01234556

download 01234556

of 74

description

estudo tematico revigorado

Transcript of 01234556

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO CENTRO DE CINCIAS HUMANAS

    CURSO DE LICENCIATURA EM MSICA

    O PASSO: Um mtodo de educao musical

    So Lus

    2012

  • CRISTIANE COSTA SOUSA

    O PASSO: Um mtodo de educao musical

    Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Msica da Universidade Federal do Maranho para a obteno do grau de Licenciado em Msica.

    Orientadora: Prof.Dr. Maria Vernica Pascucci.

    So Lus

    2012

  • Sousa, Cristiane Costa

    O Passo: um mtodo de educao musical / Cristiane Costa Sousa. 2012.

    XX f. Impresso por computador (Fotocpia).

    Orientadora: Maria Vernica Pascucci Monografia (Graduao) Universidade Federal do Maranho,

    Curso de Licenciatura em Msica, 2012. 1. Educao Musical 2. Msica Mtodos 3. Msica Movimento

    I. Ttulo

    CDU 78.021:37

  • CRISTIANE COSTA SOUSA

    O PASSO: Um mtodo de educao musical

    Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Msica da Universidade Federal do Maranho para a obteno do grau de Licenciado em Msica.

    Orientadora: Prof.Dr. Maria Vernica Pascucci.

    Aprovada em ____/____/____

    BANCA EXAMINADORA

    _________________________________________________ Prof. Maria Vernica Pascucci (Orientadora)

    Doutora em Educao Universidade Federal do Maranho

    _________________________________________________ Prof. Guilherme Augusto de vila

    Mestre em Violo Universidade Federal do Maranho

    _________________________________________________ Prof. Alberto Pedrosa Dantas Filho

    Doutor em Cincias Musicais Histricas Universidade Federal do Maranho

  • Aos mestres

  • AGRADECIMENTOS

    Aos amigos e professores que me apoiaram nessa caminhada, que

    contriburam com conselhos, incentivos, que cooperaram para o meu crescimento e

    aprendizado musical desde os tempos da Escola de Msica: Frederico Graa Mello,

    Carlos Eduardo Raqueth, Rogrio Chaves, Kathia Salomo;

    Ao Prof. Joaquim, pela colaborao no trabalho;

    A Mrcio Bos, pelos Passos dados juntos;

    Joelma Baldez, pela pacincia, ajuda e colaborao na reviso do texto;

    professora Carmen Mettig, pela ateno e por sua contribuio ao meu

    trabalho;

    Maria Haro, pelo carinho com que sempre me recebeu em sua casa no

    Rio de Janeiro, deixando-me sempre vontade durante o tempo necessrio para

    estudar e me aprofundar mais sobre O Passo.

    minha orientadora, Prof. Vernica Pascucci, pela ajuda, pacincia,

    compreenso,e por seu carinho sempre presente;

    Aos professores dO Passo e, em especial, a Felipe Reznik, que

    contribuiu com seu trabalho para que o meu tambm pudesse existir;

    A Lucas Ciavatta, por sua genialidade, simplicidade e por sua ajuda e

    presena constante;

    A Deus, sempre.

  • [...] a prtica educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decncia e de pureza.

    Paulo Freire

    Ningum nasce musical. Em vez disso, as pessoas nascem com capacidades de ateno, conscincia e memria que as habilita a aprender a pensar musicalmente- fazer e ouvir msica de forma competente, seno proficiente. A musicalidade adquirida por meio do ensino e aprendizagem de msica; no dom nem talento. Na verdade, alguns parecem ter altos nveis de inteligncia musical e alto nvel de interesse em aprender a fazer/ouvir msica. Esses fatores podem capacitar tais pessoas a desenvolver musicalidade e criatividade musical de forma mais profunda e abrangente que outras. Entretanto, a maioria das pessoas tem suficiente inteligncia musical para obter um nvel de competente musicalidade atravs de um programa sistemtico de educao musical.

    David Elliott, em Music Matte

  • RESUMO

    O presente trabalho um estudo sobre o mtodo de educao musical O Passo.

    Apresentamos um relato de experincia concernente ao referido mtodo,

    explicitando seus princpios, pilares e o processo de aprendizado musical.

    Realizamos um breve histrico sobre a educao musical, apresentando suas

    caractersticas ao longo dos anos, bem como algumas diferenas entre os termos

    mtodo, abordagem e proposta. Abordamos, tambm, os mtodos ativos que esto

    vigentes, dando prioridade aos que utilizam o corpo e a voz como instrumento de

    aprendizagem, a saber: Dalcroze, Orff e Willems, destacando-se suas

    caractersticas e seus fundamentos. Dentre esses mtodos, selecionamos

    especificamente o mtodo Dalcroze para relatar suas semelhanas e diferenas em

    relao ao mtodo O Passo, tendo em vista a estreita relao entre ambos.

    Palavras-chave: Mtodos. Educao Musical. Movimento.

  • ABSTRACT

    This work is a study on the method of musical education called O Passo. It is

    presented an experience report concerning to the referred method, explaining its

    principles, pillar sand the process of musical learning. We conducted a brief history of

    music education, presenting its characteristics over the years, as well as some

    differences among the terms method, approach and proposal. We also discuss the

    methods that are current and in use, giving priority to those which use body and

    voice as an instrument of learning, such as: Dalcroze, Orff and Willems, highlighting

    its feature sand its grounds. Among these methods, we specifically selected the

    Dalcroze method to report its similarities and differences with the method O Passo, in

    view of the close relationship between them.

    Keywords: Methods. Musical Education. Movement.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Foto 1 Instrumentos Willems ................................................................. 25

    Foto 2 Crianas tocando metalofone ..................................................... 25

    Foto 3 Atividade Willems ....................................................................... 26

    Foto 4 Pais e filhos em atividade Willems ............................................. 26

    Foto 5 Carrilho intratonal ..................................................................... 27

    Foto 6 Instrumental Orff ......................................................................... 30

    Foto 7 - Instrumental Orff 2. ...................................................................... 31

    Foto 8 Xilofones Orff .............................................................................. 32

    Foto 9 Aula Orff adultos ...................................................................... 33

    Foto 10 Aula Orff crianas .................................................................. 33

    Foto 11 Crianas tocando xilofone ........................................................ 34

    Foto 12 Atividade Dalcroze 1 ................................................................. 38

    Foto 13 - Atividade Dalcroze 2 ................................................................. 39

    Foto 14 Atividade Dalcroze 3 ................................................................. 39

    Foto 15 Curso dO Passo RJ .............................................................. 51

    Foto 16 Projeto Repique Trancoso/ Bahia ............................................. 52

    Foto 17 Westminster Choir College Princeton/USA ........................... 52

  • SUMRIO 1 INTRODUO ....................................................................................................... 10 2 BREVE HISTRICO DA EDUCAO MUSICAL ................................................. 12 3 OS TERMOS MTODO, ABORDAGEM E PROPOSTA ....................................... 17 4 PEDAGOGIAS DA EDUCAO MUSICAL .......................................................... 20 4.1 Edgar Willems (1890 1978) ............................................................................. 20 4.1.1 Princpios do Mtodo Willems ....................................................................... 23 4.2 Carl Orff (1895 1982) ....................................................................................... 27 4.2.1 Imagens do Instrumental Orff ........................................................................ 32 4.3 mile Jaques-Dalcroze (1865 1950) .............................................................. 34 4.3.1 Como o aprendizado em Dalcroze? ........................................................... 36 5 O PASSO ............................................................................................................... 40 5.1 A modo de introduo ....................................................................................... 40 5.2 O mtodo (1996) ................................................................................................. 41 5.3 Princpios dO Passo ......................................................................................... 45 5.3.1 Incluso ........................................................................................................... 45 5.3.2 Autonomia ....................................................................................................... 46 5.3.3 O Conceito de Posio ................................................................................... 47 5.4 Pilares dO Passo .............................................................................................. 49 5.4.1 Corpo e Representao ................................................................................. 49 5.4.2 Grupo e Cultura .............................................................................................. 49 5.5 Nas trilhas dO Passo ........................................................................................ 50 5.6 O Passo e o Mtodo Dalcroze .......................................................................... 54 5.6.1 Semelhanas e diferenas ............................................................................. 54 6 CONCLUSO ......................................................................................................... 58

    REFERNCIAS ..................................................................................................... 60

    ANEXOS ............................................................................................................... 62

  • 10

    1 INTRODUO

    A presente pesquisa versa especificamente sobre a metodologia de

    Educao Musical O Passo, que, desde sua criao em 1996, vem se solidificando

    dentro e fora do pas, sendo veiculada nas mdias (TV, jornais, livros e Internet).

    Para tanto, fez-se necessrio, antes de apresentar o mtodo, evidenciar as

    especificidades dos Mtodos de Educao Musical que o antecederam e que ainda

    esto vigentes em nosso pas. Lanamos um olhar retrospectivo que permitisse

    entender as razes da Educao Musical desde a Antiga Grcia at os nossos dias.

    Apontamos algumas ideias de filsofos, pensadores e educadores que foram se

    plasmando nas formas de ensino ao longo dos tempos.

    A aproximao, reflexo e aprendizado das caractersticas de cada

    metodologia surgiram de leituras bibliogrficas e experincias pessoais, tanto em

    sala de aula, quanto na participao de cursos de extenso de diferentes

    abordagens. Esclarecemos, no entanto, que no foi possvel contemplar todas as

    metodologias e seus representantes, pois isto extravasaria os objetivos deste

    trabalho. Desse modo, detivemo-nos to somente naqueles autores que

    consideramos como influenciadores do surgimento dos mtodos de Educao

    Musical.

    No decorrer do trabalho, deparamo-nos com as dificuldades surgidas do

    uso das diferentes nomenclaturas que nos levou, ento, a diferenciar o significado

    de mtodo, abordagem e proposta metodolgica.

    Uma vez feitas essas diferenciaes, versamos ento sobre os chamados

    Mtodos Ativos de Educao Musical, surgidos no decorrer do sculo XX e ainda

    muito utilizados na prxis musical atual. Priorizamos os mtodos que utilizam o

    corpo e a voz como instrumento de aprendizagem, deixando de lado,

    intencionalmente, as que seguem outras linhas de pensamento. Assim poderamos

    ter parmetros de comparao entre os mtodos nascidos na Europa e O Passo,

    eminentemente brasileiro. Desta forma, tratamos dos aspectos biogrficos dos

    idealizadores dos Mtodos Ativos e apontamos os princpios de cada metodologia,

    bem como os instrumentos musicais utilizados e a sistematizao do ensino de cada

    um deles, a saber: Willems (1890- 1978), Orff (1895-1982), Dalcroze (1865-1950).

