UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ......A Felix Fialho e família, por terem me recebido...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO NATAL/RN 2017

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

    MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

    ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO

    A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS

    PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

    NATAL/RN

    2017

  • ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO

    A TUTELA SUMÁRIA DE DIREITOS EVIDENTES SOB A ÓTICA DOS

    PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

    Graduação em Direito da Universidade Federal

    do Rio Grande do Norte, como requisito parcial

    para a obtenção do título de Mestre em Direito

    Constitucional.

    Nome do Orientador: Professor Doutor Artur

    Cortez Bonifácio

    NATAL/RN

    2017

  • Catalogação da Publicação na Fonte.

    UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

    Fialho, Arthur Monteiro Lins.

    A tutela sumária de direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais

    do processo/Arthur Monteiro Lins Fialho. - Natal, 2017.

    138f.

    Orientador: Prof. Dr. Artur Cortez Bonifácio.

    Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em

    Direito.

    1. Tutela provisória - Dissertação. 2. Tutela de evidência - Dissertação. 3.

    Cognição - Dissertação. 4. Prova - Dissertação. 5. Tempo - Dissertação. 6.

    Princípios constitucionais - Dissertação. I. Bonifácio, Artur Cortez. II. Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

    RN/BS/CCSA CDU 347.64

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

    MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

    A dissertação “A tutela sumária de direitos evidentes sob a ótica dos princípios

    constitucionais do processo”, de autoria do mestrando Arthur Monteiro Lins Fialho, foi

    avaliada e aprovada pela comissão examinadora formada pelos seguintes professores:

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________________

    Prof. Doutor Artur Cortez Bonifácio

    ________________________________________________

    Profª. Doutora Maria dos Remédios Fontes Silva

    ________________________________________________

    Prof. Doutor Paulo Lopo Saraiva

    Natal/RN, 13 de junho de 2017

  • DEDICATÓRIA

    Dedico este trabalho ao meu pai, José Lins

    Fialho Neto. A ele devo tudo que construí em

    minha vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente tenho que agradecer a todos que fazem parte da Universidade Federal

    do Rio Grande do Norte-UFRN, por terem recebido tão bem este paraibano que pouco

    conhecia das terras potiguares.

    Aos meus pais, por tudo que já fizeram por mim. Sem eles teria sido muito mais difícil

    trilhar o caminho até aqui.

    Para minha noiva Talita de Casto, grande apoiadora e incentivadora dos meus estudos.

    Seu amor e carinho foram fundamentais para alcançar este objetivo.

    Sinceros agradecimentos ao meu orientador, Dr. Artur Cortez Bonifácio, por ter me

    guiado pelos melhores caminhos, sempre atencioso e com sábios conselhos.

    A Felix Fialho e família, por terem me recebido como um filho e dado todo suporte

    durante o período que estive na cidade de Natal.

    Aos queridos mestres Solon Benevides e Walter Agra, por todo o apoio que sempre

    me deram desde o inicio da minha jornada pelo mundo jurídico.

    Aos membros da família SW Advogados, os quais, com paciência e compreensão,

    principalmente nos momentos de ausência, sempre me incentivaram na realização do

    mestrado.

    Aos amigos que conquistei no decorrer das atividades do mestrado, com os quais

    compartilhei de alegrias e tristezas, e obtive grandes aprendizados. Em especial a Luiz Filipe

    Ribeiro e Daniel Guedes, verdadeiros companheiros de jornada!

  • “Imagination is more important

    than knowledge. Knowledge is

    limited. Imagination encircles the

    world.”

    Albert Einstein

  • RESUMO

    A presente dissertação analisa a técnica processual da tutela de evidência e o seu papel na

    busca pela efetivação dos princípios constitucionais do processo, levantando a problemática

    dos efeitos do tempo na atividade jurisdicional e o crescente fenômeno da sumarização da

    cognição processual, na qual o processo de amplo conhecimento começa a ser visto como

    uma via residual para solução de conflitos. Empregando a técnica da documentação indireta,

    por meio de pesquisa bibliográfica, inicialmente é apresentada a evolução das tutelas

    provisórias em nosso ordenamento jurídico, agora não mais existindo a obrigação de

    comprovação conjunta dos pressupostos da urgência e da evidência para a regular concessão

    de uma tutela antecipada. É feita exposição sobre a atividade cognitiva desenvolvida nas

    tutelas provisórias, nos planos horizontal e vertical, observando a intima relação da

    “evidência” com os elementos de prova apresentados no processo, como também se enfatiza a

    diferença no grau de cognição existente nas tutelas de urgência e evidência. Examina as

    hipóteses de tutela de evidência previstas no art. 311 do Código de Processo Civil, apontando

    críticas acerca da redação de alguns dos seus incisos, como também apresentando sugestões

    para um melhor aproveitamento da norma em estudo. Observa a tutela de evidência na fase

    recursal e em processos que envolvam a Fazenda Pública, analisando, ainda, a possibilidade

    de se realizar negócio jurídico processual dispondo sobre a evidência de determinado direito.

    Discorre sobre a evolução dos paradigmas do direito constitucional e a teoria sistêmica dentro

    do constitucionalismo, colocando a Constituição como elemento que influencia e é

    influenciado pelas relações sociais. É feita abordagem sobre a sumarização da cognição

    processual a partir dos princípios constitucionais do devido processo legal, razoável duração

    do processo e do efetivo acesso à justiça, com destaque para o problema do “dano marginal”,

    que é aquele decorrente da demora da tramitação processual em si, independentemente da

    tutela jurisdicional, e que afeta todos os sujeitos do processo. Aponta a dificuldade de se

    conciliar o desejo por celeridade do procedimento com as garantias fundamentais do processo,

    tendo em vista que muitas vezes valores constitucionais irão colidir, sendo inevitável um

    trabalho de ponderação por parte do julgador. Por fim, é analisada de forma mais específica a

    constitucionalidade da tutela de evidência conforme posta nos incisos e parágrafo único do

    artigo 311 da Lei 13.105/2015, destacando a grande discussão doutrinária a respeito da

    concessão da tutela de evidência sem a oitiva da parte contrária, em que se questiona a

    possibilidade de se postergar o direito ao contraditório mesmo nos casos em que não há

    urgência.

    Palavras-chave: Tutela provisória; Tutela de evidência; Cognição; Prova; Tempo;

    Efetividade; Princípios constitucionais.

  • ABSTRACT

    The present study analyzes the procedural technique of evidence protection and its role in the

    search for the effectiveness of the constitutional principles of the process, bringing up the

    issue of the time's effect in the jurisdictional activity, and the increasing phenomenon of the

    procedural cognition summarization, where the wide-knowledge process starts to be viewed

    as a residual pathway for conflict resolution. Applying the indirect documentation technique,

    through bibliographical research, the evolution of provisional injunctions is initially presented

    in our legal system, without any necessity of joint proof for the urgency and evidence

    assumptions for the regular concession of a prior injunction provision. An exposition of the

    cognitive activity developed in the provisional guardians is made in the horizontal and vertical

    plans, observing the close relations between the "evidence" and the evidence elements

    presented in the process, as well as emphasizing the difference in the level of cognition found

    in the emergency and evidence protections. It examines the hypotheses of injunction of

    evidence as previewed in art. 311 of the Code of Civil Process, pointing out criticism about

    the composing of some of its paragraphs, as well as presenting suggestions for a better use of

    the norm under study. It observes the use of evidence protection in the phase of appeal, in

    cases involving the Public Treasury and the possibility of carrying out legal process business

    on the evidence of a certain right. It discusses about the evolution of paradigms of

    constitutional law and systemic theory within constitutionalism, placing the Constitution as an

    element that influences and is influenced by social relations. An approach is made about the

    summarization of procedural cognition as of the constitutional principles of the legal process,

    reasonable length of process, and the effective access to justice, with special emphasis on the

    "marginal damage" issue, which comes about due to the delay in the procedural process itself,

    regardless of the judicial protection, which affects all subjects in the process. It points to the

    difficulty of reconciling the desire for celerity in the procedure with the fundamental

    guarantees of the process, considering that constitutional values will collide quite frequently,

    causing the judge to inevitably consider prudence. Lastly, a more specific analysis of the

    constitutionality of the protection of evidence as set forth in the clauses and single paragraph

    of article 311 of Law 13,105/2015 is more precisely analyzed, highlighting the great doctrinal

    discussion regarding the concession of injunction of evidence without the counterclaim of the

    opposing part, where the possibility of postponing the right to the contradictory is questioned,

    even in cases in which no urgency is needed.

    Keywords: Temporary Injunction; Evidence Injunction; Cognition; Evidence; Time;

    Effectiveness; Constitutional principles.

