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Revista FronteiraZ – nº 10 – junho de 2013 nº 10 - junho de 2013 Resenhas – Angela Enz Teixeira & Verônica Braga Birello 280 HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Trad. André Cechinel. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2011. 280p. A ADAPTAÇÃO ENQUANTO ARTE AUTÔNOMA Angela Enz Teixeira* Verônica Braga Birello** 1 Linda Hutcheon é uma teórica canadense, professora titular do Departamento de Inglês e Literatura Comparada na Universidade de Toronto. Quanto ao tradutor, André Cechinel, é professor de Teoria Literária e Literatura da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Possui Doutorado e Mestrado em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e, devido à Graduação em Letras e Literatura de Língua Inglesa (Bacharelado e Licenciatura) também pela UFSC, atua nos temas de literaturas estrangeiras modernas, literatura e ensino, literatura comparada e textualidades contemporâneas, o que influenciou positivamente na tradução da obra resenhada. Uma teoria da adaptação é um livro muito conveniente, tendo em vista que seu enfoque ainda carece de trabalho árduo tanto no Brasil quanto no exterior. É composto por seis partes, didaticamente subdivididas. Após as referências, há dois apêndices, que contextualizam a obra, além de trazerem comentários breves sobre seu conteúdo. O texto em si exige leitura atenta, mas é acessível, porque a autora exemplifica seus postulados com exemplos abundantes e muito variados. Embora parte deles não seja conhecida pelos leitores brasileiros (o tradutor optou por não contextualizar aos leitores * Doutoranda em Literatura pela Universidade Estadual de Maringá. ** Mestranda na Universidade Estadual de Maringá.

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  • Revista FronteiraZ n 10 junho de 2013

    n 10 - junho de 2013

    Resenhas Angela Enz Teixeira & Vernica Braga Birello 280

    HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptao. Trad. Andr Cechinel. Florianpolis: Ed. da UFSC, 2011. 280p.

    A ADAPTAO ENQUANTO ARTE AUTNOMA

    Angela Enz Teixeira* Vernica Braga Birello**

    1

    Linda Hutcheon uma terica canadense, professora titular do Departamento de

    Ingls e Literatura Comparada na Universidade de Toronto. Quanto ao tradutor, Andr

    Cechinel, professor de Teoria Literria e Literatura da Universidade do Extremo Sul

    Catarinense (UNESC). Possui Doutorado e Mestrado em Teoria Literria pela

    Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e, devido Graduao em Letras e

    Literatura de Lngua Inglesa (Bacharelado e Licenciatura) tambm pela UFSC, atua nos

    temas de literaturas estrangeiras modernas, literatura e ensino, literatura comparada e

    textualidades contemporneas, o que influenciou positivamente na traduo da obra

    resenhada.

    Uma teoria da adaptao um livro muito conveniente, tendo em vista que seu

    enfoque ainda carece de trabalho rduo tanto no Brasil quanto no exterior. composto

    por seis partes, didaticamente subdivididas. Aps as referncias, h dois apndices, que

    contextualizam a obra, alm de trazerem comentrios breves sobre seu contedo. O

    texto em si exige leitura atenta, mas acessvel, porque a autora exemplifica seus

    postulados com exemplos abundantes e muito variados. Embora parte deles no seja

    conhecida pelos leitores brasileiros (o tradutor optou por no contextualizar aos leitores

    * Doutoranda em Literatura pela Universidade Estadual de Maring. ** Mestranda na Universidade Estadual de Maring.

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    brasileiros os exemplos), as explicaes que os acompanham contribuem para a

    apreenso terica, ao justific-los. Um dos aspectos enriquecedores deste trabalho de

    Hutcheon teorizar a adaptao a partir de exemplos concretos das vrias mdias,

    enquadrando-os nos paradigmas contar, mostrar e interagir, que uma possibilidade

    classificatria pautada nas variadas produes existentes, portanto, pertinente.