  • 11

    Finalmente, apresentamos um relato de experincia sucinto, sobre como

    foi construdo o conhecimento acerca do Mtodo O Passo. Foi a partir do contato

    pessoal e profissional com o professor Ciavatta e do aprendizado do referido

    mtodo, atravs de cursos terico-prticos, que surgiu o interesse em compartilhar

    as caractersticas e utilidades do mesmo. Vivenciamos a importncia do mtodo,

    reconhecvel por se utilizar de uma linguagem que alcana a todos, crianas,

    msicos experientes e educadores musicais, e por resgatar e explorar a msica

    popular e folclrica do nosso Pas.

    Assim, passando pelas diversas etapas da construo do trabalho,

    esperamos poder apresentar O Passo e contribuir, assim, para a sua divulgao.

    Gostaramos que, num futuro prximo, ele faa parte dos mtodos de ensino musical

    utilizados pelos professores das escolas brasileiras.

  • 12

    2 BREVE HISTRICO DA EDUCAO MUSICAL

    No incio do sculo XX, a Educao Musical ganhou forma e se solidificou

    com os estudos de mile Jaques Dalcroze, Carl Orff, Edgar Willems, dentre outros

    pedagogos musicais, tendo cada um a sua importncia e influncia na histria da

    Educao Musical. Para que possamos entender como foram pensados e

    desenvolvidos esses mtodos a partir do sculo XX, faz-se necessrio um breve

    retorno a eles, exemplificando suas caractersticas principais, seus autores e o que

    se buscava com a criao de cada metodologia.

    Sobre as transformaes e modificaes que ocorrem a cada perodo

    Fonterrada1 afirma:

    A ideia de que o valor da msica e da educao musical sofrem modificaes a cada perodo histrico mobiliza a necessidade de refazer o percurso do pensamento em diferentes pocas em busca dessas transformaes (FONTERRADA, 2008, p. 25).

    Como afirmou Fonterrada, necessrio esse retorno s razes da

    Educao Musical, uma vez que hoje esta temtica est sendo frequentemente

    discutida, sobretudo, por causa da aprovao da lei2 que torna obrigatrio o ensino

    de Msica nas escolas.

    A sistematizao das teorias musicais e o surgimento de metodologias do

    ensino de Msica, no sculo passado, foi fruto de um longo processo acontecido sob

    influncia de pensadores, filsofos e educadores ao longo da Histria. Cientes de

    que a Msica sempre fez parte da vida do homem e de que as metodologias, como

    tais, surgiram muito depois, faremos a seguir um breve histrico desde a Grcia

    Antiga at os nossos dias, a fim de esclarecer sobre essas fontes de inspirao dos

    educadores musicais do sculo XX.

    Sabemos que as Artes e, em especial, a Msica estiveram presentes na

    vida dos povos e nas diferentes culturas. H inmeras evidncias disto nas pinturas,

    objetos e instrumentos musicais, encontrados em diferentes pases e hoje

    guardados como relquias nos museus mais importantes do mundo. No queremos 1Marisa Trench de Oliveira Fonterrada, docente do Instituto de Artes da UNESP, mestre em Psicologia da Educao, doutora em Antropologia pela PUC-SP e livre-docente em Educao Musical pelo Instituto de Artes da UNESP. 2 A lei 11.769/2008 altera a lei de Diretrizes e Bases da Educao n 9.394/96, que dispe sobre obrigatoriedade do ensino de msica na educao bsica no Brasil.

  • 13

    nos deter nesta questo, mas reportarmo-nos Grcia Antiga e, desde l, iniciar a

    nossa retrospectiva. Isso porque na Grcia que a Msica aparece profundamente

    ligada Filosofia e Educao como um todo.

    Sobre este aspecto, Granja afirma:

    A msica uma das manifestaes humanas mais antigas. Inscries e desenhos de instrumentos musicais nas cavernas, flautas feitas de ossos e outros indcios mostram que a msica praticada pelo homem h muito tempo. Existem registros da prtica musical em civilizaes milenares, como a hindu e a chinesa. Contundo, foi na Grcia antiga que a msica se aproximou de modo especial da educao e da filosofia (GRANJA, 2006, p. 21).

    Na Grcia Antiga, acreditava-se que a Msica tinha, dentre outras

    caractersticas, o poder de intervir no humor e no esprito das pessoas e, portanto,

    no poderia ser deixada em segundo plano e nem poderia ser ministrada somente

    por msicos executantes. Para que ela estivesse realmente desenvolvendo seu

    papel, deveria ser apresentada ao povo pelos legisladores, pois somente estes

    teriam o poder de fazer com que aquela fosse executada de forma correta. A

    preocupao com a Msica nesse perodo marcante. Os gregos acreditavam que

    ela exercia uma funo importante na formao do carter. As canes teriam que

    ser de exaltao natureza e no poderiam ser ofensivas. Ao contrrio, elas tinham

    que demonstrar obedincia s leis, senso de ordem e dignidade. Para atingir seus

    objetivos educacionais, os gregos utilizavam modos musicais e, dentre eles, um

    preferencial, o modo3drico4, pois acreditavam que ele trabalhava o equilbrio, a

    simplicidade e a temperana5 (FONTERRADA, 2008, p. 26).

    Nas duas maiores cidades gregas, Esparta e Atenas, a Msica sempre foi

    respeitada e galgava os melhores lugares. Mas esta podia ser praticada somente

    pelos cidados livres. Os escravos no usufruam desse bem.

    Tambm acreditavam que a Msica agia direto sobre a mente, o corpo e

    a alma. Com Plato, esses pontos se destacaram ainda mais, pois ele afirmava em

    3No dicionrio de termos e expresses da msica, encontramos duas acepes palavra Modo (lat. modus: maneira; ing.fr.mode; al. Tonart) 1. Nome usado para ordenar a escala diatnica organizado numa sequncia de tons e semitons. 2. Escalas que dominaram a composio musical no Ocidente por aproximadamente 1100 anos (sculo IV d.C. at o final do sculo XVI). 4Drico (al. dorisch; ing. dorian) segundo modo eclesistico, derivado dos modos gregos, corresponde escala de r a r executada nas teclas brancas do piano. 5O Dicionrio Larousse fornece algumas acepes do termo, segundo seu uso em diferentes campos cientficos: 1) Disciplina dos desejos e das paixes humanas; 2) Sobriedade no consumo de alimentos e bebidas; 3) Moderao, comedimento, parcimnia.

  • 14

    suas obras que a Msica, a Literatura e a Arte contribuam com a formao do

    carter, imprimindo ritmo, harmonia e temperana alma.

    Longe de serem esquecidos, esses pressupostos filosfico-educacionais

    influenciaram grandemente a cultura ocidental, no to somente no campo da

    Msica, mas tambm da Educao, da Filosofia, da Matemtica, para mencionar

    somente alguns deles (GRANJA, 2006, p. 22).

    Considerando a sistematizao da Msica e todo o processo de seu

    ensino na civilizao grega, podemos observar a forte presena de Plato e de seus

    conceitos a ela relacionados. Para ele, a Msica e a Ginstica completavam a

    formao do cidado, sendo que a ginstica servia para educar o corpo com intuito

    de trein-lo para a guerra e a Msica, para educar a alma, ambas integrariam o

    corpo e a alma (GRANJA, 2006, p. 38).

    J em Plato, a ideia de Msica ultrapassava os conceitos tidos como

    musicais; ele acreditava que alm de imprimir valores alma, a Msica tambm

    poderia transmitir valores ticos e estticos, contribuindo, assim, para a formao

    integral do indivduo. Tudo isso estava ligado doutrina do thosmusical, como

    explica Granja:

    Os gregos chamavam de thosmusical o carter particular associado a um determinado modo musical. Assim, um modo poderia exprimir um thos do homem valente ou do homem sereno, enquanto outros estariam associados aos maus hbitos, preguia, paixo (GRANJA, 2006, p. 38).

    Para Plato, a Msica estava acima das outras artes por ser

    comprovadamente responsvel pela formao tica e esttica e contribuir para a

    construo da moral e do carter. Vimos que, em diversas localidades, outros

    pensadores desse perodo tinham pensamentos semelhantes no que se refere ao

    valor da Msica e suas capacidades. Sabe-se tambm que, no incio da era Crist,

    pensadores e filsofos, como Santo Agostinho, Santo Toms de Aquino e Bocio,

    basearam-se nas teorias de Scrates, Plato e Aristteles para elaborar seus

    prprios conceitos a respeito da importncia da Msica na formao do ser humano.

    Desta forma, a Educao Musical atravessou momentos importantes,

    chegando ao sculo XVII e XVIII com caractersticas bem diferentes daquelas que

    tinham sido estabelecidas ainda em seu incio. Alis, a Educao de forma geral foi

  • 15

    ampliando os horizontes, e a forte presena de Rousseau6, no incio do sculo XVIII,

    deu um novo rumo e estabeleceu outras bases, tanto para a Educao de forma

    geral, quanto para a Msica em particular. Fonterrada afirma que, apesar de alguns

    pedagogos terem se manifestado sobre a questo da Educao Musical, Rousseau

    foi quem deu expresso viva e concreta ao naturalismo, concepo filosfica que

    no admite a existncia de nada que seja exterior natureza, reduzindo a realidade

    ao mundo natural e nossa experincia. O naturalismo recusa, portanto, qualquer

    elemento sobrenatural ou princpio transcendente. Mesmo a moral deveria basear-se

    nos princpios que regem a natureza, tomados como fundamentos das regras e

    preceitos de conduta.

    Rousseau destacava que a educao era puramente racional e que,

    dessa forma, no seria proveitosa para o homem. O grande pedagogo ressaltava

    aspectos que ele considerava mais humanos, tais como a natureza do afeto, da

    personalidade, do culto vida interior, do carter individual. A partir de seu

    envolvimento com a Msica, aprofundou seus conhecimentos nesse campo e

    acabou por desenvolver um programa pedaggico baseado na utilizao da Msica.

    Por esse motivo, Rousseau considerado um dos precursores dos mtodos ativos

    de Educao Musical.

    Ao se referir a esse autor, Fonterrada afirma:

    Rousseau o primeiro pensador a apresentar um esquema pedaggico especialmente voltado para a educao musical. De acordo com ele, as canes devem ser simples e no dramticas, e seu objetivo assegurar flexibilidade, sonoridade e igualdade s vozes. As canes propostas por ele no incluem a leitura musical, que s deveria ocorrer anos mais tarde (FONTERRADA, 2008, p. 60).

    Outro pedagogo discpulo de Rousseau que tambm desenvolveu um

    esquema pedaggico de Educao Musical foi Pestalozzi7, que influenciou

    profundamente a Educao, concebendo-a como um processo de desenvolvimento

    harmonioso do ser humano, no plano fsico, moral e intelectual. Pestalozzi tambm

    se ocupou com a Msica e pensava que o aprender musical deveria ser um ato

    anterior escrita e que todo o processo de aprendizado de msica deveria iniciar na

    prtica e na experincia da mesma para, posteriormente, passar ao aprendizado dos 6Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra, Sua, publicou o Discurso sobre as cincias e as artes, em 1755, publicou o Discurso sobre a origem da desigualdade. Em 1762, publicou o Contrato social, livro que o levou a exilar-se na Sua, depois na Inglaterra. Retorna Frana, onde morre. 7Johann Heinrich Pestalozzi nasceu em Zurique, Sua, em 1746. Morreu com 81 anos, em 1827.

