7º Encontro Anual da ANDHEP - Associação Nacional de...

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7º Encontro Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade 23 a 26 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR) Grupo de Trabalho: 8 - Desenvolvimento, Meio Ambiente e Territorialidades Título do Trabalho: Da área de risco ao conjunto habitacional: a produção social da moradia em Fazenda Rio Grande/PR Corina Alessandra Bezerra Carril Ribeiro Doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento do Paraná (MADE/UFPR) RESUMO A implicação entre o contexto global, da esfera econômica e cultural, e o local em andamento resulta em relações contraditórias e desiguais, ora ressaltando-se aspectos positivos (grande disseminação cultural e comunicacional) ora aspectos negativos (pobreza, violência, desemprego). O impacto desse processo nos países periféricos pode ser visto na implantação de Políticas Públicas frágeis e desintegradas no âmbito socioambiental. Na esfera local, reforça-se a segregação espacial das populações pobres que habitam locais longínquos, periféricos e sem infra-estrutura, a partir do modo como é pensada a moradia social para esse segmento. O exemplo dessa realidade é o Conjunto habitacional Jd. Europa, localizado na Região Metropolitana de Curitiba, objeto de nosso estudo, no município de Fazenda Rio Grande, recém-ocupado por famílias advindas das áreas de riscos da cidade, não possui infra-estrutura material adequada e de serviços básicos aos moradores, reforçando o distanciamento e a quase invisibilidade desse segmento. Dentro deste cenário, o conceito de território, destaca-se, como ferramenta teórica importante, mostrando a importância da incorporação das necessidades subjetivas dos indivíduos e dos grupos sociais nas Políticas Públicas. PALAVRA-CHAVE: Segregação espacial; Habitação; Áreas de risco; Fazenda Rio Grande

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7º Encontro Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade

23 a 26 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR)

Grupo de Trabalho: 8 - Desenvolvimento, Meio Ambiente e Territorialidades

Título do Trabalho: Da área de risco ao conjunto habitacional: a produção social da

moradia em Fazenda Rio Grande/PR

Corina Alessandra Bezerra Carril Ribeiro – Doutoranda pelo Programa de Pós

Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento do Paraná (MADE/UFPR)

RESUMO

A implicação entre o contexto global, da esfera econômica e cultural, e o local em

andamento resulta em relações contraditórias e desiguais, ora ressaltando-se

aspectos positivos (grande disseminação cultural e comunicacional) ora aspectos

negativos (pobreza, violência, desemprego). O impacto desse processo nos países

periféricos pode ser visto na implantação de Políticas Públicas frágeis e desintegradas

no âmbito socioambiental. Na esfera local, reforça-se a segregação espacial das

populações pobres que habitam locais longínquos, periféricos e sem infra-estrutura, a

partir do modo como é pensada a moradia social para esse segmento. O exemplo

dessa realidade é o Conjunto habitacional Jd. Europa, localizado na Região

Metropolitana de Curitiba, objeto de nosso estudo, no município de Fazenda Rio

Grande, recém-ocupado por famílias advindas das áreas de riscos da cidade, não

possui infra-estrutura material adequada e de serviços básicos aos moradores,

reforçando o distanciamento e a quase invisibilidade desse segmento. Dentro deste

cenário, o conceito de território, destaca-se, como ferramenta teórica importante,

mostrando a importância da incorporação das necessidades subjetivas dos indivíduos

e dos grupos sociais nas Políticas Públicas.

PALAVRA-CHAVE: Segregação espacial; Habitação; Áreas de risco; Fazenda Rio

Grande

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I. INTRODUÇÃO

O processo de globalização econômica é um fenômeno mundial, complexo e

multifacetado, acirrado pela concorrência dos mercados mundiais, este processo

atinge várias dimensões relacionadas do âmbito sociedade e natureza: o mercado, a

política, a cultura e os recursos naturais. Não há uma preocupação sólida com a

questão ambiental, havendo o uso indiscriminado dos recursos naturais, impactando

profundamente o meio ambiente, alterando-se o uso da terra, contaminando rios e

solos, ocorrendo a perda da diversidade biológica, a extinção de espécies e de

ecossistemas e as alterações nos processos geológicos e hidrológicos, cenário que

compõem o rol das mudanças ambientais globais.

Para MARANDOLA e HOGAN (2009, p.80) os impactos das mudanças

ambientais globais, particularmente os riscos relacionados ao clima, afetam

desproporcionalmente as populações pobres e vulneráveis, moradores de favelas e de

invasões nas encostas, em áreas mal drenadas ou baixadas litorâneas. (UNFPA,

2007).

