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Uma análise comparativa do perfil das chefias militares nas Minas do século
XVIII: os postos de mestre de campo e capitão mor
Gabriela Duque Dias∗
Resumo: Este artigo recolhe os dados de duas pesquisas de mestrado que buscam analisar o perfil militar e social dos homens que ocuparam posições de mando nas forças militares que atuaram em território mineiro no período colonial. Neste artigo, buscarei comparar a naturalidade e a posse de títulos entre os capitães mores e mestres de campo. Desvendar as diferenças e semelhanças entre estes oficiais é uma forma de contribuir para a tão pouco visitada, história militar do período colonial. Palavras Chaves: Mestre de campo, capitão mor, Ordenanças
Abstract: This article collects data from two research masters who seek to analyze the social and military men who occupied positions of authority in the military who served in Minas Gerais in the colonial period. In this article we seek to compare the naturalness and holding the bonds between the “capitão mor” and “mestre de campo”. Uncover the differences and similarities between these officers is a way to contribute to so little visited, military history from the colonial period. Key-words: mestre de campo, capitão mor, Ordenanças
Os estudos sobre historia militar no período colonial se mostraram nos últimos anos
reduzidos. A maioria dos trabalhos a esse respeito levaram em conta os aspectos institucionais
das forças militares do período; aqueles que têm como centro de investigação a composição
social do corpo dos oficiais e soldados e a hierarquia militar das tropas são ainda mais
escassos. Com isso, perdeu- se a noção de um exército de Antigo Regime complexo no topo
de sua hierarquia. A fim de entender a complexidade, o perfil das chefias militares, suas
funções e obrigações, este artigo delineia uma comparação entre os oficiais de alta patente
presentes nas forças militares que atuavam em território mineiro. Ou seja, os postos de mestre
de campo e capitão mor. O primeiro correspondia ao mais alto posto dentro de duas forças
que atuavam em território mineiro: Os Corpos Regulares ou tropas pagas e as Milícias, já o
posto de capitão mor correspondia aos comandantes das Ordenanças1.
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Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora, na linha de pesquisa: Poder, mercado e trabalho. È orientanda da Professora Doutora Carla Maria Carvalho de Almeida e financiada pela CAPES. 1 A respeito da organização das tropas ver: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006 e SILVA, Kalina Vanderlei, O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial. Ver Também: SALGADO, Graça. (ORG) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1985. COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões: universo militar luso – brasileiro e as políticas de ordem nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: UFMG. Tese de doutorado. MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII: as capitanias do
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Os corpos regulares ou de primeira linha criados em 1640 em Portugal, correspondia
ao “exército do estado,” eram formados por oficiais pagos, sendo por isso, a única força
militar que recebia soldos da Fazenda Real. Organizada em terços e companhias seus postos
eram ocupados por fidalgos de nomeação real, sendo cada um dos terços comandados por um
mestre de campo general. Seus membros estavam sujeitos a regulamentos disciplinares sendo
homens, portanto, que se dedicavam exclusivamente a atividades militares, devendo estar
“sempre em armas, exercitados e disciplinados”. Nas Minas, as Tropas Pagas eram
conhecidas como Companhia dos Dragões e entrariam em funcionamento no ano de 1719 no
governo de Pedro de Almeida e Albuquerque, o Conde de Assuma. Seus postos eram
ocupados por homens geralmente vindos de Portugal2 (COTTA, 2005:35).
Já as tropas auxiliares eram divididas em milícias e ordenanças. As milícias, criadas
em 1641, era de serviço obrigatório e não remunerado para os civis e serviam de apoio às
tropas de primeira linha. Tinham um caráter territorial móvel, podendo se deslocar de sua
base territorial (ao contrário das ordenanças) para prestar auxílio. Era formada por homens
aptos ao serviço militar já que eram “treinados” e mobilizados em caso de necessidade bélica
e, portanto não estavam totalmente ligados as atividades militares como ocorria nas tropas
pagas. Também estava organizada em terços, recrutados entre a população local e no Brasil
alistado em categorias: brancos, negros e pardos.
