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Universidade Federal de Itajubá Programa de Pós-Graduação em Materiais para Engenharia Departamento de Física e Química / Instituto de Ciências Exatas
Dissertação de Mestrado
Biossensores Nanoestruturados para Monitoração de
Glicose
EDSON GIULIANI RAMOS FERNANDES
Orientador: Prof. Dr. Alvaro Antonio Alencar de Queiroz
Co-orientador: Prof. Dr. Demétrio Artur Werner Soares
Agosto de 2005
Edson Giuliani Ramos Fernandes
Biossensores Nanoestruturados para Monitoração de
Glicose
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da
Universidade Federal de Itajubá, como requisito para a
obtenção do título de mestre em Ciências dos Materiais para
Engenharia.
Área de concentração: Polímeros e Cerâmicas.
Orientador: Prof. Dr. Alvaro Antonio Alencar de Queiroz – UNIFEI
Co-orientador: Prof. Dr. Demétrio Artur Werner Soares – UNIFEI
Itajubá
Universidade Federal de Itajubá
200
Aos meus pais, Sebastião e Gersonita,
aos meus irmãos, Luciano e Adriano, e
às minhas irmãs, Giulian e Rafaela...
... À memória de meu amigo, e irmão na
dor, João Ricardo...
... À memória de minha tia Gervanildes:
que os jardins lhe sejam mais floridos...
Agradecimentos
Ao singular mestre e de plurais adjetivos, professor Dr. Alvaro Antonio Alencar de
Queiroz, por sua orientação, amizade, paciência e por participar ativamente dessa
jornada;
Ao prof. Dr. Demétrio Artur Werner Soares, coordenador do curso, pela confiança e co-
orientação;
À prof. Dra. Olga Z. Higa do Laboratório de Biologia Molecular do Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares, pela análise MEV;
Ao prof. Dr. Julio San Román (CSIC/ICTP-Madri, Espanha), pelo espectro NMR;
Ao prof. Dr. Élcio R. Barrak, pela análise TGA;
Aos demais professores da UNIFEI, em especial ao professor Sebastião Fernandes:
exemplo de esforço e dedicação, bom professor e bom pai;
A Da. Teresinha Nunes da Silva, pela doação das fitas reativas;
Aos colegas: Esdras, Amauri, Nirton, Camila, Mayler, Laiza e Wander;
Ao aluno de iniciação científica Wagner Souza Machado, pelo auxílio prestado nos
procedimentos experimentais;
Ao estagiário Fabrício Josino Tomé Torres, pela elaboração das placas de circuito
impresso;
À Maria Borges Ramos da Silva, pela acolhida;
Aos funcionários da UNIFEI, em especial a Matilde Benedita Pereira e Hélio Teodoro,
pela colaboração prestada;
Ao apoio financeiro cedido pela CAPES;
Por fim, aos que vieram antes de mim e sem os quais nada seria senão apenas a força de
um desejo...
Meu muito obrigado !!
INTERMEZZO
I
Não desviemos das coisas a cor
Por sermos por demais sombrios no olhar,
Mas contentemos com que posto está.
Pensamos nós a vida passar por
Pois não cuidamos que há na vida dor-
Se assim for daria o rio no mar.
Deixa a vida estar como está;
Basta da vida em males o Mal Maior...
O sol que vejo é o sol que vejo
E a tristeza que bate à minha porta
Não é mais que aquela que fora embora.
A boca que beijo é o gosto do beijo-
Mesmo que ausente é o que nos corta
Quando o que temos é pensar o agora.
E.G.R.F. 2004 II
SUMÁRIO
Lista de figuras v
Lista de tabelas x
Lista de abreviaturas xi
Resumo xii
Abstract xiv
Capítulo 1 – Particularidades sobre o diabetes 1
1.1 . Caracterização da doença 1
1.2 . Mecanismos bioquímicos da enfermidade e fisiologia animal 5
1.3 . Aspectos epidemiológicos 8
1.3.1. No mundo 8
1.3.2. Nas Américas 11
1.4 . Custos do diabetes 13
1.5 . Conclusão 16
Capítulo 2 – Análise clínica do diabetes 16
2.1. Dosagem do diabetes no laboratório clínico 16
2.2. Biossensores para análises clínicas do diabetes 18
2.3. Biossensores eletroquímicos 24
2.3.1. Biossensores potenciométricos 24
2.3.2. Biossensores amperométricos 26
2.3.2.1. Primeira geração 26
ii
2.3.2.2. Segunda geração 31
2.3.2.3. Terceira geração 32
2.4. Biossensores comerciais 34
2.5. Conclusão 36
Capítulo 3 – Oxiredutases utilizadas na monitoração da glicose 37
3.1. As enzimas 37
3.2. Enzimas oxiredutases e a glicose oxidase (GOx) 41
3.3. Cinética enzimática 43
3.4. Técnicas de imobilização 49
3.4.1. Métodos de imobilização de enzimas por retenção física 49
3.4.1.1. Adsorção 49
3.4.1.2. Retenção em membranas 49
3.4.1.3. Microencapsulamento 50
3.4.1.4. Eletropolimerização 50
3.4.1.5. Oclusão em matriz polimérica 51
3.4.2. Métodos de imobilização de enzimas por ligações químicas 51
3.4.2.1. Ligação covalente 51
3.4.2.2. Ligações covalentes reticuladas 52
3.5. Principais reações para o acoplamento químico de enzimas 53
3.6. Conclusão 56
Capítulo 4 – A heterojunção polímero-metal em biossensores 57
4.1. Polímeros conjugados na medição do transporte de elétrons 57
iii
4.2. A polianilina 60
4.3. Mecanismos de transporte eletrônico na interface polímero-metal 63
4.4. A estrutura dendrítica (aplicações no projeto de biossensores) 70
4.5. Conclusões 72
Capítulo 5 – Objetivos 72
5.1. Objetivo geral 72
5.2. Objetivos específicos 72
Capítulo 6 – Materiais e métodos 73
6.1. A obtenção da heterojunção polímero-metal PANI/Al 73
6.2. Síntese do dendrímero de poliglicerol e imobilização das enzimas
GOx/HRP 77
6.3. Caracterização elétrica dc/ac do biossensor 82
6.3.1. Análise dc 82
6.3.2. Análise ac 84
Capítulo 7 – Resultados e discussões 88
7.1. Parte A: Caracterização físico-química do biossensor 88
7.1.1. Características macroscópicas dos filmes obtidos 88
7.1.2. Espectroscopia eletrônica (UV/Vis) da PANI
eletrodepositada 92
7.1.3. Caracterização microestrutural 94
7.1.4. Resultados da difração de raios-x 104
7.1.5. Caracterização termogravimétrica 105
7.1.6. Análise físico-química do poliglicerol dendrítico (PGLD) 109
iv
7.1.7. Caracterização elétrica da heterojunção PANI/AL 126
7.1.7.1. Análise ac 127
7.1.7.2. Análise dc 129
7.2. Parte B: Performance do biossensor PGLD-GOx-HRP/PANI/Al 134
Capítulo 8 – Conclusões 138
Capítulo 9 – Perspectivas futuras 139
Capítulo 10 – Considerações Finais 141
Capítulo 11 – Referências bibliográficas 147
v
Lista de figuras
Figura 1: Principais complicações do diabetes: (A) retinopatia (as manchas mais claras indicam
calcificação e destruição da retina), (B) neuropatia periférica (derrame cerebral – área mais
clara da figura), (C) infarto agudo do miocárdio (mancha escura central indica o local do infarto
provocando necrose de toda a ponta do músculo cardíaco), (D) amputação de uma perna
gangrenada.
3
Figura 2: Visão anatômica do corpo humano enfatizando a localização do pâncreas (A).
Ampliações do pâncreas (B) e de uma ilhota de Langerhans e das células beta, produtoras de
insulina (C).
7
Figura 3: Mecanismo de transporte da glicose pela ação da insulina. 7Figura 4: Estimativa do número de casos de diabetes no mundo, 1995-2030. 9Figura 5: Estimativa do número de casos de diabetes segundo o nível de desenvolvimento dos
países. 1) países desenvolvidos, 2) países em desenvolvimento e 3) países subdesenvolvidos. 9
Figura 6: Prevalência do número de casos de diabetes, em percentual da população, para o ano
de 2000 segundo a Organização Pan-americana da Saúde. 12
Figura 7: Desenvolvimento do diabetes no Brasil. 12Figura 8: Reação de oxidação da 4-aminofenazona pelo H2O2 em presença de fenol, para
avaliação de nível glicêmico via método colorimétrico. 17
Figura 9: Evolução das publicações na área de biossensores de 1999 a Maio de 2005. 20Figura 10: Evolução dos trabalhos científicos em biossensores de glicose de 1999 a Maio de
2005. 20
Figura 11: Elementos que compõem um biossensor. 21Figura 12: Montagem de um ENFET. (A) substrato de silício, (B) Dopagem e formação de
óxido, (C) deposição da membrana íon-seletiva e (D) imobilização da enzima e membrana
protetora.
25
Figura 13: Eletrodo de oxigênio de Clark. A) Eletrodo de trabalho Pt, B) eletrodo de referência
Ag/AgCl, C ) eletrólito semi-saturado de KCl, D) membrana de Teflon®, E) anel de borracha
para fixação, F) fonte de tensão para polarização e G) instrumento para medição da corrente de
saída.
28
Figura 14: Três gerações de biossensores amperométricos baseados em oxidases. (A) primeira
geração, (B) segunda e (C) terceira. 33
Figura 15: Estrutura química e redução do agente oxidante biológico FAD. FMN: Flavina
mononucleotídeo. 39
Figura 16: Classificação das estrutura enzimáticas: resíduos de aminoácidos - estrutura primária
(A), α-hélice - estrutura secundária (B), cadeia polipeptídica – estrutura terciária (C) e
subunidades agrupadas – estrutura quaternária (D).
39
Figura 17: Modelo de fitas para a GOx. (A) Topologia geral da holoenzima (B) Subunidade
mostrando a FAD no sítio ativo da enzima (seta). 42
vi
Figura 18: Modelo de fitas para a HRP (EC 1.11.1.7). 43Figura 19: Efeito da concentração de substrato na cinética enzimática. 46Figura 20: Linearização da equação de Michaelis-Menten por Lineweaver-Burk - Equação (26). 48
Figura 21: Enzima na sua forma nativa (A), desnaturação protéica (B) e renaturação (C). 48
Figura 22: Acoplamento química de uma molécula de glutaraldeído a duas enzimas. 52
Figura 23: Sumário das técnicas de Imobilização enzimática. 53
Figura 24: Ligação covalente da enzima (com agrupamento amina) na superfície do eletrodo.
(A) complexação com cloreto cianúrico, (B) ligação covalente por silanização, (C) complexação
com carbodiimina e (D) glutaraldeído.
55
Figura 25: Estrutura química de alguns polímeros conjugados. 58Figura 26: Esquema mostrando a interconversão de PANI entre seus estados oxidativos
esmeraldina e leucoesmeraldina e a interconversão entre estados de sal e base (em azul). 60
Figura 27: Fórmula geral da PANI. 61Figura 28: Mecanismo proposto para a eletropolimerização da anilina. 63Figura 29: Energia de Fermi para o sistema metal-semicondutor: níveis de energia para o metal
e um semicondutor separados (A), abaixamento dos níveis de energia devido à diferença nos
níveis de Fermi (EF) após contato e no equilíbrio térmico (B), a presença de densidade de
estados.superficiais devido a imperfeições na superfície (C).
66
Figura 30: Representação esquemática do crescimento de um dendrímero segundo o método
divergente. 69
Figura 31: Representação esquemática da síntese de um dendrímero pelo método convergente. 69Figura 32: Trinômio eletrodo, mediador, enzima. 70Figura 33: Sistema utilizado para a eletrodeposição de PANI sobre Al. Fonte de tensão (A),
Béquer com a solução Anilina/H2SO4 (B) e Eletrodos (C). 74
Figura 34: Dessecadores utilizados na desidratação dos eletrodos de PANI/Al. 74Figura 35: Aparelhagem utilizada para análise morfológica: (A) microscópio eletrônico de
varredura, (B) espectrômetro de energia dispersiva, (C) é o local onde é colocada a amostra e
(D) é a interface gráfica (IPEN/USP).
76
Figura 36: Amostras fixadas no suporte para MEV. O brilho amarelado deve-se à camada de 76Figura 37: (A) Termobalança, (B) balões de gases de purga e (C) computador pessoal para
interface gráfica, (D) módulo de controle do processo e aquisição dos dados (LCT/UNIFEI). 77
Figura 38: Esquema simplificado mostrando o bioconjugado PGLD-GOx-HRP imobilizado na
superfície de nanotubos de PANI. 81
Figura 39: Esquema do biossensor PGLD/GOD-HRP/PANI. 81
vii
Figura 40: Aparelhagem utilizada para caracterização elétrica . Resistência de referência e
limitadora de corrente (A), espectrômetro de impedância HP4284A (B), terminal para controle e
tratamento dos dados (C), porta-amostras com isolação eletromagnética (D) e a fonte K237 (E).
86
Figura 41: Percentual de massa relativa de PANI eletrodepositada em função do tempo para
potencial anódico de 1,5 V. Temperatura: 27 °C, H2SO4 1M, anilina 2,2 mM. Substrato: Al
(30,0 µm).
88
Figura 42: Percentual de massa relativa de PANI eletrodepositada em função do tempo para
potencial anódico de 2,0 V. Temperatura: 27 °C, H2SO4 1M, anilina 2,2 mM. Substrato: Al
(30,0 µm).
89
Figura 43: Variação do percentual de massa de PANI eletrodepositada em relação à
concentração de anilina utilizada. Tempo 5 min. Temperatura 27 °C, H2SO4 1M, anilina 2,2
mM. Substrato: Al (30,0 µm).
90
Figura 44: Crescimento das cadeias de PANI em relação ao tempo (direção indicada pela seta). 91Figura 45: Foto digital de um dos filmes eletrodepositados. 92Figura 46: Espectro UV-Vis da PANI eletrodepositada (A) e da N-2-metilpirrolidona (solvente)
(B) a 25 °C. 93
Figura 47: Micrografia MEV do filme de Pani. Cristais de PANI (A), e ampliação mostrando
detalhes da estrutura cristalina da PANI (B). O percentual de deposição: 120 % (m/m). 95
Figura 48: Micrografia MEV do filme de PANI/Al (A) acentuando as nanoestruturas tubulares
em (B). 96
Figura 49: Campo elétrico provocado pelo elemento de superfície dS contendo carga elétrica
sobre um ponto (P). 98
Figura 50: Oxidação do Al por pontos (A) e Preenchimento dos poros por cadeias de PANI (B). 100
Figura 51: Espectro de energia dispersiva (EDS) para os cristais de PANI depositados
eletroquimicamente em Al. 101
Figura 52: Modelo da estrutura cristalina mostrando os íons de sulfato (A) entre as moléculas de
PANI (B). Uma célula unitária para o cristal de PANI é mostrada em (C). 101
Figura 53: Na seqüência, segundo o eixo das abcissas: Substrato de Al (tempo 0), formação de
óxido logo que o eletrodo é colocado em solução e aplicado o potencial anódico, início do
crescimento (tempo 5’) e nanotubos já formados (tempo 30’). Temperatura 25 °C, H2SO4 1 M,
[Anilina] = 2,2 mM.
103
Figura 54: Difratogramas de raios-x obtidos para a PANI/Al (A), substrato de Al (B) e óxido de
alumínio (C). 104
Figura 55: Curva termogravimétrica em atmosfera de oxigênio da PANI/Al (A) e da PANI
removida do filme de Al (B). 107
viii
Figura 56: Curva termogravimétrica em atmosfera de nitrogênio da PANI/Al (A) e da PANI
removida do filme de Al (B). 107
Figura 57: Derivada da massa residual em relação à temperatura da PANI/Al em atmosfera de
O2. Os picos (A) e (B) se devem à perda de água, (C) término da desprotonação e (D)
temperatura de degradação total das cadeias poliméricas.
109
Figura 58: Percentual de conversão de glicerol em poliglicerol e sua influência no peso
molecular (PM). Peso molecular determinado por GPC na Petroquímica União. 110
Figura 59: Mecanismo de desprotonação do glicidol (A), propagação (B) e ciclização (C). 111
Figura 60: Cinética de polimerização do PGL para obtenção do PGLD. Temperatura: 90 oC. 112
Figura 61: Fundamentos da cromatografia de permeação em gel (GPC). 114
Figura 62: Curva de calibração (A) e análise por GPC do PGLD (B) obtido após 02 horas de
reação. 116
Figura 63: Estrutura esquemática do poliglicerol com estrutura dendrítica. L14, L13, D e T
significam ligações lineares, estruturas dendríticas e grupos terminais, respectivamente. 121
Figura 64: Espectro 13C -NMR (A) e 1H-NMR (B) do PGLD sintetizado. 122
Figura 65: Comportamento reológico do polímero PGLD. 126
Figura 66: Diagrama de Bode para Pani eletrodepositada em filme de alumínio. 128
Figura 67: Dependência do módulo da impedância com a freqüência para PANI/Al. 128
Figura 68: Comportamento Schottky para a heterojunção Pani/Al. 131
Figura 69: Modelo de tunelamento de Fowler-Nordheim (FN) para PANI/Al. R2 igual a 0,9975,
para 1/V> 0,4, e igual a 0,9970, para 1/V <0,4. 131
Figura 70: Curva IxV para a heterojunção PGLD-Al. 133
Figura 71: Resposta típica de um biossensor amperométrico em função do tempo: PGLD-GOx-
HRP/Al (A) e biossensor comercial (B). Temperatura ambiente (25 °C), fonte Keitlhey K237. 134
Figura 72: Reposta do biossensor para diferentes concentrações do analito. 560 mg.dL-1 (A),
280 mg.dL-1 (B) e 140 mg.dL-1 (C). Potencial aplicado no biossensor = 100 mV. 135
Figura 73: Resposta do biossensor PGLD-GOx-HRP/PANI/Al em função da concentração de
glicose a um potencial anódico de 100 mV aplicado ao eletrodo de trabalho (Cada ponto
corresponde a 3 medidas). O retângulo corresponde à normoglicemia.
136
Figura 74: Reposta do biossensor PGLD-GOx-HRP/PANI/Al (Cada ponto corresponde a 3
medidas). O retângulo corresponde aos níveis normoglicêmicos. Tensão 0,00 V. 137
ix
Figura 75: Projeto do circuito do bipotenciostato (CI 1) e amplificador de tensão (CI 2). O
círculo vermelho corresponde ao biossensor onde o eletrodo de trabalho está representado pela
barra azul, e a barra preta representa o eletrodo de referência.
142
Figura 76: Circuito sob teste. Fonte de alimentação (A), o biossensor (B), divisor de tensão (C),
amplificadores (D) e leitura do sinal (E). 143
Figura 77: Placa de circuito impresso projetada para o bipotenciostato. 143
Figura 78: Circuito do filtro passa-baixas Buttlerworth na configuração de Sallen-Key. 144
Figura 79: Simulação da resposta do filtro passa-baixas. A linha vertical próxima a 15 Hz indica
a freqüência de corte (freqüência a partir da qual o sinal começa a ser atenuado). 145
Figura 80: Leitura do sinal pelo circuito projetado (cada barra de incerteza corresponde a 3
medidas). Tensão 0 V, leitura feita no instante em que a solução foi colocada. R2 = 0,9916. 146
x
Lista de tabelas Tabela 1: Classificação etiológica do diabetes melito. 4 Tabela 2: Os dez países com maior número de casos de diabetes no mundo (estimativas para 2000
e 2030). 10
Tabela 3: Custos do diabetes em alguns países da América. 14 Tabela 4: Elementos que podem compor um biossensor. 22 Tabela 5: Biossensores para a leitura da glicemia. 34
Tabela 6: Quadro de comparação de monitores de glicose no sangue. 35 Tabela 7: Seletividade da GOx dados alguns substratos. 37 Tabela 8: Classificação das enzimas segundo a comissão de enzimas. 40 Tabela 9: Análise do espectro de 13C-NMR para o PGLD sintetizado neste trabalho. 123
xi
Lista de Abreviaturas ADA – American Diabetes Association
ATP – Adenosina trifosfato
Cglicose – Concentração de glicose
DOTA – Declaration of the Americas on Diabetes
EC – Enzyme Comission
EGFET – Extendet gate-field effect transistor
ENFET – Enzyme-field effect transistor
EQM – Eletrodo Quimicamente Modificado
FAD – Flavina adenina dinucleotídeo
FADH2 – Flavina adenina dinucleotídeo reduzida
FET – Field effect transistor
GLUT4 – Transportador de glicose
GOx – Glicose oxidase
HPM – Heterojunção polímero/metal
HRP – Horseradish peroxidase
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDF – International Diabetes Federation
IRS-1 – Substrato 1 do receptor de insulina
ISFET – Íon selective-field effect transistor
MEV – Microscopia Eletrônica de Varredura
OMS – Organização Mundial da Saúde
OPS – Organização Pan-americana da Saúde
PANI – Polianilina
PANI/Al – Heterojunção polianilina/alumínio
PC – Polímero conjugado
PGL – Poliglicerol
PGLD – Poliglicerol dendrítico
PGLD-GOx-HRP – Bioconjugado
rpm – Rotações por minuto
TGA – Thermogravimetric Analysis
TOTG – Teste oral de tolerância à glicose
UV-Vis – Ultra-violeta/Visível
xii
Resumo
A propriedade semicondutora da polianilina (PANI) tem sido explorada durante as
últimas décadas como material ativo em muitos dispositivos eletrônicos e
eletroquímicos. A polianilina pode ser processada em solução, o que torna possível a
fabricação de dispositivos sobre substratos flexíveis, a baixo custo e com técnicas
comuns de impressão. Uma das áreas de pesquisas mais fascinantes em eletrônica
molecular é a dos dispositivos biossensores. Um biossensor pode ser definido como um
dispositivo que incorpora um composto biológico integrado ou intimamente conectado a
um transdutor. O objetivo é a produção de sinais eletrônicos discretos ou contínuos que
são específicos ao analito de interesse (ou a um relacionado grupo de analitos).
Alternativamente, um biossensor pode ser considerado como uma combinação de um
sensor elétrico junto a um reator miniaturizado contendo uma biomolécula imobilizada,
e é usado, em muitos casos, para medir concentrações de um substrato. Um grande
número de biomoléculas tais como enzimas, anticorpos, organelas, células e receptores
têm sido utilizadas como sondas sensoras para a fabricação de biossensores. O
transdutor pode ser um dispositivo elétrico, óptico, térmico ou piezoelétrico. O
desenvolvimento recente da nanociência e nanotecnologia abriu novas fronteiras na
pesquisa fundamental e aplicada, contribuindo significativamente para o projeto de
biossensores. Em escala nanométrica, a elevada razão superfície/volume, característica
de muitos nanomateriais, tem apresentado uma significativa influência em muitas
propriedades fundamentais do material e no desempenho do dispositivo. Neste trabalho,
é apresentada a obtenção de biossensores de glicose baseados em dendrímeros de
poliglicerol (PGLD) e nanotubos de polianilina (PANI). Dendrímeros de poliglicerol
(PGLD) são macromoléculas sintéticas monodispersas, esféricas e altamente
ramificadas possuindo um grande número de grupos funcionais na sua superfície com
potencial para atuarem como transportadores para a imobilização de enzimas por
ligação covalente. O dendrímero PGLD foi sintetizado pela polimerização por abertura
do anel do glicidol desprotonado usando poliglicerol como núcleo funcional num
processo de crescimento por etapas denominado síntese divergente. A estrutura
dendrítica do PGLD foi confirmada pela cromatografia de permeação em gel e
ressonância magnética nuclear (1H-NMR, 13C-NMR). A baixa dispersão no peso
molecular (Mw/Mn = 1,05) e um grau de ramificação de 0,81 caracterizam a estrutura
dendrítica do PGLD. Uma heterojunção foi obtida pela eletrodeposição de nanotubos de
xiii
PANI sobre uma superfície de alumínio para atuar como mediador de elétrons no
biossensor. O estado de protonação dos nanotubos de PANI foi investigado por
espectroscopia de absorção UV-Vis. Os nanotubos foram caracterizados por
microscopia eletrônica de varredura (MEV). As propriedades elétricas da heterojunção
PANI/Al foram examinadas. A curva tensão-corrente mostrou um comportamento de
diodo Schottky, com fator de idealidade (n) de 7,35. O estudo da espectroscopia de
impedância indica que a resistência domina o comportamento ac da heterojunção
PANI/Al. Após ativação do dendrímero hidroxilado pelo método de cianotransferência,
glicose oxidase (GOx) e peroxidase (HRP) foram co-imobilizadas no dendrímero,
obtendo-se o bioconjugado PGLD-GOx/HRP. O eletrodo PANI/Al foi revestido com o
bioconjugado PGLD-GOx/HRP pela técnica de evaporação do solvente para a obtenção
do biossensor de glicose. A resposta do biossensor à glicose foi obtida pela monitoração
da corrente resultante da reação da glicose oxidase com a glicose na superfície do
eletrodo. O sinal medido corresponde à reação eletroquímica da glicose oxidase com a
glicose na superfície do eletrodo. A investigação dos parâmetros analíticos neste
trabalho demonstrou que nanotubos de polianilina são mediadores eficientes para a
produção de biossensores. Os valores obtidos para a concentração de glicose com o
biosensor estão em concordância com o método espectrofotométrico padrão.
Palavras-chave: diabetes melito, biossensor amperométrico de glicose, poliglicerol
dendrítico, nanotubos de polianilina, heterojunção.
xiv
Abstract The semi-conducting property of polyaniline (PANI) has over the last few decades been
explored as the active material in a number of electronic and electrochemical devices.
Polyaniline may be solution processed, which makes it possible to manufacture devices
on flexible carriers, ultimately at a very low cost with common printing techniques. One
of the most exciting areas of research in molecular electronics is the biosensors device.
A biosensor can be defined as an analytical device incorporating a biological compound
integrated or intimately connected with a transducer. The aim is to produce either
discrete or continuous electronic signals that are specific to a single analyte (or a related
group of analytes). Alternately, a biosensor can be considered as a combination of an
electrochemical and an electrical sensing device along with a miniaturized reactor
containing an immobilized biomolecule, and it is used in most cases to measure the
concentration of a substrate. A number of biomolecules such as enzymes, antibodies,
organelles, cells and receptors have been used as sensing probes for the fabrication of
biosensors. The transducer can either be electrical, optical, thermal or piezo-electric
device. The recent development of nanoscience and nanotechnology has opened up new
frontiers in fundamental and applied research and contribute expressively to the
biosensor design. At the nanometer scale, the high surface-to-volume ratio characteristic
of most nanomaterials has been demonstrated to have a tremendous influence of many
fundamental material properties and device performance. In this work, the obtention of
a glucose biosensor based on polyglycerol dendrimer (PGLD) and polyaniline
nanotubes (PANI) is presented. PGLD dendrimer is a monodisperse, spherical and
hyperbranched synthetic macromolecule with a large number of surface hydroxyl
groups that have the potential to actuate as carriers for enzyme immobilization by
covalent binding. The PGLD dendrimer was synthesized by the ring opening
polymerization of deprotonated glycidol using polyglycerol as core functionality in a
step-growth processes denominated divergent synthesis. The PGLD dendritic structure
was confirmed by gel permeation chromatography and nuclear magnetic resonance (1H-
NMR, 13C-NMR) techniques. The low dispersion in molecular weight (Mw/Mn = 1.05)
and a degree of branching of 0.81 characterizes the PGLD dendritic structure. A
heterojunction of polyaniline nanotubes were electrodeposited onto aluminum surface to
actuate as electron mediator in the biosensor. The protonation state of PANI nanotubes
was investigated by UV-Vis absorption spectroscopy. The PANI nanotubes morphology
xv
was characterized by scanning electron microscopy (SEM). The electrical properties of
the heterojunction PANI-Al were examined. The current-voltage profile has shown a
behavior typical of Schottky diode, with ideality factor (n) of 7.35. The impedance
spectroscopy study indicates that the resistance dominates the ac behavior of the
heterojunction PANI-Al. After activation of the PGLD by the cyanotransfer method
glucose oxidase (GOx) and horseradish peroxidase (HRP) were co-immobilized onto
the dendrimer to obtain the bioconjugate PGLD-GOx/HRP. A PANI/Al electrode was
coated with the bioconjugate PGLD-GOx/HRP by the casting out technique to obtain a
glucose biosensor. The response of the biosensor to glucose was obtained by monitoring
the current, while aliquots of a glucose solution were added to the nanostructured
biosensor. The signal measured corresponds to the electrochemical reaction of glucose
oxidase with glucose at electrode surface. The investigation of the analytical parameters
in this work demonstrated that polyaniline nanotubes is an efficient mediator for
biosensor production. Analysis of glucose solutions led to values in agreement with
standard spectrophotometic values.
