Uma Comparacao Entre Os Oficias de Alta Patente-mg XVII DIAS 2012

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Uma análise comparativa do perfil das chefias militares nas Minas do século XVIII: os postos de mestre de campo e capitão mor Gabriela Duque Dias * Resumo: Este artigo recolhe os dados de duas pesquisas de mestrado que buscam analisar o perfil militar e social dos homens que ocuparam posições de mando nas forças militares que atuaram em território mineiro no período colonial. Neste artigo, buscarei comparar a naturalidade e a posse de títulos entre os capitães mores e mestres de campo. Desvendar as diferenças e semelhanças entre estes oficiais é uma forma de contribuir para a tão pouco visitada, história militar do período colonial. Palavras Chaves: Mestre de campo, capitão mor, Ordenanças Abstract: This article collects data from two research masters who seek to analyze the social and military men who occupied positions of authority in the military who served in Minas Gerais in the colonial period. In this article we seek to compare the naturalness and holding the bonds between the “capitão mor” and “mestre de campo”. Uncover the differences and similarities between these officers is a way to contribute to so little visited, military history from the colonial period. Key-words: mestre de campo, capitão mor, Ordenanças Os estudos sobre historia militar no período colonial se mostraram nos últimos anos reduzidos. A maioria dos trabalhos a esse respeito levaram em conta os aspectos institucionais das forças militares do período; aqueles que têm como centro de investigação a composição social do corpo dos oficiais e soldados e a hierarquia militar das tropas são ainda mais escassos. Com isso, perdeu- se a noção de um exército de Antigo Regime complexo no topo de sua hierarquia. A fim de entender a complexidade, o perfil das chefias militares, suas funções e obrigações, este artigo delineia uma comparação entre os oficiais de alta patente presentes nas forças militares que atuavam em território mineiro. Ou seja, os postos de mestre de campo e capitão mor. O primeiro correspondia ao mais alto posto dentro de duas forças que atuavam em território mineiro: Os Corpos Regulares ou tropas pagas e as Milícias, já o posto de capitão mor correspondia aos comandantes das Ordenanças 1 . * Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora, na linha de pesquisa: Poder, mercado e trabalho. È orientanda da Professora Doutora Carla Maria Carvalho de Almeida e financiada pela CAPES. 1 A respeito da organização das tropas ver: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006 e SILVA, Kalina Vanderlei, O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial. Ver Também: SALGADO, Graça. (ORG) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1985. COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões: universo militar luso – brasileiro e as políticas de ordem nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: UFMG. Tese de doutorado. MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII: as capitanias do

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Trabalho científico

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Uma análise comparativa do perfil das chefias militares nas Minas do século

XVIII: os postos de mestre de campo e capitão mor

Gabriela Duque Dias∗

Resumo: Este artigo recolhe os dados de duas pesquisas de mestrado que buscam analisar o perfil militar e social dos homens que ocuparam posições de mando nas forças militares que atuaram em território mineiro no período colonial. Neste artigo, buscarei comparar a naturalidade e a posse de títulos entre os capitães mores e mestres de campo. Desvendar as diferenças e semelhanças entre estes oficiais é uma forma de contribuir para a tão pouco visitada, história militar do período colonial. Palavras Chaves: Mestre de campo, capitão mor, Ordenanças

Abstract: This article collects data from two research masters who seek to analyze the social and military men who occupied positions of authority in the military who served in Minas Gerais in the colonial period. In this article we seek to compare the naturalness and holding the bonds between the “capitão mor” and “mestre de campo”. Uncover the differences and similarities between these officers is a way to contribute to so little visited, military history from the colonial period. Key-words: mestre de campo, capitão mor, Ordenanças

Os estudos sobre historia militar no período colonial se mostraram nos últimos anos

reduzidos. A maioria dos trabalhos a esse respeito levaram em conta os aspectos institucionais

das forças militares do período; aqueles que têm como centro de investigação a composição

social do corpo dos oficiais e soldados e a hierarquia militar das tropas são ainda mais

escassos. Com isso, perdeu- se a noção de um exército de Antigo Regime complexo no topo

de sua hierarquia. A fim de entender a complexidade, o perfil das chefias militares, suas

funções e obrigações, este artigo delineia uma comparação entre os oficiais de alta patente

presentes nas forças militares que atuavam em território mineiro. Ou seja, os postos de mestre

de campo e capitão mor. O primeiro correspondia ao mais alto posto dentro de duas forças

que atuavam em território mineiro: Os Corpos Regulares ou tropas pagas e as Milícias, já o

posto de capitão mor correspondia aos comandantes das Ordenanças1.

Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora, na linha de pesquisa: Poder, mercado e trabalho. È orientanda da Professora Doutora Carla Maria Carvalho de Almeida e financiada pela CAPES. 1 A respeito da organização das tropas ver: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006 e SILVA, Kalina Vanderlei, O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial. Ver Também: SALGADO, Graça. (ORG) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1985. COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões: universo militar luso – brasileiro e as políticas de ordem nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: UFMG. Tese de doutorado. MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII: as capitanias do

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Os corpos regulares ou de primeira linha criados em 1640 em Portugal, correspondia

ao “exército do estado,” eram formados por oficiais pagos, sendo por isso, a única força

militar que recebia soldos da Fazenda Real. Organizada em terços e companhias seus postos

eram ocupados por fidalgos de nomeação real, sendo cada um dos terços comandados por um

mestre de campo general. Seus membros estavam sujeitos a regulamentos disciplinares sendo

homens, portanto, que se dedicavam exclusivamente a atividades militares, devendo estar

“sempre em armas, exercitados e disciplinados”. Nas Minas, as Tropas Pagas eram

conhecidas como Companhia dos Dragões e entrariam em funcionamento no ano de 1719 no

governo de Pedro de Almeida e Albuquerque, o Conde de Assuma. Seus postos eram

ocupados por homens geralmente vindos de Portugal2 (COTTA, 2005:35).

Já as tropas auxiliares eram divididas em milícias e ordenanças. As milícias, criadas

em 1641, era de serviço obrigatório e não remunerado para os civis e serviam de apoio às

tropas de primeira linha. Tinham um caráter territorial móvel, podendo se deslocar de sua

base territorial (ao contrário das ordenanças) para prestar auxílio. Era formada por homens

aptos ao serviço militar já que eram “treinados” e mobilizados em caso de necessidade bélica

e, portanto não estavam totalmente ligados as atividades militares como ocorria nas tropas

pagas. Também estava organizada em terços, recrutados entre a população local e no Brasil

alistado em categorias: brancos, negros e pardos.

Para completar a organização militar estariam os corpos das ordenanças, criadas em

1549 para auxiliar na defesa do território. Seus membros eram recrutados entre a própria

população local masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas

primeiras forças. Tinham um forte caráter local e procuravam realizar um arrolamento de toda

a população para as situações de necessidade militar. Deveriam ter seus próprios

equipamentos militares, permaneciam em seus serviços particulares e somente em caso de

perturbação da ordem pública abandonavam suas atividades. Foi no final de 1709, com a

criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro e com a nomeação do seu primeiro

governador, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho que se instituíram, por carta régia,

as ordenanças e milícias nas Minas. Segundo Raymundo Faoro, as Ordenanças eram: “a

espinha dorsal da colônia, instrumento de ordem e disciplina”. (FAORO,1989: 233 )

Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a manutenção do Império Português no centro-sul da América. Niterói: UFF, 2002. Tese de doutorado. 2 Com a administração pombalina (1750-1777) que a ocupação dos cargos passa a ser estendida também aos habitantes da América.

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A comparação entre o perfil dessas chefias militares contará com os resultados de dois

trabalhos: o primeiro fruto de minha pesquisa de mestrado, ainda em andamento, que consiste

em um estudo prosopográfico sobre o posto de mestres de campo nas Minas setecentistas

entre os anos de 1690 a 1777, intitulado: “ Uma Muy Honrosa patente militar: os mestres de

campo nas Minas setecentistas 1690- 1777”. E o segundo, baseado na dissertação de Ana

Paula Pereira Costa, intitulado “A atuação dos poderes locais na Império Lusitano: uma

análise do perfil das chefias militares dos Corpos de ordenanças e de suas estratégias na

construção de sua autoridade. Vila Rica, 1735-1777”.