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10

    2 TUTELAS PROVISÓRIAS ................................................................................................ 13

    2.1 TERMINOLOGIA ADOTADA ......................................................................................... 17

    2.2 O DIREITO EVIDENTE E O ORDENAMENTO PROCESSUAL. ................................. 18

    2.3 A COGNIÇÃO JUDICIAL E A EVIDÊNCIA DO DIREITO .......................................... 28

    2.3.1 Prova, evidência, verossimilhança e probabilidade .................................................... 31

    2.3.2 Grau de cognição nas tutelas de evidência e de urgência .......................................... 38

    3 A TUTELA DE EVIDÊNCIA E A PREVISÃO DO CPC/2015 ...................................... 41

    3.1 TUTELA DE EVIDÊNCIA EM RAZÃO DO ABUSO DO DIREITO DE DEFESA OU O

    MANIFESTO PROPÓSITO PROTELATÓRIO ..................................................................... 45

    3.2 TUTELA DE EVIDÊNCIA QUANDO AS ALEGAÇÕES DE FATO PUDEREM SER

    COMPROVADAS APENAS DOCUMENTALMENTE E HOUVER ORIENTAÇÃO

    JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADA. ............................................................................... 50

    3.3 TUTELA DE EVIDÊNCIA NOS CASOS DE CONTRATO DE DEPÓSITO. ................ 57

    3.4 TUTELA DE EVIDÊNCIA COM BASE EM PROVA DOCUMENTAL E AUSÊNCIA

    DE CONTESTAÇÃO SÉRIA. ................................................................................................. 60

    3.5 TUTELA DE EVIDÊNCIA SEM A OUVIDA DA PARTE CONTRÁRIA. .................... 64

    3.6 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FASE RECURSAL ....................................................... 67

    3.7 TUTELA DE EVIDÊNCIA E NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ........................... 70

    3.8 TUTELA DE EVIDÊNCIA E A FAZENDA PÚBLICA. ................................................. 71

    4 EVOLUÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL E SUA PREPONDERÂNCIA

    SOBRE O PROCESSO CIVIL. ............................................................................................ 75

    4.1. PARADIGMAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL ..................................................... 75

    4.2. A TEORIA SISTÊMICA NO CONSTITUCIOLISMO CONTEMPORÂNEO ............... 80

    5 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO, A TUTELA SUMÁRIA DE

    DIREITOS EVIDENTES E O ACESSO À JUSTIÇA. ....................................................... 84

    5.1 A SUMARIZAÇÃO DA COGNIÇÃO PROCESSUAL SOB A ÓTICA

    CONSTITUCIONAL ............................................................................................................... 87

    5.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS CONSECTÁRIOS ............................................ 89

  • 5.3 PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: RELAÇÃO ENTRE

    TEMPO E PROCESSO ............................................................................................................ 93

    5.3.1 Dano marginal ............................................................................................................... 98

    5.4 PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA ........................................................................... 101

    5.4.1 Ondas renovatórias do acesso à justiça ..................................................................... 103

    5.4.2 Princípio do acesso à justiça no direito brasileiro. ................................................... 105

    5.4.3 Elementos trazidos pelo novo CPC na busca pelo acesso e efetividade da tutela

    jurisdicional ........................................................................................................................... 108

    5.5 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA TUTELA DE EVIDÊNCIA.............. 110

    6 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 121

    REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 125

  • 10

    1 INTRODUÇÃO

    Cada vez mais o fenômeno da sumarização do processo vem ganhando

    destaque dentro do ordenamento jurídico de vários países, a exemplo de França e Itália, não

    sendo diferente no direito processual brasileiro, que recentemente foi alvo de relevantes

    modificações em razão do novo Código de Processo Civil, em vigor desde o mês de março de

    2016.

    Para alguns doutrinadores, o maior prestígio recentemente atribuído às tutelas

    de cognição verticalmente limitada vem causando uma verdadeira alteração nas estruturas do

    processo civil moderno. Assim, partindo da ideia de que muitas dessas alterações são

    fundamentadas sob o argumento de que está se buscando uma efetiva implementação dos

    comandos constitucionais inerentes ao processo, é que se propõe a presente pesquisa acerca

    da tutela dos direitos evidentes sob a ótica dos princípios constitucionais do processo.

    Conforme será visto ao longo do presente trabalho, a tutela diferenciada em

    razão da sumarização da cognição, seja de urgência ou de evidência, tem influenciado

    diretamente no desenvolvimento do processo civil e no comportamento dos sujeitos do

    processo. Razão pela qual é feita a abordagem dos limites e benefícios das tutelas

    diferenciadas, dando-se destaque para a tutela de evidência nos termos até então previstos em

    nosso ordenamento processual e agora especificamente regulados por meio das hipóteses

    elencadas no Código de Processo Civil.

    Buscar-se-á analisar o difícil equilíbrio entre o valor segurança jurídica e o

    valor celeridade, a quem o legislador infraconstitucional brasileiro tem dado tanto prestígio

    desde a Emenda Constitucional nº 45. Por vezes, a celeridade vem sendo considerada como

    sinônimo de prestação jurisdicional efetiva, conforme pode ser percebido das sucessivas

    metas impostas ao judiciário. A dificuldade em se encontrar o meio termo entre a busca pela

    celeridade do procedimento e as garantias fundamentais do processo vem sendo tomada como

    o desafio do milênio para os estudiosos da relação processo e constituição.

    Com relação à análise da constitucionalidade da tutela de evidência

    propriamente dita, será destacado que sobre a utilização de técnicas para a inversão do ônus

    do tempo no processo não existem grandes discordâncias sobre a sua possibilidade, tendo em

    vista que tal medida prestigia a efetividade processual diante de certas condutas tomadas no

    feito. Havendo uma maior celeuma doutrinária em relação aos casos em que se busca a tutela

    de evidência sem a ouvida da parte contrária.

    Vários serão os entendimentos apresentados, tanto a favor como contra a

  • 11

    possibilidade concessão liminar da tutela de evidência, contudo, o que se buscará transmitir é

    a ideia de que a técnica de tutela jurisdicional diferenciada calcada na evidência do direito,

    mesmo sendo de cognição sumária, é um meio eficaz para combater o abuso do direito de

    defesa e o dano marginal decorrente da própria tramitação processual, possibilitando que a

    parte requerente obtenha o bem da vida antes do transcurso do tempo “normal” de um

    processo de ampla cognição, ainda mais se considerado que no plano prático existe uma

    grande dificuldade em se garantir simultaneamente o direito à tempestividade da tutela e o

    direito à cognição definitiva.

    Por intermédio de pesquisa bibliográfica, feita por meio de fontes secundárias

    como livros e revistas especializados, publicações avulsas, outras pesquisas e dissertações

    anteriores, serão expostos vários posicionamentos doutrinários acerca do minimalismo

    processual, com foco na tutela de evidência, o que, forçosamente, leva ao estudo dos

    princípios do devido processo legal, da razoável duração do processo e do acesso à justiça.

    O trabalho se iniciará com uma abordagem acerca das tutelas sumárias e suas

    transformações ao longo da vigência do CPC/1973, em que para concessão de medida

    cautelar ou antecipação de tutela eram exigidos cumulativamente os pressupostos da urgência

    e da fumaça do bom direito, até se chegar na previsão do CPC/2015, que traz no seu Livro V

    da Parte Geral a normatização da agora denominada “Tutela Provisória”, que pode ser

    fundamentada na urgência ou apenas na evidência do direito pretendido.

    No ponto seguinte do capítulo dedicado às tutelas provisórias, serão expostos

    os motivos para utilização da expressão “tutela de evidência”, e não “tutela da evidência”,

    divergindo da terminologia trazida pelo novo Código.

    Dando seguimento, apresentar-se-á um cotejo sobre a presença de mecanismos

    processuais voltados para proteção do direito evidente dentro do nosso ordenamento

    processual como um todo, inclusive apontando algumas técnicas estrangeiras que diretamente

    influenciaram nosso código de processo. Também será delineado um estudo sobre a cognição

    judicial e suas peculiaridades perante a evidência do direito, defendendo-se que na tutela de

    evidência existe uma cognição vertical mais profunda do que na tutela de urgência.

    Já o terceiro capítulo da dissertação trará uma exposição exauriente sobre as

    hipóteses de tutela de evidência insculpidas no CPC/2015, com suas principais características,

    como também apontará algumas críticas sobre a forma que instituto foi positivado. Abordar-

    se-á, ainda, a aplicação da técnica da tutela de evidência na fase recursal e contra a Fazenda

    Pública, tendo em vista as limitações existentes em normas infraconstitucionais.

    Contextualizando o estudo do direito constitucional com o direito processual,

  • 12

    no quarto capítulo será feita uma breve abordagem da evolução do direito constitucional, no

    qual se demonstrará que a evolução dos seus paradigmas indubitavelmente se deu por

    intermédio de influências externas ao direito, influências sociais, que diretamente ajudaram a

    conformar o ordenamento jurídico como um todo, influenciando, consequentemente, nas

    normas processuais que atualmente se submetem a um verdadeiro modelo constitucional do

    processo, e, por vezes, são pensadas com base nos ideais neoliberais. Sendo impossível pensar

    o direito como algo estanque, conforme explica a teoria sistêmica do constitucionalismo.

