constituição de determinado Estado-membro pode atribuir competência para que certo tribunal seja competente para julgar MI. Por exemplo: a CE/MG prevê que o TJ é competente para julgar MI contra omissão de autoridade estadual; já se a omissão é de autoridade municipal a competência é do juiz de 1º grau.

Legitimidade ativa

- A legitimidade ativa da ADO é a mesma de todas as outras ações de controle abstrato (art. 103 da CF).

- Mandado de injunção individual: qualquer pessoa cujo exercício de um direito constitucionalmente assegurado seja inviabilizado por ausência de norma regulamentadora.** - Mandado de injunção coletivo (não há previsão legal, mas o STF admite): os legitimados são os mesmos do mandado de segurança coletivo do art. 5º, LXX***

Legitimidade

passiva

- Na ADO a finalidade é tornar efetiva norma constitucional que é omissa; portanto, quem ficará no pólo passivo é a autoridade que tem competência para emanar essa norma. Com isso percebe-se que a legitimidade passiva será, em regra, do Poder Legislativo.****

- Para o STF o único legitimado passivo no mandado de injunção é aquele que tem o dever de elaborar a norma regulamentadora, não se admitindo litisconsórcio passivo.

Efeitos da decisão

(ver tópico)

- A CF/88 determina expressamente no art. 103, § 2º que o efeito da decisão em ADO será apenas a ciência ao poder competente de sua omissão.

- A Lei não dispõe nada sobre os efeitos da decisão do mandado de injunção. - O STF adotava a teoria não-concretista; atualmente adota a teoria concretista

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individual. - Vale lembrar que no julgado da greve do servidor público o STF adotou a teoria concretista geral.

Liminar

- Antigamente o STF não admitia liminar em ADO: ora, se a decisão em si não pode compelir o órgão, pois apenas o notifica, por que conceder liminar? Após a regulamentação em 2009 da Lei 9.868/99 este entendimento restou superado com a edição do art. 12-F e § 1º. Inclusive, mesmo havendo omissão total será possível a concessão de liminar para:***** a) Omissão parcial: suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado; b) Omissão total: suspensão de processos judiciais ou de procedimentos ou outra medida

- Quando adotava a corrente não-concretista, o STF não admitia o cabimento de liminar no MI, pelo mesmo fundamento que não permitia liminar na ADO. - Mesmo com a mudança de teoria não-concretista para teoria concretista individual, o STF não vem admitindo a concessão de liminar em sede de mandado de injunção.

* Quando se fala em finalidade, é a finalidade principal, pois, os instrumentos que visam a

assegurar direitos objetivos, indiretamente eles asseguram direitos subjetivos; a contrario

sensu quando se tutelam direitos subjetivos constitucionalmente previstos, indiretamente

está se tutelando o ordenamento constitucional.

** Exemplo: a CF/88 prevê aposentadoria especial para os deficientes que depende de lei

que ainda não foi regulamentada. Sendo uma omissão constitucionalmente, é cabível

mandado de injunção individual para tutelar.

*** Como não há lei regulamentando o mandado de injunção o Supremo se utiliza da

legislação relativa ao mandado de segurança, remetendo, inclusive, os seus legitimdos

também para o mandado de injunção.

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente

constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos

interesses de seus membros ou associados;

+ No STF todos os mandado de injunção dos direitos de greve do servidor público

foram todos mandados de injunção coletivo.

**** Existem determinadas matérias que têm iniciativa privativa ou exclusiva: se o

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legitimado não age o Parlamento não pode fazer a lei, ficando inviabilizado. Nesses casos,

quando a omissão decorre de inércia de legitimado privativo ou exclusivo, é contra ele que

a ADO por omissão é ajuizada, v. g., os casos de iniciativa privativa do Presidente da

República. A doutrina majoritária entende que, quando o legitimado para propor ADO é o

responsável pela omissão não pode, por óbvio, propor a ADO.

***** Art. 12-F, § 1º da Lei 9.868/99:

Art. 12-F. Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o

Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, observado o

disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos

órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que

deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias.

§ 1o A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei

ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bem como

na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos,

ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal

Obs.: TRF não julga mandado de injunção tradicionalmente pela doutrina. O professor

Marcelo Novelino segue esse entendimento, mas afirma que, se houver lei regulamentando

tal competência seria possível.

2. Efeitos da decisão da ADO e MI

Vejamos a redação do art. 103, § 2º:

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para

tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder

competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando

de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Fica muito claro que a Constituição Federal determina que o efeito da ADO é apenas

o de dar ciência ao poder competente da sua omissão. O ministro Gilmar Mendes,

inclusive, sobre o prazo acima fixado, entendeu em alguns julgados que 30 (trinta) dias é

tempo impossível de suprir omissão em alguns casos. A Lei 9.868/99 no art. 12-H e § 1º

em vista disso trouxe uma abertura para que o Supremo analisasse esse prazo que, se não

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

for suficiente, determinará prazo razoável.

Art. 12-H. Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com

observância do disposto no art. 22, será dada ciência ao Poder competente

para a adoção das providências necessárias.

§ 1o Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as

providências deverão ser adotadas no prazo de 30 (trinta) dias, ou em

prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em

vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido.

No que tange aos efeitos da decisão do MI não há disposição legal. Quem vai

determinar é a doutrina e o STF. Tradicionalmente, podemos dividir esse estudo em duas

correntes:

a) 1ª corrente: não concretista: foi a corrente adotada pelo STF desde o advento da

CF/88 até 2006. O efeito da decisão do MI é o mesmo da ADO, onde o

Supremo deve dar ciência ao poder competente da sua omissão. O Judiciário

não vai tratar diretamente da norma, e sim apenas cientificar o poder

competente que é omisso. Exemplo: a CF dizia, antes de ser revogado que os

juros eram de, no máximo, de 12% ao ano; quando questionado sobre o tema o

STF via mandado de injunção ele apenas notificativa o Legislativo.

Consequentemente, por isso, não admitia também liminar em sede de MI. A

doutrina questionava esse corrente dizendo que o MI é instrumento de controle

concreto, e apenas notificar o poder omisso esvazia o sentido do MI.

b) 2ª corrente: concretista

+ b.1 geral: no MI 708 (direito de greve do servidor público) O STF teve uma

mudança radical no seu entendimento adotando a teoria concretista geral: a

norma que necessitava de regulamentação seria regulamentada pelo STF -

por isso que é concretista, porque ele concretiza a norma, suprindo a

omissão. E mais: é concretista geral, pois não regulamentará a norma apenas

para quem impetrou o MI, e sim para todos, erga omnes, generalizando, no

caso, para todos os servidores públicos. A doutrina criticou essa decisão sob

o fundamento que esse efeito erga omnes nem era cabível na ação direta de

inconstitucionalidade por omissão, e por que fazê-lo em uma ação

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145

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

individual?

+ b.2 individual: após esse entendimento absurdo no MI 708, O STF passou a

adotar em seus julgados a teoria concretista individual --> o tribunal irá

regulamentar o que estava omisso pelo Poder Legislativo apenas

individualmente, para quem impetrou o mandado de injunção, ou seja, com

efeito apenas inter partes. Exemplos no STF: MI 721; MI 758 e MI (QO)

795. Com relação a esse último o Supremo tratou do direito de servidor

público à aposentadoria especial: o entendimento de aposentadoria especial

privada da Lei 8.213 será aplicada ao servidor público. Ora, mas isso não

seria ruim, já que vai haver vários MI’s no mesmo sentido? Aí que o STF

inovou: nos próximos mandado de injunção que tiverem o mesmo objeto

não haverá necessidade de rejulgamento por todo o Supremo, podendo o

relator monocraticamente decidir os outros mandados de injunção da mesma

forma que a Corte já entendeu. Vale lembrar que o Pretório Excelso não vai

fazer cálculo de aposentadoria especial: quem vai calcular é o INSS (o

Supremo afirma apenas que se apliquem aos servidores públicos as mesmas

regras de aposentadoria especial dos trabalhadores privados.

+ b.3 intermediária: o Tribunal deve dar ciência ao Poder competente da sua

omissão, v. g., 120 dias. Se nesse prazo a omissão não for sanada, o

Tribunal já dirá qual é a concretização do direito constitucionalmente

omitido pelo Legislativo. Essa corrente já foi adotada pelo STF no MI 232,

relatado pelo ex-ministro Nery da Silveira. A crítica a esse entendimento é o

seguinte: para que dar ciência de uma omissão constitucional ululante de 20

anos, com a greve dos servidores públicos? A doutrina entende, que a

depender do caso, não há necessidade de ciência ao poder omisso.

Obs.: o AGU atua nas ações de controle abstrato, inclusive na ADO por omissão, devendo

ser intimado para se manifestar. Na ADO sua participação está no art. 12-E, § 2º da Lei

9.868/99. Além dessa previsão há a conhecida disposição do art. 103, § 3º da CF.

§ 2o O relator poderá solicitar a manifestação do Advogado-Geral da

União, que deverá ser encaminhada no prazo de 15 (quinze) dias

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146

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a

inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará,

previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto

impugnado.

Veja que as disposições legais são diferentes: o § 3º fala em defesa do ato

impugnado, o que acontece na ADI e, as vezes na ADPF. Ora, uma pergunta: o AGU

estará obrigado a defender sempre o ato impugnado? O Supremo Tribunal Federal vem

cada vez mais relativizando esse entendimento:

1. Tese já considerada inconstitucional pelo STF: o AGU não está obrigado a

defender o ato. Essa hipótese já é pacífica na jurisprudência;

2. Quando a norma viola interesse da União não seria necessário também a defesa

do ato pelo AGU. É o entendimento da doutrina majoritária.

3. ADI 3.916: nessa ação o AGU não defendeu o ato impugnado. Quatro

ministros entenderam que não se poderia obrigar o AGU a defender o ato

impugnado, até mesmo em razão da inexistência de sanção. 2 ministros foram

contrários ao tema. Esse posicionamento é recente, mas deve ser cauteloso,

pois a maioria do Pretório são 6, logo, nem todos os ministros se pronunciaram

sobre o tema; logo, o STF não se pronunciou sobre o tema. Mas, é preciso ser

cauteloso.

Obs.: no julgamento da Rcl. 10.793 a ministra Ellen Grace utilizou o termo “efeito

vinculante” nas decisões proferidas em sede de recurso extraordinário quando são

reconhecidas a repercussão geral. A ministra, apesar de fazer essa afirmação, colocou

também que não cabe reclamação per saltum de decisões de juízes de 1º grau divergentes

do posicionamento do STF em decisão proferida em sede de recurso extraordinário quando

há reconhecimento de repercussão geral. Segundo Ellen Grace a pessoa deve recorrer

normalmente para o respectivo Tribunal de Justiça ou TRF conforme o caso. O Supremo

adotou esse entendimento, sob o fundamento de que, admitindo a reclamação per saltum

seria inviabilizar o trabalho do Pretório.

* CUIDADO: essa hipótese é diferente de decisão que desrespeita à súmula

vinculante. Nessa hipótese cabe reclamação direta do STF.

* CUIDADO: a reclamação contra decisão judicial que desrespeita o que já foi

decidido em sede de controle concentrado (ADI / ADC / ADPF/ ADO) pelo

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

STF também é possível ser feita diretamente ao Pretório. O que não pode ser

feita é reclamação direta ao STF quando a decisão judicial descumpre o que foi

decidido em sede de recurso extraordinário afetado ao Pleno do Supremo por

repercussão geral.

DIREITOS SOCIAIS

1. Teoria da reserva do possível

A expressão “reserva do possível’ surgiu a partir de uma decisão em 1972 pelo

Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em um caso muito famoso que tratava da

questão de vagas em universidades. A Constituição alemã prevê a liberdade de exercício

de ofício, trabalho ou profissão e aí algumas pessoas ajuizaram ação sob o seguinte

fundamento: ora, se temos a liberdade de ofício, para termos esse direito em grande

amplitude, precisamos de acesso à universidade, ex vis, se quero ser magistrado, preciso

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

ser bacharel em direito. Como vou exercer essa profissão se não tenho acesso à

universidade? Na Constituição alemão não há previsão de universidade gratuita para todos,

por isso que eles foram nessa linha. O Tribunal alemão concordou com essa linha de

raciocínio: só que, apesar que seja desejável que todos tenham acesso a universidade, isso

nem sempre é possível, já que o Estado não tem como dar bolsa a todas as pessoas que

queiram cursá-las, em razão das limitações orçamentárias e usou a expressão reserva do

possível.

Há alguns autores que criticam a transposição desse conceito para o direito brasileiro,

como o Andreas Krell, alemão radicado no Brasil professor da UFAL: não seria possível

no Brasil usar a teoria, visto que a desigualdade social é muito grande, o que inviabilizaria

o exercício de direitos fundamentais sociais. O professor Novelino não concorda com essa

posição, sob o fundamento de que, por ter mais desigualdade que a Alemanha essa reserva

do possível seria necessária. Inclusive, autores como Guido Calabresi e Phillip Bobbit

chamam essas hipóteses de “escolhas trágicas”: o orçamento do Estado é limitado; toda

decisão alocativa de recursos causa consequências negativas para outra parte do

orçamento. Exemplo: destino 20% para educação, mas vou desprestigiar os músicos que

vão ficar apenas com 1% de verba. Toda decisão alocativa de recursos, na verdade também

é uma decisão desalocativa. Aí surge a pergunta: a quem cabe fazer essas escolhas

trágicas? O juiz, legislador ou o Executivo? Os membros do Legislativo e Executivo foram

eleitos democraticamente para isso. Isso significa, então, que o Poder Judiciário deve ficar

totalmente de fora? A primazia na definição das políticas públicas é do Poder Executivo e

Legislativo, o que não significa que o Judiciário não pode agir: quando a Constituição for

desrespeitada o Judiciário deve agir. Exemplo: pequeno grupo tem doença rara e o Estado

entende que não precisa agir, pois é uma minoria. Nesse caso o Judiciário deve intervir.

1.1 Dimensões da reserva do possível (Ingo Sarlet)

Ingo Sarlet, professor da PUC/RS, aponta três dimensões para a reserva do possível:

1. Possibilidade fática: consiste na existência de recursos orçamentário para

atender as pretensões individuais. Os direitos sociais tem caráter positivo e, por

isso, vão exigir do Estado prestações e, para o que ele as atenda é preciso de

recursos orçamentários. Exemplo: a CF considera direito à moradia um direito

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

social. Será possível exigir do Estado a construção de uma casa para os sem-

teto? É complicado, pois deve analisar não apenas a demanda individual, e sim

a questão como um todo no orçamento estatal, em face ao princípio da

isonomia. Assim, o princípio da isonomia impõe que a possibilidade fática seja

analisada universalmente: todas aquelas que estejam na mesma situação. Ora,

se o princípio da isonomia exige que a análise seja feita de forma universal

para todos que se encontrem na mesma situação, qual seria o meio mais

adequado para que essas situações fosse implementadas? As ações coletivas!

Temos que pensar assim por situações de economia processual e pelo fato de

que aqueles que mais precisam ainda não conseguem chegar ao Judiciário.

2. Possibilidade jurídica: envolve dois aspectos:

a) Análise da existência da previsão orçamentária: deve ser respeitada o

princípio da legalidade na previsão orçamentária. A despesa deve estar

prevista em lei.

b) Análise das competências federativas: saber qual ente federativo é

responsável por aquela demanda. Na saúde, quem é o competente, já que

todos os entes são competentes? Tem se entendido que há uma competência

processual concorrente. Outra celeuma é a educação, mas a própria CF/88

faz uma separação, que tem sido aplicada na teoria da reserva do possível.

* Muito cuidado, pois a análise de previsão orçamentária não deve ser um

limite absoluto, porque senão o Poder Público sempre alegaria que não

existe previsão orçamentária.

3. Razoabilidade da exigência e proporcionalidade da prestação. Exemplo:

possibilidade fática da construção de casa para todos o Estado tem se tirar de

outros setores como saúde e educação e aumentando impostos e

consequentemente a arrecadação. Essas decisões seriam desproporcionais.

Obs.: o professor Novelino pondera muito o direito à saúde: é complicado colocar na

balança o direito à saúde x questão orçamentária x necessidade de tratamento. Existe uma

saída para essa questão, que veremos em instantes. No mais, essas dimensões propostas

por Ingo Sarlet são muito boas.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

1.2 Alegação da reserva do possível

A quem cabe alegar a reserva do possível? O Estado ou quem o aciona? A reserva do

possível é matéria de defesa do Estado e ele deverá provar, tendo, então, o ônus de provar

que não tem como atender a demanda. Nas muitas vezes o procurador ao contestar não

consegue comprovar que o Estado não tem recursos orçamentários. Até tem, mas é matéria

de extrema complexidade financeira.

2. Mínimo existencial

A expressão surgiu no Tribunal Federal Alemão em 1953 e depois começou a ser

utilizada pelo seu tribunal constitucional, passando, depois, a ser citada na jurisprudência

do nosso STF. Por sinal, a maioria das decisões sobre direitos sociais tem como relator o

ministro Celso de Mello e ele sempre comenta o mínimo existencial. Vale lembrar que

quem citou inicialmente o termo “mínimo existencial” foi o professor Ricardo Lobo

Torres.

No direito alemão o mínimo existencial é deduzido de três princípios:

a) Dignidade da pessoa humana;

b) Princípio da liberdade material;

c) Princípio do Estado social.

O mínimo existencial consiste no conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma

vida humana digna. Perceba que o mínimo existencial está ligado à dignidade da pessoa

humana com aqueles três fatores estudados por nós que compõem a dignidade.

O problema é definir o que entraria no mínimo existencial. Quais são os direitos que

compõe o mínimo existencial? Alguns autores como Ricardo Lobo Torres afirmam que

não há como definir precisamente esses direitos porque vai depender da sociedade, do

momento histórico, do ordenamento jurídico, etc., não havendo como definir a priori. A

professora Ana Paula de Barcellos definem quais os direitos que compõem o mínimo

existencial a partir da CF/88 e da legislação infraconstitucional:

a) Direito à saúde. Para o professor Novelino é o mais problemático porque é

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151

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

muito extenso, ex vis, o direito ao medicamento que é mais eficaz, mas

extremamente custoso e há um mais barato, todavia, menos eficaz. É possível

tratar-se em Cuba? No Rio de Janeiro aconteceu algo curioso: várias pessoas

aguardavam na fila o tratamento para o câncer e uma delas pediu tratamento

antecipado na frente da fila e o juiz concedeu. Isso é uma decisão que o

Judiciário não tem capacidade para decidir quem tem urgência no tratamento e

quem não o tem.

b) Educação básica. Aqui é simples: a CF/88 no art. 208, I garante educação

fundamental obrigatória e gratuita a todos. É uma regra estabelecida

constitucionalmente. Princípio se pode ponderar, regra não. Vale lembrar que,

após a EC 59/09 a terminologia mudou de educação fundamental para

educação básica.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a

garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)

anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a

ela não tiveram acesso na idade própria;

c) Assistência aos desamparados. Pessoas que se encontram em situação de

miséria - com renda per capta inferior a 1/4 do salário mínimo e que sejam

deficientes ou idosos devem receber um salário mínimo. Inclusive, há uma lei

dizendo que todo cidadão tem direito a uma renda mínima.

d) Acesso à justiça. De nada adianta a pessoa ter os direitos acima, se não há como

requerer sua tutela. O aceso à justiça é o instrumento necessário para efetivar o

mínimo existencial.

