Post on 14-Dec-2018
1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
Por: RONALDO CUNHA BARRETO
Matrícula: k205893
Orientador
Prof.: Roberto de Bastos Lellis
Rio de Janeiro
2008
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
DIREITO PÚBLICO E TRIBUTÁRIO
AVM – INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de pós-graduado em Direito Público e Tributário. Turma: K091. Por Ronaldo Cunha Barreto
3
AGRADECIMENTOS
À Deus e aos amigos que me
incentivaram e me auxiliaram nos
trabalhos e estudos relacionados com
este curso.
4
DEDICATÓRIA
Dedico a minha esposa e a meus filhos,
que me ajudaram com muito carinho,
paciência e compreensão, sempre
incentivando e apoiando-me.
5
RESUMO
Alguns assuntos, por envolverem questões controversas, polêmicas,
pontos de vistas impregnados ora por preconceitos, ora por extremismos e ora
por práticas desvirtuadas por parte de algumas entidades que se aproveitam
da estrutura jurídica e social da sociedade em que se encontram, são pouco
explorados, discutidos e divulgados pelos estudiosos e doutrinadores,
deixando muitas vezes o mérito de algumas questões, ser discutido
unicamente nos autos de alguns processos.
Notamos que um desses assuntos é exatamente a análise objetiva e
contextualiza da extensão prática das imunidades dos templos de qualquer
culto previstas no art. 150, inciso IV, alínea “b”, da Constituição Federal de
1988.
Com o objetivo de trazer mais luz sobre o assunto, mas consciente de
ser impossível abordar neste trabalho todas as vertentes que o envolvem e
tampouco esgotar as análises e entendimentos possíveis, é que nos propomos
a este trabalho que, após uma abordagem geral sobre a imunidade e sua
evolução histórica, buscará uma analise, norteada pela visão de cidadania das
imunidades, de algumas questões práticas relacionadas principalmente às
hipóteses de incidência do IPTU e do ISS, além de alguma abordagem do
ICMS, de competência dos Estados.
Dentro dos assuntos citados, pretendemos fazer uma análise mais
detalhada de situações práticas encontradas nas entrevistas com
administradores e tesoureiros de algumas igrejas, como por exemplo a
incidência ou não do IPTU quando a igreja é proprietária do imóvel e o utiliza,
quando a igreja é proprietária e aluga a terceiros e quando a igreja é locatária
do imóvel; incidência ou não de ISS sobre atividades da livraria e lanchonete
no interior dos templos e sobre a utilização das vagas de garagem do templo
como estacionamento durante os dias de semana e de ICMS sobre serviços de
fornecimento de água, luz, telefone e gás às igrejas.
6
METODOLOGIA
Os métodos utilizados foram leituras de livros e jornais; pesquisa de
pareceres em sites da internet bem como jurisprudência de Tribunais
Superiores e da Prefeitura de São Paulo e São Gonçalo e entrevistas com
administradores, tesoureiros e contadores de igrejas evangélicas no Município
de São Gonçalo – RJ.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
1.1 - Precedente Histórico 10
1.2 - Conceito 15
CAPÍTULO II - IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
2.1 - Precedente Histórico 18
2.2 - Alcance das Imunidades dos Templos de Qualquer Culto 22
CAPÍTULO III – HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO IPTU 28
CAPÍTULO IV – HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ISS 38
CAPÍTULO V – O CASO DO ICMS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 41
CONCLUSÃO 46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 47
8
INTRODUÇÃO
As imunidades tributárias têm em seu pano de fundo um interesse social
a ser preservado, um bem jurídico de tão grande valor que foi objeto de
atenção por parte dos constituintes e, segundo alguns doutrinadores, tais
imunidades são consideradas intocáveis pelo Estado, verdadeiras cláusulas
pétreas.
Quando observamos o grande crescimento na quantidade de entidades
abrangidas por estas imunidades e a atuação de algumas delas que se
beneficiam destas imunidades, parece-nos que elas estão sendo injustamente
concedidas, pois algumas destas entidades de ensino, sindicatos de
trabalhadores, partidos políticos, instituições religiosas e outras para-estatais,
agem de forma desonesta, desalinhada com suas finalidades essenciais, com
a ética, com a moral, enfim, desalinhadas com o que a sociedade espera
delas.
Porém, a postura mais adequada não é eliminar ou restringir essa
proteção, esse incentivo para que tais entidades continuem atuando. O que
deve acontecer é uma atuação do Estado e dos indivíduos fiscalizando,
coibindo, dificultando eventuais desvios de finalidades, abusos, fraudes, enfim,
retirando da direção de tais entidades quem assim age.
Esse trabalho se propõe a fazer uma abordagem das imunidades em
geral, para em seguida aprofundar a análise do alcance das imunidades dos
templos de qualquer culto, isto é, das entidades religiosas como um todo.
A proposta é expor os pontos de vistas de diversos doutrinadores,
muitas vezes inseridos nos votos de Ministros do Supremo Tribunal Federal, e
apresentar como aquela Corte tem se posicionado em relação às imunidades
do art. 150 da Constituição Federal.
10
CAPÍTULO I
DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
1.1 – Precedente Histórico
Antes mesmo de existir a estrutura de Estado tal como hoje o
conhecemos, já havia a cobrança coativa de valores de toda a sociedade por
parte da classe dirigente. O manejo da capacidade de tributar - e seu corolário,
de não-tributar -, é uma das mais antigas formas de distinguir pessoas e
atividades. É uma maneira de implementar políticas - fiscal ou econômica.
Em Roma existiam várias espécies de impostos, bem como isenções. A
Lex Vicesima Hereditatum et Legatorum impunha a cobrança de um imposto
com alíquota de 5% sobre o valor das heranças ou legados, recaindo,
principalmente, sobre os legados a amigos e as heranças dos celibatários.
Eram isentos os “parentes próximos” e os bens de pequeno valor. Tal
incidência estava de conformidade com a política econômica do Imperador
Augusto, que se caracterizava pela preocupação em “amparar a família
numerosa, proteger os casamentos, punir os adultérios, gravar os celibatários
e os casais sem filhos”1.
Posteriormente, face aos problemas “de caixa” do Império, Antonino
aumentou a alíquota para 10% e estendeu a cidadania romana a todos os
habitantes de seu território através do edito de Caracala (212 a.C.). Pode-se
ver que não são recentes as determinações estatais de aumento de alíquota e
do número de contribuintes. Os atuais copiam os antigos - muitas vezes de
forma imperfeita.
1 Sílvio Meira, Direito Tributário Romano, pág. 23.
11
Na Idade Média existia a Immunitas, através da qual a Igreja e os
nobres ficavam afastados (imunes) do poder do Soberano, inclusive no âmbito
fiscal, porém encarregados de exercê-lo na área determinada de sua atuação2.
Posteriormente o caráter de pessoalidade foi alargado para as cidades,
que passaram a ter Immunitas face ao poder central. Este caráter de
intributabilidade absoluta da nobreza e da Igreja (especificamente Católica)
permaneceu até o advento do liberalismo3, quando os privilégios foram
abolidos.
A Carta Magna (1215, d.C.) foi um marco para o Direito, e, em especial,
para a cidadania e a tributação. Esse evento faz surgir, de forma embrionária,
várias das garantias constitucionais de liberdade presentes nas Constituições
ocidentais, dentre elas o Princípio da Legalidade. Historicamente foi um
avanço, mas ainda longe da situação atual. As garantias eram dos nobres e da
Igreja, e não da sociedade. Configuravam-se, sob o prisma dos excluídos de
tais direitos, muito mais como privilégios de classe do que como garantias
individuais.
Com as revoluções burguesas (século XVIII), os privilégios acima
referidos passaram do colégio de nobres e da Igreja Católica para todos os
cidadãos, se constituindo, então, em verdadeiras garantias individuais. Os
aspectos tributários também seguiram esta mesma linha. A imunidade, que
antes significava um privilégio de nobres e da Igreja Católica frente ao Rei,
passou a significar uma garantia de que certas atividades estariam afastadas
da esfera do poder de tributar da classe dirigente, sendo que tal escolha seria
2 Gianfranco Poggi, A Evolução do Estado Moderno, pág. 34; Fernando Facury Scaff, Responsabilidade do Estado Intervencionista, pág. 8. 3 Ricardo Lobo Torres, Os Direitos Humanos e a Tributação, RJ, Renovar, 1995, capítulo I.
