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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO
A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO
NATAL/RN
2017
ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO
A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Direito
Constitucional.
Nome do Orientador: Professor Doutor Artur
Cortez Bonifácio
NATAL/RN
2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Fialho, Arthur Monteiro Lins.
A tutela sumária de direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais
do processo/Arthur Monteiro Lins Fialho. - Natal, 2017.
138f.
Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio.
Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em
Direito.
1. Tutela provisória - Dissertação. 2. Tutela de evidência - Dissertação. 3.
Cognição - Dissertação. 4. Prova - Dissertação. 5. Tempo - Dissertação. 6.
Princípios constitucionais - Dissertação. I. Bonifácio, Artur Cortez. II. Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 347.64
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
A dissertação “A tutela sumária de direitos evidentes sob a ótica dos princípios
constitucionais do processo”, de autoria do mestrando Arthur Monteiro Lins Fialho, foi
avaliada e aprovada pela comissão examinadora formada pelos seguintes professores:
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Doutor Artur Cortez Bonifácio
________________________________________________
Profª. Doutora Maria dos Remédios Fontes Silva
________________________________________________
Prof. Doutor Paulo Lopo Saraiva
Natal/RN, 13 de junho de 2017
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu pai, José Lins
Fialho Neto. A ele devo tudo que construí em
minha vida.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente tenho que agradecer a todos que fazem parte da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte-UFRN, por terem recebido tão bem este paraibano que pouco
conhecia das terras potiguares.
Aos meus pais, por tudo que já fizeram por mim. Sem eles teria sido muito mais difícil
trilhar o caminho até aqui.
Para minha noiva Talita de Casto, grande apoiadora e incentivadora dos meus estudos.
Seu amor e carinho foram fundamentais para alcançar este objetivo.
Sinceros agradecimentos ao meu orientador, Dr. Artur Cortez Bonifácio, por ter me
guiado pelos melhores caminhos, sempre atencioso e com sábios conselhos.
A Felix Fialho e família, por terem me recebido como um filho e dado todo suporte
durante o período que estive na cidade de Natal.
Aos queridos mestres Solon Benevides e Walter Agra, por todo o apoio que sempre
me deram desde o inicio da minha jornada pelo mundo jurídico.
Aos membros da família SW Advogados, os quais, com paciência e compreensão,
principalmente nos momentos de ausência, sempre me incentivaram na realização do
mestrado.
Aos amigos que conquistei no decorrer das atividades do mestrado, com os quais
compartilhei de alegrias e tristezas, e obtive grandes aprendizados. Em especial a Luiz Filipe
Ribeiro e Daniel Guedes, verdadeiros companheiros de jornada!
“Imagination is more important
than knowledge. Knowledge is
limited. Imagination encircles the
world.”
Albert Einstein
RESUMO
A presente dissertação analisa a técnica processual da tutela de evidência e o seu papel na
busca pela efetivação dos princípios constitucionais do processo, levantando a problemática
dos efeitos do tempo na atividade jurisdicional e o crescente fenômeno da sumarização da
cognição processual, na qual o processo de amplo conhecimento começa a ser visto como
uma via residual para solução de conflitos. Empregando a técnica da documentação indireta,
por meio de pesquisa bibliográfica, inicialmente é apresentada a evolução das tutelas
provisórias em nosso ordenamento jurídico, agora não mais existindo a obrigação de
comprovação conjunta dos pressupostos da urgência e da evidência para a regular concessão
de uma tutela antecipada. É feita exposição sobre a atividade cognitiva desenvolvida nas
tutelas provisórias, nos planos horizontal e vertical, observando a intima relação da
“evidência” com os elementos de prova apresentados no processo, como também se enfatiza a
diferença no grau de cognição existente nas tutelas de urgência e evidência. Examina as
hipóteses de tutela de evidência previstas no art. 311 do Código de Processo Civil, apontando
críticas acerca da redação de alguns dos seus incisos, como também apresentando sugestões
para um melhor aproveitamento da norma em estudo. Observa a tutela de evidência na fase
recursal e em processos que envolvam a Fazenda Pública, analisando, ainda, a possibilidade
de se realizar negócio jurídico processual dispondo sobre a evidência de determinado direito.
Discorre sobre a evolução dos paradigmas do direito constitucional e a teoria sistêmica dentro
do constitucionalismo, colocando a Constituição como elemento que influencia e é
influenciado pelas relações sociais. É feita abordagem sobre a sumarização da cognição
processual a partir dos princípios constitucionais do devido processo legal, razoável duração
do processo e do efetivo acesso à justiça, com destaque para o problema do “dano marginal”,
que é aquele decorrente da demora da tramitação processual em si, independentemente da
tutela jurisdicional, e que afeta todos os sujeitos do processo. Aponta a dificuldade de se
conciliar o desejo por celeridade do procedimento com as garantias fundamentais do processo,
tendo em vista que muitas vezes valores constitucionais irão colidir, sendo inevitável um
trabalho de ponderação por parte do julgador. Por fim, é analisada de forma mais específica a
constitucionalidade da tutela de evidência conforme posta nos incisos e parágrafo único do
artigo 311 da Lei 13.105/2015, destacando a grande discussão doutrinária a respeito da
concessão da tutela de evidência sem a oitiva da parte contrária, em que se questiona a
possibilidade de se postergar o direito ao contraditório mesmo nos casos em que não há
urgência.
Palavras-chave: Tutela provisória; Tutela de evidência; Cognição; Prova; Tempo;
Efetividade; Princípios constitucionais.
ABSTRACT
The present study analyzes the procedural technique of evidence protection and its role in the
search for the effectiveness of the constitutional principles of the process, bringing up the
issue of the time's effect in the jurisdictional activity, and the increasing phenomenon of the
procedural cognition summarization, where the wide-knowledge process starts to be viewed
as a residual pathway for conflict resolution. Applying the indirect documentation technique,
through bibliographical research, the evolution of provisional injunctions is initially presented
in our legal system, without any necessity of joint proof for the urgency and evidence
assumptions for the regular concession of a prior injunction provision. An exposition of the
cognitive activity developed in the provisional guardians is made in the horizontal and vertical
plans, observing the close relations between the "evidence" and the evidence elements
presented in the process, as well as emphasizing the difference in the level of cognition found
in the emergency and evidence protections. It examines the hypotheses of injunction of
evidence as previewed in art. 311 of the Code of Civil Process, pointing out criticism about
the composing of some of its paragraphs, as well as presenting suggestions for a better use of
the norm under study. It observes the use of evidence protection in the phase of appeal, in
cases involving the Public Treasury and the possibility of carrying out legal process business
on the evidence of a certain right. It discusses about the evolution of paradigms of
constitutional law and systemic theory within constitutionalism, placing the Constitution as an
element that influences and is influenced by social relations. An approach is made about the
summarization of procedural cognition as of the constitutional principles of the legal process,
reasonable length of process, and the effective access to justice, with special emphasis on the
"marginal damage" issue, which comes about due to the delay in the procedural process itself,
regardless of the judicial protection, which affects all subjects in the process. It points to the
difficulty of reconciling the desire for celerity in the procedure with the fundamental
guarantees of the process, considering that constitutional values will collide quite frequently,
causing the judge to inevitably consider prudence. Lastly, a more specific analysis of the
constitutionality of the protection of evidence as set forth in the clauses and single paragraph
of article 311 of Law 13,105/2015 is more precisely analyzed, highlighting the great doctrinal
discussion regarding the concession of injunction of evidence without the counterclaim of the
opposing part, where the possibility of postponing the right to the contradictory is questioned,
even in cases in which no urgency is needed.