  • 16

    contedos tericos. Assim, Pestalozzi desenvolveu princpios que norteiam o seu

    sistema de Educao Musical, como especifica Fonterrada:

    Ensinar sons antes de ensinar signos e fazer a criana aprender a cantar antes de aprender a escrever as notas ou pronunciar seus nomes. Lev-las a observar auditivamente e a imitar sons, suas semelhanas e diferenas, seu efeito agradvel ou desagradvel, em vez de explicar essas coisas ao aluno- em suma, tornar o aprendizado ativo, e no passivo. Ensinar uma coisa de casa vez: ritmo, melodia e expresso, antes de fazer a criana executar a difcil tarefa de praticar todas elas de uma vez. Faz-la trabalhar cada passo dessa diviso at que os domine, antes de passar para o prximo. Ensinar os princpios e a teoria aps a prtica. Analisar e praticar os elementos do som articulado para aplic-los na msica. Fazer que os nomes das notas correspondam aos da msica instrumental (FONTERRADA, 2008, p. 61 - 62).

    Com pensadores e pedagogos como Rousseau e Pestalozzi, fica claro

    que, medida que os perodos histricos avanaram, surgiram tambm

    transformaes dentro do mundo da Msica e da Educao Musical. As canes, as

    instrumentaes, as teorias musicais, tudo ganhou um novo estilo em resposta a

    uma nova maneira de pensar. Desta forma, os objetivos apareceram, j desde o

    sculo XVIII, apontando mais aspectos musicais do que aqueles relacionados to

    somente formao do carter e ao engrandecimento do esprito. Tambm a

    Educao tornou-se mais significativa nas principais sociedades, e as correntes

    educacionais mais importantes comearam a incluir a Msica em seus currculos e,

    nos pases desenvolvidos, ela at mesmo obrigatria.

    Diante do exposto, podemos concluir que a Msica e a Educao foram

    pensadas e organizadas luz dos pensamentos e das contribuies dadas no s

    por pedagogos, mas tambm por filsofos. Tais influncias foram marcantes para

    estabelecer mudanas que iriam se solidificar no sculo XX, com pedagogos

    musicais e suas abordagens de ensino, agrupadas sob o nome de Mtodos Ativos;

    embora Fonterrada (2008, p. 119) sustente que nem todos podem ser considerados

    mtodos, mas sim abordagens ou propostas. Muitos deles foram introduzidos no

    Brasil, influenciando nossas prticas. Assim sendo, e antes de nos determos na

    anlise de alguns deles, faz-se necessrio esclarecermos o que mtodo e as

    diferenas com relao a outros termos utilizados no mbito da Educao Musical

    como, por exemplo, abordagem e proposta.

  • 17

    3 OS TERMOS MTODO, ABORDAGEM E PROPOSTA

    No mbito da Msica, comum ouvirmos palavras tais como mtodos,

    abordagens, propostas, entre outras; tudo para fazer referncia a algo que seja uma

    espcie de mapa, um guia, uma bssola, que mostre o caminho que se deseja

    percorrer com segurana. Encontrar esse caminho ter em mos e na mente a

    direo e o correto modo de aplicao de contedos musicais e formas de ensino.

    notrio que, entre esses termos, o que h em comum a necessidade

    de, ao seguir um determinado modelo, o professor fazer com que seu aluno ou ele

    prprio em seus estudos chegue a algum lugar; ou seja, que esse modelo conduza

    o sujeito a um determinado aprendizado.

    Todos os pedagogos musicais, quando se propuseram a criar

    mecanismos de aprendizagem para seus alunos, no pensavam em tais palavras;

    eles simplesmente iam criando, testando e tentando, que o mais importante. Mas

    as suas pesquisas e estudos, atualmente, possuem uma nomenclatura especfica, e

    no podemos mais consider-las fora desses parmetros. A fim de entendermos

    qual nomenclatura iremos utilizar, faremos uma pequena exposio e destacaremos

    o que significa cada termo que foi citado e quais as diferenas entre eles.

    A palavra mtodo8 constantemente utilizada no contexto musical. E, de

    acordo com Penna9, o mtodo conduz ao domnio tcnico:

    No cotidiano da rea de msica, o termo mtodo muitas vezes refere-se simplesmente ao material didtico que traz uma srie de exerccios - assim, por exemplo, fala-se do mtodo x de flauta doce, tal mtodo de violo popular etc. Voltados para o aprendizado de instrumentos, mtodos desse tipo so constitudos por uma sequenciao progressiva de exerccios e/ ou de repertrio que seus autores tm usado com seus alunos e que tem dado certo, tem funcionado para o domnio tcnico de um fazer musical [...] (PENNA, 2011, p. 14,15).

    Sabemos que h diversas acepes para a palavra mtodo no ambiente

    da Educao Musical, que, no sentido mais geral, quer dizer como?. E, ainda de

    acordo com Gainza10, mtodo tambm pode ser considerado: 8Mtodo (lat. tardio methodus, do gr. methodos, de meta: por, atravs de; e hodos: caminho). 1. Conjunto de procedimentos racionais baseados em regras, que visam atingir um objetivo determinado. 9Doutora em Lingustica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Graduada em Msica e Educao Artstica pela Universidade de Braslia (UnB). Mestre em Cincias Sociais pela Universidade Federal da Paraba (UFPB).

  • 18

    Un enfoque metodolgico remite, por lo general, a una creacin individual onde actividades y materiales se presentan cuidadosamente secuenciados, conel objeto de ofrecer a educadores y alumnosun panorama ordenado y completo de cierta problemtica especfica. cada autor enfatiza particularmente determinado aspecto de laenseanza musical: kodalytrabajael repertorio coral, willemsahondaenlos aspectos psicopedaggicos de laenseanza y orff, enel ritmo (corporal y del lenguaje) y los conjuntos instrumentales, etc. (GAINZA, 2003)11.

    Observa-se que h, para cada mtodo criado, uma concepo de

    materiais, como bem explica Gainza. Dependendo de qual seja o tipo de abordagem

    escolhida pelo autor, diferentes materiais sero empregados no ensino, como

    tambm exemplifica Penna:

    Tais mtodos, portanto, diferenciam-se entre si: alguns so mais prescritivos, com materiais didticos bastante fechados; outros menos, fornecendo sugestes ou relatos de atividades mais abertas e flexveis; alguns discutem, em textos tericos, os fundamentos filosficos ou mesmo psicolgicos de suas propostas(como Willems, 1963[1956]), enquanto outros so divulgados em grande parte atravs de cadernos de atividades ou ainda , de relatos de experincias (como no caso de Paynter e Schafer). No entanto, todos esses mtodos configuram propostas de como desenvolver uma prtica de educao musical, estruturando-se sobre princpios, finalidades e orientaes gerais explicitados em maior ou menor grau (PENNA, 2011, p. 17).

    Ainda com relao aos sinnimos da palavra mtodo, podemos encontrar

    uma referncia de Penna ao autor Bru12, que tambm expe o que significa a

    palavra mtodo:

    a) um conjunto de meios; b) escolhidos com um fim de atingir um ou vrios objetivos inscritos em um propsito; c) mediante aes organizadas e distribudas no tempo. Para conferir maior preciso a essa concepo, acrescentemos que, conforme os princpios que o fundamentam, um mtodo pedaggico no apenas uma mescla de tcnicas e procedimentos, tampouco se trata de um algoritmo, de uma espcie de modo de emprego codificado pela ao que, corretamente executada, sempre produziria os mesmo efeitos (BRU, 2008, p.7 apud PENNA 14).

    Pode-se afirmar que, para a pesquisa sobre O Passo, as definies sobre

    mtodo conseguem ter relaes com algumas propostas pedaggicas vigentes,

    10A Doutora Violeta Gainza Licenciada em Msica pela Universidade de Tucumn- Argentina. Presidente do Foro Latinoamericano de Educao Musical (FLADEM). 11 Um enfoque metodolgico remete, pelo geral, a uma criao individual onde atividades e materiais se apresentam cuidadosamente sequenciados, com o objetivo de oferecer a educadores e alunos um panorama ordenado e completo de certa problemtica especfica. Cada autor enfatiza, particularmente, determinado aspecto do ensino musical: Kodaly trabalha o repertrio coral, Willems aprofunda nos aspectos psicopedaggicos do ensino e Orff, no ritmo (corporal e da linguagem) e os conjuntos instrumentais, etc. (Traduo nossa). 12 MarcBru professor da Universidade de Toulouse II, Frana. Autor do livro Mtodos de Pedagogia, 2008.

  • 19

    podendo haver caractersticas diversas, quanto ao seu grau de sistematizao e

    detalhamento.

    Ainda sobre a definio de mtodo, o dicionrio Aurlio tem outras

    proposies, a saber: 1. Procedimento organizado que conduz a um certo resultado.

    2. Processo ou tcnica de ensino. 3. Modo de agir, de proceder. 4. Regularidade e

    coerncia na ao. 5. Tratado elementar.

    Notamos que os significados so importantes para sabermos nos colocar

    em meio s opes de termos. preciso haver esse discernimento para a

    apropriao de uma referncia adequada.

    Com relao aos termos utilizados, encontramos em algumas literaturas

    as palavras abordagem e propostas de ensino, que, em linhas gerais, podem ser

    entendidas como algo proposto, ou uma maneira como ser realizado algo, ou seja,

    uma sugesto, uma aproximao.

    As palavras abordagem e proposta tambm aparecem na literatura

    relacionada ao ensino da Msica. Em linhas gerais, podemos dizer que abordar

    musicalmente pode ser entendido como sendo a prtica musical que visa aproximar-

    se ou limitar-se; j proposta musical opera no campo da sugesto. Assim, cabe a

    cada educador analisar qual mtodo, abordagem ou proposta melhor para o seu

    trabalho ou mesmo para seu estudo.

  • 20

    4 PEDAGOGIAS DA EDUCAO MUSICAL

    4.1 Edgar Willems (1890 1978)

    Edgar Willems nasceu no dia 13 de outubro de 1890 e faleceu em 1978,

    na cidade de Lanaken (Blgica). Seu envolvimento com a arte se deu a partir de

    1910, atravs de seus estudos em Belas Artes. Nesse perodo, ainda no tinha

    abraado a Msica como sua arte final, estava a praticar Pintura. Willems sempre

    demonstrou habilidade com as Artes de uma maneira geral e tinha um leve contato

    com a Msica sem se profissionalizar. A herana musical veio de seu pai que, alm

    de msico, tambm era professor do Ensino Fundamental, desenhista e regente de

    coral (PAREJO, 2011, p. 99), profisses que o filho veio a abraar posteriormente.

