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Universidade Federal de Itajubá Instituto de Recursos Naturais
Ciências Biológicas Licenciatura
GUILHERME MÓDENA ALKMIM
UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR SOBRE OS
FATORES QUE INFLUENCIARAM OS DIFERENTES
DESTINOS DAS SOCIEDADES HUMANAS
ITAJUBÁ - MG
2016
GUILHERME MÓDENA ALKMIM
UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR SOBRE OS
FATORES QUE INFLUENCIARAM OS DIFERENTES
DESTINOS DAS SOCIEDADES HUMANAS
Trabalho Final de Graduação apresentado à
Universidade Federal de Itajubá, como parte das
exigências para a conclusão do curso de Ciências
Biológicas Licenciatura.
ORIENTADORA: Andreia Arantes Borges
ITAJUBÁ - MG 2016
GUILHERME MÓDENA ALKMIM
UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR SOBRE OS FATORES QUE
INFLUENCIARAM OS DIFERENTES DESTINOS DAS SOCIEDADES
HUMANAS
Itajubá, 07 de novembro de 2016.
BANCA AVALIADORA
Profa Janaína Roberta dos Santos
Profa Andreia Arantes Borges Orientadora
i
AGRADECIMENTOS
Agradeço à todos os professores, em especial à minha orientadora Andreia
Arantes Borges, que fizeram parte dessa minha jornada Universitária, pois foi por meio
de seus conhecimentos, de suas palavras e de seus incentivos que eu pude me tornar
quem eu sou hoje.
Aos meus colegas de Universidade com os quais sempre pude contar com o
apoio e conselhos nos momentos mais difíceis e estressantes.
Ao meu pai, Pedro Canisio Alkmim e ao meu irmão, Lucas Módena Alkmim que
fizeram o possível e o impossível para assegurar a minha felicidade durante todos os
dias de minha vida.
À toda a minha família que sempre acreditou em meu potencial e fizeram de
tudo para eu chegar aonde cheguei.
À Universidade Federal de Itajubá por me inspirar a me tornar um professor e
proporcionar momentos únicos em minha vida, no qual sempre serei grato.
Às imensas contribuições geradas pelos integrantes voluntários do presente
projeto, por permitirem a construção do conhecimento de maneira extremamente
gratificante.
E, em especial, à você, mãe, Marilda Aparecida Módena Alkmim, que sempre
foi a minha heroína e que nunca deixou de me amar. Mesmo do céu eu sei que você
está assistindo a minha vitória e espero nunca te desapontar.
Obrigado à todos.
ii
RESUMO
Os diferentes destinos das sociedades humanas apresentam um nível de
complexidade muito maior do que se é comumente verificado nos livros didáticos de
história. Assim, a fim de compreender melhor a trajetória de desenvolvimento das
sociedades modernas, o presente trabalho propôs-se a transcender os limites do
conhecimento meramente histórico e discutiu como a evolução da espécie humana,
as diferenças biogeográficas entre os continentes e as concepções culturais de cada
povo exerceram fortes influências nos avanços de cada sociedade. Para tanto, alunos
do 3º ano do Ensino Médio de uma escola da rede pública de ensino do município de
Itajubá/MG participaram de uma série de encontros realizados nas dependências da
Universidade Federal de Itajubá, nos quais foi empregada uma abordagem de ensino
fundamentada na interdisciplinaridade. Notou-se uma considerável mudança na
compreensão dos estudantes ao se discutir o assunto sob diferentes perspectivas,
ressignificando possíveis concepções racistas, pautadas na subjetividade frente a
infecunda relação existente entre superioridade tecnológica e superioridade
intelectual dos povos.
PALAVRAS-CHAVE: Interdisciplinaridade; Sociedades humanas; Evolução humana.
iii
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 1
2. OBJETIVOS ................................................................................................ 2
3. REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................... 2
3.1. Contribuições da interdisciplinaridade para a construção dos valores
humanos ................................................................................................... 2
3.2. Breve histórico evolutivo da espécie humana .................................... 4
3.3. Domesticação de animais e plantas ................................................... 6
3.4. Centros de produção de alimentos .................................................... 8
3.5. Eixos continentais .............................................................................. 9
4. PERCURSO METODOLÓGICO ................................................................. 10
4.1. A história evolutiva dos hominídeos ................................................... 12
4.2. A distribuição dos animais no globo terrestre .................................... 12
4.3. A importância da seleção artificial ...................................................... 13
4.4. Contribuições da agricultura para a organização das sociedades
humanas ............................................................................................. 15
4.5. Avaliação dos conhecimentos construídos ........................................ 15
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................. 17
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 35
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 36
8. APÊNDICES ............................................................................................... 39
1
1. INTRODUÇÃO
Ao longo de milhares de anos a ocupação humana dos continentes ocorreu de
modo diferente para os povos em cada parte do globo. Os livros de História do Ensino
Médio comumente destacam a associação entre poder tecnológico-militar e a
conquista de novos territórios pelos povos eurasianos sobre os seus vizinhos menos
“modernos”.
Tem-se que os povos eurasianos (europeus e asiáticos) habitualmente são
retratados como possuidores de armas sofisticadas, detentores do domínio do metal,
além de possuírem cavalaria de guerra e serem importantes disseminadores de
doenças. Em contrapartida, os povos dominados por não possuírem tais atributos,
foram indiscriminadamente rotulados como negros, mulatos, selvagens, tribais,
caçadores e coletores, com raso, ou nenhum, domínio sobre o metal, além de serem
imunologicamente frágeis.
No entanto, os livros didáticos não destacam as evidências que justificam o fato
dos povos dominados não terem desenvolvido armas sofisticadas, dominado o metal
ou transmitido doenças para seus dominadores, contribuindo para a permanência da
atual configuração de desenvolvimento desigual, caracterizada pela imposição de
superioridade entre os povos.
Diante do grande esforço humanitário de combate ao preconceito nos dias
atuais, uma série de estudos revelam inexistir diferenças que separe seres humanos
de diferentes miscigenações quanto ao seu nível intelectual. Até o presente momento,
nenhum traço primitivo que comprove a incapacidade de se modernizar e dominar
novas tecnologias foi encontrado em povos não eurasianos, reforçando a inexistência
de qualquer tipo de inferioridade racional.
Verifica-se, portanto, que outros fatores favoreceram a expansão territorial
eurasiana frente aos demais povos, sendo interessante compreender as possíveis
explicações para este tipo de dominação, e não a ocorrência de uma situação
contrária. Deste modo, a fim de compreender os fatores que influenciaram os
diferentes destinos das sociedades humanas, o presente trabalho propôs-se a utilizar
estratégias de ensino fundamentadas na interdisciplinaridade, integrando aspectos
evolutivos, sociais, históricos e biogeográficos de forma a se construir um
conhecimento capaz de refutar concepções racistas associadas à uma superioridade
intelectual que justifique as diferenças socioeconômicas observadas nos dias atuais.
2
2. OBJETIVOS
O presente trabalho teve como objetivo geral analisar as contribuições de uma
sequência didática relacionada aos processos históricos de ocupação humana dos
continentes a partir de uma abordagem interdisciplinar que explique os diferentes
destinos das sociedades humanas.
Dentre os objetivos específicos destacaram-se:
Avaliar o nível de compreensão dos alunos quanto aos processos de
desenvolvimento das sociedades humanas.
Desvincular o conceito de superioridade tecnológica de superioridade
intelectual.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1. Contribuições da interdisciplinaridade para a construção dos valores
humanos
O avanço da globalização trouxe inúmeras contribuições para a comunicação
entre pesquisadores de diferentes localidades do mundo, significando um importante
marco para a construção de novos saberes científicos. Nas escolas, onde a
construção do conhecimento tem início, a comunicação entre diferentes áreas do
ensino possibilita a contextualização dos saberes adquiridos, evitando a sua
compartimentalização, mediante a interdisciplinaridade (BRASIL, 2000a). Visando a
aproximação de diferentes conhecimentos, os Parâmetros Curriculares Nacionais
estabelecem que:
A interdisciplinaridade deve ser compreendida a partir de uma abordagem relacional, em que se propõe que, por meio da prática escolar, sejam estabelecidas interconexões e passagens entre os conhecimentos através de relações de complementaridade, convergência ou divergência (BRASIL, 2000a, p.21)
Considerando a dinâmica produção de novos conhecimentos, exige-se do
profissional docente constante atualização. Desta forma, os Parâmetros Curriculares
Nacionais para as Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias estabelecem
um subagrupamento ao ensino de modo complementar onde:
[...] juntam-se as competências e habilidades de caráter mais específico, na categoria investigação e compreensão científica e tecnológica; aqueles que, de certa forma, se direcionam no sentido da
3
representação e comunicação em Ciência e Tecnologia estão associadas a Linguagem e Códigos; finalmente, aquelas relacionadas com a contextualização sócio-cultural e histórica da ciência e da tecnologia se associam a Ciências Humanas (BRASIL, 2000b, p. 11).
O campo da História, como parte do eixo formador das Ciências Humanas,
procura estudar os fatores que contribuíram para a formação das sociedades, a partir
do resgate de acontecimentos históricos. Enraizado na história cultural nacional, o
estudo da escravidão revela um histórico de separação racial entre brancos e negros,
marcado pela discriminação e abomináveis rotulações de inferioridade intelectual
sobre os negros. Essa discriminação configura-se como resultado dos processos de
colonização que marcaram a destruição da cultura local africana e a imposição da
cultura europeia resultando, em um processo conhecido como racismo.
De acordo com Wedderbun (2005):
Como todas as disciplinas humanísticas, a história é um campo movediço, pois se presta a múltiplas distorções. A subjetividade é de fato o que determina a “interpretação” ou “tradução” da realidade do outro. Por isso o campo da análise histórica é o lugar privilegiado da produção e proliferação da mais perigosa aberração produzida pela mente humana – o racismo, com seus múltiplos derivados ideológicos
(religiosos ou laicos) (WEDDERBUN, 2005, p.5).
A subjetividade mencionada por Wedderbun (2005) refere-se a construção de
um conhecimento apoiado na interpretação dos acontecimentos históricos, onde a
compreensão desses acontecimentos se torna a maior ferramenta de ensino do
professor. Quando descontextualizado, esse ensino caracteriza-se por ignorar os
processos de investigação científica dos acontecimentos, apoiando-se apenas na
subjetividade da interpretação dos fatos. Desse modo o estudo do campo histórico
acaba propiciando a formulação de conceitos raciais, partindo de um conhecimento
desconexo com as ciências naturais e baseado apenas nos registros contados pelos
vencedores.
É importante ressaltar que o conceito de “raças”, precursor do racismo,
apresenta viés distinto do conceito “raças”, estudado atualmente. Segundo Santos et
al. (2010), em 1758 Carolus Linnaeus, criador da taxonomia moderna, reconheceu
quatro variedades raciais do homem, divididas em: I. Americano, vermelho, de mau
temperamento e subjugável; II. Europeu, branco, sério e forte; III. Asiático, amarelo,
melancólico e ganancioso; IV. Africano, preto, impassível e preguiçoso. Partindo do
método de classificação desenvolvido por Linnaeus, cada raça apresenta
características físicas e morais específicas que os separam, evidenciando uma visão
4
de superioridade racial. No entanto, nos dias atuais, a maioria dos autores considera
o termo “raça” como um termo não científico que somente pode ter algum tipo de
significado biológico quando o ser se apresenta homogêneo e estritamente puro,
condição que não se encontra em seres humanos onde as diferenças mais aparentes
referentes ao formato do nariz e a cor da pele e cabelo são determinados por apenas
0,005% do genoma humano (SANTOS et al., 2010).