    Por fim, no último capítulo do trabalho, será elaborada uma análise da

    constitucionalização do processo e suas fortes consequências dentro do atual sistema

    processual brasileiro, uma vez que o código revogado foi elaborado anteriormente à

    Constituição de 1988, o que acarretou em sucessivas alterações na Lei 5.869/1973.

    Como também será feita uma abordagem sobre o fenômeno da sumarização da

    cognição processual e a necessidade de se respeitarem os princípios constitucionais do

    processo, com destaque para os princípios do devido processo legal e da razoável duração do

    processo, ponderando os elementos que podem contribuir ou prejudicar no justo tramitar

    processual, considerando, inclusive, a figura do dano marginal, decorrente da simples demora

    em se prestar a tutela jurisdicional, como um dos legitimadores para concessão da tutela

    provisória de evidência.

  • 13

    2 TUTELAS PROVISÓRIAS

    Na recente história do nosso ordenamento processual, temos que o revogado

    Código de Processo Civil, em razão da inovação trazida pela Lei nº 8.952/1994, passou a

    diferenciar a tutela cautelar e a tutela antecipatória, atribuindo-lhes pressupostos

    individualizados para sua concessão, o que gerava grande discussão doutrinária. Até a referida

    lei, o CPC/1973 previa apenas as tutelas de urgência cautelares, as quais eram reguladas por

    meio de um livro próprio na codificação processual1.

    Por intermédio da nova redação do art. 273 trazida pela Lei nº 8.952/1994 se

    estabeleceu que o juiz poderia, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os

    efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, fosse

    convencido da verossimilhança da alegação.

    Conforme Eduardo Talamini, com a nova previsão se criou uma grande zona

    cinzenta acerca da distinção dos institutos, situação que só foi contornada por meio da Lei nº

    10.444/2002, que incluiu o §7º no art. 273, prevendo a possibilidade de fungibilidade entre as

    medidas2. Não fazendo mais sentido o indeferimento de medida cautelar unicamente porque

    havia sido equivocadamente nominada de tutela antecipada, ou vice-versa3.

    Porém, em que pese a grande evolução trazida pelas Leis nº 8.952/94 e nº

    10.444, o CPC/73 não fazia distinção entre as tutelas de urgência e de evidência. Até então,

    para a concessão de um provimento liminar, cautelar ou antecipatório, exigia-se a presença

    combinada dos pressupostos4 da verossimilhança e da urgência.

    Fazendo um estudo sob o viés pragmático e observando a jurisprudência acerca

    das tutelas provisórias, Eduardo José da Fonseca Costa observou que os citados pressupostos

    não eram encontrados de forma igualitária nas decisões. Havendo situações em se fazia

    1 CASTRO, Marcello Soares. Tutela de urgência e tutela de evidência: limites e possibilidades de um regime

    único. In: FREIRE, Alexandre; et al. (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 290.

    2 TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência no projeto de novo código de processo civil: a estabilização da

    medida urgente e a „monitorização‟ do processo civil brasileiro. In: Revista de Processo, v. 209, 2012, p. 13-

    34. 3 MITIDIERO, Daniel. Antecipação de tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: Revista

    dos Tribunais, 2013, p. 163. 4 Alguns doutrinadores se preocupam em distinguir os termos “pressuposto”, “requisito” e “condição”, e nas

    palavras de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, “quando se fala em “pressuposto”, se está no terreno da

    existência ou não existência do fenômeno jurídico; se se fala em “requisito”, já se alcança etapa

    superveniente, que é a da validade ou não do fenômeno jurídico; ao ser abordada a “condição”, ganha-se a

    linha de eficácia ou de extinção do fenômeno jurídico”.Cf. VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. O

    pressuposto, o requisito e a condição na teoria geral do direito e no direito público. Revista da faculdade de direito da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 21, n. 13, p. 185-202, out. 1973, p. 186. Disponível

    em . Acesso em 10 fev. 2017.

  • 14

    presente em maior grau o periculum in mora, e em outras que predominava o fumus boni

    iuris. Feita tal constatação, o referido autor enumerou vários tipos de liminar de acordo com o

    grau de presença de cada pressuposto: “tutela de evidência extremada e de urgência não

    extremada”, “tutela de urgência extremada e de evidência não extremada”, “tutela de

    evidência e urgência extremadas”, bem como “tutela de evidência e urgência não

    extremadas” 5.

    Contudo, além dos casos em que se fazem presentes de maneira conjunta o

    periculum in mora e o fumus boni iuris, sejam em maior ou menor grau, o que é típico das

    tutelas liminares cautelares ou satisfativas, também existem situações em que um pressuposto

    se fará presente em grau tão elevado que o outro se torna dispensável. São as denominadas

    “tutela de urgência extremada pura” e “tutela de evidência extremada pura”, sendo essa

    última o objeto central do presente trabalho.

    Tendo em vista a multiplicidade de situações que podem ser encontradas

    dentro das tutelas liminares, a disciplina legal das tutelas provisórias foi profundamente

    alterada no novo Código de Processo Civil, podendo, agora, fundar-se na urgência ou

    unicamente na evidência.

    A tutela de urgência passa a ser dividida em tutela cautelar e em tutela

    antecipada. O art. 300 estabelece as mesmas exigências para concessão das duas espécies de

    tutela, acabando, assim, com qualquer discussão remanescente sobre a fungibilidade entre

    ambas. As tutelas de urgência, que, como dito, podem ser satisfativas ou cautelares, exigem a

    demonstração da probabilidade6 do direito e o perigo de dano ou do risco ao resultado útil do

    processo.

    A simples leitura no novo código deixa patente que sua sistemática ficou mais

    simples, unificando os pressupostos para a concessão das tutelas cautelar e satisfativa.

    Topologicamente se atribuiu um regime uniforme à tutela antecipada, seja satisfativa ou

    cautelar7.

    Por outro lado, as tutelas de evidência, que serão satisfativas, não havendo a

    possibilidade de sua concessão de forma cautelar, ganham previsão específica e pressupõem a

    5 COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 123-146.

    6 Note-se que o novo código fala em probabilidade, e não mais em verossimilhança. Para Michele Taruffo a

    verossimilhança tem relação com a capacidade descritiva da realidade independente de haver provas,

    enquanto a probabilidade depende de elementos que justifiquem de forma racional a crença em determinado

    fato. Cf. TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Traducción de Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Trotta,

    2002, p. 185. 7 CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

    perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 253.

  • 15

    demonstração de que as afirmações de fato estejam robustamente comprovadas, tornando o

    direito evidente, conforme disposição contida no art. 311 do novo Código de Processo Civil8.

    Como a própria nomenclatura já denota, a tutela de evidência visa garantir, de

    forma mais célere e eficaz, a solução de litígios nos quais o direito pleiteado se encontra

    evidente, não havendo a necessidade de demonstração de perigo de dano ou de risco ao

    resultado útil do processo para que seja concedida. A tutela provisória sem o requisito da

    urgência encontra sustento na atual ideia de processo justo, na busca de efetivação da garantia

    constitucional da razoável duração do processo.

    Para distinguir as modalidades de tutela provisória conforme atualmente

    positivadas em nosso digesto processo, com base em seus fundamentos e finalidades,

    Marinoni aduz que a diferença entre elas é a de que, no caso da evidência, a tutela antecipada

    é concedida com fundamento na prova dos fatos constitutivos e na fragilidade da defesa que

    ainda pretende produzir prova. A tutela baseada na evidência tem como finalidade a melhor

    distribuição do ônus do tempo do processo observando o grau de robustez do direito do autor

    e a debilidade da defesa do réu, afastando-se, assim, da tutela antecipada baseada em perigo

    de dano. A tutela antecipada propriamente dita possui como fundamento a urgência e como

    objetivo a imediata tutela do direito para evitar o dano, enquanto “a tutela de evidência tem

    como fundamento a evidência do direito e a inconsistência da defesa e como fim a inversão

    do ônus do tempo do processo”9.

    Em sentido semelhante, Daniel Mitidiero verbera que o objetivo da tutela de

    evidência é adequar o processo ao maior ou menor grau de evidência do direito pretendido

    pela parte, “tomando a maior ou menor consistência das alegações das partes como elemento

    para distribuição isonômica do ônus do tempo ao longo do processo”, sendo a tutela de

    evidência totalmente “despregada” do perigo, representando importante mudança dentro da

    técnica antecipatória10

    .

    Dentro desse contexto, e conforme suas peculiaridades, temos que a tutela

    provisória no novo código de processo civil se apresenta em duas modalidades, de urgência

    ou de evidência. Podendo a tutela de urgência ser cautelar ou antecipatória, requeridas de

    8 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

    teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

    efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 570. 9 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

    Tribunais, 2017, p. 44. 10

    MITIDIERO, Daniel. Tendências em matéria de tutela sumária: da tutela cautelar à técnica antecipatória.

    Revista do Processo, ano 36, v. 197, jul. 2011, p. 41.

  • 16

    forma antecedente ou incidental11

    . Porém, os fundamentos e finalidades das tutelas

    provisórias são distintos, e, como os próprios nomes já declaram, uma tem fundamento na

    urgência e a outra na evidência, aquela visa evitar o dano e esta última visa melhor distribuir o

    ônus do tempo do processo.