    Com o avanar dos anos, Willems sentiu-se mais atrado pela Msica e

    comeou a pratic-la ainda de forma autodidata. Durante esse perodo, ele

    desenvolveu suas composies e improvisaes, percebendo que, para ele, a

    Msica nascia de uma necessidade interior de expresso (PAREJO, 2011, p. 100).

    Durante o perodo de experimentaes, Willems esteve muito

    introspectivo e isso o levou a refletir sobre vrios aspectos da vida e da Arte. Suas

    aspiraes, vivncias, experincias tiveram grande influncia no que veio a se tornar

    o seu mtodo. notria, em sua metodologia, a importncia que d ao humano

    como fonte inspiradora para aquele que se tornar professor (PAZ, 2000, p. 250).

    De sua ligao com a Teosofia13 e Antroposofia,14 surgiu um interesse, e

    elas influenciaram grandemente as bases do seu mtodo. A partir dessa relao

    com os movimentos filosficos citados, estabeleceu os elementos que constituem a

    Msica e a Natureza, aos que ele chamou de princpios psicolgicos (PAREJO,

    2011, p. 93).

    13Teosofia (do grego theosophia): termo que se aplica a diferentes doutrinas de carter mstico e inicitico, sentido esotrico e inspirao oriental (hindusmo, religies do Egito antigo, orfismo, etc.) A teosofia pretende, entretanto, combinar uma explicao racional do universo e do sentido da vida com um sentimento mstico de unio com o divino e uma inspirao ou iluminao de carter privilegiado, dando ao iniciado poderes extraordinrios e uma sabedoria superior. 14Antroposofia (do grego conhecimento do ser humano): pode ser definida como um mtodo de conhecimento da natureza e do ser humano, podendo ser ampliado atravs do mtodo cientfico convencional, sua aplicao em diversas reas da vida humana.

  • 21

    At ento, ele praticava a msica informalmente, mas em 1925 foi estudar

    no conservatrio em Genebra. L, foi aluno e posteriormente professor. Ministrou

    Filosofia e Psicologia aplicadas Msica. Dessas experincias, surgem as primeiras

    tentativas de elaborar um mtodo de Educao Musical. Cria, ento, um curso de

    desenvolvimento auditivo para adultos e logo depois para crianas com idade de

    cinco anos (PAREJO, 2011, p. 100).

    A respeito de Willems ser um mtodo ou no, Carmen Mettig15 afirma:

    Quando analiso a obra de Edgar Willems, percebo a grandiosidade do seu trabalho. Existem os princpios, oriundos de uma intuio profunda, uma perspiccia psicolgica mpar, e muita dedicao e amor msica e criana. Existe um mtodo com suas caractersticas, embasadas na filosofia, na psicologia, na fisiologia, decorrentes de uma rica experincia e com a comprovao de estudiosos de reconhecida competncia. um mtodo, porque tem embasamento e continuidade nas suas etapas (METTIG, 2007).

    A autora ressalta tambm:

    um mtodo ativo de educao musical que tem como princpios bsicos: 1) as relaes psicolgicas estabelecidas entre a msica e o ser humano; 2) no utilizar recursos extra musicais no ensino musical; e 3) enfatizar a necessidade de trabalho prtico antes do ensino musical propriamente dito (METTIG apud PAZ, 2000, p. 250).

    Observamos, na explicao de Mettig, um dado muito importante no que

    se refere a mtodo; ela afirma que ele o , pois possui continuidade. possvel ver,

    em Willems, sua preocupao com a formao pedaggica de quem vem a ser um

    educador em seu mtodo, pois ele escreveu vrias obras para orient-los nesse

    sentido. So livros que versam sobre Pedagogia, Filosofia e Psicologia; pois, para

    ele, era de fundamental importncia que o professor tivesse uma boa base para que

    esta fosse passada atravs da Msica de forma correta para os seus alunos (PAZ,

    2000, p. 250). As suas ideias surgiram, como mencionado anteriormente, do seu

    contato com a Filosofia, Teosofia e a Antroposofia, linhas filosfico-religiosas que o

    fizeram observar as ligaes do homem com a natureza, relaes essas que

    permeiam a construo da sua metodologia.

    A aprendizagem do mtodo apresentada atravs de planos que ele

    dividiu em cadernos, exemplificando como trabalhada numa aula de Iniciao

    Musical. No livro de Mettig (2007), esto elencados estes quatro elementos: 15Carmen Maria Mettig Rocha nasceu no Rio de Janeiro em 1949, possui formao em Pedagogia, Licenciatura em Msica e Piano pela Faculdade de Educao e Escola de Msica e Artes Cnicas da UFBA. Tendo Ps- Graduao em Teoria Musical pela mesma Faculdade.

  • 22

    a audio;

    o ritmo;

    a cano;

    o movimento corporal.

    Aqui a Msica vista com um todo. Para uma aula Willems, cada parte

    que foi citada acima deve possuir um desenvolvimento progressivo e aprofundado.

    Ainda no livro de Mettig, ela assegura que o processo de Educao Musical passa

    por trs momentos diferentes, so eles:

    vivncia inconsciente (vivncia sincrtica);

    tomada de conscincia atravs de grficos;

    vivncia consciente (com leitura e escrita musical).

    Aqui Willems deixa claro que, em uma prtica musical, primeiramente

    vem a Msica e logo em seguida a conscincia; ou seja, a teoria vir sempre depois

    da prtica, nunca antes de a criana experimentar, vivenciar.

    Outro ponto muito relevante na metodologia de Willems foi a importncia

    que ele deu educao auditiva, que culminou na criao de um livro chamado de

    O ouvido musical: a preparao auditiva da criana. Para estabelecer as bases de

    como seria essa educao, Willems recorreu a conhecimentos e idias de

    representantes das mais diferentes reas, tais como pedagogos, msicos, filsofos e

    cientistas, compreendendo-a nos aspectos fisiolgico, afetivo e mental, (PAREJO,

    2011, p. 96).

    Vimos que, em sua metodologia, Willems construiu uma sequncia dentro

    dos contedos que sero trabalhados em aula, s para citar alguns dos j expostos,

    tais como a vivncia antes da teoria e a preocupao com audio da criana. Outro

    ponto importante na metodologia de Willems no associar o ensino de Msica

    somente ao talento de alguns. Seu pensamento acerca da Msica a de que ela

    promove a divulgao da cultura auditiva ou Inteligncia auditiva, que, segundo o

    autor, no trabalhada de forma satisfatria.

  • 23

    4.1.1 Princpios do Mtodo Willems

    Cada metodologia possui caminhos que norteiam os professores para que

    eles cheguem aos objetivos desejados. Embora j tenhamos mencionado algumas

    caractersticas em relao ao mtodo, demonstraremos, a seguir, etapas e materiais

    especficos indicados pelo autor. Para tanto, utilizaremos o livro Sugestes de

    Atividades Para Aulas de Iniciao Musical (Mtodo Willems), de autoria de Carmen

    Maria Mettig Rocha, que referncia no assunto e divulgadora do mtodo aqui no

    Brasil. O livro em questo utiliza informaes que foram fornecidas pelo Jornal da

    Associao Willems.

    Primeiramente, iremos apresentar as bases filosficas e psicolgicas do

    mtodo citadas no livro de Mettig, vejamos algumas:

    Apresentam ligao entre a Msica, o Ser Humano e o Cosmo.

    Seguem ordens naturais hierrquicas.

    Baseiam-se na natureza ntima dos elementos, essenciais da Msica e

    no s dos seus aspectos exteriores.

    Seguem uma ordem de desenvolvimento semelhante ao da aquisio

    da lngua materna.

    Sob ponto de vista pedaggico, esta educao inspira-se no mtodo

    global no que diz respeito vida. E no analtico para a tomada de

    conscincia.

    Indicam que a marcao do compasso praticada de uma maneira

    natural, mas metdica, respeitando a natureza pendular do compasso

    de 2 tempos, narrativa, do compasso de 4 tempos e a natureza

    rotativa.

    Valorizam movimentos corporais naturais: andar, correr, saltar,

    galopes etc., partindo da prpria msica e tendo por finalidade o

    desenvolvimento do mnimo de corporeidade e do mximo de sentido

    de tempo.

    Pelo fato de ter sido discpulo de Dalcroze, natural existir muitas

    semelhanas entre suas ideias e as de seu mestre, sobretudo no que diz respeito

    corporeidade, que so os exerccios de locomoo e movimento corporal. Dentre as

  • 24

    propostas que podem ser utilizadas em aula, vamos exemplificar mais uma, que foi

    tirada do mtodo publicado por Mettig (2007). Vejamos:

    CANES simples para principiantes;

    Canes preparatrias para a prtica instrumental;

    Canes com intervalos;

    Canes com nome de notas, etc.

    No site da Associao16 Internacional de Educao Musical Willems,

    tambm encontramos pontos comuns aos j expostos no caderno de Carmen Mettig,

    assim como um resumo bem elucidativo sobre as sries e sobre o desenvolvimento

    do mtodo em nvel internacional. Vejamos como organizado, sem apresentar as

    divises que cada item possui, somente o esquema do mtodo.

    A iniciao musical: 1 grau

    A iniciao musical: 2 grau

    A iniciao pr-solfgica e pr-instrumental: 3 grau

    O solfejo vivo e a educao instrumental: 4 grau

    Willems organizou seu mtodo em etapas, que foram demonstradas

    durante a exposio do seu mtodo para o futuro professor. Deixou uma vasta

    bibliografia, onde se podem encontrar os Cadernos, nos quais esclarecida a

    sequncia a ser trabalhada por aquele que se torna um professor de seu mtodo.

    Alm de seus livros denominados Cadernos Pedaggicos, constituintes de uma

    srie (do n. 0 ao n. 10) , que podem ser encontrados em quatro lnguas: portugus,

    espanhol, italiano e alemo, h vrias publicaes que versam sobre Pedagogia,

    Filosofia e Psicologia. No site, h informaes relevantes para quem tem interesse

    em estudar o mtodo e obter formao especfica em Willems.

    O mtodo Willems ensinado em vrios pases da Europa e da Amrica

    Latina. Aqui no Brasil, pode-se estud-lo em Salvador BA, no Instituto de

    Educao Musical, com a professora Carmen Mettig, que recebeu das mos do

    prprio Willems o certificado que a habilitava a ensinar o seu mtodo.

    Willems no criou somente livros pedaggicos para que o professor

    pudesse seguir. Ele adequou tambm ao seu mtodo instrumentos que

    complementam a atividade musical, como veremos nas imagens a seguir: 16Disponvel em: Acesso em: 10 mar. 2012.

