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EDITORIAL

Caros colegas,

O fim do ano parece nos trazer a sensação de atravessarmos a soleira de uma porta: encerramos as atividades, mas continuamos em busca de novas perspectivas.

Com este número do Periódico encerramos as transcrições dos dois artigos do Rundbrief /Journal (Carta Circular), e percebemos que o artigo Exercícios do Carma trata de um exercício social; no final do texto, o autor apresenta situações de ajuda mútua num trabalho em grupo.

O autor do artigo A Arte o encerra com chave de ouro ao desenvolver o tema orientado para o social (a nova arte social), referindo-se ao que Rudolf Steiner expõe na 4a palestra da Antropologia Geral.

Encontramos mais um tema muito especial, que fala de importância e responsabilidade: a observação de crianças. O articulista nos incita a ter coragem e confiança plena no mundo espiritual, e a réplica da pintura de Rafael é muito especial.

Além disso, encontraremos a primeira parte da transcrição das anotações das palestras proferidas no Congresso Kolisko, no México, em julho 2006, que trouxe temas atuais no âmbito da salutogênese.

Atentem para a programação dos cursos de aprofundamento da Federação, que se iniciam em janeiro 2007.

A Coordenação do Periódico

CURSOS DA FEWB PREVISTOS PARA 2007

As fichas de inscrição para os cursos de janeiro serão mandadas em breve paras as instituições. Para os demais, seguirão mais próximo à data do evento.

Cursos ministrados por docentes do BrasilPortuguês AlfabetizaçãoAgrimensura Jardinagem GeografiaDatas a serem confirmadas.

ParsifalCurso básico oferecido a todos os interessados, e de aprofundamento para os professores que têm interesse em

assumir o curso em sua escola.Ministrante: Dra. Sonia SetzerTrabalho artístico: Irene MeckinDatas: 22, 23 e 24 de janeiro/07Local: Centro de Formação de Professores da EWRS

Geometria Projetiva para Professores do Ensino MédioEste curso já vem acontecendo há alguns anos, e a partir de 2007 novos participantes serão envolvidos. O sr.

Glöckler ministrará um curso em três períodos da tarde com assuntos novos, e dois professores da Escola Waldorf de São Paulo, Ênio e Paschoal, passarão aos novos participantes os conteúdos trabalhados anteriormente, num total de seis períodos que não coincidirão com as aulas do sr. Glöckler.

Ministrante: Georg GlöcklerData: 25, 26 e 27 de janeiro/07Local: Centro de Formação de Professores Waldorf da EWRS

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MatemáticaCurso continuado do 1o. ao 12o ano, dando prosseguimento ao trabalho iniciado em 21 e 22 de outubro/2006

(veja correspondência já divulgada).Ministrante: Georg GlöcklerData: 28 (à noite), 29 e 30 (dia inteiro) de janeiro/07 Local: Centro de Formação de Professores Waldorf

Curso de InglêsEste curso está sendo aguardado há muito tempo, e somente agora foi possível compatibilizar a agenda do Dr.

Christoph Jaffke, autor de livros pedagógicos e expert no ensino de línguas estrangeiras, preferencialmente o inglês. A condição para a sua vinda é que haja a participação de, no mínimo, 20 pessoas.

Ministrante: Dr. Christoph JaffkeData: primeira semana de julho/07 (5 dias)Local: a definir

Curso para Professores de Ensino Médio, focado nas matériasPara isso estamos tentando trazer Mr. Grahan Kennish da Inglaterra (a pedido de professores, o curso de Ensino

Médio, que acontecia no mês de janeiro, foi transferido para o mês de julho). Ministrante: Mr. Grahan KennishData: 23, 24, 25, 26 e 27 de julho/07 (5 dias)Local: possivelmente será no Centro Paulus, em caráter de imersão.

Encontro de professores de Artes em BotucatuComo a experiência foi muito boa, estabeleceu-se repetir o evento nos moldes do anterior na data de Corpus

Christi, 15/16/17 de junho de 2007.

Encontro de médicos, terapeutas, euritmistas e professores. Será o primeiro encontro de uma seqüência de estudos e aprofundamento sobre a Antropologia Meditativa. Está

sendo organizado pela Diretoria dos Jardins-de-infância da FEWB e Luiza Lameirão, professora do Centro de Formação de Professores Waldorf. O palestrante convidado é o Dr. Bruno Callegaro, médico antroposófico com experiência em medicina escolar.

Tema: Como individualizar o aprendizado da criançaMinistrante: Bruno CallegaroData: 22, 23 e 24 de fevereiro/07 (3 dias)Local: a ser definido

Encontro de administradores, professores e mantenedores sobre Governança das EscolasMinistrante: Chris SchaeferData: 20,21 e 22 de abril/07Local: a ser definido.

REFLEXÃO SOBRE O CONGRESSO MUNDIAL DE PROFESSORES E EDUCADORES EM 2008

por Christof Wiechert

Extraído de Rundbrief/ Journal (Carta Circular) Nº 28

Caros colegas,

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O Círculo de Haia é um órgão da Seção Pedagógica. Segundo as suas possibilidades, ele acompanha o desdobramento do desenvolvimento do movimento pedagógico no mundo. Uma das tarefas desse órgão é chegar a uma proposta de tema para o Congresso Mundial de Professores e Educadores a partir de sua percepção, de tal forma que surja, através disso, uma consonância do que é necessário e adequado para o momento, tanto na arte-educação quanto no movimento Waldorf.

Os participantes do Círculo são os seguintes: -Austrália e Nova Zelândia: (como representante) Florian Osswald- África: Michael Grimley- América do Sul: Ursula Vallendor- América do Norte/Canadá: James Pewtherer- Áustria: Brigitte Goldmann, Tobias Richter-Alemanha: Hartwig Schiller, Ernst Michael Kranich, Gerd Kellermann, Stefan Leber- Rússia: Sergej Lowjagin- Finlândia: Aila Pätilla- Suécia: Regula Nilo- Dinamarca: Jeppe Flummer- Inglaterra: Christopher Clouder- Escócia: Shirley Noakes- França: Isabelle Ablard- Bélgica: Sigurd Borghs- Holanda: Hetty Heuse, Marcel de Leuw- Tchetchênia: Tomas Zdrasil- Israel: Gilad Goldschmidt- Suíça: Robert Thomas- Croácia: Tobias Richter- Amigos Arte de Educar: Bernd Ruf- Seção Pedagógica: Christof Wiechert

No primeiro encontro do Círculo de Haia, que aconteceu neste ano em Oslo, foram apresentadas sugestões para o próximo Congresso Mundial de Professores e Educadores.

Pouco depois da páscoa de 2008 – portanto daqui a aproximadamente um ano e meio – acontecerá em Dornach o próximo Congresso Mundial de Professores e Educadores, o oitavo. Os senhores devem se recordar de que também o último congresso foi preparado com bastante antecedência, e assim houve a oportunidade de aprontar os temas que seriam abordados. Isto também deverá se manter para o próximo congresso.

Em 1996 e em 2000, o tema das realidades cármicas, que se relaciona com esta profissão, foi trabalhado. Em 2004, o tema foi A Fantasia na Profissão de Professor e Educador (as palestras proferidas nestes congressos foram publicadas e podem ser encontradas).

Vivenciamos que este tema correspondia ao que nos impulsiona e entusiasma no dia-a-dia da vida profissional. O ponto de partida para aquele congresso foi a observação que se encontra no fim da Antropologia Geral (GA 293, 14ª palestra): “Compenetra-te com a capacidade de fantasia”.

No entanto, este é apenas o primeiro dos três chamados que, em conjunto, constituem o triângulo dourado das virtudes pedagógicas. Os outros dois são: “Tem coragem em relação à verdade” e “Aguça o teu sentimento de responsabilidade anímica” (a respeito destas três virtudes houve diversas publicações nas Cartas Circulares da Seção Pedagógica números 23-25, bem como nos Periódicos números 22 e 25). Colocada a capacidade de fantasia no ápice do triângulo, de certa forma ela constitui o meio. E a fantasia é uma qualidade do meio. Isto significa que o pensar se relaciona com o que ocorre ritmicamente.

É diferente da segunda virtude, “Tem coragem em relação à verdade”. Neste caso, as forças do coração são enviadas para cima, para as forças de conhecimento, a fim de que não apenas se enxerguem as verdades, mas que se queira vivê-las. Na terceira virtude, “Aguça o teu sentimento de responsabilidade anímica”, o elemento no qual o

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anímico é introduzido na responsabilidade é abordado. E responsabilidade significa responder por alguma coisa. A perseverança é abordada: o que for acordado, assumido, deverá ser realizado. Coragem em relação à verdade e responsabilidade anímica se comportam como forças que fluem do meio para cima (veracidade) e para baixo (responsabilidade).