    Preocupado em homogeneizar a matéria, o legislador trouxe nos artigos 294 a

    299 do CPC as disposições gerais acerca da tutela provisória, que, obviamente, se aplicam

    tanto à tutela de evidência como à tutela de urgência. Porém, já existe na doutrina quem

    defenda que algumas disposições específicas da tutela de urgência também devem ser

    aplicadas à tutela de evidência12

    .

    Dentre as disposições da tutela de urgência que devem ser aplicadas à tutela de

    evidência cita-se a possibilidade de o juiz exigir caução para concessão da tutela nos termos

    do §1º do art. 300, uma vez que tal exigência é inerente ao caráter provisório das tutelas

    sumárias, e a responsabilização da parte requerente da tutela de evidência quando essa for

    cassada e causar prejuízos ao outro litigante, conforme verbera o art. 302 do CPC 13

    .

    Necessário também destacar que a tutela de evidência não pode ser confundida

    com um julgamento antecipado da lide, pois não resolve definitivamente a demanda e está

    sempre sujeita à revogabilidade, não tendo aptidão para formar coisa julgada material14

    .

    11

    RIBEIRO, Luiz Filipe et al. Novo CPC: principais alterações. Teresina: Dinâmica Jurídica, 2016, p. 102. 12

    “O NCPC restringe a vedação à irreversibilidade, exigibilidade de caução e responsabilidade objetiva pela revogação da tutela sumária relativamente à antecipação de tutela fundada na urgência, sendo omisso,

    outrossim, em relação a tal exigibilidade ou vedação quanto à antecipação de tutela sem o requisito da

    urgência, cunhada como tutela da evidência. A nosso sentir, esses mecanismos de balanceamento devem ser

    disciplinados no regime geral das antecipatórias e também contemplar a antecipação de tutela sem o requisito

    da urgência. Não é porque há alta probabilidade do direito do requerente da medida que uma decisão

    provisória deve ser concedida incondicionalmente, sem exame de eventual periculum in mora reverso ou

    confronto com a probabilidade de quem cumpre a decisão provisória sagrar-se vencedor ao final da

    demanda” Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência:

    panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 249. 13

    RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória: tutela de urgência e evidência. 2 ed. rev. São Paulo:

    Revista dos Tribunais, 2016, p. 200. 14

    Fazendo distinção entre o julgamento antecipado do processo e a tutela de evidência, Humberto Theodoro

    Júnior aduz que “quando se pensa em tutela da evidência, a primeira ideia é a de uma proteção sumária para

    um direito incontestado ou inconteste, suficientemente provado, de modo que a respectiva proteção judicial

    possa ser concedida de imediato, sem depender das diligências e delongas do procedimento comum, e

    mesmo, sem necessidade de achar-se, o direito, sujeito a risco de dano iminente e grave (NCPC, art. 311).

    Não é, porém, no sentido de uma tutela rápida e exauriente que se concebeu a tutela que o novo Código de

    Processo Civil denomina de tutela da evidência, a qual, de forma alguma, pode ser confundida com um

    julgamento antecipado da lide, capaz de resolvê-la definitivamente. Não foi, com efeito, com vistas a uma

    produção jurisdicional definitiva que a questionada tutela se inseriu no mesmo gênero em que as tutelas de

    urgência figuram. O intuito normativo foi o de permitir que tanto as tutelas de urgência como a da evidência

    pudessem ser prestadas em procedimentos e com requisitos comuns, de modo a autorizar o emprego do

    rótulo abrangente de tutelas sumárias. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual

    Civil: Teoria Geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57 ed.

    rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 1, p. 612.

  • 17

    A concessão da tutela de evidência ganha relevo nos casos em que o direito

    pretendido não pode ser seriamente contestado pela parte adversa, mas, mesmo assim, é feito

    requerimento de produção de prova ou são adotadas medidas nitidamente procrastinatórias15

    .

    No momento em que é concedida tutela provisória, quem passa a suportar o ônus do tempo é

    aquela parte que insiste em litigar mesmo não possuindo condições de apresentar uma defesa

    séria.

    2.1 TERMINOLOGIA ADOTADA

    Tendo em vista que o presente trabalho irá tratar mais detalhadamente da

    prestação jurisdicional de cognição sumária com base na evidência do direito,

    independentemente de urgência, e para que ele se mostre coerente com a ideia que será

    desenvolvida, destaca-se que a forma como o Título III do Livro V do CPC foi redigido vem

    sendo alvo de críticas por parte da doutrina especializada, uma vez que em sua escrita traz a

    expressão “tutela da evidência”, transparecendo a ideia de que é a evidência propriamente dita

    que se pretende tutelar, quando, na verdade, se antecipa o provimento jurisdicional em razão

    do direito evidente, que é aquele que não deixa dúvidas ou se mostra suficientemente robusto

    para concessão da medida pleiteada.

    Atento a tal detalhe, Paulo Caputo entende que a boa técnica legislativa não

    deveria ter admitido a grafia como está posta no citado título, e, consequentemente, no art.

    311 do CPC, pois não se tutela a evidência, mas se dá tutela antecipada pela evidência,

    sugerindo o citado autor que o instituto fosse chamado de “tutela de ou pela evidência”16

    .

    No mesmo sentido, reconhecendo o problema da terminologia utilizada pelo

    atual código, Bruno Bodart esclarece que a evidência guarda estrita relação com a prova, em

    que quanto mais fortes são os elementos apresentados para formação do convencimento do

    julgador, maior será o grau de evidência. Assim, considerando que o que se busca não é

    tutelar a própria prova, mas sim o direito da parte, tem-se como mais adequada a expressão

    “tutela de evidência”17

    .

    15

    Nesse sentido, Marinoni adverte que “a tutela de evidência somente tem razão de ser quando a defesa requer

    instrução dilatória, podendo adiar o momento de realização do direito. Quando a defesa pode ser

    imediatamente apreciada, independentemente da produção de prova pericial ou testemunhal, obviamente não

    há motivo para tutela de evidência, bastando ao juiz proferir sentença”. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme.

    Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 44. 16

    CAPUTO, Paulo Rubens Salomão. Código de processo civil articulado: remissões, referências, comentários

    e notas. 2 ed. Leme (SP): JH Mizuno, 2016, p. 323-324. 17

    BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

    processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 112.

  • 18

    Nesse sentir, considerando que a evidência é um elemento que possibilita a

    utilização de técnica processual diferenciada para melhor proteger o direito da parte, não se

    tratando de um fim em si mesmo, ao longo desta dissertação será preferencialmente utilizada

    a expressão “tutela de evidência”18

    , pois, na essência, temos uma tutela provisória baseada em

    evidência e não a tutela da própria evidência.

    Enxergar de outra forma seria o mesmo que pensar o processo de forma isolada

    e neutra, tutelando um próprio pressuposto. É necessário entender que a técnica processual

    serve para atender às tutelas previstas no direito material, em consonância com os direitos

    fundamentais e as peculiaridades de cada caso19

    .

    2.2 O DIREITO EVIDENTE E O ORDENAMENTO PROCESSUAL

    Muitos ainda pensam que a prestação de uma tutela jurisdicional em razão da

    evidência do direito é uma novidade trazida só agora pelo Código de Processo Civil de 2015,

    pouco sabendo sobre sua essência e características. Contudo, tanto no direito estrangeiro

    como no direito nacional, várias ferramentas processuais clássicas são alicerçadas no direito

    evidente20

    .

    Historicamente se pode dizer que a tutela de evidência finca raízes nos

    “interditos romanos”, nos quais se permitiam determinações sem maiores questionamentos

    sobre os fatos, justamente porque já estava evidenciado o direito do requerente. Com base na

    evidência, os procedimentos "pretórios" autorizavam a decretação de obrigações de fazer e

    obrigações de não fazer21

    .

    18

    Analisando a terminologia trazida pelo novo código por um prisma diferente, Daniel Penteado defende que seria mais adequado usar a expressão “antecipação de tutela sem o requisito da urgência”, pois, no seu

    entender, a expressão “tutela da evidência” soa muito ampla. Afirma que “o direito pode restar evidente

    quando do julgamento de recurso de apelação ou outros recursos que reformam decisão anterior, hipóteses

    que não guardam ligação alguma com verdadeira antecipação, encurtamento de procedimento ou outra

    hipótese que, de alguma forma, autoriza o imediato cumprimento de decisão jurisdicional de forma abreviada

    ao procedimento”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência:

    panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 132-133. 19

    MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

    Tribunais, 2017, p. 29. 20

    Em obra coletiva dedicada às novas tendências do processo civil, o professor e juiz federal Frederico Koehler

    já destacava que “o estudo da tutela de evidência vem ganhando fôlego nos últimos tempos. Suas raízes,

    todavia, são antigas. Pode-se falar, até mesmo, em origens romanas do instituto. Não há sentido em dizer que

    se trata de uma novidade jurídica. O Novo CPC em vias de ser aprovado pela Câmara dos Deputados apenas

    consolida algo já existente de há muito. Não haverá criação no direito positivo pátrio do instituto da tutela de

    evidência”. Cf. KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos

    efeitos da tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas

    Tendências do Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v.

