.. Caio Tácito - O Abuso Do Poder Administrativo No Brasil (Conceito e Remédios)

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DOUTRINA o ABUSO DO PODER ADMINISTRATIVO NO BRASIL CONCEITO E REMr.DIOS. CAIO TÁCITO Professor na Faculdade de Direito da Universidade do Rio ce Janeiro SUMÁRIO: Introdução. Pa1'te I - Princípios gerais: I - Sistema constitucional brasileiro. /l - Direitos e garantias indivi- duais. I/l - Direitos econômicos e sociais. IV - Tutela do interêsse público. V - Legalidade e poder discricionário. Parte /l - O contrôle da legalidade administrativa: I - Re- médios administratúws. /l - Contrôle legislativo. /lI - Con- trôle judicial da administração: a) Organização judiciária brasileira; b) Remédios fudiâais. IV - Responsabilidade do funcionário e do Estado. INTRODUÇÃO A noção do abuso de poder de autoridade administrativa (equiva- lente ao exces de pouvoir do direito francês) é o reverso do principio de legalidade da Administração pública, nascido com o liberalismo polí- tico. A regra de separação dos podêres e a declaração dos direitos fundamentais do homem são os seus pressupostos naturais. N os regimes absolutos a Administração era apenas uma técnica a serviço do príncipe. O Estado de Direito, ao contrário, submete o Poder ao domínio da Lei: a atividade arbitrária se transforma em atividade jurídica. A lei, como expressão da vontade coletiva, incide tanto sôbre os indivíduos como sôbre as autoridades públicas. A função administrativa ou executiva - pela qual o Estado presta os serviços necessários à ordem, segurança e bem-estar de todos - se realiza dentro em normas criadas pela função legislativa ou normativa e asseguradas, coercitivamente, pela função jurisdicional. A lei prevê, a Administração executa e a justiça garante um certo número de obrigações e faculdades que visam a atender ao interêsse público e às conveniências dos administrados. * Relatório enviado ao Seminário promovido pela ONU. em Buenos Aires. 1959. pdo Professor Caio Tácito. como repres,ntJnte brasil(iro.

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A noção do abuso de poder de autoridade administrativa (equivalente ao exces de pouvoir do direito francês) é o reverso do principio de legalidade da Administração pública, nascido com o liberalismo político. A regra de separação dos podêres e a declaração dos direitos fundamentais do homem são os seus pressupostos naturais.Nos regimes absolutos a Administração era apenas uma técnica a serviço do príncipe. O Estado de Direito, ao contrário, submete oPoder ao domínio da Lei: a atividade arbitrária se transforma em atividade jurídica. A lei, como expressão da vontade coletiva, incide tanto sôbre os indivíduos como sôbre as autoridades públicas.A função administrativa ou executiva - pela qual o Estado presta os serviços necessários à ordem, segurança e bem-estar de todos - se realiza dentro em normas criadas pela função legislativa ou normativa e asseguradas, coercitivamente, pela função jurisdicional. A lei prevê, a Administração executa e a justiça garante um certo número de obrigações e faculdades que visam a atender ao interesse público e às conveniências dos administrados.

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  • DOUTRINA

    o ABUSO DO PODER ADMINISTRATIVO NO BRASIL CONCEITO E REMr.DIOS.

    CAIO TCITO Professor na Faculdade de Direito

    da Universidade do Rio ce Janeiro

    SUMRIO: Introduo. Pa1'te I - Princpios gerais: I - Sistema constitucional brasileiro. /l - Direitos e garantias indivi-duais. I/l - Direitos econmicos e sociais. IV - Tutela do intersse pblico. V - Legalidade e poder discricionrio. Parte /l - O contrle da legalidade administrativa: I - Re-mdios administratws. /l - Contrle legislativo. /lI - Con-trle judicial da administrao: a) Organizao judiciria brasileira; b) Remdios fudiais. IV - Responsabilidade do funcionrio e do Estado.

    INTRODUO

    A noo do abuso de poder de autoridade administrativa (equiva-lente ao exces de pouvoir do direito francs) o reverso do principio de legalidade da Administrao pblica, nascido com o liberalismo pol-tico. A regra de separao dos podres e a declarao dos direitos fundamentais do homem so os seus pressupostos naturais.

    N os regimes absolutos a Administrao era apenas uma tcnica a servio do prncipe. O Estado de Direito, ao contrrio, submete o Poder ao domnio da Lei: a atividade arbitrria se transforma em atividade jurdica. A lei, como expresso da vontade coletiva, incide tanto sbre os indivduos como sbre as autoridades pblicas.

    A funo administrativa ou executiva - pela qual o Estado presta os servios necessrios ordem, segurana e bem-estar de todos - se realiza dentro em normas criadas pela funo legislativa ou normativa e asseguradas, coercitivamente, pela funo jurisdicional. A lei prev, a Administrao executa e a justia garante um certo nmero de obrigaes e faculdades que visam a atender ao intersse pblico e s convenincias dos administrados.

    * Relatrio enviado ao Seminrio promovido pela ONU. em Buenos Aires. 1959. pdo Professor Caio Tcito. como repres,ntJnte brasil(iro.

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    A tendncia marcante do direito pblico, no sculo XIX, foi 3 garantia do cidado contra o Poder. A ordem liberal repousa sbre o individualismo jurdico e a livre iniciativa econmica. O dever essen-cial da Administrao consistia na manuteno da ordem e tranqili-dade pblicas e na segurana das liberdades individuais.

    A evoluo do quadro poltico e social conduz, no entanto, ao fort&-lecimento do Poder Pblico. A economia clssica aprofundou-se em contradies e antagonismos. Os intersses se organizam em grupos, provocando conflitos intolerveis com o sistema democrtico. O Estado foi convocado a disciplinar e conter os excessos da atividade privada, sujeitando-a aos princpios do bem comum e da justia social. A Admi-nistraco moderna assume sentido dinmico, mediante a regulamenbl.-o, o contrle ou o monoplio do comrcio, da indstria, do transporte, do ensino e, at mesmo, da pesquisa cientfica. A tnica dos regimes polticos se desloca da absteno para a interveno. Intervir para preservar - eis o lema democrtico atual.

    As condies sociais atribuem ao Estado uma posio de tutela e comando de intersses gerais e particulares. A manuteno e sobrevi-vncia do indivduo, a sua proteo contra riscos sociais, a prpria defesa da soberania nacional impem a reviso dos alicerces: a proprie-dade, a famlia, o trabalho, a emprsa obedecem a novos pressupostos de inspirao coletiva.

    O individualismo jurdico se decompe perante causas e concausas poderosas. A socializao do direito transcende ao plano doutrinrio e se consagra na criao legislativa e na hermenutica dos tribunais.

    As Constituies se enriquecem com novos direitos econmicos e sociais, to relevantes para o homem contemporneo como os direitos polticos ou individuais. A prpria eficcia dsses ltimos se torna incua, sem o amparo do Poder Pblico: o testemunho de Roger Pinto ilustra a tese: La libert de la presse est celle des diteurs et delJ auteurs. La libert du lecteur, de l'auditeur, du spectateur doi tre ioa.lement garantie par la presse et contre la presse.

    Os servios prestados aos indivduos so, presentemente, a parte m3is importante da obrigao jurdico-administrativa. A subsistncia ou a felicidade de grande nmero de pessoas est, no mundo moderno, em correlao imediata com a satisfao concreta de suas necessidade~ pela Administrao. A absteno do poder pblico uma das forma~ mais nocivas de violao da lei. O direito ao funcionamento dos servi-os pblicos se inscreve, destacadamente, no elenco de direitos essen-ciais aos cidados.

    A inrcia da autoridade administrativa, deixando de execut3r determinada prestao de servio a que por lei est obrigada, lesa o patrimnio jurdico individual. forma omissiva de abuso de poder, qu.er o ato seja doloso, ou culposo.

    A par dsses direitos e intersses legtimos dos administrados, h, 3inda, outros que se referem coletividade, considerada em seu con-junto. H um dever de boa administrao (como tal referido no art. 97 da Constituio italiana de 1948) que corresponde ao intersse coletivo no funcionamento regular dos servios pblicos.

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    A neutralidade poltica da Administrao, a aplicao legtima dos dinheiros pblicos, a planificao econmica e tcnica no so apenas aspectos discricionrios da atividade administrativa.

    O equilbrio e a estabilidade sociais, dependem, cada vez mais, da eficincia e moralidade da Administrao pblica, cujas repercusses atingem, constantemente, os intersses de cada um dos membros da sociedade.

    Devemos, portanto, distinguir, no estudo do tema proposto, trs modalidades distintas de abuso do poder administrativo:

    1) violao de direitos individuais (liberdade de opinio, reunio, comrcio, crena, locomoo), que devam ser respeitados pela Admi-nistrao nas condies que a lei estabelecer (obrigaes negativas) ;

    2) violao de direitos econmicos e sociais (direito ao trabalho, sade, educao, assistncia, segurana social), consistindo na inexe-cuo de servios e deveres impostos por lei Administrao (obriga-es positivas) ;

    3) violao aos fins de intersse p1lblico (moralidade adminis-trativa, iseno poltica, eficincia do servio), cuja inobservncia afeta, coletivamente, aos administrados.

    mister, de outra parte, ter em mente que o poder de polcia, como instrumento de interveno do Estado, restringe legitimamente, os direitos e atividades privados, em benefcio coletivo. No h direito pblico subjetivo absoluto, imune ao do Poder Pblico. Todos se submetem, com maior ou menor intensidade, disciplina do intersse pblico, de que agente a Administrao. O poder de polcia uma. das faculdades discricionrias do Estado, visando proteo da ordem, da paz e do bem-estar sociais.