A partir de um levantamento realizado na Seção Colonial do Arquivo Publico Mineiro,

e da documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino, chegou-s e a um total de 68

homens que solicitaram a patente de mestre de campo entre os anos de 1690 a 1777,

distribuídos entre as principais comarcas mineiras: Vila Rica, Sabará e Rio das Mortes.

E o segundo trabalho, de Ana Paula Pereira Costa, realizado a partir de um

levantamento da documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino, levantando os

nomes dos indivíduos que receberam as mais altas patentes das ordenanças para a comarca de

Vila Rica entre os anos de 1735-1777, totalizando 136 nomes a serem investigados e

incluindo os postos de capitão mor, sargento e capitão. Levantados os nomes buscou-se segui-

los nas múltiplas relações, o que significa investigar estes sujeitos em vários tipos de fontes de

forma a contemplá-los nos mais variados aspectos – cultural, econômico, político, etc – do seu

cotidiano (FRAGOSO, 2002:62).

Trabalhos que possuem em comum as fontes, a começar pela rica documentação do

Arquivo Histórico Ultramarino, fonte fundamental para todos aqueles que trabalham com a

história colonial, além de testamentos, inventários, as leis militares, entre outros. Salvo as

diferenças existentes entre os trabalhos, o objetivo deste artigo é realizar uma comparação

entre esses oficiais analisando as seguintes características: a naturalidade e a posse de títulos,

bem como mostrar algumas trajetórias de forma a exemplificar o perfil desses oficias

ressaltando aspectos sociais, militares e a inserção social dos oficiais em questão.

A Naturalidade

Este tópico tem por objetivo fazer uma comparação entre as origens dos oficias.

Começaremos com a tabela retirada do trabalho de Ana Paula e depois com a de minha

pesquisa feita da mesma maneira que a dela.

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Naturalidade dos oficias de Ordenanças presentes na Comarca de Vila Rica

(Para os quais temos informação)

Local Freqüência %

Português 65 87,84

Outras capitanias 9 12,16

Total 74 100

Fonte: Inventários post- mortem e testamentos da CSM e da CPOP. Pedidos de passagem para o reino AHU/MG. Processos matrimoniais do AEAM. In: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006. Página 61.

Neste trabalho dos 136 nomes analisados, obteve informações para 74 nomes (54,4%)

do total. Dentre eles a maioria, 65 (87,84%) eram portugueses e 9% (12,16%) procedentes de

outras capitanias da América Portuguesa, no caso, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Naturalidade dos mestres de campo

(para os quais temos informação)

Local Freqüência %

Português 14 20,5%

Outras capitanias 5 7,35%

Total 19 100

Fonte: Dicionários de bandeirantes e sertanistas do Brasil, documentação avulsa do Arquivo Histórico Ultramarino.

De acordo com a tabela para os 19 nomes para os quais temos informações (27,9%),

19 deles (20,5%) eram portugueses e os outros 5 (7,35%) vieram de outras partes da colônia

como São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. Vale lembrar que os dados de minha pesquisa ainda

não são definitivos visto que ainda faltam fontes a serem analisadas, sobretudo os inventários

e testamentos, o que pode levar a um aumento nos números aqui expostos.

Ambos os quadros, confirmam as considerações feitas pela historiografia a respeito

das naturalidade do quadro das elites coloniais. Os objetivos que levavam estes homens a

migrarem para a colônia era a busca por riquezas, status e honra, possibilitando ascensão

social e melhoras nas condições de vida.