Keywords: Temporary Injunction; Evidence Injunction; Cognition; Evidence; Time;
Effectiveness; Constitutional principles.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
2 TUTELAS PROVISÓRIAS ................................................................................................ 13
2.1 TERMINOLOGIA ADOTADA ......................................................................................... 17
2.2 O DIREITO EVIDENTE E O ORDENAMENTO PROCESSUAL. ................................. 18
2.3 A COGNIÇÃO JUDICIAL E A EVIDÊNCIA DO DIREITO .......................................... 28
2.3.1 Prova, evidência, verossimilhança e probabilidade .................................................... 31
2.3.2 Grau de cognição nas tutelas de evidência e de urgência .......................................... 38
3 A TUTELA DE EVIDÊNCIA E A PREVISÃO DO CPC/2015 ...................................... 41
3.1 TUTELA DE EVIDÊNCIA EM RAZÃO DO ABUSO DO DIREITO DE DEFESA OU O
MANIFESTO PROPÓSITO PROTELATÓRIO ..................................................................... 45
3.2 TUTELA DE EVIDÊNCIA QUANDO AS ALEGAÇÕES DE FATO PUDEREM SER
COMPROVADAS APENAS DOCUMENTALMENTE E HOUVER ORIENTAÇÃO
JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA. ............................................................................... 50
3.3 TUTELA DE EVIDÊNCIA NOS CASOS DE CONTRATO DE DEPÓSITO. ................ 57
3.4 TUTELA DE EVIDÊNCIA COM BASE EM PROVA DOCUMENTAL E AUSÊNCIA
DE CONTESTAÇÃO SÉRIA. ................................................................................................. 60
3.5 TUTELA DE EVIDÊNCIA SEM A OUVIDA DA PARTE CONTRÁRIA. .................... 64
3.6 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FASE RECURSAL ....................................................... 67
3.7 TUTELA DE EVIDÊNCIA E NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ........................... 70
3.8 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FAZENDA PÚBLICA. ................................................. 71
4 EVOLUÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL E SUA PREPONDERÂNCIA
SOBRE O PROCESSO CIVIL. ............................................................................................ 75
4.1. PARADIGMAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL ..................................................... 75
4.2. A TEORIA SISTÊMICA NO CONSTITUCIOLISMO CONTEMPORÂNEO ............... 80
5 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO, A TUTELA SUMÁRIA DE
DIREITOS EVIDENTES E O ACESSO À JUSTIÇA. ....................................................... 84
5.1 A SUMARIZAÇÃO DA COGNIÇÃO PROCESSUAL SOB A ÓTICA
CONSTITUCIONAL ............................................................................................................... 87
5.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS CONSECTÁRIOS ............................................ 89
5.3 PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: RELAÇÃO ENTRE
TEMPO E PROCESSO ............................................................................................................ 93
5.3.1 Dano marginal ............................................................................................................... 98
5.4 PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA ........................................................................... 101
5.4.1 Ondas renovatórias do acesso à justiça ..................................................................... 103
5.4.2 Princípio do acesso à justiça no direito brasileiro. ................................................... 105
5.4.3 Elementos trazidos pelo novo CPC na busca pelo acesso e efetividade da tutela
jurisdicional ........................................................................................................................... 108
5.5 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA TUTELA DE EVIDÊNCIA.............. 110
6 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 121
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 125
10
1 INTRODUÇÃO
Cada vez mais o fenômeno da sumarização do processo vem ganhando
destaque dentro do ordenamento jurídico de vários países, a exemplo de França e Itália, não
sendo diferente no direito processual brasileiro, que recentemente foi alvo de relevantes
modificações em razão do novo Código de Processo Civil, em vigor desde o mês de março de
2016.
Para alguns doutrinadores, o maior prestígio recentemente atribuído às tutelas
de cognição verticalmente limitada vem causando uma verdadeira alteração nas estruturas do
processo civil moderno. Assim, partindo da ideia de que muitas dessas alterações são
fundamentadas sob o argumento de que está se buscando uma efetiva implementação dos
comandos constitucionais inerentes ao processo, é que se propõe a presente pesquisa acerca
da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo.
Conforme será visto ao longo do presente trabalho, a tutela diferenciada em
razão da sumarização da cognição, seja de urgência ou de evidência, tem influenciado
diretamente no desenvolvimento do processo civil e no comportamento dos sujeitos do
processo. Razão pela qual é feita a abordagem dos limites e benefícios das tutelas
diferenciadas, dando-se destaque para a tutela de evidência nos termos até então previstos em
nosso ordenamento processual e agora especificamente regulados por meio das hipóteses
elencadas no Código de Processo Civil.
Buscar-se-á analisar o difícil equilíbrio entre o valor segurança jurídica e o
valor celeridade, a quem o legislador infraconstitucional brasileiro tem dado tanto prestígio
desde a Emenda Constitucional nº 45. Por vezes, a celeridade vem sendo considerada como
sinônimo de prestação jurisdicional efetiva, conforme pode ser percebido das sucessivas
metas impostas ao judiciário. A dificuldade em se encontrar o meio termo entre a busca pela
celeridade do procedimento e as garantias fundamentais do processo vem sendo tomada como
o desafio do milênio para os estudiosos da relação processo e constituição.
Com relação à análise da constitucionalidade da tutela de evidência
propriamente dita, será destacado que sobre a utilização de técnicas para a inversão do ônus
do tempo no processo não existem grandes discordâncias sobre a sua possibilidade, tendo em
vista que tal medida prestigia a efetividade processual diante de certas condutas tomadas no
feito. Havendo uma maior celeuma doutrinária em relação aos casos em que se busca a tutela
de evidência sem a ouvida da parte contrária.
Vários serão os entendimentos apresentados, tanto a favor como contra a
11
possibilidade concessão liminar da tutela de evidência, contudo, o que se buscará transmitir é
a ideia de que a técnica de tutela jurisdicional diferenciada calcada na evidência do direito,
mesmo sendo de cognição sumária, é um meio eficaz para combater o abuso do direito de
defesa e o dano marginal decorrente da própria tramitação processual, possibilitando que a
parte requerente obtenha o bem da vida antes do transcurso do tempo “normal” de um
processo de ampla cognição, ainda mais se considerado que no plano prático existe uma
grande dificuldade em se garantir simultaneamente o direito à tempestividade da tutela e o
direito à cognição definitiva.
Por intermédio de pesquisa bibliográfica, feita por meio de fontes secundárias
como livros e revistas especializados, publicações avulsas, outras pesquisas e dissertações
anteriores, serão expostos vários posicionamentos doutrinários acerca do minimalismo
processual, com foco na tutela de evidência, o que, forçosamente, leva ao estudo dos
princípios do devido processo legal, da razoável duração do processo e do acesso à justiça.
O trabalho se iniciará com uma abordagem acerca das tutelas sumárias e suas
transformações ao longo da vigência do CPC/1973, em que para concessão de medida
cautelar ou antecipação de tutela eram exigidos cumulativamente os pressupostos da urgência
e da fumaça do bom direito, até se chegar na previsão do CPC/2015, que traz no seu Livro V
da Parte Geral a normatização da agora denominada “Tutela Provisória”, que pode ser
fundamentada na urgência ou apenas na evidência do direito pretendido.
No ponto seguinte do capítulo dedicado às tutelas provisórias, serão expostos
os motivos para utilização da expressão “tutela de evidência”, e não “tutela da evidência”,
divergindo da terminologia trazida pelo novo Código.
Dando seguimento, apresentar-se-á um cotejo sobre a presença de mecanismos
processuais voltados para proteção do direito evidente dentro do nosso ordenamento
processual como um todo, inclusive apontando algumas técnicas estrangeiras que diretamente
influenciaram nosso código de processo. Também será delineado um estudo sobre a cognição
judicial e suas peculiaridades perante a evidência do direito, defendendo-se que na tutela de
evidência existe uma cognição vertical mais profunda do que na tutela de urgência.
Já o terceiro capítulo da dissertação trará uma exposição exauriente sobre as
hipóteses de tutela de evidência insculpidas no CPC/2015, com suas principais características,
como também apontará algumas críticas sobre a forma que instituto foi positivado. Abordar-
se-á, ainda, a aplicação da técnica da tutela de evidência na fase recursal e contra a Fazenda
Pública, tendo em vista as limitações existentes em normas infraconstitucionais.
Contextualizando o estudo do direito constitucional com o direito processual,
12
no quarto capítulo será feita uma breve abordagem da evolução do direito constitucional, no
qual se demonstrará que a evolução dos seus paradigmas indubitavelmente se deu por
intermédio de influências externas ao direito, influências sociais, que diretamente ajudaram a
conformar o ordenamento jurídico como um todo, influenciando, consequentemente, nas
normas processuais que atualmente se submetem a um verdadeiro modelo constitucional do
processo, e, por vezes, são pensadas com base nos ideais neoliberais. Sendo impossível pensar
o direito como algo estanque, conforme explica a teoria sistêmica do constitucionalismo.
Por fim, no último capítulo do trabalho, será elaborada uma análise da
constitucionalização do processo e suas fortes consequências dentro do atual sistema
processual brasileiro, uma vez que o código revogado foi elaborado anteriormente à
Constituição de 1988, o que acarretou em sucessivas alterações na Lei 5.869/1973.