Segundo Verrangia e Silva (2010), é preciso compreender e discutir os
impactos produzidos pelo conhecimento cientifico sobre a construção dos valores da
sociedade. Desse modo, percebe-se que as Ciências Naturais exercem um papel
fundamental para a desconstrução de concepções racistas, discutidas no campo das
Ciências Humanas, por meio de discussões e análises críticas sobre a importância
histórica da teoria da evolução darwiniana e da hereditariedade mendeliana para a
formação do imaginário social das raças, etnias e miscigenações.
Desta forma, apesar dos vários conceitos que definem a interdisciplinaridade,
aquele empregado por Severino (1989) como uma “vinculação recíproca entre as
várias disciplinas”, reflete o que se pretendeu realizar durante a execução do presente
trabalho, pois buscou-se discutir os fatores que influenciaram os diferentes destinos
das sociedades humanas integrando os referenciais teóricos de diferentes disciplinas,
a fim de se estabelecer uma abordagem mais abrangente e enriquecedora acerca
desse assunto.
3.2. Breve histórico evolutivo da espécie humana
A história evolutiva da espécie humana já foi tema de polêmicas discussões no
meio científico no que se refere às tentativas de determinar as relações evolutivas
entre os humanos e as espécies atuais de macacos.
Evidências moleculares e morfológicas indicam que os antropoides africanos
se divergiram há aproximadamente 6,4 milhões de anos. De acordo com análises de
um gene mitocondrial, Ruvolo et al. (1994) sugeriram que as linhagens dos humanos
e dos chimpanzés somente se divergiram entre si depois que seu ancestral comum
divergiu dos gorilas, indicando que humanos e chimpanzés são mais estritamente
relacionados entre si do que cada um é com os gorilas. Em contrapartida, as linhagens
dos humanos se divergiram dos chimpanzés há aproximadamente 4,98 milhões de
anos (KUMAR et al., 2005).
5
A primeira mudança significativa da linhagem humana começou com o alcance
da postura vertical. Para Amaral (2014), o andar bípede pode ser considerado como
a mudança fundamental que separou a linhagem progenitora do gênero Homo, ao
qual a espécie humana pertence, das demais linhagens de primatas.
O aumento do tamanho cerebral, há aproximadamente 2,5 milhões de anos,
tem sido considerada a segunda maior mudança encontrada nos antecessores dos
humanos atuais, conhecidos como proto-humanos, representados pelas espécies
Australopithecus africanus, Homo habilis e Homo erectus. Segundo Diamond (2014),
até 1,7 milhão de anos o proto-humano mais moderno existente era o Homo erectus,
e podia ser classificado como “mais do que um macaco, mas muito menos do que um
ser humano moderno” (DIAMOND, 2014, p.36).
Estima-se que por aproximadamente 5,1 milhões de anos, os ancestrais da
espécie humana estariam confinados ao continente Africano e que somente a partir
de 1,9 milhões de anos representantes de Homo erectus teriam deixado o continente,
rumo ao sudeste asiático e, posteriormente, à Europa, há 500 mil anos. Essa
separação permitiu que as linhagens africanas de Homo erectus se diferenciassem
das linhagens europeias e asiáticas, ao longo de milhares de anos, e direcionassem
o rumo da espécie humana.
Nestes últimos 500 mil anos, os fósseis humanos diferenciaram-se daqueles
dos Homo erectus, com esqueletos maiores e crânios mais arredondados, além de
apresentarem avanços tecnológicos, comportamentais e anatômicos que conduziram
a evolução daqueles anatomicamente modernos (humanos que apresentavam
características anatômicas semelhantes aos humanos atuais), também conhecidos
como arcaicos, para os culturalmente modernos.
Acompanhado de seu desenvolvimento tecnológico, os seres humanos
expandiram seus territórios e conquistaram todos os demais continentes
apresentando inicialmente um estilo de vida caçador/coletor. Entretanto cada
sociedade estabelecida em um continente apresentou rumos bastante distintos de
desenvolvimento ao longo do percurso histórico. Diamond reforça que “A história
seguiu diferentes rumos para os diferentes povos devido às diferenças entre os
ambientes em que viviam e não devido a diferenças biológicas entre os povos”
(DIAMOND, 2014, p.25). Deste modo é interessante compreender os fatores que
influenciaram a ocupação humana dos continentes que culminaram nas grandes
diferenciações entre os povos observadas atualmente.
6
3.3. Domesticação de animais e plantas
As espécies representativas dos hominídeos ancestrais eram incapazes de
formar sociedades complexas e desenvolver hábitos de vida eficazes para sustentar
grandes populações pelo fato de adotarem o estilo de vida caçador/coletor. Assim,
considera-se que a transição desse estilo de vida para agricultor contribuiu
enormemente para a organização das civilizações, atuando como importante fonte
das diferenças na economia e desenvolvimento tecnológico entre os continentes,
sobretudo quando se compara a Europa com a África.
Tem-se que os primeiros registros dessa transição datam dos últimos 11.000
anos. Evans (1993), destacou as mudanças climáticas ocorridas ao final do período
Pleistoceno, além da própria evolução gradual, irregular e independente dos
diferentes ambientes como fatores que impeliram a concentração dos homens
associada à motivação para o início da domesticação das espécies pelos primeiros
agricultores.
A seleção de culturas domesticáveis pelos humanos constituiu um processo de
seleção artificial em que culturas vegetais fornecedoras de alimentos agrupadas em
um único local garantiram o fornecimento de alimento e consequente expansão
populacional (DIAMOND, 2014). A capacidade de sustentar grandes populações
tornou-se possível conforme os agricultores adquiriam conhecimento sobre as
espécies animais e vegetais domesticáveis, bem como expandiam o cultivo para
outras regiões.
Neste percurso, a domesticação de animais foi decisiva para o estabelecimento
do estilo de vida agricultor, visto que os animais domésticos constituíram a principal
fonte de obtenção de proteína animal para as sociedades. Ademais, o adubo orgânico
fornecido por bois, búfalos, iaques e cavalos, bem como a própria força física
convertida para o uso do arado contribuíram para o cultivo de plantas em terras até
então improdutivas. A tabela 1 apresenta a relação das 14 espécies de grandes
mamíferos que foram inicialmente domesticados.
7
Tabela 1. Relação das 14 espécies de grandes mamíferos herbívoros domésticos
Fonte: Adaptado de Diamond (2014).
Se por um lado a domesticação trouxe benefícios para aqueles que a adotaram,
fornecendo alimento, leite, couro e meios eficientes de se cultivar e arar o solo, por
outro lado o convívio com esses animais trouxe um grande problema para as
civilizações: a propagação de doenças. O contágio por agentes infecciosos não era
algo novo para a espécie humana, pois como para qualquer outra espécie, os
humanos estiveram sujeitos a uma gama variada de doenças, algumas causadas por
vírus e bactérias, outras por organismos parasitários.
Santos e Coimbra Jr. (1994) salientam que a conversão de ecossistemas
naturais em terra agricultável, aliado ao estabelecimento de grandes grupos de
pessoa em uma mesma área, além do contato com os animais domesticados
favoreceram a disseminação de doenças. Assim, os vencedores das grandes batalhas
até a 1ª Guerra Mundial foram aqueles que apresentaram adaptações genéticas e
fisiológicas frente aos patógenos, garantiram sua sobrevivência e conquistaram os
territórios dos inimigos imunologicamente frágeis. Por essa razão, tem-se que o
8
estabelecimento da agricultura como prática de sobrevivência resultou em avanços e
retrocessos durante o desenvolvimento das sociedades humanas.
3.4. Centros de produção de alimentos
Estima-se que as primeiras civilizações que adotaram a produção de alimentos
como sua principal forma de sustento se estabeleceram em uma região do Oriente
Médio conhecida por Crescente Fértil. Tratava-se de uma importante região de
passagem entre a Europa, Ásia, África, Mar Mediterrâneo e o Oceano Índico que se
destacou pela riqueza de espécies animais e vegetais candidatas à domesticação
frente às regiões desérticas e de estepes existentes no seu entorno. As terras altas
da região forneciam um ambiente ideal para a domesticação de carneiros selvagens,
bodes, gado, porcos, bem como para o cultivo de trigo e cevada selvagem.
Logo percebeu-se que o Crescente Fértil compreendia uma região que permitia
aos caçadores-coletores humanos não só caçar animais e colher plantas comestíveis,
mas também armazenar cereais para seu consumo por longo tempo, se mantidos
secos e em algum lugar seguro. Este armazenamento intencional de grãos, apesar de
exigir esforço, reduzia as chances de escassez de alimentos no futuro e incentivou a
formação dos primeiros assentamentos permanentes (SANTANA, 2005).
À medida que se elevava o número de plantas e animais domesticados, bem
como se desenvolviam novas técnicas de irrigação, a agricultura se espalhava por
todo o Crescente Fértil entre 7000 e 5.000 a.C. Desta forma, a partir da implementação
da agricultura, a natureza começou a ser modificada para produzir vegetais e animais
úteis ao homem.
A produção de excedentes foi um resultado do desenvolvimento da agricultura
permitindo o sustento de especialistas não agricultores como os artesãos que
desenvolveram as técnicas de fundição de metais produzindo espadas, armas e
outras tecnologias essenciais para a dominação dos povos. Os estoques de comida
podiam também alimentar os sacerdotes, que forneciam justificativas religiosas para
as guerras de conquista (DIAMOND, 2014).
Entretanto, o Crescente Fértil não pode ser considerado a única região com
condições adequadas para a produção de alimentos. Tem-se que na pré-história
existiram cerca de 9 centros de origem independente de produção de alimentos, como
apresentado na figura 1.
9
Figura 1. Centros de produção de alimentos pré-históricos
Fonte: Diamond (2014).
Destaca-se que as Américas, bem como a África possuíram centros de
produção de alimentos existindo registros de civilizações emergentes. Apenas a
Austrália não apresentou indícios de se ter iniciado algum tipo de prática agrícola.
O destaque do Crescente Fértil frente aos demais centros pode ser atribuído
em partes à sua geografia continental que apresentava climatologia, ecossistema,
barreiras geográficas naturais e biodiversidade favoráveis à produção de alimentos.
3.5. Distribuição das porções de terras continentais
Diamond (2014), considera ainda que os diferentes rumos das civilizações
foram influenciados pela direção dos eixos continentais. Tem-se que a Eurásia, uma
massa de terras formada pelos continentes europeu e asiático, apresenta uma ampla
faixa de extensão no eixo leste-oeste que garante a expansão e adaptação de culturas
e animais domesticados, pois compartilham variações sazonais semelhantes, habitats
e biomas. Em contrapartida, todos os demais continentes possuem extensas faixas
de terra no eixo norte-sul, que apresentam grandes diferenças climáticas e estações
do ano com amplas variações, resultando em um grande desafio para as espécies
animais e vegetais se adaptarem.