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A posse de títulos

Defender seu lugar social em uma sociedade marcada pela hierarquia como era no

Antigo Regime, fazia-se constantemente necessário e, nesse aspecto, os títulos assumiam

importância ímpar. Ser membro de uma Ordem Militar e tornar-se um Familiar do Santo

Ofício era sinal de grande prestígio. Os critérios do Santo Ofício para a aceitação dos

candidatos eram a limpeza do sangue, saber ler e escrever, ser capaz de se encarregar de

averiguações secretas, possuir bens e considerável fortuna. A seleção era feita entre pessoas

que tivessem fazenda e vivessem abastadamente, pois eram necessárias, viagens e deslocações

no decorrer de suas diligências. Ser familiar do Santo Ofício, embora, prestigioso definia

também uma função, qual seja, cumprir as determinações da Mesa de Consciência e Ordens

ou da inquisição, na colônia. Já para se conquistar o Hábito da Ordem de Cristo eram

necessários critérios como limpeza de sangue (ou seja, ausência de descendentes judeus,

mouros, negros e mestiços), isenção de defeito mecânico (ausência de trabalhos manuais entre

os ascendentes), (SILVA,2005: 321). Com as novas conquistas territoriais também os serviços

prestados à Coroa nestas áreas foram acrescidos como fundamento para se conseguir tal título.

A tabela a seguir mostra - nos quais homens foram agraciados com alguns dos títulos mais

importantes oferecidos pela Coroa portuguesa.

Títulos possuídos por alguns dos oficiais de Ordenanças da comarca de Vila Rica3

Nome Familiar Ordem de Cristo António Alves Ferreira - X António Ramos dos Reis - X Caetano Alves Rodrigues - X Cosme Damião Vieira da Silva

- X

Domingos Pinheiro - X Estevão Gonçalves Fraga - X Feliciano José da Câmara - X Francisco Pais de Oliveira - X Francisco Rodrigues Vilarinho

X -

João de Sousa Lisboa X X João Favacho Roubão X - João Lobo Leite Pereira - - João Rodrigues dos Santos - X José Álvares Maciel - X

3 Da seguinte tabela foi retirada a posse do título de Fidalgo.

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José Caetano Rodrigues Horta - X José da Silva Pontes - X Luís José Ferreira da Gouveia - X Manuel de Sousa Pereira X X Nicolau da Silva Bragança - X Nuno José Pinto Pereira - X Vicente Freire de Sousa - X Total 4 17 Fonte: AHU/Projeto resgate – documentação avulsa de Minas Gerais/ cd- ROM. Carta de D Antônio de Noronha remetendo a Martinho Melo e Castro uma relação dos privilegiados existentes em Minas. AHU/MG/cx:111;doc:38. In: In: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006. Página 75.

Titulos possuídos por alguns mestres de campo4

Nomes Familiar Ordem de Cristo Andre Gomes Ferreira X - Antônio Pinto de Magalhães X - Antônio Ramos dos Reis - X Atanasio de Siqueira Brandão - - Bernardo da Silva Ferrão X X Francisco Antônio Cardoso de Menezes e Souza

- X

Francisco Ribeiro X - João da Silva Tavares X - João de Castro Soltomaior X - João Ferreira Tavares - X José Ferreira X - José Quaresma X - Manoel Correa da Silva X - Manuel da Costa Pinheiro X - Manuel Fonseca de Azevedo - X Manuel Gomes da Silva X - Manuel Pereira de Castro X - Nicolau de Souza X - José Martins Figueira Carneiro - X José Rodrigues de Oliveira X X Luis Correia Lisboa - - Manuel Nunes Vianna X -

Fonte: BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira. Habilitações nas Ordens Militares: Séculos XVII a XIX. Ordem de Cristo. Vol. I. Lisboa: Edição de Publicações Multimédia Lda, 2007. BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira. Habilitações nas Ordens Militares: Séculos XVII a XIX. Ordem de Cristo. Vol.II. Lisboa: Edição de 4 Existem dois índices publicados, o primeiro, as “Habilitações nas Ordens Militares” de Nuno Gonçalo Pereira

Borrego, que contém todos os processos existentes na Torre do Tombo em que é possível ver as pessoas que foram habilitadas nas três Ordens Militares existentes em Portugal (Ordem de Avis, de Cristo e de Santiago), no período de XVII-XIX. O outro são os índices dos processos de habilitação para Familiar do Santo Ofício da Inquisição, que mostram também os nomes de todos os homens habilitados em tal instituição.

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Publicações Multimédia Lda, 2007. AMARAL, Luis. Índices dos processos de habilitação para Familiar do Santo Ofício da Inquisição. Lisboa: Edição de Publicações Multimédia Lda, 2007.