12
estabelecida pelo conjunto dos cidadãos. “O mesmo significante - imunidade -
passou a agasalhar um outro significado”4.
Dentro desta nova perspectiva liberal - garantia individual dos cidadãos -
, é que as limitações ao poder de tributar evoluíram. O estudo de tais
limitações encontra-se umbilicalmente ligado ao desenvolvimento de outros
direitos, que posteriormente se configurariam Princípios basilares no
ordenamento jurídico dos povos ocidentais.
Desta época (liberal) é o surgimento da idéia de liberdade e de
igualdade, pois, uma vez conquistadas tais garantias individuais, a ordem
natural se encarregaria de fazer com que o bem estar e a prosperidade
adviessem. Acreditava-se que a ordem natural do mercado possibilitaria fazer
surgir o desenvolvimento. Verificou-se que tal pretensão era uma falácia. A
ordem natural apenas privilegiou os que possuíam poder econômico, fazendo
maior o fosso existente com aqueles que apenas portavam sua força de
trabalho como elemento de troca no mercado. As soluções individuais não
foram suficientes para resolver as questões sociais.
Constatada a insuficiência de implementação desta fórmula de direitos e
garantias fundamentais, foi necessário ampliar o espaço de compreensão
destes Princípios. Passou-se a cogitar da aplicação de direitos coletivos como
direitos fundamentais. Não se trata apenas de direitos da pessoa contra o
Estado, mas da sociedade erga omnes, exercitáveis contra todos que os
violarem. Esta compreensão dos direitos fundamentais como garantia da
sociedade, e não somente do indivíduo, é geratriz de uma nova leva de
direitos. É a preocupação com o coletivo, com o bem estar da população, dos
habitantes de uma determinada sociedade, com o desenvolvimento social e
econômico da coletividade. Da ótica individual passa-se a uma perspectiva
coletiva.
4 Ricardo Lobo Torres, Os Direitos Humanos e a Tributação, pág. 27.
13
Porém, a evolução dos estudos jurídicos constatou ser insuficiente a
preocupação com o coletivo, sendo também necessário que o Direito se
ocupasse dos interesses difusos da sociedade, que são aqueles que atingem
um grupo indeterminado, e indeterminável de pessoas, onde não se pode
estabelecer quem está sendo alcançado por uma específica atitude, mas pode-
se afirmar que vários indivíduos o estão. Não se sabe o CIC e o RG do lesado,
nem a intensidade da lesão para cada qual, mas existe a certeza de sua
existência.
Com o surgimento do Estado Liberal ocorreu certa
democratização das imunidades, deixando esta de ser um privilégio e
passando a representar uma garantia de exoneração fiscal de certas
atividades sociais.
O Princípio da Imunidade Tributária como hoje conhecemos, surgiu
implicitamente com o constitucionalismo norte americano, em julgamento da
Suprema Corte no célebre caso “Mc Culloch versus Estado de Marylan” onde o
Juiz John Marchall, Presidente da Corte, decidiu sustentadamente a não
tributação da União pelos Estados.
A solução individual e a coletiva não conseguiram resolver este tipo de
questão, sendo necessário desenvolver mecanismos adequados para
operacionalizar sua prevenção e repressão.
Some-se à questão dos interesses difusos o conceito de futuras
gerações, e surge uma nova compreensão dos direitos fundamentais. Passam
a ser considerados também os direitos dos que ainda não nasceram. A
dimensão da pessoa humana é projetada no futuro, não mais apenas como a
dimensão civilista do nascituro, mas de toda uma futura (e ainda nem mesmo
encomendada ou gestada) geração de pessoas humanas. O interesse
protegido não é o da atual geração, mas sua preservação para as futuras
gerações. Não é mais um interesse do indivíduo contra o Estado, ou inerente
14
apenas a certa coletividade, mas um interesse difuso e que abrange não
apenas as atuais, mas as futuras gerações.
Logo, a análise de tais Direitos, que se encerram em Princípios - dentre
eles as limitações ao poder de tributar -, deve ser efetuada com os olhos
voltados não apenas para o homem no presente, mas também no futuro,
considerado como um ser integrante de uma espécie que deve ter seus
direitos preservados, por mais difusos que sejam. Somos todos responsáveis
por tal legado às futuras gerações. Contemporaneamente a idéia de imunidade
está vinculada ao Direito das Coisas e aos Direitos Morais.
O fio condutor da análise deve ser o critério de melhor qualidade de vida
para as atuais e futuras gerações segundo parâmetros estabelecidos pela
sociedade, e não o de enriquecimento das instituições mantenedoras de
estabelecimento de educação. Ou de sindicatos obreiros. Ou de partidos
políticos. As hipóteses não têm fim. Interpretar a norma jurídica da Imunidade
Tributária de forma apartada de seu contexto social será esvaziá-la
completamente. Não será implementar o Direito, mas apenas fazer um
exercício de direito positivo - que poderá ser bem ou mal feito. E aí nada será
acrescido à sociedade, mas apenas a uns poucos contrafatores normativos.
Logo, a função da imunidade tributária - bem como a dos demais
Princípios limitadores ao poder de tributar -, é a de permitir que a sociedade
exercite a cidadania, segundo as normas que ela própria estabeleceu, sem
eventuais empecilhos impostos pelo Estado (ou melhor, por eventuais grupos
que se utilizem do aparato do Estado para implementar uma política diversa
daquela estabelecida pela sociedade).
15
1.2 – Conceito
A Constituição Federal atribuiu á União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios o poder de tributar. No entanto, o seu exercício não se faz de
modo absoluto; atribui-se a cada uma das pessoas jurídicas de direito público,
parcela de competência para dispor sobre determinadas matérias. Essas
restrições chamam-se de limitações do poder de tributar.
A imunidade é, por seus efeitos, uma limitação constitucional ao poder
de tributar. Há, ainda, no texto constitucional, de modo não exaustivo, outras
limitações: princípio da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da vedação
do confisco, etc.
Registre-se o ensinamento de Roque Antônio Carrazza:
“A expressão imunidade tributária tem duas acepções.
Uma, ampla, dignificando a incompetência da pessoa política
para tributar: a) pessoas que realizam fatos que estão fora
das fronteiras do seu campo tributário; b) sem a observância
dos princípios constitucionais tributários, que formam o
chamado estatuto do contribuinte; c) com efeito de confisco;
d) de modo a estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou
bens (salvo o hipótese do pedágio); e) afrontando o princípio
da uniformidade geográfica; e) fazendo tábua rasa do
princípio da não-discriminação tributária em razão da origem
ou do destino dos bens.
E, outra, restrita, aplicável às normas constitucionais que, de
modo expresso declararam ser vedado às pessoas políticas
tributárias determinadas pessoas, que pela natureza jurídica
que possuem, quer pelo tipo de atividade que desempenham,
16
quer, finalmente porque coligadas a determinados fatos, bens
ou situações.
Em sua acepção ampla, a expressão “imunidade tributária”
alcança quaisquer tributos: impostos, taxas e contribuição de
melhoria. Em sua acepção restrita, apenas os impostos.5”
Dele não diverge Hugo de Brito Machado:
“Imunidade é o obstáculo decorrente da regra da
Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O
que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede
que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo
que é imune. É limitação da competência tributária.
Há quem afirme, é certo, que a imunidade não é uma
limitação da competência tributária porque não é posterior à
outorga desta. Se toda atribuição de competência importa
uma limitação e se a regra que imuniza participa da
demarcação da competência tributária, resulta evidente que
a imunidade é uma limitação dessa competência.