Tais divergências geográficas poderiam explicar o fato da difusão das culturas
na África e Américas ter ocorrido mais lentamente devida a existências de barreiras
10
ambientais, enquanto que a expansão da agricultura eurasiana influenciou a
propagação mais rápida da escrita, metalurgia e tecnologia.
Desta forma, verifica-se que o estudo da distribuição dos eixos continentais
revela-se essencial para a compreensão dos diferentes ritmos de desenvolvimento
das sociedades humanas. A figura 2 retrata as formas e posições de cada um dos
continentes, onde percebe-se um nítido contraste entre as extensões dos eixos
continentais. A extensão das Américas e do continente Africano é maior no eixo Norte-
Sul do que no eixo Leste-Oeste ao contrário do que se verifica na Eurásia onde a sua
maior distribuição se dá no eixo Leste-Oeste. Apesar de aparentemente irrelevante,
essas diferenças exerceram grandes influências sobre a expansão da produção de
alimentos e, consequentemente, no crescimento populacional de certas civilizações.
Figura 2. Extensão dos eixos continentais
Fonte: Diamond (2014).
Desta forma, o estudo da geografia possibilita a expansão das discussões
sobre as origens das desigualdades sociais que se refletem nos tempos atuais,
correlacionando-se à temáticas ambientais e processos de irradiações adaptativas.
Doravante a tais processos, Landes (1998) reflete sobre a importância da
contextualização do ensino de geografia onde:
Nenhum objeto de estudo ou disciplina pode ser menos racista do que a geografia. Eis uma disciplina que, limitando-se à influência do meio ambiente, fala a respeito de tudo menos das características geradas pelo grupo. Ninguém pode ser elogiado ou censurado pela
11
temperatura do ar, pelo excesso ou escassez das chuvas, ou pela configuração do terreno (LANDES, 1998, p.2).
Deste modo é importante salientar que o estudo da geografia deve passar por
reflexões e contextualizações a fim de se evitar a propagação de ideias racistas e
equivocadas para o entendimento dos destinos das sociedades humanas.
4. PERCURSO METODOLÓGICO
O presente trabalho possui natureza qualitativa (MINAYO, 1994; LUDKE e
ANDRÉ, 2013), onde a partir da observação buscou-se minimizar a subjetividade do
pesquisador a fim de se avaliar a compreensão dos sujeitos da pesquisa com relação
aos elementos abordados.
De acordo com Martins (2004):
Para que a pesquisa se realize é necessário que o pesquisado aceite o pesquisador, disponha-se a falar sobre a sua vida, introduza o pesquisador no seu grupo e dê-lhe liberdade de observação (MARTINS, 2004, p. 294).
Desta forma, a aproximação inicial entre o pesquisador e os sujeitos da
presente pesquisa ocorreu por meio da apresentação da proposta de trabalho aos
alunos de duas turmas de 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Coronel
Carneiro Júnior, localizada no município de Itajubá, sul de Minas Gerais. Aos alunos
interessados em participar dos encontros realizados semanalmente, nas
dependências do Laboratório de Formação de Docentes (LabFor) da Universidade
Federal de Itajubá, foi entregue o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE -
Apêndice A) a ser assinado pelos seus responsáveis legais. Diante da disponibilidade
da maioria dos alunos interessados definiu-se que os encontros seriam realizados às
quintas-feiras, com duração média de duas horas, iniciando-se às 15:00h.
A sequência didática relacionada aos processos históricos de ocupação
humana dos continentes foi organizada a partir da integração dos conhecimentos
históricos, culturais, genéticos, evolutivos e biogeográficos, empregando diferentes
estratégias de aprendizagem a fim de se averiguar a compreensão do tema sob
diferentes perspectivas. Tal estratégia foi utilizada, pois considera-se que a partir da
aplicação de uma sequência didática, o pesquisador é capaz de formular a construção
do conhecimento por meio de ideias que se correlacionam ao serem trabalhadas no
âmbito escolar, permitindo a contextualização do tema.
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A avaliação da aprendizagem dos alunos ao longo dos encontros foi realizada
a partir da análise de questionários digitais aplicados ao início e/ou ao final dos
encontros, bem como o nível de envolvimento e interesse dos alunos. Os
questionários digitais foram confeccionados na plataforma Google Formulários e
preenchidos pelos alunos empregando os tablets que integram o acervo tecnológico
do LabFor.
Vale ressaltar que a obra “Armas, Germes e Aço - Os destinos das Sociedades
Humanas” (DIAMOND, 2014) foi amplamente consultada durante elaboração do
presente trabalho, correspondendo a um importante material de apoio para a
realização da pesquisa.
A seguir é apresentada a organização didática que buscou reconstruir os
processos histórico-evolutivos de ocupação dos continentes pelo homem, em um
contexto de aprendizagem coletiva e produtiva, destacando a utilização de estratégias
de ensino fundamentadas na interdisciplinaridade como proposta facilitadora da
construção de um conhecimento integrado livre de preconceitos.
4.1. A história evolutiva dos hominídeos
No primeiro encontro, realizado no dia 01 de setembro de 2016, compareceram
nove alunos aos quais foi brevemente reapresentada a proposta da pesquisa e
discutido a dinâmica dos encontros a serem realizados.
A fim de averiguar o conhecimento prévio dos alunos acerca do tema, solicitou-
lhes o preenchimento do questionário 1 (Apêndice B). Em seguida, iniciou-se a
discussão sobre os aspectos evolutivos relacionados aos processos de especiação,
destacando a ação das mutações e da seleção natural durante a transição da espécie
ancestral às novas espécies do gênero Homo e a sua adaptação a um ambiente que
se encontrava em modificação. Retomou-se as ideias propostas por Lamarck e
Charles Darwin que explicavam à sua maneira o processo de adaptação e especiação.
Uma breve discussão a respeito da trajetória evolutiva dos hominídeos foi
realizada destacando a importância das descobertas arqueológicas que permitem
remontar a história da linhagem ancestral que inclui a espécie humana atual. A fim de
expandir os conhecimentos dos alunos sobre as questões relativas à formação inicial
da humanidade, solicitou-lhes que acessassem, via tablets, o link do Museu Virtual da
Evolução Humana que apresenta a reprodução digital de réplicas de peças
arqueológicas presentes no acervo do Lab. de Estudo Evolutivo Humanos (IB-USP).
13
Este recurso virtual possibilitou a visualização das imagens dos fósseis, além de servir
como fonte de informações recentes referentes a catalogação, táxons, geo-
referenciamento e hábitos de vida dos hominídeos que se tem registros fósseis.
O processo de irradiação da espécie Homo sapiens sapiens no globo terrestre
foi abordado de forma lúdica, onde, a partir das informações discutidas previamente,
os alunos indicariam a origem e os caminhos percorridos pela espécie humana ao
longo dos últimos 200 mil anos.
Ao final do encontro, os alunos preencheram o questionário 1.2 (Apêndice C)
que visava verificar as contribuições das discussões realizadas no presente encontro
para a desmistificação de equívocos conceituais acerca da evolução humana, além
de iniciar uma reflexão sobre os possíveis motivos que explicam as desigualdades
socioeconômicas existentes no mundo atual.
4.2. A distribuição dos animais no globo terrestre
Um total de 8 alunos compareceram ao segundo encontro realizado no dia 08
de setembro de 2016. Precedendo o início das discussões, solicitou-se aos alunos o
preenchimento do questionário 2 (Apêndice D), com o intuito de verificar quais as suas
concepções sobre a influência do ambiente para a conquista de novos territórios, bem
como o significado de domesticação.
No presente encontro foram discutidos aspectos evolutivos, históricos e
biogeográficos relacionados à importância do meio ambiente para a organização e o
desenvolvimento das civilizações humanas.
Destacou-se o estilo de vida caçador/coletor predominante ao longo dos últimos
13.000 anos, bem como a transição para o estilo agricultor intimamente relacionado
ao processo de domesticação dos animais e plantas. As vantagens da domesticação
de animais silvestres foram retratadas a partir da visualização de um trecho do
documentário “Armas, Germes e Aço – Saindo do Jardim do Éden”, produzido pela
History Channel baseado no livro de Jared Diamond: Armas, Germes e Aço – os
destinos das sociedades humanas (DIAMOND, 2014).
Discutiu-se a distribuição dos animais no globo terrestre a partir dos
conhecimentos da biogeografia que sustentam a ocorrência da separação do
supercontinente Pangeia e explicam as rotas históricas dos padrões de distribuição
dos organismos no mundo atual.
14
A fim de promover uma associação entre os locais de origem dos principais
animais domesticados e os centros de produção de alimentos foram confeccionados
cartões contendo imagens e informações sobre a região de origem das 14 espécies
de mamíferos domesticados (Apêndice E). Solicitou-se aos alunos que afixassem os
cartões em um mapa mundi disponibilizado pela biblioteca da E.E. Coronel Carneiro
Jr. e discutiu-se sobre o padrão de distribuição das espécies.
O questionário 2.1 (Apêndice F) foi preenchido pelos alunos ao final do
encontro para verificar como a associação entre os conhecimentos geográficos e
biológicos da distribuição dos animais no globo terrestre foi compreendida.
4.3. A importância da seleção artificial
O terceiro encontro foi realizado no dia 15 de setembro de 2016 e contou com
a participação de 7 alunos. Reforçou-se as diferenças entre os estilos de vida
caçador/coletor e agricultor destacando os possíveis motivos que favoreceram a
mudança gradual para uma vida dedicada à domesticação de animais e plantas.
Retomou-se as discussões acerca da abundância de espécies de mamíferos
domesticados presentes na região do Oriente Médio para então relatar a sua
importância para o desenvolvimento do primeiro centro de produção de alimento: o
Crescente Fértil. Discutiu-se ainda a existência de outros centros de produção de
alimentos independentes, destacando as características de cada uma dessas áreas e
ressaltando a importância da domesticação de determinadas plantas e animais
silvestres para a organização de sociedades mais complexas.
Outro trecho do documentário “Armas, Germes e Aço – Saindo do Jardim do
Éden” foi exibido aos alunos reforçando que o desenvolvimento associado à
agricultura estava relacionado à existência de plantas com sementes, alto teor
energético e fácil colheita que foram selecionadas artificialmente pelo homem.
A fim de reforçar as modificações morfológicas e fisiológicas resultantes do
processo de seleção artificial de plantas, confeccionou-se um jogo da memória (Figura
3) onde os alunos deveriam correlacionar as espécies vegetais atuais com os seus
ancestrais e então discutir quais as características ancestrais facilitaram a sua
domesticação. As imagens e informações contidas nos cartões estão presentes no
Apêndice G.
15
Figura 3. Cartas do jogo da memória sobre a seleção artificial de plantas.
Fonte: o autor.
Discutiu-se ainda como as características geográficas relacionadas ao relevo,
clima, pluviosidade, biodiversidade e biomas dos continentes influenciaram no ritmo
de expansão da agricultura e pecuária, o que pode explicar os motivos dos povos
eurasianos terem se destacado dos demais por viverem em localidades distribuídas
ao longo do eixo leste-oeste, com mesma latitude, apresentando menores variações
quando comparadas àquelas regiões distribuídas a norte e sul.