Keywords: diabetes mellitus, amperometric glucose biosensor, polyglycerol dendrimer, polyaniline nanotubes, heterojunction.
1
Capítulo 1 – Particularidades sobre o diabetes
1.1 – Caracterização da doença
O crescimento populacional, somado a um estilo de vida com maior ingestão
de açúcar e alimentos com elevado teor de gordura aliado a uma menor atividade
física, têm levado a população dos países industrializados a desenvolverem uma
grave doença do sistema endócrino que hoje assume níveis alarmantes, despertando o
interesse dos órgãos públicos e de centros de pesquisa: o diabetes melito. Doença que
é hoje a sexta causa de mortes no Brasil provocando cerca de 25 mil mortes
anualmente, sendo que o número atual de diabéticos já chega à cifra de cinco
milhões, segundo dados do Ministério da Saúde.
O diabetes melito é um grupo de doenças do metabolismo da glicose que se
caracteriza por seus altos níveis no sangue (hiperglicemia) e é resultante de defeitos
na secreção ou má ação da insulina, hormônio produzido pelas células beta presentes
nas ilhotas de Langerhans do pâncreas e cuja função é quebrar as moléculas de
glicose, fornecendo energia ao organismo. 1 Sem insulina a glicose, principal fonte
de energia dos animais, não pode adentrar as células e ser metabolizada em
substâncias importantes para o organismo como proteínas, músculo e gordura.
A primeira menção ao diabetes melito foi feita no Séc. XV a.c. nos papiros de
Ebers, da décima oitava dinastia egípcia (uma compilação de textos mais antigos e
que descreviam enfermidades e métodos de cura). Areteu da Capadócia, médico
grego que viveu em Roma no séc. I-II dc, usou a palavra diabetes (do grego sifos,
que quer dizer sifão) pela primeira vez para denominar a doença, pois as pessoas
afetadas bebiam grande quantidade de água e tinham, por conseqüência, os volumes
urinários aumentados. A palavra diabetes, por conseguinte, se refere à eliminação de
quantidade excessiva de urina. 2
A sintomatologia e o reconhecimento como entidade clínica foi possível
através da descrição feita por Thomas Willis, em 1679, que, referindo-se ao sabor
doce da urina, nomeou a enfermidade de diabetes melito (do latin, doce como mel).
Em 1775 Dopson conseguiu identificar a presença de glicose na urina. A descrição
das células pancreáticas realizada por Langerhans, em 1869, e a busca de um suposto
hormônio produzido por tais células, então conhecidas por ilhotas de Langerhans,
levaram os canadenses Banting e Best a pesquisarem tal hormônio conseguindo, em
2
1921, isolar a insulina e demonstrar seu efeito hipoglicêmico abrindo um novo
horizonte nos estudos sobre o diabetes. Assim, o transplante de pâncreas para a
produção de insulina passou a ser uma alternativa viável ao tratamento da forma mais
agressiva da doença (diabetes tipo 1) sendo, o primeiro transplante, realizado na
Universidade de Manitoba (Canadá) em 1966.
Pesquisas mais recentes têm visado o transplante apenas das ilhotas de
Langerhans por ser uma cirurgia mais simples, com poucas complicações e tempo de
internação mais curto. O Brasil lidera tal linha de pesquisas, sendo que, no ano
passado, foi realizado o primeiro transplante deste tipo para a cura do diabetes Tipo
1, feita pela equipe do Dr. F. G. Eliaschewitz no Hospital Albert Einstein de São
Paulo. 3
Sem insulina, as células não podem obter energia eficientemente para
realizarem suas funções e então morrem fazendo com que o paciente sinta fadiga e
perda de peso; isto ativa os neurossensores a enviarem uma mensagem de sensação
de fome. Com os altos níveis de glicose no sangue, a glicose é removida do
organismo junto à urina, já que a alta concentração de açúcar nos rins exige maiores
quantidades de água podendo ultrapassar o limiar renal. Perda de água através da
urina ativa os sensores neuronais fazendo com que o paciente tenha sensação de
sede. A urina excessiva pode resultar em desidratação, levando ao ressecamento da
pele, sendo que as flutuações nas quantidades de glicose e água na córnea, durante
esses períodos de desidratação, podem levar à visão turva. O organismo também
pode obter glicose por meio do metabolismo das proteínas e gorduras, e a quebra de
tais substâncias pelo fígado leva a uma elevada produção de compostos chamados
corpos cetônicos, os quais são muito tóxicos acima de certo nível, podendo levar o
paciente ao coma ou à morte.
Portanto, a hiperglicemia se manifesta por sintomas como aumento da diurese
(poliúria), ingestão exagerada de líquidos (polidipsia), perda de peso, aumento da
ingestão de alimentos (polifagia), “urina doce” (glicosúria), corpos cetônicos
presentes na urina (cetonúria) e visão turva.
A hiperglicemia crônica está associada a dano, disfunção e falência de vários
órgãos, especialmente: olhos, rins, nervos, coração e vasos sanguíneos. Neste caso,
as pessoas com diabetes apresentam maiores riscos de desenvolvimento de doenças
3
cardíacas, cegueira, insuficiência renal e de amputação de membros inferiores.4 Na
Figura 1 ilustram-se as principais complicações do diabetes.
Figura 1: Principais complicações do diabetes: (A) retinopatia (as manchas mais claras indicam
calcificação e destruição da retina), (B) neuropatia periférica (derrame cerebral – área mais
clara da figura), (C) infarto agudo do miocárdio (mancha escura central indica o local do
infarto provocando necrose de toda a ponta do músculo cardíaco), (D) amputação de uma
perna gangrenada.
A atual classificação do diabetes melito está representado pela Tabela 1.
Sendo as formas mais freqüentes, o diabetes tipo 1 e o diabetes tipo 2 (os termos
“insulino-dependente” e “não dependente de insulina”, respectivamente atribuídos
aos dois tipos, foram abolidos).4
(D) (C)
(B)
(A)
4
Tabela 1: Classificação etiológica do diabetes melito. 4
I. Diabetes tipo 1
Destruição das células β, usualmente levando à deficiência absoluta de insulina
A. Auto-imune B. Idiopático
II. Diabetes tipo 2 Diminuição de secreção e resistência à insulina
III. Outros tipos específicos A. Defeitos genéticos da função das células β B. Defeitos genéticos da ação da insulina C. Doenças do pâncreas exócrino D. Endocrinopatias E. Indução por drogas ou produtos químicos F. Infecções G. Formas incomuns de diabetes imuno-mediado H. Síndromes genéticas algumas vezes associadas com
diabetes 1. Síndrome de Down 2. Síndrome de Klinefelter 3. Síndrome de Turner 4. Síndrome de Prader-Willi 5. Outras
IV. Diabetes melito gestacional
O diabetes tipo 1 se caracteriza pela deficiência absoluta de secreção de
insulina devido a destruição das células beta do pâncreas, responsáveis pela secreção
de insulina, usualmente por um processo auto-imune ou por causa desconhecida
(idiopática). É sua forma mais agressiva.
O diabetes tipo 2 é resultante de uma combinação de resistência à insulina e
sua secreção inadequada. É a forma mais comum ocorrendo em 90%4 dos casos em
países desenvolvidos, comparando-se com o primeiro tipo.
Uma terceira categoria, tipos específicos, resulta de mecanismos que venham
a afetar a secreção ou ação da insulina, decorrentes do uso de medicamentos, defeitos
genéticos, doenças que danifiquem o pâncreas, ou endocrinopatias.
Há um quarto tipo, o gestacional, e trata-se do desenvolvimento de
intolerância à glicose durante a gravidez podendo ou não persistir após o parto.
5
1.2 – Mecanismos bioquímicos da enfermidade e fisiologia animal
O pâncreas se localiza no abdômen, atrás do estômago, e está preso ao
intestino delgado e ao baço 5 (Figura 2). Dentro do pâncreas encontram-se certos
aglomerados de células chamadas de ilhotas de Langerhans. Nestas, a insulina é
produzida pelas células beta que são estimuladas pela presença de glicose no sangue.
As células beta, portanto, regulam a quantidade de insulina a ser produzida, segundo
os níveis presentes de glicose, mantendo os níveis normais de glicose
(normoglicemia) em 70 a 120 mg.dL-1 (naqueles que apresentam a doença, os níveis
de glicose no sangue podem alcançar concentrações de 300 até 700 mg.dL-1). 6
A quantidade de glicose no fluido sanguíneo é regulada por vários hormônios,
sendo a insulina o mais importante deles. A insulina é formada por uma molécula de
proteína cuja atividade está condicionada à sua estrutura química explicando o fato
de não poder ser administrada oralmente, já que os sucos digestivos alterariam sua
estrutura.
Há duas fases na secreção da insulina em resposta ao acréscimo de glicose, a
primeira é uma liberação imediata através de insulina armazenada em glândulas
secretoras. Após um certo intervalo há uma segunda fase, que é uma secreção mais
prolongada de nova insulina sintetizada. Uma vez liberada, a insulina dispõe de um
curto tempo (um tempo de meia vida de cerca de 6 minutos) para permanecer ativa
antes de ser degradada pelas enzimas insulinases no fígado e rins.
A insulina liberada pelas células beta liga-se a um receptor na membrana
celular o qual é uma proteína formada por duas sub-unidades extracelulares (α), que
contém um sítio de ligação de insulina, e duas sub-unidades intracelulares (β) ligadas
à membrana funcionando como transdutores do sinal de insulina à célula. A insulina
após fixar-se ao receptor faz com que este sofra alterações conformacionais que
conduzem à agregação e endocitose, com subseqüente desagregação da insulina. Os
receptores agregados auto-fosforilam-se se ativando e passando a fosforilar também
outras proteínas, como as enzimas que se tornam ativas ou inativas após fosforilação,
ou substratos sinalizadores citoplasmáticos intracelulares, dentre os quais, o substrato
1 do receptor de insulina (IRS-1) e o substrato 2 do receptor de insulina (IRS-2). O
receptor de insulina é uma tirosinase kinase, ou seja, ela funciona como uma enzima
que transfere grupos fosfato da adenosina trifosfato (ATP) para resíduos de tirosina
6
nas proteínas intracelulares alvo. Desta maneira uma aparente pequena mudança
conformacional devido à ligação da insulina é amplificado em uma grande
quantidade de efeitos dentro da célula, sendo o efeito líquido a ativação de uma
cascata de reações de fosforilação e desfosforilação. Estas ações terminam com a
desfosforilação do receptor de insulina. 7
A glicose, por ser uma molécula neutra, não se difunde para dentro da
membrana celular necessitando, para isso, de uma proteína transportadora e tal se faz
presente na membrana plasmática pela ação da insulina. Na ausência de insulina, os
transportadores de glicose (GLUT4) estão presentes nas vesículas citoplasmáticas,
onde eles são inúteis para o transporte da glicose. Pela ligação da insulina aos
receptores, há uma fusão das vesículas com a membrana plasmática e inserção dos
transportadores, dando às células a habilidade para levar glicose eficazmente para
dentro da célula (Figura 3).
Para desencadear funções bioquímicas a glicose necessita de ser ativada, isto
é conseguido por fosforilação onde cada molécula de glicose se associa a uma
molécula de fosfato, advinda da substância doadora ATP por ação enzimática,
transformando-se em glicose-6-fosfato podendo, então, ser quebrada fornecendo
energia ou, por ação de enzimas do fígado, transformar-se em glicogênio como
reserva energética. O fígado é o maior produtor e também a maior reserva de glicose
removendo rapidamente grandes quantidades de glicose da circulação sanguínea, ao
receber o sangue rico em glicose diretamente do trato digestivo via veia porta. O
fígado libera glicose da quebra do glicogênio e do metabolismo intermediário dos
carboidratos, proteínas e da gordura.
7
Figura 2: Visão anatômica do corpo humano enfatizando a localização do pâncreas (A).
Ampliações do pâncreas (B) e de uma ilhota de Langerhans e das células beta,
produtoras de insulina (C).
Figura 3: Mecanismo de transporte da glicose pela ação da insulina.
Pâncreas
Intestino grosso Intestino delgado
Fígado Estômago
^
fibras reticulares
acines glandulares
Ilhota de Langerhans
células beta
´
(A)
(C)
(B)
glicose insulina Receptores de insulina
Membrana celular
Vesícula com o GLUT-4
IRS
α α
β β
8
1.3 – Aspectos epidemiológicos
1.3.1 - No mundo
Um aspecto importante a respeito do diabetes é a preocupação constante dos
órgãos mundiais de saúde devido ao crescimento significativo do número de casos no
mundo devido a fatores hereditários e de desenvolvimento; sendo que, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), o diabetes melito é considerado uma
pandemia,8 como pode ser observado na Figura 4, que mostra o crescimento
alarmante dos casos de diabetes a nível mundial.
A distribuição dos casos de diabetes em relação ao nível de desenvolvimento
do país pode ser observado na Figuras 5. Os casos de mortes por diabetes é
raramente mencionado em laudo médico, assim sendo, o número de mortes
diretamente atribuído a doença não é de fácil quantificação, ainda que seja de
conhecimento geral que as pessoas com diabetes têm sua expectativa de vida
reduzida.
O crescimento do número de pessoas diabéticas está relacionado, além do
crescimento populacional, a fatores hereditários, faixa etária da população,
urbanização, aumento na prevalência de obesidade e inatividade física. A estimativa
para os dez países com maiores índices de incidência do diabetes, para os anos de
2000 e 2030, é mostrada na Tabela 2. (Os dados foram dados em termos absolutos
uma vez que seu valor relativo poderia levar a uma má interpretação da significância
dos mesmos).
9
Figura 4: Estimativa do número de casos de diabetes no mundo, 1995-2030. 8
Figura 5: Estimativa do número de casos de diabetes segundo o nível de desenvolvimento dos países.
1) países desenvolvidos, 2) países em desenvolvimento e 3) países subdesenvolvidos. 8
0
100
200
300
400
Milh
ões
1 2 3
1995 2000 2030
Casos no mundo
0
100
200
300
400
1 2 3
20002030
Milh
ões
10
Tabela 2: Os dez países com maior número de casos de diabetes no mundo
(estimativas para 2000 e 2030). 9
2000 2030
Posição País Doentes (milhões) País Doentes (milhões)
1 Índia 31,7 Índia 79,4
2 China 20,8 China 42,3
3 E.U.A 17,7 E.U.A. 30,3
4 Indonésia 8,4 Indonésia 21,3
5 Japão 6,8 Paquistão 13,9
6 Paquistão 5,2 Brasil 11,3
7 Federação Russa 4,6 Bangladeche 11,1
8 Brasil 4,6 Japão 8,9
9 Itália 4,3 Filipinas 7,8
10 Bangladeche 3,2 Egito 6,7
Os três primeiros países (Índia, China e E.U.A.) permanecem em ambas
estimativas e já encabeçaram estimativa realizada em 1995. 10 A Federação Russa e a
Itália foram substituídos por Filipinas e Egito, para a estimativa de 2030, o que
reflete mudanças no tamanho e estrutura da população nestes países durante os dois
períodos. 9 As expectativas para o Brasil refletem a importância de estudos sobre o
número de casos no país a fim de que se possam ser tomadas medidas preventivas
contra a ocorrência da doença.
11
1.3.2 - Nas Américas
Devido ao fato de não haver, na maioria dos países latino-americanos, uma
vigilância quanto ao número da incidência epidemiológica do diabetes melito, não se
tem muita informação quanto a prevalência desta. A fim de obter-se um maior
acompanhamento por parte desses países, a Organização Pan-americana da Saúde
(OPS), através da Federação Internacional de Diabetes (IDF) e a indústria
farmacêutica, criaram em 1996 a Declaração das Américas sobre o Diabetes (DOTA)
que, durante os últimos anos, têm coordenado várias atividades nas Américas.
Segundo a DOTA,11 era estimado em cerca de 30 milhões o número de casos
de diabetes em 1996, ano de sua criação. Em 2000, o número havia aumentado para
35 milhões, e as previsões futuras são alarmantes: 45 milhões de diabéticos para
2010, e 64 milhões para 2025.
A prevalência estimada para o diabetes nas Américas, em 2000, segundo a
OPS 12 é mostrada na Figura 6.
O desenvolvimento do número de casos no Brasil pode ser visto pela Figura
7, mostrando níveis sempre crescentes de infectados.
12
Figura 6: Prevalência do número de casos de diabetes, em percentual da população, para o ano
de 2000 segundo a Organização Pan-americana da Saúde.
Figura 7: Desenvolvimento do diabetes no Brasil. 8
0
5000
10000
15000
Milh
ões
1 2 3 4
Evolução do diabetes no Brasil: 1995-2025
1997 2000 1995 2025
13
1.4 – Custos do diabetes
O diabetes melito é um dos problemas de saúde mais dispendiosos afetando,
não só o indivíduo infectado mas, conjuntamente, seus familiares. Afeta também a
qualidade de vida do doente e sua espectativa pode ser reduzida significativamente.
Os custos diretos do diabetes envolve cuidados médicos, insulina, remédios e
gerenciamento da doença. Os custos sociais se evidenciam quando o indivíduo se vê
incapaz para o trabalho tendo de aposentar-se ou afastar-se dele, ou devido à morte
prematura. O tratamento do diabetes e suas complicações podem ser inconvenientes,
desconfortáveis e demandar muito tempo.
A Federação Internacional de Diabetes (IDF) estima que os custos diretos da
doença são de aproximadamente 6% do total do orçamento da saúde em nações
economicamente desenvolvidas. Os custos diretos totais do diabetes são mais
elevados nos Estados Unidos (US$ 60 bilhões) , Japão (US$ 16,94 bilhões),
Alemanha (US$ 10,67 bilhões) e França (US$ 7,3 bilhões).13
Dados mais precisos, no entanto, podem ser obtidos pela American Diabetes
Association (ADA) 14, baseados no ano de 2002. A ADA estimou os custos diretos
do diabetes dividindo-os em: controle da glicose (US$ 23,2 bilhões), tratamento das
taxas de complicações crônicas acima do normal (US$ 24,6 bilhões), e condições
clínicas gerais (US$ 44,1 bilhões), totalizando US$ 91,8 bilhões. A estimativa para
os custos indiretos baseou-se na perda de trabalho, dias de atividade restringida,
mortalidade e inaptidão permanente devido ao diabetes (p. ex., amputação dos
membros) totalizando US$ 39,8 bilhões. Nos E.U.A., os diabéticos apresentam um
dispêndio médico anual cerca de 2,4 vezes maior do que pessoas não portadoras da
doença sendo os custos, por pessoa, de US$ 13.243 e US$ 2.560, respectivamente.
Estas estimativas são subestimadas, pois omitem os custos intangíveis como dor e
sofrimento, e o custo em várias áreas onde o cuidado médico com pessoas diabéticas
requer cuidados especiais, fazendo com que os serviços sejam mais caros. Além
disso, as estimativas desconsideram os casos não diagnosticados, que chegam à cerca
de 50% dos indivíduos doentes.
Nos países da América Latina, as pessoas com diabetes têm acesso limitado à
saúde e, portanto, os custos indiretos com o diabetes excedem os diretos. Segundo
simpósio realizado em 27 de setembro do ano passado, em São Paulo, os custos
14
totais com o diabetes somam US$ 22,6 bilhões, sendo US$ 18,7 bilhões só em custos
indiretos (Tabela 3). 15
Tabela 3: Custos do diabetes em alguns países da América . 15
Custos em milhões (US$)
País Totais Indiretos Diretos
Canadá 4.756 1.277 3.478
Estados Unidos 131.672 39.800 91.800
México 15.118 13.144 1.974
Cuba 1.346 624 722
Argentina 10.935 10.188 747
Bolívia 228 142 86
Brasil 22.604 18.652 3.952
Chile 2.418 2.123 295
Peru 1.844 1.342 502
Uma fórmula para a estimativa dos custos diretos do diabetes em países ou
regiões afetadas sem a necessidade de estudos empíricos, os quais demandam tempo
e dinheiro, pode ser dada por: 16
1- Custos dos cuidados com o diabetes:
xTHCB11)-P(R
1)-P(R+
2- Custos do diabetes para pessoas infectadas:
xTHCB11)-P(R
PxR+
sendo P a prevalência do diabetes, R razão entre o custo com pesoas doentes e
pessoas sem diabetes (estimado em 2,6 para países desenvolvidos) e THCB o total do
orçamento para a saúde.
15
1.5 – Conclusão
É de suma urgência estudos estatísticos sobre o impacto do diabetes melito no
Brasil para que possam ser tomadas medidas de controle e, principalmente, o
diagnóstico da doença evitando, assim, o desenvolvimento de complicações que,
além do desconforto gerado no paciente, não venha sobrecarregar o sistema de saúde.
É também de grande importância o conhecimento dos custos com o diabetes,
pois gastos com a saúde tendem a crescer rapidamente quando há um crescimento
populacional seguido de maior expectativa de vida, enquanto os recursos econômicos
são limitados. Quando os custos diretos e indiretos com o diabetes melito não são
plenamente conhecidos, há o perigo de os investimentos serem deslocados para áreas
erradas, sem nenhum retorno efetivo do capital investido.
A busca por novas modalidades de tratamento e controle, que sejam mais
baratas, pode fazer com que um maior número de pessoas tenham acesso ao seu
maior bem, a saúde.
Estudos recentes 17 demonstraram conclusivamente que, se os níveis de
glicose puderem ser regulados dentro dos níveis glicêmicos normais, o
desenvolvimento de complicações microvasculares em indivíduos com diabetes pode
ser controlado.
O melhor controle metabólico possível é conseguido pela observação do nível
glicêmico ao longo do dia. Usualmente isto é feito mediante coleta de amostra de
sangue o qual é posto em contato com fitas reagentes que, acopladas a aparelhos
eletrônicos, fornecem o resultado quase que instantaneamente. Trata-se de uma
maneira rápida, eficiente e sem a necessidade de treinamento, para se avaliar os
níveis glicêmicos.
16
Capítulo 2 – Análise clínica do diabetes
2.1 – Dosagem do diabetes no laboratório clínico
Os níveis glicêmicos estão sujeitos a contínuas flutuações ao longo do dia,
sofrendo influência de muitos fatores, tais como alimentação, stress, medicamentos,
álcool e exercícios. Uma maneira de se diagnosticar e acompanhar o
desenvolvimento da doença é a leitura do nível glicêmico do plasma sanguíneo, após
jejum de 8 horas e em repouso. Há indivíduos diabéticos, porém, cuja glicemia de
jejum é normal, contudo, após ingestão de alimentos (açúcar) a glicemia sobe a
níveis anormais devido a insuficiente produção de insulina. Com base nisto, uma
outra proposta é a determinação da glicemia durante um intervalo de tempo de 2
horas, após administração de uma sobrecarga oral de 75 g de glicose: teste oral de
tolerância à glicose (TOTG).
A glicose normalmente não é eliminada através da urina, sendo que tal
fenômeno ocorre após a glicemia ultrapassar o limiar renal de cerca de 180 mg.dL-1
podendo ser um indicativo do diabetes. Porém, a medida da concentração de glicose
na urina não detecta níveis menores que 180 mg.dL-1 e é impreciso para fins de
diagnóstico, já que não existe, necessariamente, uma correlação bem definida entre
glicemia e glicosúria.
Como já dito, quando as células não podem assimilar a glicose, passam a
metabolizar gorduras sendo as cetonas o resultado de tal metabolismo. Portanto, a
presença de corpos cetônicos na urina indica um estágio avançado da doença.
Podendo, também, ser medida em laboratório.
Uma outra maneira de se avaliar os níveis glicêmicos é a análise da
hemoglobina. A hemoglobina, substância presente dentro dos glóbulos vermelhos, é
responsável pelo transporte de oxigênio intracelular. Esta proteína liga-se a molécula
de glicose presente no sangue formando um complexo, hemoglobina glicolisada
(A1C), cuja concentração será maior tanto quanto a concentração de glicose presente
na corrente sanguínea. Como os glóbulos vermelhos se renovam a cada 2 ou 3 meses,
medidas de A1C podem ser utilizadas como uma informação retrospectiva do
diabetes. No entanto, este método é pouco utilizado no Brasil.
Dos métodos citados, a medida de glicose plasmática de jejum é o utilizado
sendo o método proposto, em 1997, pela Associação Americana de Diabetes (ADA)
17
como critério de diagnóstico por ser mais econômico, de fácil execução e cuja
variabilidade de resultados entre indivíduos é menor.
Para a análise laboratorial, o método preferencial para medida de glicose
plasmática é o método enzimático colorimétrico após coletagem do plasma
sanguíneo; baseando-se em reativo enzimático contendo glicose oxidase e
peroxidase, e reativos de cor (outras enzimas que também podem ser utilizadas são a
glicose desidrogenase e a hexoquinase).
Na presença de peroxidase, o H2O2, resultante da oxidação da glicose pela
glicose oxidase, oxida compostos que não possuem absorção no visível em
compostos coloridos, fazendo com que a intensidade de cor formada seja diretamente
proporcional à concentração do substrato inicial e, este, possa ser determinado
fotometricamente. O método usual para a determinação da concentração da glicose
foi inicialmente descrito por Trinder 18, em 1969, e baseia-se na oxidação da 4-
aminofenazona pelo H2O2, a qual combina-se com um composto fenólico para
formar uma quinonaimina colorida, com alta absorvância a 500-520 nm. Na Figura 8,
tem-se a reação de oxidação da 4-aminofenazona.
Figura 8: Reação de oxidação da 4-aminofenazona pelo H2O2 em presença de fenol, para
avaliação de nível glicêmico via método colorimétrico.
4-AminofenazonaFenol
Peroxidase
Quinonaimina
18
Portanto, o método se baseia na preparação de um reativo de trabalho
contendo solução aquosa de reativo enzimático mais reativos de cor, que servirá
como referência para as leituras de absorvância de uma solução padrão de glicose e
da solução desconhecida (plasma), em espectrofotômetro a cerca de 500 nm. A
relação entre as leituras, solução padrão e solução desconhecida, é dada pela
Equação 1:
PdLmgDCG
1.100 −⋅= (1)
sendo CG a concentração de glicose que se quer saber, D a leitura no
espectrofotômetro da solução desconhecida e P a leitura da solução padrão (cuja
concentração é de 100 mg.dL-1).