Estas duas virtudes deverão constituir o ponto de partida para o próximo Congresso Mundial de Professores e Educadores.

Assim como no congresso sobre fantasia, também aqui se acrescentam ao ponto de partida outras reflexões importantes. Por exemplo, pode-se perguntar: em quê essas duas virtudes do professor correspondem ao devir dos alunos? Como é o seu caminho, a partir do meio, para cima e para baixo? Podemos nos entusiasmar com o fato de a realidade antroposófica ser tão complexa, porque o Homem é um ser imensamente complexo.

Na linguagem cotidiana, relaciona-se – com razão – o “de cima” com o espírito, e o “de baixo” com o físico, com a matéria. A Antropologia Geral, no entanto, coloca este ponto de vista de cabeça para baixo quando relaciona a parte espiritual ao Homem metabólico-motor e a parte material ao Homem neurossensorial (que está especialmente na cabeça). Isto não é tão fácil de se compreender. Fica ainda mais difícil quando é apresentado, nesta relação, que apenas a natureza volitiva da criança está totalmente aberta e livre para a educação, enquanto o “espírito da cabeça” não é diretamente educável, mas precisa ser despertado de baixo para cima mediante a educação (Antropologia Geral, 11ª palestra). O âmbito dos sentimentos se encontra no meio e, portanto, é apenas parcialmente educável. Com razão, é possível dizer que Rudolf Steiner, neste ponto, realizou uma troca de paradigmas, e que provavelmente suas conseqüências ainda não chegaram a ser totalmente valorizadas.

Para o Congresso Mundial de Professores e Educadores, tal temática ocupará o lugar central. Resumindo: educar a vontade; despertar o espírito da cabeça.

De modo geral, pode-se dizer que hoje a educação da vontade é mundialmente uma das grandes tarefas a ser realizada. Isto é igualmente válido para a educação infantil, bem como para o outro pólo: o despertar do espírito da cabeça. É uma temática que atravessa todo o período escolar, e que recebe um peso considerável nas últimas classes do ensino fundamental e no ensino médio. Quando conseguirmos entender essas questões antropológicas com clareza, forças de direcionamento para o trabalho poderão surgir e atuar fortemente.

A começar por esta edição da Rundbrief/Journal (Carta Circular) da Seção Pedagógica, surgirão, até o Congresso da Páscoa de 2008, artigos relacionados a esta temática. Convidamos todos os colegas a participar desta preparação.

OBSERVAÇÃO DE CRIANÇASpor Bernd Kalwitz

Artigo extraído da Arte de Educar número 9 /setembro 2006.

Quem não souber aprender da criançao que esta lhe traz como mensagemdo mundo espiritualtambém não será capaz de ensinar à criançasobre os segredos do devir na Terra1

Céu e TerraHá algum tempo, em vista do boom econômico em seu país, foi perguntado a um político japonês qual seria a

cultura mais elevada, a japonesa ou a européia. “Naturalmente a japonesa!” respondeu ele. “Os japoneses descendem dos deuses e os europeus, do macaco – é o que eles dizem.”

Provavelmente nós o contestaríamos. Porém são claras tanto a observação da irradiação para o mundo de uma imagem cultural do Homem quanto a impressionante identificação, pelos membros dessa mesma cultura, das conseqüências dessa imagem. O nosso mundo ocidental se concentrou fortemente na pesquisa das origens do Homem – senão dos macacos, dos seus “pais”. Sobre o que nos une com os “deuses” sabemos muito pouco.

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Mesmo assim, a tarefa da educação consiste exatamente em ajudar o jovem ser humano a trazer para a Terra os motivos de vida, bem individuais, que traz desse mundo divino.

A primeira impressão que temos de uma criança aparenta estar muito mais vinculado com a sua descendência terrena do que com o Céu. Não é possível perceber muito de sua individualidade num primeiro momento; esta começa a transparecer pouco a pouco através da semelhança familiar de sua aparência. E, se perguntada, ela poderia nos contar muito pouco dos impulsos que trouxe consigo para esta vida. Muito lentamente a criança vai impregnando a sua individualidade em seu corpo e em sua conduta.

Mesmo assim, é justamente num encontro com uma criança pequena que podemos vivenciar algo bem individual, que, no entanto, dificilmente pode ser traduzido em palavras. Podemos senti-lo quando estamos próximos de sua caminha; em momentos especiais, é possível captá-lo em seu olhar. E, olhando para trás, às vezes reconhecemos tudo o que uma criança “trouxe consigo” – quando se percebem as mudanças que aconteceram na vida de seus pais com o seu surgimento, por exemplo. Para muitos pais, a vinda do filho abriu horizontes completamente novos. Não são poucos que, em busca de uma escola, encontraram a pedagogia Waldorf – e, nesse caminho, chegaram a conhecer a antroposofia.

Quando, porém, tentamos trocar idéias com outros sobre o ser individual de uma criança, verificamos quanto, no âmbito da experiência intuitiva do encontro, a percepção é cunhada pela nossa própria relação com a criança. Mesmo quendo se trata da mesma personalidade, parece que cada pessoa descreve a mesma criança de modo completamente diferente – pois à sua percepção sobrepõe-se algo que está muito mais vinculado a si próprio do que com a criança.

Como podemos aprender a perceber mais do ser interior da criança, a fim de podermos acompanhar o seu caminho e de ajudá-la? Como podemos desenvolver um olhar para a individualidade ainda oculta que não seja cunhado unilateralmente pela subjetividade da nossa própria relação com ela?

Teremos de aprender a desvendar a linguagem das formas do desenvolvimento exterior de sua estrutura, de seu comportamento, de seus gestos de desenvolvimento e das figuras do destino para que possam nos contar algo de como uma criança encontra o seu caminho para dentro do seu corpo e para o mundo; nos contar um pouco da individualidade de seu ser. E nós teremos de aprender a juntar e colocar lado a lado tais percepções, que vêm de variados pontos de vista pessoais, para compor uma imagem conjunta.

O ser interior infantilUm instrumento maravilhoso à disposição de cada colegiado é a observação de crianças. Não é uma observação

sobre um caso, no sentido comum. Em primeira instância, também não tem como meta um resultado aplicado. Na observação de crianças, as pessoas que se preocupam com uma criança constituem um círculo de consciência, em cujo centro algo do ser da criança pode luzir. Quando levada a sério, constitui, em toda a sua singeleza, no sentido espiritual, uma fonte de força e de conhecimento. Além disso, muitas vezes atua fortemente na comunicação, na formação de comunidade sobre o círculo de pessoas que a realizam.

Os professores da primeira escola Waldorf de Stuttgart ainda se encontravam na situação invejável de poder contar com a presença de Rudolf Steiner. Nas observações de crianças, ele se sentava no meio como, assim por dizer, um representante da criança de quem se falava. Os professores dirigiam suas perguntas a ele. Ele conhecia cada criança e lhes respondia a partir da visão de uma consciência que podia, através dos fenômenos, chegar ao essencial.

Hoje a criança está no meio de nossas perguntas, e nós temos de encontrar um caminho próprio para descobrir algo de sua individualidade.

Centro e periferiaVinda das distâncias periféricas cósmicas, a nossa essência anímico-espiritual se incorpora pouco a pouco em

nossa corporalidade física. Iniciado na concepção, adentramos um processo que dura muitos anos e que vagarosamente vai tomando posse do nosso corpo. Através do calor abrasador de nossas doenças infantis e da

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mudança da estrutura pelo crescimento transformamos cada vez mais o nosso corpo herdado num instrumento, através do qual podemos atuar no mundo. Quanto melhor passarmos por esse processo de “refundição”, mais livremente poderemos realizar os nossos próprios impulsos. No decorrer da vida, cada vez mais se revela o que trouxemos do Céu para a Terra. A nossa individualidade interior, aliás, nunca se torna totalmente idêntica à nossa aparência.

Crianças bem pequenas nitidamente dão uma impressão de estar envoltas por anjos, como podemos ver nas madonas de Rafael. A maior parte de suas almas está protegida pelo Céu. Por muito tempo ainda, mas em vão, procuraremos no corpo físico uma grande parte do ser da criança. Assim como na atmosfera encantada que envolve um recém-nascido muitas vezes pressentimos nitidamente algo do ambiente que esse ser traz consigo, podemos imaginar que talvez também o ser individual das crianças maiores ainda não esteja totalmente incorporado, e que, por esta razão, tenhamos de buscar as suas intenções em seu ambiente anímico. Podemos deixar que esse ambiente fale quando pessoas próximas da criança nos trazem as suas percepções, permitindo-nos compor dela uma imagem conjunta.