* Há autores que ainda colocam o direito à moradia nesse mínimo.

Perceba que é como se o mínimo existencial fosse um subgrupo menor dos direitos

sociais.

Por que a lei se preocupa em estabelece esse núcleo menor? por que os direitos

sociais tem um custo oneroso. Quanto mais se amplia, formalmente, os direitos sociais,

maior é o risco deles não terem efetividade. O mínimo existencial busca justamente o

oposto: garantir a fruição desse mínimo, independentemente de qualquer argumento

Mínimo existencial

Direitos sociais

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152

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

contrário.

Obs.: Daniel Sarmento tem um posicionamento no sentido de que o mínimo existencial

não é absoluto e deve ser ponderado com a reserva do possível, direitos de terceiros, etc.

Ingo Sarlet já entende que não cabe essa ponderação e sustenta que não se pode opor a

reserva do possível ao mínimo existencial. Ora, se o medicamento é imprescindível para

que a pessoa continue viva não se pode ponderar. Esse entendimento de Ingo foi o que o

ministro Celso de Mello adotou no RE 482.611/SC:

STF, RE 482.611

EMENTA: CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO

E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL

À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL

QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO. PROGRAMA SENTINELA–

PROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO, PELO MUNICÍPIO DE

FLORIANÓPOLIS/SC, DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO

SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO TRADUZ EXIGÊNCIA DE

ORDEM CONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE

TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL

IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO

PROVOCADO POR

INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE

TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ

185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER

PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE

QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO,

COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O

MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- -197). CARÁTER COGENTE

E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE

DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM

DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA

LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES

ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE

OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE

INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO

AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA

UMA POSITIVA CRIAÇÃO

JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE

POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219- -

1220).

3. A teoria da vedação de retrocesso social

A grande maioria dos direitos sociais é consagrada em normas abertas, que vão

necessitar de uma concretização por parte do Poder Público. Não é defeito dos direitos

sociais isso, e sim uma característica inerente dos mesmos. Os Poderes Público irão eleger

as prioridades de acordo com a vontade da maioria, v. g., a CF/88 não deveria, em tese,

estabelecer regras de transporte, saúde, etc., pois o direito que será prioritariamente

atendido deve ser decidido pela maioria. Quando se vota nos políticos se vota justamente

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153

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

para quem elege a melhor prioridade.

A partir do momento que os direitos sociais necessitam de uma concretização, de

norma infraconstitucional, é como se essa norma concretizadora passasse a fazer parte do

próprio direito social. Imagine que o direito social é a esponja e o poder público é o

líquido: a norma aberta absorve o líquido que passa a fazer parte dessa esponja, desse

direito social que não mais passa a ter apenas a configuração constitucional, e sim mais

ampla, englobando também a legislação infraconstitucional. Por isso essas normas

concretizadoras passariam a ser materialmente constitucional, já que tais normas são

imprescindíveis para a concretização do direito social. É como se elas começassem a fazer

parte do bloco constitucional. Por isso, a partir do momento em que ocorre a concretização

do direito social, esta não pode mais ser objeto de um retrocesso.

Zagrebelsky, juiz da Suprema Corte italiana, entende que a vedação de retrocesso

social impede reduzir o grau de concretização atingido por uma norma de direito social, ou

seja, a concretização poderia sequer ser reduzida. É um posicionamento radical. Já o autor

português José Carlos Vieira de Andrade proíbe a revogação da concretização quando esta

se revelar manifestamente arbitrária ou desarrazoada --> a vedação de retrocesso não

impede qualquer redução no grau de concretização, e sim impede uma revogação

arbitrária. É um posicionamento sensato, pois a depender da situação a prioridade de

direitos sociais pode mudar com o passar do tempo, v. g., no Brasil está se priorizando pela

Copa de 2014 o transporte urbano e a infraestrutura. É muito lógico.

Obs.:A vedação ao retrocesso, em sede de direitos sociais, vale lembrar, é também

chamada de non cliquet – em alusão à regra de nunca descer, só subir no alpinismo.

Obs.: Cesare Batistti. Em 2009 quando o STF julgou a extradição o Supremo deu decisão

apertada de 5 x 4, cujo voto de desempate foi do ministro Peluso, que entendeu que o

Presidente da República não está vinculado à decisão do Supremo sobre a extradição. O

STF não pode obrigar o Presidente a extraditar ou não. Agora, o Supremo entendeu que o

Presidente da República estaria vinculado ao tratado Brasil-Itália. Confuso, Lula na época

pediu o parecer da AGU. No tratado Brasil-Itália há uma cláusula que a extradição poderia

ser negado em caso de julgamento parcial pelo outro país e o parecer se baseou nesse

AGU. O Presidente Lula deu seu último ato não extraditando Battisti. A Itália, então,

entrou com uma reclamação no STF dizendo que o Presidente da República não respeitou

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154

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

a decisão do STF! O STF nem chegou a analisar o mérito e entendeu que o Governo

Italiano não pode questionar no STF um ato de soberania do Estado brasileiro.

Aula 14 – 10/06/2011

PODER CONSTITUINTE

1. Poder Constituinte Originário

1.1 Introdução

O Poder Constituinte, doutrinariamente, costuma a ser classificado em duas espécies:

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155

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

originário e reformador – embora que, quem crie algo seja somente a primeira apresentada

abaixo. Vamos estudar inicialmente o Poder Constituinte Originário que é aquele

responsável pela criação de uma nova Constituição. Pode ser a 1ª Constituição ou uma

nova Constituição se for um Estado que já tenha uma trajetória. No Brasil, a primeira CF

foi a de 1824; após, houveram várias manifestações do Poder Constituinte originário até

chegar a de CF/88.

Por ser um Poder que vai criar a Constituição e uma nova ordem jurídica, devemos

examinar sua natureza jurídica. Qual é a essência do Poder Constituinte?

a) 1ª corrente: Juspositivismo. Para a visão juspositivista o Poder Constituinte

Originário é um poder social, energizado pelo povo, sendo verdadeiro poder

político e poder de fato, não havendo limitações para o exercício desse poder.

É a corrente majoritária.

b) 2ª corrente: Jusnaturalismo. Pela corrente do jusnaturalisimo defende-se que,

além do direito positivo – posto pelo Estado – existe um direito natural. E de

acordo com os naturalistas, esse direito natural estaria acima do direito

positivo, que estaria limitado pelos princípios do direito natural. Ora, se o

Poder Constituinte Originário está submetido a determinadas normas jurídicas

do direito natural, dentro desta concepção o Poder Constituinte Originário seria

um poder de direito, jurídico (justamente por estar limitado pelo direito

natural).

1.2 Características do Poder Constituinte Originário

Constituição Federal.

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

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156

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Por estar acima do direito positivo o Poder Constituinte Originário tem

características essenciais que o diferenciam dos poderes constituídos. Aqui temos duas

concepções também que podemos tratar o Poder Constituinte:

1. Concepção positivista: o poder constituinte originário é um poder:

a) Poder inicial: é inicial porque não existe nenhum outro poder antes ou acima

dele. Ora, se o ordenamento jurídico se inicia antes da CF/88 e o Poder

Constituinte Originário cria a CF/88, é um poder inicial, o primeiro de

todos.

b) Poder autônomo: é autônomo, pois cabe apenas a ele escolher a ideia de

direito que irá prevalecer. A ideia de direito consagrado pela CF/88 – se será

liberal, social, tipo de Estado, direitos fundamentais consagrados – é uma

ideia que o Poder Constituinte Originário tem autonomia para decidir,

escolhendo livremente que preceitos jurídicos serão consagrados.

c) Poder incondicionado: o poder constituinte originário não está sujeito a

nenhuma condição de forma ou de conteúdo. Não existe nenhum limite

juridicamente pré-estabelecido com relação às formalidades que ele irá

adotar nem ao conteúdo que vai colocar no documento jurídico maior.

Geralmente uma nova Constituição surge com uma ruptura brusca como um

golpe de Estado ou uma revolução. Todavia, a CF/88, segundo Jorge

Miranda, não surgiu com nenhuma dessas rupturas, e sim através de uma

transição constitucional: antes havia a CF/1967 que teve uma emenda

constitucional em 1985 onde houve previsão de Assembleia Nacional

Constituinte – o povo eleger pessoas que iria criar uma nova constituição.

Tal Assembleia foi criada em 1987 que deu origem à CF/88. Alguns

doutrinadores, inclusive, dizem, minoritariamente, que a CF/88 não adveio

de um Poder Constituinte Originário, visto o trâmite acima da transição

constitucional. O professor Novelino não concorda, pois na Assembléia

Constituinte não houve limitação nenhuma para a criação de uma nova

ordem constitucional.

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157

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

* Em prova do MP/MG considerou-se correta a assertiva em que se

afirmava que o Poder Constituinte Originário é soberano, independente e

ilimitado juridicamente. Pura questão terminológica.

2. Concepção positivista: é a ideia de um dos principais formuladores do Poder

Constituinte, o Abade Emmanuel Syeyès, através do panfleto “O que é o

terceiro Estado? Ele era um teórico jusnaturalista, como a maioria dos juristas

daquela época. Segundo Abade o Poder Constituinte Originário tinha as

seguintes características (é a mais cobrada em provas):

a) Poder permanente: o poder constituinte não se esgota com o seu exercício,

ou seja, não deixa de existir após a criação da Constituição, mas permanece

existindo de maneira latente.

b) Poder inalienável: a titularidade do poder constituinte não pode ser

transferida. Segundo o Abade Syeyès, o titular do poder constituinte é um

só, é sempre a nação. Com a evolução da teoria, entende-se que o titular é o

povo (conceito mais amplo do que “nação”). O que importa aqui é que para

o Abade, sempre a titularidade do poder constituinte estará pertencendo à

nação, independentemente de quem exerce o poder: uma coisa é a

titularidade (sempre do povo), outra coisa é o exercício – quem elabora uma

nova Constituição exerce esse poder. Exemplo: junta militar deu golpe de

Estado e vai elaborar a uma nova Constituição o titular continua sendo o

povo, mas quem exerceu o poder constituinte foi a junta militar. E qual a

importância dessa distinção? É a análise da legitimidade do poder

constituinte; se o exercício do poder foi exercido de forma legítima ou não.

Agora, quando a CF é feita por um conjunto de representante do povo, nesse

caso o exercício do poder é legítimo.

c) Poder incondicionado pelo direito positivo: o poder constituinte é

incondicionado, não por qualquer direito, mas apenas pelo poder positivo.

Segundo o pensamento do Abade Syeyès, o Poder Constituinte Originário

não está subordinado à nenhuma norma positiva, mas sim, por um direito

natural.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

* Atualmente, a teoria do direito natural evoluiu muito hoje: vários autores

defendem que nem tudo que está no ordenamento jurídico pode ser

considerado direito. Essa corrente ganhou uma força muito grande após a

2ª guerra mundial, principalmente na Alemanha, com autores como: Oto

Bachof que diz existir “normas de sobredireito” (acima do direito

positivo); RadBruch, com sua “fórmula da injustiça” que diz que “o

direito extremamente injusto não é direito”. Robert Alexy, inclusive, em

suas obras, adota a fórmula da injustiça proposta por Radbruch.

Exemplo: Estado alemão confiscando bens de judeu, somente por sua

religião.

1.3 Limitações materiais ao Poder Constituinte Originário

Jorge Miranda, constitucionalista português, aponta três limitações materiais que

podem ser limitações impostas ao Poder Constituinte Originário, isso porque o conceito de

soberania, atualmente, em razão da globalização e cada vez mais um fortalecimento de

proteção aos direitos humanos vem fazendo essa flexibilização. Os limites criados pelo

constitucionalista português são os seguintes:

1. Limitações materiais transcendentes: são aquelas dirigidas ao Poder

Constituinte material e são advindas de imperativos do direito natural ou de

valores éticos ou de uma consciência jurídica coletiva. Existe uma distinção

feita pela doutrina entre poder constituinte material e poder constituinte formal:

o material é aquele responsável pela escolha do conteúdo consagrado pela

Constituição, enquanto que o poder constituinte formal formaliza a escolha do

conteúdo através de normas constitucionais. Veja bem: o titular do Poder

Constituinte Material seria, teoricamente, o povo, enquanto que o Poder

Constituinte formal seria materializado pela Assembleia Constituinte.

* Exemplo dos limites materiais: valores éticos que devem ser observados pelo

ordenamento jurídico, respeito ao direito natural, etc.

* Proibição de retrocesso: os direitos fundamentais conquistados por uma

sociedade não podem sofrer um retrocesso quando da elaboração de uma

nova Constituição. Cuidado para não confundir com a vedação de retrocesso

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

estudada nos direitos sociais, que é uma limitação a um poder constituído,

enquanto que a proibição ao retrocesso aqui estudada diz respeito ao Poder

Constituinte Originário. Uma nova CF não poderia consagrar menos direitos

fundamentais do que a anterior. São verdadeiros limites metajurídicos.

2. Limitações imanentes: são relacionadas à configuração do Estado à luz do

poder constituinte material ou a própria identidade do Estado da qual a

Constituição representa apenas um momento em sua marcha histórica.

Exemplo: a Constituição nova não poderia dizer que o Estado não é soberano,

pois é algo imanente a um Estado.

3. Limitações heterônomas: são limitações impostas por outros ordenamentos

jurídicos. Exemplo: hoje em dia se fala em uma constituição europeia, ainda

muito relutada por vários países. Se essa constituição for aprovada, tal servirá

de limite para as constituições de cada país europeu, sendo, assim, uma

limitação heterônoma. Há um movimento cada vez mais forte de um sistema

internacional efetivo no que tange aos direitos humanos.

2. Poder Constituinte Decorrente

2.1 Introdução

O Poder Constituinte decorrente é o responsável pela elaboração das constituições

estaduais. Tal poder tem previsão no art. 11 do ADCT e no art. 25 da CF/88:

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis

que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

Art. 11. Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes,

elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da

promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta.

Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara

Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em

dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição

Federal e na Constituição Estadual.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Desses dispositivos é possível deduzir o famoso princípio da simetria. Segundo tal

princípio, as constituições estaduais devem observar o modelo estabelecido pela

Constituição da República. Os paradigmas da Constituição Federal devem ser observados

pela constituição estadual, o que não é dizer que será uma cópia, mas sim preceitos básicos

que veremos adiante. Interessante citar que alguns autores como Ana Paula Barcellos,

minoritariamente, entende que o princípio da simetria é uma invenção do STF, que não foi

previsto no supracitado art. 25 da CF/88.

Vale citar que os deputados estaduais do art. 11 do ADCT não foram eleitos com o

respectivo fim de realizar a Assembleia Constituinte: eram deputados que já estavam em

suas funções e acabaram incumbidos de criar a respectiva constituição estadual (assim

como o parágrafo único previu que os vereadores criassem a lei orgânica do respectivo

Município). Só que, no que tange aos munícipes, eles deverão respeitar a CF e a respectiva

Constituição Estatual. Exemplos: Governador de Estado pode editar medida provisória,

desde que prevista pela respectiva Constituição Estadual. E o prefeito pode editar medida

provisória? O professor Marcelo Novelino entende que vai depender do modelo da

Constituição Estadual, respeitando as competências do Governador e do Presidente da

República.

2.2 Limitações ao Poder Decorrente

Vamos estudar essas limitações partindo da classificação do professor José Antônio

da Silva que propõe três limitações a partir de espécies de princípios constitucionais:

1. Princípios constitucionais sensíveis: são aqueles princípios relacionados à

essência da organização constitucional da Federação brasileira, sendo

consagrados no art. 34, VII. Sendo violados cabe intervenção federal:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,

exceto para:

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos

estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e

desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

* A decretação de intervenção, quando há violação dos princípios sensíveis não

pode ser feito diretamente. Sabe-se que a intervenção federal no Estado-

membro somente é decretada pelo Presidente da República; só que em caso

de violação de princípio sensível (e também em situação de recusa de

execução de lei federal) é necessário que o STF julgue procedente um ADI

interventiva, proposta pelo Procurador Geral da República. Essa previsão

está art. 36, III da CF/88:

Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:

III de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do

Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de

recusa à execução de lei federal.

* O Presidente da República só pode decretar intervenção federal em Estado-

membro, Distrito Federal ou Município localizado em Território (não

podendo nos outros Municípios). Decretação em Município – que não

Território – é realizada pelo respectivo Governador do Estado.

* A ADI interventiva é um controle concentrado de constitucionalidade, ou

seja, cabe apenas ao STF processar e julgá-la. Só que, nesse caso, o Estado

concretamente violou um princípio constitucional sensível, portanto, tal

controle não é um controle concentrado abstrato, e sim um controle

concentrado concreto. Se entende que, neste caso, o Procurador da

República atua como um substituto processual, representando a

coletividade.

* A natureza da decisão da ADI interventiva é de decisão político-

administrativa. Aqui dois pontos relevantes:

+ O Procurador Geral de Justiça do Estado-membro pode ajuizar

representação interventiva contra um Município respectivo que violar

princípios constitucionais sensíveis da Constituição estadual. Tal será

decidido pelo TJ, e como a decisão é político-administrativa, não caberá

nessa hipótese recurso extraordinário.

+ O Presidente da República está vinculado pela decisão do STF? Se o STF

julgar procedente a ADI interventiva, o Presidente está obrigado a

decretar a intervenção? Por tal decisão ter natureza político-

administrativa, o Supremo ao realizar o julgamento ele o faz como uma

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

conotação política. A maioria da doutrina entende que a decisão do STF

vincula a decisão do Presidente da República: esse entendimento é

reforçado pela Lei 1.079/50, art. 12.3:

Art. 12. São crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias:

3 - deixar de atender a requisição de intervenção federal do Supremo

Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral;

+ Se entender que o dispositivo foi recebido pela CF/88, e que é crime

deixar de atender a requisição, o Presidente da República está vinculado

à decisão do STF.

2. Princípios constitucionais extensíveis: são normas organizatórias da União

extensíveis aos Estados. O Estado deverá observar esta norma organizatória

estabelecida pela União. O STF usa a expressão normas de observância

obrigatória, o que está ligado ao princípio da simetria. Tais normas podem ser

explícitas ou implícitas. Vamos ver alguns exemplos:

a) Art. 28 da CF c/c art. 77. Perceba que se remete à regra de eleições do

Presidente da República.

Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para

mandato de quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro,

em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se

houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e

a posse ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subseqüente, observado,

quanto ao mais, o disposto no art. 77.

Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República

realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em

primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se

houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente

b) Art. 75 da CF.

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à

organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos

Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de

Contas dos Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais

de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.

c) Requisitos para a criação do CPI do art. 58, § 3º. A Constituição não afirma

expressamente que essas regras devem ser observadas no que tange à CPI

estadual; todavia, o STF entendeu que tais são normas de observância

obrigatória.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de

investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos

nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos

Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,

mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de

fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,

encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a

responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

d) Processo legislativo (art. 59 e seguintes). Curiosamente a CF/1967 previa

que as normas de processo legislativo eram normas extensíveis; todavia, a

CF/88 não afirmou expressamente dessa forma; porém, o Supremo Tribunal

Federal já entendeu diversas vezes que as normas de processo legislativo

são de observância obrigatória.