O importante é notar que a regra da imunidade estabelece
exceção. A Constituição define o âmbito do tributo, vale
dizer, o campo dentro do qual pode o legislador definir a
hipótese de incidência da regra de tributação. A regra de
imunidade retira desse âmbito uma parcela, que torna
imune. Opera a regra imunizante, relativamente ao desenho
constitucional do âmbito do tributo, da mesma forma que
5 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 16ª edição revista, ampliada e atualizada até a EC nº 31/2000, Malheiros Editores, 2001, p. 600-601.
17
opera a regra de isenção relativamente à definição da
hipótese de incidência tributária.6”
Em publicação intitulada “Imunidades Tributárias”, Ives Gandra da Silva
Martins leciona:
“A imunidade, portanto, descortina fenômeno de natureza
constitucional que retira do poder tributante o direito de
tributar, sendo, pois, instrumento de política nacional que
transcende os limites fenomênicos da tributação ordinária.
Nas demais hipóteses desonerativas, sua formulação
decorre de mera política tributária de poder público,
utilizando-se de mecanismo ofertados pelo Direito.
Na imunidade, portanto, há um interesse nacional superior a
retirar, do campo de tributação, pessoas, situações, fatos
considerados de relevo, enquanto nas demais formas
desonerativas há apenas a veiculação de uma política
transitória, de índole tributária definida pelo próprio Poder
Público, em sua esfera de atuação.7”
Evidencia, pois, Ives Gandra, que a imunidade, nas hipóteses
constitucionais, “constitui o instrumento que o constituinte considerou
fundamental para, de um lado, manter a democracia, a liberdade de expressão
e a ação dos cidadãos e, por outro lado, atrair os cidadãos a colaborarem com
o Estado, nas suas atividades essenciais, em que, muitas vezes, o próprio
Estado atua mal ou insuficientemente, como na educação, na assistência
social etc.”
6 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 20ª edição revista atualizada e ampliada de acordo com as EC 32 e 33/2001, Malheiros Editores, 2002, p.24l-242.
18
CAPÍTULO II
IMUNIDADE DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
2.1 – Precedente Histórico
Trago para este trabalho as palavras do Prof. Werner Nabiça Coelho8
que tão bem resumiu a evolução histórica das imunidades dos templos de
qualquer culto quando ressaltou que tem sido o fenômeno religioso o que de
mais persistente existe na história da humanidade, havendo quem defenda “a
unidade transcendental das religiões”, expressão que serve de título a uma das
mais importantes obras de Fritjof Shuon, renomado estudioso das religiões
comparadas.
A religião é fenômeno tão primário que todo o conhecimento humano
primeiro surgiu como fruto de revelação divina ou como presente concedido
pelas potências celestes ao homem, assim tem sido desde sempre em todas
as culturas na sua infância.
O Estado é fruto da laicização do poder religioso, pois antes dos reis se
tornarem reis deviam ser consagrados pela autoridade religiosa.
Podemos asseverar que mais importante que as grandes navegações,
para a formação das mentalidades da Idade Moderna em que vivemos, foram
as guerras de religião, que ensangüentaram a Europa a partir do século XVI, e
só atingiram o seu termo em princípios do séc. XIX quando a Revolução
Francesa fez surgirem a era das grandes guerras nacionais, e, com suas
7 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1998. Pesquisas tributárias. Nova Serie, nº 4, pág. 32. 8 Advogado, Professor da Faculdade Ideal - FACI, Especialista em Direito Tributário e Mestrando pela Universidade da Amazônia - UNAMA, Belém, Pará.
19
sangrias, que perduraram por um quarto de século (1789-1815), motivaram as
primeiras grandes expropriações contra a Igreja em favor do Estado (As outras
grandes expropriações iriam acontecer durante as revoluções mexicana,
soviética e outras mais, sempre instaurando um Estado Socialista, em maior
ou menor grau de radicalismo anti-religioso.), por motivo de perseguições
políticas tendentes a fundar a religião civil preconizada por Rousseau em sua
obra capital “Do Contrato Sócial”, ou seja, propugnou a instauração do culto ao
Estado, resultando no nacionalismo chauvinista e guerreiro que proliferou pelo
mundo ocidental e culminou nas guerras mundiais verificadas no séc. XX.
A revolução francesa foi um movimento que pretendia instaurar a religião
da razão com a exclusão das demais formas de crença ou culto; sendo que o
positivismo de Augusto Comte é um subproduto pseudo-filosófico deste
processo. Por alguns momentos aquela quadra revolucionária assistiu ao
primeiro movimento socialista, especialmente, nos tempos do Terror
inaugurado pelos jacobinos de Robespierre, os primeiros terroristas da história.
Na outra margem do Atlântico, a intuição dos constitucionalistas
americanos assegurou ao seu povo a liberdade de culto, e consagrou
separação do Estado e da Igreja, já preconizada como princípio social desde
quando Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus. Tal exemplo de proteção ao culto popular, ao contrário das perseguições
religiosas francesas, estas inovações americanas, consubstanciadas na
primeira Constituição Republicana e Democrática da História,
cronologicamente anteriores (1787) à insanidade revolucionária francesa,
foram se tornando paulatinamente o paradigma de todas as constituições,
inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em seu
artigo 18 assim proclama: “Todo homem tem o direito à liberdade de
pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de
religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo
20
ensino, pela prática, pelo culto e pela abservância isolada ou coletivamente,
em público ou em particular”.
No Brasil, guardada a particularidade de a nossa primeira constituição
haver sido monárquica e parlamentarista, e, que havia a religião oficial do
Estado, o catolicismo, nem por isso deixou-se de contemplar especial proteção
às liberdades alheias, pois, conforme noticia o Douto Pinto Ferreira9 "Ninguém
pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado
e não ofenda a moral pública"; prática aperfeiçoada e observada
religiosamente por todas as demais constituições posteriores; e, entre as
conseqüências práticas da liberdade religiosa está a imunidade dos templos.
Se realizarmos uma paráfrase do Texto Maior Pátrio, inquirindo quais os
fundamentos da imunidade dos templos, assim resultará:
Nós, representantes do povo brasileiro, instituímos este Estado
Democrático para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais em
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos sob a proteção de Deus.
É uma República constituída como Estado Democrático de Direito e fundada,
entre outras coisas, na dignidade humana, pois todo o poder emana do povo
exercida por meio de representantes eleitos. Neste Estado do Brasil, todos são
iguais perante a lei, por isso que é um Estado de Direito, sendo invioláveis a
vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade dos residentes,
seja nacional ou estrangeiro. Livre é a manifestação do pensamento e
inviolável a liberdade de consciência e crença. Ninguém será privado de
direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.
Tendo em vista tais proteções irrevogáveis, pétreas, existem certas limitações
ao poder de tributar, em particular, aos entes da federação não compete
instituir impostos sobre templos de qualquer culto, e, mais ainda, tal vedação
compreende o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com os fins
9 Comentários à Constituição Brasileira, 1º vol., Saraiva, São Paulo, 1989, p. 69),
21
essenciais relacionados ao templo (Cf. Constituição Federal de 1988:
Preâmbulo e seus artigos 1º, III e parágrafo único, 5º, IV, VI e VIII, 150, VI, b),
§4º).
22
2.2 – Alcance das Imunidades dos Templos de Qualquer
Culto
Importante destacar o julgamento do Recurso Extraordinário 325822-2
pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal por tratar-se de
verdadeira aula e resumo das doutrinas existentes e do entendimento
daquele Corte Superior, quando tratou-se do recurso da Mitra Diocesana de
Jales e Outras (Diocese e Paróquias) contra acórdão do Tribunal de Justiça
de São Paulo que entendeu não ser extensiva aos bens de propriedade da
instituição religiosa, porém em desuso ou locados a terceiros, a imunidade
prevista no art. 150, Inciso VI, letra “b” e § 4º da CF/88.
Trarei para este trabalho, em seqüência diversa dos votos efetivamente
efetuados, trechos julgados por mim mais relevantes para a nossa análise.