O professor de classe, que tem uma relação mais íntima com o seu aluno, geralmente inicia sua apresentação na observação de crianças. Descreve sua aparência e caracteriza seu comportamento tão colorida e vivamente quanto possível, e assim faz surgir uma imagem da criança no círculo de professores. Nesse momento também apresenta o histórico da criança, se não foi apresentado pelos próprios pais. Professores de matéria, de aulas especiais, o médico escolar e os terapeutas completam a apresentação a partir de suas próprias visões.

Neste processo, o professor de classe, a partir de sua perspectiva, em geral enxergará e representará algo inerente à meta interior e à imagem ideal do seu aluno. O olhar e a busca do professor são fortemente dirigidos para desenvolvê-los em classe. Ele vivencia alegria e dor, geralmente de modo muito pessoal, em seu amor pela a criança. Quando algo não dá certo, ele muito rapidamente se pergunta se a relação entre ele e a criança está ou não correta. A perspectiva do professor de matéria é, por natureza, muito mais focada nos aspectos técnicos dos conteúdos do ensino. Contudo, todos olham, por assim dizer, da meta de desenvolvimento para o aluno, que, por sua vez, ainda se encontra no caminho.

O médico escolar, os terapeutas e talvez também o professor de aulas extras dirigem seus olhares muito mais para a direção oposta: para as dificuldades e resistências que a criança encontra no caminho. Eles enxergam a crianças, no caminho à meta que ainda está bem longe, por detrás, e gostariam de apoiá-la quando vacila. Eles trazem os aspectos médico-antropológicos e dirigem suas atenções à manutenção do equilíbrio do jovem entre as correntes contrárias, ao seu desenvolvimento e às resistências. As suas impressões, neste caso, são muito mais cunhadas por percepções particulares do que as do professor de classe, que vivencia os seus alunos principalmente no conjunto da classe. E se os pais estiverem presentes poderão acrescentar ainda um outro ponto de vista. Suas apresentações, especialmente no que se refere ao contexto histórico, podem trazer uma coloração bem especial para a apresentação, e transmitem, além das palavras, uma impressão especialmente autêntica da relação entre eles e a criança.

Na observação de crianças, o colegiado pode espelhar o âmbito da criança. A imagem que assim surge apresenta uma série de percepções subjetivas que, no conjunto, deixam vislumbrar a personalidade individual da criança.

Toda a perspectiva individual apresentada também deixa vislumbrar uma coloração individual, que resulta de cada relação pessoal com a criança. Professores que têm um bom relacionamento com o aluno em questão apresentarão um ser humano totalmente diferente daquele para quem só causa dificuldades. Se o colegiado fomentar esses contrastes e permitir que os aspectos particulares sejam colocados lado a lado, da visão geral poderá surgir algo que é mais do que cada um, individualmente, poderia perceber do ser da criança.

Somente quando da visão geral, no âmbito mais elevado, surgir uma imagem, algo de sua personalidade poderá ser vislumbrado. Essa imagem se torna transparente para as perguntas que a criança nos coloca, e nos conduz para aquilo que gostaríamos de lhe trazer a fim de ajudar no seu caminho.

Não há um critério matemático para formular as diferenças na distribuição dos campos, individualmente. Mesmo assim, seres lutam individualmente para se sobressair do caos num âmbito diferente do geométrico.

Podemos desta maneira imaginar como da visão geral de aspectos individuais pode surgir, na observação de crianças, algo que se torna a imagem da criança a partir de um âmbito mais elevado. Os limites do que podemos formular se ampliam por um momento, e algo diferente se torna visível.

Quem já vivenciou observações de crianças conhece o momento em que, da consonância das singelas percepções trocadas, surge, de repente, uma imagem que transpõe o limite do olhar individual. São momentos emocionantes dos

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quais pode emanar uma profunda comunhão do colegiado participante. E muitas vezes ficamos admirados de ver como a criança em questão, que geralmente nada sabe, nos dias seguintes ficam bem diferentes. Parece que problemas se dissolvem em uma noite e perspectivas totalmente novas se abrem.

O ambiente protegidoTodos os que participam da observação de crianças devem saber exatamente de quem se trata, a fim de que

tenham a oportunidade de se preparar. Para isso, na semana anterior à observação pode-se colocar uma foto da criança na sala dos professores.

Apresentar oportunamente crianças que nunca trazem problemas, mas que, justamente por esta razão, podem receber menos atenção na aula é muito positivo. Crianças problemáticas, em crise, não devem unicamente o centro das observações de crianças. Todo o colegiado deve poder participar da observação, apesar da sobrecarga de compromissos, e assim reconhecer a tarefa conjunta para com esse jovem ser humano. Pode-se formar dois círculos; no interior ficam aqueles que têm contato direto com a criança, e no exterior os mais afastados. Quando tomada a sério e conduzida apropriadamente, uma observação de crianças não tem conseqüências negativas.

Os pais devem ser informados. Talvez possam encontrar uma forma de participar. Geralmente são gratos quando percebem a preocupação séria com a sua criança, e a confiança surge. A própria criança pode ser apresentada. Alunos mais jovens podem, por exemplo, apresentar, num grupo menor, o que acabaram de preparar para a festa semestral; os mais velhos podem apresentar algo do trabalho anual.

A observação de crianças deve se realizar fora do decurso agitado do dia. Para isso é necessária uma estrutura de tempo bem determinada, com início e fim. No início pode ser lido o poema do boletim da criança, bem como acendida uma vela. Ao final o poema é lido mais uma vez, apaga-se a vela e o tempo “normal” continua.

No transcorrer do conteúdo é importante manter separadas a constituição da imagem, a avaliação do que foi encontrado e a formação da conclusão, e realizá-las passo a passo, uma após a outra. Para isto é necessária uma boa direção da conversa e a disposição dos participantes de se ater a uma ordem previamente estabelecida. Quanto mais o exercitarmos, mais intensamente cada degrau se preencherá de conteúdos. Deixar comentários à parte, respeitar os pontos de vista contrários e completar a própria perspectiva também é importante.

Existe uma série de excelentes exemplos, e seguindo-os podemos traçar a apresentação da criança. É recomendável, por exemplo, o texto de Johannes Bockemühl2, que apresenta uma estruturação em degraus da apresentação de uma pessoa. Da mesma forma, o exemplo do Instituto Bernard Livegoed 3. Em última análise, cada colegiado precisa encontrar um método que lhe seja apropriado.

O primeiro encontroQue a observação de crianças vá além da “conversa” depende essencialmente de como as percepções individuais

formem uma imagem. Neste caso não se trata absolutamente de um objeto, mas de um motivo, um gesto ou um símbolo. Como gesto vital de uma criança, pode nos ocorrer uma tempestade e ou uma ressaca do Mar do Norte; sua individualidade pode despertar em nós a imagem de um touro ou de uma pena dentro de uma esfera de um vidro finíssimo. Tais motivos podem surgir nos ecos interiores de tais apresentações. Essas imagens podem, em bons momentos, tornar transparente a intuição do correto. Se este ponto não for realmente bem-sucedido, um obstáculo para a observação de crianças pode surgir.

Para que essa esfera imagética interior se abra, pode-se trazer à consciência o primeiro encontro com a criança. Como todo encontro, muitas vezes a sua estrutura desperta em nós, como um marco, motivos e questões acerca dessa relação. Como um relâmpago pode se desvendar, num primeiro instante, algo da imagem primordial do ser humano, do seu devir ideal, da estrela que está sobre ele e que ele busca alcançar. Normalmente nos esquecemos do transcurso desse acontecimento totalmente inconsciente. Muitas vezes, no entanto, podemos chamá-lo à consciência numa retrospectiva. E podemos prestar atenção no que foi despertado em nós naquele encontro.

Em nosso interior encontramos mais facilmente a conexão com o que uma criança traz do mundo espiritual, e na pós-imagem desse primeiro encontro podemos também encontrar mais facilmente o ponto de partida para o que pode fluir para dentro da observação de crianças.

Gostaria de agradecer a Claus-Peter Röh, professor de classe de Flensburg, com quem tive um grupo de trabalho para um tema na Conferência da Primavera da Federação, pelos muitos incentivos. Este artigo surgiu especialmente na preparação para esse grupo de trabalho.

