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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 09 – Prof. Fredie Didier – Intensivo I – 06/04/2009 Ação meramente declaratória – A súmula 181, do STJ que diz que cabe ação meramente declaratória para certificar a interpretação de uma cláusula contratual. Ou seja, eu posso ir a Juízo para saber qual é a interpretação que se deve dar a uma cláusula contratual. Eu digo isso porque o art. 4º, do CPC, prevê a ação meramente declaratória apenas para a existência ou para a inexistência. Sucede que a doutrina acrescenta e a jurisprudência, como se vê, admite, a ação meramente declaratória do modo de ser de uma relação jurídica. “Art.4º O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I -da existência ou da inexistência de relação jurídica; II - da autenticidade ou falsidade de documento.” “Súmula 181, STJ: É admissível ação declaratória, visando a obter certeza quanto à exata interpretação de cláusula contratual.” De acordo com esse conceito que eu dei, não cabe ação meramente declaratória de um fato. A ação meramente declaratória é de relação jurídica. Eu não posso pedir ao Judiciário que declare, por exemplo, que a parede é branca, que o rapaz é doente. Eu não posso pedir declaração de fato. Sucede que, no direito brasileiro, há um caso de ação meramente declaratória de fato (é exceção): é a ação declaratória de autenticidade ou de falsidade de documento. Em resumo: A regra é que a ação meramente declaratória seja de existência, de inexistência ou modo de ser de uma relação jurídica. É a regra, hipótese geral. Exceção: ação meramente declaratória de fato. Qual? Autenticidade ou inautenticidade de documento. Alguns exemplos de ações meramente declaratórias: ação de usucapião, ação declaratória de constitucionalidade, ação de consignação em pagamento, ação de reconhecimento de união estável. Percebam bem: ação meramente declaratória pressupõe que haja dúvida sobre a situação. É preciso que haja dúvida ou incerteza jurídica quanto à situação. Essa incerteza é que gera o interesse de agir. Estou dizendo isso porque tem uma frasezinha 10

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Ação meramente declaratória – A súmula 181, do STJ que diz que cabe ação meramente declaratória para certificar a interpretação de uma cláusula contratual. Ou seja, eu posso ir a Juízo para saber qual é a interpretação que se deve dar a uma cláusula contratual. Eu digo isso porque o art. 4º, do CPC, prevê a ação meramente declaratória apenas para a existência ou para a inexistência. Sucede que a doutrina acrescenta e a jurisprudência, como se vê, admite, a ação meramente declaratória do modo de ser de uma relação jurídica.

“Art.4º O interesse do autor pode limitar-se à declaração:I -da existência ou da inexistência de relação jurídica;II - da autenticidade ou falsidade de documento.”

“Súmula 181, STJ: É admissível ação declaratória, visando a obter certeza quanto à exata interpretação de cláusula contratual.”

De acordo com esse conceito que eu dei, não cabe ação meramente declaratória de um fato. A ação meramente declaratória é de relação jurídica. Eu não posso pedir ao Judiciário que declare, por exemplo, que a parede é branca, que o rapaz é doente. Eu não posso pedir declaração de fato. Sucede que, no direito brasileiro, há um caso de ação meramente declaratória de fato (é exceção): é a ação declaratória de autenticidade ou de falsidade de documento.

Em resumo: A regra é que a ação meramente declaratória seja de existência, de inexistência ou modo de ser de uma relação jurídica. É a regra, hipótese geral. Exceção: ação meramente declaratória de fato. Qual? Autenticidade ou inautenticidade de documento.

Alguns exemplos de ações meramente declaratórias: ação de usucapião, ação declaratória de constitucionalidade, ação de consignação em pagamento, ação de reconhecimento de união estável.

Percebam bem: ação meramente declaratória pressupõe que haja dúvida sobre a situação. É preciso que haja dúvida ou incerteza jurídica quanto à situação. Essa incerteza é que gera o interesse de agir. Estou dizendo isso porque tem uma frasezinha que pode aparecer em concurso e estará certa. A frase diz assim: “A ação meramente declaratória não serve de consulta ao Judiciário.” Eu não posso querer fazer uma consulta ao Judiciário se eu não demonstrar concretamente que existe uma dúvida a respeito do tema. Eu não posso trazer uma dúvida teórica sobre o assunto ao Judiciário. A dúvida tem que ser concreta, envolvendo algum fato concreto.

O Judiciário não pode ser órgão consultivo, isso, obviamente, ressalvada a Justiça eleitoral. Lá existe a consulta teórica, no sentido de como interpretar o direito eleitoral.

Há um aprofundamento que precisamos fazer e exige atenção especial. Trata-se da análise do § único do art. 4º, do CPC. Esse dispositivo é um pouco misterioso.

“Parágrafo único. É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.”