    J uso do poder discricionrio, ou seja, da liberdade atribudl pela norma de direito na determinao da conduta do administrador, no se pode confundir com o abuso de poder, que se caracteriza pela violao da legalidade extrnseca ou intrnseca dos atos administrativos.

    PARTE I

    Princpios Gerai~

    I - SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

    Nao independente, desde 1822, tendo adotado o govrno repu-blicano em 1889, o Brasil teve, at os nossos dias, cinco Estatutos polticos: a Constituio monrquica de 1824 (alterada pelo Ato Adi-cional de 1834 e a Lei de Interpretao de 1840) e as Constituies da Repblica em 1891 (reformada em 1926), 1934, 1937 e a de 1946, atualmente em vigor.

    O influxo das idias liberais inscreveu, em tdas elas, o princpio da inviolabilidade dos direitos polticos e individuais. A partir da Carta de 1934, a ordem econmica social passou a constituir um novo captulo nas Constituies brasileiras.

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    o Imprio foi um Estado unitrio, de centralizao poltica "e administrativa, com o sentido de preservar a unidade nacional e a permanncia do trono.

    A Repblica adotou o regime federativo, segundo o modlo norte--americano. A Unio compreende vinte Estados, o Distrito Federal (atualmente localizado na cidade do Rio de Janeiro, mas a se transfe-rir, em abril de 1960, para Braslia, no centro geogrfico do pas) e cinco Territrios Federais. Os Estados se dividem em Municpios, presentemente em nmero de 2.753, aos quais assegurada autonomia poltica e administrativa.

    A organizao administrativa abrange, portanto, trs nveis de servios: federais, estaduais e municipais. Uns e outros so exercidos diretamente, ou sob forma descentralizada atravs de autarquias, fundaes pblicas ou sociedades de economia mista. A concesso de servio pblico est em sensvel declnio, embora ainda subsista na explorao de servios de eletricidade, gs, transportes e na minerao.

    A competncia da Unio est discriminada no art. 5. da Consti-tuio, cabendo aos Estados os podres remanescentes (art. 18, 1.0). Em certos assuntos h competncia concorrente da Unio e dos Esta-dos (art. 6.). A autonomia municipal a')segurada pela eleio direta dos Prefeitos e das Cmaras de Vereadores e pela administrao pr-pria, especialmente quanto matria tributria e organizao dos servios pblicos locais.

    Na discriminao de rendas, constante de preceitos constitucio-nais expressos, a parte principal da receita tributria cabe Unio, que entrega aos Municpios dez por cento da arrecadao do impsto sbre a renda e aos Estados, Distrito Federal e Municpios sessenta por cento do impsto nico sbre lubrificantes e combustveis, mine-rao e energia eltrica.

    Deve, ainda, a Unio aplicar, obrigatoriamente, uma parte da renda tributria na manuteno e desenvolvimento do ensino (10%) e na valorizao econmica de certas regies do pas (7 7c ) .

    Essas vinculaes constitucionais, somadas s percentagens que, por lei, devem ter destino especfico, elevam a mais de um tro a parte da receita pblica cuja aplicao escapa livre programao do Govrno.

    O mesmo critrio de receitas vinculadas se estende, embora com menor extenso, renda tributria dos Estados e municpios.

    A par da receita oramentria (impostos, taxas, rendas diversas), devem ser mencionados outros recursos pblicos, decorrentes de contri-buies parafiscais, arrecadadas e aplicadas por autarquias federais, e os saldos resultantes do contrle oficial de cmbio.

    11 - DffiEITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS

    O Direito Pblico brasileiro assegura, tradicionalmente, o exerc-cio dos direitos polticos e a inviolabilidade dos direitos individuais.

    O regime representativo garantido mediante o sufrgio univer-sal e direto. A legislao eleitoral constantemente aperfeioada, com

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    o objetivo de resguardar o sigilo e independncia do voto, e n legitimi-dade dos mandatos. A Justia Eleitoral um dos ramos autnomos do Poder Judicirio.

    As sucessivas Constituies, desde a imperial de 1824, incluem captulos prprios sbre a declarao de direitos fundamentais do homem.

    A atual Constituio, de 1946, alm de outras normas esparsas, assegura, nos arts. 141 e 144, aos brasileiros e aos estrangeiros resi-dentes no pas, a inviolabilidade dos direitos concernentes vida, liberdade, segurana individual e propriedade.

    Entre as garantias especficas previstas na Constituio salien-tam-se as seguintes:

    a) liberdade de manifestao do pensamento, independente-mente de censura, salvo quanto a espetculos e diverses pblicas, respondendo cada um pelos abusos que cometer. A publicao de livros e peridicos no depende de licena do Poder Pblico. No ser tole-rada, porm, propaganda de guerra, de processos violentos para sub-verter a ordem poltica e social, ou de preconceitos de raa ou de classe. As cincias, as letras e as artes so livres. garantida a liber-dade de ctedra;

    b) liberdade de conscincia e de crena. assegurado o livre exer-ccio dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pblica ou os bons costumes. vedado ao Estado estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraar-lhes o exerccio, lanar tributos sbre templos religiosos, ou ter relao de aliana ou dependncia com qual-quer culto ou igreja, sem prejuzo da colaborao recproca em prol do intersse coletivo. Sem constrangimento dos favorecidos, ser pres-tada, por brasileiro, assistncia religiosa s fras armadas e, quando solicitada, nos estabelecimentos de internao coletiva;

    c) por motivo de convico religiosa, filosfica ou poltica, nin-gum ser privado de nenhum de seus direitos, salvo se a invocar para se eximir de obrigao, encargo ou servio impostos pela lei aos brasi-leiros em geral ou recusar os que ela estabelecer em substituio daqueles deveres, a fim de atender escusa de conscincia;

    d) todos podero reunir-se, sem armas, no intervindo a pol-cia seno para assegurar a ordem pblica, podendo, com sse intuito. designar local para a reunio, contanto que assim procedendo no a frustre ou impossibilite;

    e) garantida a liberdade de associao, para fins lcitos. Nenhuma associao poder ser compulsoriamente dissolvida seno em virtude de sentena judiciria;

    f) livre o exerccio de qualquer profisso, observadas as condi-es de capacidade que a lei estabelece;

    g) garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapro-priao por utilidade pblica, ou intersse social, mediante prvia e justa indenizao em dinheiro. Em caso de perigo iminente, as auto-ridades podero usar da propriedade particular, com o pagamento de indenizao ulterior. assegurada a propriedade literria e artstica

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    e a dos inventos industriais, das marcas de indstria e comrcio e do norr..e comercial, nos trmos da lei;

    h) ningum ser prso seno em flagrante delito, ou por ordem escrita de autoridade competente. Ningum ser processado, ou senten-ciado, a no ser pela autoridade comp':'tente e na forma de lei anterior. No haver fro privilegiado, nem juzes e tribunais de exceo. A pena ser individualizada e no pi ,sar da pessoa do delinqente. A lei penal somente retroagir em benefcio do ru. No haver penas de banimento, confisco ou de carter perp+uo, nem pena de morte, salvo em tempo de guerra com pas estral':5eiro. assegurado aos acusados amplo direito de defesa. A casa o asilo inviolvel do indivduo;

    i) no ser concedida extradio de estrangeiro, por crime pol-tico ou de opinio, e, em caso nenhum, a de brasi' 2iro. O estrangeiro, nocivo ordem pblica, poder ser expulso, salvo se tiver cnjuge ou filho brasileiro;

    j) nenhum tributo ser exigido ou aumentado sem lei, nem cobrado em cada exerccio, sem prvia autorizao oramentria, res-salvada a tarifa aduaneira e o impsto lanado por motivo de guerra;

    k) em tempo de paz, qualquer pessoa poder, com os seus bens, entrar no territrio nacional, nle permanecer ou dle sair, respeita-dos os preceitos da lei;

    1) vedada a organizao, registro ou funcionamento de partido poltico ou associao, cujo programL ou ao contrarie o regime demo-crtico, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem.

    O captulo constitucional consagra, ainda, como princpios gerais de direito os seguintes postulados:

    a) a igualdade de todos perante a lei; b) a garantia do direito adquirido, do ato jurdico perfeito

    e da coisa julgada; c) a de que ningum poder ser obrigado a fazer ou deixar de

    fazer alguma coisa seno em virtude de lei anterior; d) o de que a lei no poder excluir da apreciao do Poder

    Judicirio qualquer leso de direito individual. No tocante Administrao pblica, a Constituio determina,

    especialmente, que a lei assegurar: I - o rpido andamento dos processos nas reparties pblicas; II - a cincia dos despachos e das informaes que a les se

    referirem; IH - a expedio de certides para defesa de direito; IV - a expedio de certides para esclarecimento de negcios

    administrativos, salvo se o intersse pblico impuser sigilo. Como remdios processuais para proteo dos direitos fundamen-

    tais acima enumerados, a Constituio prev: a) habeas corpus, em caso de ameaa, violncia ou leso liber-

    dade de locomoo, por ilegalidade ou abuso de poder. No cabvel nas transgresses disciplinares;

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    b) mandado de segurana para proteger direito lquido e certo no amparado pelo habeas corpus, ameaado ou lesado por ato de qualquer autoridade;

    c) o princpio geral de competncia do Poder Judicirio para apreciar qualquer leso de direito individual.