Para completar a organização militar estariam os corpos das ordenanças, criadas em
1549 para auxiliar na defesa do território. Seus membros eram recrutados entre a própria
população local masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas
primeiras forças. Tinham um forte caráter local e procuravam realizar um arrolamento de toda
a população para as situações de necessidade militar. Deveriam ter seus próprios
equipamentos militares, permaneciam em seus serviços particulares e somente em caso de
perturbação da ordem pública abandonavam suas atividades. Foi no final de 1709, com a
criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro e com a nomeação do seu primeiro
governador, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho que se instituíram, por carta régia,
as ordenanças e milícias nas Minas. Segundo Raymundo Faoro, as Ordenanças eram: “a
espinha dorsal da colônia, instrumento de ordem e disciplina”. (FAORO,1989: 233 )
Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a manutenção do Império Português no centro-sul da América. Niterói: UFF, 2002. Tese de doutorado. 2 Com a administração pombalina (1750-1777) que a ocupação dos cargos passa a ser estendida também aos habitantes da América.
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A comparação entre o perfil dessas chefias militares contará com os resultados de dois
trabalhos: o primeiro fruto de minha pesquisa de mestrado, ainda em andamento, que consiste
em um estudo prosopográfico sobre o posto de mestres de campo nas Minas setecentistas
entre os anos de 1690 a 1777, intitulado: “ Uma Muy Honrosa patente militar: os mestres de
campo nas Minas setecentistas 1690- 1777”. E o segundo, baseado na dissertação de Ana
Paula Pereira Costa, intitulado “A atuação dos poderes locais na Império Lusitano: uma
análise do perfil das chefias militares dos Corpos de ordenanças e de suas estratégias na
construção de sua autoridade. Vila Rica, 1735-1777”.
A partir de um levantamento realizado na Seção Colonial do Arquivo Publico Mineiro,
e da documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino, chegou-s e a um total de 68
homens que solicitaram a patente de mestre de campo entre os anos de 1690 a 1777,
distribuídos entre as principais comarcas mineiras: Vila Rica, Sabará e Rio das Mortes.
E o segundo trabalho, de Ana Paula Pereira Costa, realizado a partir de um
levantamento da documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino, levantando os
nomes dos indivíduos que receberam as mais altas patentes das ordenanças para a comarca de
Vila Rica entre os anos de 1735-1777, totalizando 136 nomes a serem investigados e
incluindo os postos de capitão mor, sargento e capitão. Levantados os nomes buscou-se segui-
los nas múltiplas relações, o que significa investigar estes sujeitos em vários tipos de fontes de
forma a contemplá-los nos mais variados aspectos – cultural, econômico, político, etc – do seu
cotidiano (FRAGOSO, 2002:62).
Trabalhos que possuem em comum as fontes, a começar pela rica documentação do
Arquivo Histórico Ultramarino, fonte fundamental para todos aqueles que trabalham com a
história colonial, além de testamentos, inventários, as leis militares, entre outros. Salvo as
diferenças existentes entre os trabalhos, o objetivo deste artigo é realizar uma comparação
entre esses oficiais analisando as seguintes características: a naturalidade e a posse de títulos,
bem como mostrar algumas trajetórias de forma a exemplificar o perfil desses oficias
ressaltando aspectos sociais, militares e a inserção social dos oficiais em questão.
A Naturalidade
Este tópico tem por objetivo fazer uma comparação entre as origens dos oficias.
Começaremos com a tabela retirada do trabalho de Ana Paula e depois com a de minha
pesquisa feita da mesma maneira que a dela.
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Naturalidade dos oficias de Ordenanças presentes na Comarca de Vila Rica
(Para os quais temos informação)
Local Freqüência %
Português 65 87,84
Outras capitanias 9 12,16
Total 74 100
Fonte: Inventários post- mortem e testamentos da CSM e da CPOP. Pedidos de passagem para o reino AHU/MG. Processos matrimoniais do AEAM. In: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006. Página 61.
Neste trabalho dos 136 nomes analisados, obteve informações para 74 nomes (54,4%)
do total. Dentre eles a maioria, 65 (87,84%) eram portugueses e 9% (12,16%) procedentes de
outras capitanias da América Portuguesa, no caso, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Naturalidade dos mestres de campo
(para os quais temos informação)
Local Freqüência %
Português 14 20,5%
Outras capitanias 5 7,35%
Total 19 100
Fonte: Dicionários de bandeirantes e sertanistas do Brasil, documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino.
De acordo com a tabela para os 19 nomes para os quais temos informações (27,9%),
19 deles (20,5%) eram portugueses e os outros 5 (7,35%) vieram de outras partes da colônia
como São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Vale lembrar que os dados de minha pesquisa ainda
não são definitivos visto que ainda faltam fontes a serem analisadas, sobretudo os inventários
e testamentos, o que pode levar a um aumento nos números aqui expostos.