  • 25

    Foto 1: Instrumentos Willems Fonte: http://www.ecoledelauditeur.com/cledessons/pedagogie_willems.php

    Foto 2: Crianas tocando metalofone Fonte: http://www.spectable.com/association-education-musicale-croche-pointee-double/78618

  • 26

    Foto 3: Atividade Willems Fonte: http://www.ecoledelauditeur.com/cledessons/pedagogie_willems.php

    Foto 4: Pais e filhos em atividade Willems Fonte: http://www.ecoledelauditeur.com/cledessons/pedagogie_willems.php

  • 27

    Foto 5: Carrilho intratonal Fonte: Imagem recebida por: [email protected] em: fev. 2012.

    4.2 Carl Orff (1895 1982)

    Carl Orff nasceu em 10 de julho de 1895, em Munique, Alemanha. Veio

    de uma famlia musical, seus pais tocavam piano, e, em sua casa, eram constantes

    os saraus. O pai de Orff, Heinrich, era de formao militar, e sua me, Paula

    Kestler, era pianista concertista; tendo obtido esse grau aos 12 anos de idade,

    (BONA, 2011, p.131). Orff vivia cercado por msica no bairro em que morava. Dos

    restaurantes, era possvel ouvir canes folclricas e msicas advindas do quartel,

    onde se tocavam, sobretudo, marchas militares.

    A formao musical de Orff se deu primeiramente em famlia, atravs de

    aulas de piano com sua me. Na escola, Orff demonstrou interesse por lnguas

    antigas, mas, ao longo dos anos, a Msica foi ficando cada vez mais presente na

    sua vida. Estudou violoncelo, tocou na orquestra de sua escola, e, quando criana,

  • 28

    fazia solos no coral da igreja. Orff tambm teve contato com grandes peras que

    estavam em alta naquele perodo.

    Posteriormente, para completar seus estudos, foi estudar na Academia de

    Msica de Munique. Foi mestre de capela da Orquestra de Cmara de Munique, do

    Teatro Nacional de Mannheim e do Teatro da Corte do Gro Duque de Darmstadt.

    Em 1924, orientava musicalmente Dorothee Gnther, que fundou uma

    escola de ensino de Ginstica Rtmica e Dana. A escola era chamada de

    Gntherschule, que significa Escola de Gnther o nome da fundadora. A escola

    localizava-se em Munique e, tambm, contava com professora Gunild Keetman, que

    ministrava aulas de dana e movimento. Alm delas, Orff tambm podia contar com

    a danarina Maja Lex, que foi discpula de Rudolf Von Laban17. Com o surgimento

    dessa escola e como apoio de professores gabaritados, Orff comea a colocar em

    prtica suas ideias sobre msica, movimento e linguagem (BONA, 2011, p. 138).

    Os estudos e composies de Orff continuam, e, em 1953, estreia a

    cantata Carmina Burana sua obra mais conhecida, que tem origem no

    desenvolvimento no estilo de msica elementar (BONA, 2011, p. 134). nesse

    perodo tambm que ele se dedica a Orff-Schulwerk (obra escolar), que, de acordo

    com Bona, quer dizer:

    A OrffSchulwerk, cuja essncia o pensamento musical elementar, muitas vezes foi considerada primitiva. A educao musical elementar ou bsica - parte do entendimento de que linguagem, msica e movimento esto originalmente interligados pelo fenmeno rtmico (BONA, 2011, p. 128).

    Em vrias literaturas sobre Orff, tambm constante a expresso msica

    elementar ou msica elemental". Em Fonterrada (2008, p. 160), h o seguinte

    esclarecimento: [...] msica elemental, isto , uma msica primordial que

    envolvesse a fala, dana e movimento, partisse do ritmo e servisse de base

    educao musical da primeira infncia.

    O esclarecimento mais importante, no entanto, vem do prprio Orff, que,

    em 1951:

    O que msica elementar? Elementar, em latim elementarius, quer dizer pertencente aos elementos, primeira matria, primeiro princpio, relacionado ao princpio. Prosseguindo, o que msica elementar? Msica elementar jamais ser unicamente msica, ela est interligada ao

    17 Rudolf Von Laban nasceu na Bratislavia. Considerado um dos maiores coregrafos e professores de dana, criador da Labanotation, um sistema de notao do movimento humano utilizado para interpret-lo, descrev-lo e visualiz-lo.

  • 29

    movimento, dana e literatura, aquela msica, realizada pessoalmente pelo indivduo, com a qual ele est vinculado com executante e no apenas como ouvinte. Ela pr-espiritual, desconhece as grandes formas e a arquitetura, ela contm pequenas formas de sequncias, ostinati e pequenos ronds. Msica elementar est flor da terra, natural, corprea, pode ser aprendida e vivenciada por todos, adequada criana (ORFF apud BONA, 2011, p. 140).

    Vimos que a msica elementar ou elemental aquela que, como bem

    afirmou Orff, est ligada ao sentimento. a primeira experincia que uma criana ou

    um adulto pode ter ao fazer msica.

    Dando seguimento sua proposta, Orff estabeleceu alguns pontos que

    norteiam o desenvolvimento do aprendizado musical, como demonstraremos no

    esquema a seguir:

    linguagem;

    msica;

    movimento;

    improvisao.

    Todos os pontos citados em Orff so trabalhados de forma conjunta, ou

    seja, considera-se a expresso da fala que vem atravs de canes infantis e das

    rimas, que constituem um ritmo que pode ser agregado improvisao, tanto

    meldica quanto instrumental. Assim, utiliza-se a msica para conhecer sons;

    primeiramente, dois, trs sons, inseridos de forma gradual; sem deixar de introduzir

    o corpo nas atividades; admitindo-se o uso das diversas formas de deslocamento.

    Na Orff-Schulverk ou Obra escolar, o autor traz exemplos de msicas

    europeias que so utilizadas nos livros. O material compreende cinco livros, e cada

    um direcionado tanto para a prtica da linguagem (do canto), quanto para a prtica

    instrumental que trabalhada de forma gradativa, sempre pensando em como agem

    as crianas. O material da Orff-Schulwerk baseado em canes infantis,

    brincadeiras, rimas, lengalengas etc. Cada volume dedicado a um contedo

    musical sequenciado: volume 1 o pentatnico; volume 2, bordes e acordes

    perfeitos; volume 3, dominantes no modo menor; volume 4, bordes no modo menor

    e volume 5, dominantes no modo menor (BONA, 2011, p. 142,143).

    Ainda sobre a obra supracitada, interessante informar que aquele que

    pretende trabalhar com os cadernos pode utilizar o mesmo modelo, adaptando-o,

    porm, a cada pas e realidade.

  • 30

    Como informa Bona:

    [...] A estrutura da obra permitiu a sua adaptao musical e potica em muitos pases. A adaptao implica na utilizao dos elementos culturais de cada pas: linguagem, padres rtmicos, danas e instrumentos que pertencem cultura de cada lugar (BONA, 2011, p. 143).

    Completando a atividade pedaggica, Orff elaborou o instrumental

    adaptado a sua pedagogia. So alguns instrumentos de percusso e sopros, hoje

    conhecidos como instrumental Orff. Estes ressurgiram em 1949, pois os anteriores j

    no mais existiam quando da destruio da Gntherschule. Mas, naquele perodo,

    havia um construtor de instrumentos Klaus Becker-Ehmck, que, juntamente com

    Carl Maendler, fundaram o Studio 49, o nico local que fabrica os instrumentos

    originais Orff. Este, por sua vez, contribua e orientava os construtores no trabalho

    de adaptar, reproduzir e criar novos instrumentos para a educao Orff

    (HASELBACH apud BONA, 2011, p. 144).

    Existem vrios instrumentos que compem o instrumental, a saber: os

    instrumentos de percusso, tais como o xilofone, o metalofone, os jogos de sinos, o

    bumbo e as clavas; bem como as flautas doces, a voz e o corpo.

    Foto 6: Instrumental Orff Fonte: http://www.3db.de/mfe.html

  • 31

    Foto 7: Instrumental Orff 2 Fonte: http://www.3db.de/mfe.html

  • 32

    Entendemos que, para Orff, o ponto gerador da msica reside no fato da

    criana ou o adulto obterem a experincia musical, pois dela que brota o trabalho

    rtmico e meldico, quer seja um texto, uma cano, uma dana, as palavras, as

    rimas. desse material que se estabelece e se desenvolve o aprendizado musical.

    A proposta divulgada em vrios pases, bem como realizados cursos de

    formao em Orff. No Brasil, h escolas em que a Educao Musical praticada

    atravs dos princpios Orff, como o caso da escola Santo Amrico que tambm

    promove cursos Orff-Shulwerk , localizada no estado de So Paulo, alm do

    prprio Instituto Orff, que forma professores, localizado em Salzburg, na ustria.

    4.2.1 Imagens do Instrumental Orff

    Foto 8: Xilofones Orff Fonte:pe kalipedia.com/ musica/tema/instrumentos-orff.html

  • 33

    Foto 9: Aula Orff adultos Fonte:www.orff.de/es/orff-schulwerk.html

    Foto 10: Aula Orff crianas Fonte: www.orff.de/es/orff-schulwerk.html

  • 34

    Foto 11: Crianas tocando xilofone Fonte: pe.kalipedia.com/ musica/tema/instrumentos-orff.html

    4.3 mile Jaques-Dalcroze (1865 1950)

    Considerado por diversos autores como sendo o grande divisor de guas

    no sculo XX, na Educao Musical, Dalcroze traz uma proposta de aprendizagem

    musical que usa o corpo de forma nica, sui generis, se comparada ao que j

    existia. Foi um pedagogo que sacudiu as bases tradicionais de ensino do ritmo

    musical, bem como da msica em geral (GAINZA, 1988, p. 102). A utilizao

    corporal na aprendizagem musical, em que se destacou a Rtmica, que consiste em

    desenvolver no corpo as funes motoras, estabelecendo os movimentos corporais

    no tempo e no espao. um estudo preparatrio para todas as atividades baseadas

    no movimento, sendo um processo de educao do corpo.

    Para o autor, o Ritmo e a Msica j fazem parte do repertrio do sujeito.

    Quando o mesmo entra em contato com as atividades propostas, estas lhe

    proporcionam uma maior coordenao motora, contribuindo, assim, para que se

    desenvolva a conscincia. Em linhas gerais, a Rtmica de Dalcroze foi pensada para

    que o corpo trabalhe tanto as possibilidades de expresso corporal quanto as

  • 35

    surgidas ou criadas pela vontade racional. Desta forma, e como o prprio estudioso

    aponta nas suas obras, o indivduo aprende a controlar o corpo nas suas relaes

    com a sensibilidade e com o esprito, o que redundaria na liberao de foras para o

    desenvolvimento das faculdades imaginativas e criativas.

    Antes de chegar ao que conhecemos como Mtodo, Dalcroze percorreu

    um longo caminho, desde sua infncia em Viena at sua morte em Genebra.

    Quando criana, demonstrou interesse pelas Artes, dentre elas, a Msica e a Arte

    Dramtica, tendo grande afeio pelas duas; mas logo decidiu-se pela ltima,

    deixando a Msica um pouco de lado, sem abandon-la efetivamente. Viveu at os

    10 anos em Viena, onde estudou na escola primria e fez o colegial; logo depois,

    seus pais se mudaram para Genebra, onde ele seguiu seu estudo universitrio.

