Post on 02-Dec-2018
UMA CRIANÇA CEGA DESCOBRE-SE NO DESENHO
Ana Inez Mottim Justino
Profa. Dra. Ana Luiza Ruschel Nunes
Profa. Ms. Marinê Fecci Batistão Leite
RESUMO
Considerando o desenho como uma das mais antigas formas de comunicação e linguagem do ser humano, este trabalho tem como objetivo aplicar e adaptar metodologias de ensino de desenho com pessoas cegas, já estudadas pela Profª Drª Maria Lúcia Batezat Duarte, buscando com a utilização de materiais simples, iniciar a criança cega no desenho infantil. Para tanto fizemos uma revisão de literatura e utilizamos uma metodologia de caráter qualitativo, descritivo e exploratório, em um estudo de caso de uma criança com cegueira congênita, dentro do contexto da APADEVI (Associação de Pais e Amigos de Deficientes Visuais) em Ponta Grossa, Pr. Os resultados mostraram a relevância do papel da arte na educação especial e inclusão educacional do cego vindo a contribuir para a formação integral do aluno.
Palavras-chave: Cegueira, desenho infantil, inclusão educacional.
ABSTRAT
Considering that drawing is one of the oldest forms of human language and communications, this study has the objective of applying and adapting drawing teaching techniques for blind people, as already studied by Prof. Dr Maria Lúcia Batezat Duarte. with use of simple materials start the blind child in children´s. For that we conducted a literature review and applied a qualitative, descriptive and exploratory methodology in a case study a child with congenital blindness from APADEVI (Parents and Friends of Visual Deficit Association) in Ponta Grossa, Pr. The results showed the relevance of art in the special education and the inclusion of the blind student contributing to his development.
Key-words: blindness, childish draw, educational inclusion.
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
106
Introdução
Conhecedores dos trabalhos que estão sendo realizados
visando à inclusão educacional das pessoas com necessidades especiais
e vivenciando o grande momento que passa a arte na educação,
evidenciando-se a leitura de imagens, cultura visual, o conhecer, fruir e
fazer arte, percebemos durante uma disciplina de estágio do curso de
graduação de Licenciatura em Artes Visuais a dificuldade do professor do
ensino regular em trabalhar arte com uma criança com necessidades
educacionais especiais, inserida numa classe de educação infantil do
ensino regular. Com isso, pensamos no desenho como uma das mais
antigas formas de linguagem, comunicação e expressão e surgiram assim
questionamentos de: como se desenvolve o desenho de uma criança
cega? Como a arte poderia contribuir para a inclusão e de uma criança
cega nas artes visuais?
Através de pesquisas, conhecemos as metodologias de ensino
de desenho com pessoas cegas que estão sendo estudadas pela Profª
Drª Maria Lúcia Batezat Duarte(1)(2001, 2003, 2004) Em seus estudos a
autora refere-se à representação de mundo por meio do desenho, vendo-
o como meio de comunicação e de expressão. Aborda a relação entre
imagem mental e esquemas gráficos infantis, trabalhando com uma
seqüência pedagógica experimental para o ensino de desenho a crianças
cegas. Duarte (2004b) se baseia em estudos de Freud, Antônio Damásio
e Bernard Darras em relação a formação de imagens provenientes das
modalidades sensoriais da audição, visão, olfato, tato, gustação e
somatossensorial.
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
107
Assim, tomamos como objetivo neste nosso trabalho aplicar e
adaptar estas metodologias, buscando com a utilização de materiais
simples, descobrir como auxiliar o aluno cego no seu desenvolvimento,
incluindo-o no universo das artes visuais, buscando levá-lo a um
enriquecimento de expressão, pensamento artístico e estético, através do
desenho.