    2, p. 615. 21

    CUENCA, Humberto. Processo civil romano. Buenos Aires: E.J.E.A, 1957, p. 331.

  • 19

    Também como exemplo histórico da presença da tutela de evidência nos

    ordenamentos jurídicos, pode-se citar a possibilidade de autotutela nas questões possessórias.

    Em que vários países, desde muito tempo, trazem previsão do uso da força para evitar atos

    evidentes de turbação ou esbulho, como é caso do Código Civil da Suíça de 1907, que em seu

    art. 926 prevê que: "o possuidor tem o direito de repelir pela força todo o ato de usurpação

    ou de turbação".

    Outro equívoco recorrente, ainda mais frequente depois da entrada em vigor do

    novo código de processo, é achar que a evidência serve apenas às tutelas provisórias. Quando,

    na verdade, em determinados procedimentos o direito evidente dá ensejo à tutela definitiva, de

    caráter exauriente.

    Como exemplos de tutela definitiva fundadas na evidência, temos a criação dos

    procedimentos especiais do mandado de segurança e da ação monitória, como também, a

    possibilidade de instauração da execução definitiva por credor que possua título executivo

    extrajudicial22

    . No mesmo sentido, Leonardo Carneiro da Cunha afirma que a evidência é

    pressuposto que de serve base tanto para a tutela definitiva, como para tutela provisória, o

    qual também cita os exemplos do mandado de segurança e da ação monitória23

    .

    Para Luiz Fux a tutela da evidência no Brasil tem íntima relação com o direito

    líquido e certo, sendo o mandado de segurança “o protótipo do procedimento estabelecido em

    consonância com o direito material objeto do juízo”. Afirma o autor que os procedimentos

    decorrentes do direito comum eram insuficientes para tutelar os direitos evidentes, líquidos e

    certos, o que acarretou na criação de procedimento específico24

    .

    De acordo com Fredie Didier, o termo evidência, processualmente dito,

    caracteriza-se como “uma situação processual em que determinados direitos se apresentam em

    juízo com mais facilidade do que outros. Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados

    de direitos evidentes, e por serem evidentes merecem tratamento diferenciado”25

    .

    22

    DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil:

    teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos

    efeitos da tutela. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 618. 23

    CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 13 ed. tot. ref. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.

    316. 24

    FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano

    2, n. 16, p. 23-43, abril de 2000. Disponível em: . Acesso

    em: 23 fev. 2017 25

    DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 6 ed. Salvador: Podivm, 2010. v. 2, p. 408.

  • 20

    No ano de 1996 o Ministro Luiz Fux já se preocupava com o tema em estudo

    ante a sua relevância para formação de tutelas diferenciadas26

    , e lecionava que a tutela de

    evidência tem relação com as pretensões em que o direito da parte se mostra evidente, típico

    do mandado de segurança, que cobra a existência do direito líquido e certo. Sendo até

    desnecessária a demonstração de perigo para a obtenção do provimento jurisdicional,

    bastando a probabilidade de certeza do direito alegado. Conforme Fux, “é evidente o direito

    cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou ao menos impassíveis

    de contestação séria”27

    .

    Sobre as críticas que afirmam que a tutela satisfativa não poder ser baseada em

    cognição sumária, Luiz Fux entende que tais críticas não se aplicam às tutelas de evidência,

    aqui compreendidas em sentido amplo, uma vez que, para o citado autor, a “evidência do

    direito propicia „cognição exauriente imediata‟, a mesma que se empreenderia ao final de um

    processo onde fossem necessárias etapas de dissipação da incerteza quanto ao direito alegado”

    28. Em sentido contrário, sobre a profundidade da cognição, Leonardo Greco entende que só

    poderá se falar cognição exauriente após ter sido dada oportunidade de apresentação dos

    fundamentos da defesa, antes disso qualquer atividade cognitiva, em respeito ao contraditório,

    deve ser considerada como sumária29

    .

    O código de Buzaid, mesmo sem fazer menção expressa à tutela de evidência,

    trazia vários dispositivos que implicitamente prestigiavam o direito evidente, como é caso do

    famoso artigo 333, agora reproduzido no art. 373 do CPC/2015, referente ao ônus da parte de

    demonstrar a evidência de seu direito por meio da prova, e o antigo artigo 334 (374 do

    CPC/2015) que traz um rol de fatos que pela sua natureza são tão evidentes que não

    26

    Sobre as tutelas diferenciadas, Dierle Nunes aponta que o tema “passou a ser objeto do debate da ciência processual a partir do trabalho de Proto Pisani publicado em 1973, partindo-se do pressuposto óbvio da

    necessidade de diversidade de técnicas processuais para as diversas hipóteses de direito material a ser

    aplicado e analisando que a questão somente pode ser devidamente colocada em discussão a partir daquele

    momento histórico em face da viabilidade de pensar uma quebra com o modelo neutro e único dos processos

    ordinários de cognição plena, presumidamente predispostos a permitir o julgamento de qualquer caso. Os

    modelos processuais diferenciados seriam delineados com a intenção de garantir as mais idôneas formas de

    tutela para as várias categorias de situações jurídicas merecedoras de tutela jurisdicional”. Cf. NUNES,

    Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir da

    diversidade de litigiosidade. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 35, n. 184, p. 109-

    140, jun. 2010, p. 115. 27

    FUX, Luiz. Tutela da Segurança e Tutela de Evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo:

    Saraiva, 1996, p. 313. 28

    FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano

    2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: . Acesso em:

    23 fev. 2017 29

    GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no código de processo civil de 2014/2015.

    Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, ano 8, v. 14, n. 1, p. 309.

  • 21

    dependem de prova30

    . Dentro do devido contexto processual, “évidence, do francês, ou

    evidence, do inglês, significam prova” 31

    .

    Exemplo clássico de provimento jurisdicional liminar assentado na estrita

    observância do direito evidente era o art. 1.051 do CPC/1973, que tratava de embargos de

    terceiro32

    , e dizia que “julgando suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente

    os embargos e ordenará a expedição de mandado de manutenção ou de restituição em favor do

    embargante”.

    Segundo o professo José Bedaque, a liminar possessória trazida pelo art. 928

    do CPC/1973, agora insculpida no art. 562 do NCPC, também é uma forma de provimento

    jurisdicional que independe da demonstração de perigo, bastando para sua concessão que a

    petição inicial esteja a devidamente instruída33

    .

    Além dos artigos acima citados, o inciso II e o §6º do art. 273 do CPC/73

    também são exemplares da presença da tutela de evidência no código de processo revogado,

    sendo tais dispositivos os mais referidos pela atual doutrina que estuda o tema34

    .

    De acordo com o inciso II do art. 273 do código antigo o juiz, a requerimento

    da parte, poderia antecipar os efeitos da tutela pretendida, desde que existisse prova

    inequívoca e ficasse caracterizado abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito

    30

    Diante das possibilidades já existentes no CPC/73, indo contra a ideia de colocar a tutela de evidência como

    uma novidade, Daniel Penteado afirma que “a tutela da evidência não se aproxima de uma nova espécie de

    tutela jurisdicional, seja (i) do ponto de vista do efeito ser praticamente o mesmo dentre as concepções

    existentes, seja, (ii) sob a perspectiva do meio ou forma que a tutela é prestada, a deixar de carrear novidade

    que a diferencie das técnicas já presentes no sistema. Vale dizer, diferentemente de uma “tutela da

    evidência”, é aceitável dizer antecipação de tutela: determinadas hipóteses da já existente antecipação de

    tutela, diversamente, podem dispensar a urgência, inexistindo margem, portanto, para falar de “tutela” sob o

    perfil ou ótica de qualquer inovação”. Cf. CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador:

    JusPodivm, 2017, p. 280. 31

    BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

    processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 112. 32

    CPC/73 - art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por

    ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial,

    arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio

    de embargos. 33

    BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

    (tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 333. 34

    Luiz Guilherme Marinoni afirma que foi através do art. 273 do CPC/73 que pela primeira vez no direito

    brasileiro se introduziu no interior do procedimento comum uma técnica capaz de permitir a distribuição do

    tempo do processo. Para o autor “a distribuição do ônus do tempo no procedimento comum é imprescindível

    para a democratização do processo civil, pois evita que o tempo seja tratado de forma diferenciada apenas

    diante de procedimentos especiais, que, como o próprio nome indica, preocupam-se apenas com situações

    especiais, esquecendo que a questão da distribuição do tempo é vital diante de toda e qualquer situação

    litigiosa concreta.” Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São

    Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 278.

  • 22

    protelatório do réu. Previsão essa que foi quase que integralmente repetida no inciso I do art.

    311 do CPC/2015, que trata especificamente da tutela de evidência35

    .