Ao proferir o seu voto no Recurso Extraordinário nº 325.822-2 SP, o
eminente Ministro Marco Aurélio ao presidir o Tribunal Pleno do Supremo
Tribunal Federal, assim o fez:
“Peço vênia também ao eminente relator para acompanhar a dissidência, pois acredito piamente no que previsto no Código de Direito Canônico de 1983, editado quando do Papado de João Paulo II. Os bens, no caso, são destinados à finalidade do próprio templo. Não vejo, na espécie, uma pertinência maior, considerada a necessidade de distinguirem-se institutos, do disposto no artigo 19 da Constituição Federal, porque esse artigo, ao vedar à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios subvencionar cultos, pressupõe um ato positivo, um aporte, uma vantagem que seja outorgada, e, no tocante à imunidade, não há esse aporte. Ressaltou bem o ministro Moreira Alves que a Carta de 1988 trouxe a novidade do §4º do artigo 150, sobre as vedações expressas no inciso VI, e, aí, houve referência explícita à alínea “b”, que cogita da imunidade quanto aos templos de qualquer
23
culto. De acordo com o citado §4º, tais vedações compreendem o patrimônio, a renda e os serviços relacionados de forma direta “com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. Havendo, portanto, o elo, a destinação, como versado nos autos, não se tem como afastar o instituto da imunidade.”
Nesse momento cabe a transcrição de parte do excelente voto do
Ministro Gilmar Mendes no mesmo RE 325822-2:
“E, mais adiante, ao referir-se à expressão “rendas relacionadas com as finalidades essenciais”, constante do § 4º do art. 150 da Constituição Federal, Ives Gandra afirma: “ O § 4º, todavia, ao falar em atividades relacionadas, poderá ensejar a interpretação de que todas elas são relacionadas, na medida em que destinadas a obter receitas para a consecução das atividades essenciais. Como na antiga ordem, considero não ser esta a interpretação melhor na medida em que poderia ensejar concorrência desleal proibida pelo art. 173, § 4º da Lei Suprema. Com efeito, se uma entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor privado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na medida em que adotasse idênticos preços de concorrência mas livre de impostos. Ora, o Texto Constitucional atual objetivou, na minha opinião, eliminar, definitivamente, tal possibilidade, sendo que a junção do princípio estatuído nos arts. 173, §4º e 150, § 4º, impõe a exegese de que as atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essenciais das entidades imunes enunciados nos incs. b e c do art. 150, VI, se forem idênticas ou aná1ogas às de outras empresas privadas, não gozariam de proteção imunitória. Exemplificando:se uma entidade imune tem um imóvel e o aluga. Tal locação não constitui atividade econômica desrelacionada de seu objetivo nem fere o mercado ou representa uma concorrência desleal. Tal locação do imóvel não atrai, pois, a incidência do IPTU sobre gozar a entidade de imunidade para não pagar imposto de renda. A mesma entidade, todavia, para obter recursos para suas
24
finalidades decide montar uma fábrica de sapatos, porque o mercado da região está sendo explorado por outras fábricas de fins lucrativos, com sucesso. Nessa hipótese, a nova atividade, embora indiretamente referenciada, não é imune, l porque poderia ensejar a dominação de mercado ou eliminação de concorrência sobre gerar lucros não tributáveis exagerados se comparados com os de seu concorrente.” OProfº. Ives assinala que “por esta linha de raciocínio todos os lucros e ganhos de capital obtidos em aplicações financeiras e destinados às finalidades das entidades imunes são rendimentos e ganhos imunes. É de se entender que o §4º é um complemento do § 3º, assim redigido”: “As vedações do inciso VI, a, e, do parágrafo anterior não se aplicam a patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.” Ives conclui: “O que vale dizer que apenas se as atividades puderem gerar concorrência desleal ou as finalidades das entidades imunes não forem beneficiadas por tais resultados é que a tributação se justifica, visto que, de rigor, tais atividades refogem ao campo de proteção tributária que o legislador supremo objetivou ofertar a essas finalidades da sociedade” É certo que o texto constitucional circunscreve a imunidade tão somente, ao imposto. Dentro desta hipótese, é evidente, está compreendido todo e qualquer imposto que recaia sobre o patrimônio, a renda ou serviços. Assim, os templos não se apresentam imunes às demais espécies fiscais. Interessa-nos, neste caso, somente a hipótese de imunidade tributária estabelecida pelo art. 150, VI, “b” e “e”, e o § 4º da Constituição Federal de 1988, que, na mesma direção das anteriores, preceituam: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI- instituir impostos sobre:
25
(...) b)templos de qualquer culto; c)patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (...) § 4º. As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” Diversos doutrinadores sustentam que a interpretação da imunidade tributária dos templos é restritiva. O clássico Aliomar Baleeiro escreveu que a produção dos efeitos da imunidade dos “templos de qualquer culto” depende de “interpretação sem distinções sutis nem restrições mesquinhas”. Para ele, o “culto não tem capacidade econômica. Não é fato econômico”. Assim, não se devem considerar templo “apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência do pároco ou pastor, desde que não empregados em fins econômicos”. Em obra anterior, “O Direito Tributário da Constituição Financeira”, RJ, 1959, p. 182, Baleeiro enfatiza que “o templo se integra de tudo o que é necessário, compatível ou comp1ementar, sejam outros edifícios anexos, sejam instalações e pertences, para esse fim”. (BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, Forense, RJ, 1977, p. 176) Especificamente, quanto à alínea “b” do inciso VI do art. 150, da Constituição, discorre Carrazza: “São igualmente imunes à tributação por meio de impostos os templos de qualquer culto, conforme estipula o art. 150, VI, 'b”, da CF. Esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja. Em razão disso, é o caso de, aqui, perguntarmos: que impostos poderiam alcançar os templos de qualquer culto se inexistisse este dispositivo constitucional? Vários impostos, apressamo-nos em responder.
26
Sobre o imóvel onde o culto se realiza incidiria o imposto predial e territorial urbano (IPTU); sobre o serviço religioso, o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS); sobre as esmolas (dízimos, espórtulas, doações em dinheiro etc.), o imposto sobre a transmissão 'inter vivos', por ato oneroso, de bens imóveis (ITB1); e assim avante. Nenhum destes impostos - nem qualquer outro - pode incidir sobre os templos de qualquer culto, em conseqüência da regra imunizante agora em estudo. É fácil percebermos que esta alínea “b' visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos. A Constituição garante, pois, a liberdade de crença e a igualdade entre as crenças (Sacha Calmon Navarro Coelho). Umas das fórmulas encontradas para isto foi justamente esta: vedar a cobrança de qualquer imposto sobre os templos de qualquer culto.” (CARRAZZA, Roque Antônio, Op. cit., p. 618)
Pois bem. Ao fazer uma leitura compreensiva do texto
constitucional, na linha preconizada, entendo que, de fato, o
dispositivo do art. 150, VI, “b”, há de ser lido com o vetor
interpretativo do §4º deste mesmo artigo da Constituição. Vê-se,
pois, que a letra “'b” se refere apenas à imunidade de “templos de
qualquer culto”; a letra “c', ao “patrimônio, renda ou serviço”.
Portanto, o disposto no § 4º alcança o patrimônio, a renda ou
serviços dos templos de qualquer culto, em razão da equiparação
entre as letras “b” e “c”.
Nestes termos, dou provimento ao recurso extraordinário.”
Tendo em vista esta interpretação teleológica tendendo a maximizar o
potencial de efetividade ponderada com a visão restritiva de alguns
doutrinadores e com a realidade entrada em nossos dias quando encontramos
27
algumas religiões ou algumas pessoas que dizer representar uma religião,
entendemos que a imunidade prevista no texto constitucional para os templos
de qualquer culto abrange os impostos sobre o patrimônio a renda e os
serviços desses entes, porém respeitados outros princípios constitucionais
como a justa concorrência entre os agentes do mercado bem como legislação
complementar e ordinária específica.
Nessa linha de entendimento passamos a analisar, nos capítulos a
seguir, as hipóteses de incidência do IPTU, do ISS e do ICMS de maneira mais
objetiva.