A gente viu na aula passada que só o direito a uma prestação pode ser violado. O que está dizendo aí? Que se seu direito a uma prestação for violado, você pode propor uma ação condenatória. Seu direito foi violado, você pode propor uma ação condenatória. Só que vem o CC e diz que se você quiser, pode propor uma ação meramente declaratória. O seu direito já foi violado e você poderia propor uma ação condenatória. Só que você não quer. Você quer propor uma ação meramente declaratória deu m direito que já foi violado, que já é exigível. O parágrafo

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único diz isso: para dizer que cabe declaratória mesmo quando já caberia uma condenatória. É possível entrar com uma ação meramente declaratória, mesmo quando já se poderia ter entrado com uma ação condenatória. Ao invés de ir ao Judiciário, para pedir o reconhecimento e a efetivação do direito, que é o que se faz na condenatória, vai-se apenas pedir o reconhecimento do direito. Por opção sua você está autorizado a pedir a meramente declaratória.

Isso, para todo mundo é um mistério. Se eu posso a condenação, para que ficar restrito à mera declaração? Era uma discussão complexa que havia e o legislador resolveu estender essa possibilidade para todos. Eu vou dar para vocês um exemplo histórico e verdadeiro desse § único do art. 4º. Se alguém lhe perguntar a respeito, o que é muito provável, você vai dar esse exemplo. Vocês já ouviram falar de Wladimir Herzog, jornalista que foi assassinado, mas que teria se suicidado no DOPS de São Paulo. Apareceu uma foto dele tendo cometido suicídio. A foto de Wladimir Herzog na cela, morto, se tornou um marco da ditadura e da farsa constituída em torno da morte dele. Pela primeira vez, mobilizou a classe média brasileira que ficou chocada com o ocorrido (1975). Ele era casado com Clarisse Herzog. Ela entrou com uma ação contra a União para pedir o reconhecimento da responsabilidade da União. E só. Não pediu a condenação da União a nada. Entrou com uma ação meramente declaratória. Ela só pediu uma coisa julgada que dissesse que a União fora responsável pela morte de seu marido. E ganhou, não obstante a União ter alegado em sua defesa, falta de interesse de agir sob o argumento de que se já houve a violação do direito, ela deveria ter pedido a condenação e não a declaração. Só que aí, o antigo TFR disse que não porque o CPC permite o ajuizamento da ação meramente declaratória nesse caso. É o exemplo histórico do § único, do art. 4º.

Esse é um tema um pouco obscuro, mas até 2005. Em 2005 houve uma grande reforma do CPC e trouxe nova questão. Muitos de vocês devem ter aprendido na faculdade que as ações meramente declaratórias não geram futura execução. Não geram execução, que é produto de ação condenatória. Ação meramente declaratória gera apenas a certeza. Isso é antiquíssimo. O que a galera dizia à época de Clarisse, que ganhou uma coisa julgada dizendo que a União é responsável? Se ela quisesse, agora, pedir indenização, ela teria que entrar com uma outra ação, de natureza condenatória para condenar a União. A doutrina dizia isso. Ela entrou com uma declaratória, quando poderia ter entrado com uma meramente condenatória. Ganhou e não pode executar. Se tiver agora o dinheiro, terá que propor uma outra ação, condenatória, para condenar a União ao ressarcimento. Esse era o entendimento que sempre teve. O § único gerava apenas uma sentença declaratória. Se quisesse executar tinha que entrar com uma outra ação, desta feita, condenatória. A doutrina não dizia, no entanto, o que o juiz faria nessa segunda ação condenatória. Qual o papel do juiz na segunda ação, considerando que já há coisa julgada que exige o dever de indenizar? O que o juiz vai fazer nesse segundo processo? Clarisse, por exemplo, poderia perder? Ele poderia dizer que Clarisse não tem o direito? Esse segundo processo teria qual objetivo? Seria o de apenas efetivar o direito. E para efetivar, só, não é condenatório. E se é só para efetivar, é processo executivo. Ninguém chamava isso de execução, mas era execução. Ninguém falava isso por causa do dogma de que ninguém pode executar sentença meramente declaratória. Isso impedia esse tipo de raciocínio.

O STF, no início dos anos 2000, deu uma guinada em sua jurisprudência e passou a admitir execução de sentença meramente declaratória quando houvesse reconhecimento do direito a alguma prestação. Se a sentença meramente declaratória declarasse a existência de um direito a somente uma prestação, seria possível executá-la. E o exemplo que o STJ dava era o da sentença do §único do art. 4º. Isso mexeu um pouco com a jurisprudência. E essa evolução da jurisprudência que constatou o óbvio gerou uma mudança no CPC. O art. 475-N é reflexo disso:

“Art. 475-N. São títulos executivos judiciais: I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de

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obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)”

O CPC foi alterado para deixar claro que qualquer sentença que reconheça uma obrigação pode ser título executivo. Antes, o texto do CPC, referia apenas á sentença condenatória. O CPC foi alterado para referir a qualquer sentença que reconhece a existência de uma obrigação, seja condenatória, seja meramente declaratória. E aí se consagrou aquilo que a jurisprudência já dizia e passou a dizer que quando a sentença declaratória reconhece o direito a uma prestação, ela poderia ser título executivo.