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O autor: Dr.Bernd Kalwitz, nascido em 1956, é médico escolar na escola Rudolf Steiner de Hamburgo-Bergstedt. É dirigente substituto da Escola Técnica do Norte, dirigente de instalação da Vida Terapêutica Social e da Comunidade de Trabalho Vogthof em Ammersbeck, perto de Hamburgo.

APRENDER A ENXERGAR O CARMA (III PARTE - FINAL)

por Ate Koopmans

Texto extraído de Rundbrief/Journal - Carta Circular nº28

O trabalho em gruposComo já foi mencionado, os exercícios cármicos pertencem ao grupo de exercícios sociais. Com o exercício que

aqui abordaremos será possível trabalhar em nós mesmos, silenciosamente, enquanto uma outra pessoa (ou nós mesmos) é o objeto do exercício. Também é possível dar os passos preparatórios ou fazer todo o exercício em grupo. Neste caso é possível uma ajuda mútua, o que nos possibilita ficar atentos às diferentes camadas interiores do ser humano, que são significativas para o carma.

Podemos diferenciar três camadas: a camada mais física (constitucional), a camada do encontro com o mundo e, finalmente, os movimentos volitivos profundos e os impulsos. Os participantes do grupo podem se ajudar mutuamente a fim de encontrar, reconhecer, distinguir, aprofundar e até tentar interpretar os diferentes componentes das camadas. Isto exige, porém, uma lida cuidadosa, e, em primeiro lugar, naturalmente, conhecimento, tanto por parte dos responsáveis que acompanham o processo quanto por parte dos participantes. Por esta razão, devemos tratar de alguns aspectos do processo e das condições do trabalho em grupo.

O exercício do carma considera como ponto de partida o ser humano visível e, conseqüentemente, a percepção sensorial. Mesmo que a tarefa seja deixar o Homem visível transparente, o exercício parte do visível. Trabalhando em grupo nos percebemos mutuamente, e assim nos encontramos. Por mais que isso seja óbvio, as conseqüências são amplas.

É preciso observar especialmente o seguinte: atentaremos para determinadas particularidades e qualidades de uma pessoa, tais como os encontros com ela, seu temperamento e assim por diante. Como Homens modernos, não observamos o mundo e o próximo objetivamente, mas criticamente (Jean-Paul Sartre fala do “olhar mortal do outro”, aquele que trata alguém como um objeto). São as forças da antipatia que permitem à alma a observação objetiva. O conceito de antipatia, neste caso, não significa algo negativo; refere-se à nossa capacidade de distanciamento de um objeto. Graças a esta capacidade estamos acordados diante do mundo e diante dos outros. No âmbito social mencionado – ou seja, num grupo de pessoas que quer trabalhar os exercícios do carma –, é seguramente necessário estarmos conscientes dessa postura objetiva. Constantemente temos de desenvolver em nós uma atividade complementar a fim de criarmos uma compensação.

Neste ponto, Steiner nos entrega um instrumento que parece fácil, mas que tem um significado de longo alcance: é a natureza imagética do ser humano. Antes de tudo, significa que o ser humano se apresenta como imagem, ou seja, surge para nós com sua aparência. Pertencem a esta imagem os gestos e a maneira de andar, bem como voz, a maneira de falar e assim por diante. Por detrás dessa imagem se esconde o ser. Quando refletimos sobre isso – não apenas uma vez, mas habitualmente –, surge uma tensão interior entre a imagem percebida e o ser interior da pessoa em questão. Nós evocamos, por assim dizer, uma duplicidade, uma dissociação na nossa forma de observar o próximo.

Por natureza, identificamos o outro através de sua imagem. Se quisermos nos aproximar do seu ser anímico-espiritual nos será necessária uma nova atividade interior, de constituição diferente, mais consciente do que a atividade de que necessitamos para a observação da imagem. A percepção foi uma dádiva ao Homem. Porém, o nosso interior responde, como acabamos de ver, de uma forma bem diferente. A resposta é determinada principalmente pela simpatia e pela antipatia: por acharmos alguém simpático, por amor, por nos sentirmos atingidos de forma desagradável ou por aborrecimento e pela crítica resultante disso (julgamento negativo, fofocas e outros). Estes processos geralmente ocorrem interiormente e de forma passiva. Nem sempre será fácil reconhecer tais comportamentos como anti-sociais. Steiner, porém, computa grande valor a tais fatos: “Tendo em vista o

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desenvolvimento futuro da humanidade, é altamente anti-social – pode soar estranho, mas é assim – termos características que nos levam a defrontar nossos próximos com simpatia e antipatia”.

O Homem da atualidadeO Homem da atualidade, que começa na Renascença, está desenvolvendo uma parte de sua alma que busca ser

livre de qualquer influência exterior. Esta nova parte da alma humana é, segundo Steiner, a alma da consciência. A alma da consciência somente consegue se desenvolver se tiver por base um processo de se tornar isolada, de se tornar independente, de individualização. Nossos tempos sofrem com o aspecto anti-social dessa individualização – eis o lado da sombra da alma da consciência. Por esta razão o ser humano precisa desenvolver uma força contrária: um interesse verdadeiro pelo outro. Interesse verdadeiro, no entanto, é algo raramente inato. É preciso ser desenvolvido, exercitado conscientemente. O interesse real por outro ser humano significa trilhar um caminho que conduza constantemente para novas perspectivas. Depois de Steiner ter apontado para o elemento anti-social, através da reação de simpatia e antipatia, ele continua, a respeito do encontro humano: “(...) em contrapartida, o desenvolvimento de um interesse objetivo, científico em relação às insuficiências de outras pessoas – quando as incapacidades de outras pessoas nos interessarem mais que a tentativa de criticá-las – deverá se tornar uma qualidade muito significativa do desenvolvimento futuro”.

Que insuficiências são essas? São as más-formações físicas, os desvios e as patologias. Aprofundar-nos amorosamente nestes desvios significa partir para o aprendizado, para o desenvolvimento do interesse pelo próximo com todas as suas dificuldades. Este não é privilégio dos médicos, enfermeiros ou pedagogos curativos. Cada um encontra situações nas quais pode se aprofundar numa patologia. Para isso não precisamos querer criticar, com antipatia, nem precisamos, por simpatia, ser subjetivamente entusiastas. É importante, neste caso, que nos imbuamos da diferença entre o instrumento físico – por exemplo, o cérebro – e o ser da outra pessoa. A malformação do cérebro, e o conseqüente comportamento deformado proveniente disso, está relacionada com a instrumentária, e nada diz sobre o conteúdo da individualidade do outro. Esta se esconde por trás do “conjunto de instrumentos” – dos corpos físico, etérico e astral – responsável por sua aparência física terrena. Enxergar a nossa corporalidade trimembrada como instrumentária é um aspecto essencial do caráter imagético do ser humano. O caráter imagético do ser humano realça como o outro se manifesta para nós. O caráter instrumental da imagem acrescenta ainda uma outra dimensão, e dirige o nosso olhar para o lado volitivo do ser humano, uma vez que usamos os nossos instrumentos para estruturar a vida na Terra, para nos realizarmos. Isto, porém, jamais chega ao êxito total no decorrer de uma só vida. As possibilidades e as impossibilidades da instrumentária determinam os impulsos cármicos que podem ser vividos e realizados na vida atual. Em cada vida aqui na Terra, de fato, só pode ser realizada uma parte do que vive como impulso cármico na vontade. A instrumentária nos oferece possibilidades, mas nos impõe determinadas limitações.

A busca da lida consciente com o caráter imagético da aparência humana, como uma imagem que esconde o verdadeiro ser humano, também pode ser compreendida como um primeiro exercício geral do carma: criar uma sensação, uma situação na qual os exercícios do carma possam progredir. O caráter imagético do ser humano é uma idéia, não para que possa ser rapidamente compreendido, mas para que os fenômenos do carma e da reencarnação não se percam de vista durante o tempo de trabalho conjunto.

O significado do carma no decorrer da vida poderia se tornar visível mediante exemplos de experiências da vida individual de personalidades. Poderiam ser mencionados, em primeiro lugar, os paradoxos da vida como motivos apropriados, tais como: um acontecimento na juventude em que fora impossível se fazer uma escolha, mas em virtude do qual, de maneira ampla, toda a vida futura se determinou. Desta forma nos deparamos, em nossa vida, com diversos motivos que de maneira alguma foram escolhidos a partir da nossa consciência de vigília: motivos da esfera física, do nosso ambiente, que entraram em nossas vidas através de encontros pessoais, bem como motivos de caráter mais supra-pessoal, tais como uma crença, uma cosmovisão materialista, uma maneira de aproximação social. Esta última naturalmente pode entrar nas nossas vidas tanto mediante encontros como através de um livro.