Ambos os quadros, confirmam as considerações feitas pela historiografia a respeito
das naturalidade do quadro das elites coloniais. Os objetivos que levavam estes homens a
migrarem para a colônia era a busca por riquezas, status e honra, possibilitando ascensão
social e melhoras nas condições de vida.
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A posse de títulos
Defender seu lugar social em uma sociedade marcada pela hierarquia como era no
Antigo Regime, fazia-se constantemente necessário e, nesse aspecto, os títulos assumiam
importância ímpar. Ser membro de uma Ordem Militar e tornar-se um Familiar do Santo
Ofício era sinal de grande prestígio. Os critérios do Santo Ofício para a aceitação dos
candidatos eram a limpeza do sangue, saber ler e escrever, ser capaz de se encarregar de
averiguações secretas, possuir bens e considerável fortuna. A seleção era feita entre pessoas
que tivessem fazenda e vivessem abastadamente, pois eram necessárias, viagens e deslocações
no decorrer de suas diligências. Ser familiar do Santo Ofício, embora, prestigioso definia
também uma função, qual seja, cumprir as determinações da Mesa de Consciência e Ordens
ou da inquisição, na colônia. Já para se conquistar o Hábito da Ordem de Cristo eram
necessários critérios como limpeza de sangue (ou seja, ausência de descendentes judeus,
mouros, negros e mestiços), isenção de defeito mecânico (ausência de trabalhos manuais entre
os ascendentes), (SILVA,2005: 321). Com as novas conquistas territoriais também os serviços
prestados à Coroa nestas áreas foram acrescidos como fundamento para se conseguir tal título.
A tabela a seguir mostra - nos quais homens foram agraciados com alguns dos títulos mais
importantes oferecidos pela Coroa portuguesa.
Títulos possuídos por alguns dos oficiais de Ordenanças da comarca de Vila Rica3
Nome Familiar Ordem de Cristo António Alves Ferreira - X António Ramos dos Reis - X Caetano Alves Rodrigues - X Cosme Damião Vieira da Silva
- X
Domingos Pinheiro - X Estevão Gonçalves Fraga - X Feliciano José da Câmara - X Francisco Pais de Oliveira - X Francisco Rodrigues Vilarinho
X -
João de Sousa Lisboa X X João Favacho Roubão X - João Lobo Leite Pereira - - João Rodrigues dos Santos - X José Álvares Maciel - X
3 Da seguinte tabela foi retirada a posse do título de Fidalgo.
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José Caetano Rodrigues Horta - X José da Silva Pontes - X Luís José Ferreira da Gouveia - X Manuel de Sousa Pereira X X Nicolau da Silva Bragança - X Nuno José Pinto Pereira - X Vicente Freire de Sousa - X Total 4 17 Fonte: AHU/Projeto resgate – documentação avulsa de Minas Gerais/ cd- ROM. Carta de D Antônio de Noronha remetendo a Martinho Melo e Castro uma relação dos privilegiados existentes em Minas. AHU/MG/cx:111;doc:38. In: In: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006. Página 75.
Titulos possuídos por alguns mestres de campo4
Nomes Familiar Ordem de Cristo Andre Gomes Ferreira X - Antônio Pinto de Magalhães X - Antônio Ramos dos Reis - X Atanasio de Siqueira Brandão - - Bernardo da Silva Ferrão X X Francisco Antônio Cardoso de Menezes e Souza
- X
Francisco Ribeiro X - João da Silva Tavares X - João de Castro Soltomaior X - João Ferreira Tavares - X José Ferreira X - José Quaresma X - Manoel Correa da Silva X - Manuel da Costa Pinheiro X - Manuel Fonseca de Azevedo - X Manuel Gomes da Silva X - Manuel Pereira de Castro X - Nicolau de Souza X - José Martins Figueira Carneiro - X José Rodrigues de Oliveira X X Luis Correia Lisboa - - Manuel Nunes Vianna X -
Fonte: BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira. Habilitações nas Ordens Militares: Séculos XVII a XIX. Ordem de Cristo. Vol. I. Lisboa: Edição de Publicações Multimédia Lda, 2007. BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira. Habilitações nas Ordens Militares: Séculos XVII a XIX. Ordem de Cristo. Vol.II. Lisboa: Edição de 4 Existem dois índices publicados, o primeiro, as “Habilitações nas Ordens Militares” de Nuno Gonçalo Pereira
Borrego, que contém todos os processos existentes na Torre do Tombo em que é possível ver as pessoas que foram habilitadas nas três Ordens Militares existentes em Portugal (Ordem de Avis, de Cristo e de Santiago), no período de XVII-XIX. O outro são os índices dos processos de habilitação para Familiar do Santo Ofício da Inquisição, que mostram também os nomes de todos os homens habilitados em tal instituição.