4.4. Contribuições da agricultura para a organização das sociedades humanas
No dia 22 de setembro de 2016, quatro alunos comparecerem ao quarto
encontro, onde prosseguiu-se com as discussões acerca das contribuições da
agricultura para a organização das sociedades humanas que a adotaram como prática
de sobrevivência.
Considerando que os benefícios apresentados pelo estilo de vida agricultor são
por vezes erroneamente associados à superioridade cultural e intelectual dos povos
frente aos caçadores/coletores, buscou-se desmistificar tal conceito junto aos alunos.
Para tanto, foram apresentados exemplos de sociedades atuais que possuem um
estilo de vida caçador/coletor e mantêm uma relação harmoniosa com o ambiente em
que vivem, além de dominarem um conhecimento prático desconhecido por muitas
sociedades urbanas.
Discutiu-se como a adoção do estilo de vida agricultor favoreceu a divisão de
tarefas e consequentemente o desenvolvimento de classes, o surgimento da
16
comunicação por meio da escrita, a habilidade de manejar o metal, o surgimento das
primeiras cidades, bem como a morte de muitas pessoas devido a propagação de
doenças pelos animais domesticados. Remeteu-se ao período de colonização do
Império Inca, enfatizando aspectos históricos e biológicos que colaboraram para a
dominação dos povos nativos.
Ao final do encontro, os alunos preencheram o questionário 3 (Apêndice H) que
buscou averiguar a compreensão dos alunos frente a domesticação dos animais e
plantas para a organização das sociedades humanas complexas.
4.5. Avaliação dos conhecimentos construídos
O último encontro, realizado no dia 29 de setembro de 2016, foi destinado a
avaliação dos conhecimentos construídos ao longo do presente trabalho e contou com
a participação de 8 alunos.
Inicialmente, os sujeitos da pesquisa preencheram o questionário 4 (Apêndice
I) que continha uma série de perguntas que visava verificar as contribuições da
abordagem interdisciplinar empregada durante a discussão do tema para a
aprendizagem dos alunos.
Em seguida, promoveu-se um debate, onde os alunos, dispostos em círculo,
receberam cartões contendo afirmações relacionadas ao conteúdo da presente
pesquisa, além de um cartão verde e um rosa (Figura 4). As afirmações contidas nos
cartões estão dispostas no Anexo J.
Figura 4. Cartões contendo afirmações a serem discutidas quanto a sua veracidade. Cartões rosa indicavam afirmações incorretas enquanto cartões verde afirmações corretas.
Fonte: o autor.
17
Após a leitura da afirmação por um aluno, os demais deveriam levantar o cartão
verde se considerassem a afirmação correta ou o cartão rosa se observassem algum
tipo de inconformidade. Posteriormente, prosseguia a argumentação da veracidade
ou não das afirmações a partir dos conhecimentos abordados durante os encontros.
Foram realizadas três rodadas de debate.
Finalizando o encontro solicitou-se que os alunos preenchessem o questionário
4.1 (Apêndice K) com o intuito de avaliar a qualidade dos encontros realizados, bem
como identificar os pontos positivos e negativos.
De forma a valorizar a disponibilidade e interesse dos alunos que participaram
da presente pesquisa foi-lhes concedido um certificado de participação (Figura 5).
Figura 5. Modelo de certificado entregue aos participantes da pesquisa.
Fonte: o autor.
Desse modo, a presente pesquisa buscou analisar as contribuições das
sequências didáticas empregadas durante os encontros para o entendimento dos
diferentes destinos das sociedades humanas e os resultados obtidos são
apresentados a seguir.
18
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Considerando que até meados de 13.000 a.C os povos de todos os continentes
possuíam iguais chances de desenvolvimento, a presente pesquisa buscou discutir
com os alunos como a domesticação de animais e plantas, a transmissão de doenças,
bem como o domínio das técnicas de fundição de metais foram determinantes durante
o processo de dominação dos povos eurasianos frente aos demais. Assim, a fim de
compreender melhor a trajetória de desenvolvimento das sociedades modernas
propôs-se transcender os limites do conhecimento meramente histórico e avaliar como
a evolução da espécie humana, as diferenças biogeográficas entre os continentes e
as concepções culturais de cada povo exerceram fortes influências nos avanços de
cada sociedade.
A partir da análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) evidencia-se
a preocupação em contextualizar o ensino escolar, mediante a interdisciplinaridade e
o incentivo ao raciocínio e a capacidade de aprender (BRASIL, 2000a). Nesse sentido,
a presente pesquisa buscou reforçar a necessidade de se empregar estratégias de
ensino com um caráter investigativo e fundamentadas na interdisciplinaridade em um
contexto no qual se estabeleça uma interação entre as disciplinas de forma que ocorra
uma interdependência entre as Ciências Humanas e Ciências da Natureza.
Analisando as respostas dos alunos durante a aplicação do primeiro
questionário, os sujeitos da pesquisa reconheceram que o destino das sociedades
humanas corresponde a um tema abordado nas disciplinas de Biologia, História e
Geografia, além de Filosofia e Sociologia (Figura 6). No entanto, apesar desta
constatação não foi possível definir o formato de tal abordagem, se realizada de forma
isolada ou integrada.
Figura 6. Resultados obtidos quanto às matérias do ensino médio em que se discutem os destinos das sociedades humanas.
Fonte: o autor.
19
Considerando a temática evolutiva como um eixo integrador da Biologia, onde
a sua compreensão pode interligar os conceitos biológicos propiciando um ensino
menos fragmentado, considerou-se importante verificar qual o conhecimento prévio
dos alunos sobre a Evolução e evidenciou-se equívocos conceituais ao discuti-la em
um contexto biológico, conforme pode-se verificar abaixo:
“Evolução é o crescimento, o desenvolvimento do mundo em relação ao ser humano e outros seres vivos.” (Aluno 9)
“Mudanças que os indivíduos fazem para se adaptarem de uma forma melhor a um determinado meio.” (Aluno 4)
Analisando o excerto transcrito do aluno 9, a partir da resposta fornecida à
primeira questão do questionário 1, percebe-se que os termos “crescimento” e
“desenvolvimento” remetem a uma conexão entre evolução e progresso. Conforme
destacado por Oliveira e Silva (2014), tal associação pode ser explicada por meio do
desenvolvimento histórico dos significados atrelados ao pensamento evolutivo, já que
a partir do século XVII a palavra evolução adquiriu o sentido de desenvolvimento ao
ser associada ao estudo da embriologia ao se discutir a evolução fetal. No entanto,
após a publicação de Darwin “Sobre a Origem das Espécies” em 1859, a palavra
Evolução assumiu o significado de mudanças adaptativas associadas à herança. Este
equívoco conceitual não se trata de um fato isolado, pois Bizzo (1994) constatou a
mesma concepção de Evolução como progresso com estudantes do ensino médio,
reforçando que tal associação comumente se mantém no ensino de Biologia nas
escolas.
A análise do transcrito do aluno 4 revela a predominância da concepção
lamarckista em seu entendimento, onde o indivíduo se submete às alterações
necessárias para se adaptar ao ambiente, em oposição às pressuposições da seleção
natural proposta por Charles Darwin, onde a população se adapta ao meio em que
vive. Esta compreensão biológica foi expressa corretamente pelo aluno 2, conforme
apresentado abaixo:
“Evolução é um processo de adaptação dos seres vivos conforme o ambiente em que se encontram.” (Aluno 2)
Equívocos conceituais também foram detectados ao se deparar com a primeira
imagem presente na questão número 2 do questionário 1 (Figura 7).
20
Figura 7. Representação equivocada da evolução humana
Fonte: Apêndice B - Questionário 1
Conforme descrito nos excertos abaixo, os alunos responderam que tal imagem
correspondia à evolução do homem.
“O homem como conhecemos hoje surgiu do macaco, que numa era mais distante encontrou obstáculos e certas dificuldades que possibilitaram sua evolução e a criação de meios que o ajudariam a sobreviver.” (Aluno 6)
“Evolução desde o macaco até o humano.” (Aluno 8)
“É uma ilustração básica da evolução humana, desde a era dos primatas até o homem.” (Aluno 2)
“Essa imagem apresenta a evolução do ser humano, do homo sapiens. Ela mostra que o homem atual é o mais evoluído dos primatas, pois desenvolveu seus membros e principalmente seu cérebro e que sua evolução ainda é contínua.” (Aluno 3)
Ao longo do primeiro encontro, explicou-se que a imagem não representava
corretamente o processo de evolução humana, pois é incorreto representá-la como
uma sucessão linear de espécies, do macaco até o homem, como pode ser
equivocadamente interpretado a partir da representação presente na figura 7. Tal
imagem ainda remete a uma ideia de progresso crescente em direção à perfeição
culminada com a espécie humana atual. Desta forma, discutiu-se com os alunos que
se deve considerar o Homo sapiens sapiens como um descendente de uma linhagem
de primatas.
De acordo com Goodman et al. (1998), os humanos pertencem aos táxons dos
primatas Catharrini que inclui os macacos do Velho Mundo (babuínos) e os
antropoides do sudeste asiático (gibões e orangotangos atuais) e os grandes
antropoides do sudeste africano (humanos, gorilas, chimpanzé comum e chimpanzé
pigmeu atuais), conforme a filogenia apresentada na figura 8.
21
Figura 8. Filogenia dos macacos do Velho Mundo e os antropoides.
Fonte: Freeman e Herron, 2009).
Desta forma, verificou-se que a explicação apresentada pelos pesquisadores
ao final do primeiro encontro, foi melhor compreendida pelos alunos que relataram:
“O homem não é um macaco. O homem compartilha um mesmo ancestral comum com o macaco, por isso é também classificado como primata.” (Aluno 3) “Os homens e os macacos tem um ancestral comum mas os humanos tem características mais parecidas com as dos chimpanzés e gorilas do que o macaco.” (Aluno 1)
Verificou-se que tal informação foi de fato compreendida, conforme observado
nos excertos extraídos do questionário 4, aplicado no último encontro, quando
solicitou-se aos alunos que elaborassem uma frase a partir da organização das
palavras Macaco - Homo sapiens sapiens - Ancestral:
“O macaco tem um ancestral comum com o Homo sapiens sapiens, ou seja, o homem não descende do macaco.” (Aluno 4)
“Não é correto dizer que os homens evoluíram do macaco. Homo sapiens sapiens tem um ancestral comum com o macaco.” (Aluno 3)
Considerando a discussão acerca dos fatores que contribuíram para a
instauração das desigualdades intercontinentais ao longo do processo histórico de
colonização e conquistas territoriais, tem-se que tal discussão comumente é realizada
de modo superficial junto aos alunos do ensino médio. As abordagens históricas
geralmente focam em questões relacionadas a colonização dos povos e exploração
dos recursos naturais para promoção do desenvolvimento econômico, armamentista
Ancestral
comum
Macacos do
Velho
Mundo
Gorilas
Chimpanzés
Humanos
Orangotango
Gibões
Tempo (milhões de anos)
22
e tecnológico, destacando a figura dos povos eurasianos que, com o apoio de
instituições religiosas, dizimavam os nativos e ocupavam os territórios dos demais
continentes (BARROSO et al., 2014).