    Já o § 6º do art. 273 do CPC/73 trazia a possibilidade da concessão de tutela

    antecipada quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostravam-se

    incontroversos. Hipótese em que a não resistência ao direito pretendido o tornava evidente,

    possibilitando a antecipação da tutela36

    .

    Note-se que tanto no inciso II como no § 6º do art. 273 do CPC/73 a urgência

    não era elemento preponderante, até poderia existir de acordo com o caso concreto, mas não

    seria essencial para concessão da tutela antecipada. O que realmente importava era a forma

    como o direito ganhava força nos autos, seja por ser incontroverso ou pela conduta da outra

    parte, que notoriamente estava apenas tentando ganhar tempo37

    .

    É o que o doutrinador Eduardo José da Fonseca Costa denomina de tutela de

    evidência extremada sem urgência, na qual “a estreiteza da cognição sumária não é suficiente

    para ceifar o direito de sua ululante evidência”38

    , pois, mesmo que não exista risco de dano ao

    requerente, ou tal risco seja mínimo, deve o juiz conceder a tutela pretendida em face da sua

    certeza ou quase-certeza.

    No mesmo sentido, tratando do inciso II do art. 273 do CPC, Marinoni e Daniel

    Mitidiero asseveram que tal tutela antecipatória independe de perigo de dano. Lastreando-se

    basicamente na maior evidência das alegações da parte autora quando comparadas com os

    argumentos da parte ré39

    .

    35

    Conforme Daniel de Oliveira Pontes, “a antecipação de tutela por atos protelatórios e abusivos foi a primeira modalidade de proteção diferenciada ao direito evidente no âmbito do procedimento comum. Ela foi

    instituída pela Lei 8.952/1994, que incluiu o inc. II ao art. 273 do CPC de 1973. Lamentavelmente, contudo,

    acabou subutilizada em nosso ordenamento”. Cf. PONTES, Daniel de Oliveira. A tutela de evidência no

    novo Código de Processo Civil: uma gestão mais justa do tempo na relação processual. Revista de Processo,

    São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 41, v. 261, p. 341-368, nov. 2016, p. 355. 36

    Como correspondente do § 6º do art. 273 do CPC/73 temos no CPC/2015 o art. 356, conforme indicado pelo

    Prof. José Miguel Garcia Medina no seu quadro comparativo CPC/1973 > CPC/2015, disponível em

    . Com a diferença que o novo CPC retirou a tutela do pedido incontroverso do rol das decisões

    provisórias, a colocando dentro do capítulo do julgamento conforme o estado do processo. Logo, pode-se

    dizer que é a evidência do direito que possibilita o julgamento definitivo antecipado do feito. 37

    Sobre exemplos de aplicação prática da tutela de evidência antes da entrada em vigor do CPC/2015, especialmente em matéria tributária e previdenciária, consultar: COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito

    vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 81-84. 38

    COSTA, Eduardo José da Fonseca. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 71 39

    MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado art. por art.. São

    Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

  • 23

    Ainda dentro do código de processo civil de 1973, conforme aponta João Paulo

    Hecker, em seu estudo acerca da tutela de evidência no direito societário40

    , outros exemplos

    de abreviação do procedimento com base na evidência seriam a execução provisória com base

    no art. 475-O, o indeferimento da inicial em pedido manifestamente improcedente (art. 285-

    A), a ampliação dos poderes do relator conforme artigos 544 e 557, citando ainda o então

    inovador julgamento de recursos repetitivos no termos dos artigos 543-B e 543-C,

    introduzidos ao antigo código de processo, respectivamente, pelas leis 11.418/2006 e

    11.672/200841

    .

    Fora do digesto processual, como bem lembra Bruno Bodart, pode-se apontar

    como exemplo de tutela baseada na evidência do direito a decretação liminar de

    indisponibilidade de bens com base no art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa42

    . Há

    bastante tempo os tribunais superiores vêm concedendo a medida prevista no citado artigo

    como sendo uma típica tutela de evidência partindo da ideia que o dano é presumido, sendo

    dispensada qualquer prova concreta de dado ou de atos de dilapidação patrimonial43

    .

    Outro exemplo de tutela sumária que prescinde da demonstração de urgência

    são as hipóteses de liminar para desocupação de imóvel previstas nos incisos do §1º do art. 59

    40

    SILVA, Joao Paulo Hecker da. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência nos Processos Societários. Tese

    de Doutoramento. São Paulo: Universidade de São Paulo – USP, 2012. p. 155. 41

    Tendo vista que o Código de Processo Civil de 2015 foi idealizado para prestigiar os princípios constitucionais

    da razoável duração do processo e efetivo acesso à justiça, e considerando que os meios de abreviação do

    procedimento acima previstos também visavam o mesmo desiderato, o CPC/2015 tratou de manter tais

    mecanismos, mesmo que com algumas alterações, conforme pode ser constatado em seus artigos 332, 520,

    932 e 1.036. Podendo ainda ser citado o art. 919, §1º, que prevê a possibilidade de concessão de efeito

    suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória, incluindo-se,

    assim, a tutela de evidência. Frisando que a previsão do art. 919, §1º traz uma tutela de evidência favorável à

    parte promovida (executado), embora este figure como autor dos embargos. 42

    BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência: Teoria da cognição, análise econômica do direito

    processual e comentários sobre o novo CPC. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 109. 43

    PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º DA LEI 8.429/92. TUTELA DE EVIDÊNCIA.

    COGNIÇÃO SUMÁRIA. PERICULUM IN MORA. EXCEPCIONAL PRESUNÇÃO.

    PRESCINDIBILIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. FUMUS

    BONI IURIS. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE ATOS ÍMPROBOS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO

    REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Primeira Seção desta Corte Superior firmou a orientação no sentido

    de que a decretação de indisponibilidade de bens em improbidade administrativa dispensa a demonstração de

    dilapidação do patrimônio para a configuração de periculum in mora, o qual estaria implícito ao comando

    normativo do art. 7º da Lei 8.429/92, bastando a demonstração do fumus boni iuris que consiste em indícios

    de atos ímprobos (REsp 1.319.515/ES, 1ª Seção, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/

    acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 21.9.2012). 2. No caso concreto, o Tribunal de

    origem expressamente reconheceu a presença do fumus boni iuris (indícios de ato de improbidade

    administrativa), entretanto, afastou a presença do periculum in mora em face da ausência de atos de

    dilapidação patrimonial, o que é desnecessário para a decretação da constrição patrimonial. 3. Agravo

    regimental não provido. Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo AgRg no REsp: 1407616 SC.

    2ª Turma. Ministro Mauro Campbell. Publicação em 02/05/2014. Disponível em

    Acesso em 13 mai. 2017.

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11672.htm#art1

  • 24

    da Lei 8.245/199144

    . Para a concessão da medida liminar basta a demonstração da ocorrência

    de algumas das situações previstas nos incisos I a IX do referido artigo, sendo de direito sua

    concessão, sem a necessidade se comprovar o perigo na demora.

    Para Daniel Penteado de Castro, “a liminar na ação de despejo, em seus mais

    variados fundamentos (...), prescinde da demonstração de dano, a configurar tutela de

    evidência, de onde se extrai a grande probabilidade de êxito da demanda em favor do autor”.

    Daniel Penteado acrescenta que a liminar de busca em apreensão prevista no art. 3º do

    Decreto-Lei nº 911/1969 também se concretiza no mesmo sentido, uma vez que basta a

    demonstração da constituição do devedor em mora em relação ao pagamento das obrigações

    decorrentes do contrato de alienação fiduciária, sendo dispensável o periculum in mora45

    .

    Nos casos do §1º do art. 59 da Lei 8.245/1991 e do art. 3º do Decreto-Lei nº

    911/1969, na busca de uma atividade cognitiva mais rápida, a norma extravagante nitidamente

    inverteu o contraditório em desfavor do devedor46

    . Facilitando ao proprietário do imóvel ou

    ao credor fiduciário a obtenção da tutela que determina o despejo ou a retomada do bem

    negociado por meio de alienação fiduciária.

    No direito estrangeiro, podemos citar o instituto francês do référé, que

    inicialmente era usado apenas em casos de urgência, e posteriormente passou a ser usado em

    outras situações, inclusive naquelas que não exista necessidade de um provimento urgente47

    .

    Os casos de urgência dispensada chamam-se especificamente de référé provision, e, conforme

    leciona Roberta Tiscini, é o típico exemplo de tutela proferida com base no direito evidente,

    tendo em vista a sua patente incontestabilidade48

    , assim, o pressuposto exigido para concessão

    da référé provision é a existência de uma obrigação não seriamente contestável, conforme

    verbera o art. 809 do Code de procédure civile 49.