Arte e Educação Especial
Segundo Ferraz e Fusari (1999, p.16), desde o início da
civilização a arte ocupa uma função indispensável na vida das pessoas e
na sociedade, e é “um dos fatores essenciais de humanização. [...] a arte
se constitui [...] manifestação de atividade criativa dos seres humanos ao
interagirem com o mundo em que vivem, ao se conhecerem e ao
conhecê-lo.” Percebemos assim, que a arte é inerente ao ser humano, faz
parte de seu crescimento e desenvolvimento. A arte aproxima as pessoas,
se tornando universal.
Azevedo (2003) relata que a arte e a educação especial no
Brasil tiveram seu grande marco através das idéias da educadora russa
Helena Antipoff que no ano de “1929, [...] veio ao Brasil integrar-se a um
grupo que estava em Minas Gerais reorganizando a Educação daquele
estado exatamente no momento da Reforma Francisco de Campos,
inspirada nos ideais do Movimento Escola Nova.”(AZEVEDO, 2003, p.
100). Entres seus feitos registramos a criação da Sociedade Pestalozzi de
Minas Gerais (1932) e da Sociedade Pestalozzi do Brasil no Rio de
Janeiro (1945). O autor completa que outro fator que contribuiu para a
educação especial e para a arte foi a criação das Escolinhas de Arte do
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
108
Brasil, criado em 1948 no Rio de Janeiro, pelo artista plástico
pernambucano Augusto Rodrigues, auxiliado pela professora de arte
gaúcha Lúcia Valentin e pela artista plástica norte-americana, Margaret
Spencer. Difundiu-se assim o Movimento das Escolinhas de Arte (MEA).
Tendo como princípio básico a livre expressão criadora e a
renovação dos métodos de educação da criança brasileira, nestas
escolinhas tiveram espaço os alunos com necessidades educacionais
especiais, a partir do trabalho da arte-educadora Noemia do Araújo
Varela, que “criou na Escola de Educação Especial Ulisses
Pernambucano um ateliê de Arte voltado para o atendimento às crianças
portadoras de necessidades especiais”.(AZEVEDO, 2003, p.101-102). Até
1973 as escolinhas de arte eram os únicos espaços para o ensino de
artes no Brasil, já que nas escolas a prática artística se restringia ás áreas
de iniciação técnica. (PARANÀ, 1988, p.118).
Com a Lei 5.692/71, no seu artigo 7, a Educação Artística
tornou-se obrigatória nas escolas, e envolvia, segundo Oliveira (2005, p.
14), “as artes plásticas, cênicas e música, porém era considerada como
uma atividade educativa em sala de aula e não vista como uma disciplina
a ser explorada e vivenciada pelos alunos”. Finalmente, em 1996, com a
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 9.394/96, no
art. 26, § 2º, encontramos que “O ensino de arte constituirá componente
curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a
promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.(BRASIL, 1996 apud
CEDCA, 2001, p. 185).
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
109
O ensino da arte é organizado e sistematizado no Brasil, a
partir dos anos 90, sendo ensinado de acordo com Rizzi (2003) através
da “Proposta Triangular do Ensino da Arte” organizada por Ana Mae
Barbosa em torno dos três eixos fundamentais de aprendizagem: a
integração do fazer artístico, apreciação da obra de arte e sua
contextualização histórico-cultural. Nos Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCNs (ARTE), encontramos que.”[...] aprender arte envolve
não apenas uma atividade de produção artística pelos alunos, mas
também compreender o que fazem e o que os outros fazem [...] É
importante que os alunos compreendam o sentido do fazer artístico”.
(BRASIL, 1998, p.43).
Isto significa que, as atividades artísticas podem auxiliar as
pessoas a modificarem sua maneira de enxergar a si mesmo, aos outros
e ao mundo. Compreendemos que esta história humana, também, é a
história de cada um, com respeito às suas diferenças, habilidades,
dificuldades, seu próprio contexto histórico-cultural, variações que
enriquecem a nossa cultura. Entendendo que a arte auxilia na formação
de todas as pessoas, foi realizado no Brasil em 1999, através da
Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (SEESP/
MEC), o Encontro de Pirenópolis, onde firmou-se o “compromisso político
com a inclusão da arte como componente curricular para alunos com
necessidades educacionais especiais”.