2.2 – Biossensores para análises clínicas do diabetes
A monitoração diária e contínua do diabetes é, sem dúvida, o melhor método
para o controle da doença; sendo a medida direta da glicemia seu mais importante
aspecto pois, como já visto, o resultado da glicemia pode variar muito de um
momento para outro.
O uso de biossensores tem possibilitado um teste mais simples e cômodo de
se avaliar os níveis glicêmicos, possibilitando a leitura em casa, ou no trabalho, em
qualquer hora do dia. O teste é realizado puncionando-se um dos dedos das mãos
com uma lanceta para obter-se uma pequena gota de sangue que é, então, aplicada na
área de reação de uma tira reagente. A glicose presente nessa gota de sangue reage
com os produtos químicos da área reagente, provocando uma mudança de cor ou
intensidade da corrente elétrica, a qual é proporcional à quantidade de glicose
existente no sangue.
O primeiro biossensor de glicose foi construído por Clark e Lyons em 1962.
Em seu artigo tratando de monitoração química contínua do sangue, eles sugeriram
que uma camada muito fina de enzima solúvel pode ser retida na superfície de um
eletrodo de oxigênio com o uso de uma membrana dialítica. 19 Glicose e oxigênio
poderiam se difundir da amostra para dentro da camada enzimática e a conseqüente
depleção de oxigênio poderia fornecer a medida da concentração de glicose. Clark e
Lyons cunharam o termo ‘eletrodo enzimático’, o qual muitos revisores têm
19
erroneamente atribuído a Updike e Hicks os quais, em 1967, escreveram o primeiro
artigo descrevendo um eletrodo com enzima imobilizada. 20 Eles imobilizaram a
enzima glicose oxidase em gel de poliacrilamida num eletrodo de oxigênio de Clark.
Guilbault e Montalvo21 foram os primeiros a detalhar um eletrodo de enzima
potenciométrico. Eles descreveram um sensor de uréia baseado em urease
imobilizada em eletrodo de membrana líquida amônio-seletiva.
Desde os trabalhos pioneiros na década de 60, grandes esforços têm sido
feitos no desenvolvimento de biossensores de glicose; a somar, na década de 70, os
esforços para a fabricação de uma bomba de insulina para o pâncreas artificial, que
levou ao desenvolvimento de biossensores implantáveis. 22
Em 1975, a Yellow Springs Company (Ohio) lança, comercialmente, o
primeiro biossensor para análise de glicose, baseado na detecção amperométrica de
peróxido de hidrogênio. Em 1976, La Roche (Suíça) introduziu o analisador lactato
LA 640 no qual o mediador solúvel, hexacianoferrato, foi utilizado para trocar
elétrons entre a lactato desidrogenase e o eletrodo. Embora não tenha sido um
grande sucesso comercial, iniciou uma nova geração de biossensores. 23
O principal avanço na aplicação in vivo de biossensores de glicose foi
descrito por Shichiri 24 et al. Eles descreveram o primeiro eletrodo enzimático tipo-
agulha para implantação subcutânea, em 1982. A MedSense (Cambrige, USA) em
1987, baseada em eletrodos enzimáticos com uso de técnicas de impressão (screen-
printed), lançou analisadores formato-caneta (pen-sized) para monitoramento da
glicose sanguínea em casa, sendo a primeira companhia a lançar biossensores de
segunda geração. O aparelho foi redesenhado às populares formas estilo cartão e
mouse de computador, e as vendas cresceram exponencialmente chegando à cifra de
US$ 175 milhões em 1996, quando a Abbott comprou a MedSense por US$ 876
milhões. Em janeiro do ano passado, a Abbott anunciou um acordo para compra da
Therasense por US$ 1,2 bilhões. 23 (Os quatro maiores líderes do mercado de
biossensores são: Abbott Diagnostics (que incorporou a Medisense), Bayer,
Boehringer Manhein e Lifescan). 22
Nos anos recentes, o número de trabalhos publicados na área de biossensores
cresceu significativamente como pode ser visto na Figura 9. De todos os biossensores
20
já aplicados em escala comercial, o biossensor de glicose tem sido o mais estudado
(Figura 10).
Figura 9: Evolução das publicações na área de biossensores de 1999 a Maio de 2005. 25
Figura 10: Evolução dos trabalhos científicos em biossensores de glicose de 1999 a Maio de
2005. 25
O biossensor 26 é um dispositivo compacto capaz de fornecer informação
analítica, quantitativa ou semiquantitativa, incorporando um elemento de
reconhecimento biológico intimamente ligado a um transdutor capaz de converter a
resposta bioquímica em sinal apropriado, podendo este sinal ser: potenciométrico,
amperométrico, condutométrico, óptico, piezelétrico ou entalpimétrico, segundo o
0100200300400500600
núm
ero
de a
rtig
os
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
0
50
100
150
200
250
núm
ero
de a
rtig
os
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
21
princípio físico de transdução. Um biossensor consiste, então, essencialmente de dois
elementos:
1) Elemento Bioseletivo: Reconhece o analito e reage, ou se liga a ele,
gerando, por meio de uma reação bioquímica, um sinal que pode ser produto da
variação de massa, absorção ou emissão de luz, emissão de calor, mudança de estado
de oxidação, liberação de gases e etc.
2) Transdutor: Elemento que possibilita o controle de um processo ou
fenômeno, ou realizar uma medição, através da conversão de um tipo de sinal em
outro, objetivando transformar uma forma de energia em outra. O transdutor é o
detector, monitorando a reação bioquímica iniciada pelo analito.
A Figura 11 esquematiza um biossensor e os elementos presentes em seu
projeto.
Na Tabela 4 são mostrados os diferentes elementos que podem ser usados no
projeto de biossensores.
Figura 11: Elementos que compõem um biossensor.
Amplificador
Microeletrônica
Transdutor
Amostra
Elemento Bioseletivo
Analito
22
Tabela 4: Elementos que podem compor um biossensor.
Os principais processos envolvidos em qualquer sistema de
biossensoriamento são: reconhecimento do analito, transdução e amplificação do
sinal, e leitura do sinal transduzido. As investigações sobre este tema implicam na
integração entre a química, a física, a medicina, a informática, a engenharia e a
medicina molecular, se mostrando uma área extremamente multidisciplinar. As
potenciais aplicações desta tecnologia nas áreas de saúde, alimentação e no controle
do meio ambiente, são excepcionais. 27-29
Biossensores enzimáticos se tornaram muito úteis em aplicações analíticas,
pois a purificação de enzimas é um processo relativamente barato, já que muitas
enzimas podem ser isoladas de microorganismos como fungos e bactérias, os quais
produzem estas enzimas em excesso naturalmente ou por manipulação genética.
As reações enzimáticas são altamente específicas, superiores a qualquer
catalisador sintético, esperando-se que tais biossensores sejam usados mesmo que
muitas outras substâncias estejam presentes na amostra. Uma vez que as reações são
altamente específicas, tornam-se desnecessários os processos de separação e
purificação pelos quais as análises químicas normalmente são realizadas podendo,
estas, serem realizadas in situ ou in vivo pelo próprio paciente. Ainda que a atividade
enzimática seja reduzida até certo ponto pela imobilização, biossensores enzimáticos
têm vantagens como maior estabilidade conformacional e possível reutilização. Para
uma enzima em particular, é importante encontrar-se um método adequado de
imobilização para que se tenha uma boa atividade enzimática e melhor estabilidade.
Este trabalho está focado em biossensores enzimáticos para glicose com uso
da enzima glicose oxidase, uma oxiredutase. A GOx é imobilizada num eletrodo de
Transdutor Elemento BioseletivoEletroquímico: Potenciométrico Amperométrico: I. Geração II. Geração III. Geração Condutométrico Impedimétrico Óptico Calorimétrico Piezelétrico Acústico
Enzimas Componentes de Enzimas Anticorpos Receptores Células Tecidos Organelas Membranas Moléculas Orgânicas Microorganismos Ácidos Nucléicos
23
trabalho (work electrode) de metal onde, previamente, foi depositado um substrato
polimérico (o conjunto metal/polímero é o transdutor), e pode ser visto como um
Eletrodo Quimicamente Modificado (EQM).
A GOx catalisa a oxidação da β-D-glicose, em meio aquoso, pelo oxigênio
molecular produzindo ácido glucônico e peróxido de hidrogênio, sendo um processo
em dois estágios 28 em que, no primeiro, há a oxidação enzimática da glicose e a
coenzima flavina adenina dinucleotídio (FAD) é reduzida a FADH2 (Reação 2); no
estágio seguinte, a coenzima é oxidada (regeneração biocatalítica) pelo oxigênio
molecular com a produção de peróxido de hidrogênio (Reação 3):
β-D-glicose + GOx(FAD++) → glucono-δ-lactona + GOx(FADH2) (2)
GOx(FADH2) + O2 → GOx(FAD++) + H2O2 (3)
A gluconolactona produzida pela reação (2) é hidrolisada em meio aquoso
formando ácido glucônico:
glucono-δ-lactona + H2O → ácido glucônico (4)
A reação global, portanto, pode ser expressa por:
Portanto, biossensores de glicose podem ser construídos levando-se em
consideração as reações acima expostas: seja pela medida da variação da
concentração de O2 consumido no processo ou de H2O2 produzido, por redução ou
oxidação de tais substâncias em eletrodos polarográficos (biossensores
amperométricos); por medidas do pH local devido à produção de ácido glucônico
(biossensores potenciométricos); medida da mudança da resistividade elétrica do
meio durante todo processo (biossensores condutométricos) ou pelo calor produzido
(biossensores entalpimétricos).
GOx
(β-D-glicose) (ácido glucônico)
(5)
24
2.3 - Biossensores eletroquímicos
Biossensores baseados em transdutores eletroquímicos são os mais comuns
para o uso de análises clínicas e os mais freqüentemente citados na literatura. A
detecção eletroquímica pode ser amperométrica (medindo-se a transferência de
cargas) ou potenciométrica (medindo-se uma diferença de potencial) ou
condutométrica (medindo-se mudanças na condutância entre os eletrodos) ou
impedanciométrica (medindo-se mudanças de impedância no eletrodo). Dentre os
citados, os impedanciométricos e condutométricos são usualmente não específicos e
possuem uma razão sinal/ruído muito baixa além de uma construção muito
elaborada. 29,30 O desempenho dos sensores condutométricos é altamente dependente
da concentração do ambiente iônico e qualquer flutuação pode mascarar os
resultados; já os sensores impedanciométricos se baseiam na aplicação de uma tensão
senoidal entre os eletrodos e a medição da variação da impedância do meio resultante
da reação bioquímica. Assim, os transdutores potenciométricos e amperométricos
têm sido a fonte principal de muitas pesquisas, por serem relativamente simples e por
estarem em estágio mais avançado de pesquisa relativamente aos transdutores
citados.
2.3.1 - Biossensores potenciométricos
Biossensores potenciométricos utilizam-se de eletrodos íon-seletivos para
fazerem a transdução da reação bioquímica em sinal elétrico. Basicamente, consiste
de uma membrana com enzima imobilizada envolvendo um eletrodo íon-seletivo,
onde a reação catalisada gera ou absorve íons H+. A resposta do biossensor é uma
diferença de potencial como função do tempo (as moléculas de glicose tendem a se
ionizar com o passar do tempo) e o potencial do eletrodo é dado por: 31
]iln[nFRTVV 0 += (6)
sendo V o potencial medido (em volts), V0 o potencial característico para o sistema
eletrodo externo/membrana, R a constante dos gases ideais, T a temperatura absoluta
, n o número de elétrons envolvidos na reação, F a constante de Faraday e [i] é a
concentração molar de espécies iônicas livres não-complexadas.
25
Percebe-se na equação (6) que o sinal obtido estabelece uma relação
logarítmica entre o potencial desenvolvido no eletrodo e a concentração de íons em
solução diretamente relacionada com a reação enzimática.
O sinal obtido por biossensores potenciométricos, portanto, é baseado na
equação de Nernst, a qual dá uma dependência logarítmica do potencial com a
concentração do analito (o que é aceitável quando mudanças na concentração sejam
de várias ordens de magnitude). Em fluidos fisiológicos, no entanto, as mudanças na
concentração de glicose não mudam mais que uma ordem de magnitude, fazendo
com que este tipo de biossensor tenha uma baixa sensibilidade.
Aliando-se técnicas de microeletrônica, é possível o desenvolvimento de
transistores de efeito de campo íon-seletivos (ISFET) 32 como princípio para o
desenvolvimento de biossensores (ENFET) 31 miniaturizados e como parte
componente de circuitos eletrônicos integrados. Uma técnica bastante comum é o uso
de transistores com porta extendida (EGFET) 33 que são mais baratos, possibilitando
o uso descartável de tais dispositivos. (A Figura 12 mostra as etapas na fabricação de
um ENFET).
Figura 12: Montagem de um ENFET. (A) Substrato de silício, (B) Dopagem e formação de
óxido, (C) deposição da membrana íon-seletiva e (D) imobilização da enzima e
membrana protetora.
d) c)
b) a)
Si Tipo-p Si Tipo-p
Si Tipo-n
Epoxi
Si Tipo-n Si Tipo-p
SiO2
Membrana íon-seletiva
Enzima Imobilizada Ref
Membrana Protetora Ref
Si Tipo-n
Membrana íon-seletiva
Si Tipo-nSi Tipo-p Si Tipo-p
(A)
(C) (D)
(B)
26
O ISFET consiste de uma membrana íon-seletiva revestindo a camada de
dióxido de silício acima do canal condutor de um transistor de efeito de campo
(FET). É usualmente fabricada num substrato de silício tipo p similarmente ao canal
n de um MOSFET. O potencial desenvolvido na membrana pela concentração de
íons na solução é, então, medido pela mudança de corrente através do canal. Com o
acréscimo de uma camada enzimática, elemento bioseletivo, tem-se um ENFET.
2.3.2 - Biossensores amperométricos
A possibilidade de se obter um sinal que seja proporcional à concentração do
analito torna-se muito tentadora. Tal feito pode ser obtido por meio dos biossensores
amperométricos sendo que, a linearidade da resposta do biossensor, faz com que o
mesmo seja facilmente recalibrado. Se oxigênio é suprido por uma membrana de
espessura d e área A, a corrente I pode ser aproximada pela Equação 7:
dpα.D.A.F.4I = (7)
sendo D o coeficiente de difusão, α e p a solubilidade e a pressão parcial de O2 na
membrana, respectivamente, e F ≅ 96500 C.
A amperometria é uma técnica que tira vantagem do fato de certas espécies
químicas oxidarem ou reduzirem (reações de oxiredução) em eletrodos de metal
inerte. Pela aplicação de um nível de tensão contínua adequada, a concentração de
substrato pode ser medida pela transferência de carga entre a superfície do eletrodo e
o substrato. Comumente os biossensores amperométricos se classificam em três
grupos, ou gerações, segundo o processo envolvido na transferência de carga, a
saber: primeira, segunda e terceira geração.
2.3.2.1 - Primeira geração: 34
Os biossensores amperométricos de primeira geração baseiam-se no
decréscimo na concentração de oxigênio ou aumento na concentração de peróxido de
hidrogênio (ver reação 5), dividindo-se, portanto, em biossensores baseados na
concentração de oxigênio (eletrodo pO2 de Clark) ou biossensores baseados na
concentração de peróxido de hidrogênio (eletrodo de H2O2).
27
Biossensores de glicose baseados na detecção de oxigênio: 19
Em 1962, o professor Liland Clark desenvolveu um sistema de dois eletrodos
(ver Figura 13) separados da solução da amostra por uma membrana gás permeável,
sendo o primeiro sensor enzimático para glicose (eletrodo de Clark). O oxigênio se
difunde através da membrana e é reduzido num eletrodo de platina catodicamente
polarizado (cerca de -700mV) contra um eletrodo de referência (Ag/AgCl):
O2 + 4H+ + 4e- → 2H2O (8)
Um eletrodo de trabalho (platina) é separado de um eletrodo de referência
(Ag/AgCl) por um material isolante e, ambos, imersos numa solução concentrada de
KCl. É mantida uma ddp constante entre os dois eletrodos por meio de polarização
catódica do eletrodo de trabalho. A solução, o catodo e o anodo são separados do
meio que contém o analito por uma membrana permeável ao oxigênio.
Considerando-se que a difusão através da membrana é o processo controlador da
passagem de oxigênio do analito para a superfície do catodo, a corrente resultante é
diretamente proporcional à concentração (pressão parcial) de oxigênio na amostra.
Como a platina é um agente catalisador da dissociação e redução covalente da
água, elétrons saltam do eletrodo de Pt, combinando-se com moléculas dissociadas
de O2 e íons de hidrogênio, formando água (Equação 8).
A taxa com a qual os elétrons saem do eletrodo é proporcional à concentração
de O2 disponível para capturá-los. A corrente flui do eletrodo de Ag para o eletrodo
de Pt quando os elétrons saltam deste para a solução. A retirada de elétrons do
eletrodo de prata produz íons de prata os quais estão em baixa concentração se
comparados com os íons cloreto, na solução. Esses íons de prata combinam-se com
os de cloreto, formando um acúmulo de cloreto de prata na superfície do eletrodo de
prata, deixando íons de potássio para trás, porém, como íons de hidrogênio são
retirados da solução pelo consumo de oxigênio, o sistema é eletrostaticamente
neutro.
4Ag+ + 4Cl- ↔ 4AgCl + 4e- (9)
E a reação global é dada por:
4Ag+ + 4Cl- + 4H+ + O2 ↔ 4AgCl + 2H2O (10)
Pt
28
Figura 13: Eletrodo de oxigênio de Clark. A) Eletrodo de trabalho Pt, B) eletrodo de referência
Ag/AgCl, C ) eletrólito semi-saturado de KCl, D) membrana de Teflon®, E) anel de
borracha para fixação, F) fonte de tensão para polarização e G) instrumento para
medição da corrente de saída.
O sinal é proporcional à concentração do analito quando o sistema ajusta-se a
uma cinética de primeira ordem para o substrato, ou seja, quando o oxigênio está em
excesso comparado ao substrato. No estado estacionário, a transferência de massa
está no processo limite, ou seja, as pressões parciais fora e dentro da membrana se
igualam. Como a reação (5):
GOx
29
também deve ser limitada pela difusão da glicose, usa-se uma membrana
semipermeável à glicose separando a camada enzimática do analito. Tais
biossensores são sensíveis a flutuações na pressão parcial de O2 e a estabilização da
temperatura é necessária. Flutuações na concentração de oxigênio podem afetar as
medidas, especialmente em altas concentrações do substrato.
Nos eletrodos de oxigênio o sinal de saída resulta da diferença entre o nível
de oxigênio no analito e o nível atingido como resultado da depleção de oxigênio
pela reação enzimática. Uma vez que estes eletrodos dependem da concentração de
oxigênio no analito, variações na pressão parcial de O2 devido à influência do
ambiente podem mascarar a resposta.
Uma aproximação para eliminar a influência do oxigênio tem sido a
utilização de membranas semipermeáveis para restringir a difusão do substrato para a
camada de enzima (como já dito), evitando, assim, sua saturação. Membranas de
policarboneto são comumente utilizadas, assim como membranas de poli(cloreto de
vinila), poliuretano e emulsões de silicone. Camadas hidrofóbicas de lipídeos e
silanos são utilizadas para possibilitar a biocompatibilidade de algumas superfícies
de membranas. Outra inovação 35 foi o uso de material rico em oxigênio como
eletrodo, servindo de reservatório para suportar a reação enzimática.
Biossensores de glicose baseados na detecção do peróxido de
hidrogênio:36
Biossensores baseados em eletrodo de peróxido de hidrogênio são os mais
comumente utilizados. O sinal é obtido pela oxidação do H2O2 num eletrodo de Pt
anodicamente polarizado (cerca de +700mV) contra um eletrodo de referência
(Ag/AgCl):
H2O2 → 2H+ + O2 + 2e- (11)
Uma dependência linear é alcançada quando a transferência de massa de
ambas as espécies eletroquimicamente ativas (H2O2 e glicose) estão no processo
limite, ou seja, as pressões parciais de H2O2 em ambos os lados da membrana se
igualam e a difusão de glicose é limitada pela membrana. Se a quantidade de H2O2
próxima ao eletrodo é limitada, a reação cessa quando todo H2O2 é consumido;
Pt
30
porém, se H2O2 é fornecido continuamente à superfície do eletrodo, uma corrente
contínua permanece. Recobrindo o eletrodo com uma membrana permeável ao H2O2,
então, a tensão de H2O2 do outro lado da membrana determina o suprimento de H2O2
para a superfície do eletrodo, e a tensão da membrana reflete a corrente no equilíbrio.
A detecção de peróxido de hidrogênio também pode se realizada pela redução
do mesmo em eletrodo de platina segundo a Equação 12:
H2O2 + 2H+ + 2e- → 2H2O (12)
Garburzev 37 et al. apresentaram um novo modelo para a fabricação de
biossensores amperométricos cujo transdutor é capaz de detectar o peróxido de
hidrogênio (H2O2) em potenciais anódicos ou catódicos, fazendo uso da enzima
peroxidase (Horseradish peroxidase-HRP). O eletrodo de H2O2 bifuncional foi
possível com uso de glicose oxidase, para catálise da glicose, e HRP para a redução
direta de H2O2.
Outras espécies presentes no fluido, que não a glicose, podem sofrer oxidação
mascarando o sinal. Este problema é resolvido com uso de membranas
semipermeáveis com propriedades de transporte específicas. A HRP (outra enzima
da classe das oxiredutases) tem sido usada conjuntamente com a GOD para abaixar
ou anular o potencial aplicado. 38 Ao contrário da maioria das moléculas biológicas, a
peroxidase é capaz de trocar cargas diretamente com eletrodos de pasta de carbono
quando dispersas nos mesmos. 39
Para os biossensores baseados em H2O2 a dependência do sinal com a
concentração de oxigênio ainda é um problema, pois a produção de H2O2 pela reação
enzimática requer o consumo de O2, que pode variar de meio para meio. Membranas
com propriedades hidrofóbicas restringem o fluxo de glicose, permitindo um excesso
de oxigênio e menor dependência do sinal amperométrico com o meio.
A baixa solubilidade de O2 em solução aquosa, a dificuldade associada com o
controle da pressão parcial de produtos gasosos e o alto potencial aplicado, levaram
ao desenvolvimento de biossensores amperométricos de segunda geração.
Pt
31
2.3.2.2 - Segunda geração:
Os eletrodos de segunda geração utilizam um mediador na transferência de
carga entre o grupo prostético da enzima e a superfície do eletrodo. 40 Tais
mediadores podem ser orgânicos ou inorgânicos. Mediadores são geralmente
moléculas de baixo peso molecular, as quais podem reagir com o centro ativo da
enzima ou com um produto da reação enzimática e as formas, oxidada ou reduzida,
do mediador sofrem rápidas reações eletroquímicas redox a potenciais mais baixos
que aqueles dependentes da concentração de O2. Ferroceno e seus derivados são os
mediadores mais comumente utilizados por possuírem baixos potenciais redox que
são geralmente independentes do pH. O principal problema do uso do ferroceno é a
sua estabilidade um tanto pobre, em sua forma catiônica, especialmente em meio
aquoso: os mediadores solúveis constantemente se desprendem da biocamada
enzimática (o que restringe seu uso in vivo, por serem tóxicos). Nestes biossensores,
têm-se as seguintes reações:
β-D-glicose +GOx(FAD++) → gluconolactona + GOx(FADH2) (13)
FADH2 + 2Med(ox) → FAD++ + 2Med(red) + 2H+ (14)
2Med(red) → 2Med(ox) + 2e- (15)
sendo Med(ox) e Med(red) as formas oxidadas e reduzidas, respectivamente, dos
mediadores e a Reação 15 ocorre entre o mediador e o eletrodo. Na forma reduzida o
mediador é insolúvel em meio aquoso e, então, pode ser adsorvido na superfície do
eletrodo; quando oxida, sob operação, torna-se mais solúvel o que possibilita o seu
movimento, por difusão, do eletrodo até o sítio ativo da enzima, reagindo com a
forma reduzida da mesma.
No caso do uso de mediadores, estes devem reagir rapidamente com a enzima
reduzida, devem ser preferencialmente não tóxicos e quimicamente estáveis (em
ambas as formas reduzida e oxidada), e devem possuir um baixo potencial redox.
Recentemente tem crescido o interesse pelos mediadores baseados em
polímeros oxiredutores: poliferroceno 40, tetratiofuvaleno 41, polímeros contendo
ósmio, rutênio ou paládio. Neste caso, elétrons podem ser trocados entre a enzima e
32
um íon metálico de transição ligado a um polímero condutor o qual “conecta” este
íon à superfície do eletrodo. A vantagem de polímeros condutores é um alto grau de
contato entre enzima e o polímero, isto permite uma cinética rápida de transferência
de elétrons, e maior regeneração da enzima, aumentando a taxa de conversão do
substrato.
Um método elegante foi proposto por Ohara 42 et al.: uma rota não difusional
para a comunicação elétrica entre a enzima oxiredutase e o eletrodo pode ser
estabelecida pela conexão da enzima à superfície do eletrodo por meio de uma cadeia
polimérica flexível rica em ósmio.
Willner 43 et al., 1996, propuseram a remoção da coenzima para o
posicionamento de uma unidade elétron-mediadora, ferroceno, e posterior
reconstrução da enzima.
O uso de mediadores se tornou uma técnica favorita na fabricação de
biossensores de glicose comerciais para uso próprio, pois possibilita biossensores
mais baratos e cujo sinal torna-se independente da concentração de oxigênio.
Também possibilita o uso de outras enzimas oxiredutases para biossensoriamento,
incluindo peroxidases e desidrogenases, as quais não se utilizam do O2 como
substrato para troca eletrônica.
Até o momento, os biossensores apresentaram um tempo de resposta um tanto
quanto longo devido a limitações quanto ao transporte de massa por difusão dos
elementos responsáveis pela troca eletrônica com o eletrodo. Também é digno de
nota o fato de os sistemas aqui descritos operarem com mediadores solúveis de baixo
peso molecular que podem ser lixiviados do eletrodo.
As técnicas descritas acima abriram caminho à terceira geração de
biossensores, baseada na troca eletrônica direta entre a enzima e o eletrodo.
2.3.2.3 - Terceira geração:
Biossensores de terceira geração foram marcados pelo progresso do uso de
mediadores de elétrons em um sistema onde enzima e mediador são co-imobilizados
na superfície do eletrodo, fazendo do componente bioativo uma parte integrante do
transdutor. Isso é possível pela imobilização da enzima em polímeros oxiredutores
33
ou, enzima e mediador, imobilizados num polímero condutor. Nestes tipos de
biossensores admite-se uma transferência direta de elétrons entre a enzima e a
superfície do eletrodo. 44-45
Uma transferência de elétrons mais eficiente pela diminuição ou remoção da
camada protéica ao redor do sítio ativo da enzima, sem perda de seletividade, tem
despertado o interesse de grupos de pesquisa em química biomimética de enzimas
artificiais. 46,47 Desta forma o custo na obtenção de enzimas poderia ser barateado
pela síntese de enzimas artificiais que substituem a estrutura altamente complexa das
enzimas naturais por estruturas mais simples capazes de simular reações catalíticas
enzimáticas. No entanto, muitas pesquisas ainda devem ser feitas afim de que se
obtenha biossensores comerciais que se utilizem desta técnica.
As três gerações de biossensores estão sumarizadas na Figura 14, onde
também é mostrado como se dá a troca de cargas entre a enzima e o eletrodo:
Figura 14: Três gerações de biossensores amperométricos baseados em oxidases. (A) primeira
geração, (B) segunda geração e (C) terceira geração. S – Substrato, P – Produto.