Quando eu dou esse exemplo, quase todo mundo fica com a seguinte dúvida: Eu disse, no início da aula, que a ação meramente declaratória é imprescritível. É imprescritível pedir apenas o reconhecimento do direito. Isso não prescreve. Agora, a dívida, para efetivá-la, prescreve. Clarisse poderia se voltar contra a União se não tivesse prescrito seu crédito contra ela. Essa é a diferença. Se eu entro com a ação meramente declaratória do § único do art. 4º, não há interrupção da prescrição. E por que não há? Porque eu não busco a indenização. Eu busco apenas o reconhecimento. Esse é o ônus de quem propõe essa ação. Se eu propusesse uma condenatória, haveria a interrupção da prescrição. Mas se eu, podendo pedir a efetivação, entro só com a declaração, não é um comportamento do credor que denote vontade de buscar a equiparação. Você interrompe a prescrição quando o credor se movimenta para buscar a prestação. Certificar não prescreve, mas efetivar, prescreve. Hoje, com a mudança do Código, acabou a discussão. Já é amplamente aceita a execução de sentença meramente declaratória

O contribuinte foi ao Judiciário pedir o reconhecimento de que não devia determinado tributo. Ação declaratória de inexistência de relação tributária. O contribuinte perdeu. O juiz julgou improcedente o pedido dele. Se foi assim, o que o juiz disse? Julgo improcedente porque você deve. Ele julgou improcedente uma ação declaratória negativa. Transitou em julgado, o Estado pegou a sentença e executou a sentença.

Recomendação de texto: Teori Zawaski é Ministro do STJ foi quem desenvolveu essa teoria no Brasil, de executar a declaratória. Isso convenceu o STJ e o texto onde ele desenvolve isso, execução de sentença meramente declaratória, está no material anexo.

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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O estudo dos pressupostos processuais deve saber a classificação dos pressupostos processuais.

CLASSIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Há duas classificações: de existência (para que o processo exista) e de validade (para que seja válido). Eu só posso falar de validade, se for existente. Processo que não existe é processo que não pode ser considerado válido ou inválido.

1. PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA

Para que um processo exista, é preciso que aconteça o seguinte: alguém demande perante um juiz. Se alguém demandar perante um órgão jurisdicional, o processo existe. Esse é o fato jurídico gerador do processo. Alguém demandar perante um órgão jurisdicional. Se esse é o fato gerador do processo, dele, desse fato, podemos extrair os três pressupostos de existência do processo. Para que o processo exista, é preciso que haja:

1.1. Órgão investido de jurisdição – se protocolo minha inicial perante o seu professor da faculdade, isso não gera um processo. Como não demandei perante um órgão jurisdicional, não surge o processo.

1.2. Ato de provocação (demanda) – É o ato de instauração do processo. É preciso instaurar o processo, que é a demanda. Alguns livros colocam o pedido. Eu acho que isso é arriscado. Melhor falar em demanda. A ida ao judiciário é o que provoca o surgimento do processo.

1.3. Capacidade de ser parte – O que é a capacidade de ser parte? A capacidade de ser parte é a aptidão para, em tese, fazer parte de um processo. É a personalidade judiciária. Essa aptidão para ser parte não comporta gradação. Ou seja, ela não pode ser absoluta nem relativa. Não existe capacidade de ser parte absoluta ou capacidade de ser parte relativa. A capacidade de ser parte, ou se tem ou não se tem. Ou se tem e se tem para tudo ou não se tem e não se tem para nada. É o que acontece com a personalidade jurídica. Ou o sujeito é pessoa ou não é pessoa. Não há gradação. Não há pessoa relativa e pessoa absoluta. Então, quem tem capacidade de ser parte? Todos os sujeitos de direito têm capacidade de ser parte. Isso inclui as pessoas (físicas e jurídicas), mas não apenas as pessoas. Porque não são apenas as pessoas que são sujeitos de direito. O rol dos sujeitos de direito é maior do que o rol de pessoas. Há no mundo mais sujeitos de direito do que pessoas. As pessoas físicas e jurídicas não esgotam o rol dos sujeitos de direito. Há outros sujeitos de direito que não são pessoas e que tem capacidade de ser parte. Exemplo: condomínio, massa falida, herança jacente, órgãos da Administração Pública (MP, por exemplo, é órgão que tem capacidade de ser parte, o TC, Câmara de Vereadores), as tribos indígenas. Qualquer sujeito de direito tem capacidade de ser parte. A grande dúvida sobre isso não é saber quem tem, mas quem não tem. Quem é que não tem capacidade de ser parte? O morto e os animais.

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OBS.: “Atualmente no direito civil, há o entendimento de que o natimorto tem direito à sepultura e ao nome.”

Não é porque ele nasceu morto que você pode enterrá-lo como indigente. Ele tem o direito de ser enterrado como gente, com nome e sepultura. O problema aí é o seguinte: morto tem direito? Se morto tiver direito, ele é sujeito de direito. E aí a personalidade não terminaria mais com a morte. A personalidade teria uma ultraatividade, seria eficaz para além da morte, para dar ao morto alguns direitos, como o direito de ser humano embora falecido.