Este Encontro de Educação Especial: “Uma Escola de
Qualidade para Todos Respeita a Diversidade”, veio reafirmar o princípio
filosófico “Educação Para Todos” e garantir, entre outras resoluções “a
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
110
presença da arte-educação no projeto político pedagógico das escolas,
[...] da arte como "vetor de inclusão". (BRASIL, 2002, p.11, grifo nosso).
Sabemos que “a linguagem visual envolve um universo amplo
de modos de expressão, desde as [...] categorias da pintura, escultura,
desenho e gravura, incluindo a fotografia, o cinema, o vídeo, as
instalações e as imagens tecnológicas”. Nestas linguagens reconhecemos
entre outros elementos: “a forma, a cor, [...] equilíbrio, o plano, as relações
entre luz e sombra [...]”.(BRASIL, 2002, p.17).
Arnheim (2004, p.153) acrescenta que “[...] Uma das grandes
vantagens educacionais do trabalho artístico é que um mínimo de técnica
basta para dar aos estudantes os instrumentos necessários ao
desenvolvimento independente de seus próprios recursos mentais”. Aqui
colocamos, também, além dos recursos mentais, os recursos físicos,
porque através de simples adaptações podemos incluir o aluno com
algum déficit nas atividades. Mas, para que estas atividades tenham um
bom desenvolvimento e instiguem os alunos, não devem ser impostas
uniformemente a um grupo, mas sim respeitando suas diferenças e
dificuldades, valorizando suas habilidades.
Devemos chamar a atenção para o fato de que a arte não deve
ser trabalhada, apenas como meio de liberar as emoções, ou
simplesmente um passatempo, ela tem objetivos muito mais amplos, a
importância da arte no desenvolvimento cultural e pessoal do aluno,
reconhecendo seu lugar no mundo como cidadão crítico e criativo.
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
111
Desenvolvimento visual e déficit visual
O desenvolvimento evolutivo visual da criança, com visão
normal, ocorre de forma espontânea. Para Mena (2003) a criança inicia
sua percepção do mundo visual através da focalização do rosto da mãe, e
partindo das situações naturais de sua vida como: alimentação, troca de
fraldas, etc. Nesta fase, a criança aprende a focalizar, localizar e procurar.
Ela enxerga a uma distância de aproximadamente 20 centímetros que é à
distância do rosto da mãe com o
Aranha (2005) caracteriza a cegueira por uma “perda total da
visão, até ausência de projeção de luz. O processo de aprendizagem se
fará através dos sentidos remanescentes (tato, audição, olfato,
paladar)”.Do ponto de vista educacional podemos considerar dois grupos
distintos de cegueira: os cegos congênitos e os cegos com cegueira
adquirida. A importância desta diferenciação está em relação à
visualização presente na vida das pessoas que adquiriram a cegueira
facilitando a educação e reabilitação destes sujeitos. (AMIRALIAN, 1985
apud AMIRALIAN, 1997)
É chamada de cegueira congênita quando atinge crianças até
os cinco anos de idade. A autora, ainda, nos explica que depois da fase
de desenvolvimento da criança o efeito da cegueira é muito menos
traumático. Depende, muito mais, das atitudes que os pais adotam de
super proteção, ou de excessiva pressão para que a criança se
desenvolva e funcione “normalmente”. (AMIRALIAN, 1997, p. 68).
O tato é um sentido pelo qual percebemos várias sensações
como: o frio, quente, macio, duro, áspero, liso, seco, molhado. Pelo
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
112
treinamento tátil a criança ou a pessoa deve explorar e conhecer a maior
variedade de texturas, fazer reconhecimento tátil de diferentes objetos,
observando sua temperatura, formas, material, peso. Mas ele só percebe
a totalidade do objeto que cabe na palma de sua mão. Isto nos explica
porque o cego percebe as coisas por partes, fragmentadas.