(A)
(B)
(C)
≡GOx
Ferroceno
34
2.4 – Biossensores comerciais
A maioria dos biossensores utilizados para a análise de glicose ainda se
baseia no uso de mediadores, com limites de leitura de cerca de 10 a 600 mg.dL-1.
Esses biossensores são vendidos em lotes (25 ou 50 biossensores, para o caso da
Accu-Chek) separadamente do dispositivo eletrônico para análise. Os preços no
mercado local, para a Accu-Chek (o mais comum), variam de R$ 75 a R$ 140,
dependendo da quantidade de fitas no lote e do local de compra. A seguir é dada a
composição do reagente para os biossensores comerciais Accu-Chek/Advantage (de
acordo com a bula):
Ferrocianeto de potássio 43,7 %
Glicose desidrogenase 1,2 %
Solução tampão 24,7 %
Estabilizante 19,4 %
Ingredientes não-reativos 11,0 %
Uma relação parcial de alguns biossensores de última geração, regularmente
disponíveis no mercado brasileiro, pode ser visto pela Tabela 5. E uma comparação
entre alguns monitores de glicose no sangue podem ser vistos na Tabela 6. É
perceptível o elevado custo desses biossensores em relação à média salarial das
baixas classes sociais já que, segundo dados estatísticos do IBGE (2004), 53,8 % da
população brasileira possui rendimento médio mensal de até 2 salários mínimos
sendo que 40 % da população mais pobre ocupada recebe R$ 185,27, em média.
Modelo Tempo de Leitura Faixa de Leitura Accutrend GC Glicose: 12 seg
Colesterol: 180 seg 20 a 600 mg.dL-1 150 a 300 mg.dL-1
Accutrend GCT
Glicose: 12 seg Colesterol: 180 seg
Triglicérides: 174 seg
20 a 600 mg.dL-1 150 a 300 mg.dL-1 70 a 600 mg.dL-1
Advantage 26 seg 10 a 600 mg.dL-1 Elite 30 seg 10 a 600 mg.dL-1
Glucotrend 15 seg 10 a 600 mg.dL-1 Precision 20 seg 20 a 600 mg.dL-1
Tabela 5: Biossensores para a leitura da glicemia. 48
35
LR = Refletância de Luz EC = Eletroquímico (biossensor)
* Hct = hematócitos ** Tira padrão requer 9 uL amostra
$=30.00-40.0,0 $$=40.00-65.00, $$$=65.00-80.00, $$$$=90.00-120.00, $$$$$=200.00-300.00
Accu-Check
Advantage
Accu-Check
Complete
Accu-Check Active
Accu-Check Compact
Exac-Tech RSG FreeStyle SofTact
Fabricante Roche/ Boehringer
Roche/ Boerhinger
Roche/ Boerhinger
Roche/ Boerhinger Medisense TheraSense Medisense
Método EC EC RL RL EC EC EC
Referência Sangue total
Sangue total Plasma Plasma Sangue
total Plasma Plasma
Amostra (min) 4 uL ** 4 uL ** 1 uL 3.5 uL 10 uL 0.3 uL <3 uL
Calibração Chip Chip Código Automático Sem Botão Tira
Tempo de teste até 40 seg. até 40 seg. 5 seg. 15 seg. 30 seg. 15 seg. 20 seg.
Quant. de testes 10-600 10-600 10-600 10-600 40-450 20-500 35-450
Bateria 2 alcalinas AAA
2 alcalinas AAA 2 CR 2032 2 AAA Não-
substituível2 alcalinas
AAA 9 volt
Faixa de Hct.* 25-55% 25-55% 30-57% 30-57% 35-55% até 60% 30-60%
Faixa de Preço (US$) $$ $$$$ $ $$$ $ $$$ $$$$$
Glucometer DEX
Glucometer Eliite XL
One Touch Basic
One Touch Fast Take
One Touch Profile
One touch Ultra
Precision QID
Fabricante Bayer Bayer LifeScan LifeScan LifeScan LifeScan Medisense
Método EC EC RL EC RL EC EC
Referência Plasma Plasma Sangue total Plasma Sangue
total Plasma Plasma+N30
Amostra (min) 3-4 uL 2 uL 10 uL 1.5 uL 10 uL 1.0 ul 3.5 uL
Calibração Automática Fita Botão Botão Botão Botão Fita
Tempo de teste 30 seg. 30 seg. 45 seg. 15 seg. 45 seg. 5 seg. 20 seg.
Quant. de testes 10-600 20-600 20-600 20-600 20-600 20-600 20-600
Bateria 3 V de lítio 3 V de lítio 2 alcalinas AAA
1.5 V óxido de prata
2 alcalinas AAA
3.0 V de lítio
Não-substituível
Faixa de Hct. 20-60% 20-60% 25-60% 30-55% 25-60% 30-55% 30-60%
Faixa de Preço $$$ $$ $$ $$$ $$$$ $$$ $$$
Tabela 6: Quadro de comparação de monitores de glicose no sangue. 49
36
2.5 – Conclusão
O desenvolvimento de biossensores para a monitoração de glicose no sangue
contribuiu significativamente para o sistema de auto-avaliação, importante para o
diabético.
Em pouco mais de 40 anos um avanço considerável foi atingido no projeto de
biossensores. Assim, de biossensores de primeira geração onde a interface enzima-
eletrodo era relativamente complexa, dada a necessidade de um eletrodo extra para se
monitorar a variação do oxigênio do meio, evoluiu-se para o biossensor de terceira
geração onde a transferência de elétrons é feita diretamente da enzima para o
eletrodo, sem a necessidade de mediadores.
Entretanto, tais estudos são muito recentes não havendo ainda dados
publicados com relação à aplicação em escala comercial.
No Brasil, os biossensores potenciométricos foram extensivamente estudados
pelo professor Graciliano de Oliveira Neto (introdutor do conceito de biossensores
no Brasil) a partir da década de 70, sendo os biossensores amperométricos ainda
pouco estudados em nosso país.
37
Capítulo 3 – Oxiredutases utilizadas na monitoração da glicose
3.1 – As enzimas
A reação inicial para a conversão do analito em um composto detectável
ocorre com a enzima imobilizada sobre o eletrodo. As enzimas são biocatalizadores
que apresentam alta seletividade; observada especialmente para a glicose oxidase
(GOx), utilizada no presente trabalho, a qual catalisa somente a conversão de D-
glicose em gluconolactona.
A Tabela 7 mostra a seletividade da GOx para alguns substratos, incluindo a
glicose.
Tabela 7: Seletividade da GOx dados alguns substratos.
Substrato Atividade Relativa (%)
D-glicose 100
Galactose 3,10
Frutose 0,24
L-glicose 0,00
Ribose 0,00
O primeiro reconhecimento da atividade enzimática ocorreu em estudos feitos
entre 1780 e 1825 sobre a digestão no estômago. Louis Pasteur, em 1860, postulou
que a fermentação do açúcar a álcool pela levedura é catalisada por “fermentos” ou
enzimas. Em 1936, J. B. Sumner isolou a urease em forma cristalina e sugeriu que
tais cristais seriam proteínas. Esta opinião não foi totalmente aceita até a década de
30, quando J. Northrop isolou as enzimas digestivas pepsina, tripsina e
quimotripsina. 50
Portanto, as enzimas são catalisadores naturais e como todos os catalisadores,
elas aumentam a taxa em que as reações atingem o equilíbrio pela queda da energia
38
de ativação. Por energia de ativação entende-se a energia (térmica, elétrica ou
radiação) necessária para que duas determinadas moléculas colidam e se produza
uma reação química entre elas. Além da sua função catalítica, as enzimas se
caracterizam por uma alta especificidade, ou seja, são capazes de, numa amostra com
várias substâncias, reconhecer e se ligar à substância com a qual reagem. Geralmente
as enzimas são nomeadas adicionando-se a terminação “ase” a um nome relativo à
substância com a qual atuam.
Enzimas, como todas as proteínas, constituem-se de cadeias de aminoácidos
que se ligam através de reações de grupos amina com carboxilas, liberando
moléculas de água (ligação peptídica), formando estruturas específicas
tridimensionais. Algumas enzimas são constituídas apenas de uma ou mais cadeias
polipeptídicas formando estruturas tridimensionais complexas, porém, outras
apresentam também algum outro componente químico necessário à sua atividade, ou
que a acentuam, podendo ser um íon inorgânico chamado cofator (p. ex. Mg2+, Ca2+)
ou uma molécula orgânica complexa chamada coenzima (p. ex. NADH, FAD,
hemo). Quando o cofator, ou a coenzima, está firmemente ou covalentemente ligado
à parte protéica da enzima, é chamado de grupo prostético. A enzima completa,
juntamente com seu grupo prostético, é chamada de holoenzima e a parte prostética,
apoenzima. A Figura 15 mostra a estrutura da flavina adenina dinucleotídeo (FAD),
uma coenzima de enzimas oxiredutases que atua como agente oxidante biológico
(presente na GOx).
A parte da enzima onde se "encaixa" o substrato é denominada sítio ativo, e é
a responsável pela especificidade da enzima. Quanto à estrutura, pode-se classificar:
estrutura primária, definida como o modo em que as seqüências dos resíduos de
aminoácidos interligam-se para formar a cadeia polipeptídica; secundária,
relacionada com as distorções angulares da cadeia protéica; terciária, que surge
quando as cadeias se dobram podendo enovelar-se (enzimas globulares) e estrutura
quaternária, quando há mais de uma subunidade com estrutura terciária interagindo
entre si formando complexos tridimensionais (Figura 16).
39
Figura 15: Estrutura química e redução do agente oxidante biológico FAD. FMN: Flavina
mononucleotídeo.
Figura 16: Classificação das estrutura enzimáticas: resíduos de aminoácidos - estrutura primária
(A), α-hélice - estrutura secundária (B), cadeia polipeptídica – estrutura terciária (C) e
subunidades agrupadas – estrutura quaternária (D).
As reações catalíticas podem ser seletivas para um substrato ou um grupo de
substratos. Também são estereoespecíficas e estereoseletivas. Estas características
Riboflavina
FADH2
Isoaloxazina
Flavina adenina dinucleotídeo (FAD)
FMN
(A) (B) (C) (D)
40
resultaram em uso freqüente de enzimas para aplicações analíticas no laboratório
clínico.
As enzimas são classificadas de acordo com a recomendação de uma
Comissão de Nomenclatura nomeada pela União Internacional de Bioquímica
(1984). Tal comissão designou a cada enzima um nome recomendado e um número
de 4 dígitos. O número EC (Enzyme Commission) divide as enzimas em 6 grupos
principais de acordo com o tipo de reação catalisada. A Tabela 8 a seguir mostra
como se dá esta classificação. 51
Tabela 8: Classificação das enzimas segundo a comissão de enzimas. 51
1. Oxiredutases (reações de oxiredução ou transferência de elétrons – Desidrogenases e Oxidases) 1.1.atuando em CH-OH
1.2.atuando em C=O 1.3.atuando em C=O- 1.4.atuando em CH-NH2 1.5.atuando em CH-NH- 1.6.atuando em NADH, NADPH
2. Transferases (transferem grupos funcionais como amina, fosfato, acil, carboxil – Quinasese Transaminases)
2.1.grupos com um carbono 2.2.grupos aldeído ou cetona 2.3.grupos acil 2.4.grupos glicosil 2.7.grupos fosfatos 2.8.grupos contendo enxofre
3. Hidrolases (reações de hidrólise de ligação covalente - Peptidases) 3.1.ésteres 3.2.ligações glicosídicas 3.4.ligações peptídicas 3.5.outras ligações C-N 3.6.anidridos ácidos
4. Liases (catalisam a quebra de ligações covalentes e a remoção de moléculas de água, amônia e gás carbônico – Dehidratases e Descarboxilases)
4.1. =C=C= 4.2. =C=O 4.3. =C=N-
5. Isomerases (reações de interconversão entre isômeros óticos ou geométricos - Epimerases) 5.1.racemases
6. Ligases (catalisam reações de formação de novas moléculas a partir da ligação entre duas pré-existentes, sempre às custas de energia - Sintetases)
6.1. C-O 6.2. C-S 6.3. C-N 6.4. C-C
41
3.2 - Enzimas oxiredutases e a glicose oxidase (GOx)
As oxiredutases são responsáveis por catalisarem reações de troca de cargas
ou de oxiredução, ou seja, os grupos prostéticos são como armadilhas temporárias de
elétrons ou vacâncias. Segundo a EC, pertencem à classe 1 e são divididas em seis
subclasses segundo o grupo funcional em que atuam (como já mostrado). Os grupos
prostéticos podem estar na superfície ou internamente à estrutura protéica. No último
caso, não há uma boa transferência de carga para o eletrodo.
De acordo com a teoria de Marcus 52, usada para explicar a taxa de reação
eletroquímica, a transferência de elétrons decai exponencialmente com a distância;
ou seja, a constante cinética da transferência eletrônica entre um par doador-
aceitador é dada pela Equação 16, onde ∆Go e λ correspondem à energia livre e
energia de reorganização que acompanham a transferência eletrônica, e do e d são a
distância de Van der Waals e atual distância separando os centros doador e aceitador,
R é a constante dos gases e T, a temperatura absoluta.
]4
)([)]([2
λλ
β RTG
ddet
o
o eeK+∆−
−−∝
Portanto, a transferência eletrônica de um sítio ativo próximo ao centro de
uma proteína para um eletrodo é desfavorecida devido a uma barreira cinética
causada pela camada protéica que envolve a enzima. Neste caso, para aplicações em
biossensores amperométricos a dificuldade de se transferir elétrons torna-se um
grande problema. Mediadores capazes de acessarem os sítios são freqüentemente
utilizados, como já exposto. Uma outra técnica seria a síntese de compostos
biomiméticos que substituísse a enzima, conservando a apoenzima. 47
A glicose 1-oxidase (β-D-glicose: oxigênio-1-redutase, EC 1.1.3.4) foi
descoberta por Muller em 1928, e é a enzima mais utilizada em biossensores de
glicose devido a sua alta especificidade, alta estabilidade, e baixo custo de obtenção. 53 Trata-se de uma enzima globular dimérica e pode ser isolada de inúmeras fontes,
como: algas vermelhas, frutas cítricas, insetos, bactérias e mofos. Sua holoenzima
contém duas moléculas de coenzima flavina adenina dinucleotídio (FAD)
intimamente ligadas à estrutura protéica, porém não formando ligação covalente com
a apoenzima e podendo ser facilmente removida, sem desnaturar a enzima. 54 A
(16)
42
Figura 17 mostra a estrutura molecular, modelo de fitas, da glicose oxidase e seu
sítio ativo.
A classificação EC 1.1.3.4 para a glicose oxidase refere-se, portanto, à classe
das oxiredutases que atuam nos grupo de doadores CH-OH (1.1) com oxigênio como
aceitador (1.1.3) para oxidação da glicose (1.1.3.4).
A molécula monomérica da GOx possui um formato esférico com dimensões
aproximadas de 60 Å x 52 Å x 37 Å e correspondentes dimensões do dímero de 70 Å
x 55 Å x 80 Å. O coeficiente de difusão da holoenzima em NaCl (0,1 M) é 4,94x10-7
cm2.s-1. 54
Figura 17: Modelo de fitas para a GOx. (A) Topologia geral da holoenzima (B) Subunidade
mostrando a FAD no sítio ativo da enzima (seta).
Outra enzima, citada neste trabalho, pode ser utilizada juntamente com a GOx
no projeto de biossensores de glicose, quando se deseja uma troca eletrônica direta
com o eletrodo (seção 2.3.2.3). Trata-se da peroxidase (HRP), uma oxiredutase capaz
de catalisar a redução do H2O2 produzido pela oxidação da glicose pela GOx:
H2O2 + 2H+ → 2H2O
A estrutura segundo o modelo de fitas para a HRP é mostrada na Figura 18.
(A) (B)
HRP
43
Figura 18: Modelo de fitas para a HRP (EC 1.11.1.7).
3.3 - Cinética enzimática
A teoria da cinética enzimática para sistemas com um único substrato foi
desenvolvida por Michelis e Menten. 49
Uma reação entre a enzima (E) e seu substrato (S) consiste ao menos da
seqüência: ligação da molécula de substrato à enzima resultando no complexo
enzima substrato (ES), reação com o centro ativo (ES → EP), liberação dos produtos
(EP → P) e reativação da enzima pelo co-substrato (p.ex. GOx(red) + O2 → GOx(ox) +
H2O2). A seqüência de toda a reação pode ser escrita como:
S + E ES → P + S (17)
sendo k a constante cinética de reação.
A formação do complexo ES é reversível, enquanto a reação do produto com
a enzima dando ES é praticamente impossível devido à baixa afinidade de ligação
entre a enzima e o produto.
A velocidade de consumo de substrato, ou formação de produto, diminui com
o tempo devido à diminuição da concentração de substrato no decorrer da reação
enzimática.
K1 ← →
K2K-1
44
Para a Equação (17) têm-se as velocidades de reação para o consumo de
substrato e formação de produtos dados por:
Então:
]ES[k]ES[k]E][S[k]ES[211 −−= −dt
d
Considerando-se um estado estacionário, no qual a taxa de formação do
complexo ES é igual à taxa de dissociação, onde a concentração ES permanece
constante:
0]ES[=
dtd
Logo:
]ES)[kk(]S][E[k 211 += − (20)
A concentração total de enzima, [E]t, é a soma de suas formas livre e
combinada:
]ES[]E[]E[ t +=
Pelo princípio da conservação da massa:
]ES[]E[]E[ t −= (21)
Substituindo (21) em (20):
0]ES[k]ES[k]S])[ES[]E([k 21t1 =+=− −
)kk]S[k](ES[]S[]E[k 211t1 ++= −
Resultando na Equação 22:
]E][S[k]ES[k]S[v 11 −== −dtd
(18)
]ES[k]P[v 2==dt
d (19)
45
211
t1kk]S[k
]S[]E[k]ES[++
=−
(22)
Substituindo em (19):
]ES[kv 2=
Tem-se:
211
t12 kk]S[k
]S[]E[kkv
++=
− (23)
sendo [E]t a quantidade total de enzima.
Se toda a enzima livre estiver saturada pelo substrato, isto é [S]o >> [E]t,
então a velocidade da reação é máxima. Esta máxima velocidade de reação, Vmax, é
dada pela concentração total da enzima e pela constante cinética de dissociação do
complexo ES como:
t2max ]E[kV =
Desta forma:
1
21max
211
max1
kkk
]S[
]S[Vv
][]S[Vk
v
++
=
++=
−
− kkSk
Define-se a constante de Michaelis-Menten, Km, como:
1
21m k
kkK
+= −
Finalmente:
]S[K]S[V
vm
max+
= (24)
E:
ES de AssociaçãoES de oDissociaçãK m = (25)
que é o inverso da afinidade da enzima pelo substrato.
46
A velocidade máxima depende apenas da constante de velocidade k2
(supondo que a parte mais lenta da reação catalítica é a que domina toda a reação) e
da quantidade de enzima existente na reação no tempo t. Independe, portanto, da
concentração de substrato [S].
Para km << [S]:
maxVv =
Da Equação (24):
v)vV](S[K
)vV](S[vK]S[V]S[vvK
maxm
maxm
maxm
−=
−==+
Então, ]S[Km = quando 2V
v1v
)vV( maxmax =⇒=−
A dependência da taxa de reação da concentração de um substrato para uma
concentração constante de enzima é mostrado na Figura 19.
Figura 19: Efeito da concentração de substrato na cinética enzimática.
Vmax/2
Vmax
Km [S]
v
47
Postulando que a enzima se combina reversivelmente com o substrato,
formando um complexo enzima-substrato numa reação rápida e que ES é
decomposto de forma mais lenta, para regenerar a enzima e formar produtos P, a
Equação 18 é a que delimitará a velocidade da reação, sendo que a velocidade Vmax é
alcançada quando E tender a zero, existindo somente ES. Então o equilíbrio da
reação (17) se desloca para a direita se a concentração de S aumenta; e se aumentar
muito, essencialmente todo E estará na forma ES, ou seja, quando ES é decomposto
para formar P e regenerar a enzima, a alta concentração de S faz com que E se
combine rapidamente, obtendo-se um estado fixo em que a enzima está sempre
saturada com seu substrato e a velocidade é máxima.
A constante de Michaelis, Km, é então definida como a concentração do
substrato em que, a uma dada concentração de uma enzima, produz a metade de sua
velocidade máxima.
A forma característica da curva substrato-saturação para uma dada enzima
pode ser matematicamente expressa pela equação de Michaelis-Menten:
Se Km e Vmax são conhecidos, pode-se calcular a velocidade da reação a
qualquer concentração de substrato.
Km e Vmax são obtidos experimentalmente pelo gráfico de Lineweaver-Burk
(Figura 20), que é uma linearização da equação de Michaelis-Menten, ou seja:
maxmaxm
V1
][1.
VK
v1
+=S (26)
48
Figura 20: Linearização da equação de Michaelis-Menten por Lineweaver-Burk – Equação (26).
A velocidade da reação enzimática pode ser reduzida pela desnaturação da
enzima, que consiste, para as enzimas globulares, no desenovelamento da cadeia
polipeptídica, causando sua perda de atividade. A desnaturação protéica é um
fenômeno que pode ser atribuído a variações no pH e na temperatura do meio (ou a
outros fatores). A desnaturação de uma enzima é mostrada na Figura 21, sendo que
muitos processos de desnaturação protéica são reversíveis.
Figura 21: Enzima na sua forma nativa (A), desnaturação protéica (B) e renaturação (C).
No projeto de biossensores, é importante encontrar um método adequado de
imobilização para que se tenha alta atividade enzimática e melhor estabilidade,
evitando o processo de desnaturação.
(A) (C) (B)
1/Vmax tgα =Km/Vmax -1/Km
1/[S]
1/v
49
3.4 - Técnicas de imobilização
Muitas enzimas solúveis são pouco estáveis e retêm sua atividade catalítica
por um breve período de tempo. Imobilizando-as em um estado próximo ao seu
ambiente natural resulta em enzimas mais estáveis e eficientes. 55
A imobilização de enzimas é um processo pelo qual se restringe, completa ou
parcialmente, os graus de liberdade de movimento das enzimas por sua união a um
suporte insolúvel. Espera-se, com isto, um contato íntimo entre a enzima e o eletrodo
mantendo, ou aumentando, sua atividade catalítica, maior estabilidade e menor
interferência de compostos indesejáveis. Em 1916, Nelson e Griffing 55, mostraram
que a invertase imobilizada por adsorção em carvão ativado conservava sua atividade
catalítica. Desde então, muito tem sido pesquisado em termos de novos suportes e
técnicas de imobilização.
Em geral, os métodos 56 para imobilização enzimática podem ser classificados
em retenção física, onde a enzima não sofre nenhuma alteração em sua estrutura
química, e ligação química, onde a enzima é quimicamente ligada ao suporte por
ligações covalentes.
3.4.1 - Métodos de imobilização de enzimas por retenção física
3.4.1.1 – Adsorção 57
As enzimas se unem ao suporte mediante ligações fracas como forças de Van
der Waals ou ligações de hidrogênio. Sobre o ponto de vista mecânico, são pouco
estáveis e a união ao suporte é fraca (podendo haver desorção devido à mudança de
temperatura, pH, pelo substrato, solvente ou convecção), porém, o método é o mais
simples e pode ser realizado em condições brandas de imobilização, preservando-se a
enzima (mudança conformacional mínima ou nula). Coloca-se uma gota da solução
aquosa contendo a enzima em contato com a superfície do suporte que, após seco,
estará pronto para uso.
3.4.1.2 - Retenção em membranas
A retenção de enzimas em membranas poliméricas foi a primeira técnica
descrita 19 para fabricação de biossensores, onde a enzima foi colocada sobre o
50
eletrodo e retida por uma membrana polimérica dialítica. Uma membrana adicional
semipermeável pode barrar elementos interferentes e possibilitar somente a passagem
dos produtos da reação enzimática.
3.4.1.3 - Microencapsulamento
Nesta técnica, as enzimas estão envolvidas por membranas semipermeáveis
que permitem a passagem de moléculas de substrato e produto, mas não da enzima;
são de forma esférica com tamanhos entre 1 a 100 µm de diâmetro. 56 A enzima e um
monômero hidrofílico são misturados em solução aquosa e adicionados em solvente
orgânico insolúvel em água. Com a adição de monômero hidrofóbico, se inicia a
reação de polimerização, levando à formação de microesferas. 58 Com este método
pode-se encapsular simultaneamente uma grande variedade de enzimas, o que faz
com que reações que se sucedem em múltiplas etapas possam ser levadas a cabo. Os
principais tipos de membranas utilizadas são: Teflon®, Nafion®, colágeno, acetato de
celulose e policarbonato.
3.4.1.4 – Eletropolimerização 59
No método da imobilização enzimática por eletropolimerização, um
monômero em solução contendo a enzima, ao se polimerizar pela ação de um
potencial elétrico, sofre deposição na superfície do eletrodo aprisionando
simultaneamente a enzima. O monômero é eletricamente oxidado em potencial que
facilita o crescimento de radicais livres do monômero e, este, é adsorvido pela
superfície do eletrodo onde uma série de reações ocorrem para a formação da matriz
polimérica.
O processo será regido pelo potencial do eletrodo e pelo tempo de reação, o
que permite o controle da espessura do filme resultante. Para algumas reações de
polimerização, devido a acidez do meio, este pode não ser o mais adequado, pois a
enzima pode sofrer desnaturação e ter sua atividade catalítica comprometida.
51
3.4.1.5 – Oclusão em matriz polimérica
Neste método, a enzima é retida dentro de uma rede polimérica
tridimensional insolúvel em água. A oclusão pode ser feita em gel 60 (a solução de
enzima é misturada a um monômero, que é então polimerizado a um gel, retendo a
enzima), em eletrodos de pasta de carbono 61 (a enzima pode ser misturada a uma
pasta consistindo de pó de grafite e um óleo e a pasta pode ser misturada a diferentes
componentes) e em polímeros (a enzima pode ser adicionada a um monômero, em
solução aquosa, e este ser quimicamente polimerizado junto com a enzima). A
enzima também pode ser imobilizada dentro de matrizes sólidas porosas. 62
3.4.2 - Métodos de imobilização de enzimas por ligação química 56
Pode-se imobilizar a enzima em um suporte, ou eletrodo, por meio de reações
químicas deste com grupos funcionais presentes na estrutura protéica, tais como
amino grupos, grupos carboxílicos, grupo imidazol da histidina e etc. Os métodos
químicos incluem ligação covalente e reticulação.
3.4.2.1 - Ligação covalente 63,64
Este método consiste no uso de grupos químicos do suporte, por meio da
ativação da matriz sólida, e conseqüente união com a enzima. Dos 20 aminoácidos
que compõem a estrutura enzimática, os mais empregados para ligarem-se ao suporte
são principalmente a lisina, cisteína, tirosina e histidina, e em menor grau, a
metionina, triptofano, arginina e os ácidos aspártico e glutâmico. O restante, devido
ao caráter hidrofóbico, não se encontram expostos na superfície protéica, e não
podem então intervir nas ligações. A ativação da matriz pode consistir em silanização
(Pt, vidro, quartzo), reação com carboimidas (amidas, nylon®, grafite), glutaraldeído
(aminas) e etc.
Para tal método, faz-se necessário conhecer a densidade de grupos funcionais
por unidade de superfície, já que este condiciona o número de uniões enzima-
substrato bem como prevê a posição da enzima na superfície do eletrodo. O processo
de imobilização pode alterar a estrutura do centro ativo inativando, total ou
parcialmente, a enzima.