OBS.: Há uma corrente filosófica do direito muito forte, principalmente nos Estados Unidos e agora repercutiu no Brasil que prega a personalidade jurídica aos grandes primatas em razão da sua semelhança genética com o homem. O direito humano deve ser estendido aos humanóides. Isso hoje parece uma gracinha. Mas quando for cobrado em concurso o que é abolicionismo animal, em direito ambiental, por exemplo, você não vai ficar viajando. Por que abolicionismo animal? Seres humanos (escravos) já foram considerados coisas. Com a abolição, viraram sujeitos de direito. O que eles querem fazer com os primatas é a mesma coisa. Tornar os primatas sujeitos de direito incapazes. Mas isso só para os grandes primatas (chimpenzés, gorilas, orangotangos e bonogos). Eu estou dizendo isso porque é importante. É um tema novo. Ninguém vai perguntar profundamente sobre ele, mas não custa nada saber sobre isso. Houve um habeas corpus em favor de um gorila (e isso repercutiu no mundo todo). Nesse meio-tempo o gorila morreu e o hc perdeu o objeto.

2. PRESSUPOSTOS DE VALIDADE

Esses são os pressupostos do dia-a-dia. O assunto pressupostos processuais fica restrito aos âmbitos de validade porque não é todo dia que se vê um orangotango demandar em juízo, o que seria um problema de capacidade de ser parte. Muito difícil a gente imaginar um processo que não exista dentro desses termos. Os pressupostos do dia-a-dia são os de validade.

Boa parte da doutrina costuma dizer que os pressupostos de validade deveriam ser chamados de requisitos processuais não pressupostos processuais. Já que são de validade, não caberia falar em pressuposto, já que para a validade, falar em requisito fica mais adequado. Assim, se perguntarem, o que são requisitos processuais, significa apenas um outro nome que se dá aos pressupostos processuais de validade.

Há alguns dogmas em torno do assunto.

1. O primeiro deles é o de que o juiz pode controlar a falta de um pressuposto processual de ofício. Isso está certo? Está. O código diz isso expressamente. Mas, embora isso seja certo, há exceções. Há casos em que o juiz não pode controlar de ofício. Há casos em que a lei exige a provocação. É o que acontece com a incompetência relativa, é o que acontece com a existência de compromisso arbitral. São pressupostos que só podem ser controlados por provocação e não de ofício, quebrando a regra de que a falta de pressuposto pode ser controlado de ofício.

2. O segundo dogma é o seguinte: a falta de pressupostos processual extingue o processo. Isso está no art. 267, IV, do CPC. É a regra. Mas há exceções. Por exemplo, a incompetência, em regra, conforme já se viu, não extingue o processo. Esses dois dogmas têm suas exceções na lei e isso é bastante tranquilo.

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3. Costuma ser dito que os pressupostos processuais precisam ser examinados antes do mérito. O código também diz isso. De modo que, se não houver pressupostos processuais, o mérito não será examinado. A falta de um pressuposto processual impede o exame do mérito. Isso é o dogma de todos os dogmas relativos aos pressupostos processuais. O dogma da prioridade de exame, de que os pressupostos têm que ser analisados prioritariamente.

O que tem acontecido nos últimos tempos? Novidade total! Há uma série de manifestações doutrinárias de peso no sentido de que se a falta de um pressuposto processual de validade não causar prejuízo àquele que se beneficia do pressuposto, é preciso ignorar essa falta e julgar o mérito. Já que a falta do pressuposto não gera prejuízo, ignora e julga o mérito da causa. Você só não examina o mérito se a falta do pressuposto se justificar. Esse é posicionamento novo. É a visão nova do tema. Uma visão a partir do sistema de invalidade do código. É uma visão, tendo em vista o sistema de invalidade do Código. E esse sistema diz: não há nulidade sem prejuízo. Não se vai invalidar o processo se isso não causou prejuízo. Não se vai invalidar o processo se a falta do requisito processual não tiver causado prejuízo. Trata-se da aplicação do §2º, do art. 249, do CPC:

§ 2o Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta.”

Se eu posso julgar o mérito a favor de quem se beneficia com a nulidade, eu não vou anular se eu vou julgar o mérito em favor dele.

Exemplos:

O réu não foi citado. É um grave defeito processual. O juiz poderia julgar improcedente a demanda. Ignorar o defeito e julgar improcedente a demanda. Aí não há qualquer prejuízo pelo fato de ele não ter sido citado. Ele ganhou. Se houver possibilidade de prejuízo para o réu, o juiz não julga o mérito. Mas se ele for julgar improcedente, não há prejuízo para o réu.

Causa de incapaz em que o Ministério Público não foi intimado. Grave defeito processual. O juiz poderia julgar a favor do incapaz, ignorando o defeito, pois o defeito não gera prejuízo.

Incapaz sem representante. Grave defeito processual. O juiz poderia julgar favoravelmente ao incapaz e ignorar o defeito. Se ele está sem representante, mas ganhou, não houve prejuízo.

É uma visão nova porque na visão tradicional, faltou pressuposto processual, não pode examinar o mérito. Essa nova visão é defendida pelo titular da banca de direito civil da USP (examinador da magistratura/SP). Não ouvi o nome (Bedaque?). É um assunto dos mais relevantes por ser um assunto do dia-a-dia e essa é uma solução muito boa. Marinoni também pensa assim. Um orientando de Bedaque (?) chamado Daniel cunhou um nome para essa nova visão. Ele disse que essa nova visão dos pressupostos processuais deve se chamar instrumentalidade substancial do processo. Quer dizer, é uma visão reforçada da instrumentalidade do processo. Até mesmo a falta de um pressuposto processual tem que observar a instrumentalidade do processo. Esse Daniel estava na banca e perguntou em prova

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aberta do MP/ES, o que é instrumentalidade substancial do processo. Isso só existia no livro dele.