No Brasil, assim como em âmbito mundial, ainda se convive com as grandes

desigualdades sociais, de renda, políticas, de gênero, etc. Essa situação pode ser

expressa dentro e no entorno das grandes cidades onde a riqueza e a pobreza

convivem paralelamente. Vemos cotidianamente que as populações pobres são

expulsas dos grandes centros e concentram-se na periferia das grandes cidades, que

representam bolsões de miséria. Ocupam os espaços para fins de moradia e

constroem seu cotidiano: o morar longe do trabalho, a ausência de espaços de lazer

em seus bairros, os postos de saúde lotados, a baixa escolaridade e renda familiar

insuficiente representam um perfil quase homogêneo das dificuldades encontradas

pelos moradores das inúmeras periferias brasileiras somado à falta de perspectivas de

melhores condições de vida.

Um exemplo dessa realidade contraditória acima descrita pode ser

exemplificado ao analisarmos o caso da cidade de Curitiba e sua Região

Metropolitana. Apesar de Curitiba ostentar a imagem de capital ecológica do país e

possuir a maior relação área verde por habitante, os municípios que compõem sua

Região Metropolitana, ostentam os piores níveis de qualidade de vida e convivem com

inúmeros problemas sociais e econômicos decorrentes do acesso desigual à cidade e

aos serviços públicos.

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Iremos analisar o caso do município Fazenda Rio Grande1 a seguir, como

exemplo da relação centro-periferia.

II. O MUNICÍPIO DE FAZENDA RIO GRANDE

O município de Fazenda Rio Grande possui uma história de criação recente,

resultado de um desmembramento do município de Mandirituba e instalado em

01/01/1993 (IPARDES) carrega uma forte imagem de cidade-periférica e cidade-

dormitório com grande dependência econômica de Curitiba. Imagem alimentada pelas

altas taxas de crescimento demográfico, pobreza, vulnerabilidade social e econômica.

Segundo dados do IBGE (2010) o município possui 81.687 pessoas. Houve um

aumento populacional de quase 30% em relação ao Censo de 2000. Bem diferente de

Curitiba que no mesmo período teve aumento de apenas 10%. Esse dado reforça a

tese de que o crescimento populacional no Brasil concentra-se nas Regiões

Metropolitanas das capitais, em virtude do alto preço do valor da terra e da

especulação imobiliária crescente nestes grandes centros, obrigando a população

pobre a se deslocar para municípios pobres do entorno das capitais.

A atividade econômica do município caracteriza-se pelo setor industrial e de

serviços, entretanto, a cidade não consegue oferecer empregos suficientes para sua

população, o que faz com que diariamente, segundo DESCHAMPS (2004) cerca de

vinte e cinco mil pessoas desloquem-se até Curitiba para trabalhar.

A cidade apresenta problemas também em relação à gestão dos resíduos

sólidos e esgoto sanitário, pois estão localizados em seu território o aterro sanitário de

Curitiba e Região Metropolitana e a Estação de Tratamento de Esgoto da SANEPAR

(ETE Fazenda Rio Grande), localizada às margens do rio Iguaçu, empreendimentos

que ampliam os riscos e vulnerabilidades socioambientais das populações que

habitam seus entornos (BORTOLUZZI, 2011).

De acordo com o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHI)2,

publicado pela Prefeitura em 2010, com apoio do governo federal, o município de

Fazenda Rio Grande, possui 42 ocupações irregulares com 2.529 moradias Do total

1 Este artigo sobre o município de Fazenda Rio Grande faz parte de um estudo em

desenvolvimento que resultará na minha Tese de Doutorado do Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (MADE/UFPR)

2 “É componente do Programa Habitação de Interesse Social, responsabilidade da Secretaria

Nacional de Habitação do Mcidades, com recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS, contrato de repasse nº. CTR 236.472-96/07 MCIDADES - FNHIS com a Caixa Econômica Federal” com objetivo de “promover o planejamento das ações do setor habitacional de forma a garantir o acesso à moradia digna, a expressão dos agentes sociais

sobre a habitação de interesse social e a integração das ações da habitação com o desenvolvimento urbano” (In PLHI, 2010, p.4).

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de famílias das ocupações irregulares 1.820 são passíveis de regularização no próprio

local, as demais 709 estão vivendo em áreas de risco e precisam ser realocadas. Essa

realidade já se transformou visto que houve a construção do Conjunto habitacional

Jardim Europa o qual já está ocupado com 501 famílias advindas de áreas de risco e

de baixa renda. Isso será abordado a seguir.