Assim, em grupos cujos participantes quase não têm contato com a antroposofia, estes três âmbitos do carma, acima mencionados, podem se tornar compreensíveis: constituição (base corpórea), afinidades (encontros) e direção espiritual. Em cada biografia podem ser encontrados temas de vida destes três âmbitos. A partir desses temas nós aprendemos a formular questões. Que temas de nossa vida vêm mais da esfera física, e quais mais da esfera social, interpessoal? E o que é uma imagem do mundo, uma cosmovisão, uma imagem do Homem? Cada ser humano atua a partir de uma determinada imagem do Homem, mesmo que não tenha consciência disso.

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Quando trabalhamos tais temas da vida, que se tornam visíveis no decurso da vida pessoal, nos aproximamos da questão da diferença entre corpo, alma e espírito. E o que nós aprendemos nos exercícios do carma como a atuação da Lua, do Sol e de Saturno é comparável às inter-relações entre corpo, alma e espírito. Hoje as terapias que consideram a reencarnação muito observam exclusivamente a partir do âmbito psíquico. Para uma observação séria da reencarnação e do carma, é de grande importância considerar a diferença entre alma e espírito. A alma, como tal, não reencarna, apesar de muitas pessoas o desejarem. Nossa alma humana é singular, a cada vez. É o nosso espírito que vai de uma vida para a outra.

Tornar-se consciente do caráter imagético do ser humano, ter o sentimento de que as coisas que se aproximam de nós nos pertencem (ou podem pertencer) e aprender a perceber os motivos biográficos – estes são os três pilares que podem despertar no ser humano um sentimento da compreensão do carma. Isto é importante, no sentido mais amplo da palavra, para a vida social. Os exercícios do carma preenchem a imagem do ser humano, o concretizam, o tornam mais real. Isto significa que devemos nos colocar a caminho, por mais simples que isso seja, não nos dirigindo primeiramente aos resultados, mas, com uma outra postura interna, aos nossos próximos.

ARTE: DESPERTA A CONSCIÊNCIA E HUMANIZA A SOCIEDADE (III PARTE - FINAL)

por Van James Texto extraído de Rundbrief/Journal nº 28 (Carta Circular)

Aloha!Observamos como a arte precisa se tornar a pedra fundamental da alma humana, o seu ponto certo, o seu sangue

vital. Enxergamos as artes como um meio de fazer desabrochar a consciência humana. Hoje queremos nos concentrar em como a arte promove o idealismo ético e a força de representação moral. Rudolf Steiner disse:

“A verdadeira arte só pode ser colocada, por um lado, perto do verdadeiro conhecimento, e, de outro, perto da verdadeira vida religiosa da humanidade (...). O artista nem mesmo conseguiria atuar dentro da sua matéria se em seu interior não vivesse um impulso que emana do mundo espiritual. Com isso aponta-se tanto para a seriedade artística quanto à seriedade do reconhecimento da vivência religiosa. É inegável que, em diversos aspectos, o nosso mundo e a humanidade física se afastaram dessa seriedade artística. Todo olhar para a atividade artística que realmente merece esse nome nos mostra como é, ao mesmo tempo, uma luta do ser humano por uma consonância, por uma harmonia entre o divino-espiritual e a matéria terrena”1. Temos aqui uma imagem da arte como uma ponte entre a ciência e a religião, entre o terreno e o espiritual, entre o pensar e o querer.

Arte verdadeira e arte falsa (arte apropriada e arte inapropriada) James Joyce, a grandeza literária do século XX, tinha uma representação especial das artes. Ele via duas formas

de apresentação das artes: a apropriada e a inapropriada. Via, porém, duas formas de arte inapropriada. Esta diferenciação entre dois tipos de arte inapropriada é bem significativa. Uma das formas é denominada pornográfica 2

pelo fato de nos seduzir, de atrair e de se vender. A outra forma de arte inapropriada é denominada didática, pois tem a intenção de aplicar uma lição, indiferentemente de nossa vontade de aprendê-la ou não. É uma arte que salta aos olhos, arte vanguardista, que se impõe. A arte didática é verdadeira, mas não é bela. Arte pornográfica é bela, mas não é verdadeira.

As artes têm essa incumbência especial e muito séria de nos abordar de forma tríplice. A arte pornográfica apela à nossa vontade através dos nossos sentidos, enquanto a arte didática, também através dos nossos sentidos, apela ao nosso pensamento. As duas são formas de arte que, de um lado, vão longe demais na direção do nosso metabolismo

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motor (isto é, do sistema da vontade), e, de outro, vão longe demais no nosso sistema neurossensorial (ou dos processos dos pensamentos). Não atingem o nosso sistema rítmico, que corresponde ao nosso sentir, onde pode acontecer uma “epifania”, nas palavras de Joyce, na calma do coração: o enlevo estético.

Nada de arte!Imaginemos que não houvesse canto, sussurro ou instrumentos. Imaginemos que não houvesse música no

mundo, independente da qualidade. Imaginemos que não houvesse dança, nem movimento artístico, nem euritmia. Imaginemos que não houvesse teatro, nem apresentação, nem drama. Imaginemos um filme de Peter Jackson sobre o mundo sem desenho, pintura, efeitos especiais, animação ou estruturas gráficas de qualquer espécie. Imaginemos: nada de histórias, nada de versos, nada de literatura. Nada de escultura, nada de arquitetura, nada de construções.

Que mundo seria esse? Imaginemos! Nós temos a possibilidade de pensar nisto, e mesmo assim isto é algo inimaginável porque o mundo natural sem seres humanos não é o mesmo. Em tempos remotos, disse Steiner, os seres humanos colocavam as suas mãos em água muito fria, pouco antes de congelar, e nela faziam formas, que logo se congelavam. Eles podiam vivenciar como as formas se estruturavam no gelo. A arte já está potencialmente contida na natureza.

As sete artesRudolf Steiner apresenta a relação entre diferentes artes e também sua relação com o ser humano (Fig. 3). A

arquitetura se baseia nas leis do corpo físico. A escultura surge das leis das forças plasmadoras vivas, do invólucro etérico. A pintura se baseia nas leis e atividades das nossas percepções, nas nossas simpatias e antipatias – ou no nosso corpo astral. Estas três artes (arquitetura, escultura e pintura,) são as formadoras espaciais ou artes visuais. As três artes vinculadas ao tempo, também chamadas de artes representativas, são a música, o teatro e a dança. A música é uma expressão das leis do Eu humano (ou princípio do ego). Arte dramática e arte poética (as artes faladas) e a arte da fala vêm das leis da Personalidade Espiritual, isto é, resultam da atividade do Eu que, de forma eficaz, transforma as forças da alma (ou do corpo astral). Quando o Eu for capaz de adentrar e transformar o corpo etérico (o corpo dos hábitos ou temperamentos), surgirá o Espírito Vital. A dança – isto é, uma arte de movimento, tal como a euritmia – se desenvolve de acordo com a natureza do Espírito Vital. Acima dessas seis artes está a nova arte social, que tem sua origem num âmbito espiritual ainda mais elevado do ser humano, o Homem-espírito. Quando o corpo físico for perpassado pelo Eu, for transformado pela atividade do princípio do Eu, surgirá um ser espiritual humano verdadeiramente mais elevado. Uma nova forma de arte é possível quando o nosso membro mais elevado – isto é, o Homem-espírito – atua para baixo, para dentro do corpo físico. Esta é uma imagem de como as sete artes estão interligadas, e intimamente ligadas à forma sétupla da natureza humana.

A vida saudável na comunidadeRudolf Steiner deu a Edith Maryon, a primeira dirigente, escolhida por ele, da Seção de Belas-artes da Escola

Superior de Ciências Espirituais, um verso que se aplica a todas as outras artes. Ele é chamado de “Lema da Ética Social”:

Salutar só é quandoNo espelho da alma humanase forma a comunidade inteira,E na comunidade vive a força da alma individual.Eis o princípio da ética social3

A cura só acontece quando no espelho da alma individual do ser humano se forma toda a comunidade, e na comunidade vive o valor de cada alma individual. Aqui o indivíduo é conclamado duplamente: o individual precisa se tornar um espelho da comunidade, e deve dividir com a comunidade suas virtudes especiais. A dupla exortação à comunidade consiste em dar espaço a cada visão individual e dar apoio às qualidades especiais e forças de cada indivíduo. Como cada indivíduo se torna um espelho da comunidade? Como se forma uma comunidade que integra a capacidade de cada um individualmente? E por que se fala de ética social em relação aos artistas?