    Os direitos relacionados com a funo pblica esto enunciado!! em ttulo prprio, sob a epgrafe "Dos funcionrios pblicos", e assim podem ser resumidos:

    a) livre acesso aos cargos pblicos a todos os brasileiros, obser-vados os requisitos da lei;

    b) vitaliciedade para os Juzes, Ministros do Tribunal de Contas, titulares de Ofcios de Justia e professres catedrticos. O funcion-rio vitalcio somente perder o cargo mediante sentena judiciria;

    c) estabilidade, aps dois anos de servio, para os funcionrios efetivos nomeados por concurso e depois de cinco anos, para os demais funcionrios efetivos. O funcionrio estvel perder o cargo em virtu-de de sentena judiciria ou processo administrativo, em que se lhe assegure ampla defesa;

    d) aposentadoria por invalidez ou, compulsoriamente, aos 70 ano!! de idade;

    e) reviso dos proventos de inatividade sempre que, por motivo de alterao do poder aquisitivo da moeda, se modificarem os venci-mentos dos funcionrios em atividade.

    III - DffiEITOS ECONMICOS E SOCIAIS N o constitucionalismo contemporneo, as Cartas Polticas se

    convertem, tambm, em documentos econmico-sociais, protegendo a coletividade e os indivduos contra os excessos do capitalismo e O!! efeitos das crises sociais. O indivduo no mais apenas o cidado ou o proprietrio. As Constituies modernas se dirigem ao trabalha-dor e ao chefe de famlia como titular de direitos que o Estado protege ou atende, mediante garantias e servios. Os direitos indivi-duais so complementados pelos direitos econmicos e sociais.

    Fiel a essa tendncia, as Constituies brasileiras, a partir da de 1934, dedicam um ttulo especial ordem econmica e social, i famlia, educao e cultura.

    Segundo a definio do art. 145 da atual Constituio (1946), a ordem econmica deve ser organizada conforme os princpios da justia social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorizao do trabalho humano.

    O trabalho obrigao social, devendo ser assegurado a todos, de forma a possibilitar existncia digna. O art. 157 da Constituio fixa as normas programticas da legislao do trabalho e previdncia social, entre as quais se destacam: salrio mnimo regional; estabilidade no emprgo e indenizao pela despedida injusta; limite de 8 horas diria!! de trabalho; higiene e segurana do trabalho; repouso semanal remu-nerado e frias anuais remuneradas; regime de trabalho de menore!! e mulheres; proibio de discriminaes no trabalho e proteo ao

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    trabalhador nacional; reconhecimento de convenes coletivas de tra-balho e do direito de greve, cujo exerccio a lei regular; liberdade profissional e sindical; participao obrigatria e direta dos trabalha-dores nos lucros da emprsa; assistncia mdica e hospitalar; seguro obrigatrio contra acidentes no trabalho e previdncia social, mediante contribuio da Unio, do empregador e do empregado.

    A no ser quanto participao nos lucros das emprsas, ainda no regulada em lei, as demais providncias constitucionais esto aten-didas na legislao do trabalho e da previdncia social, cuja reforma est sendo examinada pelo Congresso. Tambm cogita-se, presente-mente, da proteo ao trabalhador rural, apenas parcialmente ampa-rado na legislao em vigor.

    Os dissdios e convenes de trabalho esto sujeitos ao julgamento da Justia do Trabalho, que um dos rgos do Poder Judicirio. Em sua composio observada a paridade de representao de empre-gados e empregadores, juntamente com juzes alheios aos intersses profissionais, selecionados mediante concurso, ou - no Tribunal Superior do Trabalho - por livre escolha do Presidente da Repblica, entre especialistas em direito social.

    A destinao social da propriedade e das atividades econmicas acentuada por meio dos seguintes princpios essenciais:

    I - o uso da propriedade condicionado ao bem-estar social. A lei poder, mediante desapropriao, promover a justa distribuio da propriedade, com igual oportunidade para todos. Essa medida, especialmente concebida como antdoto aos latifndios improdutivos, ser um dos instrumentos da reforma rural, que se encontra na ordem do dia dos debates polticos;

    II - a Unio poder, mediante lei especial, intervir no domnio econmico e monopolizar determinada indstria ou atividade. A inter-veno ter por base o intersse pblico e por limite os direitos fundamentais assegurados na Constituio. A interveno no domnio econmico est regida pela Lei n.O 1.522, de 26 de dezembro de 1951, com a finalidade de assegurar o abastecimento e o contrle de preos de mercadorias e servios essenciais ao consumo do povo. A pesquisa, lavra e refinao de petrleo, constituem monoplio da Unio, por intermdio da Petrobrs, emprsa estatal criada pela Lei n.o 2.004, de 3 de outubro de 1953;

    III - a lei reprimir tda e qualquer forma de abuso do poder econmico, inclusive as reunies ou agrupamentos de emprsas indi-viduais ou sociais, seja qual fr a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrncia e aumentar, arbitrriamente, os lucros. A lei penal especial configura tais prticas entre os crimes contra a economia popular (Lei n.o 1.521, de 26 de dezembro de 1951) ;

    IV - leis especiais fixam o regime dos bancos, emprsas de segu-ro, capitalizao e de fins anlogos, bem como de estabelecimentos de crdito lavoura e pecuria;

    V - a lei dispor sbre o regime das emprsas concessionrias de servio pblico, federais, estaduais e municipais, estabelecendo-se,

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    desde logo, a fiscalizao e reviso das tarifas, a fim de limitar os lucros dos concessionrios;

    VI - as minas e riquezas do subsolo, assim como as quedas dgua, constituem propriedade distinta da do solo e seu aproveitamento depen-de de concesso ou autorizao federal, concedidas unicamente a brasi-leiro, ou sociedade organizada no pas;

    VII - a navegao de cabotagem para transporte de mercadorias privativa de navios nacionais, salvo caso de necessidade pblica, esten-dendo-se o princpio de nacionalizao aos proprietrios, armadores, comandantes e a dois teros, pelo menos, dos tripulantes.

    A famlia, constituda pelo casamento indissolvel, tem direito proteo especial do Estado, sendo obrigatria a assistncia mater-nidade, infncia e adolescncia.

    A educao direito de todos. Deve inspirar-se nos princpios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana. O ensino primrio obrigatrio, e gratuito, se fr oficial.

    O amparo cultura dever do Estado. O patrimnio histrico, artstico e paisagstico nacionais ficam sob a proteo do poder pblico.

    IV - TUTELA DO INTERSSE PBLICO A Constituio e as leis brasileiras permitem, em casos determi-

    nados, a iniciativa de qualquer do povo contra abusos de autoridades administrativas.

    O art. 141, 37, da Constituio de 1946, assegura a quem quer que seja o direito de representar, mediante petio dirigida aos pod-res pblicos, contra abusos de autoridades, e promover a responsabili-dade delas.

    ~sse direito de petio figura em tdas as Constituies, desde a do Imprio. direito poltico, pelo qual o cidado pode promover ~ reparao do abuso de poder, independentemente de direito ou inte-rsse prprio.

    Se o fato constituir crime de ao pblica, far-se- comunicao autoridade policial, ou ao Ministrio Pblico para a iniciativa do inqurito policial, ou da ao penal (Cdigo do Processo Penal, art. 5., 3., e art. 27).

    Tambm a ao popular tem, no Brasil, consagrao constitucio-nal. Proclama o art. 141, 38, da Carta vigente (repetindo preceito semelhante da Constituio de 1934) que qualquer cidado ser parte legtima para pleitear a anulao ou a declarao de nulidade de atos lesivos ao patrimnio da Unio, dos Estados, dos Municpios, das enti-dades autrquicas e das sociedades de economia mista.

    Sujeito ativo da ao popular o cidado, ou seja, a pessoa fsica no gzo dos direitos polticos, agindo como substituto processual da comunidade.

    No a podem intentar as pessoas jurdicas, como, por exemplo, os partidos polticos.

    No estando regulados em lei, os aspectos processuais da ao popular oferecem perplexidades que a jurisprudncia, ainda escassa,

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    no logrou esclarecer. O remdio constitucional visa a resguardar a moralidade administrativa, possibilitando aos cidados o direito de tutelar a coisa pblica contra a fraude, a improbidade, o favoritismo, a aplicao inidnea de bens e dinheiros pblicos ou outros quaisquer atos ilegais da Administrao, que causem dano ao patrimnio pblico.

    Por ltimo, inscreve-se no texto constitucional o mandamento de que a lei dispor sbre o seqestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilcito, por influncia ou com abuso de cargo ou funo pblica, ou de emprgo em entidade autrquica.