III. Produção Social da Moradia

Segundo Maricato (2001:132) no Brasil, como na grande maioria dos países

latino-americanos, a questão da moradia social se identifica com a questão da moradia

em geral, pois se refere à maior parte da população. O acesso ao mercado privado é

tão restrito e as políticas sociais tão irrelevantes que à maioria da população sobram

apenas as alternativas ilegais ou informais.

Sobre a moradia social:

Ela é vista como algo à parte da grande arquitetura e do grande urbanismo. O mesmo acontece na elaboração dos – atualmente – desmoralizados – Planos Diretores. A moradia social, quando está presente, é um capítulo à parte. Quando muito um apêndice. (MARICATO, 2001:132).

As intervenções das Prefeituras nas áreas periféricas (passíveis de

regularização), de risco, de maneira geral, no Brasil caracterizam-se pela realização

de melhorias no próprio local ou remanejamento da população para conjuntos

habitacionais populares, a partir de programas habitacionais existentes com apoio do

Estado (BNH, CDHU, Cingapura, entre outros), de acordo com o orçamento existente

e terreno disponível, que geralmente localiza-se em bairros longínquos dos centros e

sem infra-estrutura adequada. Em Fazenda Rio Grande não é diferente, além de

intervenções de iniciativa local, a produção de moradia social têm ganhado espaço, a

partir de parcerias estabelecidas com o Governo Estadual e Federal, com destaque

para o Programa Minha Casa, Minha Vida, para a população que recebe até três

salários mínimos

A partir de visitas ao município, reuniões e entrevistas com representantes da

Secretaria Municipal de Ação Social de Fazenda Rio Grande, em 2011, verificou-se

que, atualmente, têm sido implementadas pelo município várias ações na área

habitacional, relacionada à regularização fundiária de áreas, remoção de moradores

de área de risco, construção de novas moradias populares e de recuperação

ambiental.

Uma das iniciativas em desenvolvimento pelo município para resolver (em

parte) o problema das áreas de risco foi a construção do Conjunto Habitacional Jardim

Europa. Fruto de um convênio assinado entre a Prefeitura e a Caixa Econômica

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Federal, do Programa do Governo Federal Minha Casa, Minha Vida, que possibilitou a

construção de 501 casas, com o custo de vinte e dois milhões de reais.

“As moradias serão destinadas a pessoas com deficiência, idosos e famílias com renda familiar de até três salários mínimos, que vivem em áreas perto de rios”. (...) “A Companhia de Habitação de Curitiba (COHAB) deu o terreno e o apoio técnico, a Caixa repassou recursos e, com isto, Fazenda Rio Grande está retirando famílias de áreas de risco. Só em parceria como essa será possível enfrentar os problemas sociais comuns da Região Metropolitana de Curitiba", afirmou Richa, acompanhado da presidente da Fundação de Ação Social (FAS), Fernanda Richa (Jornal Agora Paraná, setembro de 2011).

No mês de dezembro de 2011 houve a derrubada de casas dos moradores de

áreas de risco do município e a sua mudança para o conjunto habitacional Jd. Europa.

Foram removidas 275 famílias que estão morando no Conjunto Habitacional Jd.

Europa.

No Brasil, o conjunto habitacional aparece como solução tradicional para

resolver os problemas de moradia para a população de baixa renda, enquanto que

segundo DAMIANI (1993) nos EUA e na Europa implodem-se conjuntos habitacionais:

A escolha pelo conjunto habitacional deve-se ao fato de que em nosso país, os grandes conjuntos habitacionais aparecem, entre outras, como solução habitacional barata relativamente, e necessária para determinada faixa da população que, de outra forma, concentrar em favelas e cortiços. (DAMIANI, 1993:20).

Além disso, não se discute como se constrói a subjetividade e o cotidiano em

um conjunto habitacional, como são as relações dos indivíduos e dos grupos, (laços

de vizinhança e solidariedade, conflitos, etc) que habitam uma estrutura rígida que

mais separa do que integra as pessoas.