O artista alemão vanguardista e professor de escultura (que atuou não muito tempo atrás), Joseph Beuys, falecido em 1986, ampliou o conceito de arte para a escultura social, como dizia ele. Ele foi um membro, bem

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discutido, da Sociedade Antroposófica, que disse: “Cada ser humano é uma artista, um ser livre, conclamado a ajudar a mudar e transformar as condições, o pensamento e as estruturas que formam e condicionam as nossas vidas”. O conceito de arte ampliado por Beuys diz que todos somos artistas atuantes, e que constantemente trabalhamos em nossa maior obra: a obra-prima que é a nossa vida.

Somos conclamados a responder, a ser responsáveis; a desenvolver, como artistas, a capacidade de responder, a responsabilidade. Quando trabalhamos com formas, estruturas, gestos, cores, sons e tons, trabalhamos com elementos de modo a nos prepararmos para uma esperada arte social mais elevada. É possível falar de cores como qualidades, atividades, energias, personalidades e, por fim, como uma capacidade. É possível chegar ao ser das cores. Através das cores e de outros meios de comunicação nos preparamos para esta arte social superior. A arte é um exercício para o nosso futuro social.

Leon Tolstoi disse:

“A tarefa da arte é transformar o sentimento de fraternidade e amor ao próximo (...) num sentimento cotidiano e num instinto de todos os seres humanos. O destino da arte é, nos tempos atuais, transformar (a esfera do) o juízo de tal forma que a percepção da verdade, que o bem-estar dos seres humanos consista em estarmos unidos, nos desenvolvermos, e que, no lugar da atual força dominadora, coloquemos o Reino de Deus – isto é, o Reino do Amor, para que nós todos o reconheçamos como a meta mais elevada da vida humana”4

Esta é uma tarefa social séria!

A obra de arte repleta de espíritoNós iniciamos este congresso na sexta-feira à noite com a meditação da Pedra Fundamental de Rudolf Steiner.

Em 1909, mais de dez anos antes de Rudolf Steiner apresentar esse importante poema da nova fundação da Sociedade Antroposófica, ele dedicou as seguintes palavras à construção em Malsch, na Alemanha. Essa edificação – um modelo muito pequeno do primeiro Goetheanum – era uma espécie de casa de reuniões esotéricas. Ouçamos este poema, e poderemos ouvir as sementes da meditação da Pedra Fundamental, que somente anos depois germinariam:

“Pedimos dos altos céus que sobre esta pedra fundamental e sobre esta edificação em Malsch fluam, ao mesmo tempo, a bênção dos Mestres da Sabedoria, a consonância das percepções e a bênção de todos os altos e supremos seres de todas as Hierarquias espirituais que estão unidas à evolução da Terra. Nós suplicamos que deixem fluir suas forças para dentro desta pedra fundamental, e que nela continuem a atuar para que tudo o que for pensado, sentido, querido e feito o seja em uníssono com Eles e animado pelos Seus espíritos.

Que brilhe sobre esta obraA luz dos espíritos do leste;Que os espíritos do oeste queiram refletir essa luz; Que os espíritos do norte queiram firmá-laE os espíritos do sul aquecê-la,Para que os espíritos do leste, oeste,Do norte e sul fluam através da obra.

Sob dores a nossa Mãe-Terra se materializou. A nossa missão é novamente espiritualizá-la, absolvê-la, enquanto, pela força das nossas mãos, trabalhamos transformando-a em uma obra de arte plena de espiritualidade. Queira esta pedra ser ao mesmo tempo uma pedra fundamental para a redenção e a transformação do nosso planeta Terra, e queira a força desta pedra se multiplicar milhares de vezes”.5

“(...) enquanto, pela força das nossas mãos, trabalhamos transformando-a em uma obra de arte repleta de espírito”. Como nós transformamos o mundo numa obra de arte repleta de espírito?

Dez anos depois, Steiner disse, durante uma palestra sobre o primeiro Goetheanum:

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“Quando as idéias de tal obra de arte encontrarem seguidores na cultura, os Homens que passarem pelos portais de tais obras de arte e deixarem se impressionar pelo que fala através das formas das obras artísticas – quando aprenderam a compreender a linguagem dessas obras de arte pelo coração e não apenas pela compreensão – não farão mais injustiça a seus próximos, pois aprenderão o amor das formas artísticas; eles aprenderão a viver em paz e harmonia junto de seus próximos. Paz e harmonia se despejarão nos corações através dessas formas. Essas edificações serão legisladoras. E as formas dessas nossas edificações alcançarão tudo o que as organizações não puderem alcançar!

Meus queridos amigos, deixem que os seres humanos reflitam, o quanto quiserem, como, mediante organizações exteriores, tirarão do mundo os crimes e os pecados. A cura verdadeira do Mal, que o transforma em Bem, consiste no seguinte: no futuro, a verdadeira arte enviará para dentro das almas e dos corações humanos o fluido espiritual. E quando essas almas e corações humanos deixarem que esse fluido atue, a partir do que será a escultura arquitetônica e em outras formas, os que têm uma tendência de mentir pararão de mentir, e os que têm a tendência de destruir a paz pararão de destruir a paz de seus próximos. As edificações começarão a falar. Falarão uma linguagem que os seres humanos hoje ainda nem imaginam”.6

A arte e a arquitetura verdadeiras terão, no futuro, uma força moral tal que conseguirão dar uma direção nova às intenções do seres humanos. Não as falsas artes impróprias pornográfica ou didática, como a descreve James Joyce, mas a arte conveniente e verdadeira, com sua “tênue linha da calma”, há de incentivar a força de julgamento moral digna do ser humano. A harmonia e a paz fluirão pelas formas artísticas, e as capacidades humanas serão transformadas.

“A arte é a criação de órgãos através dos quais os deuses poderão falar aos homens” disse Rudolf Steiner. A arte é uma ferramenta através da qual os mundos espirituais poderão falar conosco. Ela é uma das dádivas mais poderosas de que a humanidade dispõe. Arte, como vemos, precisa se tornar o sangue vital da alma, pois ela desperta a consciência e humaniza a sociedade.

CONFERÊNCIAS PROFERIDAS PELA DRA. MICHAELA GLÖCKLER NO CONGRESSO KOLISKOJulho de 2006 - Guanajuato, México.

Anotações de Maria Cecília Bonna e Maria Chantal Amarante

Primeira Palestra

Quando observarmos recém–nascidos, ficamos surpresos com a quantidade de movimentos que fazem. Nem mesmo os olhos conseguem parar e focar algo antes dos três meses. Mas esses inúmeros movimentos não são desenvolvidos. Existe a disposição, mas não a faculdade para eles. Todas as faculdades do ser humano têm de ser conquistadas passo a passo.

Durante um parto normal de uma criança, a cabeça nasce primeiro; no parto de um animal, os pés saem primeiro e a cabeça sai por último. O animal nasce e quase imediatamente sai andando; o Homem precisa de um ano para essa conquista. Isto mostra que o animal tem mais faculdades que disposições, e que o Homem nasce com muitas disposições e menos faculdades. Nos estudos de genética podemos observar que até mesmo durante o encontro do óvulo com o espermatozóide há um estímulo. Tudo o que está no processo de disposição humano precisa de estímulos, precisa do encontro do exterior com o interior.

Até 1970 os cientistas acreditavam que dois fatores eram os determinantes para o desenvolvimento da criança: a hereditariedade e a influência do ambiente. Constatou-se, no entanto, que, se assim fosse, indivíduos com a mesma carga hereditária e a mesma criação seriam muito semelhantes – e não era o que ocorria. Concluiu-se que o terceiro fator determinante é a personalidade humana e seu interrelacionamento com outros seres humanos. A qualidade estabelecida entre as relações influencia a personalidade mais do que a genética e reações ao ambiente. Quanto mais honesta a relação, mais amorosa e compreensiva se formará uma personalidade; quanto mais aceita for a criança, tal

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como ela é, maior será o seu desenvolvimento integral. O respeito pelo ser que se desenvolve e aprende influenciará positivamente o seu desenvolvimento.

- quanto mais HONESTA a relação, tanto melhor é;- quanto mais AMOR houver, tanto mais compreensiva será a criança;- quanto maior o respeito à autonomia do ser humano, à sua LIBERDADE, tanto melhor a sua relação com

outros seres humanos e o seu desenvolvimento.Numa pesquisa feita com jovens, perguntou-se: “Qual a qualidade mais importante no ser humano?”. A resposta

mais comum foi: “A honestidade”. Esta honestidade é a transparência de uma relação entre duas pessoas. Quando há total honestidade numa relação, não há espaço para a mentira, a falsidade ou qualquer outra coisa que possa degenerá-la.