    Em O qu?, a autora reconhece a importncia das dimenses sociais e

    comunicativas das mdias, embora seu foco seja na forma. Outro pressuposto do livro

    considerar a adaptao como produto e processo, metodologicamente, ela parte do

    produto para explicar os procedimentos de construo adaptativa do processo, o que

    torna essa seo bem interessante, aguando a viso crtica do leitor para os porqus das

    escolhas feitas pelos adaptadores.

    Iniciando seu discurso, ela define adaptao, como sendo: [...] um tipo de

    palimpsesto extensivo, e com frequncia, ao mesmo tempo, uma transcodificao para

    um diferente conjunto de convenes. Em alguns momentos, [...] essa transcodificao

    implica uma mudana de mdia (p.61). Essa citao chama a ateno ao empregar o

    termo transcodificao e ao atentar para a mudana de mdia. A transcodificao

    entendida como a transposio de um cdigo para outro, um processo complexo,

    subentendendo as dificuldades lingusticas, culturais, contextuais e intersemiticas que

    envolvem o processo de adaptao de uma obra em outra. O termo intersemitico deve

    ser destacado, porque Hutcheon vai desenvolver este captulo em torno das adaptaes

    entre mdias, entendendo mdia como: meio material de expresso de uma adaptao

    (p.61).

    Quando a adaptao envolve mudana de mdia, ressurgem as discusses sobre a

    especificidade formal das artes e assim das mdias, e vem tona uma suposta

    hierarquia das artes. Nessa hierarquia, entre discursos mais tradicionais, pela leitura do

    texto, entende-se que o cinema sempre perde, em grandeza, para a literatura. Logo, a

    adaptao da literatura (forma do contar) para o cinema (forma do mostrar, envolve

    mdias performativas) vista com muita desconfiana. Mas esse olhar depreciativo ser

    suplantado no decorrer do captulo pela argumentao slida que a autora faz a partir de

    muitos exemplos de adaptao, desmistificando vrios trusmos, entre eles, o que afirma

    que as artes performativas so incapazes de retratar o interior de personagens. um

    captulo muito interessante para crticos, tericos e artistas.

    O captulo Quem? Por qu? discute quem deve ter o mrito da adaptao e seus

    motivos. Embora parea uma reposta bvia, Hutcheon logo apresenta a dificuldade de

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    solv-la, dizendo que a adaptao um processo coletivo, quando feita em mdias

    performativas ou participativas. Isto , as peas de rdio, cinema, pera, bal etc. so

    planejadas, montadas e concretizada por grupos de pessoas. No cinema, o roteiro, por

    vezes, construdo por mais de um roteirista. O diretor/compositor musical, responsvel

    pela criao da msica que provoca emoes e reaes no pblico, normalmente, nem

    cogitado para o nome de adaptador. Mas o , no desenvolvimento de suas funes. Bem

    como o figurinista, o cengrafo, os atores, os cinegrafistas, o editor de filme e televiso.

    De todo modo, embora possam se inspirar na obra adaptada, o compromisso de todos

    esses profissionais em como o diretor interpreta o roteiro do filme (p.119, grifo da

    autora), logo, o diretor o sujeito mais independente, j que nem ao autor

    subordinado, tendo em vista que dele se espera uma recriao, normalmente em outra

    mdia, no reproduo. Assim, mesmo sendo a adaptao composta por tantos artistas e

    excelentes profissionais, o diretor quem considerado o responsvel pelo trabalho

    final, por sua viso global predominar no todo da adaptao e essa atribuio pode ser

    apreendida nas falas da crtica. Os motivos que levam adaptao tambm so

    abordados nesse captulo: os atrativos econmicos, as restries legais, o capital cultural

    e os motivos pessoais e polticos que justificam dado trabalho. Consequentemente, e na

    contramo de vrias teorias literrias, a autora declara que, para se entender uma

    adaptao, faz-se necessrio abordar o processo criativo, o que envolve as intenes

    polticas e estticas do adaptador no contexto da criao e at mesmo peculiaridades de

    sua biografia. E este um dos pontos altos desse livro, j que gerador de embate

    terico com argumentos consistentes dos dois lados. O que poderia ser questionado se

    esse entendimento da adaptao se refere ao especializado ou se seria a interpretao do

    pblico em geral.