    Abordando a relevância do instituto do référé, Ada Pellegrini Grinover aponta

    que em 90% dos casos o provimento oriundo do procedimento provisório já é suficiente para

    44

    BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os

    procedimentos a elas pertinentes. 45

    CASTRO, Daniel Penteado de. Antecipação da tutela sem o requisito da urgência: panorama geral e

    perspectivas no novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 120-121. 46

    LEONEL, Ricardo de Barros. Tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 160 47

    THEODORO JÚNIOR, Humberto; ANDRADE, Érico. A autonomização e a estabilização da tutela de

    urgência no projeto de CPC. Revista de Processo, São Paulo, v. 206, abr. 2012, p. 13. No mesmo sentido

    temos PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Tradução de José Carlos

    Barbosa Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 208. 48

    TISCINI, Roberta. I provvedimenti decisori senza accertamento. Torino: G. Giappichelli, 2009, p. 259. 49

    Chapitre Ier: Les ordonnances de référé. (Articles 808 à 811) Art. 809. Dans les cas où l'existence de

    l'obligation n'est pas sérieusement contestable, il peut accorder une provision au créancier, ou ordonner

    l'exécution de l'obligation même s'il s'agit d'une obligation de faire.

  • 25

    conformar as partes, as quais deixam de ingressar com o procedimento ordinário50

    . Além

    disso, diferentemente do ordenamento brasileiro e italiano, o código de processo civil francês

    põe dentro do référé os diversos tipos de tutelas sumárias, como, por exemplo, as medidas

    cautelares e as tutelas de urgência e de evidência.

    Para Roger Perrot, com a técnica do référé todos ganham: “o autor, que terá

    obtido rapidamente o que lhe era devido, e a Justiça, que terá economizado um longo

    processo, ao desencorajar uma resistência sem esperança”. Para o citado autor, o référé

    provision foi uma das inovações mais significantes do direito francês51

    .

    Na provision não se requer o pressuposto da urgência, não podendo o juiz

    exigir uma incontestabilidade absoluta do direito pleiteado, sob pena de limitar

    excessivamente a finalidade do référé provision, que é uma forma de tutela dos direitos

    evidentes, pois tal ferramenta do direito francês visa exatamente à antecipação da tutela

    judicial nos casos em que a obrigação não é seriamente contestável, muito se assemelhando à

    nossa tutela de evidência52

    .

    Já no direito italiano, a tutela de evidência pode ser nitidamente percebida por

    intermédio dos procedimentos monitórios, muito prestigiados naquele país. Para se ter uma

    ideia da importância da tutela diferenciada por meio da técnica monitória na Itália, é valioso o

    levantamento feito por Proto Pisani, o qual aponta que por ano são proferidos mais de 800 mil

    decretos injuntivos, evitando-se o custo do processo de cognição plena, enquanto são exaradas

    pouco mais de um milhão e cem mil sentenças oriundas de processos de cognição

    exauriente53

    .

    Tanto no direito italiano como no direito francês, as tutelas diferenciadas com

    base na evidência do direito pleiteado representam boa parte prestação jurisdicional daqueles

    países, evitando-se processos longos, de alto custo e ainda conseguindo entregar ao

    jurisdicionado uma tutela que lhe deixe satisfeito, ou, pelo menos, conformado.

    Partindo da jurisdição administrativa italiana, Fux já alertava sobre a

    necessidade de um tratamento específico para a tutela de evidência, afirmando que os

    50

    GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional diferenciada: antecipação e sua estabilização. In ______. O

    processo: estudos e pareceres. São Paulo: Perfil, 2005, p. 42. 51

    PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Tradução de José Carlos Barbosa

    Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 208. 52

    MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela de evidência. 1 ed. São Paulo: Revista dos

    Tribunais, 2017, p. 282. 53

    PISANI, Andrea Proto. Verso la residualità del processo a cognizione piena? Revista de processo, São Paulo,

    Revista dos Tribunais, v. 31, n. 131, p. 239-249, jan. 2006, p. 244.

  • 26

    procedimentos específicos até então existentes não se faziam suficientes para dissociar as

    medidas de urgência e evidencia54

    .

    Voltando para o ordenamento processual pátrio, tem-se que o Código de

    Processo Civil de 2015, atento a toda evolução e relevância do direito evidente, buscando

    prestigiar de forma efetiva a figura da tutela diferenciada em razão da evidência, trouxe

    expressamente em seu art. 311 a figura da “tutela da evidência”. Prevendo em seus incisos

    quatro possibilidades de concessão, conforme será visto detalhadamente mais adiante.

    Nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves, o referido artigo do

    CPC/2015 “consagra expressamente o entendimento de que a tutela de evidência independe

    da demonstração de perigo da demora da prestação da tutela jurisdicional, em diferenciação

    clara e indiscutível com a tutela de urgência”55

    .

    Ainda sobre as possibilidades da tutela jurisdicional com base no direito

    evidente, interessante registrar o raciocínio de que a cognição judicial da evidência permite

    não apenas o deferimento ab initio do pedido exordial, como por ser usada para seu

    indeferimento sumário. Podendo o juiz indeferir de plano a tutela imediata pela inexistência

    "evidente" de direito alegado56

    . Sobre tal ponto de vista, vale a análise do §8º do art. 17 da Lei

    de Improbidade Administrativa, que prevê que o juiz, após manifestação prévia do réu, poderá

    rejeitar a ação principal se convencido da inexistência do ato de improbidade57

    . Como se

    percebe, ante a ausência de evidência, a ação de improbidade deve ser sumariamente

    rejeitada, sem sequer se iniciar o rito ordinário. Não se trata de uma tutela de evidência

    propriamente dita, mas a ausência do fator “evidência” é preponderante para rejeitar a ação.

    Quanto ao fundamento constitucional da tutela de evidência, que será melhor

    estudado em tópico específico, tem-se que essa tem como lastro a necessidade de fornecer

    54

    “A existência da jurisdição administrativa na Itália é responsável pela constatação de uma jurisprudência no

    campo da tutela da evidência, somente contra atos de "particulares", notadamente via "provvedimmenti

    d'urgenza". Insta ainda, considerar o processo monitório italiano e suas fundas raízes romanas, que

    informaram tanto os sistemas do civil law quanto do common law da necessidade de instrumentos interditais

    céleres. A tutela da evidência, a despeito dos remédios específicos, vem recebendo tratamento promíscuo

    através da prática da urgência, porque ambas as situações tuteláveis, a urgência e a evidência, reclamam

    sumarização procedimental. No campo da administração pública, várias são as limitações impostas quanto

    aos provimentos contrários aos interesses da entidade nacional. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000.

    Disponível em: . Acesso em: 23 fev. 2017 55

    NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm,

    2016, p. 508. 56

    FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano

    2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em: . Acesso em:

    23 fev. 2017. 57

    BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos

    casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública

    direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

  • 27

    uma tutela adequada para aquelas situações jurídicas diferenciadas, buscando concretizar

    princípios constitucionais como o do acesso à justiça e da efetividade do processo58

    .

    Pode-se até reconhecer que o alto grau de probabilidade de procedência da

    demanda é pressuposto inclusive para a tutela de urgência, porém, há casos em que é possível

    haver uma probabilidade de êxito tão elevada que autoriza a tutela do direito de forma prévia

    independentemente de qualquer urgência59

    .

    Bem observadas as previsões normativas e doutrinárias acerca da tutela do

    direito evidente, parece ser pacífico o entendimento de que o direito evidente é aquele em que

    a pretensão da parte é posta de uma forma tão clara e robusta que o opositor se vê

    impossibilitado de apresentar uma contestação séria e substancial, não havendo razão para se

    trilhar por um caminho de ampla cognição, sob pena de ferir princípios constitucionais do

    processo60

    .

    Porém, como bem observa o professor José Bedaque, é necessário se ter

    cuidado para não transformar a técnica processual sumária em um instituto que privilegia

    apenas uma das partes, comprometendo a isonomia processual61

    . No mesmo sentido, Athos

    Gusmão Carneiro, fazendo remissão a Donaldo Armelin, diz que na aplicação das tutelas

    diferenciadas é imprescindível se tomar cuidado para não se violar a isonomia entre as partes

    litigantes, respeitando-se o princípio da paridade das armas62

    .

    58

    MACÊDO, Lucas Buril. Antecipação da Tutela por Evidência e os Precedentes obrigatórios. Revista do

    Processo, v. 242, p. 523-552, abr. 2015. 59

    Sobre o dever constitucional de se proteger de forma diferenciada os direitos evidentes, sob o manto do

    princípio da isonomia, pois partes com situações jurídicas comprovadamente diferentes não podem ser

    tratadas de forma igual, Luiz Fux, justificando a escolha parlamentar de incluir a tutela de evidência de forma

    expressa no código então em elaboração, explica que “a novidade se operou quanto aos direitos líquidos e

    certos de uma parte em face da outra. Entendeu a comissão que nessas hipóteses em que uma parte ostenta

    direito evidente, não se revelaria justo, ao ângulo do principio da isonomia, postergar a satisfação daquele

    que se apresenta no processo com melhor direito, calcado em prova inequívoca, favorecendo a parte que, ao

    menos prima facie, não tem razão. A tutela de evidência não é senão a tutela antecipada que dispensa o risco

    de dano para ser deferida, na medida em se funda em direito irretorquível da parte que inicia a demanda”. Cf.