Como também será feita uma abordagem sobre o fenômeno da sumarização da
cognição processual e a necessidade de se respeitarem os princípios constitucionais do
processo, com destaque para os princípios do devido processo legal e da razoável duração do
processo, ponderando os elementos que podem contribuir ou prejudicar no justo tramitar
processual, considerando, inclusive, a figura do dano marginal, decorrente da simples demora
em se prestar a tutela jurisdicional, como um dos legitimadores para concessão da tutela
provisória de evidência.
13
2 TUTELAS PROVISÓRIAS
Na recente história do nosso ordenamento processual, temos que o revogado
Código de Processo Civil, em razão da inovação trazida pela Lei nº 8.952/1994, passou a
diferenciar a tutela cautelar e a tutela antecipatória, atribuindo-lhes pressupostos
individualizados para sua concessão, o que gerava grande discussão doutrinária. Até a referida
lei, o CPC/1973 previa apenas as tutelas de urgência cautelares, as quais eram reguladas por
meio de um livro próprio na codificação processual1.
Por intermédio da nova redação do art. 273 trazida pela Lei nº 8.952/1994 se
estabeleceu que o juiz poderia, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os
efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, fosse
convencido da verossimilhança da alegação.
Conforme Eduardo Talamini, com a nova previsão se criou uma grande zona
cinzenta acerca da distinção dos institutos, situação que só foi contornada por meio da Lei nº
10.444/2002, que incluiu o §7º no art. 273, prevendo a possibilidade de fungibilidade entre as
medidas2. Não fazendo mais sentido o indeferimento de medida cautelar unicamente porque
havia sido equivocadamente nominada de tutela antecipada, ou vice-versa3.
Porém, em que pese a grande evolução trazida pelas Leis nº 8.952/94 e nº
10.444, o CPC/73 não fazia distinção entre as tutelas de urgência e de evidência. Até então,
para a concessão de um provimento liminar, cautelar ou antecipatório, exigia-se a presença
combinada dos pressupostos4 da verossimilhança e da urgência.
Fazendo um estudo sob o viés pragmático e observando a jurisprudência acerca
das tutelas provisórias, Eduardo José da Fonseca Costa observou que os citados pressupostos
não eram encontrados de forma igualitária nas decisões. Havendo situações em se fazia
1 CASTRO, Marcello Soares. Tutela de urgência e tutela de evidência: limites e possibilidades de um regime
único. In: FREIRE, Alexandre; et al. (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 290.
2 TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência no projeto de novo código de processo civil: a estabilização da
medida urgente e a „monitorização‟ do processo civil brasileiro. In: Revista de Processo, v. 209, 2012, p. 13-
34. 3 MITIDIERO, Daniel. Antecipação de tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013, p. 163. 4 Alguns doutrinadores se preocupam em distinguir os termos “pressuposto”, “requisito” e “condição”, e nas
palavras de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, “quando se fala em “pressuposto”, se está no terreno da
existência ou não existência do fenômeno jurídico; se se fala em “requisito”, já se alcança etapa
superveniente, que é a da validade ou não do fenômeno jurídico; ao ser abordada a “condição”, ganha-se a
linha de eficácia ou de extinção do fenômeno jurídico”.Cf. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. O
pressuposto, o requisito e a condição na teoria geral do direito e no direito público. Revista da faculdade de direito da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 21, n. 13, p. 185-202, out. 1973, p. 186. Disponível
em . Acesso em 10 fev. 2017.
14
presente em maior grau o periculum in mora, e em outras que predominava o fumus boni
iuris. Feita tal constatação, o referido autor enumerou vários tipos de liminar de acordo com o
grau de presença de cada pressuposto: “tutela de evidência extremada e de urgência não
extremada”, “tutela de urgência extremada e de evidência não extremada”, “tutela de
evidência e urgência extremadas”, bem como “tutela de evidência e urgência não
extremadas” 5.
Contudo, além dos casos em que se fazem presentes de maneira conjunta o
periculum in mora e o fumus boni iuris, sejam em maior ou menor grau, o que é típico das
tutelas liminares cautelares ou satisfativas, também existem situações em que um pressuposto
se fará presente em grau tão elevado que o outro se torna dispensável. São as denominadas
“tutela de urgência extremada pura” e “tutela de evidência extremada pura”, sendo essa
última o objeto central do presente trabalho.
Tendo em vista a multiplicidade de situações que podem ser encontradas
dentro das tutelas liminares, a disciplina legal das tutelas provisórias foi profundamente
alterada no novo Código de Processo Civil, podendo, agora, fundar-se na urgência ou
unicamente na evidência.
A tutela de urgência passa a ser dividida em tutela cautelar e em tutela
antecipada. O art. 300 estabelece as mesmas exigências para concessão das duas espécies de
tutela, acabando, assim, com qualquer discussão remanescente sobre a fungibilidade entre
ambas. As tutelas de urgência, que, como dito, podem ser satisfativas ou cautelares, exigem a
demonstração da probabilidade6 do direito e o perigo de dano ou do risco ao resultado útil do
processo.
A simples leitura no novo código deixa patente que sua sistemática ficou mais
simples, unificando os pressupostos para a concessão das tutelas cautelar e satisfativa.
Topologicamente se atribuiu um regime uniforme à tutela antecipada, seja satisfativa ou
cautelar7.
Por outro lado, as tutelas de evidência, que serão satisfativas, não havendo a
possibilidade de sua concessão de forma cautelar, ganham previsão específica e pressupõem a
5 COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 123-146.
6 Note-se que o novo código fala em probabilidade, e não mais em verossimilhança. Para Michele Taruffo a
verossimilhança tem relação com a capacidade descritiva da realidade independente de haver provas,
enquanto a probabilidade depende de elementos que justifiquem de forma racional a crença em determinado
fato. Cf. TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Traducción de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Trotta,
2002, p. 185. 7 CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 253.
15
demonstração de que as afirmações de fato estejam robustamente comprovadas, tornando o
direito evidente, conforme disposição contida no art. 311 do novo Código de Processo Civil8.
Como a própria nomenclatura já denota, a tutela de evidência visa garantir, de
forma mais célere e eficaz, a solução de litígios nos quais o direito pleiteado se encontra
evidente, não havendo a necessidade de demonstração de perigo de dano ou de risco ao
resultado útil do processo para que seja concedida. A tutela provisória sem o requisito da
urgência encontra sustento na atual ideia de processo justo, na busca de efetivação da garantia
constitucional da razoável duração do processo.
Para distinguir as modalidades de tutela provisória conforme atualmente
positivadas em nosso digesto processo, com base em seus fundamentos e finalidades,
Marinoni aduz que a diferença entre elas é a de que, no caso da evidência, a tutela antecipada
é concedida com fundamento na prova dos fatos constitutivos e na fragilidade da defesa que
ainda pretende produzir prova. A tutela baseada na evidência tem como finalidade a melhor
distribuição do ônus do tempo do processo observando o grau de robustez do direito do autor
e a debilidade da defesa do réu, afastando-se, assim, da tutela antecipada baseada em perigo
de dano. A tutela antecipada propriamente dita possui como fundamento a urgência e como
objetivo a imediata tutela do direito para evitar o dano, enquanto “a tutela de evidência tem
como fundamento a evidência do direito e a inconsistência da defesa e como fim a inversão
do ônus do tempo do processo”9.
Em sentido semelhante, Daniel Mitidiero verbera que o objetivo da tutela de
evidência é adequar o processo ao maior ou menor grau de evidência do direito pretendido
pela parte, “tomando a maior ou menor consistência das alegações das partes como elemento
para distribuição isonômica do ônus do tempo ao longo do processo”, sendo a tutela de
evidência totalmente “despregada” do perigo, representando importante mudança dentro da
técnica antecipatória10
.
Dentro desse contexto, e conforme suas peculiaridades, temos que a tutela
provisória no novo código de processo civil se apresenta em duas modalidades, de urgência
ou de evidência. Podendo a tutela de urgência ser cautelar ou antecipatória, requeridas de
8 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 570. 9 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 44. 10
MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria de tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória.
Revista do Processo, ano 36, v. 197, jul. 2011, p. 41.