Quando existe pelo menos uma pessoa agindo com total honestidade para com uma criança, aceitando-a e amando-a como ela é, é possível protegê-la, mesmo no ambiente mais hostil. A relação honesta e amorosa protege a criança da agressividade do ambiente. O que cultivamos em nós, os nossos valores honestos, nos faz agir como se disséssemos à criança: “Eu estou aqui, te observo, te respeito e, durante o tempo que me dás, assisto ao teu desenvolvimento e quero saber quem verdadeiramente és, e não quero realizar em ti os meus desejos”.

Outro fato importante acerca da honestidade de uma relação e de sua capacidade curativa está num dado retirado de uma pesquisa de clínicas que investigaram suicidas desistentes. Perguntou-se aos suicidas o que os levara a voltar atrás, ao que responderam se lembrar de alguém que ficaria muito triste em perdê-los. Isto os motivara a manter a própria vida.

Podemos dizer que nossas relações com os outros seres humanos são a causa de nossa existência terrena. Quando estamos nos relacionando, nos sentimos em casa.

O ser humano vive a partir de seus valores espirituais: verdade, liberdade e amor. Estes não podem ser vistos num microscópio, mas podem ser as maiores fontes de saúde e de poder curativo do Homem. Tais forças nos unem.

Esta deve ser a questão de reflexão desta semana: o que é, afinal, a saúde?Como profissionais da educação, temos de trabalhar a relação interiorizada, formada a partir de respeito,

honestidade, amor e liberdade. O desenvolvimento da criança pequena tem sido muito estudado, e podemos ver que esses aspectos são mais importantes para o seu bom desenvolvimento do que o seu ambiente e a genética. Quanto menores as crianças, mais importantes são esses três valores. Os educadores são os principais profissionais que necessitam atuar com esses valores, pois as crianças nos escolhem e são elas e as suas famílias que nos sustentam. O professor deve ser imensamente grato pelo tempo em que está com as crianças, e se colocar em total disposição para ajudá-las. “Nunca me esquecerei das crianças que estão comigo” – esta interiorização da relação é que sustenta o desenvolvimento das crianças.

O que nos alimenta na vida são as relações. Nos sentimos péssimos quando somos jogados para fora de uma relação. A medicina moderna e a farmacopéia estão chegando ao que é necessário para a salutogênese, conceito claro do que é a verdadeira saúde. Quando olhamos para as crianças pequenas, observamos a disposição para o movimento e o crescimento. Elas necessitam de ajuda para o desenvolvimento através do arquétipo da confiança. Durante o processo de aprendizado precisamos confiar. A criança pequena é a personificação do arquétipo da confiança. A criança necessita que o educador esteja autoconfiante para que o bom desenvolvimento ocorra.

Através do exame de ultrassom, durante a gravidez, podemos ver esses mesmos movimentos no embrião que cresce. Num congresso em que os movimentos do embrião foram pela primeira vez mostrados, um médico neonatologista antroposófico disse que eram movimentos de euritmia. É por isto que fazer euritmia com os pequenos é muito bom: são os movimentos primais. Atualmente se trabalha com euritmia curativa às incubadoras para ajudar os prematuros.

Olhemos agora para o desenvolvimento humano e para o que acontece nas diferentes fases. Podemos começar dizendo que a confiança é um sentimento primordial para a vida. O nascimento é, em si, a própria imagem da confiança. A criança traz consigo como que uma parte do mundo espiritual, que se revela desde o nascimento.

Os primeiros movimentos do bebê até por volta dos seis meses são reproduções gestuais dos movimentos espirituais das vogais. Assim que controla a cabeça e começa a abrir os bracinhos, expressa o “A”. Depois adquire o controle de fixar os olhos em algo e consegue prender algo entre os dedos, ou até juntar os dedos, e isso é o “E”. Para que os dedos se toquem, há a visualização e o olho foca em X; daí o movimento anímico “E”. Aos 6 meses ocorre o

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estiramento das pernas, e, quando colocado ereto, saltita de alegria: aí temos o “I”. Com o engatinhar e a exploração do ambiente se completam as vogais e se acrescentam as consoantes.

No ato de tocar, de provar o ambiente, a criança vivencia todas as consoantes. São os mesmos movimentos da euritmia que, para os pequenos, nas escolas, se realizam através da imitação. Encontramos esses mesmos movimentos já no embrião. Por isso temos de estar totalmente conscientes quando formos expressar os movimentos aos pequeninos. Eles os reproduzirão não apenas exteriormente, mas também interiormente.

Durante o primeiro ano de vida, a criança fará movimentos para os quais já tem a disposição. A criança fará o que tem dentro de si a partir do desejo (interno) e dos estímulos (externos). É por isso que devemos criar ambientes onde possa se movimentar com liberdade e segurança, sem que a fiquemos puxando o tempo todo. Devemos oferecer espaços protegidos, com limites naturais, em que possa se movimentar sem o impedimento do adulto.

Os sentidos do tato, da vida, do movimento e do equilíbrio se desenvolvem nessa fase. Nada se ensina de fato à criança; ela faz. Precisamos saber qual é o arquétipo desse movimento a fim de podermos apoiar a criança, e não inibi-la ou limitá-la. Quando a corrigimos a todo o momento – “Não faça assim!”, “Pare!” –, imitará animicamente a antipatia. A criança fica com a sensação de não ser aceita, e a sua auto-estima é afetada. O adulto deve desenvolver empatia pela forma como a criança pequena se movimenta e oferecer-lhe espaços seguros, em que possa ter o máximo de liberdade. Assim ela não imitará a reação do adulto que a segura, puxa ou inibe.

No segundo ano de vida, a criança desperta os sentidos da visão, do paladar, do calor (térmico) e a audição, que estão abertos para perceber as qualidades do Eu do adulto.

As faculdades do movimento então se retraem para que desabrochem e se desenvolvam as faculdades da fala. No primeiro ano, expressa a alegria, a liberdade e a confiança ao encontrar uma pessoa com um abraço, um sorriso: é a mímica, que fala sem palavras. No segundo ano de vida, quando a fala se desenvolve, a percepção e a atenção tudo captam. Da cabeça aos pés, os sentidos estão abertos. A criança cheira, ouve, saboreia. Ela desenvolve um sentido para a qualidade das relações. Percebe a presença do Eu adulto e sabe se estamos espiritualmente presentes em cada ato. Se assim estivermos, saberemos dar à criança o que precisa. Se não estivermos verdadeiramente com elas, as crianças começarão a ter medo de encarnar. Se o adulto estiver “fora de si” ou “ausente”, como poderão as crianças ter a coragem de estar em seus próprios corpos?

Nosso trabalho essencial é “estarmos integralmente presentes” – com todo o nosso ser. Com cada membro de nosso ser traremos algo especial para as crianças.

Se nosso Eu estiver presente, teremos atenção pura.Se nosso pensar estiver presente, teremos concentração e saberemos o que deve ser feito.Se a palavra estiver presente, perceberemos o gesto que lhe corresponde, e saberemos o verdadeiro sentido dessa

palavra.Se o ouvir estiver presente, estaremos abertos para receber o que a criança nos traz.Este é um educar salutar.

Segunda Palestra

Ontem falei um pouco sobre o primeiro ano de vida, e de como os movimentos da criança surgem primeiramente a partir de dentro – ou seja, da própria disposição da criança. Todos os movimentos aprendidos são a base do aprendizado escolar. Outros tipos de movimento, como a dança, surgem através da imitação.

Vimos que no segundo ano de vida a criança desenvolve a fala e os rudimentos da gramática. Isto não se dá por ensinamento, mas através da disposição da imaginação e da imitação, que são tão fortes na criança pequena. A disposição da imitação é a capacidade infantil de captar tudo através dos seus seus sentidos. Chamamos isso de inteligência senso-motora. O ser humano só a tem durante um determinado período de sua vida. Durante o primeiro setênio temos de proteger essa capacidade de imitar, com a qual os pequenos aprendem, ou as formas seguintes de aprendeizado serão dificultadas.

A criança aprende a falar como aprendeu a andar. Se falamos “venha cá!” ou fazemos a mímica, o significado é o mesmo. A criança captará o gesto com os olhos e a palavra com a audição. Começará a conectar conceitos e conteúdos quando integrar à palavra o gesto e a expressão corporal. Através dessa compreensão da ação ela irá aos poucos captar, além de palavras isoladas, o pensamento, que é pura atividade espiritual.