    FUX, Luiz. O novo processo civil. In:______. O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito em Expectativa.

    Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 18 60

    A tutela da evidência proposta por Luiz Fux “é mais ampla e alcança todos os níveis de satisfatividade,

    processos e procedimentos, tendo como finalidade estender a tutela antecipatória a todo os direitos evidentes,

    pela inegável desnecessidade de aguardar-se o desenrolar de um itinerário custoso e ritualizado em busca de

    algo que se evidencia no limiar da causa posta em juízo. A parte demandada é que, se pretender perseverar na

    sua resistência, deverá instar o juízo ao prosseguimento para obter, conforme o caso, a reversão ao estado

    anterior ou a condenação do autor em perdas e danos. É o que ocorre, v.g., no despejo liminar, em que a lei

    não prevê a reocupação mas tão-somente a indenização, sendo certo que a reversão ao imóvel não é solução

    inadmitida, a despeito de não prevista”. Cf. FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Jurisprudência do

    Superior Tribunal de Justiça, Brasília, ano 2, n. 16, p. 23-43, abr. 2000. Disponível em:

    . Acesso em: 23 fev. 2017 61

    BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

    (tentativa de sistematização). 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 345. 62

    CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 25-26.

  • 28

    Assim, como forma de melhor compreender a legitimidade da tutela de

    evidência, torna-se imprescindível um estudo detalhado sobre a extensão das matérias sobre

    as quais deve recair o conhecimento do julgador, e como será a construção da convicção do

    mesmo acerca da evidência constante nos autos.

    2.3 A COGNIÇÃO JUDICIAL E A EVIDÊNCIA DO DIREITO

    Para se falar da tutela dos direitos evidentes através de técnicas processuais

    diferenciadas é imprescindível uma abordagem sobre a atividade cognitiva desenvolvida pelo

    julgador e os possíveis níveis de conhecimento que se pode alcançar através das provas e

    fundamentos trazidos pelas partes, uma vez que tais elementos são indissociáveis da formação

    do juízo de valor do magistrado63

    .

    Na Clássica lição de Kazuo Watanabe, a cognição é um ato de inteligência,

    pelo qual o julgador deve considerar, analisar e valorar os argumentos e documentos

    apresentados pelos litigantes, ou seja, as questões de fato e as de direito deduzidas em juízo.

    Por meio de tal atividade cognitiva se estabelece o alicerce, o fundamento, para o julgamento

    do processo. Em sua obra Watanabe usa o termo cognição para indicar a natureza da atividade

    do órgão jurisdicional, defendendo a existência de um elementar “direito à cognição

    adequada” 64

    .

    É por intermédio da cognição que se torna possível conviver com a

    imprevisibilidade da conduta humana, sendo a atividade cognitiva imprescindível em todas as

    ciências. Nas palavras de Hannah Arendt, o conhecer é a mais importante das funções do

    homem65

    .

    63

    “A cognição é completa quando apta a abranger todos os possíveis fundamentos de interesse do autor ou do

    réu; é exauriente quando comporta indagações tão profundas que sejam capazes de eliminar toda possível

    dúvida e incutir certeza no espirito do juiz. Mas nem sempre ela abrange toda a área de possíveis razões de

    fato ou de direito que em tese poderiam influir na existência ou inexistência do possível direito do autor,

    sendo então limitada e não completa; e nem sempre ela se faz com toda a intensidade imaginável, ficando

    somente na superfície das investigações, sendo sumária e não exauriente. A redução da área das questões

    suscetíveis de cognição passa-se no plano horizontal; as limitações à intensidade na busca da verdade e do

    esclarecimento convincente e completo, no vertical. A cognição só tem caráter de universalidade total,

    quando for completa no plano horizontal e exauriente no vertical”. Cf. DINAMARCO, Candido

    Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 3, p. 37. 64

    WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 57-59. 65

    ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia

    das letras, 2008, p. 140.

  • 29

    Por meio da cognição é que o magistrado forma o juízo de valor a respeito das

    questões apresentadas no processo66

    . Heitor Sica acrescenta que é por meio da cognição que

    se possui “ferramenta básica para a instrumentalidade do processo e sua correta compreensão

    revela-se imprescindível para explicar adequadamente um sem-número de fenômenos cada

    vez mais relevantes para o ordenamento processual”67

    .

    Falando do “direito à cognição adequada” defendido por Watanabe68

    ,

    Frederico Koehler esclarece que para o citado autor a cognição nem sempre será exauriente

    justamente por ter que se amoldar ao direito da parte, podendo haver restrições da cognição

    nos planos horizontal e vertical. No primeiro plano o magistrado ficará restrito à análise de

    questões de regularidade do processo, das condições da ação e de questões de mérito,

    enquanto no sentido vertical, que remete ao grau de profundidade, a cognição poderá ser

    exauriente ou sumária69

    .

    No plano horizontal a cognição poderá ser plena (completa) ou parcial

    (limitada). Ter-se-á uma cognição plena quando o juiz puder avaliar o trinômio: questões

    processuais, condições da ação70

    e questões de mérito. Por sua vez, a cognição será limitada

    quando o juiz não puder realizar atividade cognitiva acerca de algum dos elementos do citado

    trinômio71

    .

    66

    CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 11 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen

    Júris, 2014. v. 1, p. 271. 67

    SICA, Heitor Vitor Mendonça. Velhos e novos institutos fundamentais do direito processual civil. In:

    YARSHELL, Flávio Luiz; ZUFELATO, Camilo (Coords.). Teoria geral do processo: 40 anos. São Paulo:

    Saraiva, 2013, p. 465. 68

    “A justiça precisa ser rente à realidade social. Essa aderência à vida somente se consegue com o aguçamento

    da sensibilidade humanística e social dos juízes, o que necessariamente requer preparação e atualização. Para

    a cognição adequada a cada caso, pressuposto de um julgamento justo, a sensibilidade mencionada é um

    elemento impostergável. Não seria, certamente, um exagero afirmar-se que o direito à cognição adequada

    faz mesmo parte do conceito menos abstrato do princípio do juiz natural.” Cf. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 64.

    69 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. Conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da

    tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas Tendências

    do Processo Civil - Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. 1ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v. 2, p. 609. 70

    É importante ressaltar o Código de Processo Civil de 1973 previa que as condições da ação eram a

    legitimidade da parte para a causa, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido, conforme o inciso

    VI do art. 267. Sendo consideradas como as condições mínimas para alguém movimentar o judiciário.

    Contudo, com a entrada em vigor do novo Código tais elementos foram separados, tendo em vista que os

    dois primeiros são inerentes ao juízo de admissibilidade, e a possibilidade jurídica do pedido se confunde

    com o próprio mérito. O interesse de agir e a legitimidade passaram a figuram como pressupostos processuais, conforme o art. 17 do CPC/2015, e a ausência de um dos dois acarreta no indeferimento da

    inicial, nos termos art. 330, II e III, do CPC/2015. Já a possibilidade jurídica do pedido, acertadamente,

    passou a ser considerada como questão de mérito, nos moldes do art. 487 do CPC/2015. Então, pode-se até

    falar que o CPC/2015 extinguiu o paradigma das condições da ação, porém, seus elementos continuam

    presentes no novo ordenamento, tendo ocorrido apenas um deslocamento. Desta feita, levando em

    consideração que os elementos que formavam as condições da ação ainda estão intactos, tudo indica que os

    limites da cognição no plano horizontal ainda podem ser estudados na forma proposta por Kazuo Watanabe. 71

    PEÑA, Eduardo Chemale Selistre. Cognição no processo civil - conceituação. Revista Páginas de Direito,

    Porto Alegre, ano 4, n. 160, 17 maio 2004.

  • 30

    As limitações das matérias cognoscíveis no plano horizontal podem ser

    definidas tanto pela norma de direito material, a exemplo da ação de indenização baseada em

    responsabilidade objetiva, em que se é dispensada qualquer cognição sobre a culpa do gerador

    do dano, como também pela norma de direito processual, como é o caso vedação de

    reconvenção na esfera dos juizados especiais. Outra limitação no plano horizontal imposta

    pela norma processual pode ser percebida no art. 20 do Decreto-Lei 3.365/194172

    , que

    expressamente limita as matérias de defesa nos casos de desapropriações por utilidade pública

    ao definir que a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação

    do preço73

    .

    Já no “plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de

    profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta)”74

    . Para Daniel Penteado

    “essa intensidade se depreende do grau de convencimento do juiz exigido, consoante impõe a

    norma de direito processual, de sorte que na cognição sumária basta um juízo de

    probabilidade e verossimilhança, a exemplo (...) do instituto da antecipação de tutela” 75

    .

    Fala-se em limitação vertical apenas dentro da cognição sumária, pois, apesar

    de existir cognição sobre todas as questões, ela ocorre de forma superficial. Ou seja, a

    cognição é plena em extensão, mas superficial em relação à profundidade76

    . Assim, pode-se

    afirmar que a cognição sumária é uma característica da tutela provisória, e,

    consequentemente, da tutela de evidência.

    Nas palavras de Leonard