16
forma antecedente ou incidental11
. Porém, os fundamentos e finalidades das tutelas
provisórias são distintos, e, como os próprios nomes já declaram, uma tem fundamento na
urgência e a outra na evidência, aquela visa evitar o dano e esta última visa melhor distribuir o
ônus do tempo do processo.
Preocupado em homogeneizar a matéria, o legislador trouxe nos artigos 294 a
299 do CPC as disposições gerais acerca da tutela provisória, que, obviamente, se aplicam
tanto à tutela de evidência como à tutela de urgência. Porém, já existe na doutrina quem
defenda que algumas disposições específicas da tutela de urgência também devem ser
aplicadas à tutela de evidência12
.
Dentre as disposições da tutela de urgência que devem ser aplicadas à tutela de
evidência cita-se a possibilidade de o juiz exigir caução para concessão da tutela nos termos
do §1º do art. 300, uma vez que tal exigência é inerente ao caráter provisório das tutelas
sumárias, e a responsabilização da parte requerente da tutela de evidência quando essa for
cassada e causar prejuízos ao outro litigante, conforme verbera o art. 302 do CPC 13
.
Necessário também destacar que a tutela de evidência não pode ser confundida
com um julgamento antecipado da lide, pois não resolve definitivamente a demanda e está
sempre sujeita à revogabilidade, não tendo aptidão para formar coisa julgada material14
.
11
RIBEIRO, Luiz Filipe et al. Novo CPC: principais alterações. Teresina: Dinâmica Jurídica, 2016, p. 102. 12
“O NCPC restringe a vedação à irreversibilidade, exigibilidade de caução e responsabilidade objetiva pela revogação da tutela sumária relativamente à antecipação de tutela fundada na urgência, sendo omisso,
outrossim, em relação a tal exigibilidade ou vedação quanto à antecipação de tutela sem o requisito da
urgência, cunhada como tutela da evidência. A nosso sentir, esses mecanismos de balanceamento devem ser
disciplinados no regime geral das antecipatórias e também contemplar a antecipação de tutela sem o requisito
da urgência. Não é porque há alta probabilidade do direito do requerente da medida que uma decisão
provisória deve ser concedida incondicionalmente, sem exame de eventual periculum in mora reverso ou
confronto com a probabilidade de quem cumpre a decisão provisória sagrar-se vencedor ao final da
demanda” Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência:
panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 249. 13
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 200. 14
Fazendo distinção entre o julgamento antecipado do processo e a tutela de evidência, Humberto Theodoro
Júnior aduz que “quando se pensa em tutela da evidência, a primeira ideia é a de uma proteção sumária para
um direito incontestado ou inconteste, suficientemente provado, de modo que a respectiva proteção judicial
possa ser concedida de imediato, sem depender das diligências e delongas do procedimento comum, e
mesmo, sem necessidade de achar-se, o direito, sujeito a risco de dano iminente e grave (NCPC, art. 311).
Não é, porém, no sentido de uma tutela rápida e exauriente que se concebeu a tutela que o novo Código de
Processo Civil denomina de tutela da evidência, a qual, de forma alguma, pode ser confundida com um
julgamento antecipado da lide, capaz de resolvê-la definitivamente. Não foi, com efeito, com vistas a uma
produção jurisdicional definitiva que a questionada tutela se inseriu no mesmo gênero em que as tutelas de
urgência figuram. O intuito normativo foi o de permitir que tanto as tutelas de urgência como a da evidência
pudessem ser prestadas em procedimentos e com requisitos comuns, de modo a autorizar o emprego do
rótulo abrangente de tutelas sumárias. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual
Civil: Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed.
rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 1, p. 612.
17
A concessão da tutela de evidência ganha relevo nos casos em que o direito
pretendido não pode ser seriamente contestado pela parte adversa, mas, mesmo assim, é feito
requerimento de produção de prova ou são adotadas medidas nitidamente procrastinatórias15
.
No momento em que é concedida tutela provisória, quem passa a suportar o ônus do tempo é
aquela parte que insiste em litigar mesmo não possuindo condições de apresentar uma defesa
séria.
2.1 TERMINOLOGIA ADOTADA
Tendo em vista que o presente trabalho irá tratar mais detalhadamente da
prestação jurisdicional de cognição sumária com base na evidência do direito,
independentemente de urgência, e para que ele se mostre coerente com a ideia que será
desenvolvida, destaca-se que a forma como o Título III do Livro V do CPC foi redigido vem
sendo alvo de críticas por parte da doutrina especializada, uma vez que em sua escrita traz a
expressão “tutela da evidência”, transparecendo a ideia de que é a evidência propriamente dita
que se pretende tutelar, quando, na verdade, se antecipa o provimento jurisdicional em razão
do direito evidente, que é aquele que não deixa dúvidas ou se mostra suficientemente robusto
para concessão da medida pleiteada.
Atento a tal detalhe, Paulo Caputo entende que a boa técnica legislativa não
deveria ter admitido a grafia como está posta no citado título, e, consequentemente, no art.
311 do CPC, pois não se tutela a evidência, mas se dá tutela antecipada pela evidência,
sugerindo o citado autor que o instituto fosse chamado de “tutela de ou pela evidência”16
.
No mesmo sentido, reconhecendo o problema da terminologia utilizada pelo
atual código, Bruno Bodart esclarece que a evidência guarda estrita relação com a prova, em
que quanto mais fortes são os elementos apresentados para formação do convencimento do
julgador, maior será o grau de evidência. Assim, considerando que o que se busca não é
tutelar a própria prova, mas sim o direito da parte, tem-se como mais adequada a expressão
“tutela de evidência”17
.
15
Nesse sentido, Marinoni adverte que “a tutela de evidência somente tem razão de ser quando a defesa requer
instrução dilatória, podendo adiar o momento de realização do direito. Quando a defesa pode ser
imediatamente apreciada, independentemente da produção de prova pericial ou testemunhal, obviamente não
há motivo para tutela de evidência, bastando ao juiz proferir sentença”. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme.
Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 44. 16
CAPUTO, Paulo Rubens Salomão. Código de processo civil articulado: remissões, referências, comentários
e notas. 2 ed. Leme (SP): JH Mizuno, 2016, p. 323-324. 17
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 112.
18
Nesse sentir, considerando que a evidência é um elemento que possibilita a
utilização de técnica processual diferenciada para melhor proteger o direito da parte, não se
tratando de um fim em si mesmo, ao longo desta dissertação será preferencialmente utilizada
a expressão “tutela de evidência”18
, pois, na essência, temos uma tutela provisória baseada em
evidência e não a tutela da própria evidência.
Enxergar de outra forma seria o mesmo que pensar o processo de forma isolada
e neutra, tutelando um próprio pressuposto. É necessário entender que a técnica processual
serve para atender às tutelas previstas no direito material, em consonância com os direitos
fundamentais e as peculiaridades de cada caso19
.
2.2 O DIREITO EVIDENTE E O ORDENAMENTO PROCESSUAL
Muitos ainda pensam que a prestação de uma tutela jurisdicional em razão da
evidência do direito é uma novidade trazida só agora pelo Código de Processo Civil de 2015,
pouco sabendo sobre sua essência e características. Contudo, tanto no direito estrangeiro
como no direito nacional, várias ferramentas processuais clássicas são alicerçadas no direito
evidente20
.
Historicamente se pode dizer que a tutela de evidência finca raízes nos
“interditos romanos”, nos quais se permitiam determinações sem maiores questionamentos
sobre os fatos, justamente porque já estava evidenciado o direito do requerente. Com base na
evidência, os procedimentos "pretórios" autorizavam a decretação de obrigações de fazer e
obrigações de não fazer21
.
18
Analisando a terminologia trazida pelo novo código por um prisma diferente, Daniel Penteado defende que seria mais adequado usar a expressão “antecipação de tutela sem o requisito da urgência”, pois, no seu
entender, a expressão “tutela da evidência” soa muito ampla. Afirma que “o direito pode restar evidente
quando do julgamento de recurso de apelação ou outros recursos que reformam decisão anterior, hipóteses
que não guardam ligação alguma com verdadeira antecipação, encurtamento de procedimento ou outra
hipótese que, de alguma forma, autoriza o imediato cumprimento de decisão jurisdicional de forma abreviada
ao procedimento”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência:
panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 132-133. 19
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 29. 20
Em obra coletiva dedicada às novas tendências do processo civil, o professor e juiz federal Frederico Koehler
já destacava que “o estudo da tutela de evidência vem ganhando fôlego nos últimos tempos. Suas raízes,
todavia, são antigas. Pode-se falar, até mesmo, em origens romanas do instituto. Não há sentido em dizer que
se trata de uma novidade jurídica. O Novo CPC em vias de ser aprovado pela Câmara dos Deputados apenas
consolida algo já existente de há muito. Não haverá criação no direito positivo pátrio do instituto da tutela de
evidência”. Cf. KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos
efeitos da tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas
Tendências do Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v.