Feitas essas considerações gerais, vamos aos pressupostos.

Os pressupostos de validade se dividem em pressupostos objetivos e subjetivos. Os objetivos se dividem em intrínsecos e extrínsecos. E os subjetivos se dividem em subjetivos para o juiz (competência e imparcialidade) e subjetivos para as partes (capacidade processual e capacidade postulatória).

No seu caderno vão aparecer três capacidades: a capacidade de ser parte, que é pressuposto de existência, a capacidade processual (que é pressuposto de validade) e a capacidade postulatória que é pressuposto de validade.

OBS.: Algumas pessoas colocam a capacidade postulatória como pressuposto de existência. E aqui eu coloquei como de validade. Outras pessoas colocam a citação como pressuposto de existência, e vocês devem lembrar que eu não fiz isso. A citação, no nosso esquema de aula, vai entrar como requisito intrínseco.

(Fim da 1ª parte da aula)2.1. Pressupostos de validade OBJETIVOS

a) Pressupostos de validade objetivos INTRÍNSECOS

São os requisitos relativos à observância do procedimento. Para que o processo seja válido é preciso que se observe o procedimento, que se observem as exigências procedimentais. O respeito ao procedimento (por isso se fala em intrínseco) é um pressuposto de validade objetivo. É daí que se tira que a petição inicial tem que ser apta. É preciso que estejam juntados os documentos indispensáveis à propositura da ação. E é aqui que entra a citação.

CITAÇÃO

A citação é uma exigência do procedimento. Não se pode julgar contra o réu sem que o réu seja citado. Não se pode proferir uma decisão contra ele, sem que ele seja citado. É exigência do procedimento. A citação exerce no processo um duplo papel:

a) Uma condição de eficácia do processo em relação ao réu – A citação é uma condição para que o processo produza efeitos para o réu. É uma condição de eficácia do processo em relação ao réu. O processo só pode produzir efeitos em relação ao réu se ele for citado.

b) Um requisito de validade da sentença contra o réu – a sentença contra o réu só é válida se o réu for citado.

Esse pensamento, do ponto de vista numérico é o majoritário. Há, porém, que se destacar o pensamento que prevalece na PUC de São Paulo. É a universidade de muitos dos grandes processualistas brasileiros (Arruda Alvim, Tereza Wambier, Nelson Néri, Cássio Scarpinela Bueno). Trata-se de uma característica da PUC de SP compreender a citação como um pressuposto de existência do processo. O processo só existe após a citação do réu. Se o réu não foi citado, o processo não existe. Esse pensamento a gente não pode aceitar porque a citação é

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um ato do processo. A citação é feita com o processo ainda em andamento. Tanto é verdade que pode haver indeferimento da inicial. Se a petição inicial pode ser indeferida, teve inicial, teve sentença, teve apelação, tudo sem ouvir o réu. A citação é um ato que acontece com o processo já instaurado. Agora, sem a citação, o processo não pode produzir efeitos para o réu. Aí está certo. Exemplo interessante: o casamento é uma relação entre dois sujeitos. Qualquer outra pessoa não faz parte dessa relação jurídica. Isso quer dizer que o casamento não existe? Não. Ele existe. Só não é eficaz para os demais que não fazem parte da relação jurídica. Enquanto o réu não é citado, ele não faz parte da relação, mas isso não quer dizer que o processo não existe. Quer dizer apenas que o processo não é eficaz para o réu. Essa é uma confusão que não se pode cometer. Mas é pensamento da PUC. Se na banca tiver alguém da PUC de São Paulo, vc tem que conhecer porque essa é uma marca do pensamento deles.

E olhe como isso tem consequência grave. Sentença contra o réu que não foi citado é uma sentença que existe, mas é nula. Ela existe, mas tem um defeito. Para o pessoal da PUC, sentença proferida contra o réu que não foi citado é sentença inexistente. A primeira corrente entende que é uma sentença que existe, mas é nula. Para a corrente da PUC, não existe.

Para o direito brasileiro (prestem atenção para anotar tudo o que eu disser), sentença proferida contra réu revel não citado ou citado invalidamente é uma sentença que pode ser impugnada a qualquer tempo. E aí está o problema. Porque é uma sentença que pode ser impugnada a qualquer tempo, gera confusão. Como você pode ser voltar contra ela a qualquer tempo é que gera essa confusão toda. Para o pessoal da PUC você pode se voltar contra ela a qualquer tempo porque ela é inexistente. Como não existe, como é um nada, exatamente por isso, você pode a qualquer tempo se voltar contra ela. Para os adeptos da corrente filosófica, é possível voltar-se contra ela a qualquer tempo porque é nula. É uma sentença que tem um especial defeito, um defeito tão grave, que é possível voltar-se contra ela a qualquer tempo.

Nós (Fredie Didier) dizemos que a sentença aí, tem um vício transrescisório porque é um vício que permite invalidação mesmo após o prazo da rescisória. Permite a desconstituição da sentença mesmo após o prazo da rescisória.