A prevalência de tais concepções foi observada na presente pesquisa ao se
observar, conforme apresentado na figura 9, que inicialmente 88,9% dos sujeitos da
pesquisa consideravam o poder militar como o principal motivo gerador das diferenças
que determinaram os rumos das sociedades humanas, seguidos pela atuação da
religião (66,7%) e diferenças intelectuais entre os povos (44,4%).
Figura 9. Fatores associados aos diferentes padrões de distribuição das sociedades humanas que resultaram nas desigualdades atuais.
Fonte: o autor.
A atribuição de superioridade intelectual entre os povos como um fator
desencadeador das desigualdades atuais emerge da destruição de sistemas e
tradições dos povos colonizados resultando em múltiplas estratégias de inferiorização
resultantes dos processos de colonização e imposição cultural (SHIVA, 2001 apud
GERMANO, SILVA E COSTA, 2010). Tem-se que quando descontextualizado, o
estudo do colonialismo pode promover pensamentos racistas, visto o enaltecimento
da figura do homem europeu altamente civilizado frente os nativos a serem
colonizados. A fim de romper com tais concepções equivocadas, Verrangia e Silva
(2010) destacaram que a escola deve promover espaços para discussões que
contemplem a importância histórica da evolução darwinista e da hereditariedade
mendeliana que rechacem a ideia de superioridade intelectual dos povos.
Por outro lado a influência de fatores relacionados a questões ambientais como
riqueza de espécies ambientais (22,2%) e clima (11,1%) foram consideradas pouco
importantes, enquanto o relevo foi totalmente desconsiderado (0%). Estes resultados
23
reforçam a ocorrência de um ensino descontextualizado que não atribui a devida
valorização ao meio ambiente para o desenvolvimento das civilizações.
Segundo Diamond (2014):
A história seguiu diferentes rumos para os diferentes povos devido às diferenças entre os ambientes em que viviam e não devido a diferenças biológicas entre os povos (DIAMOND, 2014, p. 25).
Nesse sentido, ao longo dos encontros foi discutido como o ambiente
influenciou o desenvolvimento social dos povos, e por fim, verificou-se uma maior
compreensão e valorização do meio como um fator importante para a formação de
sociedades complexas. Um dos sujeitos da pesquisa destacou em sua resposta à
pergunta 1 do questionário 2 que o ambiente:
“Influencia na maneira como os indivíduos vivem, bem como a sua densidade em determinado local.” (Aluno 4)
Verificou-se ainda que os alunos modificaram seu pensamento quanto a
influência do clima que apresentou um papel fundamental durante o processo de
organização das sociedades a partir do desenvolvimento da agricultura, conforme
também observado nos excertos transcritos da mesma questão citada acima:
“O clima na Terra está mudando e com isso, os seres humanos e animais vão se adaptar conforme as mudanças ocorram. A influência seria a adaptação dos seres vivos ao novo clima que, consequentemente, muda vários outros fatores como a agricultura.” (Aluno 2)
“O meio ambiente pode influenciar totalmente uma população. Por exemplo, uma sociedade que se encontra em um ambiente desértico, onde não tem água disponível, alimentos e matérias primas, não vai se desenvolver tanto quanto uma população que reside em uma área de mata.” (Aluno 3)
Notou-se uma considerável mudança na compreensão dos estudantes quanto
a importância do meio ambiente para a organização de sociedades complexas. Desta
forma, quando o assunto foi abordado de forma contextualizada, integrando questões
biológicas, geográficas e históricas os alunos reconheceram o meio ambiente como
um importante fator que explica a incorporação das diferenças sociais, devido a
dependência e adaptação do indivíduo frente ao meio.
Prosseguindo com a fundamentação do pensamento crítico dos sujeitos da
pesquisa, buscou-se verificar as concepções dos estudantes acerca da associação
24
entre a teoria da deriva continental e a distribuição das espécies pelos continentes.
Segue abaixo os transcritos dos alunos:
“Com a separação da pangéia, os animais ficaram localizados em sua maior parte no sul do continente europeu e asiático e ao norte do continente africano, tornando a agricultura nestes locais mais facil em relação aos outros.” (Aluno 4) “Com a separação da pangeia houve a diferente distribuição dos animais e dos vegetais, favorecendo a população que habitava a região que possuía maior números diferenciado de fauna e flora, das quais eles poderiam usufruir.” (Aluno 6) “De certo modo, a separação foi benéfica para grande parte, mas favorecendo lugares de um jeito maior, e deixando assim, lugares com mais exemplares tanto animal como vegetal.” (Aluno 5)
As respostas acima revelaram que os princípios geográficos relacionados à
deriva continental foram úteis para explicar a distribuição diferencial de espécies entre
os continentes que favoreceram o desenvolvimento de práticas agrícolas mais recente
ou tardiamente, influenciando de forma direta na organização das sociedades
humanas.
A irradiação do Homo sapiens sapiens pelo globo terrestre foi discutida
apresentando as evidências da origem humana na África, destacando a existência do
estilo de vida caçador/coletor que era baseado no uso de recursos naturais
disponibilizados pela natureza, utilizando as mais simples tecnologias de caça
conhecidas. Para Leakey (1995), os caçadores/coletores encontravam-se
sintonizados com o meio em que viviam o que lhes permitia conseguir em poucas
horas comida suficiente para sustentar um acampamento inteiro por até três dias.
Esse hábito de vida caçador/coletor resistiu durante muitos anos na história
evolutiva da espécie humana, sendo adotado durante o período Pleistoceno, marcado
por intensas irradiações de grandes mamíferos que constituíram a megafauna. Esses
animais, apesar de selvagens, forneciam recursos como carne e couro que serviam
de alimento e vestimenta para aqueles que os caçavam (DIAMOND, 2014).
Apesar da reconhecível vantagem de se ter à disposição inúmeros animais de
grande porte para a caça, ao final do período Pleistoceno, este estilo de vida
começava a enfrentar suas primeiras barreiras. Para Evans (1993), as intensas
mudanças climáticas ocorridas nesse período teriam culminado na extinção da maior
parte da megafauna dos continentes. No entanto, Cox e Moore (2007) consideram
25
que a dispersão da espécie humana trouxe mudanças significativas na fauna,
provocando extinções de várias espécies de grandes mamíferos.
Embora inexistam registros comprobatórios acerca dos eventos que
desencadearam a extinção da megafauna, é possível compreender os seus impactos
para a manutenção do estilo de vida caçador/coletor. Segundo Diamond (2014), o
estilo de vida caçador coletor teria se tornado cada vez menos compensador ao longo
dos últimos 13.000 anos, à medida que o número de alimentos (especialmente
animais) que dependiam para sobreviver se tornavam cada vez mais escassos.
Segundo Cox e Moore (2007), enquanto as extinções ocorriam, as populações
no sudoeste asiático melhoravam seus suprimentos alimentares, nutrindo-se dos
ancestrais do trigo e cevada que cresciam anualmente e apresentavam sementes
comestíveis. Essas espécies avançavam para o norte adaptando-se às condições do
clima e os habitantes dessas regiões logo descobriram o seu valor nutricional e
aprenderam a propagá-las e cultivá-las.
Esta transição dos estilos de vida foi compreendida pelos sujeitos da pesquisa,
conforme observado nos excertos transcritos das respostas à questão 2c do
questionário 4:
“O mundo pré-histórico possuía uma megafauna, muitos animais de porte grande. Os homens daquela época, os caçavam para se alimentar e também para usar o coro deles para se aquecer. Quando ouve uma diminuição da quantidade desses animais, devido ao aquecimento global ou até mesmo pela extinção causada pelos próprios homens, eles viram a necessidade de plantar seu próprio alimento, ou seja, praticar a agricultura.” (Aluno 4)
“A método de caçador/coletor foi trocado pela agricultura pois a caça a animais de megafauna era bastante perigosa e nem sempre dava sucesso. Com a agricultura os povos conseguiram ficar em algum local por mais tempo. Os alimentos produzidos pela agricultura duravam mais e tinham maior quantidade. Essas são algumas vantagens da mudança de caçador para agricultor.” (Aluno 3)
O aluno 3 destacou ainda uma diferença importante entre os dois estilos de
vida relacionado à permanência dos membros em um local o que influenciou na
formação de sociedades complexas. Segundo Diamond (2014), nos sistemas de caça
e coleta havia um controle demográfico resultante da limitação da oferta de alimentos.
Com o desenvolvimento da agricultura, os grupos fixavam-se em um determinado
local o tempo suficiente para que a plantação produzisse ao menos uma vez. A área
plantada ficava próxima ao agrupamento, propiciando trabalho com menor locomoção
26
e, pelo fato de não se ter rígidos limites quanto ao suprimento alimentar, os grupos
aumentavam de tamanho, dentro de limites estabelecidos pela fertilidade do solo,
quantidade de terra disponível e estrutura organizacional.
Ao se discutir a efetividade da seleção artificial para a domesticação de plantas,
os sujeitos da pesquisa relataram que características morfológicas como cor,
tamanho, aroma e sabor teriam sido fundamentais para desencadear a transição do
estilo de vida caçador/coletor para agricultor. Entretanto, diversas espécies vegetais
de frutas, verduras e legumes não se enquadravam nesses quesitos.
Assim, para se compreender como a seleção artificial atuou durante a produção
de alimentos a partir das espécies vegetais existentes em uma dada região foi
realizada uma atividade lúdica baseada no jogo da memória. Para tanto, os sujeitos
da pesquisa associaram algumas das mais importantes espécies vegetais atuais com
seus respectivos ancestrais silvestres e discutiram se há milhares de anos essas
plantas apresentavam características que poderiam ter atraído a atenção dos
caçadores/coletores. À medida que se formavam os pares, os estudantes se
surpreendiam com as diferenças morfológicas resultantes do processo de seleção
artificial que visava obter plantas com características agronômicas desejáveis.
O milho (Zea mays), importante produto agrícola cultivado na América Central,
foi empregado como um exemplo para se evidenciar as modificações ocorridas
durante a sua domesticação. Conforme apresentado na figura 10, a sua forma atual
apresenta características distintas à sua forma silvestre, o teosinto, seja quanto a sua
forma ou ao seu teor energético, o que interferiu na sustentação de grandes
populações.
Figura 10. Comparação entre o milho em sua forma silvestre e atual.
Fonte: o autor.