    Durante muito tempo, Dalcroze viveu em meio a pesquisas sobre o que

    estava prestes a ser conhecido como uma metodologia. Suas investigaes eram no

    campo do solfejo, da rtmica e da improvisao. Durante anos, trabalhou e buscou

    conhecimentos sobre o ensino de Msica, sempre dividindo com seus alunos tais

    experincias e demonstraes. Passou por um longo perodo morando em diversos

    pases at voltar para Genebra para seguir carreira de professor; ensinando

    regncia, solfejo, harmonia e composio. Em Genebra, trabalhou no Conservatrio,

    no qual comeou a desenvolver as pesquisas para o desenvolvimento do seu

    mtodo, que nessa fase era chamado de Ginstica Rtmica.

    Uma pessoa no pode conhecer profundamente uma obra se no a possui fisicamente e psiquicamente. No somente com multiplicar as palavras que algum pode expressar claramente seu pensamento. Uma s rvore pode equilibrar uma paisagem, uma s porta, um s balco pode harmonizar uma coisa, um pequeno vaso de flores pode embelezar um mvel ou um cmodo da casa, uma s palavra pode iluminar uma frase, um simples apertar de mos pode consolar uma dor (RODRIGUES 18 apud DALCROZE, p. 112).

    Durante suas aulas, Dalcroze observava muito seus alunos e todos os

    movimentos que podiam demonstrar com a msica. H relatos, tambm, que ele

    passava horas nas praas de Genebra observando as brincadeiras das crianas.

    18Iramar Rodrigues brasileiro, naturalizado suo. Pianista formado na Universidade Federal de Uberlndia. Especialista em Educao Musical pelo Instituto de Cincias e Artes Musicais, da Universidade do Chile. Licenciado na pedagogia Dalcroze no Instituto Dalcroze de Genebra (Sua).

  • 36

    Sobre isso, Mulatti relata:

    Ele observou que um de seus alunos, apesar de seus problemas musicais, era capaz de caminhar ritmicamente. Sua observao levou-o a concluir que as pessoas possuem ritmo musical instintivamente, mas no transferem estes instintos para preencher as suas necessidades musicais (MULATTI, 2007, p. 03).

    Essas observaes relacionadas ao andar rtmico-musical levaram-no a

    concluir que o aluno deveria andar com a msica, ideia no aceita pela sociedade

    naquela poca e que o motivou a deixar o conservatrio. Assim que saiu do

    conservatrio, fundou um local prprio para dar continuidade a seus estudos e

    observaes. Anos mais tarde, sua pesquisa foi reconhecida em uma conferncia

    internacional de educadores musicais no ano de 1905. Alguns empresrios alemes

    decidiram montar para ele uma escola em Hellerau, na Alemanha. Era um complexo

    de prdios que abrigava atividades artsticas, teatro, dana, msica e um grande e

    moderno teatro. Por l, passaram grandes artistas, entre msicos, atores e atrizes.

    Com o incio da Primeira Guerra Mundial, ele teve que deixar a Alemanha

    e voltar para Sua. Nesse retorno, suas experincias e ideias tiveram o

    reconhecimento devido e, assim, foi fundado o Instituto Jaques-Dalcroze em

    Genebra, que permanece no mesmo local at hoje.

    Dalcroze pedagogo musical reconhecido que deu origem a vrias

    escolas de formao, na rea, em diversos pases. Aqui no Brasil, apesar de no

    haver uma escola de formao musical Dalcroze, suas ideias sempre tiveram boa

    aceitao por parte dos educadores musicais, pois a maioria criou e desenvolveu

    suas metodologias por influncia direta de Dalcroze. Sabe-se que houve

    representantes do mtodo no Brasil, dentre os quais se destacaram LiddyChiaffarelli

    Mignone e S Pereira, estudiosos, tambm, do mtodo de Edgard Willems.

    4.3.1 Como o aprendizado em Dalcroze?

    A pedagogia Dalcroze imbuda de diversos aportes necessrios para

    um bom desenvolvimento musical desde o incio do aprendizado da criana. De

    acordo com Iramar Rodrigues, importante o professor possuir uma boa formao,

    pois do contrrio isso ser prejudicial para quem aprende, como explica: Uma

  • 37

    matria no dominada pela pessoa que a transmite ser mal transmitida (JORDO

    et al., 2012, p. 91).

    Logo vemos que, tanto para a metodologia Dalcroze como para todas as

    outras supracitadas, de suma importncia uma slida formao musical e

    pedaggica.

    Prosseguindo no ensino da obra de Dalcroze, vimos que a Rtmica est

    dividida em trs princpios, so eles: a rtmica, o solfejo e a improvisao. A Rtmica

    (movimento e ritmo) tem como finalidade a educao do corpo, onde os elementos

    da Msica so estudados atravs do movimento corporal (MARIANI, 2011, p.27). No

    solfejo, faz-se o estudo dos graus e o reconhecimento dos timbres. Isso desenvolve

    no aluno a capacidade de ouvir e de representar melodias e harmonias em todas as

    tonalidades, levando o aluno tambm a improvisar vocalmente. Tal trabalho um

    intenso treino da afinao, tanto relativa como absoluta, culminando no

    desenvolvimento de um bom ouvido, algo essencial para o msico. Dalcroze destaca

    ainda que o importante saber ouvir, ter um contnuo estudo para que se

    desenvolva nas pessoas uma escuta apurada, ou seja, que elas consigam ouvir

    sons separadamente, ouvir intervalos, as funes, entre outros. E, fechando a

    terceira propriedade, a improvisao consiste em combinar noes de rtmica e de

    solfejo que tenham como fim desenvolver efetivamente, no aluno, a maneira como

    ele toca um instrumento, bem como o uso do instrumento para exteriorizar o que foi

    construdo no seu pensamento com relao melodia, harmonia e ritmo.

    Para Dalcroze, a experincia sensorial e motora possibilita colocar o

    corpo em ao; uma das primeiras atividades de rtmica, onde o corpo ir

    demonstrar as variaes de ritmo o que, nesse primeiro momento, feito de

    maneira instintiva. A Msica proporciona a interao com o movimento, pois, para o

    estudioso, a Msica estabelece o desenvolvimento da sensibilidade e motricidade

    que trabalhada atravs do ouvido; e este, por sua vez, percebe as diferentes

    variaes e qualidades sonoras que podem caracterizar um som.

    Em Dalcroze, compreendemos que h sempre uma ligao da msica

    que se aprende com as sensaes que dela se pode tirar. Ele entendia que essas

    impresses constituam parte integrante do desenvolvimento e das qualidades

    importantes e necessrias para desenvolver um bom aprendizado musical.

    Trabalhavam o ouvido, o sentido rtmico, a sensibilidade nervosa e as expresses

    espontneas.

  • 38

    Vimos que, em Dalcroze, o corpo utilizado o tempo todo. Mesmo tendo

    construdo atividades que tenham fins diferentes, tudo se encaminha para o mesmo

    lugar, que fazer com que a criana, adolescente ou adulto, saiba utilizar e dominar

    seu corpo na execuo dos mais diversos movimentos, tenha preciso no solfejo e

    transforme a sua improvisao ao instrumento em uma aliada dos pensamentos

    musicais.

    possvel obter formao na metodologia Dalcroze, em diversas

    modalidades, no mbito pedaggico, no instituto localizado em Genebra. H cursos

    intensivos do mtodo aplicados em diversos pases. Aqui no Brasil, o professor

    Iramar Rodrigues, que leciona no Instituto Dalcroze h mais de 40 anos,

    constantemente convidado para ministrar cursos em diversos estados do pas.

    Convm lembrar que esse mtodo no apenas foi bem aceito, mas

    tambm influenciou o desenvolvimento de outras metodologias que continuam

    vigentes; pois os primeiros contatos que representantes da rea da msica tiveram

    com a sua metodologia surgiram em um momento em que o nosso pas passava por

    transformaes no mbito da Educao Musical.

    Foto 12: Atividade Dalcroze 1 Fonte: Imagem recebida por: [email protected] em: fev. 2012.

  • 39

    Foto 13: Atividade Dalcroze 2 Fonte:Imagem recebida por: [email protected] em: fev. 2012.

    Foto 14: Atividade Dalcroze 3 Fonte: Imagem recebida por: [email protected] em: fev. 2012.

  • 40

    5 O PASSO 5.1 A modo de introduo

    Minha histria com O Passo comea em fevereiro de 2010, quando, a

    convite de um amigo, fui ao Rio de Janeiro para estudar no Conservatrio Brasileiro

    de Msica, no perodo das frias. Estvamos certos de que iramos fazer um curso

    que tratava de Msica e a incluso de pessoas com deficincia. Achei a proposta

    interessante e disse: Vamos! Mas, antes de fazer a inscrio no curso, a curiosidade

    levou-me a olhar o site do Conservatrio. Deparei-me, ento, com uma lista de

    outros cursos de extenso, dentre os quais um chamado O Passo: um passo sobre

    as bases de ritmo e som. A princpio, achei estranho, O Passo? Resolvi procurar

    saber mais. Li, ento, a sinopse que havia no site. No satisfeita, fui ao youtube e,

    para minha surpresa, vi que havia vrios vdeos sobre o tema e, inclusive, um vdeo

    onde somente os ps eram filmados.

    No entendi muito bem do que se tratava, mas o que mais me chamou a

    ateno foi o fato de os participantes trabalharem ao mesmo tempo com o corpo, os

    ps, a voz e as palmas. Achei fantstico e, movida pelo entusiasmo e pela

    curiosidade, resolvi mudar de curso, e o meu amigo tambm o fez.

    Naquela manh de segunda-feira, cheguei ao Conservatrio s nove

    horas e deparei-me com o professor Lucas Ciavatta19, que j se encontrava espera

    dos participantes no auditrio. O curso comeou e fiquei muito feliz com a minha

    escolha. A temtica, o mtodo e o professor despertaram em mim o desejo de me

    aprofundar naquele curso que foi ministrado de forma intensiva e que seria o

    primeiro de vrios que voltaria a fazer. Comprei um livro sobre o mtodo do citado

    professor e voltei para So Lus com uma caixa de possibilidades numa mo e um

    saco de interrogaes na outra. Muitas coisas vivenciadas naqueles dias

    despertaram tantas outras que estavam adormecidas ou esquecidas no meu

    desenvolvimento e aprendizado musical. Chamou-me especialmente a ateno o 19Licenciado em Msica pela UNIRIO, Mestre em Educao pela UFF, professor do Conservatrio Brasileiro de Msica (CBM), do colgio Santo Incio (RJ), da Escola do Auditrio Ibirapuera (SP), do Westminster Choir College (EUA), criador do mtodo de Educao Musical O Passo.