Olha a briga das correntes: uma diz que a sentença é nula, impugnável a qualquer tempo, porque tem um vício transrescisório. Outra diz que a sentença não existe e porque não existe pode ser impugnada a qualquer tempo. Onde o Código prevê isso? Nos arts. 475-L, I e 741, I.

O nome do meio de impugnação dessa sentença é um nome em latim: querela nullitatis. A querela nullitatis é um meio para impugnar a sentença nessas situações, meio esse previsto nesses dois artigos. Para os adeptos da minha corrente, trata-se de uma ação nulidade da sentença. Para a corrente que eu adoto, a querela nullitatis é uma ação de nulidade da sentença. Para os adeptos da PUC, a querela nullitatis é uma ação declaratória de inexistência.

Percebam como até aqui a briga é terminológica porque ambas as correntes dizem que é possível impugnar a qualquer tempo, mas uma diz que pode impugnar a qualquer tempo porque é inexistente e a outra porque é nula. Ambas dizem que pode impugnar com base nos artigos que mencionei e ambas dizem que o nome é querela nullitatis. Até aí, não tem briga. É só discussão de nome.

Só tem uma consequência prática que a adoção de uma teoria ou de outra, compromete. Para a corrente que eu adoto se chega na execução e o executado não alega o vício transrescisório, não alega que não foi citado, que a sentença foi contra ele sem que tenha sido citado, preclusão. A sentença tem um vício gravíssimo, que pode ser alegado em qualquer tempo, mas se eu compareço à execução e não impugno, preclusão. Para os adeptos da PUC, não. Como a sentença não existe, é um nada jurídico, não há preclusão. Como não há decisão

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para os adeptos da PUC, não se pode falar em preclusão. Para quem adota a orientação que eu adoto, a sentença pode ser impugnada a qualquer tempo (não tem prazo), mas se você é citado na execução e não alega nada, preclui. Então, a briga é de nome até certo ponto. Neste particular não é exclusivamente de nome.

Concurso para Procurador do Estado de SP. Era um caso concreto em que o Estado de SP foi condenado sem ser citado. Tinha que fazer a peça de impugnação dessa sentença. A peça é uma querela nullitatis, só que você ia pedir o quê? Você ia pedir a declaração da inexistência ou ia pedir a invalidação da sentença? Aí é que tá... Na banca do concurso estava uma orientanda de doutorado de Tereza Wambier. O que ela queria? Que você entrasse com uma ação declaratória de inexistência, que ela chama de querela nullitatis. Em suma, entrar com a querela nullitatis para pedir a declaração de inexistência da sentença.

DICA IMPORTANTE: Eu não sei se vocês procuram se informar sobre os membros da banca. Um lugar interessante para pesquisar sobre os membros da banca, é o site que eu vou colocar: www.cnpq.br. Tem um link nesse site chamado “Plataforma Lattes”. A Plataforma Lattes é um Orkut acadêmico. Se você quiser saber o que o cara fez academicamente no Brasil, basta colocar, por exemplo: Fredie Didier e busca o currículo. Está tudo lá em termos acadêmicos (orientador, trabalhos publicados).

Então, essa é uma briga clássica, muito antiga e que tem esse perfil. Tem que saber as duas coisas. Pelo meu livro, observem o seguinte: o desenvolvimento da citação como pressuposto processual está no capítulo de citação e sobre a querela nullitatis existe um capítulo só para ela no volume III (que trata dos meios de impugnação da sentença). Isso é o que vcs tem que saber sobre querela nullitatis. Não vamos ver nunca mais (nem no Intensivo II). Uma última coisa:

Eu disse que a previsão da querela está nesses dois artigos. E esses dois artigos cuidam da defesa na execução. A pergunta é: eu posso entrar com querela nullitatis sem ser como defesa na execução? Porque a previsão dela é para a defesa na execução (é do que tratam esses dois artigos, 475-L, I e 741, I, do CPC). Eu posso entrar com a querela, autonomamente, sem ser como defesa na execução? Sim. É possível. A querela pode ser uma ação autônoma para invalidar sentença. Não há problema.

“Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre: I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)”

“Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)”

b) Pressupostos de validade objetivos EXTRÍNSECOS

Pressupostos extrínsecos são pressupostos estranhos ao processo e são negativos. Além de serem estranhos, são negativos. Negativos no sentido de que são fatos que não podem acontecer para que o processo seja válido. Por isso, negativos.

Exemplos: Não pode haver coisa julgada para que o processo seja válido. Não pode haver litispendência para que o processo seja válido. Não pode haver perempção. Não pode haver convenção de arbitragem porque se houver, o processo é inválido.

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Teve um concurso que perguntou assim (prova de marcar): São pressupostos processuais extrínsecos: litispendência, coisa julgada, perempção. Era essa a resposta certa. Essa resposta está certa? Os pressupostos processuais são a litispendência a coisa julgada e a perempção? Não! Os pressupostos são a inexistência de litispendência, inexistência de coisa julgada, inexistência de perempção. Os pressupostos são negativos. A questão tinha que ter sido anulada. Embora, as outras assertivas eram bizarras. Nem por aproximação dava para marcar. Litispendência, coisa julgada e perempção, pelo menos tem a ver.