52
3.4.2.2 - Ligações covalentes reticuladas
Reagentes bi ou multifuncionais, que podem originar uniões intermoleculares
entre as moléculas de enzima, são usados para reagirem com os aminogrupos livres
contidos na cadeia protéica, havendo a formação de uma rede polimérica devido a
formação de ligações covalentes cruzadas entre as moléculas de enzima e ou um
suporte com grupos funcionais. O agente mais aplicado para este fim tem sido o
glutaraldeído, por possuir baixa toxicidade e baixo custo comparado aos demais
reativos químicos. O resultado é um reticulado com ligações intermoleculares
irreversíveis capazes de resistir a condições extremas de pH e temperatura e a
solventes orgânicos (Figura 22). O reticulado possibilita à enzima resistir a
desnaturação por estar mais estável estericamente. A maior desvantagem é que
muitas enzimas são sensíveis ao acoplamento químico com glutaraldeído, podendo
perder sua atividade por desnaturação.
Figura 22: Acoplamento químico de uma molécula de glutaraldeído a duas enzimas.
A Figura 23 ilustra as técnicas físicas e químicas de imobilização de enzimas
em um suporte insolúvel.
E
E
E
E
53
Figura 23: Sumário das técnicas de Imobilização enzimática.
3.5 – Principais reações para o acoplamento químico de enzimas
Geralmente os suportes poliméricos insolúveis para o acoplamento químico
de enzimas contém grupos funcionais que após ativação podem imobilizar o
composto bioativo via um grupo funcional específico. Os principais grupos
funcionais de suportes poliméricos insolúveis utilizados no processo de imobilização
enzimática são: hidroxilas (-OH), carbonilas (C=O), carboxilas (CO(OH)) e aminas
primárias (NH2).
Os grupos funcionais podem ser ativados quimicamente para imobilização da
enzima via seu grupo NH2 funcional, mantendo a atividade enzimática em níveis
adequados para o desenvolvimento de biossensores.
Cada suporte contendo um grupo funcional requer uma ativação específica, a
saber (Figura 24):
Técnicas de imobilização
Eletropolimerização
Oclusão
Física
Microencapsulamento
Química
Ligação covalente
Adsorção
Retenção em membranas
Ligação covalente cruzada
Sobre o eletrodo
Sobre suporte inerte
= enzima
54
(A) Hidroxilas
Suportes contendo hidroxilas podem ser ativados pela reação com cloreto
cianúrico e este se ligar à enzima por meio da reação entre o seu grupo funcional
hidroxila e o grupo funcional amina da enzima.
(B) Carbonilas
Suportes ricos em grupos funcionais carbonílicos podem sofrer um processo
de silanização para posterior complexação com glutaraldeído possibilitando, assim,
reações com as aminas enzimáticas.
(C) Carboxilas
Suportes contendo carboxilas podem ser ativados com carbodiiminas e estas
servirem de complexo de ligação às enzimas.
(D) Aminas primárias
Os suportes que contém grupos funcionais amina podem ser ativados pelo
glutaraldeído que se liga às enzimas pela reação entre os grupos funcionais aminas
primárias e carbonilas.
55
Figura 24: Ligação covalente da enzima (com agrupamento amina) na superfície do eletrodo.
(A) complexação com cloreto cianúrico, (B) ligação covalente por silanização, (C)
complexação com carbodiimina e (D) glutaraldeído.
Cl
OH
OH O
OH
NH2
N
H
O
OH
(A)
O
O
+ NH2 Cl
Cl
Cl
Si NH2
Cl
Cl
Si
O
O
Glutaraldeído Ver (D) (B)
NH2
NH2
N
NH2
O
NH2
+NH2
+
(D)
NH2
O
OH R-N=C=N-R +
O
C
NR
NH
R
NH
O
(C)
+
+ +
OH
Cl E
E
E E
E
E
OH
56
3.6 – Conclusão
O desenvolvimento de processos para extração e a purificação de enzimas
contribuíram de modo decisivo para o projeto de biossensores clínicos. Enzimas são
biocatalizadores de elevada especificidade que catalisam reações químicas
praticamente à temperatura ambiente. Seu papel cinético é a redução da energia de
ativação sem, contudo, afetar a termodinâmica do sistema. Entretanto, o custo de
processos analíticos é relativamente elevado.
O custo dos processos enzimáticos pode ser viabilizado após sua imobilização
em suportes insolúveis adequados para o desenvolvimento de biossensores. Várias
técnicas de imobilização de enzimas foram desenvolvidas de forma a reter física ou
quimicamente a enzima por um grupo funcional periférico à molécula. O objetivo
principal é localizar a enzima na interface do eletrodo preservando ao mesmo tempo
a atividade biológica da enzima. A escolha do método de imobilização bem como
sua viabilidade dependerá essencialmente da macromolécula hospedeira do
biocatalizador.
57
Capítulos 4 – A heterojunção polímero-metal em biossensores
Nos biossensores a enzima está acoplada ao elemento transdutor através de
uma heterojunção do tipo polímero-metal. Neste sentido, a resposta do biossensor
depende do sinal elétrico resultante da reação bioquímica na interface da
heterojunção.
4.1 – Polímeros conjugados na medição do transporte de elétrons
Os polímeros têm sido extensivamente usados na fabricação de biossensores
devido às suas propriedades químicas e físicas. 53,65,66 Podem ser utilizados como
membrana permeável a gás, suporte mecânico, co-participante do mecanismo sensor
ou componente de imobilização do elemento bioseletivo.
Dentre os polímeros orgânicos, aqueles que apresentam capacidade de
condução elétrica vem despertando enorme interesse por aliarem características
conformacionais à sua capacidade de condução. Sua aplicação é das mais variadas
podendo ser, não só utilizados no biossensoriamento de moléculas de interesse
clínico, mas também na fabricação de capacitores eletrolíticos, proteção à corrosão,
baterias recarregáveis flexíveis e diodos emissores de luz orgânicos (OLEDs). A
condução em tais materiais foi primeiramente possível pela adição de cargas (negro
de fumo, fibras metálicas ou de carbono) a uma matriz polimérica: os chamados
polímeros extrínsecos.
Na década de 70, foram desenvolvidos polímeros que apresentam
condutividade elétrica sem a necessidade de adição dessas cargas: os polímeros
intrinsecamente condutores ou polímeros conjugados (PCs). Sua descoberta se deu
de maneira acidental quando, em 1976, um aluno do Instituto Tecnológico de
Tóquio, sob a orientação do professor Shirakawa, que tentava sintetizar poliacetileno
(um pó preto), obteve um filme lustroso prateado (ele havia utilizado uma
concentração 1000 vezes maior de catalisador que a concentração ideal). 67 Em 1977,
Shirakawa, McDiarmid e Heeger (ganhadores do Prêmio Nobel em química de 2000)
verificaram que a oxidação do filme de poliacetileno com Cl, Br ou I pode torná-lo
até 109 vezes mais condutivo. 68
58
Os polímeros conjugados possuem ligações simples e duplas que se alternam
ao longo da cadeia polimérica, contendo elétrons π , os quais podem se deslocar ao
longo da mesma. Portanto, a condução de cargas elétricas ao longo da estrutura
polimérica decorre da excitação eletrônica do sistema π conjugado. A Figura 25
mostra alguns exemplos de polímeros conjugados, já disponíveis comercialmente.
Figura 25: Estrutura química de alguns polímeros conjugados.
Pode-se explicar a condução em polímeros conjugados analogamente aos
semicondutores inorgânicos, segundo o modelo de bandas: Num átomo isolado, os
estados quânticos são descritos por funções de onda cujo autovalor é discretizado. Na
matéria condensada, não se pode desprezar a interação entre os átomos, ou
moléculas, quando estes se agrupam produzindo um sistema quanticamente estável.
Num sólido cristalino, por exemplo, há uma degenerescência dos estados quânticos
de seus elementos quando estes se aproximam devido à sobreposição de suas funções
de onda. Então, para N elementos que compõem a rede, haverá N degenerações para
cada nível energético. Para um número de elementos da ordem do número de
Avogadro (6,02x1023), tais interações resultam em níveis de energia tão próximos
que podem ser considerados como bandas contínuas de energia (já que a diferença de
energia entre o menor e o maior nível de energia de desdobramento não depende
significativamente do número de átomos, mas da distância de separação entre eles).
E o desdobramento é mais significativo para os níveis de energia mais externos dos
átomos.
poliacetileno polianilina
polipirrol politiofeno
59
Nos carbonos que compõem a cadeia polimérica orgânica, três ou quatro
elétrons nas camadas mais externas ocupam estados hibridizados formados por um
estado s e dois estados p (hidridação sp2). Tais elétrons formam três ligações fortes σ
e uma ligação π; as ligações σ são bem localizadas e formam ligações estáveis, já as
ligações π são menos localizadas, apresentando uma ligação mais fraca, e as funções
de onda do elétron π, de cada átomo de carbono da cadeia, podem se sobrepor
formando uma banda de energia. Uma banda proibida surge com a interação destes
orbitais, que possuem a metade da banda preenchida, com os estados ocupados σ
presentes em cada par alternado de átomo de carbono, numa ligação conjugada. Esta
banda de energia se localiza no meio da banda eletrônica π entre estados ligantes
preenchidos (banda π) e estados antiligantes vazios (banda π*) 69, abaixando a
energia dos estados preenchidos. Sob dopagem, o mecanismo de condução do
polímero pode ser melhorado pelo aparecimento de estados energéticos localizados
na banda proibida devido a defeitos conformacionais induzidos associados à
formação de solitons, polarons e/ou bipolarons.
Os polímeros conjugados exibem instabilidade de Peierls 70 (as ligações C-C
são mais extendidas que as ligações C=C) devido às interações de alta anisotropia e
sofrem modificações geométricas substanciais devido às excitações eletrônicas,
resultando em vários processos de transferência de carga e elevado grau de
desordem, conduzindo a vários estados localizados na banda proibida.
Os n estados eletrônicos ocupados de maior energia (a 0 K) correspondem à
banda de valência (BV) e os n estados eletrônicos desocupados de mais baixa
energia, à banda de condução (BC). A diferença de energia entre as duas bandas é
chamada de zona proibida (band gap) e pode ser relacionada aos orbitais de fronteira
HOMO (Maior Orbital Molecular Ocupado) e LUMO (Menor Orbital Molecular
Desocupado).
Os polímeros conjugados podem ser obtidos por síntese química 71, em meio
básico ou ácido, com adição de um agente oxidante, ou por eletrodeposição segundo
os métodos galvanostáticos, potenciostáticos ou por voltametria cíclica. 72
60
4.2 - A polianilina
A polianilina (PANI) é o mais estudado dentre os polímeros conjugados por
ser quimicamente estável em condições ambientes, facilmente sintetizada, altamente
condutora, além de poder ser dopada por protonação, sem que ocorra alteração no
número de elétrons associados à cadeia polimérica. 72 Neste sentido, a polianilina é
facilmente convertida em seus vários estados de oxidação (o nitrogênio do tipo imina
destas espécies podem estar total ou parcialmente protonado). Estes estados de
oxidação diferem, um do outro, pelo número de anéis quinóides, os quais variam de
zero a dois na unidade elementar de quatro anéis, com os demais sendo anéis
benzenóides. A Figura 26 mostra os principais estados de oxidação da PANI. A
PANI existe na forma condutora, como sal de esmeraldina, pela protonação da base
de esmeraldina ou pela oxidação parcial da base de leucoesmeraldina.
Figura 26: Esquema mostrando a interconversão de PANI entre seus estados oxidativos
esmeraldina e leucoesmeraldina e a interconversão entre estados de sal e base (em
azul).
A PANI pode ser obtida via síntese química com o uso de agentes oxidantes
como K2Cr2O7, H2O2, Cr2O4 ou KClO3, em meio ácido (HCl, H2SO4, DBSA-ácido
dodecilbenzeno sulfônico). Na eletrodeposição, moléculas de anilina são oxidadas a
filme de PANI no anodo por uma corrente elétrica em meio ácido. Os elétrons são
retirados da cadeia polimérica durante a oxidação e contra-íons, provenientes da
Leucoesmeraldina - Amarelo
Base de esmeraldina - Azul
Pernigranilina - Púrpura
Sal de esmeraldina - Verde
61
dissolução ácida, na solução são inseridos para balancear a carga elétrica da cadeia.
A eletrodeposição é, portanto, uma reação interfacial.
A via de síntese química é vantajosa na produção em massa a baixo custo,
porém, métodos eletroquímicos oferecem materiais com melhores propriedades de
condução em forma de filmes finos (ou nanoestruturas) devido a dopagem do
polímero ser unicamente eletroquímica, sendo que, a quantidade de carga usada na
reação determina o seu grau de dopagem. 73
A miniaturização e produção em massa de eletrodos enzimáticos podem ser
levadas a cabo por deposição eletroquímica de camadas de polímeros condutores na
superfície do eletrodo, independentemente de seu tamanho e forma. Através da
funcionalização dos filmes poliméricos condutores, as superfícies podem ser
apropriadas para a imobilização de enzimas ou mediadores de elétrons.
A fórmula geral da polianilina é apresentada na Figura 27 onde y representa o
estado redox da PANI e x, o grau de polimerização.
Figura 27: Fórmula geral da PANI.
Por uma reação reversível de oxiredução, a estrutura da PANI pode variar do
estado totalmente oxidado (pernigranilina), y = 0, passar por um estado de semi-
oxidação (esmeraldina), y = 0,5, à forma totalmente reduzida (Leucoesmeraldina), y
= 1. Dessas, somente o sal de esmeraldina é condutora.
Com a protonação, a esmeraldina pode tornar-se eletricamente condutora,
como sal de esmeraldina, quando sua coloração muda de azul para verde.
A eletrodeposição da polianilina em eletrodos possui muitas vantagens sobre
os métodos tradicionais como revestimento por imersão (dip-coating), sendo essas
vantagens: controle sobre a espessura do filme, reprodutibilidade, completo
62
recobrimento da superfície ativa, além de promover um meio para a oclusão da
enzima e também de um mediador.
Os polímeros conjugados são facilmente eletrosintetizados em eletrodos
inertes tais como Pt, Au ou C, porém é muito mais dificultoso gerar tais polímeros
em eletrodos reativos, como o alumínio. Quando da anodização do eletrodo de Al há
a formação de óxido (Al2O3) que age como uma barreira, inibindo a transferência de
elétrons e o processo de polimerização. Tal barreira também protege o eletrodo de
sua dissolução. Há, portanto, um processo concorrente entre a formação de óxido e a
eletrodeposição. Eftekhari, em 2004, demonstrou que a eletropolimerização de PANI
em eletrodo de ferro passivado é mais rápida e fácil que os eletrodos convencionais
de Fe, e que biossensores preparados com esse método possuem maior estabilidade.59
A Figura 28 mostra o mecanismo de polimerização proposto por Park e Lee.73
O monômero, anilina, (1) é oxidado na superfície do eletrodo formando radical
cátion R+•, o qual é estabilizado por ressonância, (2) podendo sofrer reações de
dimerização (3). O dímero obtido sofre uma reação de oxidação a dois elétrons para
produzir diradical dicátion (5) cujas estruturas ressonantes são mostradas em (4), (6)
e (7). O produto da oxidação dicátion recebe uma molécula de anilina produzindo
uma cadeia uma unidade maior que a precursora, enquanto toma a forma
ligeiramente reduzida (8) ou (9). Esta forma reduzida pode ser re-oxidada a dicátion
no eletrodo e todo o processo se repete. Na verdade, a cadeia polimérica final
transporta uma carga positiva a cada 3 ou 4 unidades de anilina, a qual é contra-
balanceada por ânions advindos da solução.
63
Figura 28: Mecanismo proposto para a eletropolimerização da anilina. 73
4.3 – Mecanismos de transporte eletrônico na interface polímero-metal
Os estudos das heterojunções do tipo polímero-metal (HPM) levaram, nas
últimas duas décadas, a um avanço significativo da optoeletrônica uma vez que
propiciaram o projeto de dispositivos eletrocrômicos, transistores de efeito de campo
(FETs), supercapacitores, entre outros. As principais características físico-químicas
de tais materiais são a facilidade de processamento e o baixo custo.
A possibilidade de se obter HPMs com superfícies nanoprojetadas é atraente
uma vez que torna possível a obtenção de materiais cujas características elétricas
possam ser moduladas topologicamente.
Uma HPM particularmente interessante para o projeto de nanodispositivos
envolve a obtenção de interfaces do tipo polímero conjugado-metal. Tais sistemas
são particularmente interessantes para o projeto de biossensores amperométricos de
3ª geração, de grande utilidade em análises clínicas.
Quando se tem uma heterojunção do tipo semicondutor-metal geralmente é
suposto como teoria padrão a emissão termoiônica através da junção (modelo de
64
Schottky). A corrente aumenta exponencialmente ao se aplicar uma polarização
direta; em contraste, uma corrente muito pequena flui quando se aplica uma tensão
reversa. Nesse caso, tem-se o comportamento retificante de um diodo (diodo
Schottky). Como o metal não possui lacunas, não há armazenamento de cargas e nem
tempo de recuperação reverso (o diodo Schottky consegue interromper o circuito
mais rapidamente que um diodo comum) sendo muito utilizado em computadores
digitais de alta velocidade e diodos de retificação de sinais de alta freqüência (até a
ordem de GHz).
O comportamento tipo diodo Schottky, não próprio dos materiais
poliméricos, deve-se à interface semicondutor polianilina-metal (PANI-M). É fato
bem conhecido que os níveis de energia de Fermi (EF) são diferentes na interface
metal-polímero (Figura 29). 74 Uma vez que os elétrons são os únicos portadores de
carga, o equilíbrio doador-receptor somente é atingido quando os níveis EF no
semicondutor e no metal se alinham através de um fluxo de cargas do semicondutor
(tipo-n) para o metal. Uma camada de dipolos é então formada, conduzindo a uma
redução da banda de condução e a formação de uma barreira de Schottky que se opõe
a um fluxo eletrônico adicional. Este comportamento confere à heterojunção PANI-
M um caráter retificador.
Na Figura 29, são representados a afinidade eletrônica χ (energia requerida
para remover um elétron do fundo da BC até o vácuo), φ é a função trabalho
(energia requerida para remoção do elétron do nível de Fermi até o vácuo), Bnφ é a
barreira Schottky, Vbi é a barreira de potencial, W é o comprimento da região de
exaustão. Na prática, defeitos na superfície do metal (devido a formação de óxidos,
ligações químicas não orientadas e impurezas), podem levar ao aparecimento de
estados superficiais os quais tendem a reter o nível de Fermi. Os estados abaixo de
qφ0 (Figura 29) estão preenchidos, e os estados acima de qφ0 estão vazios. Para uma
grande densidade de estados na superfície a adição ou exaustão de elétrons para o
semicondutor não muda o nível de Fermi EFs na superfície). Desta maneira a altura
da barreira é então independente do metal utilizado.
A dependência da corrente (I) em função da tensão aplicada (V) pode ser
expressa por: 74
)1( / −= nkTqVS eII (27)
65
sendo IS a corrente de saturação, q a carga do elétron, k a constante de Boltzmann, T
a temperatura absoluta e n uma constante (para um diodo ideal n = 1).
Pela Equação 27, podemos avaliar o comportamento Schottky da
heterojunção através do valor calculado para n, obtido pela linearização da mesma
equação.
Uma outra maneira de se avaliar o comportamento de diodo é o valor dado
pela razão de retificação (RR) definido como:
)()(
VIRVIFRR−
=
sendo IF(V) a corrente de polarização direta lida na tensão V, IR(V) a corrente
reversa lida em –V, e V a maior polarização utilizada. Quanto maior o valor de RR
melhor será o diodo.
Além do modelo de Schottky, o comportamento retificante da heterojunção
metal-polímero pode ser descrito pelo modelo de emissão de campo, conhecido
como modelo de tunelamento de Fowler-Nordheim (FN). A injeção de cargas na
heterojunção é descrita pela teoria de emissão termoiônica dominante a baixas
tensões de polarização (tensões menores ou iguais à altura da banda proibida do
semicondutor); para altas tensões de polarização, o modelo de tunelamento FN é
proposto, referindo-se a um aumento na taxa de tunelamento através de uma barreira
de potencial na presença de um alto campo elétrico. A dependência da corrente com
o campo é expresso matematicamente por:
)/(2. EeEI Ψ−Α=
sendo A uma constante de proporcionalidade, E o campo elétrico e ψ é um
parâmetro que depende do formato da barreira.
(29)
(28)
66
Figura 29: Energia de Fermi para o sistema metal-semicondutor: níveis de energia para o metal
e um semicondutor separados (A), abaixamento dos níveis de energia devido à
diferença nos níveis de Fermi (EF) após contato e no equilíbrio térmico (B), a
presença de densidade de estados superficiais devido a imperfeições na superfície (C).
(A)
(C)
(B)
qφm ECs
EFm
EFs
Metal
EVs
Semicondutor
qφs
χs
EFs
qφBn
EFm
Semicondutor Metal
qφBn = Eg - qφ0
EFm EFs
qφ0
ECs
EVs
Semicondutor Metal
W
Vbi
67
4.4 – A estrutura dendrítica (aplicações no projeto de biossensores)
Macromoléculas com estrutura dendrítica são sistemas isomoleculares cuja
estrutura tridimensional tem atraído a atenção de muitos grupos de pesquisa com
relação ao projeto de biossensores para aplicações clínicas. A estrutura mimetizante
de proteínas globulares bem como sua elevada área superficial tornam os
dendrímeros sistemas macromoleculares atraentes para o projeto de biossensores
enzimáticos. Enzimas imobilizadas em superfícies dendriméricas posssuem um alto
grau de orientação em relação a matriz polimérica na qual o dendrímero será ligado,
possibilitando a exposição de um maior número de sítios ativos na superfície do
polímero conjugado.
A síntese de macromoléculas com estrutura dendrítica envolve uma reação de
policondensação controlada que utiliza uma estratégia sintética repetitiva. Desta
maneira é possível um controle do peso molecular e do tamanho da macromolécula,
o que produz polímeros isomoleculares.
Os dendrímeros podem ser sintetizados a partir de duas metodologias, a saber,
a divergente ou a convergente. Ambos os métodos fornecem estruturas altamente
simétricas, hiper-ramificação, elevado grau de funcionalização terminal e
monodispersão.75-77
O método divergente envolve o crescimento a partir de um núcleo central,
onde as ramificações são justapostas através de etapas sintéticas repetitivas. Este
método é caracterizado por reações que ocorrem por um aumento do número de
sítios reativos, como se o dendrímero estivesse sendo construído "de dentro para
fora". O procedimento geral é ilustrado pela Figura 30.
Embora seja comumente utilizada para a obtenção de grandes quantidades de
dendrímeros, o método de síntese divergente apresenta como principais
inconvenientes as reações incompletas dos grupos terminais, que introduzem defeitos
na macromolécula. Para impedir a formação de defeitos, normalmente se utilizam
grandes quantidades de precursores, o que dificulta a purificação do produto final.
No método convergente a síntese principia pelo que gerará a superfície
externa da macromolécula. O princípio básico do método envolve a construção de
pequenos fragmentos denominados dendrons que sofrem policondensação e constituem o núcleo central e que evoluem para a formação final do dendrímero. O
68
método convergente é ilustrado a seguir (Figura 31). O monômero de partida contém
um grupo reativo (RG1) de um lado da subunidade estrutural e um grupo terminal
(TG) na outra extremidade formando, na geração final, a camada externa do
dendrímero. Esse fragmento pode, então, reagir com grupos reativos (RG2) da
unidade de repetição, que também contêm sítios protegidos (PG). Depois da
conversão para um novo grupo reativo (RG2) a síntese pode ser continuada por
reação com uma segunda unidade de repetição. A repetição do ciclo de
desproteção/reação leva à construção de grandes dendrons. A reação dos dendrons
desprotegidos com grupos reativos (RG) de um núcleo terminal constitui o
dendrímero final.
Embora a formação de defeitos no dendrímero seja minimizada na rota
sintética convergente e a purificação do produto final seja mais fácil relativamente à
rota sintética divergente, o impedimento estérico, causado pelos grupos volumosos
na periferia do dendrímero, impede a obtenção de sistemas de elevadas gerações.
69
Figura 30: Representação esquemática do crescimento de um dendrímero segundo o método
divergente.
Figura 31: Representação esquemática da síntese de um dendrímero pelo método convergente.
70
4.5 – Conclusões
O projeto de biossensores requer, numa primeira etapa, materiais adequados
para o seu desenvolvimento. O eletrodo deve possuir uma baixa resistividade e ser
facilmente encontrado no mercado local.
O mediador de elétrons deve possuir como características físico-químicas alta
estabilidade, boa condutividade elétrica, boa propriedade de adesão à superfície do
eletrodo e, finalmente, uma rota de síntese a mais simples possível. Neste sentido, os
polímeros conjugados parecem ser uma escolha interessante para o papel de
mediador de cargas elétricas.
Uma vez que é difícil unir-se tais características ao processo de
biocompatibilidade, um revestimento ou conjugação com um polímero facilmente
funcionalizável é desejado.
Os dendrímeros representam um avanço notável com relação à arquitetura
supramolecular de polímeros. Estas macromoléculas apresentam propriedades
biomiméticas e elevado grau de funcionalidade. Sua elevada área superficial poderia
contribuir significativamente para o desenvolvimento de biossensores
nanoestruturados de terceira geração.
A performance de um biossensor é fundamentalmente “gerado” por um
trinômio eletrodo, mediador, enzima de acordo com a Figura 32 abaixo:
Figura 32: Trinômio eletrodo, mediador, enzima.
Eletrodo
Mediador Enzima
Biossensor
71
O biossensor é um dispositivo híbrido quanto a sua macroestrutura;
constituído por materiais de diferentes constantes dielétricas. O transporte eletrônico
no dispositivo (biossensor) e sua relação sinal/analito dependem quantitativamente
dos fenômenos na heterojunção metal-polímero.
72
Capítulos 5 - Objetivos
Com base no exposto, os seguintes objetivos podem ser apontados no
presente trabalho:
5.1 - Objetivo Geral
Avaliar o desempenho do sistema nanotubos de polianilina/poliglicerol
dendrítico como biossensores de glicose.
5.2 - Objetivos Específicos
• Verificar a viabilidade da utilização de nanotubos de polianilina como
mediadores de elétrons.
• Investigar o comportamento elétrico da heterojunção polianilina-
alumínio (PANI/Al).
• Avaliar a performance do biossensor PGLD-GOx-HRP/PANI/Al
quanto à monitoração de glicose.
• As conclusões obtidas e sugestões para futuros trabalhos.
73
Capítulo 6 – Materiais e métodos
6.1 – A obtenção da heterojunção polímero-metal PANI/Al
Filmes de alumínio de área 0,75 x 2,05 cm2 foram lavados com solução
água/detergente 1:1 e em seguida extensivamente lavados com água destilada. Após,
os filmes foram lavados com álcool etílico e secos sob vácuo à temperatura ambiente
(25 °C) por 24 h.
A eletrodeposição da polianilina sobre o substrato de alumínio foi realizada a
um potencial anódico constante em célula eletroquímica de dois eletrodos a
temperatura ambiente (25 °C), em solução aquosa de H2SO4 1M e anilina. A Figura
33 mostra o aparato utilizado para a eletrodeposição. Variou-se o potencial aplicado
de 1,0 V a 2,5 V, a um passo de 0,5 V, e a concentração de anilina na solução variou
de 1,1 mM a 6,0 mM, para cada tensão. A melhor eletrodeposição (superfícies
homogêneas e aderentes) foi conseguida a um potencial de 2,0 V e 2,2 mM de anilina
num tempo de eletrodeposição de 20 min.