2, p. 615. 21
CUENCA, Humberto. Processo civil romano. Buenos Aires: E.J.E.A, 1957, p. 331.
19
Também como exemplo histórico da presença da tutela de evidência nos
ordenamentos jurídicos, pode-se citar a possibilidade de autotutela nas questões possessórias.
Em que vários países, desde muito tempo, trazem previsão do uso da força para evitar atos
evidentes de turbação ou esbulho, como é caso do Código Civil da Suíça de 1907, que em seu
art. 926 prevê que: "o possuidor tem o direito de repelir pela força todo o ato de usurpação
ou de turbação".
Outro equívoco recorrente, ainda mais frequente depois da entrada em vigor do
novo código de processo, é achar que a evidência serve apenas às tutelas provisórias. Quando,
na verdade, em determinados procedimentos o direito evidente dá ensejo à tutela definitiva, de
caráter exauriente.
Como exemplos de tutela definitiva fundadas na evidência, temos a criação dos
procedimentos especiais do mandado de segurança e da ação monitória, como também, a
possibilidade de instauração da execução definitiva por credor que possua título executivo
extrajudicial22
. No mesmo sentido, Leonardo Carneiro da Cunha afirma que a evidência é
pressuposto que de serve base tanto para a tutela definitiva, como para tutela provisória, o
qual também cita os exemplos do mandado de segurança e da ação monitória23
.
Para Luiz Fux a tutela da evidência no Brasil tem íntima relação com o direito
líquido e certo, sendo o mandado de segurança “o protótipo do procedimento estabelecido em
consonância com o direito material objeto do juízo”. Afirma o autor que os procedimentos
decorrentes do direito comum eram insuficientes para tutelar os direitos evidentes, líquidos e
certos, o que acarretou na criação de procedimento específico24
.
De acordo com Fredie Didier, o termo evidência, processualmente dito,
caracteriza-se como “uma situação processual em que determinados direitos se apresentam em
juízo com mais facilidade do que outros. Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados
de direitos evidentes, e por serem evidentes merecem tratamento diferenciado”25
.
22
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:
teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos
efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 618. 23
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. tot. ref. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
316. 24
FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano
2, n. 16, p. 23-43, abril de 2000. Disponível em: . Acesso
em: 23 fev. 2017 25
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 6 ed. Salvador: Podivm, 2010. v. 2, p. 408.
20
No ano de 1996 o Ministro Luiz Fux já se preocupava com o tema em estudo
ante a sua relevância para formação de tutelas diferenciadas26
, e lecionava que a tutela de
evidência tem relação com as pretensões em que o direito da parte se mostra evidente, típico
do mandado de segurança, que cobra a existência do direito líquido e certo. Sendo até
desnecessária a demonstração de perigo para a obtenção do provimento jurisdicional,
bastando a probabilidade de certeza do direito alegado. Conforme Fux, “é evidente o direito
cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou ao menos impassíveis
de contestação séria”27
.
Sobre as críticas que afirmam que a tutela satisfativa não poder ser baseada em
cognição sumária, Luiz Fux entende que tais críticas não se aplicam às tutelas de evidência,
aqui compreendidas em sentido amplo, uma vez que, para o citado autor, a “evidência do
direito propicia „cognição exauriente imediata‟, a mesma que se empreenderia ao final de um
processo onde fossem necessárias etapas de dissipação da incerteza quanto ao direito alegado”
28. Em sentido contrário, sobre a profundidade da cognição, Leonardo Greco entende que só
poderá se falar cognição exauriente após ter sido dada oportunidade de apresentação dos
fundamentos da defesa, antes disso qualquer atividade cognitiva, em respeito ao contraditório,
deve ser considerada como sumária29
.
O código de Buzaid, mesmo sem fazer menção expressa à tutela de evidência,
trazia vários dispositivos que implicitamente prestigiavam o direito evidente, como é caso do
famoso artigo 333, agora reproduzido no art. 373 do CPC/2015, referente ao ônus da parte de
demonstrar a evidência de seu direito por meio da prova, e o antigo artigo 334 (374 do
CPC/2015) que traz um rol de fatos que pela sua natureza são tão evidentes que não
26
Sobre as tutelas diferenciadas, Dierle Nunes aponta que o tema “passou a ser objeto do debate da ciência processual a partir do trabalho de Proto Pisani publicado em 1973, partindo-se do pressuposto óbvio da
necessidade de diversidade de técnicas processuais para as diversas hipóteses de direito material a ser
aplicado e analisando que a questão somente pode ser devidamente colocada em discussão a partir daquele
momento histórico em face da viabilidade de pensar uma quebra com o modelo neutro e único dos processos
ordinários de cognição plena, presumidamente predispostos a permitir o julgamento de qualquer caso. Os
modelos processuais diferenciados seriam delineados com a intenção de garantir as mais idôneas formas de
tutela para as várias categorias de situações jurídicas merecedoras de tutela jurisdicional”. Cf. NUNES,
Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir da
diversidade de litigiosidade. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 35, n. 184, p. 109-
140, jun. 2010, p. 115. 27
FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 313. 28
FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano
2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: . Acesso em:
23 fev. 2017 29
GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 309.
21
dependem de prova30
. Dentro do devido contexto processual, “évidence, do francês, ou
evidence, do inglês, significam prova” 31
.
Exemplo clássico de provimento jurisdicional liminar assentado na estrita
observância do direito evidente era o art. 1.051 do CPC/1973, que tratava de embargos de
terceiro32
, e dizia que “julgando suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente
os embargos e ordenará a expedição de mandado de manutenção ou de restituição em favor do
embargante”.
Segundo o professo José Bedaque, a liminar possessória trazida pelo art. 928
do CPC/1973, agora insculpida no art. 562 do NCPC, também é uma forma de provimento
jurisdicional que independe da demonstração de perigo, bastando para sua concessão que a
petição inicial esteja a devidamente instruída33
.
Além dos artigos acima citados, o inciso II e o §6º do art. 273 do CPC/73
também são exemplares da presença da tutela de evidência no código de processo revogado,
sendo tais dispositivos os mais referidos pela atual doutrina que estuda o tema34
.
De acordo com o inciso II do art. 273 do código antigo o juiz, a requerimento
da parte, poderia antecipar os efeitos da tutela pretendida, desde que existisse prova
inequívoca e ficasse caracterizado abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
30
Diante das possibilidades já existentes no CPC/73, indo contra a ideia de colocar a tutela de evidência como
uma novidade, Daniel Penteado afirma que “a tutela da evidência não se aproxima de uma nova espécie de
tutela jurisdicional, seja (i) do ponto de vista do efeito ser praticamente o mesmo dentre as concepções
existentes, seja, (ii) sob a perspectiva do meio ou forma que a tutela é prestada, a deixar de carrear novidade
que a diferencie das técnicas já presentes no sistema. Vale dizer, diferentemente de uma “tutela da
evidência”, é aceitável dizer antecipação de tutela: determinadas hipóteses da já existente antecipação de
tutela, diversamente, podem dispensar a urgência, inexistindo margem, portanto, para falar de “tutela” sob o
perfil ou ótica de qualquer inovação”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador:
JusPodivm, 2017, p. 280. 31
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 112. 32
CPC/73 - art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por
ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial,
arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio
de embargos. 33
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência
(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 333. 34
Luiz Guilherme Marinoni afirma que foi através do art. 273 do CPC/73 que pela primeira vez no direito
brasileiro se introduziu no interior do procedimento comum uma técnica capaz de permitir a distribuição do
tempo do processo. Para o autor “a distribuição do ônus do tempo no procedimento comum é imprescindível
para a democratização do processo civil, pois evita que o tempo seja tratado de forma diferenciada apenas
diante de procedimentos especiais, que, como o próprio nome indica, preocupam-se apenas com situações
especiais, esquecendo que a questão da distribuição do tempo é vital diante de toda e qualquer situação
litigiosa concreta.” Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 278.