No Ultramar, como se disse, a concessão se hábitos militares foi um artifício

utilizado correntemente pelo Rei para premiar os súditos leais que prestassem serviços de

grande utilidade a República. Entre os serviços estavam “a defesa das conquistas, e no caso de

Minas, a garantia do pagamento dos quintos” (PEREIRA, 2006: 76). É importante frisar que

para se conseguir a posse de tais títulos outros critérios se faziam importante, como já citado

acima. Mas, os serviços prestados eram, sem dúvida, um fator fundamental, sobretudo, no

Ultramar.

O perfil de seus comandantes: uma comparação entre duas trajetórias

Afim de exemplificar o perfil dessas chefias militares trago duas trajetórias. A

primeira do mestre de campo Antônio Prado da Cunha e depois do Capitão João Rodrigues

dos Santos.

Antônio Prado da Cunha era português, filho de João do Prado da Cunha e de sua

mulher Mécia Raposo de Siqueira. Casou-se com Maria Pires de Carvalho, filha do sertanista

Jerônimo de Camargo em 1698. Ao requerer patente de mestre de campo dos auxiliares do

distrito de Pitangui em 2 de outubro de 1713, afirmava já ter servido como alferes e depois

capitão de uma companhia que criou o governador Fernão Dias Paes, para o descobrimentos

das esmeraldas, em cuja diligência andou entre os nos de 1674 até 1681, sustentando a seus

escravos, a sua custa, arriscando-se varias vezes nos encontros que teve com os gentio e

procedendo sempre com singular valor e prudência. Teve depois em São Paulo o posto de

capitão de auxiliares que foi acudir a praça de santos, quando andava na costa seis navios

corsários franceses, e também na invasão dos franceses ao Rio de Janeiro no ano de 1711,

procedeu com igual zelo. Na vila de Pitangui possuía lavras de ouro, e em 16 de junho se

passou provisão para servir no oficio de procurador da Coroa e fazenda do distrito de

Pitangui. Parece ter falecido na Chapada de São João, em Jacobina na Bahia no ano de 1725.

(FRANCO, 1954: 131)

Vejamos a trajetória de João Rodrigues dos Santos, cujas informações foram

retiradas do trabalho de Ana Paula. Consta que era natural de Lisboa e Viera para as Minas

entre os anos de 1720- 1724 e permanecera aqui ate o ano de 1773, quando morrera.

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Foi provido no posto de inquiridor, distribuidor e contador da Câmara

da Vila de São João Del Rey. Cargos que lhe permitia ter controle sobre as pessoas

que arremataram contratos na capitania, atuara em julgamentos e distribuir

recursos (ordenados) entre alguns funcionários régios (como tabelião e juízes) , o

que proporcionava vantagens para o estabelecimento de relações sociais , para a

aquisição de cabedais econômico e de status.(PEREIRA, 2006: 76-77)

Também recebeu patente de capitão de Ordenanças, um Habito da ordem de cristo e

sesmarias. Quando morreu deixou um patrimônio de 11:965$265 para ser dividido entre sua

mulher Maria Ferreira da Anunciação e seus 7 filhos.

Observa-se que as duas trajetórias são pautadas por ações que visam ocupar posições

privilegiadas dentro da sociedade mineira, ou seja, a presença na câmara, a posse de escravos

e terras, patentes militares, títulos, casamento e riqueza. Valores que convergem para aquilo

que “entendemos ser o valor norteador das ações desses oficias quando instalados no além

mar, ou seja, busca pela aquisição e consolidação de posições de prestígio e comando”.

(PEREIRA, 2006: 63). Para Giovani Levi, a aquisição do poder nas sociedades de antigo

regime, pode ser entendida como uma recompensa daqueles que sabem explorar os recursos

de uma situação, tirar partido das ambiguidades e das tensões que caracterizam o jogo social.