Após eletrodeposição, os filmes foram lavados com água destilada, para
retirada do excesso de monômero, e imersos em álcool etílico, seguido de secagem
sob vácuo à temperatura ambiente (Figura 34).
74
Figura 33: Sistema utilizado para a eletrodeposição de PANI sobre Al. Fonte de tensão (A), Béquer
com a solução Anilina/H2SO4 (B) e Eletrodos (C).
Figura 34: Dessecadores utilizados na desidratação dos eletrodos de PANI/Al.
(A)
(C) (B)
75
O polímero (PANI) eletrodepositado foi caracterizado espectroscopicamente
e termicamente por espectroscopia eletrônica UV/Vis e análise termogravimétrica,
repectivamente. Neste sentido, a análise UV/Vis do polímero eletrodepositado foi
efetuado em um espectrômetro UV/Vis, Varian 634 com abertura de fenda de 0,2
nm. O intervalo UV/Vis estudado foi de 200 - 700 nm, à temperatura ambiente (25
°C).
A morfologia da PANI eletrodepositada foi estudada por microscopia
eletrônica de varredura (MEV). Um microscópio MEV modelo JEOL XL 30 com
análise dispersiva (EDS) Phillips foi utilizado no presente trabalho. As amostras
foram previamente recobertas com Au para o respectivo contato.
As características termogravimétricas do sistema PANI/Al foram estudadas
em um equipamento METTLER modelo TG 50. Utilizou-se a velocidade de
aquecimento de 10 °C/min no intervalo de 25 °C a 800 °C. As Figuras 35, 36 e 37
mostram o MEV (IPEN/USP) e as respectivas amostras preparadas para a análise e o
equipamento para análise termogravimétrica utilizados neste trabalho.
A estrutura cristalina da PANI eletrodepositada foi estudada por difratometria
de raios-x utilizando-se para isto de um difratômetro horizontal D/MAX-200
(IPEN/USP) com sistema de controle computadorizado. Utilizou-se a linha Cu-Kα (λ
= 1,5418 Å) para análise das amostras de PANI/Al.
76
Figura 35: Aparelhagem utilizada para análise morfológica: (A) microscópio eletrônico de
varredura, (B) é o espectrômetro de energia dispersiva, (C) é o local onde é colocada a
amostra e (D) é a interface gráfica (IPEN/USP).
Figura 36: Amostras fixadas no suporte para MEV. O brilho amarelado deve-se à camada de
ouro.
(A)
(D) (C)
(B)
77
Figura 37: (A) Termobalança, (B) balões de gases de purga e (C) computador pessoal para
interface gráfica, (D) módulo de controle do processo e aquisição dos dados
(LCT/UNIFEI).
6.2 – Síntese do dendrímero de poliglicerol e imobilização das enzimas GOx/HRP
A obtenção do poliglicerol com estrutura dendrítica (PGLD) foi feita a partir
da polimerização por abertura de anel do 2,3-epoxi-1-propanol (glicidol) utilizando-
se a síntese divergente e um núcleo oligomérico de poliglicerol. A escolha do
glicidol se deve à sua elevada reatividade em condições brandas de polimerização
(baixa temperatura e pressão) e a propriedade de gerar poliéteres com elevada
densidade de hidroxilas na superfície da macromolécula.
Inicialmente, um núcleo de poliglicerol (PGL) oligomérico foi preparado a
partir da reação de eterificação da glicerina a 230 oC utilizando-se Na2CO3 (0,34 %
m/m) em atmosfera de nitrogênio e 50 mmHg de pressão. A água reacional foi
destilada em um equipamento Dean-Stark.
O poliglicerol (PGL) obtido foi purificado destilando-se a glicerina não
reagida sob pressão reduzida (o ponto de ebulição da glicerina a 10 mmHg é de
160,8 oC). Após 23 horas de reação o rendimento do processo foi de 70,8 %. Após
(A)
(B)
(C)
(D)
78
transferência do poliglicerol (PGL) para um reator tipo tanque agitado (CSTR) em
aço inox 316 NL provido de um agitador tipo âncora (400 rpm), o sistema foi
mantido sob vácuo a 100 oC por 24 horas, para remoção da umidade residual (<
0,01% m/m, avaliada por Karl Fischer). O sistema reacional foi alimentado
lentamente (vazão 0,1 mL.min-1) com glicidol (50 mL) parcialmente desprotonado
com metilato de potássio (3,7 M, Fluka). A temperatura do sistema reacional foi
mantida em 90 oC durante 12 horas de processo. Após conversão total, o poliglicerol
dendrítico (PGLD) foi dissolvido em metanol e neutralizado após filtração em coluna
trocadora de íons tipo catiônica. Após purificação por diálise em membranas de
acetato de celulose, para remoção de poliglicerol não reagido, o PGLD obtido foi
seco, em seguida, sob vácuo por 15 h a 80 oC (10 mmHg). O rendimento do
processo para obtenção do PGLD foi de 95%.
A estrutura dendrítica do poliglicerol foi caracterizada utilizando-se técnicas
reológicas e espectroscópicas (1H-NMR, 13C-NMR).
A ressonância magnética nuclear de próton (1H-NMR) e carbono (13C-NMR)
foi efetuada em um espectrômetro Bruker 500 MHz utilizando-se como solvente o
dimetilsulfóxido deuterado (dDMSO).
As características reológicas do PGLD foram determinadas em um
viscosímetro de placas rotatórias (reômetro Reologica Streesstech, duas placas de 20
mm) a 100 oC.
A temperatura de transição vítrea (Tg) do PGLD foi determinada utilizando-se
a calorimetria exploratória diferencial em um equipamento Perkin-Elmer DSC 7 em
atmosfera de nitrogênio (40 mmHg) e velocidade de aquecimento de 5 K.min-1. O
intervalo de temperaturas explorado foi de –110 oC a 80 oC. A amostra foi aquecida
de –110 oC até 80 oC e em seguida resfriada rapidamente até –110 oC. Atingido o
equilíbrio térmico, a amostra foi submetida a novo aquecimento nas mesmas
condições e novamente resfriada até –110 oC. Uma última corrida foi então efetuada,
até a temperatura de 80 oC, e registrada.
O peso molecular e a polidispersividade do PGLD foi determinada por
cromatografia de permeação em gel (GPC). Na análise por GPC, dimetilformamida
com 0,2 % LiBr (m/m) foi utilizado como eluente (fluxo 1,0 mL.min-1, pressão 550
79
psi). Poli(etileno glicol) (PEG) de pesos moleculares 194, 960, 4.250, 18.600,
64.700 e 450.000 g.mol-1 foram utilizados para construção da curva de calibração. O
sistema analítico consistiu de um cromatógrafo HPLC 510 da Waters equipado com
detector 2414 (índice de refração). Foram utilizadas colunas PLgel acoplada em
série (10.000 Å + 1000 Å + 100 Å, tamanho de partícula de 5µm). O volume de
injeção da amostra foi de 20 µL. A aquisição e tratamento dos dados cromatográficos
foram efetuados com software SW da Waters Breeze 3.3.
A função de calibração foi calculada como sendo de 3a ordem e a aplicação
do método dos quadrados mínimos log(Peso Molecular) vs tempo de retenção
forneceu um coeficiente de correlação igual a 0,9990.
Os pesos moleculares numérico (Mn) e ponderal (MW) foram calculados
por:78
(30)
sendo <M>n e <M>w os pesos moleculares numérico médio e ponderal médio,
respectivamente. O termo (Mp/s)i representa o peso molecular do polímero padrão
utilizado para a construção da curva de calibração. A altura do pico no cromatograma
do polímero fracionado e o volume de eluição são representados por hi e i,
respectivamente. Os termos s e t são constantes.
O índice de polidispersão (IP) é definido como:
n
W
MM
IP><><
= (31)
O índice de hidroxila (NOH) do poliglicerol dendrítico (PGLD) foi
determinado após acetilação do polímero (0,5-0,6 g) com 10 mL de uma solução de
anidrido acético/piridina (1:9). Após refluxo por 30 minutos a solução resultante foi
titulada com NaOH 1,0 M utilizando-se fenolftaleína como indicador.
O NOH foi calculado de acordo com: 79
∑∑
∑∑ =><=><
i
tii
W
ti
i
in h
s(Mp/s)hEM
)s/Mp(shh
M
80
( ) 1-12OH mgKOH.g 11,56V-VN
mx
=
sendo V1 o volume de NaOH utilizado na titulação de um branco, V2 o volume de
NaOH utilizado na titulação da amostra e m a massa de PGLD empregada.
Imobilização da enzima
Para a imobilização das enzimas glicose oxidase (GOx) e peroxidase (HRP),
o dendrímero de poliglicerol foi previamente ativado utilizando-se como reagentes o
tetrafluoroborato de trietilamina (TEA) para imobilização das enzimas GOx e HRP
via ligação amida de acordo com nossa publicação. 80
Após ativação do PGLD, as enzimas GOx (Laborlab) e HRP (Laborlab)
foram imobilizadas na proporção de 1 kUI GOx:0,15 kUI HRP por massa (mg) de
dendrímero. Ressalta-se que 1 UI equivale a catálise de 1 µmol de glicose a
gluconolactona e H2O2 por um tempo de 1 min a temperatura de 35 °C e pH 5,1.
O biossensor foi preparado pela técnica de evaporação do solvente (casting
out). Um volume de 5 µL da solução aquosa contendo o bioconjugado PGLD-GOx-
HRP foi depositado sobre a superfície de PANI/Al. O eletrodo foi seco à temperatura
ambiente (25 °C) sob vácuo por 24 horas. A quantidade de enzimas presentes na
superfície do eletrodo foram equivalentes a 5 UI de GOx e 0,75 UI de HRP.
Os esquemas correspondentes ao processo de imobilização das enzimas GOx-
HRP bem como do biossensor obtido são apresentados nas Figuras 38 e 39,
respectivamente.
81
Figura 38: Esquema simplificado mostrando o bioconjugado PGLD-GOx-HRP imobilizado na
superfície de nanotubos de PANI.
Figura 39: Esquema do biossensor PGLD/GOx-HRP/PANI.
Enzyme layer immobilized on PGLD dendrimer
Wiring pathsModified working
electrode φ0.5 mm
Isolating layer
Plastic support
(8 x 60 mm)
Indicating window (1.5 x 1.5 mm)
(working/reference electrodes).
Enzyme layer immobilized on PGLD dendrimer
Wiring pathsModified working
electrode φ0.5 mm
Isolating layer
Plastic support
(8 x 60 mm)
Indicating window (1.5 x 1.5 mm)
(working/reference electrodes).
Enzima imobilizada em PGLD Contatos (Al)
Eletrodo de trabalho Ø 2 mm
Camada isolante
Suporte plático 6x30 mm
Área reativa PGLD/GOx-HRP/PANI
Al Al2O3
GOx PANI =
= PGLD
= HRP
= Pites
82
6.3 – Caracterização elétrica dc/ac do biossensor
6.3.1 - Análise dc:
Para que haja um bom transporte de cargas entre o sítio ativo da enzima, onde
ocorre a bioreação e o eletrodo, é de fundamental importância o estudo do
comportamento dc e ac do sistema afim de que parâmetros tais como condutividade
elétrica e impedância do meio possam ser obtidos.
Numa amostra, os elétrons estão continuamente em movimento podendo
sofrer fenômenos de espalhamento devido a colisões entre outros elétrons, átomos do
material ou impurezas. Tal movimento é aleatório e significamente afetado pela
temperatura. Ao caminho que o elétron percorre entre cada colisão chama-se de livre
caminho médio; e ao tempo transcorrido, tempo livre médio τ . Sob a aplicação de
um campo elétrico, E, cada elétron fica sujeito a uma força diretamente proporcional
ao campo e de módulo qE, sendo q a carga do elétron. Assim, cada elétron sofre uma
aceleração. Neste caso, haverá um deslocamento superposto ao movimento aleatório
dos elétrons. A cada colisão inelástica, o elétron sai com uma nova velocidade de
deriva v cujo valor médio dependerá da aceleração sofrida multiplicada pelo tempo
médio desde a última colisão:
ee mτ.E.q
mτ.Fv −==
sendo me a massa do elétron, F a força elétrica, τ o tempo livre médio entre cada
colisão e q a carga do elétron (o sinal negativo indica que os elétrons se movem em
sentido oposto ao campo elétrico aplicado).
Sendo v ∝ E, define-se mobilidade elétrica, µ, como:
emq.τµ =
Seja uma amostra de comprimento L e de densidade eletrônica n. Aplicando-
se um campo elétrico E, a carga total por segundo que passa por uma determinada
área transversa, A, é definida como densidade de corrente elétrica, J, e quantificada
segundo a equação:
E.µ.q.nv.q.nJ −==
83
Logo, a densidade de corrente elétrica é diretamente proporcional ao campo
elétrico aplicado. O fator de proporcionalidade é definido como condutividade
elétrica σ; então:
.EJ σ=
Sendo:
µ.q.n=σ [S.cm-1]
Ao recíproco da condutividade chama-se de resistividade, ρ, cuja unidade é
Ω.cm:
σ1ρ =
Para o caso em que há também a condução de portadores de carga positivos:
µp)µn(E.qJJJ npn +=+=
Então:
)µ.p.qµ.n.q( pn +=σ
E:
)µ.pq.(nµ1ρ
pn +=
sendo os índices n e p referentes aos portadores negativos e positivos,
respectivamente.
As propriedades elétricas de um material são determinadas pela sua estrutura
eletrônica; portanto, faz-se necessário o estudo da matéria a nível atômico.
As curvas das correntes em função da tensão (curva IxV) foram obtidas
através de uma fonte tensão/corrente Keitlhey, modelo 237 (K237). O Keithley K237
é uma unidade fonte-medidora de alta precisão, fundamental à realização de medidas
de tensão de 10 V a 1100 V, e medidas de corrente de 10 nA a 100 mA, escalas estas
fundamentais às medidas de baixos sinais e quaisquer outras que exijam precisão. (A
faixa de melhor resolução como fonte de tensão até 1100 V possui passo de 100 µV
com resolução, de até 5 casas decimais, de 10 µV. Para tensão máxima de 110 V, é
capaz de ler correntes de até 100 mA com passo de 10 µA e resolução de 1 µA, com
84
5 dígitos). Para o controle automatizado de aquisição de dados, este instrumento
possui interface IEEE-488 padrão, o que permite a programação via
microcomputador.
Quando programado como fonte de tensão, o amperímetro conecta-se em
série com a fonte de tensão e a saída. Quando programado como fonte de corrente, o
voltímetro conecta-se em paralelo entre fonte de corrente e a saída.
Como proteção ao circuito externo, o modelo K237 possui um limite de
concordância programável, o qual nunca é excedido pela unidade fonte-medidora.
Ajustando-se uma corrente de concordância apropriada pode-se prevenir dissipação
excessiva de energia do dispositivo. Ajustando-se uma tensão de concordância
apropriada pode-se proteger o dispositivo de uma sobretensão.
A escala de concordância selecionada é também a escala máxima de medida.
Em todo caso, quando a função AUTORANGE está habilitada, a unidade fonte-
medidora sempre irá para a menor, mais sensível, escala possível para que a medição
seja feita.
O controle e a aquisição dos dados foram feitos utilizando-se um sistema
automatizado baseado na plataforma Labview 6.0 (National Instruments Inc.),
software com linguagem orientada a objeto e que controla os instrumentos de
medição através de interfaces de comunicação GPIB 488.
6.3.2 - Análise ac:
Impedância é um conceito mais geral para a habilidade de um circuito em
resistir ao fluxo de corrente elétrica.
A resposta a um sinal senoidal de tensão é uma corrente I, também senoidal,
contendo a freqüência de excitação e seus harmônicos. O sinal decorrente pode ser
analisado como uma soma de funções senoidais, série de Fourier, dada por:
∑ ∑∞ ∞
++=,1 ,1
)()cos(2/)( kxsenbkxaaXf kkO
Num sistema linear a resposta é deslocada em fase e possui uma amplitude IO:
)()( ϕω +⋅= tSenItI O
85
E, pela Lei de Ohm, podemos expressar a impedância do sistema como:
ϕ
ϕωω j
OO eZ)t(Sen
)t(SenZ)t(I)t(V)t(Z =
+==
Pela relação de Euler:
)()( ϕϕϕ jSenCose j +=
Então, tem-se que:
)()( ϕϕω jSenCosZZ O += (32)
A Equação 32 é composta, então, de uma parte real e uma parte imaginária, e
pode-se representar a parte real no eixo das abscissas e a parte imaginária, no eixo
das ordenadas, num plano cartesiano (Diagrama de Nyquist).
A impedância também pode ser representada como um vetor cujo módulo dá
o valor absoluto de Z e ϕ é o ângulo entre o vetor e o eixo das abscissas. Outra
representação possível é o Diagrama de Bode: A impedância Z ou fase ϕ é desenhada
em função da freqüência. A Figura 40 mostra todo aparato utilizado para as medidas
ac e dc neste trabalho.
Circuitos equivalentes são normalmente utilizados em modelos
representativos da curvas de impedância. Um circuito equivalente é um circuito
elétrico que apresenta o mesmo espectro de impedância que aquele apresentado pelos
dados experimentais. Os valores e o arranjo dos elementos que compõem o circuito
idealmente representam as propriedades físicas ou o fenômeno. Mudanças nos
valores dos elementos do circuito podem ajudar no entendimento da resposta do
sistema. Um problema que surge com o uso desta abordagem é que modelos de
circuitos equivalentes podem ser não unívocos, ou seja, diferentes circuitos podem
ter a mesma resposta de impedância. Tal possibilidade pode levar a questões sobre a
importância física dos parâmetros modelados.
Para as medidas ac, utilizou-se o Precision LCR Meter HP4284A (mostrado
na Figura 40) e a heterojunção PANI/Al foi recoberta com cola de prata,
estabelecendo contato para caracterização elétrica das amostras.O Precision LCR
Meter trata-se de um espectrômetro de impedância que possibilita uma varredura de
freqüência de 20Hz a 1MHz, e pode ser usada uma fonte externa que pode variar de
86
90 a 132 Vac ou 198 a 252 Vac; freqüência de 47 a 66 Hz e potência máxima de
200VA.
Através do HP4284A é possível a execução de medidas de resistência ac,
capacitância, indutância, fator de qualidade, fator de dissipação, módulo da
impedância e da admitância e fase para a inspeção de componentes, controle de
qualidade, e pesquisa; todos estes parâmetros dados em função da freqüência.
O HP4284A oferece medidas em todas as freqüências com resolução de seis
dígitos e níveis de sinal de teste de 5mV a 2Vrms e 50µA a 20mArms; possui interface
IEEE-488 padrão, o que permite a programação via microcomputador.
Figura 40: Aparelhagem utilizada para caracterização elétrica. Resistência de referência e
limitadora de corrente (A), espectrômetro de impedância HP4284A (B), terminal para
controle e tratamento dos dados (C), porta-amostras com isolação eletromagnética (D)
e fonte K237 (E).
A aquisição de dados e o controle dos equipamentos durante os experimentos
foram realizados utilizando-se de programas elaborados na plataforma Labview 6.0,
um software que utiliza linguagem orientada a objeto para realização dos
procedimentos de controle, aquisição de dados e também tratamento dos mesmos.
(C) (B) (A)
(D)
(E)
87
Trata-se de uma linguagem de programação específica para sistemas de controle em
ambientes de pesquisa, permitindo elaborar tais sistemas sem a utilização de
controladores específicos, pois é capaz de simulá-los através de rotinas de software.
Para a caracterização elétrica das amostras, a heterojunção PANI/Al foi
recoberta com cola de prata.
88
Capítulo 7 − Resultados e discussões
A fim de uma melhor compreensão deste trabalho, os resultados serão
expostos em duas seções (Parte A e Parte B). Na primeira seção serão mostradas as
características físico-químicas do biossensor expondo análises microestruturais de
seus componentes, bem como caracterização elétrica da heterojunção PANI/Al. Na
segunda seção, serão mostrados os resultados obtidos pela performance do
biossensor.
7.1 – Parte A: Caracterização físico-química do biossensor
7.1.1 – Características macroscópicas dos filmes obtidos
As Figuras 41 e 42 mostram as curvas obtidas do percentual de massa relativa
eletrodepositada de PANI no filme de alumínio, em função do tempo de aplicação do
potencial anódico.
Figura 41: Percentual de massa relativa de PANI eletrodepositada em função do tempo para
potencial anódico de 1,5 V. Temperatura: 27 °C, H2SO4 1M, anilina 2,2 mM.
Substrato: Al (30,0 µm).
5 10 15 20 25 30
10
100
Mas
sa re
lativ
a el
etro
depo
sita
da [%
]
Tempo [min]
89
Figura 42: Percentual de massa relativa de PANI eletrodepositada em função do tempo para
potencial anódico de 2,0 V. Temperatura: 27 °C, H2SO4 1M, anilina 2,2 mM. Substrato:
Al (30,0 µm). R: 0,9986.
Verifica-se, a partir das Figuras 41 e 42, uma tendência da massa
eletrodepositada crescer exponencialmente com o tempo, em função do campo
elétrico aplicado (ver as ordenadas dos gráficos e o potencial aplicado). Esta
observação pode ser devida a uma maior nucleação dos monômeros na superfície do
eletrodo uma vez que há uma maior formação de radicais de anilina devido ao
aumento do campo elétrico. Neste caso, pode-se aproximar tal comportamento
através da equação de Nernst, supondo a ionização desses monômeros:
E ∝ log [M]
sendo E o campo aplicado e M a concentração dos monômeros que sofreram
nucleação.
A Figura 43 mostra a dependência da massa de PANI eletrodepositada em
função da concentração de anilina utilizada.
5 10 15 2010
100
Mas
sa re
lativ
a el
etro
depo
sita
da [%
]
Tempo [min]
90
Figura 43: Variação do percentual de massa de PANI eletrodepositada em relação à concentração de
anilina utilizada. Tempo 5 min. Temperatura 27 °C, H2SO4 1M, anilina 2,2 mM.
Substrato: Al (30,0 µm).
Percebe-se que a massa eletrodepositada segue um processo de primeira
ordem até concentrações próximas de 3 mM, após o qual, tende à saturação. Isto
justifica a utilização de anilina a 2,2 mM para eletrodeposição já que, para maiores
concentrações, não há uma variação significativa na massa eletrodepositada, ou seja,
o processo de eletrodeposição atinge uma cinética de ordem zero.
A saturação na eletrodeposição de PANI no substrato de alumínio pode estar
ligada a processos difusionais na superfície polimérica. De acordo com a segunda lei
de Fick, a qual estabelece a relação que descreve a transferência de massa em
processos de difusão (conhecida como equação de difusão), a difusão pode ser
expressa matematicamente, para um processo unidimensional, por:
xt 2
2CDC
∂
∂=
∂∂
(33)
sendo C a concentração do soluto, t o tempo no qual o processo se desenvolve, x a
direção em que se dá o fluxo e D o coeficiente de difusão molar.
0 2 4 60
10
20
30
40
mas
sa e
letro
depo
sita
da [%
]
[anilina] (mM)
91
Considerando as condições de contorno: C(x, 0) = Co, sendo Co a
concentração inicial de soluto, e C(± ∞, t) = 0; a solução da Equação (33) pode ser
dada por:
)D4
exp()D4(
C),(C
2
2/1 tx
ttx o −=
π
Portanto, há uma forte dependência da difusão do soluto (monômero de
anilina) com a distância percorrida por este, ao se difundir. A medida em que as
cadeias poliméricas crescem, estas dificultam o processo de difusão dos monômeros
de anilina para a superfície do eletrodo, como pode ser visto na Figura 44
explicando, assim, a cinética para a reação da Figura 43.
Macroscopicamente os filme de PANI eletrodepositados mostraram-se
homogêneos, lisos e aderentes. A Figura 45 mostra uma fotografia digitalizada de um
dos filmes eletrodepositados.
Figura 44: Crescimento das cadeias de PANI em relação ao tempo (direção indicada pela seta).
92
Figura 45: Foto digital de um dos filmes eletrodepositados.
7.1.2 – Espectroscopia eletrônica (UV/Vis) da PANI eletrodepositada
As formas, isolante e condutora, da PANI podem ser caracterizadas através da
espectroscopia UV/Vis.
As absorções ópticas podem ser relacionadas aos estados de transição
eletrônica permitidos pela estrutura da PANI e variam com os estados de oxidação do
polímero. A forma totalmente reduzida (leucoesmeraldina) possui apenas uma banda
de absorção, 310 nm, associada a transições eletrônicas entre a banda de valência
(BV) e a banda de condução (BC). A base de esmeraldina, um isolante parcialmente
oxidado, apresenta dois picos de absorção característicos (320 nm e 620 nm). A
pernigranilina, PANI completamente oxidada e isolante, possui máximos em 320 e
530 nm. A forma condutora da PANI, sal de esmeraldina, apresenta comprimento de
onda na absorção máxima em 320 nm, 420 nm e 800 nm.67
A Figura 46 mostra o espectro UV-Vis obtido para o filme de PANI
eletrodepositado no alumínio.
1 cm
93
Figura 46: Espectro UV-Vis da PANI eletrodepositada (A) e da N-2-metilpirrolidona (solvente)
(B) a 25 °C.
300 400 500 600 700
605 nm565 nm
430 nm
295 nm
200 250 300 350 400
NMP
Abs
orvâ
ncia
(u.a
.)
λ [nm]
Polianilina
Abs
orvâ
ncia
(u.a
.)
λ [nm]
220 nm
(A)
(B)
94
O espectro exibiu três máximos de absorção em 295 nm, 430 nm e 605 nm, e
um quase imperceptível banda de absorção a 565 nm. Absorções máximas a 320 nm
correspondem a transições π-π*, separação entre o maior estado energético ocupado
(HOMO) e o menor estado energético desocupado (LUMO), apresentando um desvio
para o azul de 295 nm na PANI dopada com sulfato.81 A absorção a
aproximadamente 420 nm corresponde a transições π-π* de íons imina-quinona,71
característico do sal de esmeraldina sugerindo a dopagem da PANI. A absorção em
torno de 620 nm 72 depende do estado de oxidação da Pani, sendo característico da
sua forma básica. O pequeno pico a 565 nm pode ser atribuído à presença da PANI
em sua forma isolante completamente oxidada, pernigranilina. 82
É interessante observar a existência de quatro picos para o espectro UV/Vis
(Figura 46). Com base no exposto, deduz-se que o polímero, na forma esmeraldina,
adotou o estado de sal de esmeraldina coexistindo com a sua forma não protonada,
base de esmeraldina, e algum vestígio de sua forma pernigranilina.
7.1.3 – Caracterização microestrutural
A Figura 47 mostra a micrografia obtida no microscópio eletrônico de
varredura (MEV) para uma amostra de PANI eletrodepositada em alumínio.
Observa-se o aparecimento de ilhas cristalinas imersas em uma malha de nanotubos.
A obtenção de nanoestruturas de PANI é muito desejável, pois podem possuir
maior área superficial e permitir uma maior difusão de moléculas gasosas para dentro
da nanoestrutura, se comparada a nível de massa (bulk), sendo muito atraentes para a
utilização em biossensores químicos, pois possibilita um aumento na sensibilidade
dos dispositivos que venham a utilizar-se de tais estruturas.
95
Figura 47: Micrografia MEV da PANI eletrodepositada. Cristais de PANI (A), e ampliação
mostrando detalhes da estrutura cristalina da PANI (B). O percentual relativo de
deposição: 120 % (m/m).