Cobo, Rodrígues e Bueno (2004, p.110) lembram também que
o tato “está distribuído [...] por toda a superfície da pele [...]”, não reside
apenas nas mãos. Apesar de desempenhar um papel extraordinário para
o cego proporciona uma capacitação limitada de informações. Através do
tato podemos identificar formas e tentar passá-las para uma
representação gráfica bidimensional, mesmo não tendo o sentido da
visão.
Para Gardner (1994, p.135) a inteligência espacial é a
observação que a pessoa faz do mundo visual, “[...] é a capacidade de
perceber uma forma ou um objeto”. As imagens mentais, provavelmente
surgem na forma visual, mas também podem ser criadas por um “[...]
indivíduo cego e que, portanto, não possui acesso direto ao mundo
visual”.
Metodologia da pesquisa
Em relação à natureza dos dados, esta pesquisa se configura
como sendo qualitativa, é uma pesquisa exploratória, descritiva e
Interpretativa, cuja metodologia abrange, além de referencial teórico, a
coleta de dados através de entrevistas com profissionais que atuam na
área, observação e a intervenção direta em um estudo com uma criança
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
113
que apresenta cegueira congênita. Estas observações foram filmadas e
as entrevistas foram gravadas e transcritas.
O local escolhido para a pesquisa de campo foi a APADEVI -
ASSOCIAÇÃO DE PAIS E AMIGOS DO DEFICIENTE VISUAL, uma ONG
mantenedora do Centro de Atendimento Especializado para o Deficiente
Visual. Mantém convênio de amparo técnico com a Prefeitura Municipal
de Ponta Grossa, Secretaria de Estado da Educação (SEED), Fundação
Pró - Amor e Fundação de Amparo à Pessoa Idosa (FAPI). Foi fundada no
dia 22 de Junho de 1985 no bairro de Oficinas em Ponta Grossa, Paraná.
Escolhido o local, foram feitas entrevistas informais com os
professores, pais e aluno, uma análise documental dos históricos e
atividades do pesquisado na instituição com informações de avaliação
médica e educacional.
O aluno selecionado para a pesquisa foi indicado pela própria
direção da APADEVI.. O sujeito de nossa pesquisa é um menino de nove
anos, com diagnóstico médico de cegueira total congênita, Doença de
Norrie(2), que em 2006 estudava na 4ª série do Ensino Fundamental de
uma escola particular de ensino regular e participava das atividades da
APADEVI desde os três meses de idade. Pela manhã, no contra turno da
escola, realiza suas atividades na APADEVI. Faz fisioterapia, participa de
seções com uma psicóloga, sala de apoio (português, matemática)
orientação e mobilidade, sorobã, alfabetização em braille, atividades da
vida diária, música, educação física, informática adaptada, equoterapia,
natação, jogos adaptados e coral.
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
114
As observações e intervenções foram desenvolvidas na própria
sala onde o aluno faz suas atividades de braille e sorobã. O aluno é um
menino muito alegre e comunicativo e muito conversador e mostrou
grande interesse em desenhar, pois nunca tinha feito um desenho.
Para as intervenções fizemos adaptações baseadas nos
trabalhos da Profª Drª Maria Lúcia Batezat Duarte sobre metodologias de
ensino de desenho para pessoas com cegueira e déficit visual, onde
"Acredita-se que esquemas gráficos desenhados em relevo realizados
com materiais e métodos adequados, podem permitir às crianças cegas
um meio de comunicação que, estabelecendo-se de modo tátil e visual”.