27
A domesticação animal também foi discutida, destacando a visão
antropocêntrica dos primeiros humanos que seletivamente criaram as 14 espécies de
grandes mamíferos herbívoros apresentadas na Tabela 1 em cativeiros e controlaram
a sua procriação e alimentação. Os sujeitos da pesquisa compreenderam os motivos
que limitaram o processo de domesticação dos animais nos diferentes continentes,
conforme pode ser observado nos transcritos das respostas à questão 2 do
questionário 2.1:
“Para se domesticar um animal ele tinha que servir para a agricultura, ser calmo e pacífico, não tomar muito do alimento humano, e acima de tudo, se reproduzir rapidamente.” (Aluno 6)
Muitos animais são difícil domesticar por serem grandes demais ou inúteis para a agricultura, exemplo, não iria favorecer o homem domesticar um urso, ele se alimenta de carne e tornaria um competidor do homem e não ajudaria em nada. (Aluno 8)
Os animais quais podem ser domesticados tendem a respeitar alguns critérios, onde o bom convívio, o alimento e sua passividade são cruciais para que isto seja possível, tornando-os uma essencial ajuda na evolução da agricultura. (Aluno 4)
A fim de se estabelecer uma relação com a distribuição destas espécies
animais com os centros de produção de alimentos solicitou-se que os sujeitos da
pesquisa posicionassem no mapa mundi, as 14 espécies inicialmente domesticadas
em suas respectivas regiões de origem (Figura 11). Observou-se uma maior
participação dos alunos durante a realização da atividade proposta, onde os alunos
tornaram-se protagonistas do seu próprio conhecimento, além de se ter estabelecido
uma maior interação entre os sujeitos da pesquisa e o pesquisador.
Figura 11. Distribuição das 14 espécies inicialmente domesticadas em suas respectivas regiões de origem.
Fonte: o autor.
28
A dinâmica promoveu a reflexão quanto a distribuição dos animais
domesticados, onde ao observar o mapa, os alunos notaram que o maior número de
mamíferos domesticáveis (13) se concentrava na Eurásia, enquanto que apenas a
lhama, presente na região dos Andes, se encontrava longe do norte da África e da
Eurásia. A partir de tais constatações, discutiu-se a respeito da existência dos centros
de produção de alimentos independentes, destacando o Crescente Fértil, localizado
no Oriente Médio, que conforme evidenciado pelos alunos era uma área que
concentrava grande quantidade das espécies de mamíferos domesticados.
Desta forma, observou-se que os sujeitos da pesquisa compreenderam as
vantagens alcançadas a partir da domesticação de plantas e animais e as associaram
com a formação de sociedades mais complexas, conforme apresentado nos excertos
transcritos das respostas à questão 1 do questionário 3:
“[...] de maneira expecifica, as plantas e animais beneficiaram a facilidade e a forma de vida, trazendo assim evoluções na sociedade.” (Aluno 5)
“[...] a domesticação ajudou o homem a mudar o estilo de vida de caçador para agricultor e isso foi um grande passo para a formação da sociedade.” (Aluno 1)
“[...] Com a domesticação dos animais e plantas, tiveram um enorme avanço na agricultura e no fornecimento de materias como lã, leite etc. As plantas forneciam alimentos como grãos, verduras, frutas etc. Portanto, com esse avanço as sociedades ficaram complexas.” (Aluno 2)
Apesar de reconhecerem a importância da domesticação animal para o
desenvolvimento das sociedades humanas como fonte de alimento, força de tração e
produção de adubo orgânico, os alunos também associaram o contato com os animais
domésticos com a disseminação de doenças infecciosas, conforme expresso abaixo
por meio dos transcritos das respostas à questão 2 do questionário 3:
“Dentre os benefícios, pode-se citar o controle da alimentação, formação de uma sociedade e a redução dos riscos que ocorriam ao caçar. Porém, ao criar animais, o homem também está sujeito a uma gama de doenças.” (Aluno 4)
“Beneficios foram a ajuda na agricultura, o fornecimento de leite, lã. Malefícios foram as doenças, dividir os alimentos com os animais.” (Aluno 2)
“A colonização trouxe doenças de animais para os viventes da colônia doenças quais os colonizadores tinham uma certa imunização.” (Aluno 2)
29
Tal associação é comumente discutida nas aulas de história ao se apresentar
as consequências do processo de colonização do Brasil em que as comunidades
indígenas foram totalmente dizimadas por doenças trazidas pelos europeus
(HEMMING e MOURA 2007 apud KOK, 2009). O crescimento populacional,
decorrente do desenvolvimento da agricultura, também foi responsável pela
proliferação de doenças, pois ao deslocarem os cursos de água para perto dos
vilarejos, os fazendeiros favoreciam a continuidade do ciclo de vida das larvas de
mosquitos transmissores de doenças infecciosas. O armazenamento de grãos
também proporcionou abrigo e alimento para animais que transmitiam doenças ao
homem. Neste sentido, Cox e Moore (2007) afirmaram que o processo de
domesticação resultou tanto em retrocessos quanto em benefícios para as sociedades
humanas.
Considerando o caráter investigativo do presente trabalho promoveu-se, por
meio de uma roda de discussões, um debate acerca das concepções dos alunos frente
ao conteúdo abordado ao longo dos encontros. Assim, ao se relacionar o
desenvolvimento diferencial das sociedades humanas com a existência de diferenças
genéticas e intelectuais dos seus povos, unanimemente os alunos discordaram de tal
associação. A fim de garantir os registros para a pesquisa, as respostas dos
estudantes foram registradas por meio de gravações de áudio, onde o aluno 3
destacou que:
“Eu não acho que era diferença intelectual e genética [...] por que eles eram todos da mesma espécie [...] eu acho que foram os fatores ambientais que influenciaram o desenvolvimento.” (Aluno 3)
O comentário acima corrobora a inexistência de evidências científicas que
indiquem diferenças genéticas entre as diferentes etnias. Ceci e Williams (2009),
destacaram que:
Há um crescente consenso acerca da igualdade racial e de gênero em determinantes genéticos de inteligência; a maioria dos pesquisadores, entre os quais nos incluímos, concordamos que os genes não explicam as diferenças entre grupos (CECI e WILLIAMS, 2009, p. 788).
Embora atualmente tal conhecimento seja disseminado, no século XX a
comunidade científica propagava a existência de diferenças intelectuais entre brancos
e negros (NISBETT, 2007). Para Nisbett (2007) as diferenças inatas de inteligência
entre raças revelam-se em testes mal formulados, difundindo concepções
30
equivocadas e extremamente racistas. Felizmente, os sujeitos da pesquisa
desvincularam o pensamento de superioridade intelectual ao processo de
desenvolvimento das sociedades humanas.
No entanto, ao se discutir as diferenças entre os estilos de vida dos
representantes do Homo sapiens sapiens, verificou-se que para a maioria dos sujeitos
da pesquisa (85,7%), o estilo de vida agricultor é superior ao estilo caçador/coletor.
As considerações apontadas para essa afirmação baseiam-se nos rumos que as
sociedades agrícolas apresentaram, relacionando o desenvolvimento tecnológico ao
surgimento da agricultura. Apesar das considerações, um dos alunos destacou:
“Não concordo, por que nenhum estilo de vida é superior ao outro por que era o que tinha na época, era o que tinha pra sobreviver.” (Aluno 1 - grifo nosso)
Diamond (2014) não considera que um estilo de vida possa ser considerado
superior ao outro, visto a influência que o ambiente exerce sobre esse estilo. Desta
forma, como observado em comunidades tribais existentes nos dias atuais, o seu
estilo de vida caçador/coletor não é alterado se lhes trouxerem vantagens. Em
contrapartida, quando o ambiente propiciar condições para o desenvolvimento da
agricultura, bem como o estilo de vida caçador/coletor se mostrar insuficiente para a
sobrevivência, a população local poderá adotar o estilo de vida agricultor.
Apesar de tal discussão, um dos alunos ressaltou as vantagens que o estilo de
vida agricultor trouxe para as sociedades que o adotaram conforme a transcrição a
seguir:
“A agricultura favoreceu o sedentarismo e com isso eles conseguiram desenvolver armas e tecnologia, por exemplo.” (Aluno 2)
O comentário do aluno 2 reflete os impactos positivos provenientes da transição
do estilo de vida caçador/coletor para o agricultor, porém se mostram insuficientes
para explicar a existência de qualquer superioridade entre os estilos de vida. Assim,
foi necessário explorar as múltiplas competências intelectuais de cada sociedade, de
modo a refletir sobre as adaptações que cada estilo de vida se submeteu.
O excerto transcrito abaixo evidencia uma maior reflexão por parte do aluno 2
e permite compreender que inicialmente seu pensamento estava baseado meramente
nas contribuições geradas pelo estilo de vida agricultor, sem remeter a existência de
superioridade cultural dos povos.
31
“Eu não olho assim comparando, mas eu olho mais [...] o geral, por que a agricultura favoreceu o desenvolvimento de várias coisas, [...] então, de modo geral e não comparando [...] A gente não pode chegar e dizer “ah meu estilo é melhor que o seu””. (Aluno 2)
Considerando-se a subsequente formação de sociedades sedentárias, os
alunos a associaram com a possibilidade de fabricar produtos que vinham a ser úteis
na agricultura, em batalhas e no desenvolvimento das sociedades. Desta forma, ao
adotarem o estio de vida agricultor, os eurasianos desenvolveram novas formas de
organização social, permitindo sustentar indivíduos sedentários que dedicavam-se a
outras atividades como a fabricação de ferramentas e armas que foram utilizadas no
campo e em guerrilhas, conforme destacado no transcrito abaixo:
“[...] a partir do momento em que eles começaram a agricultura, ficou mais fácil dividir o trabalho [...] e com isso ficou mais fácil ter o domínio do metal tanto pra ajudar nas batalhas quanto pra ajudar na produção.” (Aluno 4) “Após dominar o modo de vida agricultor, onde os alimentos eram menos escassos, as pessoas tinham uma maior tendência a viver em sociedade, construindo assim cada vez mais a divisão de trabalho, onde consequentemente o domínio do metal e a escrita possivelmente surgiram.” (Aluno 3)
O aluno 3 introduziu o importante desenvolvimento da escrita que segundo
Diamond (2014) “a escrita caminhou junto com as armas, os micróbios e a
organização política centralizada como um agente moderno de conquista” (DIAMOND,
2014, p. 216). Assim, de forma a contextualizar a importante atuação destes fatores,
ao longo do quarto encontro discutiu-se o processo histórico de invasão do Peru e
dominação do império Inca em 1532 pelo espanhol Francisco Pizarro e apenas 180
homens.
Destacou-se que Pizarro e seus homens, apesar de estarem em menor
número, possuíam armas de metal, canhões e cavalaria de guerra, atributos que os
incas não dispunham. O império inca possuía cerca de 8000 homens, mas no
momento encontravam-se divididos por uma guerra civil. Ciente do despreparo do
exército inca frente ao poder militar dos europeus, Atahualpa, imperador Inca da
época, foi capturado e mantido como prisioneiro por meses. Antes de executar
Atahualpa, Pizarro explorou todo o Império Inca e escreveu à Coroa espanhola
relatando as riquezas do novo território e solicitando reforços para prosseguir com a
sua conquista.
32
Tal sequência de fatos se repetiram entre colonizadores e povos nativos em
outras partes do mundo, demonstrando o quanto os fatores acima mencionados foram
importantes para uma compreensão mais ampla da história mundial.
Considerando os aspectos geográficos, todos os alunos concordaram que a
geografia dos continentes foi decisiva durante o processo de desenvolvimento de
diversas sociedades. O aluno 5 relatou como a geografia continental exerceu forte
influência durante este processo:
“Por causa da questão do clima, [...] no caso de ter mais alimentos em um lugar do que o outro, [...] de ter mais [...] coisas que supriam mais a necessidade dos povos.” (Aluno 5)
Tal constatação remete à interação entre clima e irradiação adaptativa, pois
conforme abordado ao longo dos encontros, o clima mediterrâneo exerceu uma forte
influência para a adaptação de plantas anuais, principalmente os cereais,
caracterizadas por produzirem um maior número de sementes que se mostraram
fundamentais para o desenvolvimento do processo agrícola.