    A Lei n.o 3.164, de 1957, e a de n.o 3.502, de 1958 (cujos antece-dentes esto no Decreto-Iei n.o 3.240, de 1941, que sujeita a seqestro os bens da pessoa indiciada por crime contra a Fazenda Pblica, de que resultar locupletamento ilcito) tratam da matria.

    A primeira dessas leis institui o registro pblico obrigatrio dos valores e bens pertencentes ao patrimnio privado de quantos exeram cargos ou funes pblicas da Unio e entidades autrquicas.

    O registro far-se- mediante declarao do servidor pblico, com-preendendo os bens do casal, e ser atualizado bienalmente, ou antes do afastamento do cargo ou funo.

    A segunda lei define o conceito de servidor pblico, que abrange as pessoas que exercem cargos, funes ou empregos, civis ou militares, na Unio, Estados, Territrios, Distrito Federal, ou Municpios, em qualquer dos trs Podres. A le se equiparam os dirigentes ou empre-gados de autarquias, sociedades de economia mista, fundao instituda pelo poder pblico, emprsa incorporada ao patrimnio pblico ou enti-dade que receba e aplique contribuies parafiscais.

    Os casos de enriquecimento ilcito so minuciosamente indicados e constituem, tambm, crimes contra a Administrao pblica, sujeitos s sanes estabelecidas na lei penal.

    A pessoa jurdica lesada o sujeito ativo da ao, mas, se no ingressar em juzo dentro de 90 dias da apurao do enriquecimento ilcito, qualquer cidado ser parte legtima para a iniciativa do proce-dimento judicial, que adquire, portanto, o carter de ao popular.

    v - LEGALIDADE E PODER DISCRICIONRIO Autoridade e legalidade so conceitos antinmicos que, no entanto,

    se completam. O intervencionismo do Estado aumenta o poder das autoridades administrativas. Novos meios de ao lhes so atribudos, mas o uso dles no pode exceder margem da lei.

    Deve o administrador gozar de uma rea de competncia ampla, dentro da qual possa agir com desenvoltura. Ao contrle da legalidade incumbe, porm, o patrulhamento das fronteiras, de modo a vedar as excurses abusivas e manter o poder discricionrio em seus domnios legtimos. No plano jurdico, a Administrao funciona sob um regime de liberdade vigiada: tudo lhe permitido fazer, em benefcio do inte-rsse pblico, salvo aquilo que ofenda lei. A noo de legalidade fiscaliza a atividade discricionria, sem nela interferir, a no ser quando exorbitante.

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    H, assim, nos atos administrativos, dois aspectos inconfundveis: mrito e legalidade. O mrito a indagao da oportunidade e conve-nincia do ato, a zona livre em que a vontade do administrador decide sbre as solues mais adequadas ao intersse pblico. a sede do poder discricionrio do administrador, que se orienta por critrios de utilidade.

    A legalidade a observncia da lei, que vincula a manifestao de vontade do administrador, estabelecendo um nexo de causalidade entre o resultado do ato e a norma de direito.

    A primeira condio de legalidade a competncia do agente. No h, em direito administrativo, competncia geral ou universal: a lei preceitua, em relao a cada funo pblica, a forma e o momento do exerccio das atribuies do cargo. No competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito. A competncia , sempre, um elemento vinculado, objetivamente fixado pelo legislador.

    A prtica do ato pressupe, ainda, certos antecedentes objetivos. A autoridade competente no atua no vcuo: ela age em funo de aspectos de fato ou de direito, que determinam a sua iniciativa. O ato administrativo se inicia, portanto, com a verificao da existncia dos motivos. Segue-se, imediatamente, a apreciao do valor dsses moti-vos, que permite ao administrador decidir-se sbre a deciso a adotar.

    na sucesso dsses dois tempos que se insere o poder discricio-nrio. Enquanto a verificao da existncia dos motivos um aspecto objetivo, de feio material, a ponderao e o exame dos motivos um aspecto subjetivo, correspondendo ao processo psicolgico de formao do ato de vontade.

    Examinados os motivos, ou seja, a matria de fato ou de direito, a manifestao de vontade se traduz em um resultado (ao ou omis-so), dentro da forma prevista na lei. A autoridade age para alcanar o objeto, ou seja, o efeito do ato jurdico. ~ste , por excelncia, o terre-no do poder discricionrio. No existindo na lei uma obrigao certa de fazer ou no fazer, o administrador pode escolher o objeto do ato admi-nistrativo, decidindo sbre a oportunidade e convenincia dle. A livre determinao do objeto , em suma, o ncleo do poder discricionrio.

    No basta, porm, que a autoridade seja competente, o objeto lcito e os motivos adequados. A regra de competncia no um cheque em branco concedido ao administrador. A administrao serve, neces-sriamente, a intersses pblicos caracterizados. No lcito autori-dade valer-se de suas atribuies para satisfazer intersses pessoais, ilectrios ou poItico-partidrios, ou mesmo a outro intersse pblico estranho sua competncia. A norma de direito atende a fins espec-ficos que esto expressos ou implcitos em seu enunciado. A finalidade , portanto, outra condio obrigatria de legalidade nos atos adminis-trativos.

    O poder discricionrio , assim, a faculdade concedida Adminis-trao de escolher o objeto e a forma do ato administrativo, salvo quando preestabelecidos na lei, realizando, para isso, a apreciao do valor dos motivos existentes.

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    o abuso de poder surge com a violao da legalidade, pela qual se rompe o equilbrio da ordem jurdica. Tanto da legalidade externa do ato administrativo (competncia, forma prevista ou no proibida em lei, objeto lcito) como da legalidade interna (existncia dos moti-vos, finalidade).

    A cada um dsses elementos de legalidade corresponde uma causa de nulidade do ato administrativo. So vcios de legalidade exter-na a incompetncia (em cujo conceito se incli a usurpao de poder) o vcio de forma e a ilicitude do objeto. So vcios de legalidade interna a inexistncia material ou jurdica dos motivos e o desyio de poder.

    O direito administrativo brasileiro filia-se, nesse particular, dou-trina francesa, temperada pela influncia italiana, embora o sistema judicial de contrle da Administrao obedea ao modlo anglo-saxo da unidade de jurisdio.

    No recente, no Brasil, a imunidade do poder discricionrio censura judicial.

    A Lei n.o 221, de 20 de novembro de 1894, que instituiu a ao sumria especial para anulao dos atos administrativos, preceitua (art. 13, 9.) :

    "Verificando a autoridade judiciria que o ato ou resoluo em questo ilegal, o anular no todo ou em parte, para o fim de assegu-rar o direito do autor.

    a) Consideram-se ilegais os atos ou decises administrativas em razo da no aplicao ou indevida aplicao do direito vigente. A auto-ridade judiciria fundar-se- em razes jurdicas, abstendo-se de apreciar o merecimento dos atos administrativos, sob o ponto de vista de sua convenincia ou oportunidade;

    b) A medida administrativa tomada em virtude de uma faculda-de ou poder discricionrio somente ser havida por ilegal em razo da incompetncia da autoridade respectiva ou do excesso de poder".

    A jurisprudncia constante do Supremo Tribunal Federal e dos demais rgos judicirios gradua o alcance da ao jurisdicional, mediante duas diretrizes bsicas: a de que no cabe ao Judicirio examinar o mrito (oportunidade ou convenincia) dos atos adminis-trativos, mas apenas a sua legalidade; a de que ao Judicirio vedado modificar ou ampliar as leis, sob o fundamento do princpio da isono-mia, ou seja, da regra da igualdade de todos perante a lei, consagrada na Constituio.

    No interfere, em suma, o Poder Judicirio na matria prpria dos demais podres, respeitando a discricionariedade administratiya e a competncia legislativa.

    O contrle judicial no se circunscreve, todavia, aos aspectos externos da legalidade. O juiz pode considerar a motivao dos atos administrativos, mergulhando na apreciao da matria de fato, para analisar os elementos de legalidade interna da conduta do adminis-trador.

    Uma vez comprovada a inexistncia dos motivos alegados, ou a observncia de fins estranhos ou incompatveis com a norma legal,

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    os tribunais brasileiros tm anulado, em mais de um caso, a ilegalidade administrativa.

    Tal julgamento , por certo, excepcional. A Administrao goza, em princpio, de uma presuno de legitimidade. mister a evidncta do rro, ou malcia do administrador para que o ato seja judicial-mente desfeito.

    A acolhida, na jurisprudncia dos tribunais, da teoria do desvio de poder, ou da inexistncia dos motivos (mesmo quando no so expressamente invocadas entre as razes de decidir) possibilita a defesa do indivduo contra as formas mais insidiosas do abuso de poder, em que ste se acoberta sob a aparncia de legalidade, detur-pando o sentido da norma jurdica.

    PARTE 11

    o contrle da legalidade administrativa

    I - REMDIOS ADMINISTRATIVOS No h, no direito brasileiro, uma lei geral sbre normas de

    processo administrativo. Inmeras disposies asseguram, porm, a defesa de direitos e intersses legtimos dos administrados.

    Os remdios administrativos contra os abusos de poder podem ser de trplice natureza: preventivos, sucessivos e repressivos.