  • 41

    fato de o mtodo desafiar o corpo a se movimentar o tempo todo no processo do

    aprender musical.

    Nesse curso, fizemos prtica de conjunto, tocando instrumentos de

    percusso: tamborim, surdo, caixa, repique e agog. No mesmo ano, no ms de

    junho, Ciavatta veio a So Lus para conhecer a cidade e se encontrar pela primeira

    vez com parentes que ainda no conhecia. Aproveitei a oportunidade para organizar

    uma oficina dO Passo no Curso de Msica da UFMA. Aps o trmino da mesma, a

    nossa relao pessoal e profissional intensificou-se a tal ponto que novos e intensos

    encontros viriam acontecer, assim que me fosse possvel viajar, em Recife e no Rio

    de Janeiro. O contato via e-mails permanente e ultimamente fui convidada por

    Ciavatta a participar de um grupo de estudos e discusses com outros professores

    de Msica que trabalham com O Passo.

    Tais experincias tem sido de grande valia para a minha formao

    profissional, especialmente no que se refere ao aprendizado e contnuo estudo do

    mtodo. Tive o grande privilgio de ter aprendido o mtodo pelas mos do criador e

    estar em constante contato com que vem acontecendo com O Passo dentro e fora

    do Brasil.

    5.2 O mtodo (1996)

    O Passo um mtodo de Educao Musical brasileiro que surgiu no

    estado do Rio de Janeiro, em 1996. Em 2003, foi sistematizado durante uma ps-

    graduao em Educao, cuja dissertao teve como ttulo O Passo: A pulsao e o

    ensino-aprendizagem de ritmos (CIAVATTA, 2003). O autor partiu de observaes

    feitas em suas aulas de Msica, em que verificou as dificuldades de aprendizagem

    encontradas por seus alunos. Ciavatta ministrava aulas para crianas da terceira

    srie do ensino fundamental. O autor frisa que, no seu processo de aprendizado

    musical, ele mesmo tinha se deparado com dificuldades semelhantes s de seus

    alunos.

    A partir dos conceitos musicais bsicos, como a noo de tempo, por

    exemplo, desenvolveu movimentos que tivessem ligao direta com o aprendizado

    musical. Os movimentos criados tinham por objetivo propiciar experincias musicais

  • 42

    corporais que contribuiriam, posteriormente, para a compreenso dos conceitos

    musicais.

    Assim sendo, Ciavatta tomou como premissa o tempo, representando-o

    visual e corporalmente no andar. O tempo passou a ser marcado a partir do

    momento em que a criana pisa no cho, saindo com o p direito (se destra) e

    esquerdo (se canhota). At esse momento, algumas dificuldades foram resolvidas;

    mas, posteriormente, ele percebeu que a realizao desse movimento no bastaria

    para abarcar a gama de particularidades rtmicas que seus alunos teriam pela frente.

    Assim, comeou a desenvolver outros movimentos, correlacionando-os sempre com

    o primeiro. Quando o aluno pisa no cho, o tempo; quando tira o p do cho,

    contratempo.

    A partir do andar, algo que todo ser humano que no tenha

    comprometimentos fsicos graves pode executar, comeou a se estabelecer o

    movimento que d nome ao mtodo. Mas esse movimento foi criado de maneira que

    no houvesse um grande deslocamento para quem o fizesse; assim o movimento

    dO Passo feito no mesmo lugar, onde se fica de p, fazendo o movimento de ir

    para frente e voltar para o mesmo lugar de onde se partiu. Desta forma, intenta-se

    que o aprendiz desenvolva a conscincia do movimento, que se faz dessa maneira:

    inicia-se saindo com p direito (se destro), o que representa o primeiro tempo; o p

    esquerdo se iguala ao primeiro, marca-se o segundo tempo; volta-se com p direito

    para trs, marca-se o terceiro tempo; e, por fim, o p esquerdo, que estava no

    segundo tempo, volta pra trs e se iguala ao p direito, chega-se ao quarto tempo.

    Se o aprendiz for canhoto, a sada se d com p esquerdo marcando o primeiro

    tempo, o restante do movimento obedece sequncia supramencionada.

    No decorrer dessas experincias, Ciavatta observou como os contedos

    eram assimilados de forma mais completa, e foi assim que elaborou os movimentos

    correspondentes aos compassos que viriam a ser estudados; assim, ele criou os

    movimentos para os compassos quaternrios, binrios, ternrios, compostos, sendo

    possvel executar tambm compassos alternados como soma dos tempos j

    mencionados. Pudemos observar que o mtodo amplo e trabalha com importantes

    conceitos que tambm so abordados em outros mtodos de ensino de msica,

    como a pulsao, coordenao motora e afinao.

    Alm dos pontos mencionados, O Passo trabalha o movimento corporal

    consciente e voluntrio, facilitando o aprendizado musical de crianas e adultos,

  • 43

    atravs dos movimentos que foram criados, (l-se tempo, contratempo, quaternrio,

    binrio e ternrio), apresentando, ainda, partitura20 prpria. Nota-se outro ponto

    importante nO Passo a ser ressaltado: ele encaminha a sua partitura para a leitura e

    escrita da partitura tradicional.

    Em seu mtodo, Ciavatta afirma que todo seu contedo assimilvel por

    qualquer pessoa, pois ele se utiliza de nmeros que fazem uma relao direta com

    os conceitos musicais como mostraremos nos exemplos a seguir:

    Exemplo da Folha dos Nmeros (tempo)

    A || 1 (2) (3) (4) ||

    B || (1) (2) 3 (4) ||

    Exemplo da Partitura tradicional com Nmeros

    Exemplo da folha do e(contratempo)

    A || 1 2 (3) (4) ||

    B || 1 e 2 (3) (4) || 20A partitura dO Passo, juntamente com os vdeos dos movimentos, estar nos anexos e na apresentao deste trabalho.

  • 44

    Exemplo da Partitura Tradicional com E

    O aprendizado do mtodo O Passo sempre prtico desde o incio, tendo

    abertura para qualquer pessoa que queira se aproximar da Msica, no deixando

    que alguns se afastem por pensarem no ter a aptido necessria para aprender

    Msica, como bem afirma o autor: A ideia do famoso dom, de que se nasceu ou no para msica, perigosssima e tem realmente servido apenas como desculpa tanto para aqueles alunos que no tm fora para entrar ou permanecer num processo de ensino-aprendizagem musical quanto para aqueles que no sabem como conduzir este processo (CIAVATTA, 2009, p. 17).

    Alm da sua Dissertao de Mestrado (j editada), onde o Mtodo O

    Passo apresentado, foi publicado, em 2009, outro livro do autor, onde o autor

    aprofunda algumas ideias antes trabalhadas e apresenta outras. Em seu segundo

    livro, ele aborda alguns quesitos que foram postos em sua dissertao, mas com um

    olhar dedicado tanto aos profissionais da rea quanto ao pblico leigo (REZNIK,

    2010, p.10). O livro consiste na apresentao dos princpios e pilares que norteiam o

    mtodo, bem como as bases do ritmo e do som. Partindo de diversas ponderaes,

    Ciavatta articula e fundamenta sua metodologia em dois princpios que so a

    Incluso e a Autonomia, alm do conceito de Posio. Completando sua base, o

    mtodo se apoia em quatro pilares que so: corpo, representao, grupo e cultura.

    Assim sendo, faremos ento, uma pequena explanao acerca dos

    princpios dO Passo para, logo a seguir, abordar a temtica dos pilares que

    compem o mesmo.

  • 45

    5.3 Princpios dO Passo

    5.3.1 Incluso

    Os dicionrios Aurlio e Larousse no possuem a palavra Incluso em

    seus verbetes, mas incluso e includo; estas, por sua vez, fazem uma aluso

    prtica da incluso, que quer dizer: que inclui, que abrange, includo,

    compreendido.

    De acordo com a opinio do autor: Incluso, num grupo de trabalho

    musical, acontece quando de fato s estamos includos num determinado fazer

    musical, quando somos afetados por ele e, principalmente, quando o afetamos. Ou

    seja, a ao de estarmos praticando a Incluso musical passa pela experincia de

    fazer a diferena no cumprimento de um objetivo proposto cuja concretizao

    modifica e enriquece o resultado do grupo.

    A Incluso, no entendimento do autor, consiste em que a experincia

    musical seja realmente praticada por todos, que receba a todos. Trata-se de rever

    posturas restritivas, que se revelam nas falas de diversas pessoas: eu gosto tanto

    de msica, mas no tenho jeito pra isso, ou ento eu sou descoordenado, no

    consigo fazer!. Ciavatta trabalha no sentido de evitar que as pessoas que possuem

    maiores dificuldades se retirem das atividades, sem sequer tentar praticar por se

    acharem inferiores queles que aparentam maiores facilidades.

    Ciavatta diverge da opinio de Dalcroze quanto remoo da criana da

    sala de aula por no possuir boa voz e bom ouvido. Se para este, a criana [...]

    deveria ser removida da classe, como ns excluiramos um homem cego de uma

    aula de tiro, ou um homem sem pernas de uma aula de ginstica [...]

    (DALCROZE,1967, p. 24 apud CIAVATTA, 2009, p. 17), para aquele, a incluso

    um valor imprescindvel. Dessa forma, observa-se, em Ciavatta, desde o incio, uma

    preocupao com um pblico que facilmente deixaria a prtica musical por se achar

    incapaz de fazer uma atividade proposta.

    No entanto, Ciavatta pondera que a atitude categrica de Dalcroze teve

    como propsito ensinar algo a seus seguidores, a partir das prprias contradies

    presentes em seus escritos.

  • 46

    De acordo com o autor, a Incluso parte do princpio de que ningum

    comea com pleno domnio das funes musicais; portanto, ele trabalha com a viso

    de que tanto aquele que j sabe, demonstrando clareza e certeza de seus

    conhecimentos, como aquele que no possui tais atributos, certamente, aprendero

    o que for necessrio, conforme destaca:

    Assim avancei tentando jamais pressupor que o aluno j sabia algo que eu percebia como fundamental para o momento que precisvamos viver. Hoje, eu e aqueles que trabalham com O Passo no perguntamos se o aluno sabe ou no, pedimos que ele realize algo que d a ele e a ns a certeza de que ele realmente sabe. E encararemos com tranquilidade a tarefa de descobrir formas de ensinar o que for preciso (CIAVATTA, 2009, p. 17).

    Assim a Incluso trabalhada desde o incio das prticas do mtodo,

    onde os materiais necessrios so o andar, a palma e a voz, no limitando ou

    atrelando o seu aprendizado a outro meio.

    5.3.2 Autonomia

    A Autonomia o segundo princpio dO Passo e diz que aquele que j

    est em contato ou em pleno estudo da metodologia ser capaz de decidir e agir, ou

    seja, de ter independncia frente a situaes ou a desafios musicais que a prtica

    possa apresentar. O autor chama a ateno para o fato de alguns alunos serem

    dependentes dos outros e, por conseguinte, apresentarem falta de autonomia no

    fazer musical.