28
CAPÍTULO III
HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO IPTU
A análise do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana,
de competência dos Municípios, conforme art. 156 – CF/88, em relação às
igrejas, pode envolver principalmente 03 (três) possibilidades. A primeira seria
a análise de imóvel de propriedade da igreja e sendo usada pela igreja
objetivando suas finalidades assenciais, caso em que é pacifico o
entendimento da aplicação de imunidade. A segunda possibilidade seria a
análise de imóvel de propriedade da igreja, porém em desuso ou locado a
terceiros, que foi a hipótese analisada no RE 325822-2, quando o Supremo
Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, ser aplicável a imunidade
prevista no art. 150, VI, “b” – CF/88. A terceira possibilidade, mais controversa
e ainda não pacificada pela jurisprudência, é quando a igreja é locatária de
imóvel vinculado a suas finalidades essenciais, que passamos a analisar.
A Imunidade Tributária deve ser considerada não apenas em sua
perspectiva individual, mas como uma garantia de cidadania para todos,
considerados coletiva e difusamente, de forma a permitir também o regular
desenvolvimento das futuras gerações.
Portanto, e apenas a título de exemplo, ao ser reconhecida no Brasil
uma imunidade educacional não se pretende privilegiar determinado
estabelecimento. A fase do privilégio já passou, devendo ser apenas
historicamente considerada. Se deve é garantir que a educação seja
ministrada a todos, de forma livre e com o fito de desenvolver plenamente o
indivíduo, prepará-lo para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o
29
trabalho (CF/88, art. 205). Caso não sejam acatadas estas diretrizes
constitucionais, a instituição em gozo da imunidade não estará atingindo seus
objetivos e esta deverá ser desconsiderada.
O fio condutor da análise deve ser o critério de melhor qualidade de vida
para as atuais e futuras gerações segundo parâmetros estabelecidos pela
sociedade, e não o de enriquecimento das instituições mantenedoras de
estabelecimento de educação. Ou de sindicatos obreiros. Ou de partidos
políticos. As hipóteses não têm fim.
Interpretar a norma jurídica da Imunidade Tributária de forma apartada
de seu contexto social será esvaziá-la completamente. Não será implementar o
Direito, mas apenas fazer um exercício de direito positivo - que poderá ser bem
ou mal feito. E aí nada será acrescido à sociedade, mas apenas a uns poucos
contrafatores normativos.
Logo, a função da imunidade tributária - bem como a dos demais
Princípios limitadores ao poder de tributar -, é a de permitir que a sociedade
exercite a cidadania, segundo as normas que ela própria estabeleceu, sem
eventuais empecilhos impostos pelo Estado (ou melhor, por eventuais grupos
que se utilizem do aparato do Estado para implementar uma política diversa
daquela estabelecida pela sociedade).
Segundo Alfredo Augusto Becker10, a hipótese de incidência tributária
tem vários aspectos, que a tornam de fato uma previsão legal de tributos, são
múltiplos fatos (atos, fatos, estados de fato, jurídicos e ou não-jurídicos), que
podem estar reunidos na mais diversa combinação de número e espécie.
Segundo Geraldo Ataliba11, os aspectos da hipótese de incidência não
são os vários elementos que a compõem, pois a previsão legal
10 Becker, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário – Ed. Saraiva – pg. 238
30
necessariamente hipotética subsiste por si só. A lei atribui a força jurídica que
determina o nascimento da obrigação tributária. Aliás, os aspectos não vêm
necessariamente arrolados de forma explicita na lei. Pode haver uma lei que
enumere todos os aspectos, sendo isto raro, mas normalmente os aspectos
integrativos da hipótese de incidência estão esparsos na lei, ou diversas leis,
sendo que muitos são implícitos no sistema jurídico.
A multiplicidade de aspectos não prejudica o caráter unitário e indivisível
da hipótese de incidência. A hipótese de incidência não deixa de ser única e
indivisível, pelo fato de possuir muitos aspectos, cuja consideração não implica
sua composição em partes ou elementos.
Como se apresentará os aspectos da hipótese de incidência não são
suas causas, não lhe determinam o ser, mas só o modo, a maneira, de ser.
Integram-na e não originam. São pontos de vista sob os quais a inteligência
considera o objeto – no caso, a hipótese de incidência – segundo suas
relações.
Geraldo Ataliba12 não deixa para o legislador identificar os aspectos da
hipótese de incidência, não lhe sendo sua competência, afirma que o legislador
não é cientista. Cabe então ao intérprete reconhecer e identificar os diversos
aspectos da hipótese de incidência aplicando as noções científicas no seu
trabalho exegético. Com estas considerações, demonstra conforme abaixo o
que considera ser os aspectos essenciais da hipótese de incidência tributária:
1) aspecto pessoal; 2) aspecto material; 3) aspecto temporal e 4)aspecto
espacial;
Não se pode analisar apenas o aspecto material da hipótese de
incidência do IPTU, embasando suas narrativas no art.156 da CF e no art. 32
do CTN, bem como nos variados aspectos do direito de posse, suportada por
decisões Judiciais, entendendo que o possuidor direto e provisório não tem o
11 Hipótese de Incidência Tributária – Geraldo Ataliba – 4a. Ed. Editora Revista dos Tribunais
31
animus domini, logo sem capacidade econômica e não pode figurar como o
sujeito passivo do IPTU.
Devemos analisar também o aspecto pessoal do IPTU, para se
identificar o sujeito passivo, ou o responsável tributário e ou o contribuinte, e
devemos ter como ponto de origem o mencionado no artigo 34 do Código
Tributário Nacional:
O contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel,
o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a
qualquer título.
Se o locatário tem a posse direta, ainda que provisória, ele é possuidor
sob um determinado título, e jurídico. Logo pode ser uma das figuras a serem
eleitas como sujeito passivo, ou contribuinte ou ainda responsável tributário.
Assim na análise do aspecto pessoal da hipótese de incidência do IPTU,
podemos colocar o locatário como provável sujeito passivo, por ser ele
possuidor a qualquer título. Neste mesmo sentido, o grande mestre, Hely
Lopes Meirelles, ensina:
Possuidor é a pessoa que tem, de fato, o exercício, pleno ou não,
de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade
segundo a conceituação do Código Civil brasileiro (art.485). Só é
possuidor, entretanto, quem mantém a posse em seu próprio
nome, sem relação de dependência com o proprietário ou
possuidor indireto, e não exerça em cumprimento de ordens ou
instruções deste (art.487)
O Código Tributário considera contribuinte do IPTU o possuidor
do imóvel a qualquer título (art. 34, in fine) abrangendo assim,
12 Hipótese de Incidência Tributária – Geraldo Ataliba – 4a. Ed. Editora Revista dos Tribunais
32
também, os que exercem apenas temporariamente a posse direta
sem prejuízo da posse indireta daquele de quem a tenham obtido,
por força de obrigação ou direito, como usufrutuário, o credor
pignoratício e o locatário (CC, art. 486).
Daí resulta que, em tese, a lei tributária municipal poderia erigir
em contribuinte o locatário, cujo contrato de locação seja regido
por lei federal específica para as locações urbanas (Lei do
Inquilinato). Todavia, as leis do inquilinato geralmente atribuem os
encargos tributários ao locador e só por consentimento expresso
do inquilino sejam deferidos a este, como ocorre com a Lei 8.245,
de 18.10.91 (art.22, VIII). Qual a norma que deve prevalecer, a do
Código Tributário, que é lei complementar, o a Lei do Inquilinato,
que é ordinária.
Entendemos que, no caso, prevalecerá a lei ordinária, pois o
próprio Código Tributário Nacional declara que “a lei tributária não
pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,
conceitos e formas de Direito Privado, utilizados, expressa ou
implicitamente, pela Constituição da República, pelas
Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito
Federal ou dos municípios, para definir ou limitar competências
tributárias’(art. 110)”.