3. Princípios constitucionais estabelecidos: são aqueles que impõem limitações

ao Estado e que estão espalhados de forma assistemática na Constituição. Não

é igual aos sensíveis que estão todos em um só dispositivo. José Afonso da

Silva dá alguns exemplos:

a) Regras mandatórias: o art. 37, por exemplo, impõe uma norma que os

Estados e os Municípios devem observar.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá

aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência e, também, ao seguinte

b) Regras vedatórias: o art. 19 é vedatório, pois estabelece vedações expressas

a todos os entes federativos.

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-

lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações

de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de

interesse público;

II - recusar fé aos documentos públicos;

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

c) Limitações implícitas: o art. 22 prevê normas de competência exclusiva da

União. A contrario sensu, não pode legislação estadual ou municipal prevê

tais normas iguais em suas constituições estaduais ou leis orgânicas.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

3. Poder Constituinte Derivado (Reformador / Instituído / Constituído)

A rigor, Poder Constituinte é apenas o Originário já por nós estudado, enquanto que

o Decorrente e o Reformador são apenas nomenclaturas.

O Poder Constituinte Derivado é o responsável pela modificação da Constituição

Federal. Vamos fazer uma distinção meramente didática.

Estudaremos inicialmente o poder Constituinte Derivado Reformador previsto no

art. 60 da CF/88, que sofre as seguintes limitações:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do

Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III- de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da

Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus

membros.

§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção

federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso

Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em

ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara

dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a

abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II- o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por

prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão

legislativa.

1. Limitações temporais: impedem a modificação da Constituição durante um

determinado período de tempo. Exemplo: a CF/1824 só permitia alteração em

seu texto após 4 (quatro) anos após a sua promulgação, isso para que ela

pudesse ganhar uma certa estabilidade, já que era a 1ª Constituição. Na leitura

do supracitado do art. 60 da CF/88 não existe limitação temporal à

possibilidade de emendar. Ora, e o que diz respeito a regra do art. 3º do ADCT,

que afirma que a revisão constitucional será feita após 5 (cinco) anos da

promulgação. Aqui não é uma limitação temporal para o Poder Constituinte

Reformador, e sim ao Poder Constituinte Revisor que será estudado mais na

frente.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

2. Limitações circunstanciais: impedem a alteração da Constituição em

situações excepcionais, de extrema gravidade, nas quais a livre manifestação

do poder derivado possa estar ameaçada. Aqui se falam de situações, e não de

período de tempo, que é o caso das limitações temporais. A CF/88 possui

limitações circunstanciais: intervenção federal (art. 60, § 1º), estado de defesa e

estado de sítio tais situações são conhecidas por estado de legalidade

extraordinário.

3. Limitações formais: são relacionadas ao processo de elaboração das emendas

constitucionais. Para emendar a CF/88 deve se observar as formalidades

dispostas abaixo:

a) Iniciativa: art. 60, I-III da CF/88 já citados. Muito cuidado apenas com a

participação do Presidente da República que só participa da iniciativa da

PEC, não podendo ele sancionar, vetar ou publicar emenda constitucional.

Vale lembrar que quem promulga a emenda é a mesa da câmara e a mesa do

senado federal, em conjunto.

b) Se determinada matéria foi rejeitada em PEC na sessão legislativa, ela não

pode ser objeto na mesma sessão legislativa, conforme o § 5º do art. 60 da

CF/88. Aqui não é limitação temporal, uma vez que a CF/88 continua

podendo ser emendada; todavia, só não poderá ser no caso em que PEC

sobre o mesmo assunto foi rejeitado na corrente sessão legislativa. Vale

lembrar que sessão legislativa ordinária vai de 07.02 até 17.07, se

reiniciando em 01.08 até 22.12. A sessão legislativa é ANUAL: não se

inicia de semestre em semestre, e sim de ano em ano (já legislatura é o

período de 4 anos). Cuidado com o art. 62, § 10º, pois prevê redação

semelhante:

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida

provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por

decurso de prazo.

Aula 15 – 17/06/2011

4. Limitações materiais (substanciais): impedem a alteração de determinados

conteúdos consagrados no texto constitucional. A estas normas que não podem

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166

Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

ser livremente alteradas pelo legislador se dá o nome de cláusulas pétreas

(super-constitucionais / intangíveis / de eternidade / entrincheiradas / cravadas

na pedra)

Quando existem cláusulas pétreas há uma certa tensão com a democracia,

pois, a vontade da maioria fica, de certa forma, obstada, uma vez que tais

cláusulas não permitem alterações. E qual o fundamento dessa limitação,

onde a maioria nem sempre pode impor o que ela quer? Vamos observar as

finalidades das cláusulas entrincheiradas:

1. Preservar a identidade material da Constituição: republicana,

democrática, que consagra direitos fundamentais e sociais, etc. Se tal

identidade pudesse ser livremente alterada a Constituição perderia o seu

jeito de ser. É justamente o que a cláusula pétrea defende: se quer se

modificar a Constituição dessa forma, que faça outra, afinal, o povo é o

titular do Poder Constituinte.

2. Proteger institutos e valores essenciais. As cláusulas pétreas tutelam

valores que a sociedade julga importante.

3. Assegurar a continuidade do processo democrático, ou seja, assegurar a

observância das regras do jogo. Tal é importante porque se não tutela o

interesse democrático, acaba-se asfixiando a democracia: quem está hoje

no poder quer nele permanecer e vai impedir que a minoria chegue lá. O

exemplo mais paradigmático é a anterioridade eleitoral prevista

constitucionalmente, que evita a mudança das regras do jogo no apagar

das luzes.

“Governo dos mortos sobre os vivos“ Thomas Jefferson sustenta que as

constituições deviam ser periodicamente alteradas de 19 em 19 anos, pois

seria como se quem ditasse as regras fossem os mortos que elaboraram a

respectiva Lei Maior.

Teorias de justificação das cláusulas pétreas:

o Teoria do pré-comprometimento (Jon Elster no seu livro Ulisses

libertis): a proteção de determinados conteúdos pelas Constituições visa

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

a assegurar o próprio processo democrático, resguardando metas a longo

prazo a fim de proteger a sociedade de suas inconsistências temporais. A

cláusula pétrea é um mecanismo de auto vinculação da sociedade por ela

própria estabelecida para ela se proteger de suas paixões e fraquezas,

visando a proteger as metas à longo prazo. O ser humano tem uma

dificuldade de visualizar interesses à longo prazo, por isso a criação de

cláusulas pétreas, onde há o pré-comprometimento em assegurar

determinados direitos e proteger alguns institutos.

+ Jon Elster cita “A Odisseia” de Homero que conta a seguinte

passagem: Ulisses irá fazer uma viagem com os marinheiros e alguém o

avisa sobre o perigo do canto das sereias, que enlouquece quem escuta

fazendo pular em alto-mar. Ulisses então pede que todos se amarrem e

tapem os ouvidos para não morrer. É o que Elster pega para fazer a

analogia com sua teoria: a sociedade se amarra para ela própria não ser

prejudicada no futuro.

+ Após, Jon Elster muda de ideia e passa adotar a teoria de Ulisses

desacorrentado: a maioria, na verdade, acorrenta o outro com receio de

que no futuro ele venha se tornar majoritário. Ou seja, depois de refletir

mais um pouco Jon Elster entende que quando a Constituição cria

cláusula pétrea a sociedade não acorrenta a si mesmo, e sim a minoria

que agora não está no poder e que um dia pode estar não possa mudar as

regras do jogo.

o Teoria da democracia dualista (Bruce Ackerman): o autor faz uma

distinção entre dois tipos de política: extraordinária e ordinária. A

política extraordinária corresponde aos momentos de intensa

manifestação da cidadania. Ocorre em contextos de grande mobilização

cívica. Já a política ordinária é aquela realizada cotidianamente por meio

das deliberações de órgãos de representação popular. Ackerman entende

que é na política extraordinária onde se manifesta o Poder Constituinte;

por isso esta seria superior à ordinária, podendo, então, estabelecer

limitações como as cláusulas pétreas. É como a se a política

extraordinária estivesse acima da política ordinária.

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Existem dois tipos de cláusulas pétreas:

o Cláusulas pétreas expressas (art. 60, §4º):

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a

abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

+ Perceba que o caput fala em deliberação à proposta; não cabe, portanto,

nem conversa. Se tal disposição for descumprida cabe, inclusive,

controle de constitucionalidade preventivo.

+ O que significa “tendente a abolir”? O STF apesar de não ter posição

pacífica, tem um entendimento, pelo menos, compartilhado pela

maioria: as cláusulas pétreas devem ser interpretadas no sentido de

proteger o núcleo essencial dos princípios e institutos elencados no

dispositivo, e não a sua intangibilidade ideal. Exemplo: uma das

cláusulas pétreas é a separação dos Poderes. Tal quer dizer que

nenhuma competência contida na CF/88 pode ser modificada? Pode-

se responder de início que não. O que não seria possível era

enfraquecer um dos Poderes ao ponto de um controlar o outro. Esse é

o núcleo essencial Uma situação concreta foi quando da criação do

CNJ. O Supremo entendeu que não violaria a separação dos Poderes.

+ Interessante citar o voto, que foi a única cláusula pétrea esmiuçada pela

Constituição – direto, secreto, universal e periódico. Perceba que se a

intangibilidade fosse literal não seria possível alterar a CF como

alguns querem no que diz respeito ao tempo do mandato do Presidente

da República de 4 para 5 anos.

+ Forma federativa de Estado também é cláusula pétrea. Um trecho do

voto do ministro Sepúlveda Pertence cai muito em concurso sobre

esse assunto: “a forma federativa do Estado, consagrada desde a

primeira constituição republicana é princípio intangível na nossa CF”.

Isso é muito importante anotar, pois parece ir de encontro com o que

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

dissemos no item acima, mas o STF para a forma federativa fala

expressamente em princípio intangível.

+ Como decorrência da forma federativa do Estado o STF entende que o

princípio da imunidade tributária recíproca do art. 150, VI, “a” é uma

cláusula pétrea decorrente da forma federativa (ADI 939). Essa ADI

foi a do IPMF que curiosamente foi criado por emenda constitucional

justamente para inibir algumas limitações constitucionais, entre elas a

imunidade tributária recíproca. O Supremo, todavia, entendeu que não

era possível, pois tal imunidade é cláusula pétrea decorrente da forma

federativa do Estado. À essa tentativa de burlar a Constituição

desrespeitando o núcleo essencial das cláusulas pétreas via emenda

constitucional se dá o nome de atalhamento constitucional.

STF, ADI 939

EMENTA: - Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de

Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar.

I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de

Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos

5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b",

"c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional,

emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a

Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo

Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art.

102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que,

no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de

inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que,

quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da

Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas

imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que

e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso

IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade

tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou

serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4.,

inciso I, e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo

outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"):

templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos

partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos

trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem

fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais,

periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, e

inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem

redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo

no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no

art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma,

L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada

procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do

Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter

definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano

de 1993.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

+ O enfraquecimento do ente tributário imputando-lhe a cobrança do

IPMF poderia, segundo o STF, consequentemente, violar a forma

federativa do Estado.

+ Direitos e garantias fundamentais. Conforme já estudado tal é o gênero

que se divide em: a) direitos e garantias individuais; b) direitos

sociais; c) direitos de nacionalidade; d) direitos políticos. A CF cita

ainda os direitos coletivos. O professor Marcelo Novelino entende que

tais direitos podem ser encontrados nos direitos individuais ou sociais.

Veja que quando a CF/88 fala em cláusula pétrea apenas coloca os

direitos e garantias individuais. Alguns autores como Ingo Sarlet e

Rodrigo Brandão sustentam que, na verdade, que não apenas os

individuais, mas todos os direitos fundamentais são cláusulas pétreas.

+ Pela letra da lei, então, seria possível extinguir direitos sociais, de

nacionalidade e políticos? O professor Marcelo Novelino entende que,

mesmo a CF citando apenas os direitos individuais como cláusulas

pétreas, estariam englobados aí outros direitos fundamentais não como

cláusula pétrea expressa, mas sim como cláusulas pétreas implícitos.

+ O STF pacificou que o princípio da anterioridade eleitoral, que está

entre os direitos políticos, é uma cláusula pétrea. Então o STF entende

que os direitos políticos são uma cláusula pétrea consagrada pela

CF/88? Não. Na leitura da decisão se percebe que o Pretório Excelso

fundamentou que a anterioridade eleitoral é uma garantia individual

do cidadão brasileiro.

+ Os direitos e garantias individuais não se restringem ao art. 5º, segundo

entendimento consolidado no STF. Assim, o Pretório entende também

que o princípio tributário da anterioridade também é uma cláusula

pétrea, pois é uma garantia individual do contribuinte, sendo, portanto,

uma cláusula pétrea expressa, tal como a isonomia.

o Cláusulas pétreas implícitas:

+ Art. 60 (discorre sobre o rito da PEC). José Afonso da Silva e Paulo

Bonavides entendem que não há nenhuma determinação na CF que tal

dispositivo é uma cláusula pétrea, mas eles assim o consideram pelo

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

seguinte raciocínio: o art. 60, estabelece limitações ao Poder

Constituinte derivado. A pergunta é: teria sentido se o Poder

Constituinte derivado poderia alterar as limitações estabelecidas para

ele pelo Poder Constituinte originário? Se a resposta for positiva,

esvazia-se o art. 60, o que não é certo. Por isso, defende-se que tal

artigo é uma cláusula pétrea.

# Dupla revisão: é uma espécie de atalhamento constitucional onde se

faz uma dupla modificação na CF/88. O ex-parlamentar Amaral Neto

defendia a pena de morte na Constituição, todavia, tal é cláusula

pétrea. O parlamentar, então, propôs uma PEC para revogar o art. 60,

§ 4º, IV – que diz que os direitos e garantias individuais são cláusulas

pétreas. Se fosse aprovada, não existiria mais essa limitação material e

ele poderia propor outra PEC para, enfim, fazer o que se quiser. Esta é

a dupla revisão. A maioria da doutrina brasileira não admite esse

mecanismo por ser uma espécie de fraude à Constituição.

+ Alguns autores consideram como cláusula pétrea implícita a forma

republicana de governo e o sistema presidencialista. Interessante que

as antigas constituições brasileiras traziam a forma republicana como

cláusula pétrea expressa, o que não foi consagrado pela CF/88. Em

1993, por força do art. 2º do ADCT ocorreu um plebiscito que

escolheu o sistema entre presidencialista e parlamentarismo. Inclusive,

algumas disposições constitucionais foram preparadas para um

sistema parlamentarista, como, por exemplo, o regramento das

medidas provisórias. Após o plebiscito o povo optou por permanecer

com a forma republicana e o sistema presidencialista. O

constitucionalista Ivo Dantas entende que, após o plebiscito, hoje não

é mais compatível essa alteração. O professor Novelino discorda,

afirmando que pode ser alterado o sistema, desde que houvesse um

novo plebiscito.

Art. 2º - No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de

plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de

governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no

País.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Tudo que falamos até agora foi sobre a reforma da Constituição. Vamos falar agora

a revisão constitucional prevista no ADCT, art. 3º. A diferença é que a reforma é o meio

ordinário de modificação da Constituição, enquanto que a revisão é a via extraordinária.

Art. 3º - A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados

da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos

membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.

Perceba que quando o supracitado artigo fala em revisão se coloca para tal uma

limitação temporal que é de 5 (cinco) anos. Ainda dispõe a limitação formal – voto de

maioria absoluta do Congresso Nacional em sessão unicameral. Perceba que é uma

limitação mais simples do que na reforma, que é de 3/5 em dois turnos. Veja que a revisão

não menciona limitações circunstanciais e materiais. Apesar de não mencionar a doutrina

entende que são as mesmas limitações circunstancias e materiais da reforma presentes do

art. 60 da Lei Maior. A eficácia do art. 3º do ADCT já se exauriu, não podendo mais ser

aplicada.

NORMAS CONSTITUCIONAIS NO TEMPO

1. Teoria da desconstitucionalização

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Essa é uma teoria bastante complexa para adotar na prática. A sorte é que ela não é

admitida pela grande maioria da doutrina pátria. Os maiores defensores dessa teoria são

Pontes de Miranda e Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

Quem criou a teoria da desconstitucionalização foi Esmein a partir da linha teórica

de Carl Schimtt. Primeiro, então, vamos falar do pensamento de Carl Schmitt. Para ele, que

adota uma concepção política de Constituição, existe uma diferença entre:

1. Constituição propriamente dita;

2. Leis constitucionais.

Nem tudo que está dentro da Constituição é Constituição propriamente dita:

segundo Carl Schimtt a Constituição propriamente dita é apenas aquilo que decorre de uma

decisão política fundamental. As vezes o texto da Constituição consagra temas que não são

decisões políticas fundamentais e, na verdade, aquelas leis constitucionais não precisariam

estar na Lei Maior. São decisões políticas fundamentais segundo Carl Schimtt:

1. Direitos fundamentais;

2. Estrutura do Estado

3. Organização dos Poderes

Outra teoria afirma que essas decisões políticas fundamentais seriam um tipo

de normas materialmente constitucionais.

Além das decisões políticas fundamentais temos as outras leis constitucionais, por

exemplo, a do art. 242, § 2º que dispõe que o Colégio Pedro II será mantido na órbita

federal. Tal artigo é formalmente constitucional, mas não materialmente constitucionais.

É possível uma norma ser materialmente constitucional, mas não ser formalmente

constitucional? Sim, v. g., os tratados internacionais de direitos humanos aprovados com

quórum de 3/5 em dois turnos, porque não entram dentro do texto constitucional, sendo

mantidos em separado.

Vamos imaginar que em no ano de 2020 seja feita uma nova Constituição. O que

vai acontecer com a CF/88? De acordo com a teoria da desconstitucionalização aquilo que

for Constituição propriamente dita, ou seja, aquelas que leis constitucionais decorrem das

decisões políticas fundamentais, segundo Carl Schimtt, serão automaticamente revogadas

pela nova Constituição. No entanto, a outra parte da antiga CF que é lei constitucional

apenas em sentido formal permanecerá válida, porém, com status infraconstitucional. Em

suma, aqueles dispositivos considerados como leis constitucionais, se forem compatíveis

com o conteúdo da nova Constituição, serão recebidos por ela como normas

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infraconstitucionais por isso que se chama de teoria da desconstitucionalização, pois, as

normas tinham status constitucional, mas passam, depois, a ter status de lei.

Se ela fosse uma teoria aceita no Brasil, além de saber a CF/88 deveríamos também

estudar a CF/67-69 e observar o que é materialmente ou formalmente constitucional. Além

disso, deveríamos conhecer também daquelas que são apenas formalmente constitucionais

e analisar a compatibilidade com a CF/88. É muito complexa na prática e, por isso, não é

admitida no Brasil.

Para o Brasil, quando surge uma nova Constituição a anterior fica inteiramente

revogada. É aquilo que se chama de revogação por normação geral.

2. Teoria da recepção

Essa teoria tem um foco diferente. Enquanto que a teoria da

desconstitucionalização tem um foco de análise entre as Constituições, velha e nova, a

teoria da recepção parte da premissa da análise entre a nova Constituição e as leis

infraconstitucionais anteriormente já existentes.

Pela teoria da recepção, quando a nova Constituição é criada, a anterior fica

completamente revogada, mas as normas infraconstitucionais anteriores que forem

materialmente compatíveis com a nova Constituição serão recepcionadas por ela; as que

forem materialmente incompatíveis não serão recepcionadas (não-recepção). Antigamente

o Supremo em suas decisões usava o termo revogação, o que não era correto, pois,

tecnicamente não houve revogação, e sim é caso de não-recepção. Exemplo: a lei de

imprensa foi considerada materialmente incompatível com a CF/88.