    Para a prtica de atos administrativos que interferem com direi-tos de terceiros, a lei estipula, geralmente, formalidades especiais. As penas disciplinares ou as multas administrativas, os lanamentos fiscais ou as notificaes so, entre outros, exemplos de atos sujeitos a requisitos essenciais de forma. A publicidade prvia condio de legalidade de certos procedimentos administrativos, como as concor-rncias pblicas, os concursos para cargos pblicos, as promoes de funcionrios, as concesses de minas, o aforamento ou a alienao de terras da Unio.

    Determinados atos administrativos dependem, para sua validade, de autorizao ou aprovao: so atos complexos que se formam mediante vrias manifestaes de vontade, sem as quais no se tornam completos. A interveno obrigatria de mais de uma autoridade atende tanto a condies de convenincia como a razes de legalidade.

    So, todos sses, meios preventiros de preservao da legalidade, na esfera administrativa.

    Em outros casos, a Administrao executa uma atividade de contrle dos atos de rgos administrativos inferiores. Os atos dstes ltimos so perfeitos, mas a sua eficcia est condicionada deciso do rgo de contrle. A doutrina italiana fixa, excelentemente, a distin~ o entre os atos complexos - em que a aprovao integra a mani-festao de vontade - e as formas de contrle administrativo, em que

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    o ato inicial, embora completo, carece, para sua executoriedade, da ao do rgo de tutela.

    Em tal caso, segundo a lio de Zanobini, la deliberazione dell' ente e atto giuridicamente perfetto, rispetto al quale l'approvazione agisse come condizione sospensiva della sua efticacia.

    Entre sses meios sucessivos de contrle administrativo podem ser colocados, no direito brasileiro, o julgamento pelo Tribunal de Contas da legalidade dos contratos e das aposentadorias, reformas e penses (Constituio, art. 77, n.o IH), ou a competncia de Conse-lhos Fiscais ou Juntas de Contrle de autarquias para aprovao de financiamentos ou outros atos de carter financeiro.

    Finalmente, os meios repressivos do abuso de poder, na prpria instncia administrativa, podem ser espontneos ou provocados.

    Administrao facultado anular ex ofticio, a qualquer tempo, os atos administrativos ilegais, que no podem produzir efeitos jur-dicos definitivos. No h direitos adquiridos contra a lei, conforme-abundante jurisprudncia dos tribunais.

    Excepcionalmente, a Administrao deixar de desfazer o ato ilegal, praticado de boa f, se assim melhor convier ao intersse pblico e estabilidade da ordem jurdica. a aplicao, em direito adminis-trativo, da teoria do rro comum (error communis facit ius).

    Entre as modalidades de reviso provocada do ato administrativo se classificam:

    a) o direito de representao; b) a reclamao administrativa; c) o pedido de reconsiderao; d) o recurso hierrquico. O direito de representar contra abusos de autoridades figura, como

    j vimos, entre os direitos do cidado (Constituio, art. 141, 37). A reclamao administrativa o meio de oposio aos atos da

    Administrao que afetem direito ou intersse legtimo do indivduo. Se no tiver prazo especial fixado em lei, prescreve em um ano, a contar da data do ato ou fato, o direito de reclamar (art. 6. do Decreto n.o 20.910, de 6 de janeiro de 1932).

    O pedido de reconsiderao dirigido mesma autoridade que praticou o ato impugnado e no poder ser renovado. Dle no se conhecer quando feito um ano aps a data da primeira deciso e a sua interposio no interrompe os prazos para os recursos, nem a cobran-a de dvida fiscal (Decreto n.o 20.848, de 23 de dezembro de 1931).

    O recurso hierrquico a forma comum de reviso das decises administrativas, mediante a devoluo de competncia instncia superior. As leis e regulamentos estabelecem os prazos e efeitos dos recursos hierrquicos e o seu carter obrigatrio ou voluntrio.

    Os atos administrativos so, em princpio, revogveis, salvo quando dles resultam direitos subjetivos de terceiros. As formas de

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    reVlsao administrativa importam, assim, na maioria das vzes. a reapreciao do ato tanto no mrito, como na legalidade.

    Mesmo, no entanto, se j se exauriu a faculdade discricionria e no mais se possibilita o exame do mrito, poder, ainda, a autori-dade administrativa, advertida da ilegalidade, anular os atos cometi-dos com abuso de poder e, portanto, contrrios ordem jurdica.

    Em muitos casos, o ato administrativo deve se conformar s normas processuais institudas em lei ou regulamento.

    Assim, a aplicao aos funcionrios pblicos da Unio das penas de suspenso por mais de trinta dias, destituio de funo, demis-so ou cassao de aposentadoria e disponibilidade deve ser precedida de inqurito administrativo, em que o acusado goze de ampla defesa (Estatuto dos Funcionrios Pblicos Civs da Unio, Lei n.O 1.711, de 1952, arts. 217 a 239).

    O processo fiscal administrativo obedece a rito prprio, de car-ter contraditrio, com julgamento a cargo de rgos administrativos, cujas decises tm efeito definitivo (Conselhos de Contribuintes, Con-selho Superior de Tarifas, Ministro da Fazenda. no mbito federal; Conselho de Recursos Fiscais do Distrito Federal; Tribunal de Impos-tos e Taxas do Estado de S. Paulo). O projeto de Cdigo Tributrio N acionaI, em trnsito no Congresso, uniformiza o processo administra-tivo em matria tributria, em todo o pas.

    O Tribunal Martimo exerce jurisdio administrativa sbre a marinha mercante, tendo competncia para julgar os acidentes e fatos da navegao. As suas decises, quanto matria tcnica, tm valor probatrio e se presumem certas, sendo suscetveis de reexame pelo Poder Judicirio somente quando forem contrrias a texto expres-so da lei, prova evidente dos autos, ou lesarem direito individual. O pro-cesso sbre acidente ou fato da navegao observa rito contraditrio, segundo normas ditadas em lei especial (Lei n.o 2.180, de 5 de feve-reiro de 1954, alterada pela Lei n.o 3.543, de 11 de fevereiro de 1959).

    As reclamaes relativas ao fornecimento de canas de acar e aos contratos de fundo agrcola na lavoura canavieira observam normas processuais administrativas, que devem garantir s partes ampla defesa. As decises definitivas das Turmas de Julgamento ou da Comis-so Executiva do Instituto do Acar e do lcool tm fra de coisa julgada, enquanto no forem regularmente anuladas pelo Poder Judi-cirio (Estatuto da Lavoura Canavieira, Decreto-Iei n.o 3.855, de 21 de novembro de 1941, art. 140).

    So, de igual modo, atos administrativos materialmente jurisdi-cionais as decises finais do Conselho de Recursos da Propriedade Industrial ou do Ministro do Trabalho, Indstria e Comrcio sbre concesso de patentes de inveno e registro de marcas de indstria e comrcio, que extinguem a instncia administrativa. O Cdigo de Processo Civil regula a ao especial de nulidade de patente de inven-o e de marca de comrcio (art. 332 a 335), de curso ordinrio, com a finalidade da anulao judicial de concesses contrrias lei.

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    :F:stes exemplos ilustram o carter fragmentrio do processo admi-nistrativo brasileiro que se diferencia segundo a legislao prpria a cada modalidade de ao administrativa.

    H, todavia, certas tendncias fundamentais que se podem sinteti-~ar nos seguintes aspectos:

    a) o direito de ampla defesa assegurado na Constituio e nas leis ordinrias;

    b) o processo contraditrio excepcional, somente ocorrendo em casos expressamente previstos em lei. livre, porm, a apresentao pelas partes de quaisquer provas ou alegaes pertinentes aos seus direitos ou intersse legtimos;

    c) a motivao das decises administrativas no , usualmente, obrigatria. caracterstico do ato discricionrio a ausncia de moti-vao, podendo o administrador silenciar sbre a causa determinante de seu procedimento. Se, contudo, a autoridade exprime os fundamentos da deciso, fica esta vinculada aos motivos alegados. garantida s partes a cincia das decises, como das informaes a que elas se refe-rirem (Constituio, art. 141, 36, n.o lI) ;

    d) as restries administrativas aos direitos individuais, ou que impem nus aos particulares so, normalmente, precedidas de notifi-caes, avisos, intimaes ou outras formas de publicidade;

    e) a fixao de normas administrativas no est, legalmente, ~ujeita audincia das partes, mas a Administrao admite, sponte ~a, a colaborao de pessoas ou instituies nos assuntos de maior intersse ou de carter especializado.

    11 - CONTRLE LEGISLATIVO N a teoria, como na prtica, o presidencialismo o regime poltico

    nacional. Durante o Imprio, em que um parlamentarismo de inspira-o britnica revezava, nos governos de gabinete, os dois nicos parti-dos existentes, j se aludia ao poder pessoal do Imperador. Na Rep-blica, vrias condies histricas, mesolgicas e sociais fortaleceram a autoridade do Presidente da Repblica. ste no somente o chefe constitucional do Poder Executivo - e, nessa qualidade o dirigente supremo da Administrao pblica - como o leade?' nacional das fras polticas majoritrias.

    Um Congresso poderoso e hostil ao Presidente da Repblica encon-traria, no exerccio de suas atribuies constitucionais, condies prop-cias ao predomnio poltico ou, pelo menos, a uma tutela virtual do Executivo. A Constituio de 1946 cristaliza um movimento de reao do govrno autoritrio anterior, no qual as cmaras permaneceram fechadas durante oito anos. um misto de liberalismo clssico e de dirigismo estatal: de um lado consagra um amplo programa social e econmico, com o qual se exprime a asceno poltica das classes tra-balhadoras; de outro, resguarda-se a competncia do Congresso a ponto de vedar, taxativamente, a delegao de podres, ou seja, a delegao legislativa.