III. Os sentidos do morar: a importância do território e do lugar

Sabe-se que o sentido de morar ou habitar vai além da mera ocupação do

espaço físico. Habitar territórios implica em uma relação de vínculo e pertencimento e

da constituição de uma identidade. Segundo VITTE (2009) quando se considera o

território não podem ser desprezadas as questões relativas à subjetividade, à cultura e

à sua manifestação no território. No plano simbólico, uma comunidade ou um indivíduo

remete os seus dilemas existenciais de pertencimento a algum lugar e a uma

comunidade, possibilitando com isso desenvolver a sua sociabilidade e a constituição

de um habitus (Bourdieu, 1994, p.114).

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A respeito disso, estudos científicos que abordem questões sobre a

subjetividade humana em relação ao sentido do morar, ou seja, como essa relação é

construída no espaço e no tempo, articulando as diversas dimensões existentes:

física, biológica e social (meio-ambiente; ambiente construído; relações humanas:

afetividade, tensão, alegria, tristeza, entre outros) de forma interdisciplinar são

necessários.

Damiani (1993, p.13) em sua pesquisa intitulada “A Cidade (des)ordenada

concepção e cotidiano do conjunto habitacional Itaquera I” vai nos dizer que uma das

conseqüências da expansão do capitalismo, é a perda da cidade, que reaparece

como tema, mas não necessariamente atrelada à pobreza material, à pobreza

absoluta, na figura da ausência de serviços e equipamentos urbanos. Aparece como

perda de fluidez da vida urbana, como perda da vida urbana propriamente, e de suas

possibilidades e questiona: Apesar do crescimento das cidades, a cidade como tal,

não seria um atalho, mais ainda, um esconderijo, dos verdadeiros problemas sociais,

que a sociedade coloca?.

Nessa ótica, a autora afirma que é preciso localizar historicamente o cotidiano

como tema, definir quando ele passa a contribuir para o desvendamento do social.

Dessa forma, nortearemos nossa discussão a partir de uma questão central:

Os conjuntos habitacionais construídos para a população de baixa renda têm

representado inclusão social das famílias e o sentimento de pertencimento à cidade?

O sentido do morar e/ou do viver, que se dá no âmbito do território, em nível

local, pode ser entendido pela forma como a sociedade se apropria e utiliza os

espaços e os recursos naturais, balizada pelas relações sociais que são estabelecidas

entre sociedade-natureza, dentro de determinado contexto histórico, e na atribuição de

significados/símbolos a essas práticas ou ações que são reproduzidas no espaço e no

tempo. Esse sentido é, portanto cultural e político e representado por ações e

representações (símbolos).

Segundo Koga3 (2003) é a partir do exame do lugar que se poderá tomar

consciência da complexidade das condições de vida dos indivíduos, sendo os lugares

questão essencial para a formulação das políticas públicas. Concepção que rompe

3 In VITTE, Claudete de Castro Silva. KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo (orgs). Qualidade

de vida, planejamento e gestão urbana: discussões teórico-metodológicas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. P(111).

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com o planejamento urbano tradicional feito por arquitetos e urbanistas que planejam

os espaços para seres humanos abstratos e idealizados.

Verificar e compreender a forma de apropriação e uso dos espaços públicos

(quadras, ruas, campos, etc) e privados (casa, muro, quintal, jardim) dos moradores do

Conjunto habitacional e o sentido produzido em cada ação representacional simbólica

é um dado muito relevante que nos ajudará a enxergar como as relações se

estabelecem no território e sua territorialidade (apropriação) a partir do senso comum.

Neste ponto a Teoria das Representações Sociais é um instrumento teórico e

metodológico interessante de apreensão e análise do pensamento simbólico (ou das

representações sociais de grupos) pois rompe com a visão hegemônica de razão e de

ciência sobre as outras esferas da vida, resgatando outros aspectos como o senso

comum; as ideologias; a linguagem, entre outros, em objetos de conhecimento, antes

descartados e banalizados.

Além disso, apresenta a relação entre sujeito (pesquisador) e objeto (fenômeno

a ser estudado) na construção do conhecimento de forma dinâmica, pois o “objeto”

também é sujeito produtor de idéias e é por elas influenciado. Há uma relação dialética

entre sujeito-objeto.