Vamos aprofundar: e se houver uma norma com conteúdo compatível com a nova

Constituição, mas formalmente incompatível? Impede a recepção? A incompatibilidade

formal superveniente não impede a recepção, mas faz com que aquela norma adquira uma

nova roupagem, um novo status. Qual é a consequência jurídica disso? Que a norma

recepcionada só poderá ser revogada / alterada pelo novo status dado a partir da nova

ordem constitucional.

A regra geral é que a incompatibilidade formal não impede a recepção, porém,

existe uma exceção: não haverá recepção quando a incompatibilidade formal for

decorrente de uma mudança de competência entre os entes da Federação. Exemplo: vamos

imaginar que a CF/88 atribua uma competência para os Estados; vem uma nova CF em

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

2020 e passa a atribuir essa mesma competência para União. As leis estaduais não serão

recepcionadas como leis federais, e sim serão revogadas. O exemplo é lógico e coerente,

porém, o CESPE adora usar como pegadinha em concurso.

3. Teoria da constitucionalização superveniente

Nesta teoria, a lei nasce inconstitucional, portanto, incompatível com a CF.

Exemplo: Código Penal é alterado e reduz a maioridade penal para 16 anos, em clara

contradição com dispositivo da Lei Maior. Só que, antes de ser declarado inconstitucional

há uma reforma da Constituição através de emenda que também altera a maioridade para

16 anos. A pergunta é: o Código Penal, na parte de maioridade, pode ser

constitucionalizado? É cabível constitucionalização superveniente? O STF não admite esta

hipótese, visto que ele adota a teoria da nulidade advinda do direito norte-americano: a lei

inconstitucional já nasce morta, sendo nula e, por isso, quando se declara uma lei

inconstitucional tal lei tem natureza declaratória. Vale salientar que o STF não adota a tese

de Hans Kelsen que considera que lei constitucional é anulável.

Obs.: alguns autores falam em inconstitucionalidade superveniente. É a mesma coisa.

4. Teoria da Repristinação

A repristinação está prevista no art. 2º, § 3º da LIC.

§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter

a lei revogadora perdido a vigência.

Vamos a um exemplo: temos a lei “A” que é revogada pela lei “B” que é revogada

pela lei “C”. Ora, então a lei “A” está em vigor? Depende. Se a lei “C” afirmar

expressamente que fica revogada a lei “B” e volta a ter vigência a lei “A” isso é possível;

todavia, a repristinação tácita não é permitida.

Essa mesma regra da lei de introdução das normas gerais brasileiras vale também

para a Constituição Federal. Exemplo: se a CF/88 revogou a CF/67, então, volta a de

CF/1946? Somente se expresso categoricamente pela CF/88, o que não aconteceu. A regra

é que não se admite repristinação em direito constitucional. O que muda apenas é o

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fundamento, pois é um nível superior de norma, não podendo aplicar a LICC e CF/88. O

fundamento de não se admitir a repristinação tem como base dois princípios:

1. Princípio da segurança jurídica;

2. Princípio da estabilidade das relações sociais

Não se cobra muito esse assunto em concurso. O que cai é o sub-tópico seguinte.

4.1 Efeito repristinatório tácito

Vamos trabalhar com dois exemplos para compreender o efeito repristinatório

tácito:

a) Lei 9.868/99, art. 11, § 2º (medida cautelar em ADI). Existe uma lei “A”

questionada em ADI e o STF concedeu a medida cautelar suspendendo essa lei.

Só que essa lei “A” havia revogado a lei “Z” que existia antes dela. Quando o

STF suspende a lei “A” de acordo com a Lei 9.868/99 faz com que a legislação

anterior – no caso lei “Z” – volte a produzir efeitos enquanto “A” estiver

suspensa é o efeito repristinatório tácito. E se a lei “Z” for inconstitucional?

Nesse caso o Supremo ao conceder a medida cautelar terá que afirmar

expressamente a não-aplicação da legislação anterior.

§ 2o A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior

acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.

Não é uma repristinação propriamente dita, pois a lei “A” não foi

expressamente revogada, e sim foi apenas suspensa sua exigibilidade.

b) Lei “A” foi revogada pela lei “B”. Em ação definitiva de mérito o Supremo

acaba com declarar a Lei “B” inconstitucional. Quando uma lei é declarada

inconstitucional e o tribunal nada fala a respeito do efeito temporal da decisão,

o efeito automático, em regra, é ex tunc, retroativo. Ora, se a Lei “B” pela

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teoria da nulidade, já nasceu inconstitucional ela não poderia ser revogada.

Então, se a decisão da inconstitucionalidade da lei posterior tiver efeitos ex

tunc, a lei anterior volta, automaticamente, a ter vigência (porque a lei “B” não

poderia ter existido, visto que nasceu inconstitucional). E se a lei “A” também

for inconstitucional? O STF terá que dizer expressamente.

A diferença aqui com o primeiro exemplo é que na letra “b” não há lei

prevendo; é um entendimento teórico, enquanto que na letra “a” há a própria

lei de ADI prevendo o efeito repristinatório tácito.

Aula 16 – 21/06/2011

5. Mutação constitucional

Mutação constitucional são processos informais de alteração do conteúdo da

Constituição sem que ocorra qualquer modificação em seu texto. O sentido da Constituição

é alterado, mas seu texto permanece intocável.

A ideia de mutação constitucional foi criada por Laband e, após, foi tratada mais

tecnicamente por Jellinek. Essa ideia surgiu em contraposição à reforma constitucional que

é uma modificação formal, textual da cf.

Temos, basicamente, dois processos informais de alteração da CF:

1. Costumes: muito comuns nos países que adotam o sistema da common law.

Ora, se o costume faz parte da Constituição, ao ser alterado, altera-se também,

consequentemente. Isso vinga no Brasil? Existe costume constitucional no

Brasil? Apenas um: o voto de liderança é uma práxis que existe no

Congresso Nacional feita quando o tema não é objeto de divergência; em vez

de cada congressista votar formalmente, reúnem-se as lideranças que votam no

sentido combinado e aprovam a lei.

2. Interpretação: muito comum no sistema da civil law. Interpretand-se a

Constituição é possível fazer uma mudança informal no conteúdo

constitucional. Aqui se distingue muito bem o texto da norma: o texto é o que

está escrito, enquanto que a norma é o produto da interpretação desse texto,

extraindo-se daquele o real sentido.

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A interpretação do art. 52, X da CF/88 está sendo discutida no STF na Rcl

4.335/AC onde um juiz continua aplicando a lei de crimes hediondos e sua

insuscetibilidade de Dois ministros propõem, então, a mutação

constitucional do citado inciso. A interpretação até h oje é de que o Senado

suspende a execução da lei; só que Gilmar Mendes e Eros Grau votaram a

favor da seguinte ideia: em vez do Senado suspender a execução – o que ele

não estava fazendo – o papel dele passava a ser de Diário Oficial do STF; a

resolução do Senado não serviria para suspender a execução; a própria

decisão do STF já teria essa força, dando a resolução do Senado apenas

publicidade ao conteúdo da decisão do Pretório Excelso.

5.2 Critérios para aferição da legitimidade (Canotilho)

De uma forma geral, a mutação em si é utilizada no Brasil. No entanto, Canotilho

propõe critérios para a aferição da legitimidade da mutação constitucional. Inclusive, vale

relembrar que autores como Daniel Assumpção que pertence à escolha norte-americana

tem um pensamento diverso do que vamos ensinar. Nos filiamos aqui ao posicionamento

contrário, da escola alemã.

São os seguintes critérios propostos por Canotilho:

1. A mutação deve estar contida dentro do programa normativo. Muller chama de

programa normativo o texto da norma; tal serviria como um limite para a

mutação, que deve ser feita desde que o texto (programa normativo) permita

essa mudança de entendimento.

2. A mutação não pode contrariar princípios estruturantes da Constituição, v. g.,

separação dos Poderes, princípio federativo, democrático, etc.

DIREITOS DE NACIONALIDADE

1. Conceito

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Nacionalidade é o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado fazendo

dele um componente do povo. É através da nacionalidade que o indivíduo passa a

pertencer ao povo daquele Estado.

Povo ≠ população. Todos que vivem no Brasil fazem parte da população:

estrangeiros, brasileiros, apátridas, etc. Povo é o conjunto de brasileiros natos e

naturalizados.

2. Espécies de nacionalidade

2.1 Nacionalidade primária / originária

As pessoas que têm a nacionalidade primária são os chamados brasileiro nato e

suas hipóteses estão no art. 12 da CF/88 que será examinado minuciosamente.

A pessoa adquire a nacionalidade originária em razão de um ato natural, um

nascimento, não dependendo de ato de vontade, do desejo dela ou é o local onde nasceu

ou a filiação dela. Então, temos dois critérios para adquirir a nacionalidade primária:

1. Jus soli - critério funcional (critério territorial): nos termos do art. 12, I a,

pessoas nascidas no território brasileiro, ainda que de pais estrangeiro, exceto

no caso de estrangeiros que estão a serviço do seu país de origem.

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais

estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

Não basta que apenas um dos pais esteja a serviço do seu país; ambos os pais

devem estar à serviço do seu Estado de origem;

Os pais devem estar a serviço do próprio país, não podendo estar a serviço de

outro. Exemplo: diplomatas argentinos estão a serviço do Chile e tem filho

no Brasil. O menino não será brasileiro. Cuidado apenas com o caso do

cônsul e sua mulher que apenas a acompanha; mesmo que a mulher não

esteja trabalhando é considerado como que esteja a serviço do seu país.

2. Jus sangüinis + critério funcional (art. 12, I, b): nascidos no estrangeiro, de

pai brasileiro ou mãe brasileiro. Ao contrário da hipótese anterior, não precisa

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que os dois estejam a serviço do Brasil; basta um dos pais ser brasileiro e estar

a serviço da República Federativa do Brasil.

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde

que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

3. Jus sangüinis + residência no Brasil + opção pela nacionalidade brasileira

(art. 12, I, c). Esse critério já estava previsto antes da EC 54/07. Só que havia

um problema dos brasileirinhos apátridas. Antes de 2007 se os filhos de

brasileiros nascessem no exterior, eles somente poderiam ser brasileiros

quando fixassem residência no Brasil; foi o que aconteceu com o filho de

Ronaldo, o Ronald que era filho de pais brasileiros. Ele ficou sem

nacionalidade um tempo. Em 2007 foi aprovada a EC 54 para corrigir esse

problema que acrescentou uma segunda hipótese à alínea “c” do inciso I do art.

12 que é jus sangüini + registro na repartição brasileira competente (no

caso, um consulado).

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe

brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira

competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil

e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade,

pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 54, de 2007)

Se os pais optarem a não fazer o registro no consulado, a criança pode optar

depois pela nacionalidade brasileira, desde que venham a fixar residência no

Brasil, seguindo a regra do início do número 3 acima citado.

Alguns autores sustentam que, além dessas quatro hipóteses acima citadas, haveria

também a nacionalidade originária no caso de adoção, nos termos do art. 227, § 6º da CF.

Ora, como não pode haver diferença de tratamento de filhos, se um brasileiro adota uma

criança estrangeira ela poderá ser reconhecida como brasileiro nato.

Art. 227, § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por

adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer

designações discriminatórias relativas à filiação.

2.2 Nacionalidade secundária / adquirida

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

A pessoa que optar pela nacionalidade brasileira será considerado como brasileiro

naturalizado. Estas hipóteses estão previstas no art. 12, II. Antes de falar especificamente

das hipóteses vamos falar um pouco da naturalização que pode ocorrer de duas formas:

1. Naturalização tácita (grande naturalização): não depende de uma opção

expressa da pessoa, que não precisa manifestar a vontade de adquirir a

nacionalidade; basta que ela não digna nada. Geralmente esse tipo de

naturalização é adotada por países que estão começando a se desenvolver. No

caso do Brasil, em 1824 quando se libertou de Portugal, na CF/1824 em seu

art. 6º: os portugueses que aqui viviam serão tido como brasileiros,

automaticamente, caso não se manifestassem em sentido contrário. Após a

CF/1891 trouxe o mesmo procedimento no art. 69. Já a CF/88 apenas adotou a

naturalização expressa.

Art. 6. São Cidadãos Brazileiros

IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já

residentes no Brazil na época, em que se proclamou a Independencia nas

Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente

pela continuação da sua residencia.

Art 69 - São cidadãos brasileiros:

4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de

1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a

Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem;

5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados

com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no

Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade;

6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados.

Naturalização involuntária ≠ naturalização tácita. Aquela são os casos de que,

por exemplo, em alguns países, a mulher se casou com o marido, ela

adquirirá a nacionalidade do marido. Mesmo ela não querendo, vai adquirir a

nacionalidade. Na Itália se adota esse tipo.

2. Naturalização expressa. A CF/88 apresenta no art. 12, II as seguintes espécies

de naturalização expressa:

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

a) Naturalização ordinária (art. 12, II, “a”):

a.1 São brasileiros naturalizados o que na forma da lei adquiram a

nacionalidade brasileira. Atualmente, a lei que trata desses requisitos é a

Lei 6.815/80, art. 112 e art. 115, § 2º.

Art. 12. São brasileiros:

II - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas

aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um

ano ininterrupto e idoneidade moral;

Art. 112. São condições para a concessão da naturalização:

I - capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - ser registrado como permanente no Brasil;

III - residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de

quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização;

IV - ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do

naturalizando;

V - exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção

própria e da família;

VI - bom procedimento;

VII - inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no

exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão,

abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano; e

VIII - boa saúde.

§ 1º não se exigirá a prova de boa saúde a nenhum estrangeiro que residir

no País há mais de dois anos.

§ 2º verificada, a qualquer tempo, a falsidade ideológica ou material de

qualquer dos requisitos exigidos neste artigo ou nos arts. 113 e 114 desta

Lei, será declarado nulo o ato de naturalização sem prejuízo da ação penal

cabível pela infração cometida

§ 3º A declaração de nulidade a que se refere o parágrafo anterior

processar-se-á administrativamente, no Ministério da Justiça, de ofício ou

mediante representação fundamentada, concedido ao naturalizado, para

defesa, o prazo de quinze dias, contados da notificação.

Art. 115, § 2º. Exigir-se-á a apresentação apenas de documento de

identidade para estrangeiro, atestado policial de residência contínua no

Brasil e atestado policial de antecedentes, passado pelo serviço

competente do lugar de residência no Brasil, quando se tratar de:

I - estrangeiro admitido no Brasil até a idade de 5 (cinco) anos, radicado

definitivamente no território nacional, desde que requeira a naturalização

até 2 (dois) anos após atingir a maioridade;

II - estrangeiro que tenha vindo residir no Brasil antes de atingida a

maioridade e haja feito curso superior em estabelecimento nacional de

ensino, se requerida a naturalização até 1 (um) ano depois da formatura.

§ 3º. Qualquer mudança de nome ou de prenome, posteriormente à

naturalização, só por exceção e motivadamente será permitida, mediante

autorização do Ministro da Justiça.

a.2. Originários dos países de língua portuguesa que possuam 1 (um) ano de

residência ininterrupta e idoneidade moral.

É ato discricionário ou vinculado o ato do Presidente da República –

que geralmente delega para o Ministro da Justiça – que concede a

nacionalidade nesses casos? Segundo o STF trata-se de ato

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

discricionário, de soberania estatal, não tendo como obrigar o

Presidente da República a fazê-lo.

b) Naturalização expressa extraordinária (quinzenária), nos termos do art.

12, II, “b”. Aqui a CF/88 estabelece três requisitos:

b.1. Residência por 15 (quinze) anos ininterruptos;

b.2. Inexistência de condenação penal;

b.3. Opção expressa pela nacionalidade brasileira

Neste caso o ato do Presidente da República é um ato vinculado, tendo o

indivíduo requerente direito público subjetivo caso reúna as condições

constitucionalmente previstas. Se atender os requisitos, o Estado brasileiro

é obrigado a reconhecer a nacionalidade. O STF entende assim porque na

parte final do dispositivo constitucional tem a expressão “desde que

requeira”.

Art. 12. São brasileiros:

II - naturalizados:

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República

Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem

condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

3. Quase nacionalidade

A hipótese de quase nacionalidade está prevista no art. 12, § 1º.

§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver

reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos

inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição

Esta situação apenas se aplica exclusivamente aos portugueses e não a pessoas de

outras nacionalidade, ainda que falem português. Ainda, Portugal deverá estabelecer os

mesmos benefícios aos brasileiros, ou seja, deverá haver reciprocidade. Atualmente não há

essa permissão por parte de Portugal.

A CF/88 não prevê se o português tem os mesmos direitos do brasileiro nato ou do

naturalizado. Obviamente que é do brasileiro naturalizado. Mas cuidado: aos portugueses

equiparados são atribuídos os mesmos direitos dos brasileiros naturalizados ou, em outras

palavras, os mesmos direitos dos brasileiros natos, salvo os casos previstos na CF/88.

4. Diferenças de tratamento entre brasileiros natos e naturalizados

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Primeiramente lembre que a essa diferença de tratamento somente pode ser feita

pela Constituição Federal, nos termos do art. 12, § 2º.

Art. 12, § 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros

natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.

4.1 Cargos privativos de brasileiros natos (art. 12, § 3º)

§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:

I - de Presidente e Vice-Presidente da República;

II - de Presidente da Câmara dos Deputados;

III - de Presidente do Senado Federal;

IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

V - da carreira diplomática;

VI - de oficial das Forças Armadas.

VII - de Ministro de Estado da Defesa

A CF/88 coloca que alguns cargos são privativos de brasileiros natos, com base em

dois critérios:

1. Linha sucessória do Presidente da República. Qualquer cidadão, ainda que

ocupe temporariamente o cargo de Presidente da República deverá ser

brasileiro nato. São os cargos, sucessivamente, de: Presidente da República,

seu vice, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado,

Presidente do STF.

Interessante notar que também serão cargos privativos de brasileiros natos o

Presidente e o vice-presidente do CNJ; isso por causa de uma leitura

sistemática da CF/88, pois o presidente e o vice do CNJ são ministros do STF

e, todos, devem ser brasileiros natos.

2. Segurança nacional. Por razões de segurança nacional as carreiras

diplomáticas, oficiais das Forças Armadas e Ministro de Estado e da Defesa

4.2 Seis assentos do Conselho da República (art. 89, VI)

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O Conselho da República é um órgão de conselho do Presidente da República para

situações extraordinárias. A composição do Conselho conta com 6 (seis) cidadãos,

brasileiros natos.

VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de

idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos

pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com

mandato de três anos, vedada a recondução.

4.3 Propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens

(art. 222)

Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e

de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais

de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e

que tenham sede no País.

A lei não exige que para ser proprietário dessas empresas o brasileiro seja

necessariamente nato. Pode até ser brasileiro naturalizado, mas a naturalização deve ter

ocorrido há, pelo menos, 10 (dez) anos. Essa ressalva é justificada porque? Dizem as más-

línguas que o ex-dono da editora abril precisava dessa ressalva de naturalizados.

4.4 Extradição (art. 5º, LI)

Art. 5º, LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em

caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de

comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins, na forma da lei;

O brasileiro nato não pode ser extraditado em hipótese alguma, ainda que tenha

dupla nacionalidade. Já o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado em duas situações:

1. Crime praticado antes da naturalização

2. Tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins praticados a qualquer

tempo.