Alguns autores mais antigos como Barbosa Moreira, Afrânio da Silva Jardim, colocam os pressupostos extrínsecos como condições da ação e não como pressupostos processuais. Então, não se assustem se isso acontecer. Qualquer pergunta ou prova oral que envolva esse assunto, não deixe de fazer registro a isso.

Alguns autores se referem aos pressupostos extrínsecos como impedimentos processuais. Se perguntarem em prova o que é um impedimento processual, a resposta é que impedimentos processuais designam os pressupostos extrínsecos.

Outros autores usam impedimento processual em outro sentido. Os impedimentos processuais seriam os pressupostos cuja falta não pode ser conhecida de ofício.

Se perguntarem no concurso o que são impedimentos processuais, você vai dizer que são uma designação que aparece na doutrina em dois sentidos: ora como sinônimo de pressuposto extrínseco, ora para designar os pressupostos cuja falta não pode ser conhecida de ofício pelo juiz.

2.2. Pressupostos de validade SUBJETIVOS

a) Pressupostos de validade SUBJETIVOS PARA O JUIZ: competência e imparcialidade

Nós já estudamos competência e já estudamos imparcialidade. Competência e imparcialidade são requisitos de validade. Se o juiz for incompetente e se o juiz for parcial, os atos processuais serão anulados.

b) Pressupostos de validade SUBJETIVOS PARA AS PARTES: capacidade processual e capacidade postulatória.

Já os pressupostos relativos às partes, a gente não estudou nada! E vamos começar a estudar hoje para só terminar na aula que vem.

CAPACIDADE PROCESSUAL

O que é a capacidade processual? É a aptidão de praticar atos jurídicos processuais independentemente de representação.

Em direito civil, vocês estudam personalidade e capacidade. Personalidade como aptidão de ser sujeito de direito e capacidade como aptidão para praticar atos da vida civil sem representação. Primeiro, você precisa ser sujeito de direito, depois, se chegará a praticar atos da

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vida civil independentemente de representação. No processo é a mesma coisa. Você tem a personalidade judiciária, que é a capacidade de ser parte, e tem a aptidão de praticar atos processuais, que é a capacidade processual. A capacidade processual está para o processo, como a capacidade civil está para o direito civil.

“A capacidade de ser parte está para o processo, como a personalidade está para o direito civil”.

Essa relação é muito importante. Capacidade processual também é chamada de capacidade para estar em juízo ou legitimatio ad processum. Cuidado com essa denominação.

Qual é a regra? A regra é a de que quem tem capacidade civil tem capacidade processual. Mas há exceções. Por exemplo: A pessoa casada tem capacidade civil e tem algumas restrições de capacidade processual. É um caso em que o sujeito tem capacidade civil e não tem capacidade processual.

A capacidade pode se ter para uma coisa e não se ter para outra. A capacidade permite gradação. A personalidade, não. A capacidade, sim. Uma pessoa de 16 anos não tem capacidade civil plena. Mas tem capacidade eleitoral plena. Você pode ter uma coisa e não ter para outra. Esse é um dos critérios para se distinguir capacidade de personalidade. A personalidade é sempre absoluta, ou se tem ou não se tem.

O nascituro é sujeito de direito e porque é sujeito de direito, tem capacidade de ser parte. Ser pessoa não é ter todos os direitos. Ser pessoa é poder ter algum direito. Se o nascituro pode ter direito a alimentos, por exemplo, ele é sujeito de direito. Na personalidade, basta a potencialidade de ter direito, já é pessoa e você ou tem ou não tem. Já na capacidade, não. Você pode ter para uma coisa e não ter para outra.

Falta de capacidade processual

Quais são as consequências da falta de capacidade processual? Diante da falta de capacidade processual, o juiz deve mandar regularizar a representação. É a primeira providência. Se a representação não for regularizada, o juiz vai tomar uma das seguintes providências:

Se for do autor – se o autor não regularizou a sua capacidade processual, o juiz vai extinguir o processo sem exame de mérito.

Se for do réu – se o réu não regularizar a sua capacidade processual, o processo segue à sua revelia.

Se for do terceiro – se é um terceiro que não regularizou sua capacidade processual, ele é expulso do processo.

Então, são três consequências distintas, conforme o sujeito que não regularizou a sua representação. Tudo isso está no art. 13, do CPC.

Alguns autores mais antigos diziam que as pessoas jurídicas não tinham capacidade processual. Isso porque as pessoas jurídicas teriam que ser representadas em juízo. Como elas tinham que ser representadas em juízo, elas não teriam capacidade processual. A pessoa jurídica só atuaria por meio de seu representante. Essa lição está errada! As pessoas jurídicas têm capacidade processual. Certamente, nas aulas de direito civil, vocês não ouviram falar de pessoas

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jurídicas como incapazes. Incapazes são os dementes, os menores de 18 anos. A pessoa jurídica não está nesse rol. O erro da lição está em confundir representação e presentação.

Presentação X Representação

Quando a gente fala em representação, pressupõe-se sempre dois sujeitos, há sempre uma relação entre dois sujeitos: representante e representado. Exemplo: pai (representante) e filho (representado). Quando há presentação, não há uma relação entre dois sujeitos. Na presentação há uma relação entre o sujeito e seu órgão e não um outro sujeito. A presentação é uma relação orgânica, entre o sujeito e o seu órgão.