    [...] Tenho dito (e me espantado cada vez mais com a realidade desta afirmativa) que possvel passar a vida inteira num grupo de percusso e no ter referncias precisas; que possvel cantar a vida inteira num coral e desafinar com incrvel frequncia. (CIAVATTA, 2009, p.18).

    Concordamos com o autor, pois j vivenciamos essas dificuldades no

    meio musical. O autor ressalta, ainda, que todo o trabalho com O Passo valeria

    muito pouco se no procurssemos quase que obstinadamente a autonomia do

    aluno. A proposta do mtodo para que todo aquele que est em contato com o

    estudo, avance sem precisar sempre de algum para ajud-lo a tocar ou a cantar.

    Ciavatta afirma ainda que, para completar a construo da Autonomia,h um

  • 47

    elemento indispensvel que est a servio de quem avalia: o rigor. Sobre isso,

    afirma:

    Rigor em hiptese alguma deve ser confundido com rigidez. Ser rgido estar insensvel diversidade. Ser rigoroso no proteger ningum de sua prpria ignorncia. Proteger algum de sua prpria ignorncia invariavelmente condenar esta pessoa a permanecer na ignorncia em que se encontra (CIAVATTA, 2009, p.19).

    Aqui vimos que a Autonomia est associada ao rigor, que a forma de

    avaliar quem est numa prtica musical, no afrouxar na avaliao e no ensino;

    pois, se o professor deixar passar um exerccio que feito de qualquer jeito, ele

    estar contribuindo para que seu aluno continue na ignorncia, praticando msica de

    qualquer jeito, sem construir referncias precisas.

    5.3.3 O Conceito de Posio

    O conceito de Posio um novo elemento que foi adicionado por

    Ciavatta ao ensino-aprendizagem de msica. Para O Passo, mais importante

    saber onde a nota est do que quanto ela dura, ou seja, atravs da Posio e do

    movimento, possvel saber exatamente onde est o tempo, o contratempo.

    Somente pelo movimento corporal, possvel ver. J o conceito de durao,

    segundo Bohumil (1996, p.12), uma extenso de um som; determinada pelo

    tempo de emisso das vibraes. At aqui, percebe-se que somente a durao se

    torna insuficiente para o entendimento do que acontece na msica. Sobre O

    Conceito de Posio, Ciavatta afirma:

    (...) [O conceito de posio] pressupe uma tomada de conscincia, pressupe necessariamente a utilizao de uma forma de notao que possibilite a localizao de um determinado evento num espao musical. Neste sentido, compreender em termos corporais o movimento musical de um determinado evento um passo importante, mas dar um nome a este evento compreend-lo tambm em termos de representao, conhecer sua posio, fundamental (CIAVATTA, 2009, p.31).

    Observa-se que o Conceito de Posio concretiza um evento dentro da

    msica de forma contextualizada.

    Como exemplo, citaremos o Aluj, que um ritmo de origem africana

    encontrado no Brasil nas prticas religiosas de Candombl (CIAVATTA, 2003, p.49).

  • 48

    A seguir, exemplificaremos uma atividade na qual Ciavatta ilustra bem

    que s apoiar o entendimento nas duraes no garante o entendimento do que

    acontece numa prtica musical. Vejamos:

    Outra vez, com alguns msicos, tocando Aluj, fomos convidados a improvisar. Visto que todos sem exceo tinham experincia com improvisao, no pareceu a ningum que maiores problemas pudessem ocorrer. Alguns de fato improvisaram com muita facilidade, outros, no entanto, mostraram grande dificuldade e pareciam no entender o ritmo que estavam tocando. Pedi a cada um que andasse e expressasse corporalmente a pulsao que estava usando. Alguns estavam tocando:

    Enquanto outros estavam tocando o Aluj, com a pulsao que culturalmente foi estabelecida nos terreiros de Candombl (CIAVATTA, 2009, p. 21, 22)

    O Aluj pode ser entendido de duas formas, pois isso depende do modo

    como organizamos o que escutamos. Normalmente, a durao encaminha uma

    forma de organizar, bem como a forma em que h mais apoios no tempo ou que

    est mais prxima dos outros exemplos musicais presentes em nossa cultura.

    Quando tratamos de ritmos sincopados, geralmente, a organizao mais fcil a

    errada. Ou seja, se basearmos o aprendizado musical somente nas duraes,

    provvel que muitos no consigam entender a pulsao correta, como no exemplo

    supracitado, pois as frases destacadas, sem a presena da pulsao, soam da

    mesma forma; mas, se colocamos a pulsao correta, elas soam de forma diferente.

    O conceito de posio ento nos diz que, para termos uma compreenso

    do que acontece na msica, temos que levar em considerao a frase rtmica na sua

    relao com a pulsao, ou seja, englobar a leitura e o movimento musical que

    acontece.

  • 49

    5.4 Pilares21 dO Passo 5.4.1 Corpo e Representao

    De acordo com Ciavatta, os Pilares dO Passo tem por finalidade auxiliar

    no entendimento do mtodo em todas as suas particularidades e no apenas no

    aprendizado da pulsao. O autor esclarece que os Pilares se encontram

    sobrepostos de forma a trazer um entendimento das relaes entre corpo e

    representao, grupo e cultura, princpios nos quais o autor se sustenta (CIAVATTA,

    2009, p.33).

    O Passo introduz um novo conceito que chamamos de Notao Corporal,

    associaes de imagens que representam o movimento do corpo (REZNIK, 2010, p.

    11). Elas acontecem quando o movimento de deslocar o p para frente vai

    acompanhado da fala: o nmero 1, ou seja, voc faz uma relao do conceito de

    tempo at ento abstrato, quando movimenta o p para a posio do nmero 1,

    ocorrendo tambm a fala. O corpo envolvido quando acontece o movimento, e a

    representao se d atravs desse movimento que quer dizer algo; no caso do

    nosso exemplo, o corpo diz onde est o nmero 1, ou seja, o corpo representa a

    ideia do tempo.

    5.4.2 Grupo e Cultura

    Segundo o autor, existem duas possibilidades de tocar ou cantar com

    uma pessoa: junto com ela ou ao lado dela; ou seja, ouvindo-a ou no. O Pilar

    Grupo busca desenvolver a escuta consciente, que permite entender e considerar o

    outro; quer dizer, ouvir o som que fazemos e ouvir o som produzido pelo outro,

    simultaneamente. J o Pilar Cultura nos diz que temos que nos referenciar na 21 A partir das reflexes e em decorrncia de conversas e estudos com outros profissionais da msica, Lucas Ciavatta resolveu mudar o nome Eixos para Pilares do Passo. Cf. site www.opasso.com.br

  • 50

    histria que nos anterior, ou seja, o repertrio que trazemos importante e far

    com que desenvolvamos melhor a msica em que estamos trabalhando, para

    entender como determinados eventos acontecem dentro da msica. O fator Cultura,

    nO Passo muito importante, pois, na prtica de grupo, possvel trabalhar

    repertrio de diferentes lugares, variando de acordo com a cultura e com o lugar.

    Assim, os Pilares orientam de forma equilibrada todo o fazer musical de quem

    trabalha com O Passo.

    5.5 Nas trilhas dO Passo

    H algo muito importante a ser ressaltado nO Passo: desde a sua

    criao, o autor demonstrou a preocupao de no atrelar o aprendizado musical no

    seu mtodo utilizao de elementos especficos, como os instrumentos musicais,

    por exemplo. Ele observou que, se basearmos o ensino de Msica na utilizao de

    qualquer instrumento musical, por mais simples e de fcil acesso que fosse, em um

    momento especfico ou em uma escola qualquer, o educador musical poderia se

    deparar com situaes que poderiam inviabilizar o desenvolvimento do mtodo.

    Assim sendo, fica claro que o corpo o principal instrumento musical e que ele

    poder ou no ser auxiliado por outros instrumentos musicais. Talvez seja este o

    maior aporte do autor ao ensino musical nos nossos dias. E, talvez, seja esse o

    grande diferencial quando o mtodo O Passo comparado com outros mtodos, j

    que estes demandam um aparato instrumental para que a atividade musical seja

    realizada de forma satisfatria. possvel usar instrumentos nO Passo? Claro,

    perfeitamente, e utilizamos. NO Passo, os instrumentos so uma forma de fixar a

    pulsao e, tambm, o momento da prtica em grupo.

  • 51

    Foto 15: Curso dO Passo RJ Fonte: Arquivo pessoal

    No ensino-aprendizagem de ritmo e som, o mtodo apresentou novos

    conceitos que, at o presente momento, no tinham sido considerados ou

    abordados por nenhum outro mtodo de Educao Musical, como j fora detalhado

    anteriormente. No ensino de ritmo e de solfejo, so eles: o conceito de posio,

    espao musical, o andar, notaes orais (es, is, os e nmeros), notaes corporais

    (movimentos de cada compasso) e a Partitura dO Passo. Se o aluno j teve contato

    com a metodologia, ele ser capaz de estudar sozinho. Para auxiliar o estudante em

    casa, h, nas Folhas dO Passo, instrues de como ele deve proceder no seu

    estudo.

    O Passo tem uma preocupao de sempre se fazer entender, desde o

    primeiro momento. Sabemos que os movimentos criados no so assimilados por

    todos logo de incio, e h tambm casos em que essa dificuldade persiste. Nesse

    sentido, O Passo prev o trabalho com as dificuldades no Pr-Passo, atividade onde

  • 52

    treinado aquilo que vai ser posteriormente ensinado e que prepara o movimento

    propriamente dito.

    Foto 16: Projeto Repique Trancoso/ Bahia Fonte: www.opasso.com.br

    Foto 17: Westminster Choir College Princeton/USA Fonte: www.opasso.com.br

  • 53

    Dessa forma, pudemos observar que O Passo utiliza canais diferentes

    para construir o conhecimento musical, tendo como fonte a msica popular

    brasileira, alm de observar constantemente as particularidades e dificuldades que

    as pessoas venham a apresentar.

    Dos mtodos abordados no incio da pesquisa, vimos as mais variadas

    motivaes utilizadas para a construo do aprendizado musical. Willems pesquisa

    canes do mundo que se sujeitam Educao. Kodaly22 se concentra na produo

    musical, recorrendo ao folclore da sua ptria, seu pas, como inspirao. Nesse

    ponto, verificamos a semelhana com O Passo, pois, de acordo com Ciavatta:

    H certamente vrias semelhanas e at elementos de outros mtodos nos caminhos dO Passo. Se isso acontece, o motivo no so minhas formaes especficas nestes outros mtodos, porque no as tive, mas certamente se deve ao fato de, em minha graduao na UNIRIO, eu ter tido contato com estes mtodos. No entanto, preciso que se diga, a maior inspirao dO Passo foi e continua sendo o fazer musical popular brasileiro, principalmente no que diz resp