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    Na realidade, a ao administrativa e poltica do Presidente da Repblica muito mais importante do que aparentam as suas atribui-Qes constitucionais (art. 87).

    N o constitucionalismo do sculo XX, a balana do poder desloca-se, sensIvelmente, para os Chefes de Govrno. A partir da primeira guerra mundial, o papel dos Parlamentos declinou em benefcio dos Exe-cutivos. Nos regimes representativos modernos, as leis so, em sua maioria, oriundas de projetos governamentais; o Poder Executivo assume amplas funes normativas e podres quase-judiciais. Nos perodos de transio social, econmica e poltica, o Chefe de Estado o guia natural da comunidade. Da o fortalecimento progressivo do Poder Executivo que se evidencia na experincia constitucional de nossos dias.

    Certamente, os Congressos, como barmetros das correntes de opinio, exercem um papel relevante e indispensvel na ordem democr-tica. A sua presena , no entanto, eminentemente poltica.

    A conduo dos negcios administrativos, as diretrizes financeira~ e econmicas, as relaes internacionais no prescindem de sua cola-borao.

    A substncia e o rumo dessas atividades governamentais so, no entanto, determinadas pelo Executivo, tanto na concepo, como na execuo, sintetizando as aspiraes, tendncias e potencialidades do meio social.

    O contrle do Legislativo sbre a Administrao pblica, especial-mente nos governos presidencialistas, caracterizadamente de efeito indireto.

    No pode o Congresso anular atos administrativos ilegais, nem exercer sbre as autoridades executivas podres de hierarquia, ou de tutela. Em casos excepcionais, o Legislativo brasileiro participa, direta e materialmente, da funo administrativa, como na aprovao pelo Senado da escolha de Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Tri-bunal Federal de Recursos e do Tribunal de Contas, do Procurador--Geral da Repblica, do Prefeito do Distrito Federal, dos membros do Conselho Nacional de Economia e dos chefes de misso diplomtica de carter permanente, ou na autorizao de emprstimos externos dos Estados, do Distr~to Federal e dos Municpios (art. 63), ou, ainda, na autorizao prvia para alienao ou concesso de terras pblicas com rea superior a dez mil hectares (art. 156, 2.), assim como no julgamento anual das contas do Presidente da Repblica pelo Con-gresso Nacional (art. 66, n.o VIII).

    A ao principal do Poder Legislativo em matria administrativa se verifica, porm, atravs do processo oramentrio. A aprovao da lei do oramento e as autorizaes de crditos adicionais facultam ao Congresso ou s Assemblias Legislativas e Municipais um contrle sbre os programas administrativos, podendo coibir, indiretamente, determinadas formas de abuso de poder pela recusa de recursos finan-.ceiros.

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    So tambm remdios indiretos contra os abusos de poder da~ autoridades os pedidos de informaes dirigidos pelos parlamentares aos rgos da Administrao pblica, por intermdio das mesas das Casas Legislativas (Senado e Cmara dos Deputados, na esfera federal; Assemblias Legislativas, nos Estados; Cmaras de Vereado-res, nos Municpios), nos trmos de seus Regimentos Internos.

    A convocao de Ministros ou Secretrios para comparecer peran-te os rgos legislativos, a fim de prestar informaes acrca de assunto previamente determinado (Constituio, art. 54) outra for-ma potencial de exame de abusos administrativos.

    Finalmente, podem as Casas do Congresso (e as Assemblias Legislativas, se o permitir a Constituio do Estado) constituir comis-ses parlamentares de inqurito sbre fato determinado, sempre que o requerer um tro de seus membros, conforme dispe o art. 53 da Constituio federal, ou mediante deliberao plenria.

    A Lei n.o 1.579, de 18 de maro de 1952, regula o funcionamento das Comisses Parlamentares de Inqurito, determinando a aplicao supletiva das normas do processo penal.

    A incumbncia das Comisses Parlamentares de Inqurito, salvo deliberao em contrrio, termina com a sesso legislativa correspon-dente.

    So apenas rgos de investigao, podendo, no exerccio de suas atribuies, determinar diligncias, requerer a convocao de Minis-tros de Estado, inquirir autoridades e testemunhas, ouvir os indicia-dos, requisitar informaes e documentos e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presena.

    No lhes cabe proferir deciso, ou julgamento. De seus trabalhos apresentaro relatrio respectiva Cmara, concluindo por projeto de resoluo, a ser objeto de deliberao do plenrio.

    As comisses de inqurito so rgos internos do Congresso e tm como limites as atribuies das Casas que representam. O poder de investigar uma decorrncia do poder de legislar e de fiscalizar pr-prios do Parlamento. Os seus fins so os que a ste incumbe, na ordem constitucional.

    lcito, portanto, s cmaras promover investigaes sbre abusos de poder da Administrao pblica, praticando, em conseqncia, 08 atos legislativos, ou outros de sua alada. Devem, porm, encaminhar s autoridades competentes as concluses pertinentes s atribuie!'! dos demais podres.

    O Congresso exerce, ainda, atividade jurisdicional penal no pro-cesso e julgamento dos crimes de responsabilidade do Presidente da Repblica (e dos Ministros de Estado em crimes conexos), entre os quais os que atentarem contra o livre exerccio de direitos indi-viduais e sociais, a probidade na Administrao, a lei oramentria, a guarda e o legal emprgo dos dinheiros pblicos.

    A Cmara de Deputados funcionar como tribunal de pronncia e o Senado Federal, como tribunal de julgamento, cabendo a presi-

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    dncia dsse ltimo ao Presidente do Supremo Tribunal Federal (Lei n.o 1.079, de 10 de abril de 1950, art. 80).

    Os crimes de responsabilidade dos Governadores dos Estados sero processados e julgados pelas respectivas Assemblias Legislativas (Lei n.o 1.079, de 1950, arts. 74 e seguintes) e os dos Prefeitos Municipais, pelas Cmaras de Vereadores, salvo se de outra forma dispuser a legis-lao estadual (Lei n.O 3.528, de 3 de janeiro de 1959, art. 4.).

    III - CONTRLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAO

    O contrle jurisdicional da Administrao pblica no Brasil obser-va o sistema da jurisdio nica. O Poder Judicirio conhece de tdas as leses de direito individual (Constituio, art. 141, 4.) e das questes contenciosas em que o Estado parte.

    Tivemos, durante o Imprio, um tmido ensaio de contencioso administrativo, sobretudo em matria fiscal, que no atingiu, no entan-to, o estgio de jurisdio administrativa tpica. O Conselho de Estado, a par da funo eminentemente poltica, de rgo auxiliar do Poder Moderador, exercido pelo Imperador, desempenhou, em matria admi-nistrativa, atribuies consultivas, algumas das quais se aproximavam de uma tentativa de justia opinativa (justice retenue), nos moldes do Conselho de Estado N apolenico.

    A Repblica extinguiu o Conselho de Estado e implantou, em defi-nitivo, o sistema da unidade de jurisdio.

    O Poder Judicirio, exerce tanto o contrle de constitucionalidade das leis (por intermdio do Supremo Tribunal Federal), como da legalidade dos atos do poder pblico. O contencioso administrativo apreciado pela Justia comum, que examina os atos administrativos, como instncia de anulao ou de indenizao.

    O monoplio jurisdicional do Poder Judicirio somente deixa de se exercer em casos restritos e expressos. Um dles, o julgamento dos crimes de responsabilidade pelo Congresso. Outro, a jurisdio conten-ciosa do Tribunal de Contas, em matria contbil, quando a Consti-tuio lhe outorga a atribuio de julgar as contas dos responsveis por dinheiros e outros bens pblicos, inclusive dos administradores de entidades autrquicas ou de pessoas jurdicas institudas em lei e custeadas por tributos ou recursos do Tesouro (Constituio, art. 77, n.o lI, e Lei n.o 830, de 23 de setembro de 1949, arts. 69 e 139).

    O contrle judicial limita-se, como vimos, ao exame de legalidade, no se imiscuindo com o mrito do ato administrativo. A sentena faz coisa julgada entre as partes, mas no tem carter normativo. A Admi-nistrao no , portanto, obrigada a estender as decises judiciais a outras situaes jurdicas idnticas, no abrangidas na prestao jurisdicional.

    As questes exclusivamente polticas tambm ficam excludas da jurisdio do Poder Judicirio. Assim determinaram, expressamente, as Constituies de 1934 e 1937, e a limitao sobrevive, ainda que no

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    mais figure no texto constitucional. Quando, porm, a questo poltica envolve leso a direitos subjetivos, compete ao judicirio o resguardo da ordem jurdica, mediante exame da legalidade do ato poltico. Nesse sentido a jurisprudncia pacfica do Supremo Tribunal Federal, j confirmada, na vigncia da presente Constituio.

    Por ltimo, h que salientar a e~~eo constitucional de que no cabe o habeas corpus nas transgress:'s disciplinares, ou seja, contra a priso militar (art. 141, 23) e a eventualidade da suspenso de garantias individuais durante o estado de dtio, com a conseqente absteno do Poder Judicirio (arts. 206 a 21.3).