O fato de ser casado com brasileira e até mesmo ter filhos com ela não impede a

extradição, nos termos da Súmula 421 do STF.

Súmula 421 do STF. Não impede a extradição a circunstância de ser o

extraditado casado com brasileira ou ter filho brasileiro.

A regra aqui é diferente da expulsão. Na extradição o extraditando praticou um

crime em outros país; na expulsão o estrangeiro praticou ato nocivo no Brasil e, por isso,

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

será ele expulso do território brasileiro. As hipóteses em que o estrangeiro pode ser

expulso está disciplinado na Lei 6.815, art. 65 que deve ser lida em conjunto com a Súmula

01 do STF:

Súmula 01 do STF. É vedada a expulsão de estrangeiro casado com

brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna.

Art. 65. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma,

atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a

tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo

procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.

Parágrafo único. É passível, também, de expulsão o estrangeiro que:

a) praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil;

b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se

retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo

aconselhável a deportação;

c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou

d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro.

Art. 66. Caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre

a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação.

Parágrafo único. A medida expulsória ou a sua revogação far-se-á por

decreto.

Art. 67. Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do

estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido

condenação.

Art. 68. Os órgãos do Ministério Público remeterão ao Ministério da

Justiça, de ofício, até trinta dias após o trânsito em julgado, cópia da

sentença condenatória de estrangeiro autor de crime doloso ou de qualquer

crime contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a economia

popular, a moralidade ou a saúde pública, assim como da folha de

antecedentes penais constantes dos autos.

Parágrafo único. O Ministro da Justiça, recebidos os documentos

mencionados neste artigo, determinará a instauração de inquérito para a

expulsão do estrangeiro.

Art. 69. O Ministro da Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a

prisão, por 90 (noventa) dias, do estrangeiro submetido a processo de

expulsão e, para concluir o inquérito ou assegurar a execução da medida,

prorrogá-la por igual prazo.

Parágrafo único. Em caso de medida interposta junto ao Poder Judiciário

que suspenda, provisoriamente, a efetivação do ato expulsório, o prazo de

prisão de que trata a parte final do caput deste artigo ficará interrompido,

até a decisão definitiva do Tribunal a que estiver submetido o feito.

Art. 70. Compete ao Ministro da Justiça, de ofício ou acolhendo

solicitação fundamentada, determinar a instauração de inquérito para a

expulsão do estrangeiro.

Art. 71. Nos casos de infração contra a segurança nacional, a ordem

política ou social e a economia popular, assim como nos casos de

comércio, posse ou facilitação de uso indevido de substância entorpecente

ou que determine dependência física ou psíquica, ou de desrespeito à

proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro, o inquérito será

sumário e não excederá o prazo de quinze dias, dentro do qual fica

assegurado ao expulsando o direito de defesa.

Art. 72. Salvo as hipóteses previstas no artigo anterior, caberá pedido de

reconsideração no prazo de 10 (dez) dias, a contar da publicação do

decreto de expulsão, no Diário Oficial da União.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Art. 73. O estrangeiro, cuja prisão não se torne necessária, ou que tenha o

prazo desta vencido, permanecerá em liberdade vigiada, em lugar

designado pelo Ministério da Justiça, e guardará as normas de

comportamento que lhe forem estabelecidas.

Parágrafo único. Descumprida qualquer das normas fixadas de

conformidade com o disposto neste artigo ou no seguinte, o Ministro da

Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a prisão administrativa do

estrangeiro, cujo prazo não excederá a 90 (noventa) dias.

Art. 74. O Ministro da Justiça poderá modificar, de ofício ou a pedido, as

normas de conduta impostas ao estrangeiro e designar outro lugar para a

sua residência.

Art. 75. Não se procederá à expulsão:

I - se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou

II - quando o estrangeiro tiver:

a) Cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato

ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5

(cinco) anos; ou

b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele

dependa economicamente.

§ 1º. não constituem impedimento à expulsão a adoção ou o

reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o motivar.

§ 2º. Verificados o abandono do filho, o divórcio ou a separação, de fato

ou de direito, a expulsão poderá efetivar-se a qualquer tempo.

Já a deportação é a devolução compulsória de um estrangeiro que tenha entrado de

forma irregular no país. As hipóteses de deportação estão na Lei 6.815, arts. 57 e 58.

Art. 57. Nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se este

não se retirar voluntariamente do território nacional no prazo fixado em

Regulamento, será promovida sua deportação.

§ 1º Será igualmente deportado o estrangeiro que infringir o disposto nos

artigos 21, § 2º, 24, 37, § 2º, 98 a 101, §§ 1º ou 2º do artigo 104 ou artigo

105.

§ 2º Desde que conveniente aos interesses nacionais, a deportação far-se-á

independentemente da fixação do prazo de que trata o caput deste artigo.

Art. 58. A deportação consistirá na saída compulsória do estrangeiro.

Parágrafo único. A deportação far-se-á para o país da nacionalidade ou de

procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo.

Art. 59. Não sendo apurada a responsabilidade do transportador pelas

despesas com a retirada do estrangeiro, nem podendo este ou terceiro por

ela responder, serão as mesmas custeadas pelo Tesouro Nacional..

Art. 60. O estrangeiro poderá ser dispensado de quaisquer penalidades

relativas à entrada ou estada irregular no Brasil ou formalidade cujo

cumprimento possa dificultar a deportação.

Art. 61. O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser

recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de

sessenta dias.

Parágrafo único. Sempre que não for possível, dentro do prazo previsto

neste artigo, determinar-se a identidade do deportando ou obter-se

documento de viagem para promover a sua retirada, a prisão poderá ser

prorrogada por igual período, findo o qual será ele posto em liberdade,

aplicando-se o disposto no artigo 73.

Art. 62. Não sendo exeqüível a deportação ou quando existirem indícios

sérios de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro, proceder-se-á

à sua expulsão.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Art. 63. Não se procederá à deportação se implicar em extradição

inadmitida pela lei brasileira.

Art. 64. O deportado só poderá reingressar no território nacional se

ressarcir o Tesouro Nacional, com correção monetária, das despesas com

a sua deportação e efetuar, se for o caso, o pagamento da multa devida à

época, também corrigida.

Nenhuma dessas hipóteses se confunde com a “entrega”(surrender) que está no

Estatuto do Tribunal Penal Internacional. A natureza e a finalidade da entrega são bem

diferentes da extradição: nesta última o estrangeiro será entregue para o seu país de origem

para ser lá julgado. Já na entrega ela não será julgada por um tribunal de outro país, e sim

por uma jurisdição internacional da qual o Brasil faz parte e manifestou expressamente a

sua aquiescência. Nesse caso, do Tribunal Penal Internacional, como o Brasil adotou este

tratado sem ressalvas será possível até a entrega de brasileiro nato.

Esquematicamente as diferenças acima:

Extradição Expulsão Deportação Entrega (surrender)

Consiste na entrega de uma pessoa a um outro Estado, em razão de um crime nele praticado para que seja julgada segundo as suas leis.

Consiste na retirada à força, do território brasileiro, de um estrangeiro que tenha praticado atos tipificados no art. 65 da lei 6.815/80.

Consiste na devolução compulsória que tenha entrado ou esteja de forma irregular no território nacional.

Consiste na entrega de um indivíduo a um Tribunal Penal Internacional para que seja julgado por ele (inclusive para nacionais natos).

O extraditando não cometeu nenhum crime no Brasil.

O estrangeiro não praticou nenhum crime no Brasil, mas sim um ato nocivo dentro do território nacional.

Irá para seu Estado de origem ou para qualquer outro Estado que o aceite.

4.4.1 Questões especiais acerca da extradição

A) O Brasil adota o sistema da contenciosidade limitada pela Lei 6.815/80. Quando um

Estado estrangeiro faz um requerimento da extradição para o Brasil o Supremo não irá

analisar o mérito da questão. Ao falar em contenciosidade limitada quer dizer que o

processo de extradição se limita à análise dos pressupostos necessários à extradição.

B) No art. 5º, LII da CF/88 não se admite extradição em caso de crime político ou de

opinião. O que acontece quando há um entrelaçamento entre crime político e crime

comum? Nesta hipótese o Estatuto do Estrangeiro admite mesmo assim a extradição;

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todavia, segundo entendimento do STF nos casos de entrelaçamento entre crime comum e

de opinião a extradição deve ser indeferida.

LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou

de opinião;

C) Princípio da dupla punibilidade. A extradição só é autorizada quando o fato é punível

nos dois Estados. Não basta que o fato seja típico e ilícito; ele deve ser punível. Portanto,

se o crime estiver prescrito aqui ou lá no Estado estrangeiro, o Brasil através do Supremo

não autorizará a extradição.

D) Princípio da especialidade. O extraditando só poderá ser processado pelos crimes que

foram objeto do pedido de extradição. Se, eventualmente, ficar descoberto que o agente

praticou outros crimes, o Estado estrangeiro deve fazer um pedido de extensão ao Brasil

que para que ele seja julgado por outros crimes.

E) Comutação da pena. Quando a pena é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro o

Supremo só autoriza a extradição se houver comutação da pena. No art. 5º, XLVII há o rol

das penas que não se admitem no Brasil; o Estado estrangeiro deverá respeitar tal e, se

prever penas cruéis, por exemplo, estabelecer pena privativa de liberdade de até 30 anos.

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,

XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

F) Retroatividade dos tratados. A assinatura do tratado de extradição pode ser posterior

ao fato que se deseja regular. Esse entendimento é porque a extradição não é matéria penal.

5. Perda da nacionalidade

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As hipóteses da perda de nacionalidade estão no art. 12, § 4º da CF/88 e pode

ocorrer, basicamente, em duas situações:

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de

atividade nociva ao interesse nacional;

II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos:

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro

residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu

território ou para o exercício de direitos civis;

1. Ação de cancelamento da naturalização. A naturalização pode ser cancelada

quando:

a) O estrangeiro pratica ato nocivo contra o Estado brasileiro. Cuidado,

pois essa hipótese só vale para brasileiros naturalizados. Se a naturalização

for perdida ele só pode recuperá-la via ação rescisória, não podendo,

futuramente, tentar novamente, se naturalizar.

b) Naturalização voluntária. É quando o brasileiro voluntariamente adquire

outra nacionalidade. Quando o brasileiro adquire, porque assim deseja, outra

nacionalidade, perde a brasileira, inclusive se for nato. Todavia, há exceções

no texto constitucional:

b.1. Para brasileiros natos. No caso de reconhecimento de nacionalidade

originária pela lei estrangeira, o Exemplo: a Itália admite dupla

nacionalidade caso haja pais ou avós italianos. O brasileiro nato que

queira ter a dupla nacionalidade com a Itália ele não perde a

nacionalidade brasileira; agora, se for brasileiro naturalizado e quiser se

naturalizar italiano, nesse caso perde.

b.2. Nacionalidade involuntária. Caso o brasileiro nato ou naturalizado

queira permanecer em território estrangeiro para fixar residência ou

exercer profissão e a lei estrangeira imponha naturalização como

condição de permanência ou para exercício de direitos civis, o brasileiro

não perderá a nacionalidade brasileira.

Obs.: vamos supor que o brasileiro nato quer optar por ser nacional de outro país e

consegue. Ele deixa de ser brasileiro e passa a ser estrangeiro. Após um período ele muda

de ideia e quer ser brasileiro de novo. O que ele pode fazer? Vimos que se fosse brasileiro

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

naturalizado não poderia solicitar a nacionalidade brasileira. Mas o nato pode. E se ele

quiser retomá-la novamente ele adquirirá a condição de brasileiro nato ou naturalizado? O

STF não tem decisão sobre o assunto e na doutrina há divergências. O professor José

Afonso da Silva entende que o brasileiro nato retornaria na mesma condição; outros

autores como Valério Mazuolli e Alexandre de Morais defendem que o brasileiro nato

somente poderá voltar como naturalizado o argumento é que para aquisição da

nacionalidade originária brasileira depende-se de um ato natural; se a pessoa tem vontade

de se tornar nacional brasileiro é caso de nacionalidade adquirida, e portanto, de um

naturalizado.

Aula 17 – 01/07/2011

DIREITOS POLÍTICOS

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

1. Classificação

Os direitos políticos costumam a ser classificados em dois grupos:

1. Direitos políticos positivos: são aqueles que permitem a participação do

indivíduo na vida política do Estado, seja votando, sendo votado, participando

de referendo, etc. Esses direitos se subdividem em três espécies:

a) Direito de sufrágio: é a essência do direito político em si, sendo através dele

que o cidadão participa da vida política do Estado. O sufrágio costuma ser

classificado em duas espécies:

Sufrágio universal: possibilita a participação de todos os indivíduos sem

estabelecer determinadas condições. A CF/88 no art. 60, § 4º fala que voto

é um direito universal; todavia é terminologicamente errado, devendo ter

falado em direito de sufrágio, de participar do processo eleitoral; e tal é

uma cláusula pétrea.

Sufrágio restrito: exige determinadas condições relacionadas aos

indivíduos, não sendo meros requisitos formais como a idade, e sim

condições discriminatórias que podem ser de três espécies:

o Sufrágio restritivo censitário: exige do indivíduo uma determinada

condição econômica para que ele participe, v. g., determinadas rendas

ou bens. Nas duas primeiras Constituições brasileiras foi adotado esse

tipo de sufrágio;

o Sufrágio restritivo capacitário: exige uma capacidade especial,

geralmente de natureza intelectual. Exemplo: determinados sistemas

somente permitiam a participação de pessoas com curso superior.

o Sufrágio restrito em razão do sexo: adotado pelo Brasil até a década de

1930; a mulher só passou a ter direito de voto com a reforma política de

1932. Antes da CF/1934 não havia tal permissão.

b) Alistabilidade: é uma capacidade eleitoral ativa, ou seja, é o direito de votar,

de participar. Quando se fala em alistabilidade estamos englobando o direito

de participar das eleições. Aqui tem uma questão importante que são as

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características que o voto tem no direito brasileiro de acordo com a CF/88

Vamos examiná-las:

Voto direto: escolhemos diretamente os nossos representantes (tal é

cláusual pétrea): vereadores, prefeitos, deputados, etc. No entanto, temos

uma exceção prevista no art. 81, § 1º da CF que permite a eleição indireta:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República,

far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período

presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da

última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

o A vacância é de ambos os cargos ao mesmo tempo!

o Essa norma, para o Supremo, não é de observância obrigatória pelos

Estados-membros, podendo a Constituição estadual prever de modo

diverso.

Voto igual para todos: o voto de todas as pessoas tem o mesmo peso,

valor. A jurisprudência norte-americana utiliza-se da famosa expressão,

one person, one vote desde 1964. Essa previsão, no Brasil, está no caput

do art. 14:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo

voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,

mediante

Voto periódico: a periodicidade do voto decorre da periodicidade das

eleições, sendo tal uma característica da República e estabelecido na nossa

Constituição como cláusula pétrea.

Voto livre. Para assegurar a liberdade do voto, um dos mecanismos que a

CF/88 consagra é o escrutínio secreto. Quem é secreto não é o voto, e sim

o escrutínio – a maneira que você exerce o voto. A CF comete dois

equívocos: quando fala em voto universal, é sufrágio secreto, e, quando

fala em voto secreto, é escrutínio. O escrutínio é o modo como o direito de

voto é exercido.

Voto personalíssimo. O direito de votar é intransferível, inegociável,

somente o próprio indivíduo pode exercê-lo.

Quem são os inalistáveis? Quem não pode ser eleitor? A CF/88 afirma que

são inalistáveis os estrangeiros e os conscritos. Aqui temos duas questões

importantes:

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

o Por que os estrangeiros são inalistáveis? Só pode exercer direitos

políticos aquele que tem a nacionalidade brasileiro, natural ou

naturalizada. O estrangeiro não tem esse pré-requisito para exercer

direitos políticos; todavia, existe uma exceção: os portugueses

equiparados (quase-nacionalidade do art. 12, § 1º já estudada).

Havendo reciprocidade por parte de Portugal no mesmo sentido para os

brasileiros com residência permanente naquele país, os portugueses

equiparados poderão votar.

o No que tange aos conscritos, a lei que regulamenta sua situação é a Lei

5.292/67. De acordo com esse diploma, o conceito de conscrito abrange

médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários durante o período do

serviço militar obrigatório. E qual o motivo dessa vedação ao

alistamento? O principal motivo é a hierarquia militar que é muito forte

e pode forçar aos conscritos a votar em alguém.

A CF/88 estabelece que tanto o alistamento eleitoral, quanto o voto, são

obrigatórios para alguns e facultativos para outros. De acordo com a

CF/88 o alistamento e o voto são obrigatórios para os que tem entre 18

(dezoito) e 70 (setenta) anos; é facultativo para os que tem entre 16

(dezesseis) e 18 (dezoito), para os que tem mais de 70 (setenta) anos e

para os analfabetos. Vejamos a redação do § 1º do art. 14:

§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II - facultativos para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

o Essas pessoas, mesmo que estejam alistadas, não podem ser obrigadas a

votar. Vejamos também o § 2º do art. 14 que fala nos inalistáveis:

§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o

período do serviço militar obrigatório, os conscritos.

c) Elegibilidade: é a capacidade eleitoral passiva, o direito de ser votados. No

Brasil, somente a partir dos 35 (trinta e cinco) anos se atinge a plena cidadania,

ou seja, o direito de ser votado para qualquer cargo, inclusive de Presidente da

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República e Senador; 30 (trinta) anos para Governador; 20 (vinte) anos para

prefeitos, deputado e juiz de paz; por fim, 18 (dezoito) anos para vereador.

Em que momento se exige a idade mínima e as demais condições de

elegibilidade? No momento da inscrição da candidatura ou apenas na posse?

As condições de elegibilidade e as hipóteses de inelegibilidades são

verificadas no registro da candidatura. Com relação à idade mínima a

situação é diversa: apesar dela ser condição de elegibilidade, deve ser

analisada no momento da posse, com fulcro na Lei 9.504/97, art. 11, § 2º.

§ 2º A idade mínima constitucionalmente estabelecida como condição de

elegibilidade é verificada tendo por referência a data da posse.

O art. 14, § 3º da CF/88 elenca as condições de elegibilidade. Existe no

STF várias ações questionando o “na forma da lei”, se seria lei ordinária

ou constitucional. Essa dúvida existia em face do § 9º do mesmo artigo. O

STF firmou entendimento de que as condições de elegibilidade a serem

regulamentadas por lei ordinária não se confundem com as hipóteses de

inelegibilidades a serem estabelecidas por lei complementar

§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral para ser elegível, tem que ser alistável;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e

Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito

Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital,

Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os

prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a

moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do

candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência

do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego

na administração direta ou indireta.

o Elegibilidade não se confunde com hipóteses de inelegibilidade: os

primeiros são direitos políticos positivos, os segundos, negativo

2. Direitos políticos negativos: são aqueles que estabelecem privações ou

restrições ao exercício dos direitos políticos. São espécies de direitos políticos

negativos:

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a) Inelegibilidade:

Inelegibilidade absoluta: estão previstas no art. 14, § 4º da CF/88 e tem

duas características:

o Só pode ser estabelecida pela própria CF/88. Lei infraconstitucional

não pode criar novas hipóteses, apenas a Lei Maior;

o Não admite desincompatibilização, por estar relacionada a uma

condição pessoal.