    No quarto captulo, Como?, a autora retoma seu conceito de adaptao como

    uma combinao da repetio com a diferena, da familiaridade com a novidade,

    salientando que a beleza da adaptao est na reinveno e revitalizao do familiar. E

    esse conceito j carrega em si o prazer do palimpsesto: poder experienciar mais de um

    texto numa mesma obra. E como vantagem no consumo da adaptao, mantendo as

    palavras de Duquesnay (1979), Hutcheon ratifica que a adaptao estimula o prazer

    intelectual e esttico (p.161), na tentativa de o pblico tentar entender a relao entre a

    obra adaptada e a adaptao. Todavia, quanto mais popular e amada for a obra adaptada,

    mais certo ser o descontentamento do pblico comum (ou seja, no especializado) para

    com a adaptao, especialmente, tratando-se de um f. Nessa reflexo, de forma muito

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    breve, ela fala do engajamento das recentes indstrias pedaggicas, no meio escolar,

    para promover a leitura da obra adaptada a partir da adaptao, para tanto,

    disponibilizando planos de aula e websites para educadores. Mesmo considerando que

    este no seja o foco da autora, a indstria pedaggica poderia ter sido abordada com

    mais profundidade, j que uma mediadora comercial de importncia. Neste captulo,

    Hutcheon chamou de adaptao certos suplementos (narrativas virtuais e verses

    cinematogrficas de jogos de videogame) que oferecem mais informaes sobre a

    subjetividade dos personagens, contribuindo no encaminhamento da identificao do

    pblico/leitor com eles.

    No penltimo captulo, Onde? Quando?, Hutcheon problematiza a relao entre

    momento histrico e produo/recepo das adaptaes, considerando que o produto

    artstico resultante do processo de adaptao todo constitudo por perspectivas

    polticas, ideolgicas, sociais e culturais, a partir da esttica que lhe d forma,

    engajando-lhe de tal forma que pode instigar seu consumo ou no, e igualmente, atrair

    para si censura ou no. Ilustrando essa importncia, a autora menciona que na Itlia

    fascista, durante a guerra da Lbia (1911-1912), as adaptaes cinematogrficas de

    picos eram frequentes, por retratarem as ambies nacional-imperialistas italianas.

    Consequentemente, o ps-guerra foi marcado por um movimento contrrio a

    adaptaes, especialmente de picos, motivando adaptaes do cinema de herana na

    Gr-Bretanha de Thatcher. Portanto, a questo contextual entendida no sentido amplo

    deve ser de interesse das teorias que tm a adaptao como produto e processo. Alm

    dos pases e das mdias fazerem parte do contexto da adaptao, Hutcheon ressalta que

    no se pode fugir do fato de que, independente da mdia, as narrativas se desenrolam em

    determinado tempo e espao social. E mais: um perodo de tempo curto pode mudar um

    contexto de um mesmo lugar e cultura, assim, mudando significados. A partir desse

    condicionante do tempo, a autora entra no que chama de adaptao transcultural e

    indigenizao. Para falar da primeira, apoia-se em certas escolhas na adaptao de

    Romeu e Julieta feita por Franco Zeffirelli, entre elas, tornar o amor do casal mais

    fsico, excluindo partes que desaceleravam a ao, a fim de, a partir de uma

    recontextualizao tida como correta, aproximar a histria de amor antiga dos

    espectadores contemporneos. Sobre indigenizao, Hutcheon simpatiza com uma

    concepo antropolgica mais ampla, a partir de Susan S. Friedman (2004), por

    implicar atuao do sujeito, no caso, do adaptador, que escolhe transformar/transportar

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    certas obras passadas para novos contextos. O resultado, ressalta a autora, algo novo

    e hbrido (p.202).