    A) Organizao judiciria brasileim N o regime legal brasileiro, concentra-se no Poder Judicirio o

    exerccio da funo jurisdicional. A atividade judicante tem como cpula o Supremo Tribunal Federal, mas se desdobra, dentro do quadro federativo, em duas ordens de competncia judiciria: justia federal e justia estadual.

    O Poder Judicirio federal compreende os seguintes rgos: I - Supremo Tribunal Federal;

    II - Tribunal Federal de Recursos; III - Juzes e tribunais militares; IV - Juzes e tribunais eleitorais; V - Juzes e tribunais do trabalho.

    Os juzes gozam das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. No podem exercer atividade pol-tico-partidria, nem outra funo pblica, salvo a de magistrio.

    O Supremo Tribunal Federal, composto de onze juzes nomeados pelo Presidente da Repblica, com aprovao do Senado, o intrprete mximo da Constituio e das leis.

    A maioria absoluta de seus juzes delibera, inapelvelmente, sbre a constitucionalidade de leis ou atos do poder pblico, como de precei-tos de Constituio estadual. Incumbe ao Senado Federal suspender a execuo, no todo ou em parte, da lei ou decreto declarado inconsti-tucional em deciso definitiva do Supremo Tribunal Federal.

    A sua competncia originria e exclusiva alcana o processo e jul-gamento:

    a) dos crimes comuns do Presidente da Repblica, Procurador-Geral da Repblica e Ministros do prprio Tribunal;

    b) dos crimes comuns e de responsabilidade dos Ministros de Estado, juzes de tribunais superiores federais e locais, ministros do Tribunal de Contas e embaixadores;

    c) dos litgios entre Estados estrangeiros e as pessoas de direito pblico interno e destas entre si;

    lil"'''' ., cGA M4HIU H~NH'UUE SIMUN::iEN FUNDAO GETULW VARGAS

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    d) dos conflitos de jurisdio entre juzes federais ou locais e de uns e outros entre si;

    e) da extradio de criminosos, homologao de sentenas estran-geiras e concesso de exequatur a cartas rogatrias estrangeiras;

    f) dos crimes polticos; g) da execuo de suas prprias sentenas. Em tema de legalidade administrativa, sobressaem, notadamente,

    duas atribuies especficas do Supremo Tribunal Federal, a saber: 1. - cumpre-Ihe exercer o contrle final da Administrao

    pblica, desde que so de sua competncia originria os habeas corpus, quando o coator ou paciente fr tribunal, funcionrio ou autoridade sujeito sua jurisdio, ou se tratar de crime a ela submetido, e os mandados de segurana contra atos do Presidente da Repblica, das Casas do Congresso e do Presidente do prprio Supremo Tribunal Federal, e de sua competncia recursal (recursos ordinrios), os man-dados de segurana e os habeas corpus decididos em ltima instncia pelos tribunais locais ou federais, quando denegatrias as decises, e as causas decididas por juzes locais, fundadas em tratado ou con-trato da Unio com Estado estrangeiro;

    2. - por meio do recurso extraordinrio, o Supremo Tribunal Federal defende a supremacia da lei federal e a unidade de seu enten-dimento. Julga, como ltima instncia, as decises contrrias Consti-tuio, tratado ou lei federal e aquelas que divergem da interpretao atribuda por le prprio ou por outros tribunais lei federal invocada.

    A Constituio de 1946 acrescentou, ao elenco dos rgos judici-rios federais, outra crte de julgamento, de hierarquia imediatamente inferior ao Supremo Tribunal Federal, com a competncia voltada para as causas de intersse da Unio: o Tribunal Federal de Recursos.

    O Tribunal Federal de Recursos julga, originriamente, os man-dados de segurana contra atos ministeriais, ou do prprio Tribunal e, em grau de recurso, os feitos em que a Unio fr interessada, salvo os de falncia e os mandados de segurana contra atos de autoridades federais. Tambm so de sua competncia os recursos de decises locais denegatrias de habeas corpus, ou quando se tratar de crimes praticados em detrimento de bens, servios ou intersses da Unio.

    assim, na maior parte de suas atribuies, um Tribunal do con-tencioso administrativo da Unio, integrando, porm, dentro do siste-ma da jurisdio nica, o Poder Judicirio comum.

    A Justia eleitoral, a do Trabalho e a Militar exercem, nos trmos da lei, o contrle judicial de atos administrativos sujeitos sua juris-dio especial.

    A Justia de cada Estado federado, organizada com as mesmas garantias e incompatibilidades da magistratura federal, desempenha a atividade jurisdicional local, de acrdo com a sua organizao judi-ciria, em que figuram o Tribunal de Justia e os juzes de primeira instncia, podendo a lei estadual criar Tribunais de alada intermedi-rios (como ocorre no Estado de So Paulo).

  • - 22-

    B) Remdios judiciais O direito brasileiro apresenta, a partir da Constituio de 1934,

    um remdio judicial especfico para o contrle dos atos de autoridades pblicas: o mandado de segurana.

    Disciplinado, atualmente, no art. 141, 24, da Constituio, ' processo do mandado de segurana obedece aos preceitos da Lei n.o 1.533, de 31 de dezembro de 1951.

    A criao constitucional o eplogo de uma longa evoluo com que, no direito brasileiro, se cuidou da garantia de direitos indivi-duais, violados ou ameaados por atos do Estado.

    A Lei n.o 221, de 1894, instituiu a ao sumria especial destinada anulao de atos de autoridades administrativas.

    Foi, contudo, atravs de ampliao do conceito de habeas corpus, que Supremo Tribunal Federal aprimorou, no primeiro quartel do sculo, a defesa de direitos certos e incontrastveis contra a prepotn-cia do Executivo.

    O writ passou a amparar tanto a liberdade de locomoo, como todo e qualquer direito a cujo exerccio essa liberdade fsse necessria. O direito de ir e vir constituia, assim, a forma de manifestao do direito-escopo, na consagrada expresso do Ministro Pedro Lessa, que pontificou na formao dessa hermenutica.

    Esta chamada teoria brasileira do habeas corpus supriu as lacunas da lei processual, propiciando o amparo a direitos polticos e indi-viduais.

    A reforma constitucional de 1926 colocou trmo generosa cons-truo da jurisprudncia: o preceito constitucional foi reescrito de modo a conter o habeas corpus em seus limites clssicos, como remdio contra a efetiva ou iminente violncia liberdade de locomoo.

    Somente oito anos mais tarde a Constituinte de 1934 viria a ofere-cer sucedneo adequado proteo das demais liberdades pblicas.

    Logo, porm, a Carta de 1937 rebaixou o novo writ ao plano da lei processual, interditando-se o seu uso contra atos do Presidente da Repblica, Ministros de Estado, Governadores e Interventores.

    O retrno ao regime representativo, revivesceu o remdio consti-tucional, preceituando o art. 141, 4., do Estatuto Poltico:

    "Para proteger direito lquido e certo no amparado por habeM corpus, conceder-se- mandado de segurana, seja qual fr a autori-dade responsvel pela ilegalidade ou abuso de poder".

    O mandado de segurana consolidou-se, desde ento, como instru-mento eficaz e sumarssimo de repulsa ao arbtrio de qualquer auto-ridade.

    unicamente o ato materialmente legislativo escapa aos seus lindes. A norma jurdica, a lei em tese, no provoca leso de direito subjetivo; apenas a sua aplicao concreta, a deciso administrativa ou o ato judi-cial que a execute, podero consumar ou ameaar o atentado ao patri-mnio jurdico-individual.

  • - 23-

    Os atos administrativos ou judiciais esto na ndole do mandado de segurana, a menos que a lei oferea corretivo processual adequado. No cabe o remdio excepcional, se o ato comporta recurso administra-tivo com efeito suspensivo, independente de cauo, ou se o despacho ou sentena judicial possa ser atacado mediante recurso prprio ou por via de correio. Tambm os atos disciplinares, de teor discricio-nrio, no so conhecidos, salvo vcio de incompetncia ou inobservn-cia de formalidade essencial (Lei n.O 1.533, de 31 de dezembro de 1951, Art. 5.).

    O direito protegido h-de ser, nos trmos da Constituio, lquido e certo, isto , caracterizvel, de plano, na postulao inicial. A matria de fato no pode ser duvidosa, incerta ou condicional; se o fr deve ser remetida para as vias ordinrias de direito.

    O mandado de segurana tem efeito executrio, anulando o ato ilegal e impondo a restaurao do direito violado. A Administrao pode ser, assim, compelida a obrigaes de fazer ou de no fazer, con-forme o contedo compulsrio ou inibitrio do direito individual res-guardado pela medida jurisdicional. No tem, contudo, o writ efeitos declaratrios, ou puramente patrimoniais.

    O direito de requerer mandado de segurana extingue-se dentro em 120 dias da cincia do ato impugnado, podendo, nesse prazo, ser renovado o pedido, se a deciso denegatria no lhe houver apreciado o mrito (no sentido processual da palavra).