§ 4º - São inelegíveis ABSOLUTAMENTE os inalistáveis e os

analfabetos este último não pode ser votado, apenas votar.

Inelegibilidade relativa: podem ser estabelecidas por lei complementar e,

alguns casos admitem desincompatibilização. Quem rege o assunto é a LC

64/1990, alterada recentemente pela lei da ficha limpa.

Vale lembrar que existem inelegibilidades com relação a ocupantes de

cargos:

o Militares (art. 14, § 8º da CF);

o Membros da magistratura (art. 95, parágrafo único, inciso III);

o Membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, II, “e”).

Existem inelegibilidades constitucionais de cargos eletivos relacionadas a

chefe de cargos do Poder Executivo com duas regras:

o Para o mesmo cargo (art. 14, § 5º);

§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito

Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso

dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.

+ Tem se discutido quanto a questão dos vices, se eles poderiam ter

um terceiro mandato consecutivo. Veja que o § 5º fala em quem

houver sucedido ou substituído o chefe do Executivo, o que torna

impossível a tentativa de segunda reeleição consecutiva. É a lógica

do artigo. O STF, todavia, no RE 366.488/SP firmou o entendimento

que a simples substituição não deve ser computada para fins de

reeleição. O Pretório fez uma interpretação restritiva do § 5º do art.

14 da CF/88 que foi escrito pelo constituinte derivado

STF, RE 366.488

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. VICE-GOVERNADOR

ELEITO DUAS VEZES CONSECUTIVAS: EXERCÍCIO DO CARGO

DE GOVERNADOR POR SUCESSÃO DO TITULAR: REELEIÇÃO:

POSSIBILIDADE. CF, art. 14, § 5º. I. - Vice-governador eleito duas

vezes para o cargo de vice-governador. No segundo mandato de vice,

sucedeu o titular. Certo que, no seu primeiro mandato de vice, teria

substituído o governador. Possibilidade de reeleger-se ao cargo de

governador, porque o exercício da titularidade do cargo dá-se mediante

eleição ou por sucessão. Somente quando sucedeu o titular é que passou a

exercer o seu primeiro mandato como titular do cargo. II. - Inteligência do

disposto no § 5º do art. 14 da Constituição Federal. III. - RE conhecidos e

improvidos.

o Para outros cargos (art. 14, § 6º)Quando o chefe do Executivo quer

concorrer a outros cargos, que não o que ele exercia, ele tem que se

desincompatibilizar 6 (seis) meses antes da eleição.

§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os

Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem

renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

Inelegibilidade reflexa: disposta no § 7º do art. 14:

§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os

parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do

Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do

Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos

seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e

candidato à reeleição.

o O STF sobre o tema tem a súmula vinculante nº 18. Essa súmula veio

no seguinte contexto: alguns chefes do Executivo estavam se

divorciando durante o mandado para burlar essa norma constitucional.

A súmula vinculante vai justamente contra essa burla.

SÚMULA VINCULANTE Nº 18. A DISSOLUÇAO DA SOCIEDADE

OU DO VÍNCULO CONJUGAL, NO CURSO DO MANDATO, NAO

AFASTA A INELEGIBILIDADE PREVISTA NO 7º DO

ARTIGO 14DA CONSTITUIÇAO FEDERAL.

b) Perdas e suspensão dos direitos políticos. A doutrina diferencia perda de

suspensão, sendo a primeira definitiva, e a segunda, temporária. E no que

tange à cassação de direitos políticos (retirada arbitrária), é possível?

Vejamos a redação do art. 15 da CF/88:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou

suspensão só se dará nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus

efeitos;

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IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa,

nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Perda privação definitiva. Hipóteses:

o Cancelamento de naturalização (inciso I)

o A maioria da doutrina entende que o inciso IV é hipótese de perda.

Suspensão privação temporária. Hipóteses:

o Incapacidade civil absoluta (inciso II)

o Condenação criminal transitada em julgado, enquanto duraram os seus

efeitos (inciso III). Até a extinção da punibilidade.

o Escusa de consciência (inciso IV) A partir do momento em que a

pessoa regulariza essa situação pode voltar a exercer os seus direitos (a

lei eleitoral fala em suspensão). A grande maioria dos autores de

Direito Constitucional entende que é hipótese de perda (José Afonso,

Kildare Carvalho, Alexandre de Moraes, etc).

o Condenação por improbidade administrativa. Na sentença deverá

constar a suspensão dos direitos políticos.

CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO

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São formas diferentes de observar o mesmo fenômeno: a Constituição, e varia de

acordo com o tempo. Cada uma das concepções vê a Constituição sob um determinado

fundamento. As concepções mais tradicionais serão estudadas abaixo.

1. Concepção sociológica (Ferdinand Lassale)

Em 1862, Ferdinand Lassale defendeu a concepção sociológica em uma reunião

com a classe trabalhadora. Para compreender a visão de Lassale temos que fazer a

distinção entre:

1. Constituição escrita / jurídica: é o documento do Estado elaborada pelo Poder

Constituinte originário.

2. Constituição real / efetiva: é aquela formada pela soma dos fatores reais de

poder que regem uma determinada nação.

Para Lassale, a Constituição é formada não pelo que está escrito, e sim pelos

poderes reais que regem uma nação, por exemplo, os detentores do poder político (chefes

de Estado), poder econômico (banqueiros), poder religioso (sacerdotes), etc. Se a

Constituição efetiva não se identifica com a efetiva, segundo Lassale, deve prevalecer a

constituição real, posto que é uma visão sociológica. Lassale entende que se a Constituição

escrita não corresponde à realidade ela seria uma mera folha da papel.

2. Concepção política (Carl Schmitt)

Schmitt busca na política o fundamento de constituição. Ele adota o conceito

decisionista de constituição.

A concepção política é do ano de 1928 e segundo tal, o fundamento da Constituição

se encontra na decisão política fundamental que a antecede. E aí Schmitt faz a distinção

entre: constituição propriamente dita que são aquelas normas que decorrem de uma

decisão política fundamental, v. g., direitos fundamentais, estrutura do Estado, organização

dos Poderes, etc., enquanto as demais normas são apenas leis constitucionais. As outras

leis constitucionais com relação à Constituição propriamente dita, são normas formalmente

iguais, mas materialmente distintas, podendo até ter sido tratadas por lei ordinária.

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3. Concepção jurídica (Hans Kelsen)

A primeira edição da teoria pura do direito foi de 1925, sendo, Kelsen, portanto,

contemporâneo de Carl Schmitt. Para Kelsen, o guardião da Constituição deveria ser o

Tribunal Constitucional, enquanto para Schmitt o guardião seria o Reich.

Segundo Hans Kelsen, a Constituição é formada por um conjunto de normas e,

portanto, é uma lei como todas as demais, cujo fundamento se encontra no plano jurídico.

O filósofo no direito não precisa recorrer à sociologia, política ou histórica para buscar o

fundamento da Constituição, segundo Kelsen: ela é lei, tendo, portanto, fundamento no

plano jurídico. É aqui que entra a distinção entre o ser o dever-ser a lei estabelece não o

que é, e sim o que deve ser.

Kelsen faz a seguinte distinção:

1. Constituição em sentido lógico-jurídico. Kelsen questiona: onde está escrito

que eu tenho que obedecer a Constituicão? Onde está o fundamento dela? Aí

ele cria uma teoria: temos que respeitar a Constituição, pois acima dela está a

norma fundamental hipotética. Segundo Hans a norma fundamental hipotética

é justamente a Constituição em sentido lógico jurídico. E por que ela é

hipotética? Pois, é uma norma suposta, e não posta toda sociedade partiria

do pressuposto que essa norma existe para que a Constituição exista.

De acordo com Kelsen o conteúdo da norma hipotética seria: todos devem

obedecer a Constituição.

2. Constituição em sentido jurídico-positivo: é a Constituição escrita em si.

4. Concepção normativa / naturalística / culturalística (Konrad Hesse)

CF/88

Leis infraconstitucionais

Norma fundamental hipotética

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Konrad Hesse defendeu essa tese em 1959 no seu livro “A força normativa da

Constituição”. A tese dele tem um contexto pós 2ª guerra mundial. A Constituição deixou

de ser vista como um instrumento político, passando a ser norma efetiva.

Essa concepção foi desenvolvida para combater a tese de Ferdinand Lassale. De

acordo com Hesse, ainda que seja inegável que, muitas vezes, uma Constituição jurídica

possa sucumbir a uma realidade, deve se atribuir a essa Constituição uma força normativa

capaz de modificar esta mesma realidade; para isso é necessário que exista uma “vontade

de Constituição”, e não apenas uma “vontade de poder”. Hesse não nega o pensamento de

Lassale, mas se entendermos que o papel da Constituição escrita é apenas descrever o que

acontece na realidade, tal será indigno de qualquer ciência. A Constituição deve mudar a

realidade, e não apenas descrevê-la.

MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

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Por que as Constituições tem que ter método distinto de intepretação distinto das

leis? Um dos principais fatores para a necessidade de métodos específicos de interpretação

da Constituição é a estrutura aberta das suas normas, sobretudo as de direitos

fundamentais.

Ernst Bockenförde elenca cinco métodos. Vamos estudá-los.

1. Método hermenêutico clássico / jurídico ( Ernst Forsthoff)

Forsthoff afirma que a Constituição é uma lei como as demais, razão pela qual deve

ser interpretada pelos mesmos métodos tradicionais utilizados na interpretação das leis.

Vai de encontro ao pensamento predominantemente adotado por Ernst Bockenförde.

Forsthoff parte da tese da identidade entre lei e Constituição, sendo esta última

também uma lei como algumas peculiaridades, devendo ser interpretado junto com as

demais leis do ordenamento jurídico. Aqui fica a dica: é método clássico, pois se utiliza

dos elementos clássicos desenvolvidos por Savigny para a interpretação das leis:

gramatical (literal), histórico, lógico e sistemático.

Crítica: esses elementos desenvolvidos por Savigny para o direito privado são

insuficientes para dar conta das complexidades envolvendo a interpretação constitucional.

Exemplo: aborto por anencefalia, união homoafetiva, etc.

2. Método científico-espiritual / valorativo / integrativo / sociológico (Rudolf Smend)

Smend busca os valores subjacentes à Constituição, o seu espírito por trás de suas

normas. Foi o que o STF fez na união homoafetiva, interpretando os dispositivos do CC/02

à luz de princípios constitucionais.

Por ser a Constituição o principal elemento de integração comunitária, o intérprete

deve buscar soluções que favoreçam a sua unidade. Devemos interpretar as normas

constitucionais como um todo, e não isoladamente – lembra a interpretação sistemática.

O método pode ser chamado de sociológico, pois leva em consideração fatores

extraconstitucionais, como a realidade social. Canotilho fala que esse método tem uma

interpretação muito mais feição política do que propriamente jurídica.

3. Método tópico-problemático (Theodor Viëhwheg)

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Tópico porque é um método baseado em “topus” (plural: topoi) que significa uma

forma de raciocónio, de argumentação, esquema de pensamento. Os topoi são extraídos da

jurisprudência, doutrina ou do senso comum. Exemplo: a mulher de César não basta ser

honesta, e sim parecer honesta.

E por que se chama tópico-problemático? Pois trata-se de um método de

argumentação em torno de um problema a ser resolvido. Aquele que tiver o argumento

mais convincente irá prevalecer. Exemplo: consenso na Corte de que a liberação da marcha

da maconha é plausível, não podendo o legislador editar norma em contrário, visto que a

decisão foi unânime.

Crítica: a solução deve partir da norma para o problema, e não o inverso. As

pessoas que estão reunidas diante do problema, partem do problema para aplicar a norma,

quando deveria ser o contrário. O ministro Marco Aurélio uma vez afirmou que “quando

tenho um caso difícil, geralmente formulo entendimento mais justo, uma pré-compreensão

e, a partir dese pré-entendimento, vou para o ordenamento jurídico buscar a

fundamentação.” Veja que ele parte do problema para a norma. É perigoso, pois gera uma

verdadeira casuística.

4. Método hermenêutico concretizador (Konrad Hesse)

Esse método concretizador é o principal responsável pelo catálogo de princípios

instrumentais (unidade, força normativa, concordância prática, relatividade, etc.). Tais

princípios fazem parte do catálogo de Konrad Hesse.

O método hermenêutico concretizador parte da ideia que interpretação e aplicação

constituem um processo unitário. Só tem como se falar em interpretação se for para aplicar

a norma em um caso concreto: não é possível fazer uma interpretação abstrata, isso é, sem

a presença de um caso concreto. Só há interpretação se houver aplicação, sendo duas

coisas inseparáveis.

Para o método hermenêutico concretizador há três elementos básicos:

1. Norma a ser concretizada;

2. Problema a ser resolvido;

3. Compreensão prévia do intérprete.

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A principal diferença deste método para o anterior é que nele há uma primazia da

norma sobre o problema a ser resolvido. No método tópico-problemático se parte do

problema para a norma; no hermenêutico-concretizador da norma para o problema.

5. Método normativo-estruturante (Friedrich Müller)

O método normativo-estruturante é também um método concretista: a

concretização da norma constitucional é estruturada por Müller através de vários elementos

que são etapas na concretização. Müller estabelece uma estrutura que o intérprete irá

utilizar para que a norma constitucional seja concretizada. A norma vai sendo concretizada

a partir dos seguintes elementos:

1. Elementos metodológicos: são os elementos tradicionais de interpretação de

Savigny + princípios instrumentais do Konrad Hesse.

2. Elementos dogmáticos: doutrina e jurisprudência.

3. Elementos teóricos: fornecidos pela teoria da Constituição.

4. Elementos de política constitucional: reserva do possível.

6. Sociedade aberta dos intérpretes (Peter Härbele)

Sociedade aberta de interpretes constitucionais”: significa que a Constituição é um

documento tão importante, que toda a sociedade deve debater sobre a Constituição (Peter

Haberle). No processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados

todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo

possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes

da Constituição.”

Isso não significa, é certo, que qualquer pessoa possa deixar de cumprir

determinada regra por interpretá-la como contrária à Constituição. Nem Häberle chega a

insinuar isso, sua tese reconhece a autoridade da jurisdição constitucional para declarar, em

última instância, o sentido das regras e princípios inscritos na Constituição, mas inova ao

indicar que esse processo (de compreensão e realização dessas regras e princípios) não se

dá exclusivamente no interior dos Tribunais e que, em certa medida, pode até afetar a

decisão dos juízes.

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

Vamos nesse tópico fazer um estudo da história das Constituições brasileiras e seus

contextos, tomando como base o livro de Paulo Bonavides e Paes de Andrade: “As

constituições brasileiras”.

A Constituição dos EUA é de 1787. Por volta de 1864 (início da guerra da

secessão), a Suprema Corte afirmou que a escravidão era constitucional. Em 1950 a

suprema corte entendeu que as leis estaduais que proibiam casamentos inter-raciais eram

constitucionais. Em 1960 – alguns estados não permitiam que negros votassem.

1. Constituição de 1824

1.1 Contexto histórico

Em 1777, assume o Trono de Portugal D. Maria e afasta o Marquês de Pombal. Ao

assumir o Trono, D. Maria marca uma política chamada de “Política da Viradeira”. Até

1777, Portugal não travava relações comerciais com a Inglaterra. A partir deste ano

Portugal passa a ter uma dependência econômico-comercial com a Inglaterra (maior

potência da época). Em 1785, D. Maria edita um alvará que proíbe a construção de

manufaturas (indústrias) no Brasil, ou seja, proíbe a industrialização do Brasil, para que o

Brasil continue a ser dependente de Portugal, por consequência à Inglaterra.

Em 1789 se dá a Revolução Francesa D. Maria proíbe que as ideias da Revolução

Francesa fosse divulgados em Portugal e no Brasil. Isso não deu certo, pois os

Inconfidentes de MG mantinham cartas com os revolucionários franceses.

Em 1804, Napoleão editou o Código Civil napoleônico. Neste Código Civil

lei=direito e contrato=lei entre as partes. Em 1806, Napoleão editou o bloqueio

continental. Proibição francesa às nações europeias de comercializar com a Inglaterra; só

que desde 1777, Portugal tinha dependência comercial da Inglaterra.

Em novembro de 1807, a família real portuguesa sai de Portugal e chega no Brasil

em 1808, e com ela mais ou menos 15.000 portugueses. Algumas consequências da

chegada da família real ao Brasil (1808)

Abertura dos portos para as nações amigas (Inglaterra)

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Revogação do alvará de D. Maria de 1785, permitindo a construção de

manufaturas no Brasil (início da industrialização no Brasil).

Criação do Banco do Brasil, incentivado pelo Visconde de Cairú (José da Silva

Lisboa).

Europeização do Brasil (passamos a seguir a cultura europeia).

Regra da extraterritorialidade (por influência da Inglaterra): todo cidadão inglês

no Brasil só poderia ser julgado por juízes ingleses com base nos costumes

ingleses: era uma verdadeira imunidade de jurisdição dos ingleses no Brasil.

Todos os produtos que entrassem no Brasil pagavam uma taxa para entrar. Os

produtos ingleses pagavam taxas mais baixas até do que os produtos

portugueses que eram importados.

Entre 1814-1815 inicia-se na Europa o Congresso de Viena: foi a convenção dos

monarcas europeus que haviam sido afastados por Napoleão, e que redesenhou a Europa.

Foi criada a Santa Aliança (força militar para lutar contra os ideais da Revolução

Francesa). Ficou proibida a participação de D. João VI no Congresso de Viena, pois ele

não estava no Trono em Portugal, mas sim numa colônia d’além mar (Brasil). Para que D.

João VI participasse do Congresso de Viena, D. João VI elevou o Brasil à categoria de

Reino Unido a Portugal e Algarves. Neste momento deixou o Brasil de ser uma colônia de

Portugal. Logo, os representantes de D. João VI participaram no Congresso de Viena.

Em 1820, ocorreu em Portugal a Revolução do Porto (Portugal) que tinha como

líderes grandes aristocratas (comerciantes) portugueses e tinha os seguintes objetivos:

A volta de D. João VI para Portugal.

Recolonização do Brasil.

Dar a Portugal uma nova Constituição. Até que existisse esta nova constituição,

vigeria a Constituição espanhola de Cádiz.

Atendendo às solicitações dos revolucionários do Porto, D. João VI volta para

Portugal. Qualquer decisão que implicasse imposição de poder, haveria que sair de

Portugal. D. João VI ordenou que D. Pedro voltasse; D. Pedro disse que ficaria (Dia do

Fico). Assim, em 7 de setembro de 1822 se deu a independência do Brasil com a

convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, sendo que no seio desta assembléia

formam-se dois grupos: o partido português (com os portugueses) e o partido brasileiro

(com os brasileiros). Os brasileiros queriam “dar um chapéu” nos portugueses e

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apresentaram um projeto chamado de “Constituição da Mandioca”. Pelo projeto só poderia

votar e ser votado quem tivesse uma determinada extensão de terras que pudesse produzir

uma quantidade “X” de mandioca. A mandioca era a principal fonte de alimento para os

escravos, logo, muito valorizada na época. Os portugueses não eram proprietários rurais e

sim, comerciantes, logo, se esta Constituição fosse aprovada, os portugueses não poderiam

votar. O partido português, que apoiava D. Pedro I, fez com que D. Pedro I dissolvesse a

Assembléia Nacional Constituinte, na “Noite das Agonias”. Nesta noite, vários brasileiros

foram presos, mortos ou degredados para a África (1823). Em 25 de março de 1824 – D.