Ora, a Constituição da República, para definir a competência
tributária municipal, refere-se expressamente à propriedade
(art.156, I) cujo conceito nos é dado pelo direito privado, que é
também o competente para regular as relações entre as pessoas
que tenham poderes atinentes à propriedade imobiliária e
discriminar os seus direitos e obrigações, tais como o locador,
possuidor indireto, e o inquilino, possuidor direto. Assim sendo, o
disposto no art. 34 do CTN, quanto ao possuidor a qualquer título,
33
deve ser entendido em conformidade com a legislação privada
específica, isto é, o possuidor poderá ser o sujeito passivo do
tributo quando a lei civil o permitir ou não o vedar13.”
Muitas vezes, apesar de não ser oponível ao fisco, a convenção
particular pode identificar o efetivo pagador do imposto, quem de fato suporta o
ônus tributário, é o caso e de muitos outros tributos com as tarifas de água e
de luz, que identificam o efetivo pagador.
Ainda, segundo a Lei do Inquilinato, Lei 8245/1991, nos artigos que
tratam dos deveres do locatário e locador, exatamente no artigo 22, inciso VIII,
havendo disposição expressa, a responsabilidade pelo pagamento do IPTU é
transferida para o locatário.
De qualquer forma, não se trata de opor ao fisco um mero documento
particular, mas, um documento que, com suporte legal, com suporte nas
normas de Direito Civil – Lei do Inquilinato e combinado com os Arts. 110 e
121, II do CTN, pode atribuir ao locatário a condição de responsável pelo
pagamento.
O artigo 121 inciso II do CTN atribui a condição de responsável
tributário para aquele que não sendo o contribuinte, obtenha esta condição por
disposição expressa de Lei. Ora, a Lei do Inquilinato autoriza a transferência
do encargo do IPTU para a responsabilidade do locatário, quando
expressamente contratado, e isto não será uma mera convenção particular.
Por evidente conveniência, o fisco municipal, regulamentando o que lhe
outorga como competência tributária a Constituição Federal, em suas leis, evita
identificar o locatário como responsável direto pelo IPTU, “muito mais fácil
13Hely Lopes Meirelles – Direito Municipal Brasileiro 6a Edição – Editora Malheiros.
34
perseguir o detentor do direito real”. Mas, o fisco pode flexibilizar em razão da
pessoalidade da relação14.
O anseio religioso é o mais primitivo dos desejos da raça humana, é o
que mais os diferencia dos demais animais irracionais, todas as sociedades de
homens e mulheres buscam por seu “deus”, por suas origens e destino final,
buscam algo que lhes falta no íntimo, buscam preencher um vazio, assim vêm
concluindo renomados antropologistas.
A bíblia, respeitada autoridade nos assuntos espirituais, nos informa que
os seres humanos querem se religar do que foram desligados lá no Jardim do
Édem, pois ao desobedecer ao Criador, vieram a ser dispensados, por justa
causa, foram desligados da origem da vida que é Deus, assim, desligados da
fonte divina, os humanos estão sedentos, e para isto criaram as religiões,
palavra cuja origem no latim significa religar – religar o que está desligado.
É este lado mítico e insaciável do homem por sua busca do Deus
JUSTIÇA, para a vingança contra os opressores e pecadores, e do Deus
AMOR para perdoar, salvar e restaurar a raça humana, que a Constituição
preserva. E mais, através da busca em se religar a Deus, o ser humano,
melhora sua convivência social, explode em criatividade, aumenta sua cultura,
estabelece seus folclores, etcetera.
A imunidade objetiva claramente impedir, por motivos que o
constituinte considera de especial relevo, que os poderes
tributantes, pressionados por seus déficits orçamentários,
invadam áreas que no interesse da sociedade devam ser
preservadas.15
14 cf. Sumula do STF 539. É constitucional a lei do município que reduz o imposto predial urbano sobre imóvel pela residência do proprietário, que não possua outro. 15 Ives Gandra Martins – Sist. Tribu. Const. de 1988 – Ed. Saraiva – 1991 – pág 153 e 154.
35
As vedações constitucionais que compreendem o patrimônio, a renda e
os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas
mencionadas (§ 4o do art. 150 da CF), deixaram claro o alcance da sua
pretensão imunizante. Aliás, nesta matéria de imunidade “como um toque de
Midas” o ente imune, naquilo que está diretamente ligado a sua atividade, no
caso o templo para culto, faz com que suas obrigações e direitos também
sejam imunes.
Segundo o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil – comentado por
Clovis Beviláqua, volume 1 de 1940 – Ed. Rio Estácio de Sá, traçando os
parâmetros da interpretação do seu art. 57 – nas observações apôs :
PATRIMÔNIO É O COMPLEXO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS
DE UMA PESSÔA QUE TIVEREM VALOR
ECONÔMICO..Assim, compreende-se no patrimônio tanto os
elementos ativos quanto os passivos... É a atividade
econômica de uma pessoa, sob o seu aspecto jurídico, ou a
projeção econômica da personalidade civil.
Raoul de La Grasserie compreende-o como o prolongamento
da personalidade sobre as coisas.16
O patrimônio é formado pelo conjunto de relações ativas e
passivas, e esse vínculo entre os direitos e as obrigações do
titular, constituído por força de lei, infunde ao patrimônio o
caráter de universalidade de direitos17.
O pagamento do IPTU faz parte do elemento passivo do patrimônio do
Templo, nos exatos termos da Lei do Inquilinato, Lei 8245/1991, nos artigos
16 Teoria Geral do Direito Civil –Clóvis Beviláqua – 3a. edi. Ed. Rio
17 Silvio M. Marcondes Machado, Limitações da Responsabilidade do Comerciante Individual , no. 79.
36
que tratam dos deveres do locatário e locador, exatamente no artigo 22, inciso
VIII, já que existe disposição expressa (aliás, mesmo que assim não fosse,
podemos facilmente concluir que ninguém alugaria um imóvel sem a
expectativa de que pudesse se aliviar também dos encargos transferindo-os,
ainda que só no preço, para o locatário).
Quando a Constituição faz referência à vedação de ser cobrado imposto sobre o patrimônio, não está facultando aos Estados, à União, aos municípios e ao DF que lancem, criem exijam ou cobrem impostos sobre as operações, atos, atividades ou sobre os resultados daí obtidos, seja da entidade imune ou sobre o produto imune. Patrimônio não é apenas o conjunto de bens, direitos ou créditos, deduzidos das obrigações; mas o alcance da mensagem constitucional leva-nos ao raciocínio lógico e racional que nenhum imposto deverá suportar a entidade imune subjetivamente, como contribuinte de direito (o que obrigaria a recolher o imposto, se imune não estivesse ela); nem como mera depositária, nos impostos indiretos que gravam a saída e a circulação. O que pretende a Constituição é que o patrimônio mais as rendas e os serviços das entidades, não venham a sofrer qualquer redução ou diminuição, isto é, não venham a ser desfalcados, diminuídos ou reduzidos com o pagamento ou recolhimento de impostos, mesmo daqueles indiretos, pois neste caso, se o contribuinte de fato não saldasse seu débito, v.g., numa saída tributada, a entidade imune subjetivamente estaria suportando o respectivo ônus fiscal cobrado numa nota fiscal. O pagamento de impostos implica numa saída de numerários da caixa social, gerando uma diminuição de disponibilidade financeira e gerando uma despesa, que teria como conseqüência reduzir o patrimônio líquido da entidade... A Constituição, ao conceder o direito-garantia da imunidade às entidades que elenca e especifica, não distinguiu quais os impostos abrangidos, se diretos ou indiretos; nem quais as origens das receitas delas, desde que lícitas e vinculadas às atividades essenciais. O que não pode confundir, é que o patrimônio a que se refere, é elemento dinâmico e mutável dos bens, direitos e créditos da entidade, e não apenas o estático...
37
O conceito de patrimônio não pode ser interpretado obliquamente pelo fisco ou pela Administração Fazendária, para excluir da imunidade quaisquer impostos, a pretexto destes não incidirem diretamente sobre os bens da entidade18.
Ora, vê-se claro que o valor do IPTU, sendo o Templo locatário ou não
proprietário, cumpridos os pressupostos legais, não pode por este ser
suportado. Principalmente quando se trata do IPTU cuja obrigação do
pagamento, por força de Lei, foi transferido para o Templo inquilino.