Adicionalmente, o referido comentário remete às discussões acerca da
existência de barreiras geográficas e demais variações sazonais presentes ao longo
dos eixos continentais, destacando uma maior similaridade no eixo leste-oeste
comparado ao eixo norte-sul. Segundo Diamond (2014), o ritmo da expansão da
agricultura e da pecuária, a disseminação da escrita, as doenças e tecnologias foram
favorecidas pela direção do eixo leste-oeste, contribuindo para a instalação das
diferenças entre as sociedades eurasianas, americanas e africanas nos últimos 500
anos.
Apesar das evidências científicas apontarem para um maior tempo de
desenvolvimento da espécie humana no continente Africano, os alunos concordaram
que os africanos poderiam ter tido vantagens sobre aqueles que se irradiaram para os
outros continentes, conforme apresentando nos excertos abaixo:
“[...] os africanos poderiam ter vantagens mas parece que a caminhada feita por alguns grupos que saíram da áfrica tiveram experiências melhores e se desenvolveram um pouco mais do que os que ficaram na áfrica.” (Aluno 1)
“[...] eles poderiam ter conquistado maiores vantagens sobre os que irradiaram, porém não ocorreu, não por questões de superioridade.” (Aluno 4)
33
Ao questionar as possíveis dificuldades para o desenvolvimento
socioeconômico do continente Africano, o aluno 4 relatou que:
“A questão da barreira geográfica [...] que influenciou na troca de conhecimento e de um desenvolvimento maior.” (Aluno 4)
A barreira geográfica mencionada corresponde ao Deserto do Saara,
responsável por separar a região norte da região Subsaariana, reforçando novamente
a influência da direção do eixo norte-sul para a troca de recursos entre as regiões em
um mesmo continente, dificultando a disseminação de informações e,
consequentemente, do desenvolvimento acelerado das sociedades humanas.
A fim de avaliar a eficácia das estratégias de abordagem interdisciplinar
empregadas durante os encontros, os sujeitos da pesquisa preencheram o
questionário 4. De forma geral, os alunos consideraram satisfatória a abordagem
interdisciplinar, pois de acordo com os alunos:
“[...] podemos interligar todas as matérias que foram abordadas.” (Aluno 4) “[...] ao realizar a abordagem do tema desde o início, seguindo alguns raciocínios, facilita a compreensão do conteúdo.” (Aluno 3) “[...] acrescentou conhecimento nos quais não sabia.” (Aluno 6)
“[...] a evolução realmente está relacionada a essas disciplinas. Não tem como falar sobre evolução sem citar a biologia, ou a sociologia por exemplo.” (Aluno 1)
Os sujeitos da pesquisa relaram ainda que a abordagem interdisciplinar facilitou
a sua compreensão sobre o assunto discutido, conforme os excertos transcritos a
seguir:
“[...] a interligação facilitou a explicação dos fatores que influenciaram as diferentes sociedades atuais, tanto geológicos e biológicos, quanto pela própria história.” (Aluno 4)
“Facilitou sim. Porque o uso de várias disciplinas, mostra de forma mútua, a relação que eles tem com a evolução e como a evolução ocorreu.” (Aluno 6)
A fim de verificar a compreensão dos alunos frente ao assunto abordado ao
longo dos encontros, solicitou-lhes que explicassem como o desenvolvimento humano
ocorreu em ritmos desiguais nos diferentes continentes. Segue abaixo algumas
respostas:
“Tudo se deu pelos processos de desenvolvimento individual de cada sociedade, quais cada uma apresentava questões geográficas,
34
biológicas, físicas e ate mesmo os domínios sobre principalmente o metal e a escrita.” (Aluno 4)
“Eu creio que os seres humanos em alguns continentes tiveram uma adaptação diferente de outros o que influenciou no desenvolvimento.” (Aluno 1)
“Foi por questoes ambientais que favoreceram que algumas sociedades se desenvolvessem mais do que outras. Atraves do meio ambiente, e os recursos que ele proporcionava, as sociedades conseguiam utilizar desses recursos para beneficio propio.” (Aluno 2)
As respostas acima revelaram-se esclarecedoras, pois foi possível observar
que os alunos associaram os destinos desiguais das sociedades humanas aos fatores
ambientais compreendidos no campo biológico e geográfico.
A partir do preenchimento do questionário 4.1 avaliou-se qualitativa e
quantitativamente a qualidade e eficiência dos encontros. Verificou-se que a maioria
dos alunos (85,7%) consideraram excelente a organização das atividades
desenvolvidas, conforme apresentado no gráfico 1:
Gráfico 1. Avaliação da organização das atividades desenvolvidas nos encontros.
Fonte: o autor.
Todos os sujeitos da pesquisa consideraram excelente a utilização dos
recursos lúdicos para auxiliar na compreensão dos conteúdos. Considerando a
quantidade de encontros realizados, 71,4% dos alunos consideraram regular,
conforme apresentado no gráfico 2:
Gráfico 2 – Considerações a respeito da quantidade de encontros realizados.
Fonte: o autor.
35
Este resultado foi melhor compreendido quando os sujeitos da pesquisa
mencionaram ter interesse em participar de um maior número de encontros, conforme
descrito abaixo:
“Somente a quantidade dos encontros foi determinante, pois ao ter mais encontros seria possível um maior aprofundamento no conteúdo.” (Aluno 9) “A quantidade dos encontros, que eu achei pouco pelo conteúdo do curso, que é muito bom e foi ensinado de uma forma excelente.” (Aluno 5)
Conforme apresentado no gráfico 3, os alunos consideraram bom a excelente
o tempo dos encontros que apresentaram uma média de 2 horas de duração. O aluno
2 destacou:
“Não gostei do período de duração, acho que poderia ser mais longo.”
(Aluno 2)
Gráfico 3. Considerações relacionadas ao tempo de duração de cada encontro.
Fonte: o autor.
A maioria dos alunos (85,7%) considerou excelente a forma pela qual o tema
foi abordado, conforme apresentado no gráfico 4:
Gráfico 4. Considerações quanto a forma que o tema foi abordado.
Fonte: o autor.
36
Os sujeitos da pesquisa destacaram a forma de abordagem do tema como o
que mais gostaram nos encontros, conforme apresentado nos excertos transcritos a
seguir:
“Ah, eu gostei de tudo. Foi bem legal o projeto e sua dinâmica fez com que todos os participantes se interessassem e quisessem aprender mais e mais.” (Aluno 6) “A maneira de que foi abordado o tema, pois facilitou o entendimento do assunto. Assim, abrindo a mente para possíveis casos e casos em discussões, podendo então uma maior absorção.” (Aluno 4) “A maneira dinâmica do ensino e a forma que foi ensinada são ótimas para o aprendizado ate para quem não tem muito conhecimento, e para a apreensão do aluno.” (Aluno 5)
De modo geral, verificou-se uma grande participação dos alunos ao longo dos
encontros, o que é muito válido para a reflexão sobre a importância da aplicação de
abordagens interdisciplinares que favoreçam a aprendizagem dos alunos interligando
conceitos que por ora se mantém isolados. Ademais, o planejamento e a execução
das atividades propostas permitiram experimentar os desafios da prática docente que
são compensados mediante a aprendizagem coletiva de todos os envolvidos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo dos fatores que influenciaram os diferentes destinos das sociedades
humanas mostrou-se importante para ressignificar possíveis concepções racistas,
pautadas na subjetividade frente a infecunda relação existente entre superioridade
tecnológica e superioridade intelectual dos povos. Ademais, a partir da utilização de
estratégias de aprendizagem baseadas na interdisciplinaridade, foi possível promover
a investigação da história evolutiva da espécie humana, suscitando a reflexão dos
sujeitos da pesquisa quanto às origens das desigualdades socioeconômicas
observadas nos dias atuais.
Observou-se que a partir da construção de um conhecimento mais amplo foi
possível romper com os limites das disciplinas escolares favorecendo uma
aprendizagem mais eficaz quanto a complexidade existente em torno do conteúdo
abordado. Assim, em diversas situações constatou-se que os alunos identificaram as
relações entre os conteúdos discutidos de forma isolada na geografia, história, filosofia
37
e biologia para compreender o contexto do desenvolvimento diferencial das
sociedades humanas nos diferentes continentes.
No entanto, a aproximação entre os conteúdos das Ciências Humanas e das
Ciências da Natureza foi um grande desafio a ser superado durante a execução do
presente trabalho, pois pensar e agir interdisciplinarmente não é uma tarefa simples.
Exige-se que o docente reveja sua prática e esteja disposto a transcender o seu
conhecimento específico para acolher as contribuições de outras disciplinas. Por essa
razão, o trabalho coletivo se faz tão necessário, onde docentes com diferentes
formações devem se interagir, a fim de se conceberem um ensino mais global
reforçando a relevância da articulação entre as diversas áreas do conhecimento para
a construção do saber.
Os cursos de formação docente exercem um papel fundamental para o
desenvolvimento de pesquisas que contribuam para melhoria da qualidade do ensino,
e por essa razão devem ser valorizados. O presente trabalho foi uma tentativa de
unificação de conceitos discutidos em múltiplas áreas do conhecimento no âmbito das
disciplinas cursadas durante a graduação em Ciências Biológicas, com o intuito de
contribuir para a erradicação de concepções equivocadas sobre o desenvolvimento
das diferentes sociedades humanas. A carência de artigos científicos e materiais
relacionados a temática abordada reforçam a importância deste estudo, visto as suas
contribuições para a implementação de práticas interdisciplinares, visando a
aproximação entre as demais áreas do conhecimento, conforme amplamente
preconizado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais.
É importante ressaltar que a presente pesquisa não se mostra finalizada. A
imensidão da história da espécie humana reflete-se no trabalho apresentado, que
busca apresentar uma pequena porção dessa história a partir de uma sequência
didática sob diferentes perspectivas. Como qualquer espécie conhecida, os seres
humanos dependem diretamente dos recursos naturais para a sua sobrevivência e
essa relação deve ser cada vez melhor estudada e explorada durante o ensino
escolar.
Desse modo, espera-se que o presente trabalho, suscite nos professores o
interesse em desenvolver práticas interdisciplinares capazes de estabelecer uma
interação entre os conteúdos escolares favorecendo o aprendizado significativo e
crítico e que desperte nos alunos o interesse em se tornarem protagonistas do seu
próprio conhecimento.