    Importante a medida liminar, facultada em lei e de largo uso na prtica judiciria. Consiste na ordem judicial, initio litis, a fim de que se suspenda a execuo do ato ajuizado, quando fr relevante o fundamento do pedido e da consumao do ato puder resultar a inefi-ccia da medida, caso seja deferida. forma de sursis execuo, at que a sentena venha a ser proferida. A execuo da sentena concel!l-siva poder, igualmente, ser suspensa, at julgamento do recurso, me-diante ordem do Presidente do tribunal ad quem.

    A deciso do mandado de segurana no encerra a instncia judi-cial. A parte poder pleitear, em ao prpria, os seus direitos e oe! respectivos efeitos patrimoniais.

    O mandado de segurana processo sumarssimo e de custo redu-zido, sobretudo quando impetrado, simultneamente, por vrias pes-soas, como permite a lei. remdio clere e eficaz, de execuo imediata e coativa.

    Tornou-se, rpidamente, o instrumento predileto dos particulares contra a Administrao, sobretudo vista de que o recurso da sentena concessiva no tem efeito suspensivo, a contrrio do que ocorre nas aes ordinrias contra a Fazenda Pblica.

    A estatstica judiciria no Distrito Federal, de 1950 a 1958, demonstra o predomnio crescente do mandado de segurana entre os feitos propostos contra a Unio (inclusive autarquias federais) e a Prefeitura do Distrito Federal.

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    Os dados relacionados no anexo I indicam o nmero de mandados de segurana e dos respectivos recursos no perodo de 1950-1958. No h, na estatstica do Tribunal Federal de Recursos, distino entre mandados de segurana originrios e recursos em mandado de segu-rana, que recebem numerao contnua. Se tomarmos, contudo, a mes-ma proporo verificada no Supremo Tribunal Federal (220/0 de man-dados originrios), concluiremos que, no citado perodo, foram iniciados mandados de segurana e interpostos recursos, num total de 39.279, enquanto o total das aes ordinrias de tda natureza distribudas con-tra as mesmas pessoas jurdicas de direito pblico, naquele perodo, foi de 9.942 (anexos I e II).

    A Administrao pblica no goza, no processo do mandado de segurana, das prerrogativas que lhe so facultadas nos demais pleitos judiciais. A sua posio antes de inferioridade em face do imp8trante da medida. A ste a lei concede o prazo de 120 dias para a articula-o de seu direito. quela dado, unicamente, o prazo de cinco dias para prestar informaes sbre a coao alegada, abrindo-se em segui-da, vista, por igual prazo, ao representante do Ministrio Pblico.

    A justificao do ato envolve questes mistas de fato e de direito, mobilizando a perfeita familiaridade com a legislao e a juris-prudncia. As informaes da autoridade correspondem, assim, con-testao do direito postulado, a ser aditada pelo parecer do Ministrio Pblico.

    A lei permite a pluralidade de autores e o litisconsrcio ativo, desde que ocorra identidade de fins e de intersses. Dar-se-, assim, o caso de que, sem aumento de prazo, a Administrao seja chamada a infor-mar sbre vrias situaes jurdicas simultneamente argidas. Em casos de funcionrios, so comuns os pedidos coletivos de dezenas ou mesmo centenas de impetrantes.

    A eficcia do mandado de segurana sobreleva, no entanto, quais-quer senes processuais, fcilmente removveis pelo legislador. Os seus trmites sumrios corporificam o ideal da justia rpida e barata. A prestao jurisdicional repele, em lapso abreviado, a leso de direito, em muitos casos antes mesmo do incio de execuo do ato da autori-dade coatora.

    Se a ilegalidade ou abuso de poder ofende ou ameaa, diretamente, liberdade de locomoo, a via judicial eleita deve ser a do habeas corpus.

    H, ainda, outros remdios judiciais especficos, a serem aJUIza-dos ora pela Administrao, ora pelo particular, que importam o exame de atos administrativos pelo Poder Judicirio: a ao executiva fiscal, para cobrana judicial da dvida ativa do Estado; a ao judicial de desapropriao; a ao de nulidade de patente de inveno e de marca de indstria e comrcio.

    Os particulares, como a prpria Administrao, podem recorrer. tambm, s vias comuns para as situaes contenciosas de que parti-cipem.

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    As aes ordinrias (declaratrias, constitutivas, condenatrias). as cominatrias, os interditos possessrios e quaisquer outros remdios processuais comuns podem servir sustentao judicial, mediante iniciativa da parte interessada, seja ela a Administrao ou os admi-nistrados.

    A amplitude com que a lei assegura, entre ns, a proteo do indivduo contra os atos ilegais ou abusivos da Administrao endossa o acrto da observao autorizada de Seabra Fagundes - o mais com-pleto e exato estudioso do tema na literatura jurdica nacional: "No Brasil, tem o sistema de contrle pela jurisdio ordinria uma das suas mais perfeitas expresses" (M. Seabra Fagundes, O contrle dog atos administrativos pelo Poder Judicirio, 3.a edio, 1957, pg. 152).

    IV - RESPONSABILIDADE DO FUNCIONRIO E DO ESTADO

    o ato administrativo ilegal envolve a responsabilidade civil do Es-tado e, regressivamente, a do agente pblico.

    O art. 194 da Constituio de 1946 adota o princpio da represen-tao, com direito regressivo contra o funcionrio, a ttulo de culpa:

    "As pessoas jurdicas de direito pblico interno so civilmente responsveis pelos danos que os seus funcionrios, nessa qualidade, causem a terceiros.

    Pargrafo nico. Caber-Ihes- ao regressiva contra os funcio-nrios causadores do dano, quando tiver havido culpa dstes".

    Pretende-se que a nova disposio constitucional esposa a teoria do risco administrativo, abandonando o conceito da responsabilidade subjetiva, mais acatada em face do art. 15 do Cdigo Civil.

    No h, a respeito, uniformidade na jurisprudncia, nem entre os especialistas, mas a corrente objetiva ganha, senSIvelmente, terreno.

    Pelo menos o conceito civilista da falta pessoal j cedeu noo da culpa administrativa, da falta annima de servio, decorrente do mau funcionamento caracterizado dos servios pblicos.

    A ao regressiva contra o funcionrio condiciona-se ao elemento subjetivo, pressupondo culpa ou dolo do funcionrio na produo do dano.

    Da ilegalidade ou abuso de poder decorre, ainda, a responsabili-dade administrativa ou penal do servidor pblico.

    A violao dos deveres funcionais, inerentes ao exerccio da funo pblica, determina a imposio de penas disciplinares, segundo a natu-reza e gravidade da infrao, apurada de acrdo com os processos fixados em lei e mediante garantia de defesa.

    Se a conduta irregular do funcionrio configura a prtica de crime ou contraveno, soma-se s demais a responsabilidade penal.

    So, no entanto, autnomas e independentes tanto as instncias, como as cominaes civis, administrativas e penais.

    A existncia de dano, elementar responsabilidade civil do Estado. no essencial configurao da falta disciplinar ou do crime funcio-

  • - 26-

    nal. O elemento subjetivo prprio da responsabilidade administrativa ou penal no se compadece com a concepo do risco administrativo. A absolvio criminal no elide a penalidade administrativa, desde que diverso o bem jurdico protegido.

    As circunstncias de cada caso indicam, assim, o grau e a natu-reza da responsabilidade do Estado e de seus funcionrios pelos atos praticados no exerccio de suas atribuies.

  • I I

    ANO I

    I -

    I 1950 I 1951 I

    I 1952 I

    I 1953 I

    1 1954 I

    1955 I 1

    1956 I 1

    1957 I I

    1958 I ____ L

    ANEXO J

    ESTATSTICA DE MANDADoS DE SEGHA~A No DISTRITO FEDERAL (1950 - 1958)

    I T.J.D.F. VFP I

    I I o. 1 R. T. I 1

    60 I 1345 82 I 142 I 1

    820 205 I 91 I 296 1

    127 I 747 102 I 229 I I

    1 200 127 I 143 I 270 I I

    I 359 107 I 771 184 I

    149 I 2488 133 I 282 122 \

    I 2687 291 I 413

    I I 3390 107) 589 I 696

    645 I 2721 105 750 I 1

    -------

    T.F.R. I O. e R. I

    327

    507

    874

    864

    I 176

    I 509 . :.,

    2 836

    3007

    2872

    S.T.F.

    I I O. R. T. -

    - .

    1 1 67 I 95 I 162

    1 1 123 : 117 I 240

    I 107 210 I 317

    1 159 358 I 517 112 389 I 510 116 506 I 622

    1 122 703 I 825

    1 168 609 I 777

    1 I 203 I 1115 11318

    1 _____ 1 ~ __

    CONVENAO

    V.F.P. Varas da Fazenda Pblica.

    T.J.D.F. Tribunal de Justia do Dis-trito Federal.

    T.F.R. Tribunal Federal de Recursos.

    S.T.F. Supremo Tribunal Federal.

    n. Mandados de Segurana origi-nrios.

    R. Recursos ordinrios.

    T. Total.

    Total 1675711090 2172 3262\ 13972 11177 4111 [5288

    Total de mandados de segurana (originrio!! e recursos) = 39.279

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    ANEXO II

    Aes ordinrias, em geral, iniciadas nas Varas de Fazenda Pblica do Distrito Federal

    1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958

    679 677 839

    1143 1122 1581 1319 1112 1470

    Total .............................. 9942