22
protelatório do réu. Previsão essa que foi quase que integralmente repetida no inciso I do art.
311 do CPC/2015, que trata especificamente da tutela de evidência35
.
Já o § 6º do art. 273 do CPC/73 trazia a possibilidade da concessão de tutela
antecipada quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostravam-se
incontroversos. Hipótese em que a não resistência ao direito pretendido o tornava evidente,
possibilitando a antecipação da tutela36
.
Note-se que tanto no inciso II como no § 6º do art. 273 do CPC/73 a urgência
não era elemento preponderante, até poderia existir de acordo com o caso concreto, mas não
seria essencial para concessão da tutela antecipada. O que realmente importava era a forma
como o direito ganhava força nos autos, seja por ser incontroverso ou pela conduta da outra
parte, que notoriamente estava apenas tentando ganhar tempo37
.
É o que o doutrinador Eduardo José da Fonseca Costa denomina de tutela de
evidência extremada sem urgência, na qual “a estreiteza da cognição sumária não é suficiente
para ceifar o direito de sua ululante evidência”38
, pois, mesmo que não exista risco de dano ao
requerente, ou tal risco seja mínimo, deve o juiz conceder a tutela pretendida em face da sua
certeza ou quase-certeza.
No mesmo sentido, tratando do inciso II do art. 273 do CPC, Marinoni e Daniel
Mitidiero asseveram que tal tutela antecipatória independe de perigo de dano. Lastreando-se
basicamente na maior evidência das alegações da parte autora quando comparadas com os
argumentos da parte ré39
.
35
Conforme Daniel de Oliveira Pontes, “a antecipação de tutela por atos protelatórios e abusivos foi a primeira modalidade de proteção diferenciada ao direito evidente no âmbito do procedimento comum. Ela foi
instituída pela Lei 8.952/1994, que incluiu o inc. II ao art. 273 do CPC de 1973. Lamentavelmente, contudo,
acabou subutilizada em nosso ordenamento”. Cf. PONTES, Daniel de Oliveira. A tutela de evidência no
novo Código de Processo Civil: uma gestão mais justa do tempo na relação processual. Revista de Processo,
São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 41, v. 261, p. 341-368, nov. 2016, p. 355. 36
Como correspondente do § 6º do art. 273 do CPC/73 temos no CPC/2015 o art. 356, conforme indicado pelo
Prof. José Miguel Garcia Medina no seu quadro comparativo CPC/1973 > CPC/2015, disponível em
. Com a diferença que o novo CPC retirou a tutela do pedido incontroverso do rol das decisões
provisórias, a colocando dentro do capítulo do julgamento conforme o estado do processo. Logo, pode-se
dizer que é a evidência do direito que possibilita o julgamento definitivo antecipado do feito. 37
Sobre exemplos de aplicação prática da tutela de evidência antes da entrada em vigor do CPC/2015, especialmente em matéria tributária e previdenciária, consultar: COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito
vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 81-84. 38
COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 71 39
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado art. por art.. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
23
Ainda dentro do código de processo civil de 1973, conforme aponta João Paulo
Hecker, em seu estudo acerca da tutela de evidência no direito societário40
, outros exemplos
de abreviação do procedimento com base na evidência seriam a execução provisória com base
no art. 475-O, o indeferimento da inicial em pedido manifestamente improcedente (art. 285-
A), a ampliação dos poderes do relator conforme artigos 544 e 557, citando ainda o então
inovador julgamento de recursos repetitivos no termos dos artigos 543-B e 543-C,
introduzidos ao antigo código de processo, respectivamente, pelas leis 11.418/2006 e
11.672/200841
.
Fora do digesto processual, como bem lembra Bruno Bodart, pode-se apontar
como exemplo de tutela baseada na evidência do direito a decretação liminar de
indisponibilidade de bens com base no art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa42
. Há
bastante tempo os tribunais superiores vêm concedendo a medida prevista no citado artigo
como sendo uma típica tutela de evidência partindo da ideia que o dano é presumido, sendo
dispensada qualquer prova concreta de dado ou de atos de dilapidação patrimonial43
.
Outro exemplo de tutela sumária que prescinde da demonstração de urgência
são as hipóteses de liminar para desocupação de imóvel previstas nos incisos do §1º do art. 59
40
SILVA, Joao Paulo Hecker da. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência nos Processos Societários. Tese
de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2012. p. 155. 41
Tendo vista que o Código de Processo Civil de 2015 foi idealizado para prestigiar os princípios constitucionais
da razoável duração do processo e efetivo acesso à justiça, e considerando que os meios de abreviação do
procedimento acima previstos também visavam o mesmo desiderato, o CPC/2015 tratou de manter tais
mecanismos, mesmo que com algumas alterações, conforme pode ser constatado em seus artigos 332, 520,
932 e 1.036. Podendo ainda ser citado o art. 919, §1º, que prevê a possibilidade de concessão de efeito
suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória, incluindo-se,
assim, a tutela de evidência. Frisando que a previsão do art. 919, §1º traz uma tutela de evidência favorável à
parte promovida (executado), embora este figure como autor dos embargos. 42
BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito
processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 109. 43
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI 8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA.
COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO.
PRESCINDIBILIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. FUMUS
BONI IURIS. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE ATOS ÍMPROBOS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Primeira Seção desta Corte Superior firmou a orientação no sentido
de que a decretação de indisponibilidade de bens em improbidade administrativa dispensa a demonstração de
dilapidação do patrimônio para a configuração de periculum in mora, o qual estaria implícito ao comando
normativo do art. 7º da Lei 8.429/92, bastando a demonstração do fumus boni iuris que consiste em indícios
de atos ímprobos (REsp 1.319.515/ES, 1ª Seção, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/
acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 21.9.2012). 2. No caso concreto, o Tribunal de
origem expressamente reconheceu a presença do fumus boni iuris (indícios de ato de improbidade
administrativa), entretanto, afastou a presença do periculum in mora em face da ausência de atos de
dilapidação patrimonial, o que é desnecessário para a decretação da constrição patrimonial. 3. Agravo
regimental não provido. Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo AgRg no REsp: 1407616 SC.
2ª Turma. Ministro Mauro Campbell. Publicação em 02/05/2014. Disponível em
Acesso em 13 mai. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11672.htm#art1
24
da Lei 8.245/199144
. Para a concessão da medida liminar basta a demonstração da ocorrência
de algumas das situações previstas nos incisos I a IX do referido artigo, sendo de direito sua
concessão, sem a necessidade se comprovar o perigo na demora.
Para Daniel Penteado de Castro, “a liminar na ação de despejo, em seus mais
variados fundamentos (...), prescinde da demonstração de dano, a configurar tutela de
evidência, de onde se extrai a grande probabilidade de êxito da demanda em favor do autor”.
Daniel Penteado acrescenta que a liminar de busca em apreensão prevista no art. 3º do
Decreto-Lei nº 911/1969 também se concretiza no mesmo sentido, uma vez que basta a
demonstração da constituição do devedor em mora em relação ao pagamento das obrigações
decorrentes do contrato de alienação fiduciária, sendo dispensável o periculum in mora45
.
Nos casos do §1º do art. 59 da Lei 8.245/1991 e do art. 3º do Decreto-Lei nº
911/1969, na busca de uma atividade cognitiva mais rápida, a norma extravagante nitidamente
inverteu o contraditório em desfavor do devedor46
. Facilitando ao proprietário do imóvel ou
ao credor fiduciário a obtenção da tutela que determina o despejo ou a retomada do bem
negociado por meio de alienação fiduciária.
No direito estrangeiro, podemos citar o instituto francês do référé, que
inicialmente era usado apenas em casos de urgência, e posteriormente passou a ser usado em
outras situações, inclusive naquelas que não exista necessidade de um provimento urgente47
.
Os casos de urgência dispensada chamam-se especificamente de référé provision, e, conforme
leciona Roberta Tiscini, é o típico exemplo de tutela proferida com base no direito evidente,
tendo em vista a sua patente incontestabilidade48
, assim, o pressuposto exigido para concessão
da référé provision é a existência de uma obrigação não seriamente contestável, conforme
verbera o art. 809 do Code de procédure civile 49.