As Figuras 48 (A,B) mostram as micrografias MEV com uma maior
ampliação da PANI eletrodepositada no Al, enfatizando as nanoestruturas tubulares.
(A)
(B)
96
Figura 48: Micrografia MEV do filme de PANI/Al (A) acentuando as nanoestruturas tubulares
em (B).
Nanotubos de PANI têm sido obtidos quimica ou eletroquimicamente por
polimerização de monômeros de anilina com a utilização de moldes (templates)
como membranas nanoporosas, policarbonato, alumínio anodizado e etc. Nesta
técnica a PANI é obtida dentro dos moldes, os quais são subseqüentemente
dissolvidos, deixando apenas o material na forma da nanoestrutura correspondente.
(A)
(B)
97
Portanto, faz-se necessário a utilização de matrizes porosas que, para o caso de se
desejar um crescimento de nanoestruturas em metais, não podem ser dissolvidas.
Uma outra maneira é a formação de molde por alto-montagem (self-
assembly) com a utilização de polímeros funcionais como surfactantes, poliácidos,
cristais líquidos, e micelas que podem ser capazes de direcionar o crescimento das
cadeias poliméricas da PANI em uma única direção.
Os métodos acima citados podem se tornar desvantajosos dependendo do
molde ou do reagente, necessitando de tratamentos para a remoção dos subprodutos
do reagente e se recuperar a nanoestrutura de PANI pura.
Um outro método proposto na literatura é o “electrospinning”. 83 Neste
método, o polímero é dissolvido em solução ácida e então colocado dentro de uma
pipeta contendo um eletrodo para contato elétrico. A solução é então atraída
eletrostaticamente a um alvo metálico pela aplicação de uma alta tensão elétrica,
fazendo com que jatos muito finos do líquido “espirrem” em direção ao alvo
formando nanotubos após evaporação do solvente. O principal inconveniente desta
técnica é a alta tensão que deve ser aplicada aos eletrodos (da ordem de kV).
O crescimento dos nanotubos observado neste trabalho (Figura 48) pode ser
explicado pela ação conjunta da formação de poros sobre o substrato de Al, ao sofrer
oxidação, e a ação do campo elétrico entre as duas placas (catodo e anodo). O campo
elétrico resultante em um dado ponto sobre a superfície do Al, considerando um
potencial eletrostático e, desconsiderando efeitos dielétricos da solução e as
dimensões e imperfeições na superfície dos eletrodos, pode ser representado segundo
a Figura 49:
98
Figura 49: Campo elétrico provocado pelo elemento de superfície dS contendo carga elétrica
sobre um ponto (P).
sendo R vetor de posição; î, ĵ e versores direcionais (x,y e z, respectivamente) do
espaço cartesiano; e dS um elemento de área.
Supondo uma distribuição superficial de cargas em S, podemos calcular o
campo elétrico provocado pelas cargas em dS como:
∫∫−
= r2|
12R|
ςdS
4
1 )
RπεE
Considerando dQ = ζ.dS (sendo ζ a densidade superficial de cargas e ε a
permissividade elétrica do meio) e a simetria da Figura 49, obtem-se:
(34)
A Equação (34) indica que o campo elétrico é perpendicular à superfície do
eletrodo. O que orientaria o crescimento das cadeias de PANI na superfície do
eletrodo levando à formação de nanotubos.
Os poros são outro fator importante no crescimento do filme de PANI. Os
poros indicam que o filme de Al sofreu corrosão por pontos (Figura 50): uma
corrosão bem localizada de natureza eletroquímica que se inicia a partir de defeitos
na camada que protege o metal por ataques de íons presentes na solução, com
formação de cavidades na superfície. Na formação de poros há uma rota inicial para
k
^
^ j
i ^
k
R1
R2
R2 – R1
dS
P E
E = 2εo
ζ î
99
a passagem de corrente elétrica do alumínio para as moléculas de anilina, fazendo
com que as mesmas sejam induzidas para dentro dos poros, dando início ao processo
de polimerização. Os depósitos iniciais de nucleação da anilina servem de matriz
para que novos monômeros se adicionem, formando cadeias que se orientam
perpendicularmente à superfície do substrato pela ação do campo elétrico e estas,
então, podem ser formadas pela continuação do processo de troca elétrica entre o
eletrodo (Al) e as moléculas de anilina presentes na solução. Durante o crescimento
do polímero é razoável supor a interação, por ligações de hidrogênio, entre os átomos
de nitrogênio amina e imina o que também contribuiria para a formação das
estruturas tubulares.
A análise de EDS (Figura 51) mostra a presença de enxofre (S) nos cristais
(Figura 47). Isto indica que a PANI sofreu dopagem por sulfatos devido aos íons
SO4-2 presentes na solução os quais também são atraídos pelo campo elétrico em
direção ao anodo. A formação dos cristais de PANI pode ser explicada por
diferenciação na cinética de polimerização, sendo que há uma interação maior entre
vizinhos nas cadeias que formarão os cristais e, possivelmente, uma maior tendência
à orientação destas cadeias quanto ao campo elétrico aplicado. Um modelo de arranjo
cristalino para a estrutura protonada do polímero com íons sulfato (SO4-) foi proposto
(Figura 52).
100
Figura 50: Oxidação do Al por pontos (A) e Preenchimento dos poros por cadeias de PANI (B).
(B)
(A)
101
Figura 51: Espectro de energia dispersiva (EDS) para os cristais de PANI depositados
eletroquimicamente em Al.
Figura 52: Modelo da estrutura cristalina mostrando os íons de sulfato (A) entre as moléculas de
PANI (B). Uma célula unitária para o cristal de PANI é mostrada em (C).
(A)
(B)
(C)
102
No espectro EDS (Figura 51) observou-se uma relação S/Al de 4,96 segundo
a área sob os picos, concluindo-se que os cristais de PANI estão na forma protonada.
A evolução na arquitetura molecular da PANI no alumínio em função do
tempo é apresentado na Figura 53.
103
Figura 53: Na seqüência, segundo o eixo das abcissas: Substrato de Al (tempo 0), formação de
óxido logo que o eletrodo é colocado em solução e aplicado o potencial anódico,
início do crescimento (tempo 5’) e nanotubos já formados (tempo 30’). Temperatura
25 °C, H2SO4 1 M, anilina a 2,2 mM.
Evolução no tempo
Evo
luçã
o na
arq
uite
tura
mol
ecul
ar
104
7.1.4 – Resultados da difração de raios-x
A condutividade da polianilina é influenciada pela estrutura cristalina
presente no material.
O mecanismo de condução na polianilina se dá normalmente por polarons ou
bipolarons (cátions ou dicátions radicais possuindo spin ½ ou zero, respectivamente)
devido à elevada anisotropia do polímero. Um outro mecanismo também presente é o
salto de cargas entre as cadeias poliméricas, sendo que tais saltos são facilitados
segundo a maior interação entre cadeias.
A Figura 54 mostra os difratogramas obtidos por difração de raios-x para a
PANI eletrodepositada em alumínio, substrato de alumínio e óxido de alumínio.
Figura 54: Difratogramas de raios-x obtidos para a PANI/Al (A), substrato de Al (B) e óxido de
alumínio (C).
10 20 30 40 50 60 70 80
2 θ (Graus)
(A)
(B)
(C)
105
Os picos centrados em 2θ ≅ 20° e 2θ ≅ 25° presentes nos cristais de PANI
podem ser atribuídos à periodicidade das cadeias poliméricas conforme ilustrado na
Figura 52. 84 O pico de alta intensidade (2θ ≅ 12°) se deve a planos com maiores
distâncias interplanares e provavelmente está associado à organização periódica de
moléculas de sulfato ordenadas ao longo das cadeias poliméricas.
A eletrodeposição da PANI em Al leva à formação de óxido na superfície
metálica uma vez que a polimerização do polímero se deu em solução ácida, a qual
pode reagir com a superfície do Al passivando-o. Desta forma, é útil o estudo do
filme de Al que sofreu a eletrodeposição por difração de raios-x (Rx). A Figura 54
(C) mostra o difratograma de Rx de um filme de Al após a remoção da camada de
PANI eletrodepositada. Observou-se um grande pico amorfo localizado entre 2θ
igual a 20° e 40°. O filme de Al naturalmente apresenta picos mais intensos em 2θ
igual a 78,5°, 78,3° ,65,1° e 65,3°. Outros picos podem ser visualizados em 44,9°,
44,7°, 38,6° e 16,9°. Estes picos correspondem aos planos da estrutura FCC (cúbica
de face centrada) do alumínio. 85 Uma vez que no difratograma de Rx os picos
referentes à PANI eletrodepositada estão presentes na região de ângulos menores,
sua presença revela alto grau de orientação, o que já pôde ser observado nas
micrografias MEV.
As observações experimentais quanto à difração de raios x parecem estar de
acordo com o modelo de estrutura pseudo-ortorrômbica proposto para a PANI. 86
7.1.5 – Caracterização termogravimétrica
A estabilidade térmica bem como o nível de dopagem da polianilina
eletrodepositada pode ser estudado por análise termogravimétrica.
De acordo com a literatura, a PANI apresenta três estágios de perda de massa.
O primeiro estágio se deve a perda de água absorvida pelo polímero, geralmente
observada a até 110 °C. No segundo estágio, observado entre 110 °C a 300 °C, a
perda mássica é explicada pela remoção de moléculas de dopantes da estrutura
polimérica juntamente com uma fração de água correspondente à hidratação de íons
do dopante. O terceiro, acima de 400 °C, depois da remoção dos dopantes,
corresponde à degradação da cadeia polimérica. 86
106
Neste trabalho observou-se que as amostras de PANI eletrodepositadas
apresentaram hidratação de água, que pôde variar de 5 a 15 % segundo a literatura.
Na forma sal de esmeraldina (SE), as moléculas de água podem ser absorvidas pelos
sítios amina da PANI. Na forma base de esmeraldina (BE), as moléculas de água
podem ligar-se à cadeia polimérica via átomos de nitrogênio do grupo amina ou
imina. Segundo alguns autores há dois tipos de molécula de água absorvida:
moléculas móveis, ligadas por somente uma ligação de hidrogênio, e moléculas
fixas, que promovem duas ligações de hidrogênio. 87 As moléculas de água móveis
podem ser removidas da PANI por aquecimento até 70 °C ou 150 °C, ao passo que
as moléculas fixas escapam simultaneamente com a decomposição do polímero.
Nas Figuras 55 e 56 têm-se os termogramas, em atmosfera de oxigênio e
nitrogênio, para uma amostra de PANI destacada do alumínio, após eletrodeposição,
e para a PANI eletrodepositada, respectivamente.
107
Figura 55: Curva termogravimétrica em atmosfera de oxigênio da PANI/Al (A) e da PANI
removida do filme de Al (B).
Figura 56: Curva termogravimétrica em atmosfera de nitrogênio da PANI/Al (A) e da PANI
removida do filme de Al (B).
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
0
20
40
60
80
100
Mas
sa R
esid
ual (
%)
Temperatura (OC)
(A)
(B)
0 100 200 300 400 500 600 700 800 9000
20
40
60
80
100
Mas
sa R
esid
ual (
%)
Temperatura (OC)
(B)
(A)
108
Pode ser observado, a partir das Figuras 55 e 56, que a forma SE da PANI
contém cerca de 20% de água provavelmente devido a um processo de hidratação
causada pela formação de ligações de hidrogênio entre as moléculas de água e os
átomos de nitrogênio presentes na cadeia da PANI ou a hidratação dos ânions de
sulfato. Observa-se, assim, que a PANI é muito hidrofílica sendo, desta forma, um
material adequado para a imobilização de enzimas, por favorecer um microambiente
propício para a manutenção da atividade enzimática.
Quanto à PANI/Al, os resultados mostram resíduos de massa igual a 47,19 %,
para a atmosfera de nitrogênio e de 38,62 %, para a atmosfera de oxigênio (Figuras
55 e 56). Os resíduos correspondem obviamente ao alumínio (Al).
Ânions sulfato (SO4-) podem simultaneamente protonar o grupo imina em
diferentes cadeias poliméricas levando à formação de ligações cruzadas. Tais
ligações podem explicar a estabilidade térmica do polímero 88.Observa-se que a
temperatura de decomposição da PANI/Al é mais alta e que a taxa de decomposição
é muito mais baixa que a PANI destacada da superfície metálica. Assim, o aumento
da temperatura de decomposição para o sistema PANI/Al se deve à formação de
ligações coordenadas entre a PANI e a superfície do metal, podendo haver um
processo de formação de cristais. Por outro lado, a PANI removida da superfície de
Al apresenta um maior grau de liberdade relativamente às suas cadeias o que levaria
à uma redução na energia de ativação para a decomposição térmica.
Conseqüentemente, o sistema PANI/Al seria mais estável que a PANI.
Uma vez que a PANI é semicristalina, pode-se supor que na fase cristalina há
um processo físico regendo a reação de decomposição.
A Figura 57 mostra a derivada da massa residual em relação à temperatura
associada ao processo de degradação térmica para PANI/Al. Podem ser observados
dois picos distintos próximos a 40 °C e 90 °C, demonstrando a perda de água da
PANI/Al. Dois picos bem distintos podem ser observados em 500°C e cerca de
800°C (o gráfico se refere a PANI/Al em atmosfera de oxigênio, onde há maior
reatividade e tais picos podem ser melhor distintos). A figura distingue as fases de
decomposição térmica dos sistemas PANI/Al e PANI, conforme discutido
anteriormente.
109
Figura 57: Derivada da massa residual em relação à temperatura da PANI/Al em atmosfera de O2.
Os picos (A) e (B) se devem à perda de água, (C) término da desprotonação e (D)
temperatura de degradação total das cadeias poliméricas.
7.1.6 - Análise físico-química do poliglicerol dendrítico (PGLD)
Uma vez caracterizado o mediador de elétrons (PANI), resta a caracterização
do sistema que será reservado para a enzima, neste trabalho, o poliglicerol dendrítico.
É bem conhecido na literatura que polióis tendem a sofrer eterificação na
presença de catalisadores como NaOH, Na2CO3, CaO e elevadas temperaturas
originando poliéteres. O processo de eterificação em meio alcalino não é seletivo
exigindo, portanto, um longo tempo reacional e atmosfera inerte para inibir-se a
formação de acroleína.
A Figura 58 mostra o percentual de conversão da glicerina em poliglicerol
oligomérico em função do tempo. Percebe-se que um peso molecular limite de 450
g.mol-1, equivalente ao hexaglicerol foi obtido após 23 horas de reação.
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900-0,008
-0,006
-0,004
-0,002
0,000
0,002
PANI/Al em atmosfera de O2
dm/d
T
Temperatura (OC)
(A) (B)
(C)
(D)
110
Figura 58: Percentual de conversão de glicerol em poliglicerol e sua influência no peso molecular
(PM). Peso molecular determinado por GPC na Petroquímica União
A segunda etapa do processo reacional envolve a obtenção de um alcoóxido
como iniciador do processo de formação do dendrímero. Neste caso, um alcoóxido é
obtido pela reação de metalação do glicidol de acordo com a reação ilustrada na
Figura 59.
0 5 10 15 20 25 30 350
10
20
30
40
50
60
70
80
Pes
o m
olec
ular
(g.m
ol-1)
Con
vers
ão (%
em
pes
o)
Tempo (h)
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
111
Figura 59: Mecanismo de desprotonação do glicidol (A), propagação (B) e ciclização (C).
A reação de abertura de anel leva à formação de um alcoóxido como sítio
ativo que se propaga anionicamente. A reação de ciclização é indesejável uma vez
que tende a formar compostos de baixo peso molecular além de levar à obtenção de
materiais altamente polidispersos no peso molecular. A reação de ciclização do
precursor oligomérico pode ser inibida adotando como variáveis de controle a parcial
desprotonação (~10%), baixa concentração e a lenta adição do glicidol durante o
processo de polimerização.
A Figura 60 ilustra o percentual de conversão em função do tempo para a
reação de obtenção do poliglicerol com estrutura dendrítica (PGLD). A análise dos
resultados obtidos indica que a polimerização segue uma cinética de primeira ordem
clássica.
O OH δ- δ+ RO: K
PGL ( OH )n O δ- δ+ O [ PGL ] O: K
O δ- δ+ O [ PGL ] O: K
(PGL)n
δ- δ+ O: K
O
O
δ- δ+ O: K O
δ- δ+ O: K O
(A)
(B)
(C)
112
Figura 60: Cinética de polimerização do PGL para obtenção do PGLD. Temperatura: 90 oC.
O peso molecular médio e a polidispersão de dendrímeros são dois
parâmetros de maior importância para a determinação e explicação do
comportamento físico destes sistemas macromoleculares.
Dendrímeros de peso molecular muito baixo geralmente apresentam uma
menor área superficial, indesejável para o projeto de biossensores, enquanto que os
de peso molecular muito elevado são muito pouco solúveis e, geralmente, não é
possível utilizá-los no revestimento de superfícies sintéticas.
A cromatografia de permeação em gel (GPC), uma técnica que tem sido
destacada como fundamental para a ciência macromolecular, é uma técnica de
separação introduzida por Moore em 1964 para a determinação da distribuição de
pesos moleculares de um polímero. 89
0 2 4 6 8 10 12 14 16 180
20
40
60
80
100
120
140 ln C = 10,707*X + 27,466R:0,99242
Con
vers
ão (%
em
pes
o)
Tempo (h)
10
100
ln C
113
A técnica GPC utiliza colunas empacotadas com géis de poliestireno ou
polietileno glicóis reticulados de diferentes porosidades constituindo a fase
estacionária. O polímero dissolvido em um solvente conveniente é separado de
acordo com seu volume hidrodinâmico, ou seja, moléculas pequenas tendem a
permanecer na fase estacionária enquanto que moléculas grandes são excluídas
preferencialmente da fase estacionária. Os detectores utilizados podem ser do tipo
refratométricos, UV ou IR, dependendo da natureza do polímero.
A eficiência do processo de separação é função do volume de retenção (ou
eluição) (VR) e da massa molar do material. O volume de retenção por sua vez é
função do volume intersticial Vo e o volume do poro acessível no gel, ou seja:
iDoR VKVV += (35)
sendo Vi o volume interno total do poro e KD é o coeficiente de partição entre Vi e a
porção acessível para um dado soluto.
Quando KD = 0 (moléculas grandes) VR = Vo, ocorrendo uma eluição rápida
da coluna. Para moléculas pequenas que penetram no volume do poro, KD = 1 e a
eluição da coluna é mais lenta. A Figura 61 ilustra o princípio da cromatografia de
permeação em gel (GPC). Observa-se que a técnica está limitada a moléculas onde
VR < Vo ou, VR > Vo+ Vi.
114
Figura 61: Fundamentos da cromatografia de permeação em gel (GPC).
Uma vez que o peso molecular de um polímero determinado por GPC não
representa o seu valor absoluto, ou seja, é um valor obtido com base em uma curva
de calibração de polímeros de conhecidos pesos moleculares, podemos escrever:
log[η]sMs = log[η]uMu (36)
sendo [η] e M a viscosidade intrínseca e a massa molar do polímero,
respectivamente. Os índices s e u representam o padrão e a amostra em análise,
respectivamente.
Desde que os volumes hidrodinâmicos da amostra e do padrão não são
necessariamente iguais, tem-se que [η]s = KsMvss e [η]u = Ku.Mvuu. A massa molar
da amostra u pode ser determinada a partir de: 90
su
s
u
s
uu M
vv
KK
vM log
11log.
11log
++
+⎥⎦
⎤⎢⎣
⎡+
= (37)
115
Freqüentemente as curvas de calibração são construídas a partir de
poliestireno (PS) ou poli(etileno glicol) (PEG) sendo conhecidos o peso molecular
absoluto do polímero. O peso molecular absoluto de um polímero pode ser
determinado a partir de técnicas como o espalhamento de luz e a osmometria.
A Figura 62 mostra a análise por GPC de um poliglicerol com estrutura
dendrítica (PGLD) obtido após 12 horas de processo a 90 oC. O dendrímero mostra
uma distribuição de peso molecular monomodal e um baixo índice de dispersão no
peso molecular (Mn/Mw = 1,05).
116
Figura 62: Curva de calibração (A) e análise por GPC do PGLD (B) obtido após 02 horas de
reação.
0 2 4 6 8 10 12 14101
102
103
104
105
106log M = -0,32X + 6,27R= -0,99809
log
M
Volume de eluição (mL)
(A)
100 1000
0
1
2
3
4
5
dwt/d
(logM
)
log Mw
05,1417437
==MnMw
(B)
117
O controle do peso molecular bem como a polidispersividade de dendrímeros
utilizando como iniciadores alcoóxidos polifuncionais geralmente é problemático
devido a uma forte tendência em se formar agregados devido a associação de grupos
terminais, mesmo quando se utilizam solventes polares. Conseqüentemente, o
controle do peso molecular é significativamente limitado e uma distribuição
monomodal no peso molecular da macromolécula é observado.
Considerando um baixo grau de desprotonação, a velocidade de
polimerização do glicidol poderia ser descrita por: 91
]][][:[][ GlROHROkdtGld −= (38)
sendo [RO:-], [ROH] e [Gl] as concentrações do alcoóxido, poliglicerol e glicidol,
respectivamente.
Portanto, a equação (38) mostra que a velocidade de polimerização é
controlada pelas concentrações do glicidol, alcoóxido e grupos hidroxila. Estudos
da literatura demonstram que um controle da razão concentração do
epóxido/concentração de um poliol não permite um controle preciso do peso
molecular bem como do índice de polidispersão do polímero.
A obtenção de um poliglicerol de estrutura dendrítica monodisperso neste
trabalho vem demonstrar que a parcial desprotonação de um poliglicerol utilizado
como iniciador parece ser uma rota sintética mais adequada para a síntese de
poligliceróis dendríticos. Neste caso, um provável equilíbrio dinâmico entre
alcoóxidos e grupos hidroxilas parece garantir a iniciação simultânea de todos os
grupos alcoóxidos presentes no sistema reacional.
Teoricamente seria de se esperar que a distribuição de pesos moleculares em
uma polimerização aniônica seguisse uma distribuição de Poisson gerando, portanto,
sistemas monodispersos.
Considerando que a concentração inicial do iniciador é dada por [GA], a
etapa de iniciação pode ser escrita como: 92
GA→ G⊕ + A-
118
G⊕ + A- → + M →AM1- + G⊕
Sendo que o crescimento da cadeia do polímero pode iniciar nos centros
[AM1-] = [GA].
A velocidade de propagação pode ser escrita como uma equação integrada de
velocidade de primeira ordem com relação à concentração do monômero:
dt]M][GA[kdt]M][AM[kv]M[d ppp ∫∫∫ ===− − ⇒ [M] = [M]oexp(-kp[GA]t)(39)
sendo [M]o a concentração inicial do monômero a t = 0.
(40) ][
][][⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛ −=
GAMM oν
sendo ν o comprimento cinético da cadeia.
Substituindo (40) em (39) obtém-se:
(41) )][exp(1][
][ tGAkGAM
po −−=ν
A velocidade da reação de polimerização após a adição de mais glicidol ao
centro reativo da cadeia, assumindo a presença da espécie G⊕ , pode ser escrita como:
AM1- + M → AM2
-
Logo se pode escrever:
(42) )][exp(]][[]][[][11
1 tGAkMAMkMAMkdt
AMdppp o −==− −−
−
Após integração, considerando [AM1-] = [GA] em t = 0, tem-se a expressão:
(43) )]][exp(1[][][exp][][ 1
⎩⎨⎧
⎭⎬⎫
−−
=− tGAkGAMGAAM p
o
119
Introduzindo a equação (41) obtém-se a expressão simplificada:
(44) )exp(][][ 1 ν−=− GAAM
Generalizando a análise para a adição de n-1 unidades monoméricas do sítio
ativo AM-, obtém-se:
(45) )!1(
)exp(][][1
−−
=−−
nGAAM
nn
νν
A razão entre o número de cadeias com grau de polimerização n (Nn) e o
número total de cadeias (N) pode ser escrito como:
(46) )!1(
)exp(][
][1
−−
==−−−
nGAAM
NN
nnn νν
A expressão (46) representa a distribuição de Poisson. A estreita distribuição
de pesos moleculares observada na análise por cromatografia de permeação em gel é
justificada, portanto pela polimerização aniônica do glicidol.
Por sua vez, o índice de polidispersão no peso molecular é dado por:
( ) (47) 1
1 2+
+=ν
ν
n
w
MM
Substituindo o valor Mw/Mn obtido pela análise GPC, obtém-se um valor de
ν≈20.
O comprimento cinético de cadeia, ν, é uma medida do número médio de
unidades monoméricas reagindo com um sítio ativo durante seu tempo de meia-vida
e pode ser relacionado com a velocidade de reação de propagação por:
sendo kp, kt e νp as constantes cinéticas de propagação, terminação e a velocidade de
propagação, respectivamente.
(46) 2
][ 22
pt
pvkMk
=ν (48)
120
A equação (48) mostra que ν é inversamente proporcional à concentração de
radicais, ou seja; o comprimento das ramificações pode ser controlado alterando-se a
concentração do iniciador.
No processo de polimerização do glicidol para obtenção do poliglicerol
dendrítico, as unidades epoxídicas que vão incorporando-se às cadeias poliméricas
em crescimento podem apresentar ligações éter, grupos hidroxilas terminal na
periferia do dendrímero e carbono assimétrico ou pseudoassimétrico, uma vez que
em geral não possuem atividade ótica em função da natureza macromolecular dos
substituintes.
A massa molecular de um dendrímero pode ser relacionada ao número de
gerações através da expressão: 93
sendo Mc a massa molar do núcleo, Mm a massa molar do monômero ramificado, Mt
a massa molar do grupo terminal e nc a funcionalidade do núcleo, nm a
funcionalidade da ramificação e G o número de gerações.
Substituindo os dados obtidos para o PGLD obtido neste trabalho a saber:
M≈20.000 g.mol-1, Mc≈550 g.mol-1, Mm≈59g.mol-1, Mt≈16 g.mol-1, nc = 12, nm = 2,
obtém-se um número de gerações (G) para o PGLD aproximadamente igual a 5,0.
A utilização do poliglicerol (PGL) como núcleo de crescimento no processo
de síntese divergente gera uma estrutura dendrítica com uma elevada densidade de
grupos hidroxila na periferia da macromolécula como ilustrado abaixo (Figura 63).
(47) 1
.⎥⎥
⎦
⎤
⎢⎢
⎣
⎡+⎟
⎟
⎠
⎞
⎜⎜
⎝
⎛ −+= G
mtm
Gm
mcc nMn
nMnMM (49)
121
Figura 63: Estrutura esquemática do poliglicerol com estrutura dendrítica. L14, L13, D e T
significam ligações lineares, estruturas dendríticas e grupos terminais,
respectivamente.
A ressonância magnética nuclear representa uma importante ferramenta para
a caracterização de estruturas dendríticas uma vez que a análise detalhada do
espectro fornece informações acerca do grau de polimerização bem como da
extensão da ramificação.
Quatro unidades estruturais podem ser distinguidas na estrutura dendrítica a
saber: (a) Se a propagação ocorreu através de hidroxilas secundárias uma unidade
linear do tipo 1,3 é formada (L13), (b) Se hidroxilas primárias sofrem propagação,
uma correspondente unidade linear 1,4 (L14) é formada. (c) Se ambas as hidroxilas
reagem com o monômero, uma unidade dendrítica (D) é formada e a cadeia
polimérica e ligada a hidroxilas secundárias e, (c) Se o monômero sofre alguma
desativação por troca de próton, uma unidade terminal (T) com duas hidroxilas é
formada.