(DUARTE, 2004b)
Assim, a autora elaborou uma série de exercícios, visando
desenvolver o raciocínio das crianças cegas. Entre os exercícios
propostos por Duarte (2004a, p.139) citamos os seguintes:
- reconhecimento tátil de sólidos geométricos com diferentes materiais;
- perceber o elemento definidor das “bordas de contorno”, percorrendo
com o dedo indicador as bordas de superfície e contorno do objeto;
- sentir a figura planificada e suas bordas de contorno. As bordas de
contorno propõem, assim, ser mais claramente identificadas como “linha
de contorno”, esta linha de contorno tátil é também sentida em um
desenho previamente realizado em relevo sobre o papel;
- desenhar o objeto traduzido pela observação tátil em forma geométrica,
reler e identificar tátilmente o seu próprio desenho.
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
115
- realizar representações de novos objetos.
As intervenções ocorreram durante o ano de 2006 num total de
10 sessões, uma vez por semana, com duração de 90 minutos cada.
Durante as atividades, sentimos também a necessidade de usar outros
tipos de atividades e materiais com o objetivo de propiciar aos encontros
uma maior diversidade e compreensão dos exercícios.
Nossos procedimentos se basearam na realização de desenho
livre; reconhecimento de objetos variados usando os sentidos
remanescentes; desenho e reconhecimento de linhas e bordas de
contorno de figuras geométricas; desenhos em relevo com massa de
modelar; giz de cera sobre papel e lixa grossa; desenhos-história; figura
humana, corpo e face, objetivos estes que o aluno mostrou interesse em
alcançar.
Os materiais utilizados foram: lixa grossa, papel de diferentes
texturas, massa de modelar, sólidos geométricos, figuras geométricas
planificadas em isopor e EVA, desenhos de linhas em relevo com cola
quente e placas de madeira com linhas vazadas para reconhecimento de
“linhas de contorno”.
No primeiro encontro trabalhamos o desenho livre para
verificarmos em que processo se encontrava o desenho do aluno.
Fazendo reconhecimento tátil através de um bicho de pelúcia o aluno
desenhou um coelhinho. Mostrou que não tem intimidade com o lápis.
Seu desenho se baseia em movimentos automáticos, rápidos e em zigue-
zague e tem mais relação com a fala, desenha o que fala. Apresentou
dificuldades em fazer linhas. Seu desenho é fragmentado, uma
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
116
característica de pessoa cega, mas está disposto numa certa ordem e
seqüência significativa para ele.
Nosso próximo objetivo foi estimular a percepção tátil e
observar como o aluno responde a este reconhecimento, para isto
utilizamos sólidos geométricos e objetos do cotidiano de diferentes
materiais, texturas e tamanhos. Fizemos também o reconhecimento em
duas dimensões usando material plástico E.V.A., verificamos a “linha de
contorno” que dão uma idéia melhor, tanto para o sentido da visão como
do tato, dos limites do objeto a ser desenhado.
Trabalhando com desenho-história pudemos fazer várias
atividades. O próprio aluno criou uma história sobre um rodeio e conforme
ele ia contando, trabalhávamos com massinha e desenho. Pillar (1987, p.
35) explica que “[...] o desenho com história é a organização do espaço
relacionada com a seqüência temporal. [...] o espaço e o tempo são
fundamentais para a representação que possibilita a aquisição da
linguagem.”
Os personagens desta história foram o cavalo, o narrador e a
cantora do rodeio. Em cada tema que foi trabalhado fizemos um
reconhecimento bem detalhado de leitura de objetos sólidos como uma
boneca, reconhecendo as partes do corpo, verificando diversas posições
diferentes, e um cavalo de brinquedo, sendo este o estímulo para ir
fazendo o desenho do cavalo, mas sempre verbalizando sua ação e
mostrando consciência do que estava fazendo. Notamos que com a
observação através do tato de um objeto imitando o real, mas de tamanho
reduzido, o desenho começa a se estruturar melhor. Já podemos
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
117
perceber que ele está conseguindo reunir as partes que ele conhece para
totalizar a estrutura da figura. (Figuras de 1 a 5)
Fig 1. Fita cassete com massa de modelarFonte: acervo portfólio de pesquisa da autora
Fig 2. Fita cassete desenho com lápisFonte: acervo portfólio de pesquisa da autora
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
118
Fig 3. Fita cassete desenho do somFonte: acervo portfólio de pesquisa da autora
Estes exercícios possibilitaram ao aluno a organizar seus
pensamentos, e sua linguagem na construção de significados de seus
desenhos, sendo o cavalode brinquedo (fig.4) a sua preferência para o
desenho.