18 Samuel Monteiro. Tributos e Contribuições –– 2a. Ediç.1991 Hemus Editora Ltda - SP
38
CAPÍTULO IV
HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ISS
Durante o processo de pesquisa, entrevistamos um administrador de
determinada igreja no município de São Gonçalo, que questionava a incidência
ou não de ISS sobre as vendas de gêneros alimentícios na cantina da igreja,
localizada no interior das dependências da mesma, bem como sobre as
vendas de livros e revista na sua livraria, de igual forma localizada no interior
das dependências da mesma e tendo em vista a fase final de construção de
seu templo, a eventual incidência de ISS sobre locação das vagas do
estacionamento nos dias de semana, tendo em vista a igreja estar localizada
no centro do município que tem séria carência de vagas para estacionamento
nos dias de semana.
Na análise de cada caso, deve prevalecer a coexistência de alguns
fatores que podem tornar a atividade imune à tributação. Primeiramente há que
se analisar a vinculação dos serviços com as finalidades essenciais da
entidade ou às delas decorrentes (Art. 150, § 4º), bem como a aplicação dos
recursos derivados dessas prestações de serviços em consonância com o art.
14 do Código Tributário Nacional.
Em seguida devem ser observados os ensinamentos do Prov. Ives
Gandra, no sentido da avaliação do resultado da prestação desses serviços no
mercado local, que trazemos novamente a este trabalho:
“ O § 4º, todavia, ao falar em atividades relacionadas, poderá ensejar a interpretação de que todas elas são relacionadas, na
39
medida em que destinadas a obter receitas para a consecução das atividades essenciais. Como na antiga ordem, considero não ser esta a interpretação melhor na medida em que poderia ensejar concorrência desleal proibida pelo art. 173, § 4º da Lei Suprema. Com efeito, se uma entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor privado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na medida em que adotasse idênticos preços de concorrência mas livre de impostos.
Além disso, devem ser verificados as circunstância de cada caso
concreto, pois, como caso em tela, tratava-se de igreja com um rol de
membros de aproximadamente 5 mil pessoas, das quais, cerca de 5% se
utilizavam de veículo próprio para se deslocarem ao templo e o projeto de
construção do templo dois andares para o templo propriamente dito, três
andares para salas para as atividades da Escola Bíblica Dominical e para
diversos cursos oferecidos pela igreja durante a semana, como alfabetização
de adultos, pré-vestibular, cursos de estudo bíblico, informática e outros, e o
sub-solo para uma garagem que comportaria cerca de 200 veículos, que
atenderia a aproximadamente 80% da demanda dos membros por vagas nos
cultos dos domingos de manhã e à noite. Neste caso, a utilização do
estacionamento durante a semana, caracteriza-se mais por uma medida de
mordomia com os dízimos e ofertas dos membros, sendo perfeitamente
aplicável a imunidade do ISS. Porém, analisemos se, nas mesmas condições,
a igreja tivesse em seu projeto a construção de quatro andares para vagas de
garagem que comportariam cerca de 800 veículos e apenas um andar para o
templo propriamente dito. Neste caso ficaria caracterizada a intenção de obter
vantagem em relação ao mercado, pois a demanda por vagas para os
membros nos dias de maior movimento seria de cerca de 240 veículos. Neste
caso não parece coerente a não incidência do ISS.
40
Pertinente agregar ao trabalho jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal quando analisou o Recurso Extraordinário 114.900/SP, conforme
ementa a seguir:
“EMENTA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA, ART. 150, VI, C, DA
CONSTITUIÇÃO. INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.
EXIGÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE SERVIÇO CALCULADO
SOBRE O PREÇO COBRADO EM ESTACIONAMENTO DE
VEÍCULOS NO PÁTIO DA ENTIDADE.
Ilegitimidade. Eventual renda obtida pela instituição de assistência
social mediante cobrança de estacionamento de veículos em área
interna da entidade, destinada ao custeio das atividades desta,
está abrangida pela imunidade prevista no dispositivo sob
destaques Precedente da Corte: RE 116.188-4. Recurso
conhecido e provido.” (RE nº 144.900/SP, in DJU 26/09/97, pág.
47.494).
41
CAPÍTULO V
O CASO DO ICMS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Nesse capítulo, nos limitaremos a apresentar a íntegra da justificativa
apresentada pelo Deputado Estadual Armando Jose, no Projeto de Lei
69/2003, bem como a legislação em vigor relativa à proibição de cobrança de
ICMS sobre serviços de públicos estaduais de água, luz, telefone e gás.
PROJETO DE LEI Nº 69/2003
EMENTA: "ALTERA A LEI ORDINÁRIA Nº 3266, DE 06 DE OUTUBRO DE 1999"
Autor(es): Deputado ARMANDO JOSÉ A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RESOLVE: Art. 1º - O art. 1º da Lei Ordinária nº 3266, de 06 de outubro de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 1º- Fica proibida a cobrança de ICMS nas contas de Serviços Públicos Estaduais e Municipais – água, luz, telefone e gás – a templos de qualquer culto, desde que o imóvel esteja comprovadamente na posse da entidade religiosa.
§ 1º- Nos casos em que o imóvel for próprio, o mesmo deve estar devidamente registrado.
§ 2º- Nos casos em que o imóvel não for próprio, a comprovação do funcionamento deverá se dar através de contrato de locação ou comodato, ou ainda pela posse.
§ 3º- A imunidade tratada na caput deste artigo, será reconhecida e mantida exclusivamente pelos requisitos previstos nos parágrafos anteriores, abrangendo os imóveis relacionados com as finalidades
42
essenciais das entidades religiosas independentemente de servirem diretamente à realização de celebrações religiosas."
Art. 2º - Fica revogado o art. 2º da Lei Ordinária nº 3266 de 06 de outubro de 1999.
Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando todas as disposições em contrario.
Plenário Barbosa Lima Sobrinho, 19 de Fevereiro de 2003
ARMANDO JOSÉ
DEPUTADO ESTADUAL
JUSTIFICATIVA A imunidade tributária concedida aos templos de qualquer culto prevista no art. 150, VI, b e § 4º, de nossa Constituição da República de 1988, abrange o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das instituições religiosas, “verbis”:
Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
... b) templos de qualquer culto.
... § 4º As vedações expressas no incisos VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas".
Etimologicamente, religião vem de “religare” como uma ligação, um contato ou uma religação do homem com Deus, através da prática religiosa nos referidos templos com a realização de celebrações religiosas e/ou através de atividades que integrem as finalidades e os dogmas religiosos de cada instituição.
De acordo com o entendimento do Dr. MARCIO VIEIRA SANTOS, advogado especializado em direito público e Mestre em Direito do Estado e Evolução Social, acerca da grande importância deste projeto, verifica-se que o mesmo “em nível estadual representa uma garantia à ‘força normativa’ e ao ‘sentimento constitucional’ de nossa ‘Lex Fundamental’ de 1988, parafraseando, respectivamente, konrad Hesse em ‘A Força Normativa da Constituição’ e Pablo Lucas Verdu em ‘El Sentimento Constitucional’, figurando como instrumento protetivo hábil e efetivo do cânone constitucional tributário da IMUNIDADE, atinente,
43
de maneira setorial aos templos de qualquer culto, que na verdade garante a liberdade religiosa e o exercício da cidadania em nosso Estado Democrático de Direito”, conforme adiante verifica-se.
Outrossim, como corolário do supradito princípio constitucional setorial tributário, também vem perquirir o projeto em tela a tutela de outros direitos fundamentais que são a liberdade religiosa e de crença, como rezam os incisos VI e VIII do art. 5º da CRFB/88.
Com esse intuito, busca a alteração dos artigos 1º e 2º da Lei nº 3266, de 06 de outubro de 1999, em prol da inserção dos serviços públicos municipais que devem respeitar a supracitada IMUNIDADE, a qual deve prevalecer em todos os níveis da federação, devendo atingir todos os serviços públicos prestados por concessionárias atuantes em nosso Estado do Rio de Janeiro, por tratar-se de cânone constitucional.