A Figura 64 (A) ilustra o espectro de 13C-RMN para o poliglicerol de
estrutura dendrítica sintetizado neste trabalho.
(T)
(L13)
(PGL)
(L14)
(D)
122
Figura 64: Espectro 13C -NMR (A) e 1H-NMR (B) do PGLD sintetizado.
A Tabela 9 indica as atribuições efetuadas ao espectro 13C-NMR do
dendrímero obtido neste trabalho. Os dados obtidos podem ser utilizados na
determinação do grau de ramificação (GR) da macromolécula. O grau de ramificação
é uma medida que indica a tendência das ramificações criadas durante a etapa de
propagação em gerar estruturas dendríticas. Para estruturas lineares o grau de
ramificação (GR) é igual a zero (GR = 0), para uma reação de policondensação ao
acaso GR = 0,5 e finalmente para a formação de uma estrutura dendrítica, GR = 1.
O grau de ramificação pode ser calculado a partir das intensidades dos picos
no espectro de 13C-NMR através da equação:
C D
A
BE
F
G
85 80 75 70 65 60
(A)
0H CH,CH2
5.0 4.0 3.0 2.0 1.0h(ppm)
CH,CH
(A)δ (ppm)
(B)
δ (ppm)
123
(50) 2
2
1413 LLDDGR ++
=
sendo GR o grau de ramificação e D, L13 e L14 representam as contribuições das
frações dendríticas e lineares presentes no polímero, respectivamente.
O valor obtido neste trabalho, GR = 0,81 indica que a lenta adição do
alcoóxido promoveu a formação da estrutura dendrítica.
Tabela 9: Análise do espectro de 13C-NMR para o PGLD sintetizado neste
trabalho.
Região da
Molécula
Grupo
funcional
Deslocamento (ppm) Integral relativa
L13 CH2OH
CH2
CH
62,9
71,2
81,6
0,85
D CH
CH2
CH2
80,2
73,0
72,4
6,31
L14 CH2
CHOH
74,0
70,9
2,12
T CH2OH
CHOH
CH2
64,5
71,3
72,4
4,31
Solvente: dDMSO, temperatura: 25 oC.
O espectro 1H-NMR do PGLD é menos informativo que o espectro de
carbono, mas pode-se notar claramente a incorporação do glicidol. Os sinais dos
grupos metil e metileno a 0,9 e 1,4 ppm respectivamente são devidos ao glicidol. Os
quatro prótons metilênicos e um próton relativo ao grupo metino do PGLD aparecem
124
como uma larga ressonância entre 3,3 e 3,9 ppm. Os prótons relativos ao grupo OH
geram um sinal a 4,8 ppm.
Uma macromolécula apresenta uma estrutura microscópica não linear onde,
dependendo da temperatura, diferentes estruturas podem coexistir em equilíbrio
sendo que, no estado líquido ou fundido, as cadeias macromoleculares são
caracterizadas pelo alto grau de liberdade.
Quando a massa viscosa e quente de um polímero fundido é deixada resfriar
sem a interferência de forças externas, pode haver a formação de estruturas com
certo grau de ordenação tridimensional, denominados cristalitos. Tais estruturas
permanecem imersas em uma matriz amorfa que confere ao polímero um
determinado grau de cristalinidade. Na ausência de forças externas, os cristalitos
tendem a se formar ao acaso, não havendo uma direção preferencial ao longo da qual
os cristalitos se disponham.
Um polímero pode existir em três estados físicos: vítreo, altamente elástico e
fluído viscoso. É importante ressaltar que a passagem de um estado físico a outro
não ocorre em uma temperatura definida mas em um certo intervalo de temperaturas
onde existe uma variação gradual nas propriedades termodinâmicas do material.
Neste caso os valores médios da temperatura na região de transição são denominados
de temperatura de transição.94
A transição do estado vítreo para o estado altamente elástico é denominada de
temperatura de transição vítrea (Tg) e comumente se associa a este estado a estrutura
de um líquido congelado. A temperatura de Tg é comumente associada a uma
transição de fase de segunda ordem uma vez que os potenciais termodinâmicos são
contínuos, mas a primeira e segunda derivada são caracterizadas por exibirem uma
variação brusca com a temperatura, ou seja:
Tc
TG;
TV
TPG;
PV
PG p
2
2
P
2
T2
2
−=∂∂
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛∂∂
=∂∂
∂⎟⎠⎞
⎜⎝⎛∂∂
=∂∂ (51)
A temperatura de transição vítrea pode ser medida experimentalmente pela
calorimetria exploratória diferencial (DSC), uma técnica que tem sido amplamente
utilizada na obtenção de informações relativas ao estado sólido das substâncias
125
macromoleulares.95 Neste caso, na transição de fase correspondente à temperatura
vítrea (Tg) a técnica DSC exibirá uma resposta endotérmica correspondente a uma
variação na capacidade calorífica do material.
Embora exista uma certa controvérsia com relação ao equilíbrio de fases em
um sistema macromolecular, existe um consenso no meio científico de que a Tg de
um material polimérico está diretamente relacionado às interações intermoleculares
de longo ou curto alcance bem como interações intramoleculares na cadeia da
macromolécula.96
A natureza da estrutura dendrítica com relação a existência de grupos
funcionais polares ou apolares na periferia da macromolécula exerce uma influência
significativa nas propriedades macroscópicas do polímero destacando-se a
temperatura de transição vítrea e seu comportamento reológico.
Neste trabalho observou-se uma baixa temperatura de transição vítrea (Tg = -
20,2 oC) indicando que o PGLD sintetizado é adequado para o revestimento de
superfícies devido à sua elevada flexibilidade à temperatura ambiente, característica
desejável para o revestimento de dispositivos biossensores.
O comportamento reológico do PGLD é mostrado na Figura 65. Como pode
ser observado, a macromolécula não apresenta pseudoplasticidade comportando-se
como um fluído newtoniano. A dependência da viscosidade em função da tensão de
cisalhamento pode ser associada a uma possível interação por ligação de hidrogênio
na macromolécula. A mesma dependência é observada entre o número de hidroxila e
a tensão de cisalhamento.
126
Figura 65: Comportamento reológico do polímero PGLD.
7.1.7 – Caracterização elétrica da heterojunção PANI/AL
O transporte de cargas em sistemas desordenados, neste trabalho a PANI, é
relativamente complexo e está associado a muitos fenômenos de transporte tais como
condução por bandas em regiões cristalinas, onde as funções de onda estão
delocalizadas, e saltos (hopping) em sua parte amorfa. A cadeia polimérica sofre
distorção quando o polímero é dopado (elétrons são injetados no eletrodo durante a
eletropolimerização), e os portadores de carga podem se acoplar com a cadeia
polimérica para formar polarons e bipolarons. Estes diferentes mecanismos
dificultam a descrição da condução elétrica em tais materiais por um modelo único.
Por meio da análise dc é possível obter-se a resistividade do conjugado
PANI/Al bem como estudar alguns mecanismos de transporte de cargas elétricas no
0 10 20 30 40 50
0
100
200
300
400
500
600
Núm
ero
de H
idro
xila
(mgK
Og.
g-1)
Visc
osid
ade
(mPa
.s)
Tensão de cisalhamento (s-1)
0
100
200
300
400
500
127
mesmo, já que a resposta do biossensor é diretamente influenciada pela interface
transdutora PANI/Al.
Sistemas com alta reatância capacitiva podem dificultar o transporte de cargas
elétricas quando se tem uma diferença de potencial constante aplicada entre os
eletrodos. Assim, torna-se interessante o estudo do comportamento ac na interface
PANI/AL.
7.1.7.1 - Análise ac
Através da análise ac é possível o estudo da dependência do sistema PANI/Al
com a variação de freqüência através de uma excitação senoidal de tensão,
permitindo a obtenção do ângulo de fase e o módulo de impedância do sinal de
resposta do sistema à excitação.
A dependência da mudança de fase com a freqüência é definida como a razão
entre a parte imaginária e a parte real da impedância. O diagrama de Bode para o
sistema PANI/Al é apresentado na Figura 66 e indica que a mudança de fase é
máxima a baixas freqüências e muito pequena, indicando que o comportamento
elétrico é dominado pela componente resistiva do sinal. Neste caso, o
comportamento resistivo predomina sobre o capacitivo, e a capacitância do sistema
passa a ser um fator desprezível.
O decaimento do módulo da impedância principia a cair a baixas freqüências
tendendo a um valor assintótico a altas freqüências, como mostra a Figura 67. Esta
observação está de acordo com as medidas experimentais realizadas por alguns
autores em polianilina dopada com Cl-. 97
128
0 200 400 600 800 1000-1,0
-0,8
-0,6
-0,4
-0,2
0,0
Pani/Al
Fase
[rad
]
Freqüência [kHz]
Figura 66: Diagrama de Bode para Pani eletrodepositada em filme de alumínio.
10 100 1000 10000 100000 1000000
0
100
200
300
400
500
Pani/Al
|Z| [Ω
]
Freqüência [Hz]
Figura 67: Dependência do módulo da impedância com a freqüência para PANI/Al.
129
7.1.7.2 - Análise dc
O comportamento do sistema PANI/AL quando da aplicação de uma tensão
contínua pode ser estudado por meio da análise dc, o que se mostra deveras
importante já que o biossensor trabalhará sob tensão constante.
Por meio da curva IxV, é possível o estudo dos mecanismos de condução e a
obtenção da resistividade, para um dado sistema, neste caso, PANI/AL. Outra
análise, que leva em consideração somente a condução superficial (PANI
eletrodepositada), pode ser realizada através do método dos quatro pontos (duas
sondas de prova monitoram a resposta da amostra por meio de um sinal elétrico de
excitação imposto por outras duas sondas).
O comportamento dc do sistema PANI/Al é apresentado na Figura 68. A
curva IxV apresentou um comportamento elétrico característico de um diodo
Schottky com uma barreira de polarização direta próxima a 1,5 eV. Tal energia está
associada a transições eletrônicas da banda de valência a níveis ligantes polaron ou
bipolaron. Este comprimento de onda de absorção tem sido relacionado com a
resistência elétrica de filmes de PANI. 82 A curva IxV é assimétrica e não-linear, ou
seja, correntes altas observadas para polarização direta (tensões positivas) e correntes
muito baixas em polarização reversa (tensões negativas), mostrando aparentemente
um comportamento retificante moderado devido a junção semicondutor (PANI)-
metal (Al), usualmente assumido como um comportamento retificador de barreira
Schottky.
De acordo com a Equação 27, como qV/nkT >> 1 para temperatura ambiente,
pode-se linearizar a equação e obter-se o fator de idealidade (n) do diodo. O cálculo
de n a partir do melhor ajuste linear para a curva obtida fornece o valor de n = 7,35.
O desvio da idealidade pode ser resultante de um elevado grau de imperfeições na
heterojunção PANI/Al devido aos nanotubos e ao óxido formado, resultando num
grande número de estados energéticos superficiais localizados na zona proibida,
influenciando, assim, na altura da barreira Schottkky (φBn).
A razão de retificação (RR) resultou em 7,72 (3 V), valor muito baixo. A
junção, portanto, não possui um bom comportamento retificante: não pode ser
130
considerado um diodo Schottky para fins práticos. Porém, a polarização direta
fornece correntes cerca de dez vezes maiores que a reversa.
A condutividade elétrica, a 27 °C, para o filme depositado, a partir do método
dos quatro pontos, foi de cerca de 10 mS.cm-1, próxima ao do germânio, um
semicondutor de uso corrente na indústria eletrônica.
A Figura 69 mostra o gráfico obtido pela linearização da Equação 29 do
modelo de tunelamento Fowler-Nordheim. Observa-se uma boa linearidade para
potenciais (campos elétricos) maiores onde a probabilidade de tunelamento é maior.
Esta observação evidencia dois mecanismos de condução, a saber, a emissão
termoiônica na junção polímero (PANI)-metal (Al) e tunelamento.
131
Figura 68: Comportamento Schottky para a heterojunção Pani/Al.
Figura 69: Modelo de tunelamento de Fowler-Nordheim (FN) para PANI/Al. R igual a 0,9975,
para 1/V> 0,4, e igual a 0,9970, para 1/V <0,4.
-6 -4 -2 0 2 4 6-3
-2
-1
0
1
2
3
4
5
Cor
rent
e [m
A]
Tensão [V]
0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7
-3,0
-2,5
-2,0
-1,5
-1,0
-0,5
Ln(1
/V2 )
[1/V]
132
Observa-se neste trabalho que a condutividade da heterojunção dendrímero
(PGLD)-metal (Al) é mais baixa que a condutividade medida em circuito aberto
(<10-12 S.cm-1) a 25 °C (E = 31,6 V.cm-1). No entanto, variando-se a temperatura, foi
possível observar-se uma condução elétrica a cerca de 100 °C.
A Figura 70 mostra a curva de IxV para o PGLD a 100 °C, de onde se obtém
o valor para a condutividade de σ = 8,78 x 10-7 S.cm-1. A baixa condutividade
observada pode estar associada ao número de gerações do dendrímero. Estudos
teóricos demonstraram que a condução eletrônica em dendrímeros ocorre por meio
do acoplamento eletrônico (T) entre as regiões doadora (VDi) e aceitadora (VAj) de
elétrons no dendrímero, convenientemente descritas pela função de Green (G): 98
∑=ij
jAijDi VGVT
sendo a relação entre G e o Hamiltoniano H do sistema dada por
1)( =− HEG .
A relação entre o número de unidades repetitivas entre doador e receptor (N)
é dada por:
T∝εN
sendo ε um fator dependente da energia de acoplamento para cada unidade repetitiva
na macromolécula.
O número de gerações do dendrímero PGLD (g = 5) faz com que a função de
Green decaia, confinando as funções de onda do elétron no núcleo do dendrímero,
tornado-o menos condutivo na interface com o metal. Assim, a densidade de estados
eletrônicos e o número de gerações são inversamente proporcionais, o que justificaria
a baixa condutividade elétrica observada para o PGLD.
Portanto, se justifica a utilização de um polímero conjugado para o transporte
eletrônico entre as enzimas imobilizadas e o eletrodo, como já mencionado
anteriormente.
133
Figura 70: Curva IxV para a heterojunção PGLD-Al. Temperatura 100 °C.
0 2 4 6 80
1
2
3
4
5
6
7
8
Cor
rent
e [n
A]
Tensão [mV]
134
7.2 – Parte B: Performance do biossensor PGLD-GOx-HRP/PANI/Al
Uma vez obtido o biossensor, torna-se necessário uma análise de seu
comportamento frente à concentração de glicose em condições in vitro.
A Figura 71 mostra a resposta do biossensor desenvolvido neste trabalho para
uma solução padrão de glicose de concentração 100 mg.dL-1. A Figura 71B
corresponde ao sinal de um biossensor comercial da Accu-Chek.
Figura 71: Resposta típica de um biossensor amperométrico em função do tempo: PGLD-GOx-
HRP/Al (A) e biossensor comercial (B). Temperatura ambiente (25 °C), fonte
Keitlhey K237. Cglicose 100 mg.dL-1.
Observa-se uma boa semelhança entre a resposta do biossensor projetado e do
biossensor comercial a menos de alguns pequenos picos secundários, possivelmente
decorrentes de reações entre os grupos aminas do polímero e da glicose presente na
solução (Reação de Maillard). O sinal obtido é menor em relação ao biossensor
0 5 10 15 20 25 30
0
50
100
150
200
Cor
rent
e [n
A]
Tempo [s]
0 10 20 30 40 50 60
0
1
2
3
4
5
Cor
rent
e [u
A]
Tempo [s]
(A)
(B)
135
comercial, porém, deve-se lembrar que o biossensor projetado não depende de um
potencial aplicado.
A resposta do biossensor de PGLD-GOx-HRP/PANI/Al frente a diferentes
concentrações de glicose é mostrado na Figura 72. Observa-se que a intensidade da
corrente parece ser proporcional à concentração da glicose.
Utilizando como parâmetro a intensidade máxima da corrente produzida no
biossensor pela reação biocatalizada pela GOx e a HRP sob diferentes concentrações
de glicose, obtém-se a Figura 73. A Figura mostra um comportamento biossensor
para o sistema PGLD-GOx-HRP/PANI/Al no intervalo de interesse clínico, ou seja,
nas concentrações normoglicêmicas.
Figura 72: Reposta do biossensor para diferentes concentrações do analito. 560 mg.dL-1 (A), 280
mg.dL-1 (B) e 140 mg.dL-1 (C). Potencial aplicado no biossensor = 100 mV.
0 10 20 30 40 500
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
220
240
Cor
rent
e [n
A]
Tempo [s]
(A)
(C)
(B)
136
Figura 73: Resposta do biossensor PGLD-GOx-HRP/PANI/Al em função da concentração de
glicose a um potencial anódico de 100 mV aplicado ao eletrodo de trabalho (Cada
ponto corresponde a 3 medidas). O retângulo corresponde à normoglicemia.
A Figura 74 mostra o comportamento de biossensor mesmo na ausência de
potencial aplicado; ou seja, independente da polarização do eletrodo, o
comportamento do biossensor PGLD-GOx-HRP/PANI/Al é adequado para a análise
clínica da glicose.
0 100 200 300 400 500 6000,00
0,02
0,04
0,06
0,08
0,10
0,12
0,14
0,16
0,18
0,20
Cor
rent
e [u
A]
Concentração de glicose [mg.dl-1]
137
Figura 74: Reposta do biossensor PGLD-GOx-HRP/PANI/Al (Cada ponto corresponde a 3
medidas). O retângulo corresponde aos níveis normoglicêmicos. Tensão 0,00 V.
0 50 100 150 200 250 300 3500
5
10
15
20
25
Cor
rent
e [n
A]
Concentração de glicose [mg.dl-1]
138
CAPÍTULO 8 – CONCLUSÕES
Com base nos resultados obtidos neste trabalho, pode-se concluir que:
1. As formas, base de esmeraldina e sal de esmeraldina, coexistiram na PANI
eletrodepositada sendo que sua forma protonada apresentou caráter
condutivo.
2. O sistema PANI/Al possui maior estabilidade térmica que a PANI.
3. A micrografia eletrônica de varredura evidenciou a formação de nanotubos de
PANI na superfície do Al no processo de eletrodeposição.
4. O EDS mostrou a forma dopada dos cristais de PANI eletrodepositada.
5. A difração de raios x evidenciou a deposição de PANI com um elevado grau
de cristalinidade.
6. Quanto ao comportamento da heterojunção, o sistema apresentou um
comportamento similar a um diodo Schottky (n = 7,35).
7. O sistema PANI/Al apresenta características elétricas promissoras para a
obtenção de biossensores de 3ª geração devido à baixa reatância capacitiva
(análise ac).
8. A espectroscopia de ressonância magnética nuclear (1H-NMR, 13C-NMR) e
GPC evidenciaram a estrutura dendrítica do PGLD obtido neste trabalho.
9. O sistema PGLD-GOx-HRP/PANI/Al possui características de biossensor de
glicose.
139
CAPÍTULO 9 – PERSPECTIVAS FUTURAS
O diabetes melito vem alcançando níveis alarmantes nas últimas décadas
atingindo cerca de 194 milhões de pessoas em todo o mundo, e a cada ano cresce em
prevalência e incidência de mortes, despertando a preocupação de órgãos
internacionais para medidas de prevenção e acompanhamento da doença. Países em
desenvolvimento, como o Brasil, podem sofrer particularmente seja pela falta de
recursos na saúde pública, ou pela falta de desenvolvimento pessoal. O
desenvolvimento de biossensores para análise clínica, portanto, representa um
mercado em potencial tanto para o autocontrole dos níveis glicêmicos quanto para
um pré-diagnóstico da doença. As pessoas com diabetes tendem a tomar
conhecimento tardio da doença, quando um certo quadro de descontrole glicêmico já
está instaurado e muitas das vezes, por descuido ou falta de informação, atingem o
desenvolvimento crônico da enfermidade estando sujeitos a uma série de
complicações tais como: a perda da visão, doenças cardíacas ou a amputação de
membros, sendo estas situações sempre penosas. Os portadores ainda estão sujeitos a
passarem por algum tipo de preconceito decorrente de alguma disfunção causada
pelo diabetes. São muitas das vezes discriminados pelo empregador, ou pela própria
família, representando um problema social, uma vez que necessitam de tempo e
cuidados especiais. O controle da normoglicemia tem sido um ótimo aliado na
redução desses riscos, já que pesquisas têm demonstrado que o acompanhamento da
doença, pela leitura da curva glicêmica, reduz severamente o risco de tais
complicações.
Espera-se que a presente dissertação tenha despertado a importância dos
biossensores para análise clínica propondo medidas simples de prevenção de severas
complicações. Contudo, muitas questões ainda devem ser elucidadas acerca do que
foi exposto, sem que nos reste mais tempo e lugar aqui para elas. Mas o
conhecimento se faz pela constante busca da verdade, servindo de consolo aos que
iniciam a jornada, e de alerta, aos que pensam obtê-la. Assim, apresentamos algumas
sugestões para futuros “desbravamentos”:
• Efetuar uma estatística mais significativa da resposta do biossensor (incluindo
testes com plasma sanguíneo).
140
• Diferentes enzimas complexadas com o PGLD podem ser imobilizadas no
sistema PANI/Al para a obtenção de biossensores clínicos para outros
analitos (p. ex. a imobilização de colesterase para a análise do colesterol)
• Projetos de biossensores para análise in vivo com a utilização do PGLD, visto
ser este biocompatível.
• Pesquisar os mecanismos de transporte de cargas nos nanotubos de
polianilina.
• Compreender a fenomenologia do transporte de cargas em estruturas de
poliglicerol dendrítico.
• Estudar o controle do crescimento dos nanotubos e dos cristais de polianilina.
• Digitalizar a resposta IxCglicose.
Esperamos que a solução de cada uma dessas questões venha representar uma
ação concreta para a solução dos problemas sociais, os quais devem sempre nortear o
fazer científico para a promoção do bem estar comum.
141
CAPÍTULO 10 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando-se em consideração que um biossensor de glicose envolve não
somente o eletrodo, mas também um sistema de aquisição de sinais, um primeiro
passo foi dado no presente trabalho no sentido de se projetar uma interface eletrônica
para o monitoramento do sinal proveniente da reação bioquímica na interface do
transdutor.
O circuito proposto constitui-se de um bipotenciostato, um amplificador de
tensão e um filtro Butterworth passa-baixas (optando-se pelo baixo custo e pela
simplicidade).
O potenciostato é um circuito eletrônico simples consistindo de uma bateria,
dois amplificadores operacionais, e alguns resistores. É usado para fornecer um
potencial constante ao eletrodo de trabalho em relação ao eletrodo de referência.
Geralmente consiste de um sistema de dois eletrodos onde um terceiro, contra-
eletrodo, é acrescido para estabilizar o circuito. 99 Eliminando-se o contra-eletrodo,
pode ser construído um potenciostato mais simples, o bipotenciostato, que se utiliza
somente de um eletrodo de trabalho e um eletrodo de referência. O bipotenciostato é
capaz de gerar uma tensão de até 1,5 V na entrada do pino 3 de um circuito integrado
(CI 1) (ver Figura 75), polarizando o eletrodo de trabalho. O CI 1 trata-se do
amplificador operacional de instrumentação TL81 que possui um transistor de efeito
de campo (FET) em sua entrada, possibilitando uma alta impedância de entrada (1012
Ω), baixo ruído e uma alta razão de modo comum de rejeição (CMMR), e é
facilmente encontrado no mercado. Este CI converte a corrente gerada no pino 2 em
tensão por meio da resistência de realimentação conectada aos pinos 2 e 6 do CI, ou
seja, a tensão de saída do CI 1 é: V = -R.I. O CI 2 também é um amplificador
operacional (CA134), possuindo uma alta impedância de entrada, também muito
barato e facilmente encontrado no mercado. Este está configurado como amplificador
inversor de tensão, que amplifica a tensão de saída do CI 1 por um fator dado pela
razão entre o valor da resistência no potenciômetro (R7) e a resistência de passagem
(R6) com sinal trocado, ou seja:
VRRVou .
67
−=
142
O circuito possui um ganho de 107 podendo amplificar correntes da ordem de
centenas de pA e a impedância de entrada é bastante alta fazendo com que
distorções do sinal, devido a uma mudança na impedância entre os eletrodos, seja
desprezível. A Figura 76 mostra o circuito em sua fase inicial de construção em
protoboard e a Figura 77, a placa de circuito impresso para o bipotenciostato.
Figura 75: Projeto do circuito do bipotenciostato (CI 1) e amplificador de tensão (CI 2). O círculo
vermelho corresponde ao biossensor onde o eletrodo de trabalho está representado pela
barra mais à direita (azul), e a barra mais à esquerda (preta) representa o eletrodo de
referência.
CI 2 CI 1
143
Figura 76: Circuito sob teste. Fonte de alimentação (A), o biossensor (B), divisor de tensão (C),
amplificadores (D) e leitura do sinal (E).
Figura 77: Placa de circuito impresso projetada para o bipotenciostato.
(B)
(D)
(C)
(A)
(E)
144
As interferências no circuito podem ser suprimidas com o uso de um filtro
ativo passa-baixas. Um filtro passa-baixas permite a passagem de sinais até uma
certa freqüência máxima a partir da qual o sinal passa a ser severamente atenuado.
Os métodos originais de projeto de filtros empregam indutores, capacitores e
resistores. Os filtros ativos empregam somente resistores, capacitores e um circuito
integrado linear (amplificador operacional), e são assim chamados por fazerem uso
de uma fonte de tensão e, usualmente, possuírem ganho de tensão. Justifica-se o seu
uso por ser relativamente barato (para baixas freqüências, os indutores são grandes e
caros), possuírem alta impedância de entrada e baixa impedância de saída, e podem
ser configurados nas mais diversas formas.
Um filtro ativo passa-baixas pode ser obtido com o uso de um amplificador
operacional, dois capacitores e quatro resistores (mostrado na Figura 78), na
configuração proposta por Sallen e Key em 1955. A vantagem do circuito, além da
simplicidade, é a capacidade de ganho e uma baixa impedância de saída.100
Figura 78: Circuito do filtro passa-baixas Buttlerworth na configuração de Sallen-Key.
145
A Figura 79 mostra a resposta simulada do filtro para uma excitação de
entrada de 2 V. Pela curva, nota-se um ganho adicional de 50% no sinal e uma
freqüência de corte próxima de 15Hz.
Figura 79: Simulação da resposta do filtro passa-baixas. A linha vertical próxima a 15 Hz indica
a freqüência de corte (freqüência a partir da qual o sinal começa a ser severamente
atenuado).
Por meio do circuito projetado, foi possível a avaliação da resposta do
biossensor, dada pela Figura 80. Observa-se uma boa linearidade na curva VxCglicose.
Entretanto, as incertezas nas medidas são significativas. A causa para a elevada
variância nas medidas deve-se a uma leitura analógica (visual) do sinal; o que indica
a necessidade do processamento digital dos sinais obtidos.
Freqüência
0Hz 5Hz 10Hz 15Hz 20Hz 25Hz 30Hz 35Hz 40Hz 45Hz 50Hz 55Hz 60Hz V(R3:1)
0V
0.5V
1.0V
1.5V
2.0V
2.5V
3.0V
3.5V
146
Figura 80: Leitura do sinal pelo circuito projetado (cada barra de incerteza corresponde a 3
medidas). Tensão 0,0V, leitura feita no instante em que a solução foi colocada. R2 =
0,9916.
0 20 40 60 80 100 120 140 1600,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
Tens
ão [V
]
Concentração [mg.dl-1]
147
CAPÍTULO 11 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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