Com a teoria das Representações Sociais o social torna-se uma dimensão que

pode ser estudada a partir da expressão dos grupos na esfera pública:

O social geralmente tem sido as condições concretas da vida, que envolvem desde relações sociais de produção até mecanismos institucionais de várias ordens. Significados que a vida social assume na sua dimensão pública, no espaço em que uns se encontram com outros, seja de forma direta, como nas ruas, nas praças, nos rituais

coletivos, etc. seja através de mediações institucionais. (GUARESCHI, 1995: 66)

Relacionado ao campo cultural e da esfera pública, Jodelet propõe que os

processos que engendram representações sociais estão embebidos na comunicação e

nas práticas sociais: diálogo, discurso, rituais, padrões de trabalho e produção, arte,

em suma, cultura. (In GUARESCHI, 1995: 79)

IV. O sentido de viver em um conjunto habitacional

No Brasil, o conjunto habitacional aparece como solução tradicional para

resolver os problemas de moradia para a população de baixa renda, enquanto que

segundo DAMIANI (1993) nos EUA e na Europa implodem-se conjuntos habitacionais:

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A escolha pelo conjunto habitacional deve-se ao fato de que em nosso país, os grandes conjuntos habitacionais aparecem, entre outras, como solução habitacional barata relativamente, e necessária para determinada faixa da população que, de outra forma, concentrar em favelas e cortiços. (DAMIANI, 1993:20).

Não se discute o cotidiano em um conjunto habitacional, como são as relações

de vizinhança e solidariedade, enfim, como são construídas as relações de

pertencimento em uma estrutura rígida e que mais separa do que integra as pessoas.

Em nosso estudo de caso, a partir da mudança dos moradores das áreas de

risco para o Conjunto habitacional Jardim Europa, e do uso dos espaços há mais de

três meses, foram observadas as seguintes questões:

1. Distanciamento do edifício do centro da cidade que incentiva o sentimento de

isolamento dos moradores, o não reconhecimento do lugar como pertencente

ao bairro próximo, por ser uma ocupação recente, e à cidade. Contribui para

esta situação a existência de apenas uma linha de ônibus que circula nas

imediações do conjunto.

2. Desvalorização das áreas verdes. A instalação das casas foi realizada no

entorno de áreas de proteção ambiental (APP) sendo que estas não receberam

nenhum projeto paisagístico ou urbanístico;

3. Inadequação do porte dos espaços internos da casa que ignoraram o tamanho

das famílias. Uso inadequado dos quintais com varais de roupas que não

comportam a quantidade de roupas a serem lavadas e secas, além do que faz

com que a imagem da área dos fundos se torne feia e degradada (quintal-

varal);

4. Falta de melhorias nas áreas de calçada e de talude. Não há calçamento para

pedestre, e os taludes (áreas de morros) não receberam tratamento urbanístico

ou paisagístico adequado, transformando-se em áreas de terra a céu aberto e

propensas à erosão do solo, tornando a paisagem degradada e descuidada

5. Ausência de áreas de lazer (playgrounds, quadras, jardins, praças) e de

recreação para as crianças. O que faz com que se utilize para esses fins, áreas

de servidão da companhia de energia elétrica do Paraná (Copel), e nem de

espaços comuns (salas, barracões ou centro comunitário) para a realização de

reuniões, eventos, cursos, etc) que estimule a organização comunitária. Dessa

forma, torna-se difícil o encontro dos moradores seja para conversar, trocar

informações ou mesmo para reivindicar melhorias para o local;

6. Ausência de equipamentos para a coleta e recolhimento dos resíduos sólidos,

o que faz com que as pessoas joguem entulho nas quadras e áreas verdes;

9

7. Equipamentos públicos distantes (escolas públicas e posto de saúde), de

serviços próximos (lavanderias, cafeterias, lanchonetes, culturais, cinemas,

teatros, dentistas, psicólogos, etc) e comércio (lojas, supermercados, vendas);

8. Precariedade dos espaços externos (muros, telhados e portões) do conjunto e

falta de identidade do empreendimento. Estas áreas são de responsabilidade

do morador e sua instalação depende da capacidade de cada família. O que

torna o conjunto com aparência disforme, pois a maioria dos moradores ainda

não teve recursos para realizar estas melhorias, e aqueles que o fizeram

utilizaram materiais precários, tornando a paisagem desigual;

9. Inexistência de espaços comuns (salas, barracões ou centro comunitário) para

a realização de reuniões, eventos, cursos, etc) que estimule a organização

comunitária. Dessa forma, torna-se difícil o encontro dos moradores seja para

conversar, trocar informações ou mesmo para reivindicar melhorias para o

local.

10. Falta de segurança pública no entorno. Como medida paliativa foi instalada

uma guarita com serviço de vigilância de empresa particular que presta serviço

24 horas à Prefeitura. O vigia anota em um caderno as ocorrências que surgem

tais como brigas entre vizinhos, reclamações por excesso de barulho, e em

casos de maior violência chama a Polícia Militar para atuar no local.