    O captulo de concluso, intitulado Questes finais, recupera duas questes dos

    captulos anteriores: o que no uma adaptao e qual o apelo das adaptaes. Para

    abordar a primeira resposta, Hutcheon monta um contnuo sobre as diversas respostas a

    um texto anterior: num extremo ficam as tradues, cujo ideal terico a fidelidade

    obra de partida; em seguida, traz as produes cujas formas evidenciam condensaes,

    expurgaes ou censuras, as novas narrativas e revises de histrias conhecidas,

    representando, ento, as adaptaes; e, no outro extremo, h as crticas acadmicas, as

    resenhas, as sequncias e prequelas, as expanses, os fanzines, os slash fictions, alm de

    alguns hbridos. Pelo continuun, identificamos que as adaptaes ficam entre os

    extremos, gerando uma ilusria sensao de que a identificao fcil. Ou seria a

    proposta da autora que facilita o entendimento? De todo modo, ela pergunta ao leitor se

    uma exposio num museu seria uma adaptao, j que traria um trabalho

    interpretativo extensivo e criativo com uma histria passada (p.228). E a vem sua

    contribuio terica, o deslocamento do olhar do produto adaptao para o pblico:

    numa mostra em museu, o prazer da experincia no est na caracterstica

    palimpsstica da produo, logo, o pblico quem acaba reconhecendo uma

    adaptao, experienciando-a como tal.

    Na pergunta sobre qual o apelo das adaptaes, a autora repete seu conceito de

    adaptao como a repetio sem replicao, ou seja, a unio do prazer do

    reconhecimento com o da surpresa e da novidade. Embora o carter palimpsstico

    caracterize o prazer de sua experincia, a adaptao deve ser uma obra autnoma, e

    como tal, tem a fora de perturbar sua relao de prioridade e autoridade com sua obra

    de partida (quando experienciamos a obra fonte depois de experienciarmos a adaptao,

    por exemplo), bem como dar-lhe sobrevida. Embora parte do captulo seja uma

    corroborao do j dito, Hutcheon mostra a adaptao como evidncia da evoluo e

    transformao das histrias a fim de adequar-se a novos tempos e diferentes lugares. A

    partir disso, o leitor pode pensar que no h traduo de um texto muito antigo para os

    dias de hoje, apenas adaptao: primeiro, porque o produto ficaria incompreensvel;

    segundo, porque o tradutor leva para a traduo todo seu saber histrico envolvido pela

    sua vida contempornea.

    E para finalizar, chamando a ateno para o tradicional trusmo do valor

    secundrio das adaptaes, Hutcheon diz que ns recontamos, mostramos e interagimos

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    com as histrias, repetidas vezes, e que, nesse processo, algo sempre muda, mas as

    histrias ainda so reconhecveis. E a precedncia temporal apenas indica

    temporalidade, no o valor da produo em si. Ento ela cita, de forma literria, sem

    vrgulas, o quanto Shakespeare valorizado, mesmo tendo suas obras sido adaptadas de

    adaptaes que vieram de outras adaptaes. E decreta que so muito raras as narrativas

    que no foram amavelmente arrancadas de outras: nas operaes da imaginao

    humana, a adaptao a norma, no a exceo (p.235).

    No Brasil, embora ainda no tenhamos tradio na rea, as atuais discusses

    sobre traduo esto no mesmo nvel elevado se comparadas com as discusses

    estrangeiras. O mesmo no se pode dizer sobre a situao terica no que concerne

    adaptao, pois as teorias traduzidas ainda so raras e as nacionais, incipientes. Com

    essa lacuna, vislumbramos um campo de possibilidades para pesquisadores ainda

    indecisos quanto a um tema, e Uma teoria da adaptao mostra-se um excelente

    material de apoio, porque, embora terico, seus argumentos so articulados com o real.

    Nele, Hutcheon traz problematizaes e propostas tericas, passveis de um olhar

    inquiridor do pesquisador brasileiro sedento por novidades.