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Publicações Multimédia Lda, 2007. AMARAL, Luis. Índices dos processos de habilitação para Familiar do Santo Ofício da Inquisição. Lisboa: Edição de Publicações Multimédia Lda, 2007.
No Ultramar, como se disse, a concessão se hábitos militares foi um artifício
utilizado correntemente pelo Rei para premiar os súditos leais que prestassem serviços de
grande utilidade a República. Entre os serviços estavam “a defesa das conquistas, e no caso de
Minas, a garantia do pagamento dos quintos” (PEREIRA, 2006: 76). É importante frisar que
para se conseguir a posse de tais títulos outros critérios se faziam importante, como já citado
acima. Mas, os serviços prestados eram, sem dúvida, um fator fundamental, sobretudo, no
Ultramar.
O perfil de seus comandantes: uma comparação entre duas trajetórias
Afim de exemplificar o perfil dessas chefias militares trago duas trajetórias. A
primeira do mestre de campo Antônio Prado da Cunha e depois do Capitão João Rodrigues
dos Santos.
Antônio Prado da Cunha era português, filho de João do Prado da Cunha e de sua
mulher Mécia Raposo de Siqueira. Casou-se com Maria Pires de Carvalho, filha do sertanista
Jerônimo de Camargo em 1698. Ao requerer patente de mestre de campo dos auxiliares do
distrito de Pitangui em 2 de outubro de 1713, afirmava já ter servido como alferes e depois
capitão de uma companhia que criou o governador Fernão Dias Paes, para o descobrimentos
das esmeraldas, em cuja diligência andou entre os nos de 1674 até 1681, sustentando a seus
escravos, a sua custa, arriscando-se varias vezes nos encontros que teve com os gentio e
procedendo sempre com singular valor e prudência. Teve depois em São Paulo o posto de
capitão de auxiliares que foi acudir a praça de santos, quando andava na costa seis navios
corsários franceses, e também na invasão dos franceses ao Rio de Janeiro no ano de 1711,
procedeu com igual zelo. Na vila de Pitangui possuía lavras de ouro, e em 16 de junho se
passou provisão para servir no oficio de procurador da Coroa e fazenda do distrito de
Pitangui. Parece ter falecido na Chapada de São João, em Jacobina na Bahia no ano de 1725.
(FRANCO, 1954: 131)
Vejamos a trajetória de João Rodrigues dos Santos, cujas informações foram
retiradas do trabalho de Ana Paula. Consta que era natural de Lisboa e Viera para as Minas
entre os anos de 1720- 1724 e permanecera aqui ate o ano de 1773, quando morrera.
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Foi provido no posto de inquiridor, distribuidor e contador da Câmara
da Vila de São João Del Rey. Cargos que lhe permitia ter controle sobre as pessoas
que arremataram contratos na capitania, atuara em julgamentos e distribuir
recursos (ordenados) entre alguns funcionários régios (como tabelião e juízes) , o
que proporcionava vantagens para o estabelecimento de relações sociais , para a
aquisição de cabedais econômico e de status.(PEREIRA, 2006: 76-77)
Também recebeu patente de capitão de Ordenanças, um Habito da ordem de cristo e
sesmarias. Quando morreu deixou um patrimônio de 11:965$265 para ser dividido entre sua
mulher Maria Ferreira da Anunciação e seus 7 filhos.
Observa-se que as duas trajetórias são pautadas por ações que visam ocupar posições
privilegiadas dentro da sociedade mineira, ou seja, a presença na câmara, a posse de escravos
e terras, patentes militares, títulos, casamento e riqueza. Valores que convergem para aquilo
que “entendemos ser o valor norteador das ações desses oficias quando instalados no além
mar, ou seja, busca pela aquisição e consolidação de posições de prestígio e comando”.
(PEREIRA, 2006: 63). Para Giovani Levi, a aquisição do poder nas sociedades de antigo
regime, pode ser entendida como uma recompensa daqueles que sabem explorar os recursos
de uma situação, tirar partido das ambiguidades e das tensões que caracterizam o jogo social.