Abordando a relevância do instituto do référé, Ada Pellegrini Grinover aponta
que em 90% dos casos o provimento oriundo do procedimento provisório já é suficiente para
44
BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os
procedimentos a elas pertinentes. 45
CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e
perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 120-121. 46
LEONEL, Ricardo de Barros. Tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 160 47
THEODORO JÚNIOR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomização e a estabilização da tutela de
urgência no projeto de CPC. Revista de Processo, São Paulo, v. 206, abr. 2012, p. 13. No mesmo sentido
temos PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Tradução de José Carlos
Barbosa Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 208. 48
TISCINI, Roberta. I provvedimenti decisori senza accertamento. Torino: G. Giappichelli, 2009, p. 259. 49
Chapitre Ier: Les ordonnances de référé. (Articles 808 à 811) Art. 809. Dans les cas où l'existence de
l'obligation n'est pas sérieusement contestable, il peut accorder une provision au créancier, ou ordonner
l'exécution de l'obligation même s'il s'agit d'une obligation de faire.
25
conformar as partes, as quais deixam de ingressar com o procedimento ordinário50
. Além
disso, diferentemente do ordenamento brasileiro e italiano, o código de processo civil francês
põe dentro do référé os diversos tipos de tutelas sumárias, como, por exemplo, as medidas
cautelares e as tutelas de urgência e de evidência.
Para Roger Perrot, com a técnica do référé todos ganham: “o autor, que terá
obtido rapidamente o que lhe era devido, e a Justiça, que terá economizado um longo
processo, ao desencorajar uma resistência sem esperança”. Para o citado autor, o référé
provision foi uma das inovações mais significantes do direito francês51
.
Na provision não se requer o pressuposto da urgência, não podendo o juiz
exigir uma incontestabilidade absoluta do direito pleiteado, sob pena de limitar
excessivamente a finalidade do référé provision, que é uma forma de tutela dos direitos
evidentes, pois tal ferramenta do direito francês visa exatamente à antecipação da tutela
judicial nos casos em que a obrigação não é seriamente contestável, muito se assemelhando à
nossa tutela de evidência52
.
Já no direito italiano, a tutela de evidência pode ser nitidamente percebida por
intermédio dos procedimentos monitórios, muito prestigiados naquele país. Para se ter uma
ideia da importância da tutela diferenciada por meio da técnica monitória na Itália, é valioso o
levantamento feito por Proto Pisani, o qual aponta que por ano são proferidos mais de 800 mil
decretos injuntivos, evitando-se o custo do processo de cognição plena, enquanto são exaradas
pouco mais de um milhão e cem mil sentenças oriundas de processos de cognição
exauriente53
.
Tanto no direito italiano como no direito francês, as tutelas diferenciadas com
base na evidência do direito pleiteado representam boa parte prestação jurisdicional daqueles
países, evitando-se processos longos, de alto custo e ainda conseguindo entregar ao
jurisdicionado uma tutela que lhe deixe satisfeito, ou, pelo menos, conformado.
Partindo da jurisdição administrativa italiana, Fux já alertava sobre a
necessidade de um tratamento específico para a tutela de evidência, afirmando que os
50
GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional diferenciada: antecipação e sua estabilização. In ______. O
processo: estudos e pareceres. São Paulo: Perfil, 2005, p. 42. 51
PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Tradução de José Carlos Barbosa
Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 208. 52
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017, p. 282. 53
PISANI, Andrea Proto. Verso la residualità del processo a cognizione piena? Revista de processo, São Paulo,
Revista dos Tribunais, v. 31, n. 131, p. 239-249, jan. 2006, p. 244.
26
procedimentos específicos até então existentes não se faziam suficientes para dissociar as
medidas de urgência e evidencia54
.
Voltando para o ordenamento processual pátrio, tem-se que o Código de
Processo Civil de 2015, atento a toda evolução e relevância do direito evidente, buscando
prestigiar de forma efetiva a figura da tutela diferenciada em razão da evidência, trouxe
expressamente em seu art. 311 a figura da “tutela da evidência”. Prevendo em seus incisos
quatro possibilidades de concessão, conforme será visto detalhadamente mais adiante.
Nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves, o referido artigo do
CPC/2015 “consagra expressamente o entendimento de que a tutela de evidência independe
da demonstração de perigo da demora da prestação da tutela jurisdicional, em diferenciação
clara e indiscutível com a tutela de urgência”55
.
Ainda sobre as possibilidades da tutela jurisdicional com base no direito
evidente, interessante registrar o raciocínio de que a cognição judicial da evidência permite
não apenas o deferimento ab initio do pedido exordial, como por ser usada para seu
indeferimento sumário. Podendo o juiz indeferir de plano a tutela imediata pela inexistência
"evidente" de direito alegado56
. Sobre tal ponto de vista, vale a análise do §8º do art. 17 da Lei
de Improbidade Administrativa, que prevê que o juiz, após manifestação prévia do réu, poderá
rejeitar a ação principal se convencido da inexistência do ato de improbidade57
. Como se
percebe, ante a ausência de evidência, a ação de improbidade deve ser sumariamente
rejeitada, sem sequer se iniciar o rito ordinário. Não se trata de uma tutela de evidência
propriamente dita, mas a ausência do fator “evidência” é preponderante para rejeitar a ação.
Quanto ao fundamento constitucional da tutela de evidência, que será melhor
estudado em tópico específico, tem-se que essa tem como lastro a necessidade de fornecer
54
“A existência da jurisdição administrativa na Itália é responsável pela constatação de uma jurisprudência no
campo da tutela da evidência, somente contra atos de "particulares", notadamente via "provvedimmenti
d'urgenza". Insta ainda, considerar o processo monitório italiano e suas fundas raízes romanas, que
informaram tanto os sistemas do civil law quanto do common law da necessidade de instrumentos interditais
céleres. A tutela da evidência, a despeito dos remédios específicos, vem recebendo tratamento promíscuo
através da prática da urgência, porque ambas as situações tuteláveis, a urgência e a evidência, reclamam
sumarização procedimental. No campo da administração pública, várias são as limitações impostas quanto
aos provimentos contrários aos interesses da entidade nacional. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000.
Disponível em: . Acesso em: 23 fev. 2017 55
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,
2016, p. 508. 56
FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano
2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: . Acesso em:
23 fev. 2017. 57
BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos
casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública
direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.
27
uma tutela adequada para aquelas situações jurídicas diferenciadas, buscando concretizar
princípios constitucionais como o do acesso à justiça e da efetividade do processo58
.
Pode-se até reconhecer que o alto grau de probabilidade de procedência da
demanda é pressuposto inclusive para a tutela de urgência, porém, há casos em que é possível
haver uma probabilidade de êxito tão elevada que autoriza a tutela do direito de forma prévia
independentemente de qualquer urgência59
.
Bem observadas as previsões normativas e doutrinárias acerca da tutela do
direito evidente, parece ser pacífico o entendimento de que o direito evidente é aquele em que
a pretensão da parte é posta de uma forma tão clara e robusta que o opositor se vê
impossibilitado de apresentar uma contestação séria e substancial, não havendo razão para se
trilhar por um caminho de ampla cognição, sob pena de ferir princípios constitucionais do
processo60
.
Porém, como bem observa o professor José Bedaque, é necessário se ter
cuidado para não transformar a técnica processual sumária em um instituto que privilegia
apenas uma das partes, comprometendo a isonomia processual61
. No mesmo sentido, Athos
Gusmão Carneiro, fazendo remissão a Donaldo Armelin, diz que na aplicação das tutelas
diferenciadas é imprescindível se tomar cuidado para não se violar a isonomia entre as partes
litigantes, respeitando-se o princípio da paridade das armas62
.
58
MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do
Processo, v. 242, p. 523-552, abr. 2015. 59
Sobre o dever constitucional de se proteger de forma diferenciada os direitos evidentes, sob o manto do
princípio da isonomia, pois partes com situações jurídicas comprovadamente diferentes não podem ser
tratadas de forma igual, Luiz Fux, justificando a escolha parlamentar de incluir a tutela de evidência de forma
expressa no código então em elaboração, explica que “a novidade se operou quanto aos direitos líquidos e
certos de uma parte em face da outra. Entendeu a comissão que nessas hipóteses em que uma parte ostenta
direito evidente, não se revelaria justo, ao ângulo do principio da isonomia, postergar a satisfação daquele
que se apresenta no processo com melhor direito, calcado em prova inequívoca, favorecendo a parte que, ao
menos prima facie, não tem razão. A tutela de evidência não é senão a tutela antecipada que dispensa o risco
de dano para ser deferida, na medida em se funda em direito irretorquível da parte que inicia a demanda”. Cf.