Oportuno ressaltar que, o motivo maior que levou este projeto a ressaltar a questão dos serviços públicos municipais, também abarcados pela presente IMUNIDADE, foi o desrespeito à referida Lei nº 3266/99 por muitas concessionárias de serviços públicos que atuam em diversos municípios localizados em nosso Estado do Rio de janeiro, as quais cobram indevidamente tributos em contas de água, luz, telefone e gás dos templos religiosos, apesar da existência da citada Lei Estadual, criada com fulcro em correta competência legiferante desta ALERJ – Assembléia Legislativa do Estado do Rio de janeiro, que tem abrangência em todo território do Estado do Rio de Janeiro. Inclusive, corroborando com tal argumento, administrativamente a própria fazenda pública e o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro já entendem e orientam tais prestadores de serviços em não efetuar essas cobranças, pois são inconstitucionais.
Ademais, outro ponto importante tratado por este projeto, que inclusive foi recentemente aprovado pela maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento no dia 18 de dezembro de 2002, atinente ao Recurso Extraordinário nº 325.822-SP cujo relator foi o Exmo. Ministro Ilmar Galvão e o redator para acórdão foi o Exmo. Ministro Gilmar Ferreira Mendes, ora abarcando a IMUNIDADE em análise, é a necessária abrangência de tal determinação principiológica constitucional de que os imóveis relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas independemente de servirem diretamente à realização de celebrações religiosas, também não podem "in casu" sofrerem tributação.
Portanto, com esse entendimento, o STF – Supremo Tribunal Federal, por maioria, conheceu de recurso extraordinário e o proveu para, assentando a imunidade, reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo cuja decisão estadual havia determinado de maneira equivocada que, à exceção dos templos em que são realizadas as celebrações religiosas e das dependências que servem
44
diretamente a estes fins, poderia ser cobrado IPTU relativamente a lotes vagos e prédios comerciais de entidade religiosa.
A referida vitória do Recorrente no caso supradito, o qual pleiteou a IMUNIDADE aos imóveis das instituições religiosas que estivessem relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas independemente de servirem diretamente à realização de celebrações religiosas, cujo advogado foi o brilhante DR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS representa uma especial vitória de nossas instituições democráticas e da liberdade de nosso povo, e da cidadania, por não expor qualquer liame ou ferimento à figura da neutralidade confessional do Estado laico.
Posto isto, peço a especial atenção de meus pares sobre o temário em foco e que, com o apoio e aprovação deste projeto por cada parlamentar, mais uma vez nossos institutos de direito e a cidadania acima de tudo possa ser tutelada em nível normativo nos trabalhos desta Douta Casa Legiferante no amado estado do Rio de Janeiro.
LEI 3266, DE 06 DE OUTUBRO DE 199919.
PROÍBE A COBRANÇA DE ICMS NAS CONTAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS ESTADUAIS A IGREJAS E TEMPLOS DE QUALQUER CULTO.
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO D E C R E T A: Art. 1º - Fica proibida a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais - “água, luz, telefone e gás” - a igrejas e templos de qualquer culto, desde que sejam próprios. * Nova redação dada pela Lei nº 3627/2001 * Art. 1º - Fica proibida a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais – água, luz, telefone e gás – de igrejas e templos de qualquer culto, desde que o imóvel esteja comprovadamente na posse das igrejas ou templos. Parágrafo único – Nos casos em que o imóvel não for próprio, a comprovação do funcionamento deverá se dar através de contrato de locação ou comodato devidamente registrado, ou ainda, da justificativa de posse judicial. * Nova redação dada pela Lei nº 3863/2002.
19 Portal do Governo do Estado do Rio de Janeiro. www.govervo.rj.gov.br
45
Art. 2º - São definidas, para efeito do Artigo 1º, as contas relativas a imóveis ocupados por templos de qualquer culto, devidamente registrados. Art. 3º - Fica o Governo do Estado desobrigado a restituir valores indevidamente pagos até a data da vigência desta Lei. Art. 4º - Os templos deverão requerer, junto às empresas prestadoras de serviços, a imunidade a que têm direito. Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, 06 de outubro de 1999.
DEPUTADO SÉRGIO CABRAL
Presidente
46
CONCLUSÃO
A presente monografia buscou abordar as diversas correntes de
doutrinas sobre este tema tão complexo que é o alcance das imunidades
tributárias, ficando demonstrado que a imunidade não é uma benesse, um
privilégio que a sociedade concede, mas um ônus que assume aquela
instituição que se obriga a cumprir os requisitos constitucionalmente
estabelecidos para o exercício daquelas determinadas atividades.
O titular da imunidade não é nem a instituição, nem o Estado, mas a
sociedade, difusamente representada, que estabelece no ordenamento jurídico
as diretrizes a serem seguidas por aqueles que desejam ser desonerados de
impostos.
O interesse das futuras gerações em uma sociedade melhor é que
determina a desoneração tributária atual, sendo que o exercício cotidiano da
cidadania é que permitirá alcançar este objetivo.
O nosso entendimento é de que a jurisprudência deva continuar
caminhando no sentido de imprimir uma visão ampla e uma interpretação
teleológica, isto é, buscando a inter-relação entre meios e fins, buscando
maximizar o potencial de efetividade das imunidades, entendendo que, se o
legislador se preocupou em proteger o patrimônio, este constituído de bens,
direitos e obrigações, a renda e os serviços de alguns entes da sociedade que
o auxiliam no alcance dos objetivos do Estado, como o fez em relação aos
templos de qualquer culto por entender a importância da atuação dessas
entidades no bem estar social, equilíbrio espiritual e emocional da sociedade.
Certo é que o Estado, através dos seus legisladores e julgadores deve
impedir o mau uso, os abusos, os excessos, a má fé de pessoas e se utilizam
das imunidades para obterem benefícios próprios, bem como os indivíduos
47
integrantes das entidades imunes, quer sejam fieis, religiosos, associados,
filiados ou sindicalizados, devem exercer um acompanhamento rigoroso na
gestão financeira e patrimonial dessas entidades, evitando também eventuais
desvios das finalidades essenciais e as delas decorrentes.
48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006; ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 4ª ed. Editora Revista dos Tribunais,2004 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2003; Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 3ª ed.Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1974; BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 9ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002; BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário – São Paulo:Ed. Saraiva CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2004; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário. 10ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2006. GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. Os Princípios e Normas Constitucionais Tributários. São Paulo LTr, 1976. LACERDA FILHO, Mario José. Imunidades Tributárias de Templos de Qualquer Culto. Disponível em <http:/www.uj.com.br>Acesso em: 15 mar. 2008. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20ª edição revista atualizada e ampliada de acordo com as EC 32 e 33/2001.São Paulo:Ed. Malheirosros, 2002. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1998. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros
49
MONTEIRO, Samuel. Tributos e Contribuições. 2ª. Ed. São Paulo: Ed. Hemus, 1991 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário, 10ª ed. SP, Saraiva, 1990. POGGI, Gianfranco . A Evolução do Estado Moderno. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1981 SCAFF, Fernando Facury. Cidadania e Imunidade Tributária. Disponível em <http://www.mp.pr.gov.br> Acesso em: 15 mar. 2008. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 6ª ed. São Paulo: RT, 1990. TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação, Rio de Janeiro:Renovar, 1995. COELHO, Werner Nabiça. A Imunidade Tributária dos Templos – Breves Considerações. Disponível em http://www.uj.com.br. Acesso em: 15 mar. 2008. Portal do Governo do Estado do Rio de Janeiro. www.govervo.rj.gov.br
50
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
1
0
1.1– Precedente Histórico
1
0
1.2 – Conceito
1
5
CAPÍTULO II - IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO
1
8
2.1 – Precedente Histórico
1
8
2.2 – Alcance das Imunidades dos Templos de Qualquer Culto
2
2
CAPÍTULO III – HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO IPTU
2
8
CAPÍTULO IV – HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ISS
3
8
CAPÍTULO V – O CASO DO ICMS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
4
1