Pedro I nomeou um conselho de portugueses para criar a Constituição de 1824.

1.2 Características da Constituição de 1824

1. A Constituição foi outorgada, não popular, não democrática.

2. Teve como fonte inspiradora a Constituição Francesa e o Constitucionalismo

Inglês.

3. Pregava a supremacia do Parlamento. Em razão disso, não tratou de controle de

constitucionalidade.

4. Única Constituição do mundo que adotou a Teoria do Poder Moderador ou

Quarto Poder, de Benjamin Constant (Francês), não adotando a Tripartição dos

Poderes.

Poder Executivo e Moderador – Imperador

Poder Legislativo – Bicameral

o Senadores vitalícios escolhidos pelo imperador.

o Elementos da Câmara eram eleitos.

Poder Judiciário: era escolhido pelo Imperador.

5. Sufrágio restritivo censitário: Só exercia direitos políticos quem tivesse um

determinado patrimônio, logo, os portugueses começaram a dominar.

6. Criou um Estado Confessional. O Brasil tinha uma religião oficial, a Católica

Apostólica Romana. Surge o “Padroado”: o padre recebia pecúnia do Império.

Vale salientar que existia a liberdade de crença, mas não existia a liberdade de

culto. Se quisesse professar uma religião diferente da católica, só poderia

professá-la dentro de casa, pois em público era crime professar religião

diferente da católica.

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7. Eram uma Constituição semi-rígida ou semi-flexível que diferenciava normas

materialmente constitucionais e formalmente constitucionais: normas

materialmente constitucionais eram modificadas com um processo mais

dificultoso; já as normas formalmente constitucionais tinham um processo de

modificação menos solene

8. Criou um Estado Unitário: as províncias não tinham capacidade política, ou

seja, não tinham legislativo próprio.

9. A forma de Governo era uma monarquia Perpétua Hereditária, com

irresponsabilidade do Monarca (“o Rei não erra”).

10. Tinha um rol de Direitos Fundamentais de 1ª Geração: falava de liberdade,

igualdade, mas havia escravos no Brasil. Na verdade os escravos não eram

considerados sujeitos de direito, mas sim objeto de direito, por isso é que eram

diferenciados dos demais.

2. Constituição de 1891

2.1 Contexto histórico

Em 1831 D. Pedro I estava desgastado, pois seus seguranças mataram diversos

brasileiros, na “noite das garrafadas”. Enquanto isso, D. João VI morreu em Portugal, e

portanto, os portugueses exigiram que D. Pedro I voltasse, evitando que D. Miguel (irmão

de D. João VI) entrasse no poder. D. Pedro I deixa no Brasil seu filho D. Pedro II (de 5

anos de idade), sob a tutela de José Bonifácio. Por isso que entre 1831-1840 entramos no

período das Regências (Trina Provisória, Trina Permanente e Una, etc).

No ano de 1834 A Constituição foi emendada via “Ato Adicional”, inspirado pelas

pregações federalistas, deu às províncias o Poder Legislativo (Assembleias Provinciais),

havendo assim uma descentralização política e fim do Poder Moderador. Todavia, em

1840 a partir de uma “Interpretação ao Ato Adicional” acabou o Legislativo nas Províncias

(terminaram as Assembleias Provinciais) e voltamos ao Poder Moderador. Tudo isso para

favorecer a antecipação da maioridade de D. Pedro II.

Em 1848 adota-se no Brasil o “Parlamentarismo à brasileira” ou “Parlamentarismo

às avessas”: na Inglaterra, o Rei é Chefe de Estado, mas não governa; no Brasil, o Rei é

Chefe de Estado, mas governa, ou seja, reina e governa.

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Em 1868 termina a Guerra do Paraguai (retomada de Corumbá). Ao final de uma

guerra, fortalecem-se as Forças Armadas, ou seja, as Forças Armadas surgem como uma

instituição. Vale citar ainda que em 13 de maio de 1888 se dá a libertação dos escravos.

Em 15 de novembro de 1889, face à idade avançada do Imperador, sem deixar filho

do sexo masculino (sua filha era casada com um francês chamado Conde D’eu), a perda do

apoio da elite rural, o término da escravatura e o aumento do poder das Forças Armadas

com instituição o Brasil é proclamado República. Com isso há a edição do Decreto 01 do

Governo Provisório, editado por Ruy Barbosa, com o consequente término da monarquia e

revogação da Constituição de 1824. Cria-se, então, a bandeira nacional. O lema “ordem e

progresso” era de inspiração positivista (Augusto Comte), significando, disciplina. Em

1891, convoca-se uma Assembleia Nacional Constituinte, que tem por resultado a

Constituição de 1891.

2.2 Características da Constituição de 1891

1. Constituição promulgada, pois resultou de uma Assembléia Nacional.

2. Tem como fonte inspiradora a Constituição Norte-Americana de 1787. Nesta

época, o Brasil estava muito voltado para os EUA, em face da Doutrina

Monroe (“A América para os americanos”).

3. Ruy Barbosa praticamente redigiu sozinho esta Constituição, inspirado pela

Constituição Norte-Americana, sem levar em conta as características próprias

do Brasil.

4. Adoção da Forma Federativa de Estado, com as províncias sendo transformadas

em Estados, com capacidade legislativa. Interessante salientar que os Estados

tinham competência para legislar sobre processo. Ex: Código de Processo Civil

de SP, MA.

Os EUA surgiram de 13 Estados que se juntaram (Federação por Agregação

ou Centrípeta), já o Brasil surgiu de um Estado Unitário que (Federação por

Desagregação ou Centrífuga).

5. Ruy Barbosa foi muito ajudado por Amaro Cavalcante (advogado

pernambucano que morava nos EUA)

6. Forma de Governo Republicana

7. Sistema ou Regime de Governo Presidencialista

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

8. Constitucionalização do Habeas Corpus (que havia surgido em 1832, com o

Código de Processo Penal do Império)

9. Instituição do sistema difuso de Controle de Constitucionalidade

10. O Ministério Público estava dentro do Poder Judiciário.

11. Separação do Estado da Igreja: o Brasil passou a ser um Estado laico.

12. Sufrágio Universal com algumas restrições. Não votavam: a mulher, o

mendigo (antigos escravos) e analfabetos.

13. Grande Naturalização: incorporação dos estrangeiros à nossa economia. Os

estrangeiros tinham que comparecer em 6 meses a uma repartição brasileira e

confirmar a opção de continuar com sua nacionalidade, sob pena de tornarem-

se brasileiros naturalizados.

14. Adoção da Tripartição de Poderes, no chamado “Presidencialismo Imperial”.

15. Possibilidade de criação de Senados Estaduais, logo, em regra, o Legislativo

dos Estados era bicameral.

3. Constituição de 1934

3.1 Contexto histórico

Entre 1819-1930 é o período da “República Velha”. que é dividida em dois

períodos:

República das Espadas com Presidentes das Forças Armadas

República dos Governadores como Presidentes eram ex-governadores

Em 1926 acontece a Reforma às Constituição de 1891:

Acabou com a Doutrina ou Escola Nacional do Habeas Corpus.

De 1891 a 1926 entendia-se que o Habeas Corpus era um instrumento utilizável

na defesa de todos os direitos líquidos e certos (Doutrina defendida por Ruy

Barbosa e acolhida pelo STF, por volta de 1909).

Pedro Lessa entendia que o Habeas Corpus só poderia ser utilizado para a defesa

do direito líquido e certo da liberdade de locomoção (doutrina que prevaleceu

pós-1926).

Acabou a capacidade dos Estados legislarem sobre processo.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Em 1929 Washington Luís era o Presidente da República e vigorava a política do

“Café com Leite” (Café – SP, Leite – MG). Neste ano, os produtores de Café contraíram

empréstimos para a produção de café, e o Brasil quem arcaria com o prejuízo. Com medo

do representante mineiro não bancar os custos dos empréstimos, Washington quebrou a

política do Café com Leite e apoiou Júlio Prestes (governador de São Paulo. Com isso, os

governadores Getúlio Vargas e Antônio Carlos (RS e MG, respectivamente) lançam uma

chapa para concorrer com Júlio Prestes. João Pessoa apoiou Getúlio (seria o Vice de

Getúlio), negou apoio a Júlio Prestes (por isso que a bandeira da Paraíba tem a palavra

“nego”). Nesta eleição os votos eram contados pelos próprios partidos políticos, e a eleição

teve muitas fraudes e Getúlio perdeu a eleição.

Na Paraíba, João Pessoa manda fazer uma busca e apreensão na casa de um famoso

advogado que apoiou Júlio Prestes. Achou um cofre com cartas de amor de uma mulher

para este advogado, e João Pessoa mandou publicar estas cartas na Paraíba. João Pessoa

foi para Recife e foi assassinado por Dantas em face de uma questão passional. Vargas,

aproveitando-se deste fato e tornando-o político, cria uma revolução, e impede o início do

governo de Júlio Prestes. Assim, inicia-se a República Nova. Getúlio Vargas, através de

um Decreto-Lei, revoga a Constituição de 1891, cria a Justiça Eleitoral, afasta os

Governadores e nomeia interventores. Exemplo: em SP, Vargas colocou como interventor

um Sargento.

Em 23 de maio de 1932 os paulistas começam a pedir a Getúlio Vargas uma nova

Constituição. Quatro estudantes morrem numa manifestação para a nova constituição. No

dia 09 de julho os paulistas pegam em armas e inicia-se a Revolução Constitucionalista.

No Vale do Paraíba, tentando os paulistas irem ao RJ, os paulistas são massacrados. Vale

lembrar que a classe operária paulista não apoiou o movimento revolucionário.

3.2 Características da Constituição de 1934

1. Constituição promulgada, ou seja, decorreu de uma Assembléia Nacional

Constituinte.

2. Teve como fonte inspiradora a Constituição Alemã de 1919, ou seja, a

Constituição de Weimar.

3. Marca a passagem de um constitucionalismo jurídico-político, para um

constitucionalismo econômico-social.

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4. Em 1789, com a Revolução Francesa, surge o Estado Liberal. Este Estado foi

uma reação ao Absolutismo e tinha como núcleo político-jurídico o Estado de

Direito que tinha dois objetivos: divisão orgânica (Montesquieu) e direitos e

garantias fundamentais com Direitos de 1ª Geração ou Dimensão. Possuía

ainda um núcleo econômico no Liberalismo Econômico de Adam Smith (“a

mão invisível do mercado”). Neste momento histórico, as Constituições eram

só jurídico-políticas, pois havia um Estado só garantidor.

No século XX, surge o Estado Social Este Estado Social inicia-se com Marx

(1848), mas só se concretiza nas constituições abaixo. Exemplo: Constituição

Mexicana de 1917 e Constituição Alemã de 1919. No Estado Social, as

Constituições não são somente jurídico-políticas, mas também econômico-

sociais, pois tratam dos direitos sociais (ex: saúde, educação, trabalho,

previdência). A constituição brasileira de 1934 era também econômico-

sociais, por tratar dos direitos sociais (atual art. 6º da CRFB/88), como o voto

da mulher que se deu em 1932 com o Código Eleitoral e foi

constitucionalizado com a CF/1934, voto secreto, criação da Justiça Eleitoral,

liberdade de imprensa, liberdade religiosa e o advento de leis trabalhistas.

5. Todas as decisões do governo provisório (desde 1930) foram incorporadas à

Constituição.

6. Manteve o sistema difuso de controle de constitucionalidade, mas com três

inovações:

Criação da Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva

Reserva de maioria absoluta ou full bench (atual art. 97 da CRFB/88)

O Senado passa a ter o poder de suspender a execução da lei reconhecida

inconstitucional pelo STF (atual art. 52 da CRFB/88).

7. Ministério Público dentro do Poder Executivo, com atividade de cooperação

governamental.

8. Constitucionalização do Mandado de Segurança e da Ação Popular.

9. Eleição direta para todos os Presidentes, menos para o primeiro, que era

Getúlio Vargas.

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4. Constituição de 1937

4.1 Contexto histórico

Em 1934-1937: neste período o Brasil era dividido entre duas grandes forças

políticas:

Ação Integralista Brasileira (AIB): era um grupo de extrema direita (fascista),

chefiado por Plínio Salgado.

o Lema: “Deus, pátria e família”.

o Apoiavam Getúlio Vargas.

o Chamados de “camisas verdes” (a oposição os chamava de “galinhas

verdes”).

Aliança Nacional Libertadora: era um grupo de esquerda que atraía operários,

trabalhadores, sindicalistas e alguns tenentes do exército (daí o nome

“Tenentismo”). Estava constituído em 1600 municípios, tendo mais de 400.000

filiados no Brasil.

o Getúlio Vargas criou a Lei de Segurança Nacional, para prender os que

formavam os focos de esquerda (“os comunistas comem crianças”).

Em novembro de 1935 houve a Intentona Comunista que foi um movimento que

não deu certo. Era para ser no Brasil todo, mas só ocorreu no RN. Getúlio Vargas prendeu

todos os ativistas, inclusive Luis Carlos Prestes. Getulio Vargas promovem uma fraude

chamada “Plano Cohen” (atentados), jogando a culpa nos comunistas, que quereriam tomar

o Brasil, logo, em 1937, Getúlio faz um “contra-golpe”.

Em 1937 acaba a República Nova e inicia-se o Estado Novo O Estado Novo é uma

ditadura fascista, que se constituía num hiato autoritário, ou seja, um período sem respeito

à Constituição. (hiato autoritário é diferente de hiato constitucional), com liberdades

tolhidas. Hiato constitucional é o deslocamento da Constituição com os fatores de reais de

poder, ou seja, a Constituição não espelha a vontade dos grupos da sociedade.

4.2 Características da Constituição de 1937

1. Constituição outorgada por Getúlio Vargas. Quem redigiu a Constituição de

1937 foi Francisco Campos (apelido “Chico Ciência”).

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2. Fonte inspiradora: Constituição polonesa de 1935, por isso que esta

Constituição brasileira é apelidada de “a polaca”.

3. Centraliza o poder no Chefe do Executivo da União.

4. Eleição indireta para Presidente (que nunca houve).

5. Getúlio Vargas afasta os governadores, nomeia interventores para os Estados,

fecha as Assembléias Legislativas e o Congresso Nacional. Getúlio Vargas

passa a legislar através de Decreto-Lei. Ex: Parte Especial do Código Penal é

um Decreto-Lei de 1940 e o CPP é um DL de 1941.

6. Getúlio Vargas tinha a última palavra em Controle de Constitucioinalidade. Se

o STF entendesse que uma lei era inconstitucional, Getúlio Vargas poderia

dizer o que o STF estava errado e dizer (mantendo) que a lei era constitucional.

Tinha-se formalmente três poderes, mas, materialmente, apenas havia o Poder

Executivo. Tinha-se formalmente uma federação, mas, materialmente, um

Estado Unitário, pois os estados membros eram comandados por interventores

e as Assembléias Legislativas estavam fechadas. Por isso que havia uma

ditadura.

7. Havia a pena de morte.

8. Proibição de partidos políticos. Por isso que os Integralistas tornaram-se

inimigos de Getúlio e queriam matá-lo. Atentado integralista de 1938, com

muitos integralistas mortos ou presos (Plínio Salgado foi exilado para

Portugal).

9. Criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). O marketing

político começa aqui. Estabelecimento da censura e criação da Voz do Brasil

(propaganda de seu governo).

10. Desconstitucionalização do Ministério Público

11. Desconstitucionalização do Mandado de Segurança e da Ação Popular.

12. A Constituição previa sua aprovação por uma consulta popular.

Esta consulta popular nunca existiu, logo, a Constituição não tinha qualquer

validade.

Se esta consulta popular ocorresse, a Constituição seria Cesarista.

Obs.: neste período, economicamente, substitui-se o café pela indústria.

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5. Constituição de 1946

5.1 Contexto histórico

Hitler estava no poder na Alemanha desde 1933. Em 1939 inicia-se a Segunda

Guerra Mundial. O Brasil fica neutro de 1939 até 1943, porque existiam dois grupos:

Aliados (Estados democráticos)

Eixo (Alemanha, Itália, Japão)

A política de Vargas nesta época ora pendia para os aliados, ora para o eixo.

Todos tinham interesse no Brasil:

o Por sua importância geo-política (extensão territorial e interesse na base da

Barreira do Inferno – RN pelos aliados).

o Por causa da produção de borracha

o O Brasil era o único que possuía um mineral que era usado nos binóculos da

segunda guerra.

Alguns navios Brasileiros foram afundados por submarinos alemães (alguns dizem

que eram os americanos). onde mais de 1000 brasileiros morreram. Em razão dessas

mortes, Getúlio Vargas aceita apoiar os aliados. O Presidente dos EUA vem ao Brasil e

financia a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Walt Disney vem ao

Brasil e cria o Zé Carioca. O Brasil, então, cria a Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Depois da volta dos pracinhas começa o burburinho para a saída de Vargas (manifesto

mineiro, passeata em SP pedindo eleições).

Getúlio Vargas lançou o movimento chamado de “Querelismo”, para que a

população o apoiasse e ele se mantivesse no poder. Em 1945, as Forças Armadas, que

vieram fortalecidas da 2ª Guerra, dão um “Golpe Preventivo” para garantir as eleições de

1945. Getúlio concorreu e se elegeu Senador por SP e RS. Havia 2 candidatos a Presidente

da República: Eurico Gaspar Dutra (marechal, apoiado por Vargas) e Brigadeiro Eduardo

Gomes Dutra ganha as eleições. Junto com as eleições foi convocada uma Assembléia

Nacional Constituinte.

Obs.: foi criado um bolinho para incentivar a eleição do Brigadeiro Eduardo Gomes pelas

mulheres dos militares que foi chamado de “brigadeiro”.

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5.2 Características da Constituição de 1946

1. Constituição promulgada. Foi a Constituição mais democrática que já existiu no

Brasil, com a participação de várias correntes ideológicas no processo (vários

partidos políticos).

2. Fonte inspiradora: Constituição de 1934 (volta ao Constitucionalismo

econômico-social de 1934). Teve como fonte a Constituição de Weimar e o

Constitucionalismo Pós-Segunda Guerra Mundial.

3. Constituição Municipalista: deu competência legislativa e administrativa aos

municípios. A União e o Estado são realidades jurídicas, mas o Município é

concreto.

4. Prevê formal e materialmente a existência de três poderes (EXE, LEG e JUD).

Na Constituição de 1937 havia formalmente 3 poderes, mas materialmente

apenas um poder.

5. A atribuição de legislar via Decretos-Lei foi retirada do Presidente. Em 1937

existia o Decreto-Lei e em 1946 a atribuição de criar Decretos-Lei foi retirada

do Presidente.

6. Retira a atribuição do Presidente no que tange ao controle de

constitucionalidade. Em 1937, a última palavra sobre controle de

constitucionalidade era do Presidente. Em 1946 só existia o sistema difuso de

controle de constitucionalidade.

7. Ministério Público independente. O MP não estava no EXE, LEG ou JUD.

8. Reconstitucionalização do Mandado de Segurança e da Ação Popular. Haviam

sido retiradas da Constituição em 1937. As suas recolocações demonstram a

redemocratização do Estado brasileiro.

9. Marco: redemocratização do Estado e volta às condições de 1934.

6. Constituição de 1967

6.1 Contexto histórico

O Presidente da República em 1946 era Eurico Gaspar Dutra.