FUX, Luiz. O novo processo civil. In:______. O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito em Expectativa.
Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 18 60
A tutela da evidência proposta por Luiz Fux “é mais ampla e alcança todos os níveis de satisfatividade,
processos e procedimentos, tendo como finalidade estender a tutela antecipatória a todo os direitos evidentes,
pela inegável desnecessidade de aguardar-se o desenrolar de um itinerário custoso e ritualizado em busca de
algo que se evidencia no limiar da causa posta em juízo. A parte demandada é que, se pretender perseverar na
sua resistência, deverá instar o juízo ao prosseguimento para obter, conforme o caso, a reversão ao estado
anterior ou a condenação do autor em perdas e danos. É o que ocorre, v.g., no despejo liminar, em que a lei
não prevê a reocupação mas tão-somente a indenização, sendo certo que a reversão ao imóvel não é solução
inadmitida, a despeito de não prevista”. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em:
. Acesso em: 23 fev. 2017 61
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência
(tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 345. 62
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 25-26.
28
Assim, como forma de melhor compreender a legitimidade da tutela de
evidência, torna-se imprescindível um estudo detalhado sobre a extensão das matérias sobre
as quais deve recair o conhecimento do julgador, e como será a construção da convicção do
mesmo acerca da evidência constante nos autos.
2.3 A COGNIÇÃO JUDICIAL E A EVIDÊNCIA DO DIREITO
Para se falar da tutela dos direitos evidentes através de técnicas processuais
diferenciadas é imprescindível uma abordagem sobre a atividade cognitiva desenvolvida pelo
julgador e os possíveis níveis de conhecimento que se pode alcançar através das provas e
fundamentos trazidos pelas partes, uma vez que tais elementos são indissociáveis da formação
do juízo de valor do magistrado63
.
Na Clássica lição de Kazuo Watanabe, a cognição é um ato de inteligência,
pelo qual o julgador deve considerar, analisar e valorar os argumentos e documentos
apresentados pelos litigantes, ou seja, as questões de fato e as de direito deduzidas em juízo.
Por meio de tal atividade cognitiva se estabelece o alicerce, o fundamento, para o julgamento
do processo. Em sua obra Watanabe usa o termo cognição para indicar a natureza da atividade
do órgão jurisdicional, defendendo a existência de um elementar “direito à cognição
adequada” 64
.
É por intermédio da cognição que se torna possível conviver com a
imprevisibilidade da conduta humana, sendo a atividade cognitiva imprescindível em todas as
ciências. Nas palavras de Hannah Arendt, o conhecer é a mais importante das funções do
homem65
.
63
“A cognição é completa quando apta a abranger todos os possíveis fundamentos de interesse do autor ou do
réu; é exauriente quando comporta indagações tão profundas que sejam capazes de eliminar toda possível
dúvida e incutir certeza no espirito do juiz. Mas nem sempre ela abrange toda a área de possíveis razões de
fato ou de direito que em tese poderiam influir na existência ou inexistência do possível direito do autor,
sendo então limitada e não completa; e nem sempre ela se faz com toda a intensidade imaginável, ficando
somente na superfície das investigações, sendo sumária e não exauriente. A redução da área das questões
suscetíveis de cognição passa-se no plano horizontal; as limitações à intensidade na busca da verdade e do
esclarecimento convincente e completo, no vertical. A cognição só tem caráter de universalidade total,
quando for completa no plano horizontal e exauriente no vertical”. Cf. DINAMARCO, Candido
Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 3, p. 37. 64
WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 57-59. 65
ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia
das letras, 2008, p. 140.
29
Por meio da cognição é que o magistrado forma o juízo de valor a respeito das
questões apresentadas no processo66
. Heitor Sica acrescenta que é por meio da cognição que
se possui “ferramenta básica para a instrumentalidade do processo e sua correta compreensão
revela-se imprescindível para explicar adequadamente um sem-número de fenômenos cada
vez mais relevantes para o ordenamento processual”67
.
Falando do “direito à cognição adequada” defendido por Watanabe68
,
Frederico Koehler esclarece que para o citado autor a cognição nem sempre será exauriente
justamente por ter que se amoldar ao direito da parte, podendo haver restrições da cognição
nos planos horizontal e vertical. No primeiro plano o magistrado ficará restrito à análise de
questões de regularidade do processo, das condições da ação e de questões de mérito,
enquanto no sentido vertical, que remete ao grau de profundidade, a cognição poderá ser
exauriente ou sumária69
.
No plano horizontal a cognição poderá ser plena (completa) ou parcial
(limitada). Ter-se-á uma cognição plena quando o juiz puder avaliar o trinômio: questões
processuais, condições da ação70
e questões de mérito. Por sua vez, a cognição será limitada
quando o juiz não puder realizar atividade cognitiva acerca de algum dos elementos do citado
trinômio71
.
66
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 11 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen
Júris, 2014. v. 1, p. 271. 67
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual civil. In:
YARSHELL, Flávio Luiz; ZUFELATO, Camilo (Coords.). Teoria geral do processo: 40 anos. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 465. 68
“A justiça precisa ser rente à realidade social. Essa aderência à vida somente se consegue com o aguçamento
da sensibilidade humanística e social dos juízes, o que necessariamente requer preparação e atualização. Para
a cognição adequada a cada caso, pressuposto de um julgamento justo, a sensibilidade mencionada é um
elemento impostergável. Não seria, certamente, um exagero afirmar-se que o direito à cognição adequada
faz mesmo parte do conceito menos abstrato do princípio do juiz natural.” Cf. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 64.
69 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da
tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas Tendências
do Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v. 2, p. 609. 70
É importante ressaltar o Código de Processo Civil de 1973 previa que as condições da ação eram a
legitimidade da parte para a causa, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido, conforme o inciso
VI do art. 267. Sendo consideradas como as condições mínimas para alguém movimentar o judiciário.
Contudo, com a entrada em vigor do novo Código tais elementos foram separados, tendo em vista que os
dois primeiros são inerentes ao juízo de admissibilidade, e a possibilidade jurídica do pedido se confunde
com o próprio mérito. O interesse de agir e a legitimidade passaram a figuram como pressupostos processuais, conforme o art. 17 do CPC/2015, e a ausência de um dos dois acarreta no indeferimento da
inicial, nos termos art. 330, II e III, do CPC/2015. Já a possibilidade jurídica do pedido, acertadamente,
passou a ser considerada como questão de mérito, nos moldes do art. 487 do CPC/2015. Então, pode-se até
falar que o CPC/2015 extinguiu o paradigma das condições da ação, porém, seus elementos continuam
presentes no novo ordenamento, tendo ocorrido apenas um deslocamento. Desta feita, levando em
consideração que os elementos que formavam as condições da ação ainda estão intactos, tudo indica que os
limites da cognição no plano horizontal ainda podem ser estudados na forma proposta por Kazuo Watanabe. 71
PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Cognição no processo civil - conceituação. Revista Páginas de Direito,
Porto Alegre, ano 4, n. 160, 17 maio 2004.
30
As limitações das matérias cognoscíveis no plano horizontal podem ser
definidas tanto pela norma de direito material, a exemplo da ação de indenização baseada em
responsabilidade objetiva, em que se é dispensada qualquer cognição sobre a culpa do gerador
do dano, como também pela norma de direito processual, como é o caso vedação de
reconvenção na esfera dos juizados especiais. Outra limitação no plano horizontal imposta
pela norma processual pode ser percebida no art. 20 do Decreto-Lei 3.365/194172
, que
expressamente limita as matérias de defesa nos casos de desapropriações por utilidade pública
ao definir que a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação
do preço73
.
Já no “plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de
profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta)”74
. Para Daniel Penteado
“essa intensidade se depreende do grau de convencimento do juiz exigido, consoante impõe a
norma de direito processual, de sorte que na cognição sumária basta um juízo de
probabilidade e verossimilhança, a exemplo (...) do instituto da antecipação de tutela” 75
.
Fala-se em limitação vertical apenas dentro da cognição sumária, pois, apesar
de existir cognição sobre todas as questões, ela ocorre de forma superficial. Ou seja, a
cognição é plena em extensão, mas superficial em relação à profundidade76
. Assim, pode-se
afirmar que a cognição sumária é uma característica da tutela provisória, e,
consequentemente, da tutela de evidência.
Nas palavras de Leonard