(LEVI, 2000: 31/33)

Uma trajetória em Comum: o capitão mor e mestre de campo Antônio Ramos dos Reis

Outra trajetória interessante é a de Antonio Ramos dos Reis. É o homem também que

possui mais informações, graças, sobretudo a uma literatura secundária referente a ele. Seu

caso é mais emblemático no que se refere às exigências necessárias para ser agraciado com os

títulos em questão e na busca por distinção social e, sobretudo, o reconhecimento enquanto

um homem de qualidade. Nascido em Portugal e natural da cidade do Porto, chegara ao

Brasil quando ainda tinha 9 anos acompanhado de seus pais. Residira na cidade do Rio de

Janeiro e lá se casou com Vitória dos Reis, com quem teve três filhos. Ainda no Rio de

Janeiro deu início a sua carreira militar servindo alguns anos em praça de soldado infante em

um dos terços da Guarnição do Rio de Janeiro5. Por volta de 1714 vai para as Minas e serve

ao Rei nos mais variados postos militares, entre eles o de capitão dos auxiliares de São

Bartolomeu, o de mestre de campo de Vila Rica em 1732 e por fim o de capitão mor das

5 AHU/MG/cx.39, doc.67

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Ordenanças de Vila Rica em 1741. Segundo Carla Maria Carvalho de Almeida, em 1761,

quando registrara seu testamento:

estava residindo em Vila Rica onde tinha muitas propriedades urbanas e

grandes serviços minerais, era também o homem rico com maior cabedal

econômico. Pelas informações retiradas do seu testamento, sua fortuna somava no

mínimo 78:000$000, que era o preço pelo qual vendera quase todos os seus bens ao

seu sócio José Veloso Carmo, mas podia alcançar maior valor quando se somasse a

ele “algumas dívidas que se me devessem”. (ALMEIDA, 2001:176)

Serviu por diversos anos ao Rei, ascendeu por todos os postos inferiores e ocupou

cargos importantes como o de mestre de campo e capitão, além de desempenhar várias

funções administrativas como o de vereador e o de Juiz de Orfãos, era Cavaleiro Professo da

Ordem de Cristo ofício que evocava dignidade e nobreza.

Embora as dados aqui analisados não permitam uma visão ampla do perfil desses

oficias, visto que analisa apenas a naturalidade e a posse de títulos podemos perceber,

sobretudo, a partir das trajetórias é que eles possuem uma ascensão muito semelhante dentro

das Minas e que passava pela ocupação de cargos administrativos, aquisição de patentes

militares, e fortunas. Cabe averiguar o que os diferiam, sobretudo do ponto de vista militar.

Análises mais amplas na documentação e o andamento de minha pesquisa, é que poderá

responder as perguntas de formas mais contundentes. Por hora, os resultados corroboram a

historiografia existente no que diz repeito, por exemplo, a naturalidade de seus oficias e

comprovam que muitos deles tiveram grande reconhecimento social nas Minas, a partir,

sobretudo da posse de títulos.

Referência bibliográfica

ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens Ricos, Homens Bons: produção e

Hierarquização social em Minas colonial: 1750-1822.

AMARAL, Luis. Índices dos processos de habilitação para Familiar do Santo Ofício da

Inquisição. Lisboa: Edição de Publicações Multimédia Lda, 2007.

BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira. Habilitações nas Ordens Militares: Séculos XVII a

XIX. Ordem de Cristo. Vol. I. e II. Lisboa: Edição de Publicações Multimédia Lda,

2007.

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COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise

do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na

construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências

Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006

COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões: universo militar luso-brasileiro e as políticas de

ordem nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: UFMG, 2005. Tese de Doutorado.

FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. 1.

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FRAGOSO, João. Afogando em nomes : temas e experiências em historia econômica”. In:

Topoi: revista de história.Rio de Janeiro, vol.5, 2002, p.41-70

FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de Bandeirantes e sertanistas do

Brasil. São Paulo:1954

LEVI, Giovanni. A Herança imaterial. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 2000.

MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda

metade do século XVIII: as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a

manutenção do Império Português no centro-sul da América. Niterói: UFF, 2002. Tese

de doutorado.

SALGADO, Graça. (ORG) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de

Janeiro: Nova fronteira, 1985.

SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo e a boa ordem da sociedade colonial:

militarização e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII.

Recife: Fundação de Cultura da Cidade de Recife, 2001.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Ed. Unesp, 2005.