Fig 4. Cavalo de brinquedoFonte: acervo portfólio de pesquisa da autora
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
119
Fig 5. Desenho do cavaloFonte: acervo portfólio de pesquisa da autora
Quando trabalhávamos com a massinha, o aluno falava em
desenhar as cordas vocais da cantora ou do narrador ou mesmo o
“buraco da cabeça para pensar” lembramos do que diz Lowenfeld (1961,
p. 507, tradução nossa) em seus estudos sobre a arte de crianças cegas,
em que fala que “[...] as experiências dos cegos vem principalmente das
formas que observam tatilmente e sentem em si mesmos [...]”(3).
A referência que nós videntes fazemos de situações visuais,
não apresenta um significado real para o cego que utiliza os outros
sentidos. Devemos ter cuidado em não utilizar conceitos abstratos, sem
experiência direta. O desenho é uma forma de comunicação e o nosso
diálogo durante as atividades possibilitou uma grande troca de
informações enriquecendo o desenvolvimento cognitivo desse aluno, e
favoreceu ao Fabinho a aquisição de novas imagens mentais.
Nas nossas intervenções, além das adaptações das propostas
de Duarte (2004), trabalhamos com o aluno outros tipos de experiências
multissensoriais; auditiva, tátil, olfativa, e gustativa,. No reconhecimento
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
120
tátil, fizemos uso de representações simbólicas de objetos,como foi o
caso do cavalo de brinquedo, mas sempre deixando claro ao aluno que
era uma imitação, um brinquedo e falando sobre as características reais
do objeto.
Procuramos buscar novas alternativas e diferentes propostas
de conhecer objetos e temas de desenho-história que tinham algum
significado para o aluno, tornando-se assim a experiência mais atraente e
lúdica como desenhar um cavalo, um narrador de rodeio ou uma cantora
de axé, fita cassete, cd, e outros objetos de seu cotidiano, relacionando
diversos tamanhos, materiais e texturas, temperaturas, odores, cores e
formas.
No desenho da figura humana, pudemos através da expressão
corporal, e pelo tato, fazer reconhecimento das partes de seu próprio
corpo, movimento, tamanho, funções, lateralidade. Verificamos também o
interesse do aluno pela partes internas do corpo humano que lhe dão
significado como as cordas vocais e a língua.
Acreditamos que as dificuldades do aluno, além da falta de
visão que não permite que a criança tenha experiências visuais e perceba
as formas, também ocorre pela falta de estimulação precoce, pois
conforme depoimento da mãe ele nunca havia desenhado antes e quando
recebia tarefa para casa, de pintar mapas, ou algum outro desenho, esta
atividade era dada sem adaptações e indicações de como fazer. A mãe
não sabendo como proceder falava para ele rabiscar o desenho como ele
faz hoje.
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
121
Notamos que com o tempo, o aluno mostrou-se mais confiante
em relação a sua expressão gráfica dizendo como queria fazer o desenho
deixando aflorar a sua capacidade artística, com um detalhe muito
interessante que fazia questão de colocar em seus desenhos, a
expressão oral, dando vida às suas representações gráficas.