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A criança não vê o pensamento, não o toca – mas o percebe. Então há o momento especial: é quando a criança descobre que pensa. É um despertar supra-sensorial e espiritual. Nesse instante ela formula seu primeiro pensamento verdadeiro: “EU SOU EU!”; “ESTE SOU EU!”. Este pensamento não pode surgir por imitação, embora escute as pessoas dizerem “eu” com freqüência. Isso porque as crianças imitam a realidade, mas não o ato de outro falar “eu”. Este pensamento é próprio de cada ser humano.

A primeira percepção do pensar em nossas vidas surge através de falarmos “Eu sou EU”. É algo totalmente pessoal, que só aprendemos a partir de nós mesmos. Falamos por nós mesmos, na primeira pessoa, por volta dos três anos de vida. Pela primeira vez a imitação passa a ser vivência do “Eu sou”.

Todos temos a primeira memória da vida, e é naquele momento que ocorreu a metamorfose do movimento – então cheio de sentido, embasado nas destrezas, na maturidade do controle motor, aprendido através do “movimentar-se”. Podemos dizer que essa evolução é uma das etapas de uma grande metamorfose. Uma primeira metamorfose ocorre baseada na destreza do movimento ou no amadurecimento do corpo em movimento; em seguida, quando há a capacidade da fala, ocorre uma metamorfose baseada no jogo entre a articulação e o ar; em terceiro lugar há uma metamorfose que atinge o pensar. As três são movimentos das forças etéricas, que vão do querer ao pensar. Primeiro o etérico se encarna como capacidade de movimento, depois como fala e por último como capacidade interior de pensar.

Se olharmos para os três anos finais da vida de Cristo, veremos as capacidades que culminam no EU SOU: “Eu sou o Caminho (movimento, andar), a Verdade (falar) e a Vida (eu existo, pensar)”.

O mesmo se dá com o ser humano em desenvolvimento: 1- aprende seu caminho, move-se de maneira coordenada; 2 - aprende a falar a verdade (e podemos afirmar que o segundo ano de vida é o único em que não mentimos,

pois a mentira só surge depois do nascimento do pensar);3 - surge, pela primeira vez, o germe do EU, e se iniciam o pensar e a percepção da vida.Estas são as disposições que precisamos proteger, pois são as heranças espirituais de Cristo. Quando ajudamos

uma criança nessa fase do desenvolvimento, somos ajudantes de Cristo no caminho do ser humano para alcançar o pensamento autônomo. E é um presente podermos ser ajudantes de Cristo durante essa época por Ele protegida, quando atuamos como educadores que permitem que as crianças começem a pensar por si próprias – pois o Eu é a única autoridade que suporta uma vida interior.

“Não Eu, mas o Cristo em mim” – eis a força que deve dirigir e inspirar. Todos os anos escolares são baseados nesses três primeiros anos da infância. A força que nos inspira é a mesma das crianças: uma força que vive em nós durante toda a vida.

No quarto ano da vida da criança surge o desejo de memorizar. Memorizar e trazer à lembrança é uma forma de se unir à sua própria identidade. Ela registra e resgata memórias que são só suas. É como um jogo de reconhecimento. A criança nos pede para repetir tudo o que lhe contamos e ensinamos. Dizemos: “esta é a última vez!” – mas, quando terminamos, ela pede: “conta de novo?”. Podemos chegar à exaustão de tanto repetir, mas a criança não se cansará. A criança necessita da repetição para fortalecer a memória, e, quando o fazemos, nos colocamos a serviço do seu desenvolvimento.

Ritmo, movimentos, contos, brincadeiras que se repetem, canto com palavras que soam como eco... É ainda a idade da teimosia, em que diz “não” a tudo. Podemos ensinar-lhe que também é possível dizer “sim”. Com bom humor, trazemos o equilíbrio entre a simpatia e a antipatia. 

Aos cinco anos de idade, a memória da criança adquire a capacidade de se interiorizar. Lembram-se, por exemplo, do número 5, e contam os dedos. Relacionam assim a memória interior com a visual e rítmica. Por estarem conectando a memória visual à interior, adoram ver livros com imagens e pinturas e gostam que lhes falemos e expliquemos o que ali está.

As crianças gostam de ver objetos e nomeá-los junto com os adultos, e então surgem pequenos cientistas que investigam objetos e imagens, e tudo perguntam. 

No sexto ano de vida um umbral é cruzado, e o pensamento infantil começa a independer da presença do objeto. Esta mudança significa que as crianças estão prontas para o aprendizado dos símbolos gráficos. Só a partir de então é que podem reter algo que escutaram uma única vez. Levam para casa de memória, sem necessitar da presença do

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objeto. Quando não conseguem ter essa capacidade, o professor ajuda mostrando o objeto à criança e deixando que o leve para casa.

Se não protegemos esse momento e se não as auxiliamos a abstrair, no futuro precisarão da ajuda de máquinas para obter dados, pois terão os cérebros vazios. Para ajudar as crianças de seis anos, podemos lhes perguntar o que viram e o que aconteceu em casa, e deixar que falem bastante.

Quando desejamos saber se uma criança está pronta para o primeiro ano escolar, fazemos o seguinte teste: colocamos alguns lápis sobre a mesa, deixamos que conte e, em seguida, cobrimos dois ou três. Perguntamos, então: “Quantos cobri?”. A criança quase sempre está apta a responder. A criança deve conseguir “contar o invisível” – esta é a abstração da idade.

Com crianças de sete anos de idade iniciamos o treino da capacidade de abstração. A retrospectiva da aula e o recontar de uma história são formas de fazê-lo. Todos os alunos devem, nessa fase, ter a capacidade de falar de memória.

Aos 8 anos, a criança adquire uma espécie de sentimento qualitativo pelos seus próprios pensamentos. A abstração adquire a capacidade de repetir pelo prazer da sonoridade, pelo conteúdo. A criança já tem pensamentos e sentimentos próprios, e começa a pensar sobre esses seus sentimentos. Aprecia um verso, uma poesia, um ritmo. Nesse momento temos de praticar com eles a qualidade de “como apreciar algo”. Podemos cantar em dois grupos, fazendo com que um cante e o outro escute e ajude o primeiro a melhorar o que fizeram. Podemos fazê-los despertar para olhar o que já foi feito, e verdadeiramente apreciar algo.

Aos 9 anos a criança sente o pensamento e compreende o verdadeiro significado do EU SOU. Aos 8 anos se relaciona com o mundo exterior, e aos 9 sente um certo estranhamento: “O que acontece comigo?”. Começa a se introverter.

Com a pureza do seu sentimento ainda infantil, a criança experimenta a percepção do EU (ainda não da forma anímica da puberdade). Principia-se a disposição de aprender sobre si mesmo: “Como foi meu nascimento? Meus pais pegaram o bebê certo no hospital?”. Quando escutam o Antigo Testamento e ouvem a história de Moisés no cesto no rio, sentem-se bem, pois pensam que poderia ter acontecido com eles...

É nesta idade que aparece o sentimento de separação da família, no sentido de autopercepção da individualidade espiritual. É um momento de solidão total e de choque, parecido com o que ocorre aos três anos de idade. Este sentimento aparece porque começam a perceber que são diferentes da família em algumas coisas. Os professores percebem que isso pode ocorrer de um dia para o outro. Antes disso estavam abertos, e, quando chegavam à sala de aula, cumprimentavam o professor com olhar aberto, direto, alegre. De repente olham de baixo para cima. Deste momento em diante as crianças não andam mais leves e nem alegres, mas observam os outros. Agora olham com distância.

Quando tudo se acalmar, adquirirão a maior de todas as qualidades humanas: a capacidade de perdoar. Por outro lado, também adquirirão a de “jamais esquecer”. A partir disso, alguns adultos estarão “fora” e outros serão “ídolos”. Esta é a passagem do Rubicão. Se neste momento da vida existir violência, abuso ou algo semelhante, o Rubicão será tão problemático que desordens psiquiátricas poderão surgir: depressão, autismo, primeiras tendências ao suicídio e a porta para o refúgio nas drogas.

As crianças se sentem vulneráveis, não conseguem se integrar neste mundo e não acham o seu lugar. Para sair da solidão, a criança tem de ter a referência do Amor. De saber-se amado. Depois começará a puberdade, mudança hormonal e todos os problemas de hoje em dia, dos quais trataremos amanhã.

(Continua no próximo número)