Minha mão me representa? Minha mão é alguém distinto de mim, que age em meu nome ou a minha mão sou eu? Se minha mão der um tapa num sujeito, quem deu o tapa foi meu representante ou fui eu? A relação entre mim e minha mão não é relação de representação, mas de presentação. Minha mão me presenta porque sou eu. Se minha mão chega num lugar, eu cheguei. Estou correndo para o vestibular, o portão está fechando, se consigo meter a minha mão a tempo, eu cheguei. Minha mão sou eu. Ela não é alguém distinto de mim, que me representa porque a relação entre nós é uma relação orgânica.

Quando Lula abre a Assembléia da ONU que fala ali é o Brasil (tradicionalmente é o Brasil que abre) ou o representante do Brasil? Lula, ao falar, quem fala é o Brasil porque o Brasil é uma pessoa jurídica internacional. Como pessoa jurídica que é, a relação entre Brasil e Lula é orgânica. Quando a presidência age, não é alguém que está representando o Brasil, mas é o próprio Brasil porque a relação entre a pessoa jurídica e seu órgão é uma relação de presentação. Lula é, portanto, presentante do Brasil e não representante. Então, quando o presidente de uma pessoa jurídica está no processo, quem está no processo é a pessoa jurídica e não alguém a representando. E olha que interessante: Vocês já viram presidente de empresa com carta de preposição para ser preposto? Não. Porque na verdade é ele que dá a carta de preposição. Ele é a pessoa jurídica. Se ele estiver ali, a pessoa jurídica está ali. Agora, se ele não estiver ali, aí tem que ter um preposto. O preposto é que é o representante.

Concurso para o MP. Vocês vão fazer a peça: “O MPF vem, por meio do seu presentante...” O promotor e o procurador da República são o MP. Não representam o MP. Quando um promotor age, quem age é o MP. Um exemplo musical para vocês não esquecerem. No disco “O Estrangeiro”, de Caetano (1989) tem uma música chamada “Esse amor”. Caetano dedica essa música a Dedé Gadelha, de quem tinha acabado de se separar. A música é lindíssima. Uma obra-prima. Há um trecho da música que diz assim: “carne da palavra”. Temática palavra porque palavra é abstração. Ela não é concreta. É uma idéia, ao passo que carne é concreta. Carne da palavra é a materialização de uma palavra. A carne da palavra é a concretização da palavra. Que palavra? Amor. Quando ele se dirige a ela e diz que ela é a carne da palavra, ele está dizendo que ela é o amor. Ela não é a representante do amor. Ela é “o amor”, que resolveu fazer-se carne e fez-se nela. Então, quando ela anda, quem anda é o amor, quando chora, quem chora é o amor. Isso é muito bonito. E é uma imagem que tem tudo a ver com presentar. Ela é a presentante do amor. Assim como Lula é do Brasil. Nesse mesmo disco tem uma música dedicada à sua namorada, àquela que era, então, sua namorada, a jovem atriz Paula Lavigne. Chama-se “Branquinha”. Tem um trecho que diz assim: “carnação da canção que compus”. Ela é a carnação. Ela é a branquinha de que trata a música. Enquanto uma é o amor, a outra é a branquinha.

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O Curador Especial

Existe uma figura no processo chamada de curador especial. Quando a gente usa a palavra curador, a gente sempre remete ao representante. A palavra curador tem, na linguagem jurídica, a acepção de representante. O curador especial é um representante processual. É alguém para exercer as funções de representação no processo e só no processo. O curador especial é um representante processual e só para o processo. Ele é alguém que foi designado para ser representante do sujeito naquele processo e só ali.

Vejam a diferença. O sujeito que é curador em sentido amplo, é representante para tudo, inclusive para o processo. O curador especial, não. É alguém que é designado como representante apenas para o processo. Por isso que a galera diz que o curador especial é um representante ad hoc, que é um representante para determinada atribuição. O ad hoc é alguém designado para uma coisa específica. Terminado o processo, cessa a curatela especial. Quem designa o curador especial é o juiz.

Atualmente, as funções da curatela especial devem ser exercidas pelo defensor público. Se não houver defensor público designado na região, o curador especial será qualquer pessoa capaz. Mas, normalmente, o juiz nomeia um advogado porque o sujeito vai ser, ao mesmo tempo, um representante e um advogado, para ganhar tempo. Isso porque se ele nomeia uma pessoa qualquer, essa pessoa terá que ser curador especial e ainda vai ter que contratar um advogado. Então, a curatela especial é função institucional da defensoria pública. Se não tiver, vale qualquer pessoa capaz, preferencialmente, advogado.

O curador especial não é parte do processo. Parte é o curatelado. O curador especial é o representante da parte. O curador especial pode praticar todos os atos de defesa do curatelado, incluindo embargos à execução (Súmula 196, do STJ), ação cautelar incidental e mandado de segurança contra ato judicial. São atos de defesa dos interesses do curatelado.

O curador especial não pode reconvir, não pode propor a ação para o curatelado. O curador especial não pode reconvir porque a reconvenção não é um ato de defesa. O curador especial também não pode dispor do direito discutido (porque não é dele).

Ficam faltando as hipóteses de nomeação do curador especial que veremos na aula que vem.

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