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Seu governo foi marcado pelo “Empreguismo”, ou seja, a abertura da economia

nacional às empresas multinacionais e ao capital internacional. Fora, ainda, cinco temas

básicos do governo Dutra: saúde, alimentação, transporte, energia e abertura do capital

internacional para as empresas internacionais. Todavia, a grande crítica do governo Dutra

foi a desvalorização da indústria nacional.

No final do governo Dutra, houve eleições diretas e Getúlio Vargas foi eleito

Presidente e fez um governo nacionalista, populista, contrário ao Empreguismo de Dutra.

Criou a campanha “o petróleo é nosso”, criando a Petrobrás e as empresas multinacionais

foram proibidas de refinar petróleo, causando a elas muitos prejuízos.

O governo Vargas foi marcado por uma grande disputa política. João Goulart

(Jango), ministro do trabalho de Vargas, prometeu aumentar o salário mínimo em 100% e,

por volta de 1954, Vargas demite Jango. Em razão da demissão de Jango, a imprensa

critica Vargas. Nesta época, o governador da Guanabara era Carlos Lacerda, que sofreu um

atentado (1954). Neste mesmo caso (“atentado da Rua Toneleiro”) morre também um

major da aeronáutica, que fazia a segurança de Lacerda. As investigações sobre este caso

chegam a Gregório Fortunato, principal segurança de Vargas. Em razão da pressão do

atentado da Rua Toneleiro, Vargas dá um tiro no peito saindo da vida e entra para a

história.

Em 1954-1955 Café Filho assume sucedendo Vargas. Em 1955 Juscelino

Kubitschek ganha a eleição para Presidente, com João Goulart como Vice. Nesta época

podia-se votar no presidente de uma chapa e no vice de outra chapa. O vice era eleito

separadamente sobre a égide da Constituição de 1946 que substituía o presidente e era o

presidente do Senado Federal, com direito à voz, mas sem direito ao voto. É uma previsão

que foi inspirada na Constituição dos EUA.

Outra mudança conhecida do governo de Juscelino foi a criação de Brasília. Desde

1891 já existia uma previsão para a construção da capital federal no planalto central.

Criticou-se a construção de Brasília sob o fundamento de que a retirada da capital do Rio

de Janeiro para Brasília fez com que a sociedade civil se separasse da classe política.

Em 1961 assume a presidência Jânio Quadro (Governador de São Paulo) que foi

eleito com uma base anticorrupção (a Vassourinha para varrer a corrupção do Brasil)

Interessante ver que Alguns historiadores ligam a campanha de Jânio e a de Collor com os

seguintes fundamentos:

Luta contra a corrupção (Vassourinha e luta contra os marajás).

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Eleitos por partidos pequenos, sem apoio do Congresso Nacional.

Eleitos ambos muito novos (cerca de 40 anos).

Ambos saíram da Presidência da República antes do término do mandato.

Jânio Quadros tomou algumas medidas polêmicas, e o Brasil caminhava para a

esquerda (neste ano se vivia o auge da “guerra-fria”):

Proibiu o biquíni, corridas de cavalos, lança-perfume e brigas de galo.

Reatou-se as relações com a China e a URSS.

Jânio condecorou Che Guevara e foi visitar a China comunista.

Com a Guerra-fria, houve a polarização do mundo (de um lado os EUA e de outro

URSS). Como Jânio e Jango eram populistas (com grande aproximação aos comunistas),

não tinham apoio das Forças Armadas, da classe média e dos empresários.

Jânio governou de fevereiro de 1961 a agosto de 1961 (7 meses). Quando Jânio

renunciou, Jango estava na China. Os militares começaram a divulgar que Jango não

assumiria a Presidência da República. Na época, todos os aviões que vinham da Europa

pousavam em Recife para abastecer, logo ele veio pelos EUA, Chile, Uruguai e entra pelo

Brasil pelo Rio Grande do Sul, cujo governador era Leonel Brizola, cunhado de Jango.

Brizola montou a “Cadeia da Legalidade”, movimento pelo respeito à Constituição de

1946. Os militares disseram que Jango poderia assumir, mas não poderia governar. Assim

foi alterada a Constituição, e Jango assume não como chefe de governo, mas como chefe

de Estado, passando o Brasil (em setembro de 1961 a fevereiro de 1963) a ser

parlamentarista, via consulta popular. O chefe de Estado era João Goulart, enquanto o

chefe de Governo – Tancredo Neves Dividiu-se o governo para evitar que Jango

governasse. Vale lembrar que o Brasil já foi parlamentarista em dois momentos:

1848 – parlamentarismo às avessas

De setembro de 1961 a fevereiro de 1963. Em fevereiro de 1963 houve outra

consulta popular e abandonou-se o parlamentarismo.

Entre fevereiro de 1963 até 31 de março de 1964 existiu o presidencialismo, com

Jango chefe de estado e chefe de governo. Jango lançou as denominadas “Reformas de

Base” (eram cinco), via Emendas Constitucionais.

1. Reforma educacional:proibiu a existência de escolas particulares e determinou

que 15% dos lucros nacionais deveriam ser investidos em educação.

2. Reforma urbana: quem tivesse mais de um imóvel urbano seria desapropriado

pelo valor venal do bem.

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3. Reforma rural: proprietários rurais com mais de 600ha teriam suas terras

desapropriadas para reforma agrária.

4. Reforma tributária: os impostos seriam proporcionais ao lucro pessoal. Quem

ganha mais, paga mais (progressividade).

5. Reforma eleitoral: os analfabetos passariam a ter o direito de votar.

Junto com estas cinco reformas, Jango aprovou a lei de remessa de lucros. As

empresas multinacionais foram impedidas de retirar seu lucro do Brasil, devendo todo o

valor ser re-investido no Brasil. Houve um descontentamento da classe média, mesmo com

o apoio dos trabalhadores.

Jango aprovou a reforma agrária no “Comício dos Cem Mil”. Como reação a esse

comício, houve a “Passeata da Família com Deus pela Liberdade”, promovida pela direita

e pela Igreja Católica. Nesse momento, os militares tinham apoio da classe média e da

Igreja. Face ao descontentando a classe média, o presidente não tinha o apoio econômico.

Neste momento, os militares tinham força e apoio popular.

Os militares, em 31 de março de 1964, efetuam um Golpe de Estado – que tinha

apoio popular – e assumem o poder. Em 31/03/1964 inaugura-se um novo hiato

autoritário. Existiam dois grupos de militares. Um deles era a “Escola de Sorbonne”:

ligados à ESG (Escola Superior de Guerra), sendo mais intelectualizados. Eram da “Linha

Dura” Quem assumiu em 31/03/1864 foi Castelo Branco, ligado à Escola da Sorbonne.

No dia 01/04/1964, Castelo Branco edita o AI 1(Ato Institucional nº 1). O AI 1

tinha força constitucional (tinha poder de Emenda Constitucional) e através dele depõe-se

Jango e inaugura a Ditadura Militar. Além disso, o AI- 1 tinha a justificativa de que os

comunistas estavam querendo tomar o Brasil.

O AI 1 lançou o Brasil no Estado de Sítio e todos os direitos civis foram

suspensos, havendo toque de recolher, cabendo prisão mandado e com a censura em todos

os meios de comunicação.

Em 1965 veio o AI 2 (1965-1979) que inaugura o bipartidarismo, sob a justificativa

de que os EUA só tinham dois partidos políticos, logo nós só tínhamos que ter dois

partidos políticos. Eram os partidos ARENA (Aliança Renovadora Nacional) com Marco

Maciel, José Sarney, Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf e MDP (Movimento

Democrático Brasileiro) com Covas, FHC, Itamar Franco, Ulysses Guimarães.

Em 1966, veio o AI 3 estabelecendo eleições indiretas para Governadores e Vice-

Governadores e Prefeitos de Capitais. Em dezembro do mesmo ano, o AI 4 que convocou

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uma Assembléia Nacional Constituinte pelo Congresso Nacional (fechado desde o golpe

de 1964). O Congresso trabalhou em dezembro de 1966 e janeiro de 1967 (durante 41 dias)

e aprovou a Constituição de 1967 enviando o projeto pelo pelo Executivo.

O Congresso estava proibido de emendar o projeto enviado pelo executivo, mas,

mesmo assim, o Congresso conseguir aprovar duas emendas: a criação da proibição do

Chefe do Executivo fechar o Congresso Nacional e a criação da imunidade parlamentar.

6.2 Características da Constituição de 1967

1. Formalmente foi uma Constituição promulgada, mas materialmente não se

pode dizer que era uma Constituição democrática.

2. Alguns constitucionalistas afirmam que, quanto à origem, a Constituição de

1967 foi uma Constituição atípica, pois nasceu do Congresso, mas este não

tinha liberdade para votá-la, sem debates democráticos, sem apoio popular.

3. Organizou as previsões contidas nos Atos Institucionais. Exemplo: eleições

indiretas para Presidentes, Governadores e Prefeitos de Capitais.

4. Centralização de poder no Chefe do Executivo da União.

5. Retirada de competência dos Estados-membros, enfraquecendo a federação.

6. Deu ao Presidente o direito de cassar direitos políticos.

7. Possibilidade do Executivo censurar os meios de comunicação.

8. Ministério Público dentro do Poder Judiciário.

9. Controle de Constitucionalidade difuso e concentrado. O Controle concentrado

foi introduzido no Brasil pela Emenda Constitucional nº 16 de 1965 (emenda à

Constituição de 1946).

7. Constituição de 1969

7.1 Contexto histórico

Em 1967 assume a Presidência Costa e Silva (ele era “Linha Dura”).

Começam as passeatas de estudantes em SP, RJ (morrendo até um estudante no

RJ). Vale salientar que as passeatas eram permitidas (legais), desde que não tivessem

violência.

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Em 1968 os militares de linha dura começam a criticar Costa e Silva por dizer que

ele era muito liberal. No início de setembro, Márcio Moreira Alves (deputado de RJ) faz

um discurso convocando a população a boicotar a passeata de 7 de setembro. Dizia

também: filha de militar, não obedeça mais o seu pai; esposa de militar faça greve de sexo;

namorada de militar, não dance mais com ele (ou seja, ofensa aos militares na hierarquia e

disciplina). Em razão do discurso acima, os militares pedem a suspensão da imunidade de

Márcio Moreira Alves, o que é prontamente negado pela Câmara. O líder do MDB na

Câmara era Mário Covas, que faz um discurso pró-demoracia e, em razão disso, os

deputados não suspenderam a imunidade de Márcio Moreira Alves.

Em 13 de dezembro Costa e Silva baixa o AI 5 (vigeu até 1979) e tinha as seguintes

principais características:

1. Diploma mais autoritário da história jurídica do Brasil.

2. Fechou o Congresso Nacional.

3. Cassou mandatos e direitos políticos

4. Estado de Sítio permanente

5. Suspende direitos civis

6. Toque de recolher em determinadas regiões

7. Suspensão da utilização do Habeas Corpus

8. Ampliação da censura: todas as composições, livros e jornais deveriam ser

primeiro analisados por um censor da polícia federal.

9. Proibição de manifestações: não havia como extravasar, logo o povo começou a

pegar em armas.

Em 1969 Costa e Silva, adoentado, é afastado do poder. Quem deveria assumir era

um civil, Pedro Aleixo, mas os militares não permitiram que ele assumisse. Três militares,

então, assumem a Presidência da República, a “Junta Militar” composta por ministros da

Marinha, Exército e Aeronáutica (chamados popularmente de “Três Patetas”). Em outubro

de 1969 a Junta Militar edita a Emenda 01 à Constituição de 1967 (é a Constituição de

1969).

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7.2 Características da Constituição de 1979

1. Foi outorgada pela Junta Militar.

2. Preâmbulo muito longo. Alguns doutrinadores afirmam que quanto maior o

preâmbulo, menor a legitimidade; quanto menor o preâmbulo, maior a

legitimidade.

3. Muitas explicações para o inexplicável

4. Organização da ordem jurídica. Havia a Constituição de 1967, Emendas

Constitucional de 1967 e os AI. Organizou os AIs.

5. Centralização de poderes no Chefe do Executivo ainda mais do que havia na

ordem anterior.

6. Censura

7. Presidente com poder de fechar o Congresso Nacional

8. Estado de Sítio

9. Proibição de manifestações

10. Eleições indiretas

11. Ministério Público dentro do Poder Executivo

8. Constituição de 1988

8.1 Contexto Histórico

Em 1969 o Presidente da República após a Junta Militar foi Emílio Garrastazu

Médici. Com a proibição de manifestações estudantis e operárias se deu o início da luta

armada

O AI 13 instituiu o exílio para pessoas perigosas para o Brasil, enquanto que o AI

14 instituiu a pena de morte. Os militares, então, criaram grupos de repressão às guerrilhas

armadas: OBAM? (Operação Bandeirante) e DOI-CODI (Departamento de Repressaõ

Militar)

Em1974, pós Médici, o Presidente foi Geisel (1974-1979). Foi o início da

redemocratização do Brasil (ele era da Escola da Sorbonne) com a anistia lenta, gradual e

segura, eleições para o Senado e o surgimento do horário político gratuito. Em 1976 foi

criada a Lei Falcão.

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Em 1977 foi editado o pacote de abril que foi um conjunto de Emendas

Constitucionais que alteram a constituição com as seguintes características:

Criação de “Senadores Biônicos” (não eram eleitos diretamente, mas sim pelas

Assembléias Legislativas, cuja maioria era da ARENA).

Alteração da representatividade dos estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste

Tiveram alterada sua representatividade na Câmara dos Deputados, passando a

ter mais deputados. Isso porque o governo estava perdendo vagas na Câmara e

nestes estados, menos desenvolvidos, o governo ainda tinha maioria

(permanência da maioria do governo).

Analfabetos passaram a poder votar, facultativamente, porque o governo estava

perdendo eleitores no sul e sudeste.

Começam os movimentos de greve no ABC paulista, no qual um dos líderes era

Lula. que logo foi preso e, no dia do seu velório, ele foi levado ao velório pelo Delegado

Romeu Tuma.

Em 1979 João Batista Figueiredo assume o poder, sendo o último presidente

militar, com seu mandato foi aumentado de 4 para 6 anos. Em seu mandato foi aprovada a

“lei da anistia”, voltando para o Brasil Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gabeira, FHC,

Brizola. Aconteceu também a revogação do AI 2 e o AI 5. Acaba-se, então, o

bipartidarismo e inicia-se o pluripardidarismo.

A ARENA vira PDS, depois virando o PFL, hoje DEM, enquanto que o MDB se

transformou em:

PMDB (Ulysses Guimarães)

PT (Lula)

PDT (Brizola)

PP (Tancredo Neves)

PTB (Ivete Vargas, sobrinha de Vargas)

PCB

PC do B

O governo conseguiu manter a oposição longe do poder ao dividir a oposição, mas

manter o partido do governo unido.

Em 1984 iniciou-se a campanha “Diretas Já” (Emenda Dante de Oliveira, deputado

federal mato-grossense), para haver eleições diretas em 1985. A PEC Dante de Oliveira foi

rejeitada em 1984.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

Mesmo com a não aprovação da PEC, haveria eleições indiretas em 1985. Nestas

eleições indiretas a oposição resolveu lançar como candidato Tancredo Neves. Como não

teria condições de ter votos para ganhar, a esquerda se aproximou de parte do PDS, com a

chapa formada com Sarney com Vice (Presidente do PDS). A eleição foi, então, Tancredo

X Maluf No colégio eleitoral Maluf perde para Tancredo. Antes da eleição no colégio

eleitoral, Tancredo e Sarney fizeram comícios no Brasil todo, com Tancredo prometendo,

se eleito, convocar uma Assembléia Nacional Constituinte.

Tancredo foi eleito para tomar posse no dia 15 de março de 1985. No dia 14 de

março de 1985 Tancredo passou mal e não poderia assumir o cargo. Poderia Sarney

assumir? Sarney não poderia assumir, pois o vice não poderia assumir tendo em vista que o

Presidente não assumiu, logo quem deveria assumir era o Presidente da Câmara, Ulysses

Guimarães. Independentemente da posse pelo Presidente, o Vice poderia assumir.

Houve uma reunião com os militares, Ulysses e Sarney (Figueiredo não gostava de

Sarney), e eles foram à casa de Leitão de Abreu (presidente do STF) e Leitão disse que

Sarney poderia assumir. Sarney reafirma o compromisso de convocar uma Assembléia

Nacional Constituinte. Tancredo Neves morre e Sarney assume definitivamente a

Presidência da República.

Em 1986 Sarney monta uma comissão para criar um projeto de Constituição: era a

Comissão Afonso Arinos (Comissão de Notáveis). Alguns defendiam que houvesse uma

Assembléia Nacional Constituinte exclusiva, enquanto outros defendiam que o Congresso

Nacional fosse investido no Poder Constituinte Originário (tese vitoriosa).

Em 15 de novembro de 1986 o Congresso Nacional Eleição elege um Congresso

Constituinte que é, justamente, ao mesmo tempo, o Poder Constituinte Originário (criando

a Constituição) o o Poder Constituído Legislativo (elabora a norma constitucional).

Todavia, há quem não considere a legitimidade desses trabalhos pelos seguintes

fundamentos:

1. O Congresso continuou a trabalhar em sua função infraconstitucional após esta

data. Logo, é o Congresso Constituinte acusado de legislar em causa própria, v.

g., imunidades, prerrogativas de função.

2. Alguns Senadores tinham sido eleitos em 1982 e participaram da Constituinte,

sem que tivesse legitimidade para isso, pois não foram eleitos para tal.

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Direito Constitucional Prof. Marcelo Novelino

8.2 Os trabalhos constituintes (1º fevereiro de 1987 até 05 de outubro de 1988)

Foram criadas 24 subcomissões temáticas, pois se partiu do zero ao abandonar o

projeto da Comissão Afonso Arinos. Eram 24 subcomissões, que passaram a ser 8

comissões. Ex: organização do Estado, Direitos Fundamentais, etc. Foi nomeado para

presidir estas 8 comissões Bernardo Cabral, que foi o presidente da Comissão de

Sistematização. Esta comissão reuniu todos os temas em 551 artigos, que foram

conhecidos como “O Frankstein”.

Foram cometidos vários erros na Constituinte, entre eles a pulverização dos

trabalhos e a baixa qualidade dos Constituintes (pessoas despreparadas). Segundo Celso

Bastos: faltava aos constituintes a “grandeza constitucional”, pois ficavam a defender

interesses de grupos.

“O Frankstein” recebeu 20.790 emendas. Cabral analisou estas emendas em 40

dias, surgindo o “Cabral Zero”, que possuía 374 artigos. O “Cabral Zero” recebeu 14.320

emendas, inclusive emendas populares, chegando-se ao “Cabral Um” (com 336 artigos).

Para resolver a confusão em novembro de 1987 foi criado o “Centrão”: dois terços

dos parlamentares que não participaram da elaboração da Constituição que ficou a cargo

apenas da comissão de sistematização. Neste mês, os que não faziam parte da Comissão de

Sistematização, reivindicaram a mudança da forma de participação da Constituinte, para

participar dos debates.

Em Fevereiro de 1988 é aprovado em 1º turno o projeto da Constituição; entre

julho e outubro de 1988, em 2ª turno Vale citar que alguns artigos, inclusive, não foram

nem aprovados. Por fim, em 5 de outubro de 1988 é promulgada a atual Constituição.