Conclusão
A proposta sugerida no espaço da APADEVI, objetivou auxiliar
o aluno cego congênito no seu desenvolvimento, incluindo-o no universo
das artes visuais, levando-o a um enriquecimento de expressão,
pensamento artístico e estético através do desenho. Priorizou-se
aspectos artísticos e pedagógicos procurando conhecer e desenvolver o
desenho do aluno, com atividades o mais próximo possível de uma
proposta que possa ser oferecida no ensino regular voltado para sua
formação global.
Através dos resultados, vimos a alegria do aluno em participar
das aulas de arte, compartilhando da convivência com outras pessoas,
aprendemos muito e notamos que há muito mais coisa para se aprender,
para se aplicar, para se fazer.
Percebemos que o cego quer e pode mostrar aos outros o que
ele carrega em sua memória, suas imagens mentais e seus sentimentos.
Concordando com Duarte (2004a), sentimos a necessidade do uso de
“esquemas gráficos” no ensino de desenho para crianças cegas,
possibilitando uma melhor compreensão do mundo, facilitando a sua
comunicação, pois como já vimos o cego só consegue reconhecer como
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
122
totalidade os objetos que cabem na palma de sua mão. Mas deixando
claro que o uso destes modelos seria apenas como uma maneira do
aluno “ver” e “conhecer” o objeto em questão e não para fazer cópias.
Pelos resultados obtidos através dos desenhos, percebemos
que o cego, apesar da falta de visão consegue fazer representações
gráficas a partir dos outros sentidos. Concordando com Sacks (1995 apud
DUARTE, 2004) nos dizendo que os cegos “[...] constroem seus mundos
a partir de seqüências [temporais] de impressões (táteis, auditivas,
olfativas) não sendo capazes, como as pessoas com visão, de uma
percepção visual simultânea, de conceber uma cena visual instantânea.”
Trabalhamos cada desenho parte a parte.
Para isso, os educadores devem fazer uso de adaptações de
diferentes materiais e metodologias, respeitando as necessidades
educacionais observadas em cada aluno e buscando alternativas que
permitam o mínimo de interferência do professor na sua produção. No
caso dos alunos cegos e com déficit visual, envolver para isso o
desenvolvimento dos seus sentidos remanescentes como a audição,
paladar, olfato, cinestesia, tato e a fala, muito importantes para aquisição
de novas imagens mentais.
Pudemos perceber também a importância da família da criança
cega em apoiar e participar do seu desenvolvimento e como elas são
motivadas a se envolverem como membros ativos desta instituição de
apoio às pessoas com déficit visual.
Constatamos a relevância do papel da arte na educação
especial vindo contribuir para a formação integral do aluno, nos aspectos
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
123
culturais, criativos, perceptivos, cognitivos, na afetividade e conhecimento
entre outros, tornando a aprendizagem mais prazerosa e enriquecedora
fazendo relações com sua vivência. Percebemos que a arte como “um
vetor de inclusão”, pela sua importância e abrangência, deve participar
mais ativamente deste processo.
Podemos concluir dizendo que, esta metodologia trouxe ao
aluno momentos de lazer, de criatividade e de comunicação para uma
criança que tem mundos a desvendar, o seu mundo, da cegueira e o
mundo dos videntes. Acreditamos que a criança descobriu-se no
desenho.
Notas
(1)Docente do Curso de Graduação e Pós Graduação em Artes Plásticas da Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC
(2)Doença recessiva em que há cegueira congênita (pseudotumor retiniano)
(3)La experiencia de los ciegos totales deriva, principalmente, de las formas que observan y sienten en sí mismos[...] (LOWENFELD, 1961, p.507)
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
124
REFERÊNCIAS
AMIRALIAN, M. L. T. M. Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da cegueira por meio de desenhos-estórias. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
ARANHA, M. S. F. Saberes e práticas da inclusão. Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais de alunos cegos e de alunos com baixa visão. Brasília: SEESP/MEC, 2005, p. 16-17.