(LEVI, 2000: 31/33)
Uma trajetória em Comum: o capitão mor e mestre de campo Antônio Ramos dos Reis
Outra trajetória interessante é a de Antonio Ramos dos Reis. É o homem também que
possui mais informações, graças, sobretudo a uma literatura secundária referente a ele. Seu
caso é mais emblemático no que se refere às exigências necessárias para ser agraciado com os
títulos em questão e na busca por distinção social e, sobretudo, o reconhecimento enquanto
um homem de qualidade. Nascido em Portugal e natural da cidade do Porto, chegara ao
Brasil quando ainda tinha 9 anos acompanhado de seus pais. Residira na cidade do Rio de
Janeiro e lá se casou com Vitória dos Reis, com quem teve três filhos. Ainda no Rio de
Janeiro deu início a sua carreira militar servindo alguns anos em praça de soldado infante em
um dos terços da Guarnição do Rio de Janeiro5. Por volta de 1714 vai para as Minas e serve
ao Rei nos mais variados postos militares, entre eles o de capitão dos auxiliares de São
Bartolomeu, o de mestre de campo de Vila Rica em 1732 e por fim o de capitão mor das
5 AHU/MG/cx.39, doc.67
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Ordenanças de Vila Rica em 1741. Segundo Carla Maria Carvalho de Almeida, em 1761,
quando registrara seu testamento:
estava residindo em Vila Rica onde tinha muitas propriedades urbanas e
grandes serviços minerais, era também o homem rico com maior cabedal
econômico. Pelas informações retiradas do seu testamento, sua fortuna somava no
mínimo 78:000$000, que era o preço pelo qual vendera quase todos os seus bens ao
seu sócio José Veloso Carmo, mas podia alcançar maior valor quando se somasse a
ele “algumas dívidas que se me devessem”. (ALMEIDA, 2001:176)
Serviu por diversos anos ao Rei, ascendeu por todos os postos inferiores e ocupou
cargos importantes como o de mestre de campo e capitão, além de desempenhar várias
funções administrativas como o de vereador e o de Juiz de Orfãos, era Cavaleiro Professo da
Ordem de Cristo ofício que evocava dignidade e nobreza.
Embora as dados aqui analisados não permitam uma visão ampla do perfil desses
oficias, visto que analisa apenas a naturalidade e a posse de títulos podemos perceber,
sobretudo, a partir das trajetórias é que eles possuem uma ascensão muito semelhante dentro
das Minas e que passava pela ocupação de cargos administrativos, aquisição de patentes
militares, e fortunas. Cabe averiguar o que os diferiam, sobretudo do ponto de vista militar.
Análises mais amplas na documentação e o andamento de minha pesquisa, é que poderá
responder as perguntas de formas mais contundentes. Por hora, os resultados corroboram a
historiografia existente no que diz repeito, por exemplo, a naturalidade de seus oficias e
comprovam que muitos deles tiveram grande reconhecimento social nas Minas, a partir,
sobretudo da posse de títulos.
Referência bibliográfica
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens Ricos, Homens Bons: produção e
Hierarquização social em Minas colonial: 1750-1822.
AMARAL, Luis. Índices dos processos de habilitação para Familiar do Santo Ofício da
Inquisição. Lisboa: Edição de Publicações Multimédia Lda, 2007.
BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira. Habilitações nas Ordens Militares: Séculos XVII a
XIX. Ordem de Cristo. Vol. I. e II. Lisboa: Edição de Publicações Multimédia Lda,
2007.
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COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise
do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na
construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006
COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões: universo militar luso-brasileiro e as políticas de
ordem nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: UFMG, 2005. Tese de Doutorado.
FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. 1.
Rio de Janeiro: Globo, 1989
FRAGOSO, João. Afogando em nomes : temas e experiências em historia econômica”. In:
Topoi: revista de história.Rio de Janeiro, vol.5, 2002, p.41-70
FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de Bandeirantes e sertanistas do
Brasil. São Paulo:1954
LEVI, Giovanni. A Herança imaterial. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2000.
MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda
metade do século XVIII: as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a
manutenção do Império Português no centro-sul da América. Niterói: UFF, 2002. Tese
de doutorado.
SALGADO, Graça. (ORG) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de
Janeiro: Nova fronteira, 1985.
SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial:
militarização e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII.
Recife: Fundação de Cultura da Cidade de Recife, 2001.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Ed. Unesp, 2005.