38
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AMARAL, L.Q. Bipedalismo: solução para carregar crias correlacionada com a redução de pelos. Revista da Biologia, 11(1): 19-27, 2013. BARROSO, J.M. et al. Ser protagonista: história - revisão. São Paulo: Edições SM, 2014. BIZZO, N.M.V. From Down House landlord to Brazilian highschool-students – what has happened to evolutionary knowledge on the way? Journal of Research in Science Teaching, 31: 537-556, 1994. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Médio. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 2000a. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Médio. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 2000b. CECI, S., WILLIANS, W. M. Existe relação entre raça e inteligência? 2009. Disponível em: < http://blogs.estadao.com.br/marcos-guterman/existe-relacao-entre-raca-e-inteligencia/> Acesso em: 28/10/2016. COX, C.B., MOORE, P.D. Biogeografia: Uma abordagem ecológica e evolucionária. Rio de Janeiro: Editora LTC, 7ª ed., 2007. DIAMOND, J. Armas, Germes e Aço: os destinos das sociedades humanas. Rio de Janeiro: Editora Record, 17ª ed., 2014. EVANS, L.T. The domestication of crop plants. In: EVANS, L. T. Crop evolution, adaptation and yield. Cambridge: Cambridge University Press, 62-112, 1993. FREEMAN, S., HERRON, J.C. Análise Evolutiva. Porto Alegre: Editora Artmed, 4ª ed., 2009. GERMANO, J.W., SILVA, T.C., COSTA, J.S.G. Saberes ausentes: colonialismo e injustiça cognitiva. RevistaInter-Legere, 7: 168-179, 2010. GOODMAN, M., BAILEY, W.J., HAYASAKA, K., STANHOPE, M.J. SILGHTOM, J., CZELUSNIAK, J. Molecular evidence on primate phylogeny from DNA sequences. American Journal of Physical Antropology, 94: 3-24, 1998. HEMMING, J., MOURA, C.E.M. Ouro vermelho: a conquista dos índios brasileiros. São Paulo, Edusp, 2007. 813p. KOK, G. O protagonismo indígena na fronteira amazônica. Estudos Avançados, 23(67): 318-322, 2009. KUMAR, S., FILIPSKI, A., SWARNA, A., WALKER, A., HEDGES, S.B. Placing confidence limits on the molecular age of the human-chimpanzee divergence. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 102(52): 18842-18847, 2005.
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40
APÊNDICES
APÊNDICE A
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(Menores de 18 anos)
TÍTULO DO PROJETO: Uma abordagem interdisciplinar sobre os fatores que influenciaram
os diferentes destinos das sociedades humanas
PESQUISADOR RESPONSÁVEL PELO PROJETO: Guilherme Módena Alkmim
Seu (Sua) filho(a) está sendo convidado a participar do projeto de pesquisa acima citado. O
documento abaixo contém as informações sobre a pesquisa que estamos fazendo. Sua
colaboração neste estudo será de muita importância para nós.
Eu ____________________________________________________________________, RG
_________________, abaixo assinado(a), concordo de livre e espontânea vontade que meu
(minha) filho(a) _________________________________ nascido(a) em ___ / ___ /____,
participe do estudo: “Uma abordagem interdisciplinar sobre os fatores que influenciaram
os diferentes destinos das sociedades humanas” e esclareço que obtive todas
informações necessárias.
Estou ciente que:
I) A pesquisa visa discutir os processos históricos de ocupação humana dos continentes a partir de uma abordagem interdisciplinar que explique os diferentes destinos das sociedades humanas;
II) Para a coleta de dados serão realizados encontros semanais com os participantes da pesquisa nas dependências da Unifei;
III) Tenho a liberdade de desistir ou interromper a colaboração neste estudo no momento em que desejar, sem necessidade de qualquer explicação;
IV) A desistência não causará nenhum prejuízo a mim, nem ao(a) meu (minha) filho(a);
V) Os resultados obtidos durante este ensaio serão mantidos em sigilo, mas concordo que sejam divulgados em publicações científicas, desde que nem o meu nome nem o de meu filho sejam mencionados;
VI) Como participante da pesquisa, colaborando para a sua elaboração, poderei ter acesso aos resultados.
Itajubá, _____ de _______________ de ______.
Dúvidas ou reclamações contatar:
Guilherme Módena Alkmim Discente do Curso de Ciências Biológicas Licenciatura Universidade Federal de Itajubá - Unifei. Telefone: (35) 99911-4637 E-mail: [email protected]
45
APÊNDICE E
As 14 espécies de mamíferos herbívoros domesticados e suas regiões de origens
Ovelha - Ásia Central Cabra - Oeste da Ásia
Vaca - Norte da África Porco - Norte da África
Cavalo - Sul da Rússia Camelo árabe - Arábia Saudita
Camelo bactriano - Ásia Central Lhama - Andes
46
Burro - Sudoeste asiático Rena - Norte da Eurásia
Búfalo - Sudeste asiático Iaque - Himalaia
Gado de Bali - Sudeste asiático
Á sai Central
Mithan - Índia
Á sai Central
48
APÊNDICE G
Cartões do jogo da memória dos vegetais silvestres e atuais
Cultivado na Mesoamérica foi
modificado, pela 1ª vez, por volta do ano
7 mil a.C. Era seco, duro e possuía menos
açúcar em sua composição.
Cereal rico em carboidratos, fibras e
vitaminas A, B1 e C, o magnésio e o
carotenoide. É uma ótima fonte de
energia e auxilia na saúde dos olhos,
protegendo a visão dos raios
ultravioletas, prevenindo a degeneração
e até a catarata.
Cultivada inicialmente há 7 mil anos na
Papua Nova Guiné, a sua propagação se
realizava por meio das suas sementes.
Fruta que fornece energia imediata por
apresentar grande concentração de
carboidratos. As variedades sem
sementes foram selecionadas para
cultivo e atualmente a sua propagação é
por processo vegetativo.
Banana silvestre
Milho silvestre
49
Antes da seleção artificial, as berinjelas
eram menores, bem parecidas com
tomates, podendo exibir frutos de
colorações branca, azul e amarela, além
de ter espinhos no lugar onde o caule da
planta se conectava às flores.
A criação seletiva livrou esse legume dos espinhos e alcançou um formato maior, oblongo e roxo. É rico em água e potentes antioxidantes que atuam no organismo prevenindo doenças do coração e diminuindo o colesterol.
Primeiramente cultivado na Crescente
Fértil (Oriente Médio) há 9.000 a.C.
Apresentavam sementes pequenas que
se espalhavam pelo vento.
Cereal com elevado teor de proteínas,
fibras e vitaminas do complexo B e E,
contribuindo na prevenção do
envelhecimento precoce.
Trigo silvestre
Berinjela silvestre
50
Cultivadas no século X na Pérsia e na Ásia
Menor, apresentavam coloração roxa ou
branca, sendo bastante finas com muitas
ramificações e sabor forte.
Sua pigmentação foi se modificando
para tons amarelados alaranjados. É
muito rica em vitamina A atuando como
antioxidante e protegendo a visão. Por
ter muita fibra, auxilia na diminuição do
nível de colesterol.
Apresentavam seis subdivisões
triangulares, muitas sementes e uma cor
distinta da observada atualmente.
Apresentam um interior carnoso com 92% de água, sendo uma interessante fonte de hidratação. Além do licopeno que lhe confere cor característica, possui vitaminas do complexo B, vitaminas C e A que irão proteger a visão, além de prevenir infecções.
Melancia silvestre
Cenoura silvestre
51
Domesticados pela primeira vez há 4.000
a.C pelos antigos chineses, e
apresentavam um gosto terroso e
ligeiramente salgado, além de serem
pequenos como amoras e ter pouco
conteúdo.
Após milhares de anos de seleção
artificial, os pêssegos atuais são 64 vezes
maiores, 27% mais suculentos e 4% mais
doces que seus ancestrais.
Vegetal rico em vitamina A e C, além de
sais minerais como flúor, ferro, potássio
e magnésio. Por ser pobre em gorduras e
calorias e rico em água, é um grande
coadjuvante nas dietas de
emagrecimento.
Originário da região sul dos Estados
Unidos, sendo pequeno, crocante e
suculento.
Pepino silvestre
Pêssego silvestre
55
APÊNDICE J
Cartões do debate
O ambiente é o responsável por
provocar mudanças nos seres vivos ao
longo das gerações.
A partir da análise dos registros
fósseis, a comunidade científica
convenceu-se que o ser humano veio
do macaco.
Certas sociedades se desenvolveram
de forma mais acelerada do que
outras em virtude das diferenças
genéticas e intelectuais existentes
entre elas.
A geografia dos continentes foi
decisiva durante o processo de
desenvolvimento das diversas
sociedades.
As diferenças entre o Homo sapiens
sapiens e Homo sapiens
neanderthalensis podem ser
explicadas a partir da genética, assim
como as diferenças entre europeus e
africanos.
Pedro Alvares Cabral foi o
responsável por descobrir o Brasil.
Com essa descoberta os
portugueses foram os primeiros a
colonizarem o país.
56
Os animais domesticados foram
utilizados ao longo dos anos na
agricultura, permitindo a aglomeração
de pessoas em uma única área.
Todas as culturas vegetais atuais
surgiram de espécies de plantas
silvestres que sofreram mudanças
genéticas tornando-se aptas ao
consumo humano.
Os vencedores das grandes batalhas
até a 2ª Guerra Mundial eram aqueles
que possuíam imunidade aos piores
germes e os transmitiam ao inimigo.
A seleção artificial permitiu o
surgimento da agricultura a partir
da domesticação de plantas e
animais.
As doenças trouxeram inúmeros
prejuízos a certas sociedades,
promovendo apenas malefícios àqueles
que eram contaminados.
A expansão da produção de
alimentos é muito importante para
compreender as diferenças
geográficas no surgimento das
armas e tecnologias.
Povos diferentes iniciaram a produção
de alimentos em diferentes períodos
da pré-história o que pode explicar os
seus destinos contrastantes.
As tribos da Papua Nova Guiné
(Austrália) assim como as tribos da
África subsaariana possuíam totais
condições para se desenvolverem
assim como os europeus.
57
Considerando o tempo de origem do
homem como marco para o
desenvolvimento, teria-se a África
com grande vantagem sobre os outros
continentes, mas não foi bem o que
aconteceu...
A maioria das culturas vegetais não
domesticáveis forneciam
suplementos secundários para a
dieta e não seriam suficientes para
sustentar o surgimento das
civilizações.
O sedentarismo foi adotado em
sociedades tanto de estilo de vida
caçador-coletor quanto de estilo de
vida agricultor.
O clima mediterrâneo favoreceu a
adaptação de plantas produtoras de
sementes que, posteriormente,
foram utilizadas durante a
agricultura.
A história seguiu diferentes rumos
para os diferentes povos devido às
diferenças entre os ambientes em que
viviam e não devido a diferenças
biológicas entre os povos.
Sociedades sedentárias conseguiam
fabricar produtos que vinham a ser
úteis na agricultura, em batalhas e
no desenvolvimento das sociedades.
O estilo de vida agricultor é superior
ao estilo de vida caçador coletor.
O estilo de vida caçador coletor é
superior ao estilo de vida agricultor.
58
O ensino integrado de história,
geografia e biologia permite
compreender que as diferenças de
desenvolvimento entre as sociedades
humanas ocorreram em consequência
das diferenças entre as populações,
onde algumas aproveitaram melhor os
seus recursos do que as outras.
A Crescente Fértil não foi a única
região de produção independente de
alimentos. Outras regiões como
Mesoamérica, Papua Nova Guiné e
Sael, na África Subsaariana,
também adotaram o estilo de vida
agricultor, porém o desenvolvimento
das sociedades não foi o mesmo
devido a diferenças entre cultura e
inteligência entre os povos.