ARNHEIM, R. Intuição e intelecto na arte. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
AZEVEDO, F. A. G. de. Multipluralidade e um fragmento da história da Arte/Educação Especial. In: BARBOSA, A. M. (Org.), Inquietações e mudanças no ensino da arte. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. cap.8, p. 95-104.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/ SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Estratégias e orientações sobre artes. Respondendo com artes as necessidades especiais. Brasília, dez. 2002. Disponível em: <http://www.funarte,gov.br/vsa/download/estratégias 2.PDF>Acesso em:10 jul. 2006. COBO, A. D.; RODRIGUES, M. G., BUENO, S. T. Desenvolvimento cognitivo e deficiência visual. In: MARTIN, M.B, BUENO, S.T. (Coord.). Deficiência visual: aspectos psicoevolutivos e educativos. São Paulo: Ed. Santos, 2003. cap. VI, p. 97-115.
DUARTE, M. L. B.. Esquemas gráficos: o pensamento, a comunicação, o ensino da arte. 2001. Disponível em: <http://ceart.udesc.br/Pesquisa/blind/texto_potugues_1.htm>Acesso em: 28 set. 2005
______. Pedras e água – um estudo sobre desenho e cognição. Na travessia das artes. Anais do XI Encontro da ANPAP. São Paulo: FAAP, 2001.Disponível em: <http://ceart.udesc.br/Pesquisa/blind/texto_potugues_2.htm>Acesso em: 28 set. 2005.
______.Sobre o funcionamento cerebral e a importância do desenho para cegos. 2003. Disponível em: <http://ceart.udesc.br/Pesquisa/blind/texto_potugues_3.htm>Acesso em: 28 set. 2005.
______. Imagens mentais e esquemas gráficos: ensinando desenho a uma criança cega. In: MEDEIROS, M. B. de (Org.). Arte em pesquisa:
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
125
especificidades. Ensino e aprendizagem da arte; linguagens visuais, Brasília, v. 2, p. 2004a.
______. O desenho como elemento de cognição e comunicação ensinando crianças cegas. 2004b. Disponível em: <http://ceart.udesc.br/Pesquisa/blind/texto_potugues_4.htm> Acesso em: 28 set . 2005
FERRAZ, M. H. C. de T.; FUSARI, M. F.de R. e. Metodologia do ensino de arte. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1999.
GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Tradução de Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
LOWENFELD, V. Desarrollo de la capacidad creadora. Buenos Aires: Kapelusz, 1961. v. 2.
MENA, N. R. Funcionamento Visual. In: MARTIN, M.B, BUENO, S.T. (Coord.). Deficiência visual: aspectos psicoevolutivos e educativos. São Paulo: Santos Editora, 2003. cap. IV. p.67-75.
OLIVEIRA, H. K. de. A Importância da arte no processo ensino-aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais. 2005. 89 f. Monografia (Especialização em Educação Especial). Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2005.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Proposta Preliminar de Educação Artística 2ºGrau. 1988.
RIZZI, M. C. de S. Caminhos metodológicos. In: BARBOSA, A. M. (Org.) Inquietações e mudanças no ensino da arte. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003. cap.5. p.63-70.
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
126
Ana Inez Mottim JustinoMestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UEPG.(2011-2012). Especialista em Inclusão Educacional, 2006, UEPG. Licenciada em Artes Visuais, 2006, UEPG. Professora de Artes Visuais, (2006-2009) APADEVI. Atualmente professora de Artes Visuais, (2009) Universidade Aberta da Terceira Idade, UATI, UEPG.
Profa Dra. Ana Luiza Ruschel NunesProfessora Programa de Pós Graduação de Educação da UEPGProfessora Curso de Artes Visuais UEPGOrientadora
Profa Ms. Marinê Fecci Batistão LeiteProfessora em Educação - UEPG
VII Encontro do Grupo de Pesquisa “Educação, Arte e Inclusão” Florianópolis/SC - 03 e 04 de novembro de 2011
Tema: Educação, Cultura e Sociedade
127