11. Ausência de serviço de assistência social municipal. Por ser um

empreendimento financiado pela Caixa Econômica Federal, e do Programa

habitacional MINHA CASA, MINHA VIDA, desde o mês de fevereiro tem sido

realizadas ações sociais, por assistentes sociais terceirizadas, para as famílias

do conjunto. Este trabalho tem a duração de seis meses e prevê o

desenvolvimento de campanhas educativas e a organização de lideranças

locais. Não viu-se envolvimento da Prefeitura nesse trabalho

Em nossa ótica, de maneira geral, o que foi entregue ou financiado para as

famílias de baixa renda foi apenas o edifício, ou seja, (a casa térrea ou sobrado) do

Conjunto habitacional Jd. Popular, desconectado de bairros, infra-estrutura e da

cidade. De que forma isso representa acesso à moradia e pertencimento à cidade?

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Fotos de cenas do cotidiano do Conjunto Habitacional Jardim Europa em Fazenda Rio

Grande

(a) crianças do conjunto (b) lixo espalhado nas áreas verdes

(c) (d)

(c) quintais-varais (d) portão recém-instalado

(e) Serviço de vigilância terceirizado contratado pela

Prefeitura

f) Faixa divulgando o início do trabalho social pela CEF

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Pela distância do Conjunto em relação ao centro da cidade de Fazenda Rio

Grande, e, por conseguinte, acesso a comércio (supermercado, farmácia, lojas de

roupas, etc) e serviços (cabeleireiro, estética, cultural, lazer), algumas famílias estão

oferecendo produtos e serviços no local. Foram identificadas várias iniciativas (venda

de geladinho, serviços de manicure e pedicure, produtos da Avon, padaria, algodão

doce, etc.). Além de representarem uma alternativa de serviço/produto para quem não

pode se deslocar de ônibus ou a pé até o centro da cidade, representa uma alternativa

de geração de renda aos moradores autônomos ou desempregados. Essa iniciativa

pode(ria) ter sido apoiada pelas instâncias de poder, na organização das atividades e

de um local propício à sua realização.

(g) venda de geladinho (h) oferecimento de serviço

VI. Considerações finais:

A conformação da cidade e a ocupação dos espaços valorizados pelo capital

retratam a forma como o poder econômico se manifesta e se reproduz em nossa

sociedade. As áreas centrais são voltadas para as camadas sociais privilegiadas e a

periferia da cidade é destino daquela maioria desprovida de renda e do direito à

cidade.

Além disso, quando se pensa em Política Pública habitacional para a

população pobre, a saída mais comum é a remoção das famílias e a sua transferência

para bairros distantes onde são construídos enormes conjuntos populares, onde há

grande disponibilidade de terra, com preço mais barato.

A vida no Conjunto habitacional se reflete pela sua praticidade e funcionalidade

espacial, segundo DAMIANI (1993), retrato do urbanismo moderno, que separa e isola

as pessoas no ambiente. A sala pequena, o tamanho dos quartos, o tanque lá fora,

tudo é pensado para comportar famílias pequenas que realizam ações rápidas e

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alcançam rapidamente qualquer lugar do recinto. O sentido do espaço já está dado e

só resta a ser seguido. Como pensar em espaços mais humanos que sejam plurais,

incentive o encontro, a reunião e a convivência entre as pessoas?

O sentimento de pertencimento é um processo individual e social que é

construído por relações sociais permeadas por práticas e significados/sentidos

(alegria, tristeza, dor, prazer), que ocorre nos diversos espaços sociais (do trabalho,

da moradia, do lazer, em espaços públicos e privados).

O estudo de caso apresentado (ainda em fase preliminar) mostra que ainda é

necessário que haja melhorias (intervenções) físicas e sociais no Conjunto Jd. Europa

em Fazenda Rio Grande, para propiciar qualidade de vida aos moradores e o

sentimento de pertencimento em relação a sua moradia e à cidade: uso dos espaços

públicos pelos moradores; espaço adequado de lazer para as crianças; local para o

centro comunitário; melhoria na infra-estrutura do bairro que propicie a acessibilidade;

a mobilidade urbana; acesso a bens materiais e imateriais (culturais).

Esse processo depende em grande parte da participação dos moradores em

todo o processo como sujeitos conscientes de seus direitos e deveres. Disso resultará

na construção de uma organização comunitária; integração entre as famílias e luta por

melhorias que são urgentes e dependem em grande parte desta pressão social.

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